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BELÉM

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BELÉM

2016


Ficha Catalográfica

C397 Centro Cultural Sesc Boulevard Belém 1616/ Centro Cultural Sesc Boulevard: Serviço Social do Comércio DR/PA.- Belém, 2016. 152p. il. ISBN: 987-85-64457-03-4 1. ARTES. 2. FOTOGRAFIA. I. Título CDD. 700


Apresentação



Imagens, memórias e histórias particulares em torno de Belém reúnem-se nesta publicação, 1616, idealizada para celebrar os 400 anos da capital do Pará. Uma realização do Serviço Social do Comércio – Sesc Pará, através do Centro Cultural Sesc Boulevard – CCSB, que se integra às metas do Departamento Nacional para o quinquênio 2011–2015, convidando o público a uma reflexão sobre a cidade e as conexões que ela estabelece no mundo contemporâneo, em um processo participativo, no qual cidadania foi traduzido como um livre exercício do olhar. O projeto que deu origem a este livro memorial nasceu do objetivo de produzir, organizar e compartilhar um repertório de imagens, testemunhos, reflexões e sentimentos sobre a cidade. Um projeto em artes visuais que teve na fotografia o cerne da ação, de onde se desenvolveram palestras, relatos e debates; maratonas fotográficas, que estimularam oficinas e vivências sob a temática “Belém, com que olhos? Poesia, memória, cidade e patrimônio”, culminando em fotovarais para exposição e circulação dos resultados.

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Tudo isso envolveu um público amplo, das mais diversas ocupações – estudantes, comerciários e seus dependentes –, além de convidados, entre artistas, professores, pesquisadores e fotógrafos. Conhecer o processo de formação das imagens através da luz foi o mote para a atividade. Porém, os participantes viveram a experiência maior de uma ação coletiva em torno dos bens simbólicos materiais e imateriais de Belém, às vésperas do marco de quatro séculos de sua fundação como patrimônio urbano da Amazônia e do Brasil. Identificando-os e registrando sua presença no tempo, as pessoas puderam retomar e compreender o processo histórico que levou a Coroa Portuguesa, no século XVII, a escolher esta terra para demarcar seu domínio na parte setentrional da América. Com essa referência, os participantes puderam visualizaros sinais das transformações urbanas pelas quais a cidade passou e se consolidou como capital, interpretando-os poeticamente. Este movimento, proporcionado pelas ações do projeto, afinou-se, sobremaneira, a uma das diretrizes do CCSB: a de propiciar o acesso ao conhecimento e à experimentação de formas de expressão da cultura e da arte, promovendo a educação para o patrimônio material e imaterial. Por estar localizado em um dos principais sítios históricos da cidade, a Campina, o Centro Cultural Sesc Boulevard identifica-se como um agente na valorização e estímulo à preservação dos bens culturais da área do Centro Histórico. O livro 1616 incide sobre Belém e seus referenciais simbólicos, a partir de sua fundação a 12 de janeiro de 1616. Porém, não há dúvida de que, ao envolver a participação da comunidade em torno de suas atividades, o projeto provocou positi-


vamente a expressão de memórias individuais e coletivas, em forma de fotografias e da manifestação da oralidade. Este conjunto sensório e afetivo é uma pequena e significativa contribuição ao imaginário da cidade, que se renova e se amplia justamente pela colaboração que cada cidadão é capaz de promover no seu cotidiano e na forma como o representa ao mundo. 1616 é, assim, além de um registro, um ato de rememoração e de celebração da cidade e de seus habitantes. Um documento que o Centro Cultural Sesc Boulevard coloca nas mãos de seu público, desejando que estas páginas impressas também sejam um presente a cada um que sente a experiência de viver e olhar Belém. Centro Cultural Sesc Boulevard

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Alan Soares | 2012


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Franz Pereira | 2014 Palacete Pinho


Faustino Castro | 2012


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Vam Gonรงalves | 2014


Ana Catarina | 2011


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Anderson Fattori | 2011


Tonico | 2011


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Ronald Junqueiro — Série Festas, Pedreira | 2012


Wagner Okasaki — Série BRT | 2012


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Jorane Castro | 2013


Wagner Santana | 2013


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Marcia Seabra — Série No Embalo, Ariramba | 2014



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Evna Moura — Ensaio 1: Translocas | 2012


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Kazuo Kamizono | 2011


Camila Lima | 2011


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Ronaldo Andrade — Ruído da Chuva | 2013


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ValĂŠrio Silveira | 2013 Ah, Os Teus Sonhos de Rio!


