Caderno de Pensamentos 2

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Centro Cultural Sesc Boulevard

CADERNO DE PENSAMENTOS | ensaios e críticas

O Centro Cultural Sesc Boulevard oferece ao público uma diversificada programação educativa e artística em todas as linguagens: música, teatro, cinema,dança, fotografia, literatura e artes visuais. A história do prédio que o acolhe confunde-se com a história de Belém, pois evidencia distintos períodos da cidade: uma Belém ainda colonial, inclinada para o comércio, que surgia no bairro da Campina; e uma Belém republicana, durante a qual foi realizada a segunda etapa de construção do prédio, quando este foi expandido e sua frente voltada para a Baía do Guajará. Inaugurado em 2010, depois de um minucioso trabalho de recuperação, o Centro Cultural Sesc Boulevard insere-se nas diretrizes de trabalho do Serviço Social do Comércio, que reconhece a cultura como conjunto de manifestações de um povo, tornando-se uma referência na difusão das artes, através do incentivo à produção artística local e nacional.

CADERNO

DE PENSAMENTOS

ensaios e críticas

O Serviço Sociall do Comércio - Sesc foi criado pelos empresários do comércio de bens e serviços e pelas organizações sindicais. É uma entidade que objetiva proporcionar qualidade de vida ao comerciário, sua família e à sociedade. Localizado em todos os estados brasileiros, o Sesc incentiva a educação de qualidade no desenvolvimento do cidadão, valoriza a diversidade cultural e promove atividades em prol da melhoria de condições de vida no dia a dia dos trabalhadores do comércio. No Pará, foi instalado em 23 de dezembro de 1947. Atualmente possui estrutura para atender a todas as necessidades de sua clientela, em unidades operacionais e centros educacionais nos municípios de Belém, Ananindeua, Castanhal, Santarém, Marabá, Inhangapi, Benevides, Salinópolis e São Francisco do Pará. Sua missão é levar o bem estar social para a família comerciária, abrangendo as áreas de Educação, Saúde, Cultura, Assistência e Lazer.



Diógenes Moura Erinaldo Cirino Felipe Pamplona Georgia Quintas Juan Guimarães Irene Almeida

CADERNO

DE PENSAMENTOS

ensaios e críticas

Belém | PA Serviço Social do Comércio – Sesc/AR/PA 2017


S493

SESC. Administração | Regional Pará. Caderno de pensamentos., - Belém: SESC Boulevard, 2017. 92 p. : il. - (Série caderno de pensamentos, 2) Nota de Conteúdo: Veneno & Aço / Diógenes Moura - Sombras / Irene Almeida Ação Viral Sobre os Signos da Cidade / Juan Guimarães - Rasgos na Superfície e Auto-Mise-en-scène: Found Footage no Documentário Brasileiro Contemporâneo / Felipe Nunes Pamplona - Não Mais Que um Sopro / Erinaldo Cirino - Raciocínio Processual e Aderências Narrativas / Georgia Quintas ISBN 978-85-64457-05-8 1. ARTE. 2.FOTOGRAFIA. 3 CULTURA. I. Título. CDD: 770


CADERNO

DE PENSAMENTOS

ensaios e críticas

Belém | PA Serviço Social do Comércio – Sesc/AR/PA 2017



SUMÁRIO 07

Apresentação Centro Cultural Sesc Boulevard

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Veneno & Aço Diógenes Moura

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Sombras Irene Almeida

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Ação Viral Sobre os Signos da Cidade Juan Guimarães

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Rasgos na Superfície e Auto-Mise-en-scène: Found Footage no Documentário Brasileiro Contemporâneo Felipe Nunes Pamplona

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Não Mais Que um Sopro Erinaldo Cirino

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Raciocínio Processual e Aderências Narrativas Georgia Quintas



APRESENTAÇÃO

Manter uma publicação sobre crítica, no Brasil, não é tarefa das mais fáceis. Uma publicação sobre crítica a partir de imagens, menos ainda. A imagem, nas suas variáveis e particularidades como linguagem, requer uma leitura qualificada, que se abra ao debate, à reflexão e à apreciação da própria imagem. O Serviço Social do Comércio (Sesc) no Pará, através do Centro Cultural Sesc Boulevard, unidade vinculada ao Programa Nacional de Cultura, reconhece a pertinência desta série editorial e traz ao público uma nova edição do Caderno de Pensamentos: Ensaios e Críticas. Este projeto faz parte da Política Cultural do Sesc, que tem entre seus fundamentos promover a reflexão e a criatividade, assumindo socialmente, conforme preconiza em sua Política Cultural, “a responsabilidade de trabalhar para impulsionar esses processos de identificação cultural e de desenvolvimento individuais e coletivos, respeitando o ser humano como um ser ativo e capaz de provocar mudanças em sua realidade e na sociedade”. A série é realizada pelo Núcleo de Fotografia, em parceria com a equipe de Cinema/Design, e reflete a preocupação da instituição em fazer conviver ideias e estimular a observação sobre as muitas formas de se vivenciar o universo das imagens, a partir da fotografia, aliada a outras linguagens, buscando o hibridismo e a transversalidade que norteiam as ações da instituição. Publicizar esses pensamentos visuais é uma forma de valorizar, de um lado, os criadores e, de outro, a própria comunidade. 7


Desde 2013, cada número, de forma não intencional, acaba por configurar um eixo temático a partir das contribuições dos autores convidados. Desta vez, a representação transparece como questão de fundo nas proposições críticas ou poéticas de Juan Guimarães, Felipe Pamplona, Georgia Quintas, Diógenes Moura e Irene Almeida. São interpretações sobre modos de representar através de imagens, buscando as inflexões feitas pelos criadores sobre os referentes. Um corpo de textos que trata, de modo amplo, de subjetividades, da poética da criação, de ações sobre o espaço público e de apropriações. Incluem-se nas duas últimas categorias os artigos “Ação Viral Sobre os Signos da Cidade”, do pesquisador Juan Guimarães, e “Rasgos na Superfície e Auto-mise-en-scène: Foundfootage no Documentário Brasileiro Contemporâneo”, do também pesquisador Felipe Pamplona. No artigo de Guimarães, ao comparar a cidade a um organismo vivo, o autor mostra como as convenções que ordenam o espaço público podem ser tocadas por intervenções criativas, ou “ações virais”, que as transformam, “promovendo um desvio semântico de sua mensagem original”. Entre vários exemplos, o autor cita a ação viral do artista paraense Yuri Barros, demonstrando como essas intervenções podem ser assumidas como discurso artístico. O artigo de Pamplona analisa os ensaios audiovisuais Santos Dumont Pré-cineasta?, de Carlos Adriano, e Pacific, de Marcelo Pedrosa, que utilizam a técnica do foundfootage (imagens de arquivo a produzir narrativas ficcionais) e se associam a uma vertente cinematográfica que fez o sucesso de filmes como Bruxa de Blair Explica o autor: “Aqui, a verdade é forjada por meio do uso dado para essa imagem, fazendo do momento da montagem a formuladora das distintas formas de verdade”. A pesquisadora e crítica Georgia Quintas trata no artigo “Raciocínio Processual e Aderências Narrativas”, da criação poética discursiva do fotógrafo Gilvan Barreto ao produzir a obra O Livro do Sol, a partir de um ensaio sobre a seca no sertão pernambucano. Ao percorrer os procedimentos artísticos de Barreto, a autora assinala como as metáforas são construídas em torno da água e de sua escassez. “Os procedimentos plásticos conduzidos por Gilvan Barreto alinham-se 8


