Passaros - Sesc

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2017



Índice Textos

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APRESENTAÇÃO ..................................................................................... 05 UMA ETNODRAMATURGIA DO PÁSSARO MELODRAMA FANTASIA ........................................................ 07 Olinda Margaret Charone PÁSSAROS JUNINOS: UM BREVE ESTUDO MUSICAL ............................................................... 27 Rosa Maria Mota da Silva O PAPEL DO FIGURINO NO TEATRO DOS PÁSSAROS ................................................................... 45 Margaret Refkalefsky A MATUTAGEM E SUAS RELAÇÕES COM O CÔMICO POPULAR MEDIEVAL E RENASCENTISTA .............................. 63 Marton Maués ONDE POUSAR O PÁSSARO DO AMOR? ................................................. 71 João de Jesus Paes Loureiro CHORAR E RIR AO MESMO TEMPO .......................................................81 Iracema Oliveira NUNCA ME VI EM OUTRO PAPEL .......................................................... 85 Entrevista com Laurene Ataide

Fotografias GUY VELOSO .......................................................................................... 24 MIGUEL CHIKAOKA ............................................................................... 42 ELZA LIMA .............................................................................................. 60



Apresentação Os Pássaros são um tipo de teatro popular paraense cujos primeiros registros remontam ao fim do século XIX e cujo fazer, constantemente reelaborado, perdura até os dias atuais de forma espontânea por pessoas que geralmente se autodenominam como brincantes. Na encenação, entremeada com música e dança, são representados dramas com personagens como matutos, indígenas, nobres, seres encantados/fantásticos, fazendeiros, entre outros. Com suas peças carregadas de comicidade, romance e fantasia, os Pássaros são uma latente alegoria do potencial inventivo e criativo da cultura paraense. Ao longo dos últimos anos, o Serviço Social do Comércio, por meio do Centro Cultural Sesc Boulevard, tem organizado em seus espaços apresentações públicas de grupos de Pássaros, com o intuito de auxiliar na difusão desse teatro popular paraense que é tão rico e complexo artística e socialmente, e ao mesmo tempo ainda desconhecido por muitos brasileiros. Tendo em vista esse mesmo objetivo, bem como valorizar os conteúdos e agentes dessa manifestação, o Sesc Boulevard tem a honra de agora apresentar ao público a obra "Pássaros". A publicação, escrita a muitas mãos, traz trabalhos textuais e visuais sobre o tema a partir de diversas perspectivas de pesquisa e análise, cada qual se inclinando mais especificamente sobre um dos elementos que compõem o referido teatro, entre tantos outros possíveis, a saber: a dramaturgia, a musicalidade, o figurino, a comicidade, o lugar simbólico do Pássaro e as visualidades. Além disso e não menos importante, a obra traz também as perspectivas de guardiãs de Pássaros − mestras que tiram da própria história pessoal/familiar a força necessária para fazer viver o teatro, ano após ano. Com sua escolha por pautar apresentações de Pássaros e também ao lançar essa publicação, o Sesc Boulevard alinha-se por fim à Política Cultural da instituição, que estabelece como intencionalidade de sua atuação cultural garantir "o direito à participação dos indivíduos na vida cultural, não como um mero consumidor e reprodutor de bens culturais massivamente difundidos pela indústria cultural, mas como cidadão crítico, cuja fruição reflita uma opção. Nesse sentido, fomentar a produção e o intercâmbio artístico, proteger e difundir o patrimônio material e imaterial, salvaguardar e difundir o conhecimento são compromissos do Sesc com a sociedade".

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Uma etnodramaturgia do Pássaro Melodrama Fantasia

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Olinda Margaret Charone1

teatro dos Pássaros Juninos estrutura-se no final do século XIX como uma importante manifestação cultural no estado do Pará, particularmente na capital, Belém. É uma forma de teatro popular conhecido pelos nomes de Cordão de Pássaro e Pássaro Junino ou Joanino, e denominado por muitos de “ópera cabocla” devido ao grande número de músicas e danças que integram a sua estrutura dramática. Expressão artística tipicamente popular na qual todos os seus participantes – isto é, compositores, diretores, atores, dançarinos e dramaturgos – são oriundos e, em geral, moradores da periferia da cidade. Loureiro descreve propriamente o Teatro dos Pássaros como “o maravilhoso realista”, afirmando que: O Pássaro Junino é um exemplo do maravilhoso objetivado que constitui uma das marcas distintivas da arte produzida na Amazônia. Alegoria de mestiçagem ou síntese cultural, essa espécie de ópera cabocla se estrutura com elementos da cultura indígena e da cultura europeia, revelando, vez por outra, traços da cultura negra. Nele se percebe a presença essencial da contribuição indígena, um dos traços distintivos da cultura amazônica no amplo contexto da cultura brasileira. (LOUREIRO, 1995, p. 324-325) É um fenômeno urbano, com raízes bem fincadas na cultura popular amazônica, de onde tira parte substancial de sua inspiração. O Teatro dos Pássaros, em sua forma dramatúrgica, repousa sobre a palavra. A palavra como origem fundamental do drama. Os personagens existem pelo que se dá a conhecer através da palavra. Neste artigo, realizarei um estudo sobre o texto Semirames, A Louca, montado em 2007 pelo Grupo Junino Tem-Tem e de autoria de Raimundo Souza, conhecido na cultura popular como Casquinho.

1 Licenciada em Geografia pela Universidade Federal do Pará – UFPA, atriz formada pelo Curso de Formação de Ator da Escola de Teatro e Dança da UFPA, Doutora em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia – UFBA e Pós-Doutora em Estudos Culturais pela Universidade de Aveiro, Portugal. Atriz e Diretora de Teatro. Pesquisadora e professora na Escola de Teatro e Dança e no Programa de Pós-Graduação em Arte do Instituto de Ciências da Arte da UFPA – ICA. Coordenadora do Mestrado Profissional em Artes PROF-ARTE (ICA).