Figura 1. Fotografia de Anderson Coelho — 2011


Rio de Tudo Ver Rose Silveira Jornalista e historiadora

A cidade é objeto da produção de imagens e discursos que se colocam no lugar da materialidade e do social e os representam. Assim, a cidade é um fenômeno que se revela pela percepção de emoções e sentimentos dados pelo viver urbano e também pela expressão de utopias, de esperanças, de desejos e medos, individuais e coletivos, que esse habitar em proximidade propicia. 35

Sandra Jatahy Pesavento


No momento em que este texto começar a ser lido, alguém dentro de um avião, barco ou navio estará visualizando, fotografando ou filmando a Belém que começa a se desenhar no horizonte, como que surgindo de dentro da Baía do Gua jará. A imagem da cidade se aproximando, crescendo aos olhos, tornando-se concreta diante das águas, de um lado e de outro do Forte do Castelo, marco de sua fundação, é a representação mais recorrente há quatro séculos. Uma breve busca na internet a respeito de Belém, e este recorte incide como indicial (Figura 1). É preciso dizer, ou lembrar, que antes de esta cidade se configurar como espaço urbano, antes da entrada do colonizador e seus projetos para modernizá-la, há registros de vida de populações indígenas por esses sítios.1 Mas é àquela imagem retrato que este texto se reporta. Ou melhor: àquele modo de ver a cidade na sua particularidade de “objeto de produção de imagens e discursos” que tomam o lugar de sua materialidade, como nas palavras da historiadora gaúcha Sandra Pesavento, que dedicou uma parte de seus estudos ao Rio Guaíba, em Porto Alegre. O ponto de vista do colonizador – a cidade a partir do rio – foi o olhar que se instaurou naturalizado no tempo, transformando o espaço geográfico numa paisagem de memórias, imagens, palavras e sensações. Um cenário. Não um cenário estático, mas vivo e impregnado de cultura, história e linguagem, como sugere o geógrafo e filósofo Eidorfe Moreira ao refletir sobre o conceito de paisagem em Geografia: Os fatos geográficos são fatos de relação, achando-se como se acham em função de uma paisagem, de modo que a sua signi1 Investigações arqueológicas indicam a entrada das primeiras levas de populações indígenas na bacia amazônica há 11 mil anos. Cf. SCHANN; GAMA; GUERRA, 2006, p. 415.


ficação depende do grau ou realce dessa funcionalidade. Quem estuda uma planta ou um animal conhece uma espécie, mas quem estuda um acidente geográfico nem por isso compreende uma paisagem. Nenhum acidente geográfico explica por si só um quadro ou panorama, nem pode ser considerado uma expressão autônoma em relação ao conjunto do qual faz parte. Como observa Jean Brunhes, uma montanha não forma um todo por si mesma, uma cidade não é uma unidade independente, nem tampouco um rio é uma entidade à parte, capazes de conterem em si a sua própria razão de ser... (MOREIRA, 1960, p. 11-12).

Portanto, é preciso mapear fatos que estabeleceram a historicidade dessa ponta de areia, curva de rio, para onde se olha ao se adentrar a cidade. Afinal, ver não é natural, é uma construção simbólica. A boca do Rio Amazonas, lugar onde Belém devora suasmúltiplas narrativas, é uma paisagem de imagens e tempos sobrepostos (Figura 2). Vistas da cidade, plantas Figura 2. Mapa hidrográfico e mapas dos séculos XVIII, XIX e XX, desenhos de viade Belém. Fonte: Google. jantes anônimos ou não e fotografias, muitas fotografias, para determo-nos nas imagens fixas, tomam formada representação da orla fluvial, especialmente onde a cidade começa a fazer sentido como espaço urbano edificado: o Forte do Presépio (Forte do Castelo) e seu entorno, o encontro da Baía do Gua jará e do Rio Guamá, cujas águas vão desembocar no Amazonas, rumando para o Atlântico.