a uma rede de interações (realidade, documento, literatura e cinema), as quais nos levam a pensar mais pontualmente sobre o princípio da criação que envolve o modo de se apropriar, de se relacionar e de transformar o mundo à sua volta”,argumenta. Já as contribuições de Irene Almeida, Erinaldo Cirino e Diógenes Moura exploram a inter-relação de linguagens: a imagem textual ou os textos que saltam das imagens. “Sombras”, o ensaio fotográfico de Irene, constitui-se sobre saudade e silêncio, ou, como assume a artista: “É uma busca de mim mesma através de um silêncio visto em imagens.” Cirino, com “Não Mais Que Um Sopro”, desenha e escreve corpos nus em busca de sentidos, como se fossem desenhos escritos ou textos compostos em nanquim sobre papel. Quase adivinha o pensamento de Diógenes, que assim se apresenta: “Só entende fotografia vendo-a como literatura”. Ele traz para esta edição um poema inédito, “Veneno & Aço”, no qual fotografa, com palavras, personagens e seus universos particulares em uma feira imaginária, onde as ações incidem sobre referentes, que são nomes próprios. Com esse conjunto de pensamentos visuais, esta edição do Caderno quer, sobretudo, convidar o público a pensar nas representações que permeiam o cotidiano e a uma prática essencial à vida em coletividade: a possibilidade de imaginar.

Centro Cultural Sesc Boulevard

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VENENO & AÇO Diógenes Moura

Nasceu em Recife, Pernambuco. É escritor, curador de fotografia e editor independente. Atualmente trabalha na edição de O Livro dos Monólogos – Recuperação Para Ouvir Objetos, textos de sua autoria em formato de leituras dramáticas. Premiado no Brasil e exterior, foi curador de Fotografia da Pinacoteca do Estado de São Paulo entre 1999 e 2013, onde realizou exposições, edições de livros e reflexões sobre o pensamento fotográfico. Pesquisa desde a filosofia da palavra em tempos de cólera aos limites da imagem entre o ontem e o muito além. Só entende fotografia vendo-a como literatura.

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JOSEFA MARIA DA CONCEIÇÃO vivia na feira limpando jazigos. ERONILDES DOS VENTOS ANTÔNIA vivia na feira vendendo piabas. JOSÉ HERÁCLITO DOS SANTOS FILHO pingava na feira lixando tesouras. ANGÚSTIA LOLITA DE LOURDES vivia na feira varrendo renúncias. SEBASTIÃO LOPES CANÇADO vivia na feira trocando bugalhos. NININHA DO OUTRO LADO DA RUA corria na feira rogando vogais.

EUFRÁZIA DOS CANTOS DE LIMA vivia na feira arrotando ternura. BIDIU ANUNCIADA FERREIRA vivia na feira bordando carcaças. CARMELITA MARIA DE LULA vivia na feira trocando dois prantos. NETINHA DA CASA SEM RUMO vivia na feira escolhendo maridos. MARIA PEZÃO AZULADA vivia na feira tentando enxergar. SONIA DO MORRO INFINITO andava na feira alugando testículos.

LAURINDO TENÓRIO PEREIRA vivia na feira provando oráculos. ISABEL DOS PATOS ENFERMOS orvalhava na feira cheirando carniça. MARIA JESUÍNA DA COSTA vivia na feira rasgando tertúlias. VIÉSIO OBOMUS DA CRUZ vivia na feira negociando esperma. NÊGA DA MURIBECA gritava na feira polindo lembranças. PAI ARISTÓTELES DA BULA sangrava na feira quebrando demandas.


JUVENIRA DO SANTO ESPÍRITO vivia na feira macerando cabaças. BERNADETE DA ROCHA ANUNCIADA beirava a feira ampliando mentiras. ZEZINHA GOMES DE CABEDELO vivia na feira afinando tragédias. CLAUDINHO MATOU A MÃE sangrava na feira encharcado pelo tempo.

ADEILDO TABIRA DE LIMA vivia na feira vendendo chicharros. JESUÍNA TEREZA DAS PENCAS mancava na feira amarrando delírios. JOANINHA ENTEADA DE DORA vivia na feira encolhendo reflexos. CLEMENTINA RODRIGUES PURGADA pingava na feira ninando cordéis. APÚLCARA DOS CORDÕES UMBILICAIS corria na feira sem passado algum.

MARIA ESCOLÁSTICA DA CONCEIÇÃO NAZARÉ vivia na feira tatuando memórias e PÓRCIA CAROLINA DO SOBRADO DO BREJO passou pela feira e atirou nos outros.



SOMBRAS Irene Almeida

Vive e trabalha em Belém (PA). Graduada em Pedagogia pela UEPA com MBA em Cerimonial, Protocolo e Eventos - IESAM. Iniciou seus estudos de fotografia em 1996, em oficinas da Fundação Curro Velho e Associação Fotoativa. Participou de diversas exposições coletivas, entre elas: “Fotoativa Pará Cartografias Contemporâneas”, Sesc São Paulo; “Indicial” – Sesc Boulevard; 3º Salão da Vida – artista convidada e “A Arte da Lembrança – A Saudade na Fotografia Brasileira”, Itaú Cultural(SP) e Belém (PA). Realizou a individual “Transitório” no Espaço Cultural Conselheira Eva Andersen Pinheiro MPC, em 2012. No projeto Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia, atua na produção e assistência de Curadoria (2010 a 2016). Integrou a diretoria da Associação Fotoativa de 2007 a 2010.

Silêncio. Imagens que se diluem no tempo

São imagens que remetem à saudade de algo. O estar em algum lugar sem estar ou, ao contrário, ser onipresente. É uma busca de mim mesma através de um silêncio visto em imagens. Como se elas desaparecessem num piscar de olhos, deixando-nos algo. O silêncio, a paz, a presença, ou talvez o nada refletido na luz daquilo que se dilui pelo tempo. 17







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AÇÃO VIRAL SOBRE OS SIGNOS DA CIDADE Juan Guimarães

Mestre em Artes Visuais pela UFPA, que, não sabendo o que fazer com isso, resolveu procurar um caminho espiritual e, talvez, pegar um disco voador.