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Lanço-me aqui a um estudo do Teatro dos Pássaros baseado numa etnodramaturgia que, segundo Barbosa (2007), ainda é uma área não sistematizada, não delimitada formalmente, mas um “lugar” passível de desenvolver poéticas capazes de guiar a análise de textos nos moldes das matrizes culturais às quais pertencem. Para o autor, a questão fundante na construção dessa nova abordagem é: (...) como mapear estas poéticas? A tarefa é, sem dúvida, muito complicada, mas já estão incorporados à etnocenologia alguns princípios que poderiam orientar a feitura deste trabalho, por exemplo: “a necessidade imperativa de associar os práticos ao estudo destas formas, pois só os práticos detêm o savoir-faire que frequentemente não é codificado e se transmite de mestre para aluno, de geração em geração. (BARBOSA, 2007, p. 372-373)

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Baseado no questionamento provocado por Barbosa, pode-se dizer que o Teatro dos Pássaros é uma manifestação popular passada de geração a geração, com suas maneiras e peculiaridades, e que pode ser analisado partindo das ferramentas encontradas nessa poética. Esse teatro funciona como um meio pelo qual os conflitos instalados no drama são narrados, em linguagem e significados próprios. Nele, permeiam a existência de uma pluralidade de elementos, como os atores, os personagens, o enredo, o figurino, o cenário, a música e o público. O drama, no Teatro dos Pássaros, é uma manifestação teatral cujos elementos dramáticos estão relacionados à cultura paraense. É uma experiência que engloba toda uma forma de expressão da história, do imaginário e da cultura local. É o pertencimento cultural que estabelece a identificação entre o real e o imaginário, entre História e imaginário. É por esse pertencimento à cultura amazônica que a poética do escritor de Pássaros vai se construindo. O texto dramático na prática dos Pássaros se dá na atitude do autor de refletir o social e o sujeito singular, com o enredo sempre estruturado pelo social, no qual a população reconhece e se identifica com as ações do sujeito/ator/brincante. Portanto, na etnodramaturgia dos Pássaros estão contidas nuances existentes na fala e nas ações do sujeito, como uma fonte de exposição da subjetividade, expressa e atrelada a elementos sociais. O Teatro dos Pássaros se faz com a presença de seres que povoam o imaginário amazônico. Tudo o que é colocado nele, como vestimentas, objetos, gestos, ações, danças, músicas, diálogos, maneira de falar e comportamentos, faz parte do imaginário coletivo e assume o caráter da própria realidade. A escritura dos textos do Pássaro Junino torna-se uma metáfora de processos


no âmbito do imaginário, processos esses que se mostram enunciando e expressando sentidos do seu contexto social e cultural. A atmosfera do extraordinário paira nas cenas escritas, nas lembranças de fazendas, florestas, palácios e palafitas, nas ações, nas linguagens dos indivíduos que habitam esse imaginário, através da educação da sensibilidade e da capacidade de perceber e sentir a alma amazônica. A cada texto, o autor se permite associar os diversos enunciados que se formam em cada contexto, como veremos em Semirames, a Louca, com adaptação de Raimundo Roldão, brincante do grupo, e Antonio Ferreira, brincante e ensaiador do Tem-Tem. Caracterizado como Melodrama Fantasia, contém 14 quadros e 10 números musicais. Ubersfeld define esse tipo de dramaturgia: A dramaturgia em quadros pressupõe a presença de pausas temporais, cuja natureza é a de não terem sido vazias, mas cheias: o tempo passou, os lugares, os seres mudaram, e o quadro seguinte representa essa mudança por diferenças visíveis em relação ao quadro anterior. O quadro é a representação de uma situação complexa e nova, em sua autonomia. (UBERSFELD, 2005, p. 142) Nesse teatro, cada episódio, se assim o definirmos, possui autonomia. A dramaturgia dos Pássaros em quadros quebra a continuidade do encadeamento, portanto interrompendo a ação e forçando a reflexão, ao invés de se deixar levar pelo movimento da narrativa. É a presença da descontinuidade, a rejeição da narrativa única. Para a análise do Pássaro Semirames, a Louca, enfoquei as teorias sobre o Melodrama Fantasia, uma das formas teatrais mais populares, e a etnodramaturgia conduzida pelo imaginário amazônico. Nesse sentido, tomei por base o modo de decupagem proposto por Ubersfeld (2005), que distingue três momentos no contínuo do texto: uma situação inicial, o texto ação e uma situação final: Esse modo de análise é uma mera operação abstrata efetuada com o auxílio de uma análise de conteúdo; ela supõe uma descrição detalhada da situação inicial, a descrição detalhada da situação final e, entre as duas, uma série de mediações, mais ou menos encadeadas. Essa operação abstrata é importante para determinar não tanto o que acontece, mas o que foi dito. (UBERSFELD, 2005, p. 140) O tema da perseguição é o pivô de toda intriga melodramática. O melodrama, segundo Thomasseau,

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é um gênero teatral que privilegia primeiramente a emoção e a sensação. Sua principal preocupação é fazer variarem essas emoções com a alternância e o contraste de cenas calmas ou movimentadas, alegres ou patéticas. (THOMASSEAU, 2005, p. 139)

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É uma apresentação “ocular” inteiramente voltada ao espetacular, um teatro de ação e de atores. A estética melodramática, por sua própria natureza, joga com a sinceridade, a sensibilidade e com as funções emocionais da linguagem. No Teatro dos Pássaros, existe um fio condutor intercalado por outras narrativas que compõem um todo, no qual estão presentes os personagens da nobreza e temas os mais variados, como o amor, a infidelidade, a traição, o poder, a ambição, o ódio. E no decorrer das histórias, existe sempre uma mocinha, geralmente filha de um dos nobres, que deseja ardentemente o pássaro como seu animal de estimação. Existe também o caçador que, na maioria das vezes, é apaixonado pela mocinha e não hesita um só segundo em trazer o pássaro para sua amada. Para proteger o pássaro, entram em cena outros personagens com poderes mágicos, como a fada, a maloca (índios) e a cena da macumba, para impedir a perseguição do caçador. O bailé e os matutos entram com outras narrativas para aliviar as tensões do melodrama. E o espetáculo se sucede por idas e vindas de histórias que percorrem toda a sua forma dramática, com ênfase nas variações das emoções e sensações, características melodramáticas. Uma das maiores qualidades do melodrama é a imaginação, imaginação essa que envolve nossos autores de Pássaros Juninos. Eles se impregnam, deixam florescer as inúmeras variações existentes no imaginário amazônico. Começarei a análise partindo do título dos textos melodramáticos e a importância nele depositada. A esse respeito, Thomasseau (2005) afirma que os melodramas históricos, na sua maioria, traziam no título o nome do herói, completado, algumas vezes, pelo episódio que o tivesse popularizado. Em outros tipos de melodrama, preferia-se associar o nome da heroína ao patético de sua condição, mencionar o lugar pitoresco ou grandioso no qual se desenrolava a ação ou ainda a catástrofe que finalizava o drama. No caso de Semirames, a Louca, o nome da heroína se associa ao patético de sua condição. Com efeito, esses títulos melodramáticos eram utilizados para atrair uma clientela, para chamar público ao espetáculo, provocando o interesse pelas situações, pelas peripécias e pela encenação. A narrativa é apresentada logo no primeiro quadro, o qual se intitula “Uma História”, contada pelo personagem Tobias, mordomo-mor do castelo. Ao abrir o pano, sentado em um banco está Tobias, um velho senhor de inúmeras propriedades e que vive exclusivamente de seus rendimentos. Fuma um cachimbo distraidamente quando entram duas mocinhas, Antônia e Maria. O senhor Tobias lhes conta sempre uma história. Quando elas estão se arrumando para começar a ouvi-lo,