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Um primeiro exemplo pode ser dado com o desenho “Cidade de Belém do Grão-Pará. Prospecto do Poente” (Figura 3), do engenheiro alemão João André Schwebel, que chegou ao Pará em 1753 como membro da Primeira Comissão Demarcadora de Limites, constituída e enviada pela Coroa Portuguesa para aferir sua posse territorial na América. A mesma comissão da qual fez parte o legendário arquiteto bolonhês José Antônio Landi, responsável pelos projetos das edificações erigidas na cidade, no final daquele século. No desenho de Schwebel, em que pese a idealização da paisagem, a cidade se espraia pela orla, apontando os sinais de uma primeira onda modernizadora e civilizatória: a domesticação da própria orla, o forte à direita, as igrejas denotadoras da presença missionária católica, o casario e indicativos de prédios em construção. Este é um momento em que Belém assume o protagonismo político e econômico, tornando-se sede do Estado do Grão-Pará e Maranhão. O processo de expansão da cidade para o interior pode ser mais bem notado na “Planta Geral da Cidade do Pará em 1791” (Figura 4), realizada pelo Tenente-Coronel d’Artilharia, engenheiro Theodosio Constantino de Chermont. Nesta planta, a predominância visual do território sobre o rio indica a incorporação gradual de um discurso de dominação do mato e da água, o processo civilizatório que encontra fundamento no mundo chão. O terceiro exemplo é a “Vista de Belém de 1840” (Figura 5), de autor desconhecido, na qual se percebe o avanço da trama urbana, naquela década durante a qual foi iniciada a recuperação da cidade após os eventos da Cabanagem (1835– 1840), cujas lutas, além de dizimarem parte da população, deixaram um rastro de destruição nas edificações.


Figura 3. Cidade de Belém do Grão Pará. Prospecto do Poente. Desenho de João André Schwebel. Acervo: Serviço de Documentação Geral da Marinha, Rio de Janeiro. Fonte: Fórum Landi.

Figura 4. “Planta Geral da Cidade do Pará em 1791”, realizada pelo Tenente-Coronel d’Artilharia, engenheiro Theodosio Constantino de Chermont. Acervo: Instituto Histórico e Geográfico do Brasil. Fonte: Alunorte, 1995.

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Figura 5. Vista de Belém de 1840. Autoria não identificada. Acervo: Biblioteca Nacional. Fonte: Fórum Landi.

Há uma vastidão de exemplos dessa representação, mas fiquemos com aquelas imagens. Esses documentos remontam à colonização portuguesa na América, à salvaguarda da posse desse território em relação ao dos espanhóis, à consolidação da porção setentrional do Brasil, à ascensão política e econômica de Belém no plano político de Portugal e à urbanização e expansão territorial da capital paraense. Nessas imagens, o rio mira a cidade e a abrange. Não haveria cidade não fosse o rio. Ainda que, ao longo do século XX, a ocupação da orla por empresas privadas tenha obstruído, e ainda obstrua, o acesso ao leito fluvial, impedindo sua visualização a partir do território, cidade e rio são uma coisa só. É como assinala a arquiteta e historiadora Renata Malcher de Araujo (2006, p. 11, grifo meu), ao citar a História Portuguesa escrita pelo chantre de Évora, Manuel Severim de Faria, após a Restauração (1640), na qual discorre sobre a providência da Coroa portuguesa em mandar construir uma fortaleza “na bocca do rio Amazonas”:


[...] é significativo que reforce no seu texto que a fundação da nova fortaleza foi, deliberadamente, um ato de marcação de território, entre o ‘continente’ espanhol do Peru e o ‘continente’ que Portugal reivindicava para si na América, mesmo, e sobretudo, em tempo de união das duas coroas. A seguir afirma que Sua Ma jestade nomeou para aquele ‘descobrimento’ o capitão-mor Francisco Caldeira Castelo Branco que, ainda antes de partir, já vai designado como “descobridor e primeiro conquistador do dito rio”. Note-se que é o rio que está em causa, é ele o objeto da conquista e não é, portanto, à toa que se refere também ao piloto-mor.