“Turn on, tune in, drop out”1 “... cada pessoa tem em mente uma cidade feita exclusivamente de diferenças, uma cidade sem figuras e sem forma, preenchida pelas cidades particulares.”2

Cidade: um organismo a ser infectado

Dentre os vários significados dados à palavra organismo, o mais comum é esse que representa o conjunto de órgãos constituintes de um ser vivo. Posteriormente, aquele que significa uma instituição administrativa, gestora de algum serviço público (Prefeitura, Câmara, Polícia Civil, etc.). Esse duplo sentido dado a tal palavra nos demostra a existência de uma tendência em assemelhar o funcionamento das cidades ao dos seres vivos. Dessa tendência parecem surgir 1 “Se ligue, antene-se, caia fora”. Famosa expressão do entusiasta do uso de LSD, Timothy Leary, incentivando os jovens da década de 1960 a abandonarem o sonho de ascensão dentro de sistema capitalista. 2 CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. Rio de Janeiro: Globo, 2003, p. 36. 31


expressões como “o coração da cidade”, para falar da área economicamente mais importante; “artérias”, para falar de vias de tráfego de veículos. Ainda nessa perspectiva, outro tipo de analogia bastante comum é aquela na qual empreendimentos funcionais da urbe são assemelhados a sistemas orgânicos: ruas, estradas e trilhos passam a compor um sistema circulatório indispensável ao vital fluxo de mercadorias e pessoas (exatamente nessa ordem de importância); já os canais, esgotos e valas são facilmente agrupados no sistema excretor. Em meio a tantas comparações possíveis, uma interessa em especial: aquela que assemelha os mecanismos informativos da cidade aos processos comunicativos biológicos dos seres vivos. No corpo humano, por exemplo, a comunicação é realizada pelo sistema nervoso, que, tendo como principais unidades funcionais os neurônios – células comunicantes especializadas –, é responsável por regular e coordenar as atividades corporais. Já na cidade percebemos um sistema informativo composto por signos imprescindíveis ao fluxo de pessoas e bens. E, para constatarmos isso, basta-nos observar o caos em que se transforma o trânsito, quando o semáforo de um cruzamento deixa de funcionar. Semáforos, faixas de pedestre, placas com limite de velocidade. Signos presentes na ortografia citadina, não apenas orientando o tráfego de veículos, como normatizando o comportamento de seus habitantes: “Não pise na grama”, “Proibido buzinar”, “Proibido fumar”, etc. Sobre esse sistema informativo-normativo da cidade, é possível realizar uma ação viral. A ação viral (da Coke-coleaucoke-tellmolotov)

A palavra vírus, oriunda do latim, significa fluido venenoso ou toxina. Por ser uma estrutura acelular, o vírus não possui metabolismo próprio, vindo daí a necessidade de uma célula hospedeira na qual possa adentrar, “injetar” seu material genético, e assim realizar sua replicação. Em muitos casos, os vírus modificam o metabolismo da célula que parasitam, provocando sua degeneração e morte. Exemplo conhecido desse tipo de comportamento viral, que não é único, é o dos bacteriófagos.

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Atualmente, além de nominar esses seres biológicos (?),3 a palavras vírus é utilizada para designar metaforicamente qualquer coisa que se reproduza de forma parasitária, até mesmo ideias. Nessa perspectiva, é possível afirmarmos as ações virais como “um adentrar” em determinado meio informativo, promovendo um desvio semântico de sua mensagem original. Bom exemplo disso são as Inserções em Circuitos Ideológicos, feitas por Cildo Meireles no Projeto Coca-Cola, de 1970, pelas quais fez transitar um discurso subversivo ao capitalismo, utilizando-se do mecanismo de circulação de um de seus produtos mais simbólicos – a Coca-Cola. Cildo serigrafou vasilhames vazios dessa bebida com mensagens do tipo “Yankesgo home” e até mesmo um tutorial feito de coquetel molotov. Tais mensagens eram praticamente imperceptíveis nas garrafas vazias, mas estas, após serem reutilizadas nas fábricas, passavam a evidenciar uma nova mensagem. Desse modo, garrafas que até então serviam para armazenar e oferecer informações sobre “a bebida mais popular do mundo” passavam a propagandear um artefato bélico associado à rebeldia anticapitalista, ao mesmo tempo em que se tornavam um possível recipiente do novo conteúdo – a gasolina. De natureza semelhante ao projeto Coca-Cola é o trabalho Quem Matou Herzog? Nesse processo, realizado em 1975 – em plena ditadura –, Cildo carimbava notas de 1 cruzeiro com a seguinte pergunta: “Quem matou Herzog?”, a respeito do jornalista preso, torturado e “suicidado” pela repressão. Imaginemos uma dessas notas circulando nas mãos de pessoas comuns, fazendo transitar um tipo de questionamento que, na época, poderia levá-las à morte. Esses dois trabalhos de Cildo contêm uma caraterística fundamental ao que é aqui entendido por ação viral: o parasitarismo. O caráter parasitário é inerente à ação viral, que, não dispondo dos recursos técnicos e econômicos necessários a seu pleno acontecer, apropria-se das condições ofertadas pela estrutura preexistente, nem que para isso tenha que miná-la, subvertendo seu sentido.

3 Ainda hoje há uma polêmica a respeito dos vírus serem ou não seres vivos. Isso devido ao fato de não possuírem estrutura celular. Nos agrupamentos clássicos, os vírus não aparecem dentre os seres vivos.

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{As subjetividades como produtoras da [cidade como produtora (de signos como produtores de subjetividades)]}

Em Caosmose, Um Novo Paradigma Estético, Guattari se diz excitado em ampliar a definição de subjetividade, de modo a ultrapassar a oposição clássica entre sujeito individual e sociedade. Nesse sentido, o pensador apresenta a subjetividade como uma instância atravessada pelas relações socioambientais que a circundam, sem que essas relações lhe sejam determinantes. Partindo dessa perspectiva, podemos compreender que os signos nas cidades não apenas orientam fluxos, como também colaboram na construção da subjetividade dos que as habitam. Vejamos essa questão a partir da imagem na página seguinte. A propaganda ao lado é originalmente composta por dois discursos: a afirmação de que “há lugar melhor que o ônibus para a arte ser expressa”, seguido da interdição “Não rabisque o ônibus”. Talvez, nesse momento, esses discursos estejam circulando em centenas de ônibus do Rio de Janeiro, sendo visto por idosos, crianças, universitários, vendedores. Muitos leem a mensagem, alguns discordam, muitos a assimilam. Assim, vemos o discurso orientando e afirmando um tipo de conduta. Entretanto, de repente, alguém pensa que pode ser diferente e, tendo em mãos uma canetinha, insere, em pontos estratégicos, três sinais que transformam completamente o discurso original. E, assim, o que era então uma interdição ao rabisco no ônibus torna-se exclamação de incentivo ao rabisco. Alteração essa feita a partir do próprio rabiscar. Desse modo, por meio de um desvio discursivo, a ação viral abre a possibilidade de intervenção nos processos de agenciamento citadino-estatal-capitalista das subjetividades. 34


Não tendo que ser classificada como artística, e nem tendo que possuir autoria, a ação viral visa, direta ou indiretamente, a alguma alteração do cotidiano sígnico da cidade. Na primeira vez que vim ao Rio de Janeiro avistei de longe uma placa losangular amarela com a seguinte palavra em caixa alta: TRAVESTI. Estranhei a mensagem de tal modo que resolvi caminhar em direção à placa. Já próximo, percebi, pela silhueta do adesivo arrancado, que a palavra anterior era TRAVESSIA. Assim, o que antes era uma orientação de trânsito transforma-se em um discurso, por que não, anti-homofóbico. Poderíamos construir semelhante reflexão em relação à placa seguinte, que, envelhecida, teve seu discurso primevo, de interdição de movimento, convertido em uma excitação ao comportamento subversivo através de uma afirmação de incentivo ao uso de maconha, substância de comercialização vetada no Brasil, em detrimento de outras substâncias, como álcool e cigarro. Para encerrar, pensando as possibilidades de conversão da ação viral em uma proposta artística, observemos a ação realizada pelo artista paraense Yuri Barros, que, nas principais ruas da cidade de Belém, colou sobre as placas de ponto de ônibus a imagem de um disco voador. Infinitas são as possibilidades de interpretação desse signo. Todavia, em nossos devaneios, podemos facilmente imaginar um desses milhares de transeuntes após um cansativo dia de trabalho-exploração-capitalista: ele para, observa e pensa: “Bem que um desses poderia me levar para longe daqui”.