entra uma mulher louca dando gargalhadas e pedindo pão. As duas meninas ficam assustadas e exclamam: Antônia e Maria – Senhor Tobias, é a louca!2 O senhor Tobias diz que ela é inofensiva e completa: Tobias – Vocês querem ouvir a história dessa pobre mulher? Antônia e Maria – Queremos. Tobias – Então sentem-se que é uma história longa e triste. (As duas sentam-se uma de cada lado, o velho continua) Há quarenta anos passados, eu era mordomo-mor do Castelo das Esmeraldas. Seu proprietário, o orgulhoso Marquês Felipe dos Montes Verdes, vivia em companhia de sua sogra, a Condessa Carmem D’Lorem, viúva do Conde Artur D’Lorem, e sua esposa, a Marquesa Semirames, e seus três filhos: Sandra, Ronildo e Valcir, este com apenas três anos de idade, e que era o enlevo do casal. Acontece que o Marquês Felipe, querendo aumentar ainda mais os seus bens, organizou uma expedição de 15 homens, isto é, entre criados e diversos fidalgos, e com seu querido filho Valcir saíram em busca do fabuloso tesouro do grande pirata espanhol Juanito Perez. Mas por um capricho do destino, a expedição foi quase toda dizimada por um ataque dos índios Tupinarés, uma tribo que vivia constantemente mudando de região. Trinta dias após, eis que chega ao castelo, maltrapilho, faminto e quase morto, o orgulhoso Marquês Felipe dos Montes Verdes. Ao chegar ao castelo, foi recebido de braços abertos por sua família, que chorou amargamente a perda do seu inesquecível Valcir. As meninas ficam curiosas para saber se foi por causa desse fato que Semirames havia ficado louca, mas Tobias diz que o destino brindou aquela família com sofrimento ainda maior, e completa: Tobias – Pois bem, existia naquela região uma mulher do povo de nome Zenira. Essa mulher era linda como Frineia, insinuante como Cleópatra

2 N. de R.: Os trechos citados nesta análise foram recolhidos do manuscrito da peça [s/d] que consta no acervo do Pássaro Tem-Tem. Após consultar o ensaiador do grupo, Antonio Ferreira, optou-se, neste contexto, por revisar e adequar o texto à norma padrão da língua escrita, exceto pelo quadro da matutagem, que se pretende marcado pelo falar popular. Sem intenção de interferir no estilo e na linguagem, buscou-se intervir o mínimo possível em termos de pontuação, ortografia e gramática, apenas com o intuito de garantir a fluidez da leitura e a padronização de aspectos internos do próprio texto.

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e violenta como Messalina. (pausa) E foi por essa mulher, que tinha no coração o veneno da serpente, que Ronildo se apaixonou, para a desgraça de sua família. É visível no texto a relação que o autor faz entre castelo e floresta, quando cita a nobreza saindo em busca da riqueza e sendo confrontada com os índios. O castelo aqui exposto é a síntese da cultura e da civilização europeia transportada para a região amazônica. São os fazendeiros, os latifundiários, a grande fazenda, lugar de poder e riqueza. A floresta é o lugar dos mistérios, das profundezas, um conjunto complexo de labirintos de Dédalo que abriga os seres míticos e encantados. A floresta e o castelo são um emblema do Teatro dos Pássaros, porque ele é gerado desse encontro. O primeiro quadro, a cena inicial, funciona no texto como um prólogo, no qual o autor expõe os fatos dos quais necessita para compor a trama de sua ação. Assim sendo, cada quadro seguinte explicará e desenvolverá os ângulos que ficaram obscuros, e tudo estará sempre ligado aos acontecimentos mencionados no primeiro quadro. O texto ação é sempre a espera de que alguma coisa aconteça para mudar o destino dessa família. Então a busca, os encontros e desencontros, a perseguição, as maldições e premonições e as intrigas, intercalados com o bailé e a matutagem, formam o texto ação dessa trama. Ronildo se apaixona perdidamente por Zenira, mas seus pais não aprovam esse envolvimento. Um dia, os dois estão passeando e trocando juras de amor, quando são surpreendidos pelos pais de Ronildo.

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Felipe – (gritando) Ronildo... Ronildo – (assusta-se, recua e exclama) Meu pai!... Felipe – Afasta-te dessa mulher. Ronildo – Pela primeira vez sou obrigado a contrariar meu generoso pai, mas abandonar Zenira, nunca. (junta-se a ela) Carmem – Ronildo, obedeça seu pai, meu filho. Ronildo – É impossível, querida vovó, eu amo Zenira. Semirames – (cortando) Cale-se, é lamentável e vergonhoso se ouvir tais palavras da boca de um dos Montes Verdes. Fazendo juras de amor aos pés de uma mulher do povo, uma aventureira ou, quem sabe, uma ladra. Zenira – Senhora Marquesa, não me obrigue a retribuir-lhe os insultos no mesmo diapasão. Agora pergunto-lhe: que culpa tenho de ter nascido pobre? Felipe – Cala-te, mulher maldita, queres porventura ver a desgraça de nosso filho? Semirames – Peste do inferno, afasta-te de meu filho, do contrário sou obrigada a mandar prender-te na torre do castelo, ou mesmo matar-te.