A observação é definidora da condição estratégica do rio nesse espaço geográfico, de como o local seria incorporado às transformações urbanas nos séculos posteriores, articulando-se à cidade como objeto do imaginário e de produção do simbólico. Ainda sobre o modelo de colonização, Coelho et al (2006, p. 23-24) assinalam a presença do Forte do Castelo como “um locus privilegiado da topografia colonial de Belém, a exemplo de outros que se abririam à sua volta”. Para completar: “[...] um espaço de convergência e divergência das forças históricas do processo de afirmação da colonização portuguesa no norte do Brasil”. Como é importante reforçar esta última observação: o forte e o rio, na malha urbana, são espaços de batalha entre forças históricas, uma dinâmica reiterada ao longo dos séculos, como será visto mais adiante. Não à toa, os autores também apontam como os relatos de via jantes no século XIX a judaram a compor um olhar de estranhamento – “do eu em relação ao outro” (COELHO et al, 2006, p. 52) – sobre a cidade e seus habitantes por um modo eurocêntrico de catalogação das coisas do mundo.

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Outro aspecto sobre aquelas representações. É relevante assinalar que, incidindo sobre o conteúdo discursivo em torno da cidade, há um componente técnico: o modo de composição do desenho e pintura panorâmicos. Esse modelo de composição, que instaura um modo de ver, pois requer a presença do espectador no centro da observação, caracteriza-se pela ilusão da “visão total” e tem na paisagem o seu tema principal. Para garantir o efeito de reprodução da realidade, os panoramas podem ser circulares ou planos, mas expõem àqueles que os contemplam uma ideia de totalidade. Essa representação remonta a tradições pictóricas da Antiguidade. Há ocorrências dessa técnica na cultura pictórica chinesa, remontando a mais de mil anos. No século XVIII, o pintor irlandês Robert Barker patenteou a expressão “panorama”, relacionando-a à apresentação de vistas da natureza em grande formato. A técnica alcançou grande popularidade entre os séculos XIX e XX, uma vez associada à fotografia, e se mantém, na contemporaneidade, na composição de paisagens, estimulando pesquisas e experimentações.2 Retomando a imagem panorâmica de Belém, não sendo um todo em si, para recuperar as palavras de Eidorfe Moreira, rio e cidade podem ser definidos como um artefato cultural,3 o que desfaz novamente a ideia de uma origem transcendental do espaço urbano, ampliando também a ideia de um olhar criado pelas práticas do ver: narrativas visuais, audiovisuais ou descritivas produzem um acervo de ima2 Para maiores referências sobre o panorama como técnica e modo de ver, Cf. DUBOIS In: SAMAIN, 2005; CONCEIÇÃO, s/d; PINTURA PANORÂMICA, 2013; PANORAMA HISTORY, s/d; PANORAMA, s/d. 3 O historiador Ulpiano Meneses (1998), numa perspectiva historiográfica urbana, ao definir a cidade como um artefato, refere-se à “coisa física, produto e vetor material da apropriação social do espaço: segmento da natureza ao qual o homem (a sociedade) impôs forma, função e sentido”.


gens sobre Belém. A cidade e o olhar sobre ela, o imaginário que a forja, são fomentados pelo viver as representações sobre a cidade edificada, a natureza controlada, domada. Um processo fundado na cultura e na linguagem. De onde recorro a Sandra Pesavento mais uma vez: Sabemos, por certo, [...] que a cidade é, sobretudo, uma materialidade erigida pelo homem, é uma ação humana sobre a natureza. A cidade é, nesse sentido, um outro da natureza: é algo criado pelo homem, como uma sua obra ou artefato. Aliás, é pela materialidade das formas urbanas que encontramos sua representação icônica preferencial, seja pela verticalidade das edificações, seja pelo perfil ou silhueta do espaço construído, seja ainda pela malha de artérias e vias a entrecruzar-se em uma planta ou mapa.