“Oh! Oh! Oh! Seu Moço Do disco voador Me leve com você Pra onde você for”4

4 Trecho da canção S.O.S., de Raul Seixas.

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RASGOS NA SUPERFÍCIE E AUTO-MISE-EN-SCÈNE: FOUND FOOTAGE NO DOCUMENTÁRIO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO Felipe Pamplona

Produtor e pesquisador graduado em Artes Visuais e Tecnologia da Imagem, mestre em cinema documentário pela Universidad del Cine (Buenos Aires – Argentina). Atualmente coordena o Núcleo de Produção Digital da Fundação Cultural do Pará – FCP.

“Diante das imagens estamos sempre diante do tempo.” Didi-Huberman1*

Apesar das distintas orientações epistemológicas, foi através da instituição do cinema documental e do cinema experimental que se estabeleceram os parâmetros para o cinema feito com imagens de arquivo, hoje conhecido como cinema de found footage.2 O ato de se apropriar, fragmentar e trabalhar de forma expressiva na materialidade e na superfície de um material fílmico concebido por outra pessoa define essa forma de fazer cinema. 1 DIDI-HUBERMAN, Georges. Ante el tiempo: historia del arte y anacronismo de las imágenes. Buenos Aires: Adriana Hidalgo, 2008. 2 Em português, metragem encontrada. Found, encontrar, e footage, o número total de pés corridos da película de filme usado para uma cena ou assunto.

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Com o cinema experimental dos anos de 1960, nos Estados Unidos, ocorreu a consolidação do found footage como técnica. Nesse período, houve a criação de um conjunto de obras de tom associativo e estrutural que reprocessava outros materiais fílmicos. Recursos como a justaposição, sobreimpressão, reenquadramento, repetições, alterações da velocidade e tratamento direto na película caracterizaram o conjunto de obras desse período. No campo do documentário, as imagens de arquivo historicamente foram utilizadas para ilustrar entrevistas ou comprovar um discurso, sempre mantendo o valor indicial das imagens, atuando mais como uma compilação do que um material expressivo. Porém, é necessário reconhecer uma quantidade grande de documentários que manejam as imagens de arquivo, desde um ponto de vista poético e expressivo, sendo essa uma marca da passagem do documentário clássico para o documentário moderno. Ainda do ponto de vista histórico, esse estilo de filme é a face cinematográfica das práticas de apropriação proposta pelas vanguardas do começo do século XX, como a colagem, a fotomontagem e o ready-made de Marcel Duchamp. Foi nesse momento que artistas começaram a se relacionar de forma fragmentada com a totalidade das obras de arte, destinando outros valores estéticos e criando novos conceitos para materiais que não lhe pertenciam. Essa técnica opera na manipulação da dramaturgia de um outro filme, transfigura sua narrativa e rompe com a continuidade dos fatos. Este é um modo de fazer cinema que não obedece às etapas baseada no tripé roteiro-filmagem-montagem. É um estilo gestado na pós-produção, reafirmando a montagem como momento de articulação do pensamento e criadora de sentido da arte cinematográfica. O found footage trabalha com a visão materialista das imagens, criando uma verdade fragmentada e distinta do valor indicial consagrado pela fotografia e pelo documentário clássico. Aqui, a verdade é forjada por meio do uso dado para essa imagem, fazendo do momento da montagem a formuladora das distintas formas de verdade. Muitos desses documentários em found footage constituem ensaios audio38


visuais. Weinrichter (2008, p. 176) delimita assim esse estilo de filme: “Seu estatuto duvidoso e genérico vem do fato de ser uma prática que funde o documentário performativo e a veia lírica autobiográfica do cinema de vanguarda. E por empregar estratégias pouco comuns no mercado, como o uso alegórico de material de arquivo, a montagem expressiva, a dialética de matérias e a convivência de imagens factuais e objetivas com o discurso subjetivo. Segue uma não-linearidade da argumentação. É resistente a clausura e está longe do modelo expositivo do documentário tradicional”. E é nessa perspectiva que trabalham os dois ensaios que iremos analisar. Santos Dumont Pré-cineasta? (Carlos Adriano, Brasil, 2010, 64’) e Pacific (Marcelo Pedrosa, Brasil, 2009, 72’). Esses trabalhos são construídos por meio de dispositivos bastantes distintos. Em Pacific, Marcelo Pedrosa recolhe um conjunto de imagens feitas pelos passageiros de um cruzeiro que faz o trajeto entre Recife e Fernando de Noronha, durante o réveillon. Em dezembro de 2008, uma equipe de pesquisa participou de viagens a bordo do cruzeiro Pacific e, após identificar passageiros que estavam filmando a viagem e se filmando, sem estabelecer qualquer tipo de contato com eles, convidou-os a ceder suas imagens para um documentário. Já o ponto de partida de Santos Dumont Pré-cineasta? são fotogramas encontrados em um museu paulista, no qual aparece Santos Dumont em Londres, em 1901, explicando para o inglês Charles Rolls seu invento mais importante, o avião. Essas imagens foram produzidas por um aparelho contemporâneo do cinematógrafo chamado mutoscópio. Esse material encontrado dura somente 50 segundos, porém, é o ponto de partida para o cineasta usar como dispositivo para construir um ensaio em que reflete, por meio de entrevistas e imagens poéticas, sobre a história das máquinas de produzir imagens, assim como debate as imagens de arquivo na criação contemporânea. Mas, sobretudo, discute o próprio oficio de formular conceitos e ideias por meio do cinema. É um documentário impregnado de metáforas visuais e referências pessoais. 39


Um dos princípios básicos desses trabalhos é a remontagem de um material em outro contexto narrativo: “O documentário de found footage trabalha com uma metragem encontrada, analisando suas camadas, fazendo visível o que ainda não foi visto, mostrando novos encadeamentos e sentidos que entram em conflitos com aqueles originalmente designados” (BERNINI, 2012, p. 98). Ou seja, é quando a imagem fica destituída do seu propósito original de transparência e registro da realidade para reafirmar o caráter de opacidade das “imagens cinematográficas por seu estatuto de reprodutibilidade técnica e por estar sujeita a montagem” (BERNINI, 2012, p. 110). Dessa forma, o cinema de foundfootage enquadra-se em uma concepção pós-autoral de produção da imagem contemporânea. Ele nega o ideal moderno de um autor/criador de uma imagem única imaculada. O que faz é afirmar que toda imagem é passível de desconstrução por carregar, na sua característica técnica, a ambivalência e a ambiguidade. Por outro lado, o conceito de desmontagem propõe um passo mais adiante no que diz respeito à descontrução do material fotoquímico ou videográfico. “É quando há a desarticulação de um discurso em função de um outro discurso distinto. A hipótese da desmontagem documental leva em consideração critérios de subjetividade, posicionamento critico e questionamento dos modos de representação” (BONET, 2012, p. 200). Rasgos na superfície: (re) desmontagem em Santos Dumont Pré-cineasta?