Zenira – A senhora é capaz de tudo, mas ai de vocês se meu amor se transformar em ódio, aí terminará o orgulho dos Montes Verdes. Carmem – (com riso) Eu queria acreditar em teu poder. Zenira – Então o que querem, a minha amizade ou o meu ódio? Semirames – Preferimos o teu ódio. Zenira – Pois tê-lo-ão, e aqui vai a minha sentença: Tu, imponente Marquesa Semirames, tentarás conquistar para ti o namorado de tua filha e condenarás à morte o teu próprio filho. Felipe – Cala-te, ó cretina. Zenira – E tu, Felipe dos Montes Verdes, serás o carrasco de teu próprio filho, tão amado, e depois virá o teu suicídio. E para completar a desgraça dos Montes Verdes, a senhora Marquesa enlouquecerá, (gritando e gargalhando) enlouquecerá. Zenira acaba de proferir a maldição que recairá sobre a família. Neste momento, começa a grande intriga da trama, o suspense, característica própria do melodrama. Os personagens da nobreza seguirão um percurso semeado de obstáculos e viverão jogos traçados pela Providência, que se conjugarão na última cena, no último quadro. Após essa cena patética de tensão, temos a interferência da matutagem. Sempre no momento de maior tensão do espetáculo, há uma interrupção para a entrada de alguns quadros que, no melodrama, servem de alívio. É o caso dos matutos. Segundo Moura (1997, p. 223), “no plano psicológico, o matuto paraense caracteriza-se pela esperteza, astúcia, agilidade de raciocínio, profundo senso de ironia e do ridículo, pela capacidade de zombar dos outros e de si mesmo”. O assunto mais constante na matutagem é em relação ao sexo. O sexo constitui a divertida preocupação dos matutos. Eles se empolgam bastante falando da perda da virgindade, dos efeitos da menopausa, do desejo da mulher, da mulher madura em busca de homem, da impotência masculina, do adultério, da anatomia do pênis e da vagina e assim por diante. São comumente usadas as palavras “macaxeira”, “barata” e “cobra” como metáforas para o confronto sexual e, com isso, criam-se e ressaltam-se os efeitos humorísticos. No quadro dos matutos, a presença da ironia é uma característica que os atores expressam de maneira bem-sucedida com o falar popular. Os brincantes imitam o falar do caboclo paraense de maneira jocosa, transmitindo-o com uma agilidade e inventividade impressionante. Um dos aspectos mais particulares desse falar é a troca de fones. Por exemplo: a letra O realiza-se foneticamente como U. Assim, se temos a palavra sonho, por eles será dito sunho; o L é substituído por R e a palavra culpada fica curpada. Em alguns casos, o E é trocado por A: o então transforma-se em antão. Brincam com a inversão de todas as posições dentro do vocábulo. Existe uma

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musicalidade e ritmos desse falar popular que o tornam quase incompreensível aos ouvidos daqueles que não estão habituados a ouvir essa “nova” língua. É um dialeto do caboclo paraense. Betinha – (entra e olha para todos os lados) Mas pra dizê que aquela purcaria do Perereca me enganu? Ele mandu me dizê que eu esperasse-lhe ele aqui na furquilha. Ah, se ele num vié, ele vai vê pra quantu presta uma iludibriada; mas sim, chavê o que ele me diz no bilhete que ele me mandu. (tira um bilhete do seio e passa a ler) Ulha, eu te mandu essa caulta, vai anecha a ela um retratu que eu tirei lá na cidade, naquele retratista que chamam lambe-sola (olhando uma foto), mas cumu o diabinhu tá bunitinhu... (Perereca entra da esquerda e fica observando. Alegre, suspira) Ah! Perereca du meu curação... (beija a foto) cumo eu te amu, cumo eu te aduro. Segundo Thomasseau (2005), o personagem cômico tornou-se, no melodrama clássico, uma convenção necessária. O melodrama pratica uma forma de justaposição de gêneros, deixando ao personagem a missão de intervir imediatamente depois das cenas mais patéticas. Eles despertam o riso da simpatia mais do que o da zombaria. Suas intervenções cômicas passam também pela linguagem. Zenira volta à cena no quadro da macumba, juntamente com suas filhas de santo, para realizar o trabalho. Zenira – Neste momento, vou começar a destruição daquela família maldita. Vou fazer seus espíritos abandonarem seus corpos, para que venham até aqui receber ordens minhas. (estremece, ajoelha-se) Atue... atuê... quiriqui, timbaluá, perê timbaluá, saravá, Rei e Rainha de Aruanda. Todos – Saravá. Nesse momento, entram em cena o Marquês Felipe e a Marquesa Semirames, e ficam como sonâmbulos, com braços esticados para frente, e param diante de Zenira, que continua a proferir sua maldição, desta vez amparada pelo ritual de umbanda. Zenira – Compreendem que estão sob meus fluidos e que devem me obedecer? (os dois confirmam com a cabeça) Semirames, a partir de hoje deves conquistar o amor de Tiani Ibitu; quanto a ti, Felipe, hás de fazer tudo o que tua mulher ordenar, entenderam? (os dois confirmam)

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Após essa cena, ouve-se um acorde e o personagem fada se faz presente na


trama, para confrontar sua profecia frente às maldições de Zenira. A fada é o único personagem do Teatro dos Pássaros que tem acordes para acompanhar sua entrada. No Pássaro Melodrama, a entrada dos personagens é sublinhada por frases musicais, que podem ser faladas, cantadas ou tocadas como acordes, realizadas dos bastidores e mimadas no palco. A fada, de modo geral, intervém magicamente no que sucede aos homens. Ela não está limitada a uma região ou a uma única época e, segundo Gillig (1999, p. 71), em alguns autores de contos de fadas, esse personagem não possui nome, o que importa pouco, já que nos interessa enquanto actante. No texto do Pássaro, a fada possui o nome de Floracy, que nunca é revelado, e não se vê o que essa informação acrescenta à narrativa e ao sentido. A fada simboliza os poderes paranormais do espírito ou as capacidades mágicas da imaginação. Ela opera as mais extraordinárias transformações e, num instante, satisfaz ou decepciona os mais ambiciosos desejos. Ela aparece no texto do Pássaro quando percebe as maldições desmedidas de Zenira. Possui uma vara de condão na mão, como símbolo do poder das fadas, personificando o destino. Tem a imagem esplendorosa e luminosa, e representa a bondade. Zenira, ao contrário, representa o mal. É uma feiticeira, personagem mítico do imaginário amazônico. Realiza, no momento em que aparece em cena, o ritual de pajelança cabocla. Está vestida com roupas especiais para o momento e com uma espada na mão. Canta e dança simulando vários pontos de umbanda no decorrer da sessão. É um trabalho de malineza, e Maués faz uma distinção. Há, pois, uma gradação entre a prática da malineza por um ato que independe da vontade e por um ato intencional, indo desde aquela ação onde a culpa do agente não pode ser estabelecida, passando por aquela em que há um ato de vontade (sem manipulação de substâncias exteriores), até aquela em que o agente claramente manipula uma substância para provocar o mal. Neste caso, segundo os informantes, trata-se de feitiçaria, devendo, pois, o agente ser classificado como feiticeiro. (MAUÉS, 1999, p. 220) No caso de Zenira, ela manipula claramente a situação e faz com que os espíritos se desloquem dos corpos e venham até sua presença receber as ordens estabelecidas. Realizando o mal, transforma-se, portanto, em feiticeira. Temos assim o confronto de dois personagens: o bem e o mal. A feiticeira e a fada, a vara de condão e a espada. O poder da fada está simbolicamente depositado em sua vara de condão, enquanto o da feiticeira está em sua espada. Antonio Ferreira explica:

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No Pássaro Melodrama Fantasia, o personagem Feiticeira usa nas mãos os seguintes elementos: [a] Espada é um pedaço de pano de cetim, usado em terreiros de umbanda, para limpeza de corpo, passes, ou outro tipo de requisitos que se usa no terreiro. No Pássaro Junino a feiticeira usa a espada para mostrar seu poder e muito depende do Enredo do Pássaro. Outro elemento usado é o maracá (elemento usado pelos pajés em curas). Já no cordão de Pássaro o único elemento usado é o maracá, pois o mesmo é para salvar a Figura do Passarinho. (FERREIRA, 2007) Ferreira coloca em seu depoimento que a feiticeira, dependendo do enredo, usa a espada para mostrar o seu poder: fazer o bem ou o mal. É por intermédio desses símbolos que os personagens fada e feiticeira realizam seus poderes, tanto para um lado quanto para o outro. No melodrama, portanto, o universo das possibilidades humanas está reduzido a duas alternativas antagônicas, em que uma corresponde ao bem e a outra, ao mal. Há claramente um embate entre campos separados. Quem escolhe a alternativa perversa não escolhe cego. Zenira sabe muito bem o que quer e articula todos os seus poderes para alcançá-lo. Tiani Ibitu é o caçador da floresta, namorado da índia branca, mas descobre-se apaixonado por Sandra, filha de Semirames e Felipe dos Montes Verdes. Ele começa, então, um romance com Sandra, e, desapaixonado, Tiani Ibitu canta para a antiga amada. A música no Melodrama Fantasia é ao mesmo tempo expressiva e descritiva. Sua função é inicialmente emocional, substituindo o diálogo na pantomima, preparando os efeitos dramáticos. A índia branca, Piajuba, é um personagem que faz parte da maloca. Geralmente, uma criança branca perdida na floresta que é encontrada pelos índios e criada por eles. É a intermediadora com os brancos. Os índios falam uma língua ficcional, uma invenção criada pelo autor do texto: a emergência de uma nova língua. De várias palavras de origens indígenas diversas em uso no nosso cotidiano paraense, forma-se essa nova língua. Morubixaba – Onaú uru poranga. Itapuam – Ahé tuba poranga, iché caá, intimahã, rerecó ona are (maloca entrando). Piauna – Murubixaba ahé, putari nheheng Murubixaba. Morubixaba – (para a maloca) Anamaitá, ahê rericó tuba porangaba.

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Esse é um diálogo dos índios. Na tradução da índia branca, eles estão pedindo proteção para o pássaro, que está em perigo.


Temos na criação da índia branca o inconsciente do que é a miscigenação dessa personagem. Ela concilia o encontro das duas raças, vemos o castelo confrontando a floresta. A moira – destino – moça, aquele modelo de beleza, morena, olhos negros amendoados, cabelos negros e lisos, que se banha no igarapé. O português chega e se encanta com a imagem que vê e tem filhos com ela, os mamelucos. E é dessa mistura que nasce, no nosso Pássaro, a personagem da índia branca. E aí se dá o confronto da civilização europeia com a floresta. Voltando à trama, Tiani Ibitu vive um romance com Sandra, mas quando estão no bosque, passeando, são vistos por Semirames, que fala: Semirames – Esse homem é muito bonito pra te pertencer, hei de conquistar o seu coração nem que tenha de vir ao bosque todos os dias. (sai rápido) E parte para a conquista de Tiani Ibitu. Semirames passeava no bosque com Tobias, seu mordomo-mor, quando pede para que este a deixe, pois deseja continuar sozinha. Mas ela é então aprisionada pelos índios. Tiani Ibitu chega na hora e pede para que a soltem. Eles a soltam e ela faz a primeira investida. Tiani Ibitu – Vamos, minha senhora. Semirames – (com cinismo) Para que tanta pressa? Eu estou gostando tanto de estar a seu lado. Tiani Ibitu – Não estou lhe perguntando coisa alguma. Semirames – Tolinho, eu possuo uma grande fortuna. Tiani Ibitu – (áspero) E um marido também. Semirames – O que importa ter um marido, quando o nosso coração pulsa por outro alguém? Tiani Ibitu – A senhora não tem vergonha em dizer isso? Semirames – (com cinismo) Pelo contrário, sinto prazer. Tiani Ibitu – Bem, já conversamos demais. Vou levá-la por muito favor até a estrada real, e de lá a senhora segue só. E ande ligeiro se não quiser ficar para trás. (sai bruscamente à direita e Semirames sai correndo atrás dele)

Segundo Thomasseau, é essa bipolaridade temática da perseguição e do reconhecimento que instala, no melodrama, sua dinâmica própria (2005, p. 37). Então se dá o conflito entre mãe e filha. Sandra é proibida pela mãe de ir ao bosque, mas desobedece e há o confronto. Semirames – (entra da direita) Sandra, você não está proibida de vir ao bosque? Sandra – A senhora proíbe-me para poder ficar com o caminho livre.

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Semirames – Caminho livre? Não entendo. Sandra – Mamãe, a senhora não pode negar esse seu gesto irrefletido, quando esquece seus deveres de esposa querendo conquistar o coração de outro homem. Semirames – (ríspida) Cale-se. Sandra – Só depois que a senhora prometer não mais perseguir Tiani Ibitu. Semirames – Renunciar o amor dele, nunca... Sandra – Pois há de se arrepender. Semirames – Vais participar para teu pai? Sandra – Seu ato é tão baixo que me envergonha de denunciá-la. Semirames – (rindo) Vejo que honras o sangue dos Montes Verdes. Sandra – Enquanto a senhora procura manchá-lo. Semirames – (com cinismo) Que culpa tenho de amares o mesmo homem que eu amo. Sandra – Francamente, mamãe, o seu cinismo causa-me nojo. (sai à esquerda)

Aqui começa a se concretizar a maldição de Zenira. O melodrama prefere a expressão patética do amor maternal e filial contrariado, com as separações, os dilaceramentos e o reconhecimento. Após cenas fortes e dramáticas, faz-se presente a interferência do bailé. Hoje o bailé se vê em todos os grupos, e já está integrado aos espetáculos de Pássaro Melodrama Fantasia. É um dos quadros mais importantes da encenação. O bailé, segundo Thomasseau, é outro recurso adotado no melodrama.