Na representação de Belém, entre a Cidade Velha e a Campina, a silhueta que se impõe em plantas e mapas também é uma imagem reiterada pelos sucessivos projetos arquitetônicos que o poder público, em todas as esferas, tem realizado desde o século XX. Restauros e reformas, sob os mais diversos conceitos e procedimentos metodológicos, num plano político, também representam “batalhas entre forças históricas” pelo estabelecimento de uma linguagem hegemônica sobre a narrativa daquele cenário. Os símbolos são aguerridos: encarnam ora um discurso de transformação, ora de reafirmação do passado colonial.

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Um dos esforços do poder público entre os séculos XX e XXI, em Belém, tem sido a tentativa de restituir o acesso da cidade ao rio. Como já foi mencionado, a obstrução de grande parte da orla em atendimento aos interesses do capital privado quase retirou do cidadão de Belém a experiência de viver em uma cidade à beira-rio e, por óbvio, de vê-la nesta condição. O rio foi apartado dessa produção imagética. Assim, pode-se dizer que foram as representações dessa experiência que alimentaram o imaginário da população, fixa ou flutuante, quanto à existência dessa geografia. A abertura das chamadas “janelas para o rio”, nas últimas décadas do século XX, a judou a renovar este imaginário, reintegrando o rio à vida do cidadão de Belém, também como artefato. Um artefato líquido, fugidio, filosófico: movemo-nos entre ser e não ser nas suas águas, pertencimento fluido e cindido, pois elas criam, de um lado, o ser citadino; de outro, o ser ribeirinho. Mais uma vez, é o olhar colonizador que, no escorrer do tempo, promove essa cisão porque as águas, erráticas e arredias, dão-se menos ao controle que o chão dos arruamentos e fundações. Mas é nessa dialética, sendo parte da cidade ou estando à parte dela, que o rio conforma, a um só tempo, uma expressão histórica, geográfica e cultural. Nos tempos atuais, quando os recursos hídricos constituem um dos bens mais rentáveis e requisitados do mundo capitalista e se veem, na Amazônia, tão ameaçados pela construção de hidrelétricas e pela exploração mineral; quando por suas águas passam milhares de bois em pé, criminosamente transportados para exportação;4 quando é urgente que a humanidade repense o mundo em que vive, 4 No dia 6 de outubro de 2015, o navio Haidar, transportando 5 mil bois vivos para abate na Venezuela, afundou no porto de Vila do Conde, município de Barcarena (PA), matando 4.800 animais. Por meses, as carcaças foram se depositando nas praias do do município, comprometendo a qualidade da água e oferecendo risco à saúde da população local. Até o final de 2016, o navio permanecia submerso no Rio Pará.


requerendo padrões de consumo e de produção mais inteligentes e viáveis coletivamente, proporia uma descolonização do olhar sobre os rios que banham e olham Belém, recriando-os, como paisagem, dentro de nós. Proponho refazer o olhar sobre a Baía do Gua jará e o Rio Guamá, e todos os rios nas cercanias de Belém, recompondo sua presença cenográfica da capital paraense: não apenas um veículo para ver a cidade, mas ele mesmo protagonista iluminado em seu leito, de forma orgânica, integrada, larga e aberta ao outro que se configura do lado oposto, nas margens, sobre suas águas, alargando a própria ideia de cidade (Figura 6).