O que faz Carlos Adriano em Santos Dumont Pré-cineasta? É uma radical (re) desmontagem, visto que, inicialmente, ele restaura e remonta os fotogramas encontrados para depois (re) desmontar digitalmente sua estrutura e interferir em seu conteúdo. Este ensaio utiliza distintas estratégias expressivas que manipulam e expandem o material digitalizado. Como no trecho em que simula o formato de um mutoscópio para dentro dele exibir as imagens do brasileiro conversando com o inglês. Ou quando, por meio de zoom eletrônico, enquadra pequenas ações, 40


como o manuseio de uma régua e a expressão de seu rosto olhando para o mutoscópio. Esses pequenos gestos transformam-se, principalmente por meio da repetição, em recursos poéticos. A montagem articula distintos blocos narrativos para formar um documentário polifônico e fragmentado. Nas entrevistas, algumas em preto-e-branco e granuladas, pesquisadores e cineastas, como o americano Ken Jakobs, falam das experiências dos primórdios do cinema. Intercalado às entrevistas há um conjunto de imagens da época inaugural do cinema. Tudo isso entremeado pelos 50 segundos dos fotogramas animados e manipulados digitalmente. Carlos Adriano define seu trabalho como “cinema experimental de apropriação de arquivo em suporte digital”. Essa definição permite-nos refletir sobre esse ensaio como um acúmulo histórico dos suportes de registro do meio cinematográfico, expondo as fragilidades, belezas e finitudes dessa forma de expressão. Os suportes envolvidos na concepção de Santos Dumont Pré-cineasta? cobrem a história do cinema desde sua fase embrionária ao final do século XIX, passando pelas mudanças proporcionadas pelo vídeo e o advento do computador, como a máquina processadora da imagem digital. Por fim, ele faz um transfer para 35mm, para ter a possibilidade de projeção e salvaguardar não somente em digital, como também em película. Isso ocorre porque, no percurso da pesquisa e produção, Adriano parte da identificação e restauro de fotogramas concebidos por um aparato pré-cinematográfico, passando pela digitalização até chegar ao processo todo de pós-produção. O questionamento do título do filme se refere à possível autoria de Santos Dumont do material encontrado, afirmando a sua importância como personagem que colocou sua marca criativa em dois inventos que mudaram a história da humanidade, o cinema e o avião. Mar de imagens e auto-mise-en-scène

Pacific é um documentário em foundfootage que navega por um caminho distinto do cinema de Carlos Adriano. 41


As imagens de Pacific são oriundas do contexto amador/familiar presente em registros de viagens de pessoas anônimas. Marcelo Pedrosa elabora um longa-metragem, que coloca em questão a circulação das imagens pessoais na era das redes sociais e dos canais de vídeo on-line. Ao mesmo tempo, expõe o que aqui denominamos de auto-mise-en-scène do cidadão comum na cultura audiovisual contemporânea. Esse ensaio é feito dentro do contexto da popularização do vídeo digital e da sua facilidade de manuseio e arquivamento. As três primeiras sequências do vídeo ilustram os caminhos narrativos que Pacific irá desenvolver. O filme se inicia com imagens do mar em primeiro plano; no segundo plano é possível visualizar a montanha e a linha do horizonte inclinada. Enquanto a câmera treme, entra em quadro uma mão segurando uma segunda câmera filmando a mesma paisagem. Em off, uma voz pergunta “Onde está?”, “Grava!” O que se vê na próxima sequência são imagens comumente encontradas em registros amadores, como o uso do zoom máximo, gerando uma imagem quase abstrata. Na terceira sequência do documentário, surgem imagens de tubarões, enquanto a maioria dos passageiros do cruzeiro continua a gravar. Alguém pergunta: “Gravaste?” Outra responde: “Sim, claro que gravei”. Assim, a experiência do turista que visita um lugar tem o mesmo grau de importância que o som e a imagem que constróem a representação da experiência. Isso é a auto-mise-en-scène. É projetar o corpo para não somente estar em um lugar, mas estar presente para o registro desse lugar. Assim, a memória pessoal é legitimada por meio das imagens, igualando em gruas de importância o performativo e o vivido. As imagens que compõem Pacific não são retratos filmados, também não privilegiam a paisagem. O objeto de registro é o corpo na paisagem. A localização da câmera não responde a uma possível fotografia filmada, muito menos aos cânones básicos da linguagem cinematográfica. O que desnuda esse trabalho é uma outra coisa, é a auto-mise-en-scène, que gera uma subjetividade da aparência e da intimidade como forma de afirmação na sociedade de consumo, 42


comprovando a tese foucaultiana de que a subjetividade moderna é inseparável dos dispositivos de visibilidade. O found footage que opera Pedrosa é como um ready-made duchampiano, com o diretor e a ilha de edição deslocando o material bruto e amador para o território consagrado das salas de cinema. Não há intervenções e interpretações do material recolhido. Há somente a remontagem, no campo do cinema, de um conjunto de imagens geradas no ambiente pessoal. Tanto que a montagem desse vídeo obedece à ordem cronológica das ações executadas pelos turistas: aeroporto, viagem de navio, visita a Fernando de Noronha e festa de fim de ano no cruzeiro. Dessa forma, há uma câmera instável, ansiosa e em constante funcionamento. Diferente dos registros de viagens feitos em super-8 , nos anos 1970, que tinha a limitação da duração dos rolos. O que se nota nesse documentário é um abuso de longos planos-sequência e uma maior apreensão da profundidade de campo, fruto do avanço tecnológico das câmeras amadoras desenvolvidas para atender a necessidade do registro feito em excesso. Pacific é um exemplo do impacto da capacidade de arquivamento e registro do vídeo digital. O material bruto que origina esse documentário é um arquivo de imagens do presente, um arquivo vivo, constantemente alimentado e de fácil acesso. Renderizando...

Trabalhar com documentários de found footage também é problematizar qual é a função dos arquivos audiovisuais na história contemporânea. Como um conjunto de imagens e sons pode legitimar e mostrar indícios e fatos de um determinado período? E, ao mesmo tempo, questionar como a historiografia oficial, centrada na linguagem verbal, perde o privilégio de ser a principal fonte de consulta e formulação de versões da história. Ao analisar Pacific há algo de mais urgente, pois é um filme feito em vídeo digital, onde as imagens estão depositadas em HDs (hard discs) particulares e não 43


em cinematecas, museus ou em outros arquivos públicos. “A proliferação de base de dados digitais e o problema da sua gestão põem em primeiro plano a problemática da memória histórica, geral e individual” (CATALÁ, 2007, p. 155). Ou seja, há uma quantidade de imagens geradas dentro do campo de vídeo pessoal e amador em suporte digital que são fontes primárias de pesquisa, mas que se perdem pelo caráter volátil e disperso do vídeo. Por sua vez, Santos Dumont Pré-cineasta? é um ensaio em que a história é especulativa e não cronológica. Não há um registro imaculado da realidade, mas sim um processo de busca e indagação conceitual. É uma obra que expõe a crise de representação da realidade detonada pelo documentário moderno, distanciando-se do binômio imagens indiciais/alteridade e dar voz ao outro que caracterizou o documentário historicamente. O trabalho de Carlos Adriano constitui uma exposição de seu próprio universo pessoal, ao mesmo tempo em que constrói uma obra cheia de referências culturais coletivas. Assim que a realidade filmada não é dissociada da experiência subjetiva, mas que está sempre mediada por ela (RUSSEL, 1999).