O bailé, outra convenção do melodrama, entrava também nesta combinatória mímica-linguagem-música-quadro que constitui a originalidade do gênero. O bailé participa do jogo de alternância onde se opõem a tensão e o relaxamento do patético. Ele intervinha, efetivamente, tanto no início do primeiro ato, na descrição da felicidade que precedia a chegada do vilão, como no meio da peça, e era então interrompido pelo anúncio de algum terrível acontecimento. (THOMASSEAU, 2005, p. 131-132) Outro quadro de importância é o da caçada. Nele, a criança Pássaro entra e começa a cantar. Ao término da canção, entra o caçador e tenta alvejar o pássaro, quando Sandra interfere.

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Sandra – Querias matar o meu adorado Tem-Tem?


Tiani Ibitu – (levanta-se) Não, querida, queria apenas pegar-lhe para te oferecer. Sandra – Obrigada, fizeste-me um favor involuntariamente. (pega o Tem-Tem) Ele tinha fugido e eu estava em um dilema para capturá-lo. Até, querido. No Pássaro Junino ou Pássaro Melodrama Fantasia, o pássaro nunca é morto e sim capturado para ser, geralmente, presenteado a uma princesa. O porta-pássaro é uma criança que leva o animal na cabeça. Por que na cabeça? E por que ser criança? Se observarmos nossas crianças da região Norte, nossos índios, nossos caboclos que moram na região ribeirinha, que moram na floresta, eles brincam com os bichos: todo curumim tem como brinquedos prediletos os bichos da floresta. Levam sempre os animais nos ombros, como companheiros de estimação. Podemos ter como exemplo o filme Tainá – Uma Aventura na Amazônia, filmado na região Norte, no qual a menina índia de oito anos salva um macaco das mãos dos traficantes. Carrega no ombro um papagaio, brinca na floresta, não tem receio de nada e sabe como cuidar de seus xerimbabos (animais de estimação), distrai-se com eles, que sempre estão em sua volta. Portanto, nada mais justo do que escolher um pássaro ou outro animal para ser símbolo da brincadeira, e ser uma criança a levá-lo, pois o mais comum é ver essa criança em seu habitat acompanhada por um animal. A relação entre criança e floresta está presente emblematicamente no Teatro de Pássaros. Prosseguindo na trama, encaminhamo-nos para a cena final, que é definida pelo melodrama como o reconhecimento. Semirames está revoltada com Tiani Ibitu, pois ele não quer saber dela. Por isso, ela inventa uma calúnia ao marido: Tiani Ibitu a estaria perseguindo, fazendo juras de amor. A situação final encontra-se no 13º quadro, último do drama, intitulado “Tragédia no Bosque”. Tiani Ibitu está esperando Sandra, quando aparece Semirames. Ela está com Felipe, seu marido, mas ele fica escondido para entrar no momento certo e pegar Tiani Ibitu. Semirames faz sua última investida, mas o caçador continua a desprezá-la. Ela, revoltada, agarra-o à força e começa a gritar. Semirames – Socorro, pelo amor de Deus! (Felipe entra em atitude agressiva) Tiani Ibitu – A senhora enlouqueceu? Felipe – (avançando) Patife, não adianta assimilares ingenuidade, pois eu já sei de tudo. Tiani Ibitu – (recuando um pouco, fica em guarda) Contenha-se, senhor, deixe eu primeiro explicar-lhe, porque, do contrário, sou obrigado a reagir. Felipe – Não quero explicações. (avançando) Vais morrer, ó canalha.

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Tiani Ibitu puxa a faca, mas antes de poder agir, recebe um tiro na altura do coração. É Ronildo que, ao entrar e ver o movimento do caçador, num impulso de loucura tira o revólver e acerta o rival para proteger o pai. Felipe, ao puxar Tiani Ibitu pela camisa, para estupefato, pois encontra em seu peito um medalhão pendurado por um cordão. É o brasão dos Montes Verdes. Felipe – Quem te deu? Tiani Ibitu – (cansado) Não sei, pois tenho sobre o meu peito... desde que me entendo... (sente convulsão) Felipe – (examinando melhor o medalhão, recua) Valcir?... Tu és Valcir? Tiani Ibitu – (como quem acaba de descobrir um mistério) Agora me recordo... Quando eu era pequeno, muito pequeno, alguém me chamava assim... Valcir... dos Montes Verdes. Felipe – (desesperado) Valcir! Tu és meu filho Valcir. (abraça-o) [...] ([Tiani Ibitu/Valcir] cai morto) Sandra, desesperada, culpa a mãe pela desgraça. Felipe explica que Tiani Ibitu era quem fazia propostas amorosas a ela. Sandra desmente tudo e diz que Semirames ficava atrás, perseguindo-o. O pai, enlouquecido, tira de dentro do anel o veneno para tomar. Ronildo – (grita) Não, meu pai! Felipe, ao virar-se para ver Ronildo, encontra Zenira, que está entrando. Felipe – O que queres, mulher maldita? Zenira – Contemplar a minha vitória. Felipe – Então contempla, mulher maldita, mulher asquerosa. (engole a pílula, sente convulsões, cambaleia) Adeus, Sandra, e que Deus te abençoe. (cai morto) Semirames, depois que vê toda a cena trágica, começa a dar gargalhadas de loucura, roda na cena e fala: Semirames – Silêncio, eles dormem, é o repouso daqueles que estão nos braços de Morfeu, [e] deve ser respeitado sob pena de se irritar a ira dos Deuses!... Silêncio (sai correndo à esquerda e gargalhando)

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Semirames e Felipe refugiaram-se no preconceito e na tradição. Acreditaram mais nas convenções do que no afeto, encontrando uma sucessão de desventuras, tendo, por fim, o desespero e a morte.