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Figura 6. Fotografia de Irene Almeida


Seguindo uma sugestão de Eidorfe Moreira (1960, p. 39), seria concretizar a geografia como poesia, considerar o espaço “como fato estético”, sujeito, portanto, às subjetividades: Sempre que o homem vê o mundo exterior em termos paisagísticos e projeta nele a sua ação e o seu pensamento a fim de satisfazer inclinações, interesses ou curiosidades, temos Geografia – a vida considerada em relevo e extensão. Sempre que ele incorpora esse mesmo mundo ao seu patrimônio subjetivo, recriando-o nos seus sonhos, sentimentos e emoções, temos Poesia – a vida em função de uma sensibilidade. Se para o geógrafo a paisagem é um campo de pesquisas e certificações sensoriais, para o poeta ela é um estado ou vivência espiritual. Como objeto ou criação dos sentidos – é fato geográfico; como estado ou forma de sensibilidade – é ato poético.

Esse rio que não nos sabe, pois flui sem protocolos, nem plantas, mapas, fotografias, vídeos, nem literatura, sabemos dele pela experiência dos afetos e das flutuações. Rio de palavras, de imagens, de sons e sensações. Que se inscreve na memória e inaugura, todos os dias, experiências de viver e coabitar entre mundos. Rio das profundidades inscritas no espaço-tempo: “A cidade é sempre um lugar no tempo, na medida em que é um espaço com reconhecimento e significação estabelecidos na temporalidade” (PESAVENTO, 2007). Rio que, feito a imagem construída por Fernando Pessoa na ribeira de sua poesia, já nem importa que não se conforme entre suas margens: “... do seu curso me fio/Porque, se o vi ou não vi/Ele passa e eu confio”.


Fotografias Escritas Santa Maria de Belém do Grão-Pará, de Leandro Tocantins: Nossa Senhora de Belém do Grão-Pará – a misericórdia da Santa e a grandeza do rio. Parauassú, “rio grande” na linguagem dos Tupinambás, abreviado para rio Pará – o desaguadouro dos rios Moju, Acará e Guamá, formando a baía de Gua jará no ponto em que se ergue a cidade de Belém (p. 28). [...] Se preferis encontrar a cidade pelo mar, o cenário oferece outros ângulos. A marcha vagarosa do navio vos permite apreciar demoradamente o espetáculo de entrada no vale amazônico por uma de suas portas: a do rio Pará (p. 34). Belém do Grão-Pará, de Dalcídio Jurandir: Custou a manobra do barco entrar no Ver-o-Peso, o cais das embarcações a vela que vinham do Guamá, Ilhas, Salgado, Mara jó, Tocantins, Contra-Costa... Até vestir aquele fato novo, feito na loja, custou. A meia custou a entrar, as ligas de borracha apertavam nas pernas, onde as marcas de ferida pareciam doer. O sapato, ao calçar, doeu-lhe. Agora, o barco descansava naquele abrigo, ao lado do Necrotério, liberto do mau tempo. Preferia que houvesse atracado defronte das quatro torrinhas do Mercado de Ferro, que davam a Alfredo a impressão das casas turcas vistas no Dicionário Ilustrado. Ou perto das canoas de peixe, ou na escada junto às embarcações de mel, alguidares, jarros e urinóis de barro? Vermelhos urinóis de barro cozendo ao

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sol. Mas o “São Pedro”, como todas as embarcações do Arari, encostava sempre ao lado do Necrotério, a proa olhando os velhos sobrados comerciais que se inclinavam sobre a pequena praça para saudar, à maneira antiga, as canoas que entravam e saíam. Mais alto, queixo roçando os telhados, era o morrinho do Castelo, os canhões sob a erva-de-são-caetano e um muro em ruína e negror, que uma espessa folhagem tentava disfarçar (p. 79-80). De Belém a S. João do Araguaia: Vale do Rio Tocantins, de Ignácio Baptista de Moura A pequena embarcação procurava, a custo, caminhos por entre o costado dos grandes e poderosos navios e vapores que formam a flotilha comercial do primeiro da Amazônia. De outro lado, víamos a cidade afastar-se de nós, envolvida pela auréola da luz elétrica, que semeava de tons fantásticos a casaria e os edifícios públicos, engrandecendo o tamanho e a forma de uma das mais importantes capitais da América do Sul. A grande cidade ainda não dormia: ouviam-se ao longe o rodar das carruagens de luxo, o apito e o cornetim dos trâmueis, o silvo de uma locomotiva de estrada de ferro, os sinais de vapores que chamavam passageiros, orquestras e vozes do populacho no cais (p. 28). Aruanda & Banho de Cheiro, de Eneida de Moraes O Ver-o-Peso manchado de velas de todas as cores, com suas grandes barcaças que trazem, dos mais diversos pontos do Estado, peixes e frutas para a vida da cidade.