Bibliografia

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CANTÚ, Mariela. La historia en (las) imágenes: archivo, memoria y video”. In: LA FERLA, Jorge; REYNAL, Sofía. Territorios audiovisuales. Buenos Aires: Libraria, 2012. MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas e pós-cinemas. São Paulo: Ed. Papirus, 1997. CATALÁ, Josep M. Las cenizas de Pasolini y el archivo que piensa. In: Weinrichter, Antonio (comp.). La forma que piensa. Tentativas en torno al cine-ensayo. Navarra: Punto de vista, 2007. RUSSELL, Catherine. Experimental ethnography: the work of film in the age of video. Durham: Duke University Press, 1999. FELDMAN, Ilan. A ascensão do amador: Pacific entre o naufrágio da intimidade e os novos regimes de visibilidade. Ciberlegenda. Disponível em: http://www.uff.br/ciberlegenda/ojs/index.php/revista/article/viewFile/548/309. Acesso em: 13 set. 2015.

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NÃO MAIS QUE UM SOPRO Erinaldo Cirino

Natural do Maranhão. Artista visual graduado em Educação – Artes Plásticas pela Universidade Federal do Pará. Desenvolve trabalhos utilizando, principalmente, a linguagem do desenho como arte contemporânea. Atualmente trabalha como analista cultural no Centro Cultural Brasil-Estados Unidos – CCBEU.

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Técnica: (nanquim s/ papel) Ano 2013/2014

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RACIOCÍNIO PROCESSUAL E ADERÊNCIAS NARRATIVAS1 Reflexão sobre a construção do discurso em O Livro do Sol Georgia Quintas

Doutora em Antropologia pela Universidade de Salamanca (Espanha), com pós-doutorado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Escritora, professora e pesquisadora no campo da teoria, filosofia e crítica da imagem fotográfica. Editora do selo Olhavê. Autora dos livros Jogos de Aparência – Os Retratos da Aristocracia do Açúcar (2016), Inquietações Fotográficas – Narrativas Poéticas e Crítica Visual (2014), Abismo da Carne (2014), Olhavê Entrevista (2012) e Man Ray e a Imagem da Mulher – A Vanguarda do Olhar e das Técnicas Fotográficas (2008).

Pensemos na possibilidade de uma fotografia perder seus eixos balizadores de discurso. Seria como se as palavras perdessem a intensidade de aglutinar imagens esclarecedoras a quem as usa ou a quem as guarda no arcabouço do imaginário. A partir desta proposição reflexiva, lançamos o olhar para o debate entre o testemunho das coisas e o relevo da memória nessas mesmas coisas. Diante das imagens, estamos a todo momento lendo-as, construindo sentidos para elas e através delas. A experiência relativa à “imagem vista” provoca um arroubo de apreensões internas porque se choca com signos que discursam sobre algo já estabelecido e, sobretudo, reconhecível. A disposição das imagens em existir depende do contexto de adesão ao qual será possível apreendê-las por seus símbolos, por certo grau de consciência dos significados. Portanto, uma imagem sem discurso, sem a potência do sentido, sem o testemunho de quem a faz e de quem a adota, é uma casca frágil de aparências. 1 Artigo publicado originalmente em espanhol, na revista mexicana Luna Zeta.

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O filósofo Gaston Bachelard descreveu algo próximo ao que tentamos propor aqui para a reflexão sobre o fotográfico, quando diz que “as coisas aparecem primeiro onde as procuramos, e só lentamente as colocamos onde elas estão.”2 Pensar sobre a fotografia contemporânea é ir além da ideia de acumular exemplos, o que poderia facilitar um olhar cartesiano de padrões, envolto em paralelismos, semelhanças e alinhamentos estéticos. Transitamos na atualidade por uma fotografia que toca a realidade, mas que dilui a contundência dos contornos do que vemos. Almeja mais, discorre com desejo de dizer para além da superfície que a imagem nos atesta. Essa fotografia contemporânea, a qual menciono e para a qual vislumbro possibilidades de reflexão sobre a análise da imagem em seu contexto narrativo, elabora a poética diretamente vinculada à eloquência icônica das representações e suas urgências. A proposição que faço sobre as urgências de representação está entrelaçada à maneira, ao como as narrativas fotográficas contemporâneas problematizam o discurso com o imaginário, com a diluição da narrativa linear. Podemos destacar que ante essas premências de representação está a exterioridade de histórias permeáveis por vivências, lembranças, inquietações e temporalidades compreendidas pelo artista. Ou, em contraponto, estamos à procura delas quando não a temos por completo. Na verdade, como ponderou Marc Augé, “una imagen no puede ser otra cosa que una imagen. El poder que recibe vive únicamente del poder que nosotros le otorgamos.”3 No caso da fotografia, não se trata de observar apenas sua captura, há de se contextualizar fazeres e quereres de planos e acasos, de estratégias e imprevisões pelo exercício do fotográfico. Ao avançarmos na estrutura do processo de criação, pela perspectiva crítica, é inevitável pensar no aforismo realçado pela existência do universo imagético em diálogo íntimo com o desvelamento dos significados para a percepção. Será, portanto, no movimento de encaminhamento da escrita através 2 BACHELARD, Gaston. O mundo como capricho e miniatura. In: BACHELARD, Gaston. Estudos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008. 3 BELTING, Hans. En lugar de las imágenes II. Un intento antropológico. In: BELTING, Hans. Antropología de la imagen. Espanha: Katz Editores, 2012.

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de imagens, da sugestão de dada história, atmosfera ou conceito, que as fotografias passam a examinar-se entre seus pares. Juntas, reunidas, acomodadas em determinada sequência, editadas por uma ou mais lógicas, as fotografias começam a desvelar-se enquanto narrativa. De tal maneira, quando elas se encontram conjugando ideias, cisões, labirintos de sentidos – na exterioridade do trabalho –, encontramos também nesse campo processual da criação a trama de sustentação do discurso, assim como o domínio formal estabelecido plasticamente. Amiúde, percebemos a fotografia como elemento de aproximação para com o campo literário e seu vasto território hermenêutico. O escritor Milton Hatoum considera que “nomear é uma forma de estabelecer relações entre as coisas, os seres e o seu significado.”4 Citamos Hatoum por considerar que a fotografia é a nomeação do que imaginamos, percebemos da vida, do que aprisionamos em imagens. No fundo, referenda o ponto de vista de quem narra, de quem nomeia ao outro uma história criada pela linguagem da representação imagética. Testemunhamos na fotografia contemporânea múltiplas maneiras de discursar suas problematizações, as quais envolvem potentes subjetividades poéticas. Nesse sentido, o trabalho desenvolvido pelo fotógrafo Gilvan Barreto5 (1973) nos impulsiona a investigar elementos narrativos representados por sutis dinâmicas e protagonismos temáticos. Desde 2012, Gilvan Barreto concebe sua fotografia através de livros. Trabalha suas pesquisas fotográficas para alimentar páginas em branco, nomeando, através da fotografia, histórias construídas de passado e presente, de travessias por horizontes que fazem parte de seus questionamentos. O livro Moscouzinho (Tempo d’Imagem, 2012) já sinalizava as inclinações poéticas de suas investigações em direção à ficcionalização, à construção de sentido sobre o contexto familiar e político pelo qual o trabalho Moscouzinho transita. 4 Ensaio intitulado Aspereza do mundo, Concisão da Linguagem, do escritor Milton Hatoum. Este ensaio, dedicado à obra do escritor Graciliano Ramos, foi lido na abertura da 11ª Festa Literária Internacional de Paraty, que, em 2013, homenageou o escritor de Vidas Secas (1938). 5 O fotógrafo Gilvan Barreto tem se destacado na fotografia brasileira pela dedicação em produzir fotolivros a partir de suas pesquisas fotográficas. Ver mais em: http:// olhave.com.br/blog/gilvan-barreto/