A maldição de Zenira se completa. Semirames está louca, Felipe, morto, Tiani Ibitu, que era seu filho desaparecido, também morreu. O fim trágico. O reconhecimento que, de acordo com o melodrama, acontece nas últimas cenas, se confirma como Thomasseau fala. É por meio do, ou dos reconhecimentos que se encerra a perseguição e que se assinala, com “a voz do sangue”, o clímax patético do drama, acentuado ainda pela utilização do quadro vivo que, na encenação, fixa os personagens sublinhando o efeito com trêmulos da orquestra. (THOMASSEAU, 2005, p. 36) A “voz do sangue” é uma das formas da fatalidade do melodrama, ninguém pode escapar-lhe. Essa fatalidade é retardada ao máximo e acontece no final do drama, mantendo-se o suspense durante os acontecimentos. No Pássaro Melodrama Fantasia, a poesia nasce da ação, o espetacular se instaura na primazia do texto escrito. Esse teatro se transforma numa riqueza de ritual ético e estético de ampla utilização, que faz explodir crenças e mitos. O imaginário popular encontra-se presente em textos ricos e vigorosos.

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REFERÊNCIAS BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Trad. Arlene Caetano. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. BERGSON, Henri. O Riso – Ensaio sobre a Significação da Comicidade (Coleção tópicos). Trad. Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2001. COULON, Alain. Etnometodologia e Educação. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1995. FARES, Josse. Revista Asas da Palavra. Belém: UNAMA-PA, 1997. FERREIRA, Antonio. Entrevista concedida a Olinda Charone. Belém: Agosto de 2007. Acervo pessoal da pesquisadora. GILLIG, Jean-Marie. O Conto na Psicopedagogia. Trad. Vanise Dresch. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. HUPPES, Ivete. Melodrama: O Gênero e sua Permanência. São Paulo: Ateliê Editorial, 2000. LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cultura Amazônica: Uma Poética do Imaginário - Obras Reunidas. Belém: Cejup, 1995. MACEDO, Roberto Sidnei. A Etnopesquisa Crítica e Multirreferencial nas Ciências Humanas e na Educação. Salvador: EDUFBA, 2000. MAUÉS, Raymundo Heraldo. Padres, Pajés, Santos e Festas: Catolicismo Popular e Controle Eclesiástico. Um Estudo Antropológico numa Área do Interior da Amazônia. Belém: Cejup, 1995. MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de. O Teatro que o Povo Cria: Cordão de Pássaros, Cordão de Bichos, Pássaros Juninos do Pará. Da Dramaturgia ao Espetáculo. Belém: Secult, 1997. THOMASSEAU, Jean-Marie. O Melodrama. Tradução e notas: Claudia Braga e Jacqueline Penjon. São Paulo: Perspectiva, 2005. UBERSFELD, Anne. Para Ler o Teatro. Trad. José Simões (coord.). São Paulo: Perspectiva, 2005.

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GUY VELOSO

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Fotógrafo documental independente desde 1988 e cofundador da Arcapress em 2004. Participou de diversas exposições no Brasil e exterior, incluindo a 29ª Bienal de São Paulo e a 4ª Bienal das Américas (Denver, Estados Unidos). Há anos acompanha os grupos de Pássaros Juninos de Belém. As fotos aqui apresentadas foram feitas entre 2013 e 2014 durante a “Revoada”, evento de abertura do período junino realizado pelo então Instituto de Artes do Pará, hoje Casa das Artes.




Pássaros Juninos: um breve estudo musical

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Rosa Maria Mota da Silva1

osso primeiro contato com os Pássaros Juninos se deu ainda durante a infância, em apresentações no Teatro São Cristóvão, que promovia, durante o mês de junho, vários espetáculos de grupos locais. Atualmente, esse espaço se encontra desativado e as performances se deslocaram para outras casas da cidade. Já foram realizadas no Teatro Margarida Schivasappa, no Teatro Maria Sylvia Nunes, no Teatro Experimental Waldemar Henrique, no teatro do Museu Paraense Emílio Goeldi, no Teatro Estação Gasômetro, no Teatro Cláudio Barradas, no palco do Cineteatro Líbero Luxardo, no anfiteatro do Instituto de Artes do Pará, no anfiteatro do Memorial dos Povos e no cineteatro do Centro Cultural Sesc Boulevard, entre outros. No universo dos Pássaros paraenses, podemos constatar a existência de duas categorias singulares: o Pássaro Melodrama Fantasia e o Cordão de Pássaro. O Cordão de Pássaro tem sua origem nos Cordões de Bichos amazônicos vindos do interior do estado do Pará. Tem como motivo condutor principal a morte e a ressurreição do pássaro homenageado e apresenta dois tipos de formação dos brincantes: em semicírculo, ou meia-lua, e em duas filas paralelas. O Pássaro Melodrama Fantasia é um teatro popular musicado que se desenvolveu em Belém, não sendo encontrado no interior do estado, e difere dos Cordões pela riqueza de seu figurino e pela complexidade de seu texto, que lembra os libretos do estilo trágico operístico. Os temas preferidos utilizados no Pássaro Melodrama Fantasia apresentam expressivo grau de dramaticidade, tratando de sentimentos como ódio, vingança, crimes, adultérios e traições, envolvendo também conflitos familiares. Curioso é que peças do passado ainda são encenadas pelos Pássaros Juninos, com algumas adaptações feitas pelos guardiões, que atualizam o texto. Neste artigo, destacaremos trabalhos que apresentam os primeiros registros dos Pássaros e outros nos quais autores de diversas áreas tecem observações sobre a música nos Pássaros Juninos em períodos distintos. A partir desses relatos nos foi possível

1 Rosa Maria Mota da Silva, paraense, iniciou seus estudos musicais no SAM (Serviço de Atividades Musicais) da Universidade Federal do Pará – UFPA no instrumento piano com as professoras Helena Maia e Luiza Camargo. Licenciou-se em Educação Artística – Habilitação em Música pela Universidade do Estado do Pará – UEPA (1998), conquistou o título de Mestre em Artes (concentração Musicologia) pelo Programa de Pós-Graduação em Artes da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA-USP (2003) e o de Doutora em Etnomusicologia pela Universidade Federal da Bahia - UFBA (2012). É professora da Escola de Música da UFPA desde 1990, onde leciona as disciplinas de piano. Desenvolve também pesquisas sobre práticas musicais paraenses.