No fundo, a Praça do Mercado com o Palácio do Governo e a Prefeitura Municipal, edifícios soberbos, pesados, falando do passado. Uma vez, chegando a Belém, encontrei pintadas de branco todas as estátuas, elas que são de bronze. - Por que estão assim as estátuas? – perguntei. - Porque estavam muito sujas, respondeu-me o Prefeito de então. E anunciou-me com certa vaidade: - Brevemente derrubaremos todas essas casas para construir uma praça moderna. A praça que ele tanto parecia odiar é vizinha ao Ver-o-Peso: casas de azulejos azuis ou amarelos, sacadas de ferro, sobradões coloniais que constituem um dos mais belos recantos de Belém, a praça do Mercado (p. 218).

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Maratonistas



Adeleaide Araujo | 2011


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Adriele Silva da Silva | 2011


Alan Soares | 2012


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Allan Maués — 2013 | Abismo


Ana Catarina | 2011


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Ana LĂşcia Pinheiro | 2014


Anderson Coelho — Desabamento Ed. Real Class | 2011


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Anderson Fattori | 2011


Anderson Rodrigues | 2013


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Anita Lima | 2011


Antonio Garcia — Nega Maluca Personificada por Sra Edna (Grupo Terceira idade) no ColÊgio Brigadeiro Fontenele | 2012


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Arlete Soed — Na Minha Casa | 2011


Berna Ribeiro | 2014


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Beth Ferro | 2014


Caio Brito | 2012


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Camila Lima | 2011


Carol Caromano | 2012


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Carol Fercondine | 2014


Catarina Costa — Mangal das Garças | 2013


73

Dah Passos | 2013


Dani Moura — Dor. Caruana. 5h. Feridas | 2014


75

Danilo Pontes | 2012


Deia Lima — 1A, 1B | 2014


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Desiree Giusti | 2013


Durval Soeiro | 2012


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Edielza Dias | 2013


Everton Nascimento — Um Minuto Sendo Peixe | 2013


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Everton Saraiva | 2013


Evna Moura | 2013


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Faustino Castro | 2012


Flavia Souza — Antônio Juraci | 2013


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Franz Pereira | 2014


87

Fรกtima Soarez | 2012


Galvanda GalvĂŁo | 2011


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Glauce Andrade — Dona Maria, Umarizal | 2012