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A partir da lembrança de um território híbrido, pela geografia e afeto, Gilvan Barreto encaminhou sua pesquisa fotográfica por imagens poéticas que discorrem menos sobre a representação direta do vivido. Decidiu pela digressão em construir um discurso metafórico e optou por trazer camadas soterradas pela fotografia. Ou seriam carcomidas pela memória. Sua proposta visual reconsidera os termos do lembrar-se, recorre ao exercício processual de questões que vão além de buscar tão somente traços do passado, rastros políticos, visualidades religiosas profanas. A disposição em inventar um universo outro, alimentado pela experiência do tempo, trouxe para Gilvan Barreto a fragmentação dos vínculos lineares da narração. Criou intervalos na memória para fluir uma arqueologia de ficções da sua própria história. Os procedimentos plásticos conduzidos por Gilvan Barreto alinham-se a uma rede de interações (realidade, documento, literatura e cinema), as quais nos levam a pensar mais pontualmente sobre o princípio da criação que envolve o modo de se apropriar, de se relacionar e de transformar o mundo à sua volta. A pesquisadora Cecilia Salles6 nos traz a possibilidade teórica de compreendermos que a criação pode ser discutida como processos em rede:

[...] Um percurso contínuo de interconexões instáveis, gerando nós de interação, cuja variabilidade obedece a alguns princípios direcionadores. Essas interconexões envolvem a relação do artista com seu espaço e seu tempo, questões relativas à memória, à percepção, à escolha de recursos criativos, assim como aos diferentes modos como se organizam as tramas do pensamento em criação.7

6 A professora e pesquisadora Cecilia de Almeida Salles é autora de obras importantes no campo dos processos de criação, crítica dos processos e criação em redes. 7 SALLES, Cecilia. Arquivos de criação: arte e curadoria. São Paulo: Editora Horizonte, 2010.

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Após ter experimentado intervenções visuais na pesquisa do livro Moscouzinho, na qual discutira a ambiguidade de vetores conceituais entre arqueologia e ficção, Gilvan Barreto optou por seguir o processo de criação dedicando-se a outro livro: O Livro do Sol (Tempo d’Imagem, 2013). Em Moscouzinho, seu tempo era de um mergulho urgente e prolixo por entre narrativas fragmentadas e autônomas, repletas de imagens projetadas e planejadas por seu fluxo de definições discursivas. Como o próprio artista frequentemente assume, a preocupação não é só com o ensaio que será realizado, mas pelo que o conduz. Embora a matéria-prima seja sempre a fotografia, no projeto O Livro do Sol também prevalecem as inquietações de várias ordens com a pesquisa projetual, que envereda por sutilezas conceituais e de aderência a escolhas estéticas. Por esta perspectiva de olhar por dentro e por fora do discurso fotográfico, é preciso, sobretudo, debruçar-se cuidadosamente nas particularidades inerentes à subjetividade poética de O Livro do Sol. Nesse debate sobre os signos e seus lugares, falamos através de narrativas, por retóricas imaginárias. Entender o discurso de quem articula os signos não se trata de desvendar com precisão o que se tem a dizer, mas o que o artista formula por seus pensamentos, sensações, associações, dúvidas, devaneios, lampejos poéticos. Muitas vezes, o relato processual deixa-nos escapar ideias-rascunhos para futuras histórias, figuras metafóricas, personagens embaçados, que se tornarão vívidos em outros tempos da criação. A análise do relato do artista sobre o seu fazer transforma o léxico dos signos em objetos executados, em alternâncias de significados, em tentativas de abarcar suas confabulações em algo que parece ser dito como confidência. Diríamos que é preciso entrar no discurso do outro, para compreender o processo de diluição das narrativas, e nas experiências imaginárias, cuja proximidade íntima com a fotografia contemporânea nos faz querer desconstruí-las, não para que aqui apresentemos fórmulas, mas sim debater outras questões. Resulta que é transformador encontrar fraturas da percepção, assim como o desejo de estar em interlocução com a produção de sentido da imagem em 69


seu tempo e em suas motivações discursivas. Como pondera o filósofo Georges Didi-Huberman,8 “o tempo sempre nos coloca à beira de fissuras que, na maioria das vezes, não vemos”. Portanto, tomar a postura de estar diante da invisibilidade da imagem é um movimento largo de fenômenos de análise, de acuidade visual e reflexiva. Nessa direção, a crítica do processo passa a operar a partir da fala do fotógrafo Gilvan Barreto. Provocado a escrever sobre algumas imagens selecionadas a partir da edição que compõe O Livro do Sol, podemos entrar em alguns dispositivos do raciocínio processual de Barreto e, desse modo, perceber a potência simbólica das imagens em consonância com a construção de sentido almejado pelo artista. Para esse artigo crítico-reflexivo, conduzimos o diálogo propondo o exercício de vasculhar as impressões do artista por entre algumas imagens que integram eixos estruturantes de seu trabalho. Após selecionar seis imagens, Barreto as contemplou e as devolveu com muitas linhas escritas. Em seu pequeno prólogo justificou parte do que se seguiria nos comentários sobre as fotografias: Na maioria dos comentários, vou me referir às imagens pensando no conjunto. Nas necessidades que senti de criar imagens para fazer certas ligações. Elas representam algo como títulos de capítulos, frases ou palavra-chave para o desenvolvimento do discurso. Torço para que as imagens funcionem também isoladamente. Mas penso mesmo é no livro, na história. Essa é a minha escrita. Crio imagens como quem está desenvolvendo um roteiro de cinema. É esta a minha sensação. Continuo neste segundo trabalho tentando fazer conexões com outras linguagens, agindo politicamente e refletindo sobre ciclos, finitudes e renascimentos. Imagens encenadas num tablado que não é somente montado ao ar livre, como também tem a natureza como protagonista.9

Em seus comentários a partir de imagens emblemáticas do livro, é perceptível o protagonismo de um sertão que não se faz presente textualmente, mas que é representado pela articulação do projeto autoral como configura8 DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem-páthos: linhas de fratura e fórmulas de intensidade. In: DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem sobrevivente: história da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013. 9 Trecho extraído de mensagem enviada por e-mail, em 10 de abril de 2014.

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ção de desenvolvimento de vetores complexos sobre ciclos de vida e sobrevivência. O artista viajou à região do semiárido de Pernambuco para dedicar-se à paisagem do que resta do ato de esperar. Pela espera da água da chuva, dos frutos do solo e da esperança de que o sol seja clemente e seque menos, doa menos a quem tenta sobreviver. O gesto da experiência, quando menciona “roteiro de cinema”, leva-nos a ideias de esquema, sequência, movimento. Valeria ainda analisar tal postura pelo viés da ação de transcendência para com a perspectiva documental. A paisagem pesquisada passa a ser mobilizada pela poética do que se poderá ser além do registro, da sensação de estar num lugar pelo espectro do outro. Assim, é possível discutirmos, em O Livro do Sol, a presença do recurso de narração indireta. Na edição fotográfica,10 fica clara a opção pela ausência de personificação. Não há um alguém/um elemento que narra, um sujeito que sofre; há, contudo, a onipotência do sol que cala os seres, seca os rastros do homem. O estatuto sol passa a ser a enunciação, ou seja, o principal narrador que traz consigo o valor concreto da representação exteriorizada para nossa interpretação. Partindo do sol como fio condutor, Gilvan Barreto enfatizou os símbolos que lhe interessavam. Interrogou rastros da vida de uma região pautada pela inefável precisão da água. Em outra passagem relevante do nosso diálogo, o fotógrafo discorre pontualmente sobre a fotografia Cacimba Seca com Estacas de Madeira: Uma cacimba seca é caminho possível dos que não conseguem se desapegar da concretude do sertão, é o caminho possível dos que não conseguem sonhar, o fim. As estacas me lembram uma forca e isso se liga muito às tantas histórias de suicídios que ouvi por lá. Estamos falando de um livro sobre um sol que seca até os sonhos.

10 Em 2013, fui convidada por Gilvan Barreto a ajudá-lo na edição do projeto O Livro do Sol. Naquela ocasião, as discussões eram sobre como perceber os caminhos das narrativas a partir de vasto material produzido por Barreto em viagem ao interior de Pernambuco. Acompanhei, assim, o período processual do artista em sua fase após a viagem (compreensão sobre os diálogos entre as imagens, sobre as relações que um grande número de imagens proporciona para a concisão da edição final).

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Por um lado, sua colocação reflete a experiência temporal da viagem que o fotógrafo empreendeu durante um mês, sem rota determinada, por terras que guardavam acontecimentos imagéticos, imprevisões visuais a serem escolhidas pelo seu fluxo de compreensão acerca do que as coisas representavam. Tem-se, assim, uma escrita que propõe a abstração simbólica num primeiro momento. Logo depois, é possível perceber que o objeto imagético é tensionado por um elemento social externo revelado pela oralidade do lugar (como a presença da morte). Na sua última reflexão, Barreto volta a falar de sonhos e do sol como elementos norteadores do livro. Reconhecemos, diante dessas três ideias presentes no comentário do artista, a sobreposição dos signos aliados às vozes internas do artista. Imagens de cacimbas são recorrentes nessa obra, entretanto, a morte por suicídio não é uma informação colocada explicitamente no projeto. Por esta perspectiva, nota-se a atmosfera ambígua no tempo da narrativa vivida e na narrativa ficcional que, como bem definiu Paul Ricoeur, é “uma aptidão paralela de se desdobrar em tempo do ato de contar e tempo das coisas contadas”.11 Vale salientar que a narrativa visual adotada no livro forja a temporalidade de um possível discurso linear de fatos; sua composição centrou-se em núcleos temáticos que, implicitamente, conduzem até à trama de vestígios e desolação, de terra seca e pouca vida, da matéria que ainda tenta dar os suspiros suficientes para ver a chuva chegar e aplacar a fome de esperança. O Livro do Sol está estruturado pela dicotomia entre o real e o imaginário, pela força do documento que se desdobra por tonalidades surrealistas, no concreto das coisas achadas, assim perdidas ao léu, em pura sensação de perda, de morte, de luto. Sua dinâmica interna de edição propõe meandros dedutivos, conotativos. De certa maneira, a narrativa poética se constitui de fenômenos vistos, sentidos e transformados pelo artista, assim como os tempos vividos e construídos pelo imaginário. Esta imbricação de estágios processuais fomenta a relação com outras linguagens artísticas. 11 RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa. São Paulo: Martins Fontes, 2010. 72


Dentre as referências diretas à literatura, Gilvan Barreto declara que pensa por capítulos, assim como pensa através do escritor João Cabral de Melo Neto (1920–1999). Não à toa, Barreto remete ao escritor para discutir seu trabalho: “Ainda me parece sentir o mar do sonho que inundou meu quarto. Ainda sinto a onda chegando à minha cama.” O onirismo encarnado em trecho de Os Três Mal-amados (1943) ressoa no próprio discurso de Gilvan quando pensa sobre certa fotografia: Uma escada para o céu tem sentido de sonho, da saída, fuga. Mas se alinha ainda a uma outra imagem que guardo: sempre pensando em chuvas, mentalmente tangendo nuvens carregadas para suas terras. Se pudessem, os sertanejos trariam essas chuvas nas mãos.

A fotografia sobre o sol do sertão tornou-se a dimensão da experiência do olhar sobre um território que – por meio de códigos e signos – cabe no sentido imaginário de um livro. O sol que nomeia o livro de Gilvan Barreto é o mesmo que seca toda uma gente. Gente seca de tudo. Quase terra, quase pó. Gente que, por muito pouco, não enlouquece por sonhar tanto, por querer tanto que as nuvens tragam a vida.

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Imagens de Gilvan Barreto editadas originalmente no Livro do Sol

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FICHA TÉCNICA

Administração Regional do Sesc Pará PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL DO SESC NO PARÁ Sebastião de Oliveira Campos DIRETOR REGIONAL DO SESC NO PARÁ Marcos Cezar Silva Pinho DIRETORA DE EDUCAÇÃO E CULTURA Doris Ferreira Rodrigues DIRETORA DE ADMINISTRAÇÃO Graça Ormanes DIRETORA DE ASSISTÊNCIA, LAZER E SAÚDE Nedilea Negrão

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CENTRO CULTURAL SESC BOULEVARD Gerente Nair Burlamaqui Artes Visuais Argemiro Guerreiro Márcio Campos Paula Sampaio (Fotografia) Casa de Artes Cênicas Cleber Sandrim Jean Gama Lívia Paixão Lu Borges Luiz Cantanhede Wilson Oliveira Cinema Carol Abreu Humanidades Suelen Silva Literatura Cleidiomar Oliveira

CADERNO DE PENSAMENTOS DO CENTRO CULTURAL SESC BOULEVARD Autores Diógenes Moura Erinaldo Cirino Felipe Pamplona Georgia Quintas Irene Almeida Juan Guimarães Concepção e coordenação editorial Paula Sampaio Projeto Gráfico Carol Abreu Editoração eletrônica Márcio Alvarenga Revisão de originais Rose Silveira

e provas

Catalogação Cleidiomar Oliveira

Música Marcos Campelo Apoio Administrativo Aldo Batista Rodrigues Claudia Aline

Distribuição gratuita, proibida a venda.

Áudio e Vídeo João Evangelista Marcos Favacho Rui Lima

Centro Cultural Sesc Boulevard (Boulevard Castilho França, 522/523, Campina, Belém – PA)

Manutenção e Serviços Especiais Carlos Souza, Edson Viana, Ednaldo Alves, Luis Low, Natércia Souza, Pedro Júnior e Rosaleta Dias

Imagens e ideias contidas em cada ensaio são de responsabilidade de seus autores.

Informações: (91) 3224-5654 sescboulevard@gmail.com sescboulevard.blogspot.com/ www.sesc-pa.com.br Facebook: Sesc Boulevard

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Caderno de Pensamentos: Ensaios e CrĂ­ticas realizado pelo Centro Cultural Sesc Boulevard - Sesc PA Texto em Futura Lt Bt 08/10/12/28. Impresso em papel offset 90g e duodesign 300g (capa) Tiragem limitada de 1.000 exemplares.

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