Goretti Tavares | 2014


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Graรงa Ayan Gaia | 2012


Guto Souza | 2012


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Helen Ribeiro | 2014


Ingrid Souza | 2012


95

Ionaldo Rodrigues | 2012


Irene Almeida | 2012


97

Iza Girard — Hotel Farol | 2013


Janduari SimĂľes | 2011


99

Jeff Alves | 2014


Johnn Lucas — Av. Dr. Freitas | 2012


101

Jorane Castro | 2013


103

João Claudio Feio | 2013


JoĂŁo Sanches | 2012


105

Karina Moriya — A Belém de Lioz | 2011


Karina Martins | 2012


107

Kazuo Kamizono | 2011


Kim Rodrigues | 2013


109

L. M. Cascon | 2012


Leidiane Leal | 2012


111

Luciana Bezerra | 2011


Mara Hermes | 2014


113

Mรกrcia Seabra | 2014


Marco Gomes | 2012


115

Marcos AndrĂŠ Costa | 2014


Mari Neves Peres | 2014


117

Maria Silva — Sob a Janela do Ônibus | 2013


Marise MauĂŠs | 2011


119

Mauro Araujo | 2011


Monique Barros | 2012


121

Paulo Ribeiro | 2013


Priscila Salles | 2012


123

Raul Jr. — A Noite Depois da Chuva em São Brás | 2013


Renata Aguiar — Bar do Parque | 2012


125

Roberto Correa | 2012


Ronald Junqueiro | 2012


127

Ronaldo Andrade | 2014


Ronildo Matsuura | 2013


129

Shirley Penaforte Cardoso | 2011


Suely Nascimento | 2012


131

Te Ribeiro | 2012


Teonila Lima | 2014


133

Tonico | 2011


Valério Silveira — Mosqueiro | 2012


135

Van Gonรงalves | 2014


Vivian Zeidemann | 2011


137

Viviana Quaresma | 2013


Wagner Okasaki | 2012


139

Wagner Santana | 2013


Wildes Lima | 2012


141

Wr Vieira | 2012


143

Teonila LIma — Campina | 2011


BELÉM

2011

2012

Programação educativa e fotovaral na Travessa Leão XIII

Programação educativa e fotovaral na Praça Batista Campos e na Travessa Leão XIII



BELÉM

2013 Programação cultural e fotovaral na Travessa Leão XIII e na Praça Matriz (Mosqueiro)


2014 Programação educativa e fotovaral na Praça dos Estivadores e Estação das Docas

Fotos: Miguel Chikaoka e Paula Sampaio


ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DO SESC PARÁ Presidente do Conselho Regional do Sesc no Pará

Cinema

Sebastião de Oliveira Campos

Carol Abreu

Diretor Regional do Sesc no Pará

Humanidades

Marcos Cezar Silva Pinho

Suelen Silva

Diretora de Educação e Cultura

Literatura

Doris Ferreira Rodrigues Diretora de Administração

Graça Ormanes Diretora de Assistência, Lazer e Saúde

Nedilea Negrão CENTRO CULTURAL SESC BOULEVARD

Cleidiomar Oliveira Música

Marcos Campelo Apoio Administrativo

Aldo Batista Rodrigues Claudia Aline Áudio e Vídeo

Gerente

Nair Burlamaqui

João Evangelista Marcos Favacho Rui Lima

Artes Visuais

Argemiro Guerreiro Márcio Campos Paula Sampaio (Fotografia) Casa de Artes Cênicas

Cleber Sandrim Jean Gama Lívia Paixão Lu Borges Luiz Cantanhede Wilson Oliveira

Manutenção e Serviços Especiais

Carlos Souza, Edson Viana, Ednaldo Alves, Luis Low, Natércia Souza, Pedro Júnior e Rosaleta Dias


PROJETO BELÉM 1616 Coordenação do Projeto Belém 1616 (2011/2015)

Miguel Chikaoka Coordenação Editorial

Paula Sampaio Revisão de Provas

Rose Silveira Logomarca

Bruno Cantuária Designer

Márcio Alvarenga Catalogação

Cleidiomar Oliveira Palestrantes

Elna Trindade, Ernani Chaves, Jorane Castro, Mariano Klautau Filho e Michel Pinho. Colaboradores

Adriana Lima, Ana Paula Correa, Bruno Cantuária, Carol Abreu, Claudia Aline, Carlos Souza, Dayane Eguchi, Debb Cabral, Edinaldo Alves, Eliane Costa, Edeilson Cordovil, Edgar Augusto, Edson Viana, Esther Elgraby, Evila Nascimento, Larissa Cavalcante, Larissa Saud, Luis Low, Juan Pablo, Joice Ribeiro, José Maria Vilhena, João Evangelista, Ylen Brito, Márcio Campos, Marcos Campelo, Natália Costa, Natércia Souza, Otoniel Ribeiro, Pablo Dias, Pedro Júnior, Tayná Cardel, Ravy Bassalo, Rui Lima, Rosaleta Dias e Rose Mafra As fotografias editadas nesta publicação foram autorizadas formalmente por seus autores, responsáveis pelas imagens de terceiros constantes em cada obra. Publicação gratuita





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