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traçar uma breve trajetória musical do ponto de vista etnomusicológico e falar da importância da música nessa manifestação cultural. Durante o estudo sobre os Pássaros, denominação que empregaremos quando nos referirmos a Pássaro Melodrama Fantasia e Cordão de Pássaro em conjunto e de forma genérica, percebemos o quanto é escasso o número de documentos e informações sobre o assunto. São poucos os trabalhos de pesquisadores sobre o tema, apesar de sua importância, especialmente porque não há registro de Pássaros em outro estado brasileiro. Um dos primeiros registros sobre Cordões de Bichos amazônicos foi feito por Henry Walter Bates, naturalista inglês que chegou a Belém em 1848 e permaneceu na Amazônia por onze anos, realizando pesquisas sobre a fauna e a flora local para o Museu de Londres. Ele relata um Cordão de Bicho que se apresentou em 1850 durante os festejos de São João em Ega, hoje Tefé, no atual estado do Amazonas: “A maioria dos mascarados se fantasia de animais, touros, veados, maguaris, onças, etc., com auxílio de leves armações, coberta de velhos panos...” (apud CÂMARA CASCUDO, 1972, p. 308). Entretanto, o registro mais completo é de Jorge Hurley (1934), que, no capítulo intitulado “As joaninas do Pará”, descreve os Cordões de Bichos exibidos nas casas do município de Curuçá (Pará) durante o mês de junho, destacando os seguintes grupos: Pinicapau (Pica-pau), Pavão, Garça, Araçari, Onça e dos Lavradores. Hurley faz também um resumo dos enredos apresentados pelos grupos. Sobre os Pássaros, pode ser de 1877 o registro mais remoto encontrado por Salles (1994) na crônica paraense, a respeito da exibição de “um curioso bando de Águias-Reais” no Pavilhão de Flora2, durante os festejos do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, padroeira do estado. Outros autores paraenses fazem referência a outras datas. De Campos Ribeiro (apud SALLES, 1994), em crônicas sobre a cidade de Belém, relata a existência dos Cordões de Pássaros Mutum, de 1905, e Coruja Real, criado em 1901, que rivalizavam devido ao luxo de suas apresentações no período das festas juninas. Menezes (1993) destaca a data de 1900, quando começa a acontecer a apresentação de peças com influência de diferentes gêneros no período da quadra junina, do seguinte modo: Seria conveniente frisar que essas composições teatrais provincianas destacaram-se desde 1900, até se intensificarem no presente, o que não invalida uma referência informal, de que os “bichos” exibidos nas noites dos Santos das fogueiras, nesse passado ainda vivo, antecederam de certo modo, a frequência dos “pássaros”. (MENEZES, 1992, p. 356)

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2 Primeiro tablado, erguido em 1840 no Largo de Nazaré, construído para apresentações de grupos folclóricos e bandas de música.


O primeiro registro sobre os Cordões de Bichos no Pará, de Hurley (1934), em relato sobre as manifestações de Curuçá, como já mencionado, revela que esses grupos possuem estreitas ligações com o enredo dos Cordões de Pássaros em atividade na capital e no interior do Pará. O autor fornece-nos dados referentes à parte musical e tece considerações sobre a orquestra e seus instrumentos, e também sobre a popularidade das músicas executadas: A orquestra quase sempre executa “músicas de orelha”3 e compõe-se de violões, violas, cavaquinho, clarinete, flauta de imbaúba, figurando em algumas também a “onça” que, no ronco, se confunde com o violoncelo. [...] As músicas saltitantes e harmoniosas perduram, porém nos dançarás, bagunças, no assobio dos garotos e nas cantigas das crianças, até que surjam outras novas, nas vindouras festas de São João. (HURLEY, 1934, p. 140) Sobre Cordões em Belém, tivemos acesso a um documento inédito: uma entrevista cedida pela Professora Luiza Camargo4, que conversou com Cazuza Melo5 na década de 1970, na qual “Seu” Cazuza relata suas experiências como autor, ensaiador e brincante a partir de 1918. Nessa entrevista, “Seu” Cazuza esclarece como eram os Cordões e como iniciou a sua participação nesse contexto, explica a nomenclatura da brincadeira e cita alguns grupos dos quais participou: Cordões eram aquelas comédias feitas pelos grupos e que se exibiam de casa em casa. Forma-se uma comédia versada no folclore com coisas nossas. Isso eu conto da época que eu me enfronhei neste negócio de 1918 para cá. Depois que eu comecei a aprender violino, já me chamavam para ensaiar aqueles cordões pequenos, porque tinham os grandes e os pequenos. Nos grandes, as pessoas se vestiam de lamê, que era a fazenda da época, e [n]os cordões pequenos de poucos recursos, era no chitão, chita, que fazia aquele colorido, porém bem mais barato que o outro. Então, eu fui me introduzindo nos cordões

3 Tocar sem partitura musical. 4 Pianista e compositora. Professora aposentada da Escola de Música da UFPA. 5 Poeta, escritor de peças para o teatro popular paraense e compositor de Belém. Foi professor do ensino secundário. Autor da burleta O tesouro cobiçado, em um ato e dez quadros, escrita em 1966 para o Grupo Junino Beija-Flor (Cf. SALLES, 2007, p. 208).

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pequenos, isso depois de já ter me exibido de personagens em outras comédias. Primeiro no Jabuti, eu era caçador, depois fui para o Quati, fiz papel de escovado, que era o malandro, fiz papel de matuto cearense, depois trabalhei no Camarão. O Quati e o Camarão eram cordões grandes e o Jabuti era pequeno. (MELO, 197?) No depoimento, “Seu” Cazuza destaca o violino como instrumento melódico para preparar o canto, assim como acontece nos Cordões bragantinos, além da importância do figurino como fator diferenciador entre grupos grandes e pequenos, questão relacionada aos recursos financeiros de cada um. Ainda hoje, a maior preocupação dos proprietários está relacionada à apresentação das vestimentas. Na quadra junina de 1954, Edison Carneiro, em Folguedos Tradicionais, registra os Pássaros de Belém com uma observação atenta a vários aspectos que compõem os espetáculos, aos quais chama de “teatro dramático-burlesco popular”. São registradas as participações dos Pássaros Tem-Tem, Quati, Rouxinol e Periquito. Fazemos a ressalva de que nem sempre os nomes escolhidos pelos grupos são de aves, como, por exemplo, o grupo chamado “Quati” – mamífero carnívoro, procionídeo, com sete subespécies distribuídas por todo o Brasil (FERREIRA, 1999, p. 1677). Daí o fato de os Cordões serem chamados, no interior do estado, mais adequadamente de Bichos. Carneiro destaca os quadros de matutagem e balé, com entreato de grande sucesso entre o público. Quanto à parte musical, o autor faz comentários sobre a participação do artista que é pago para transcrever, compor ou adaptar músicas para as peças, as cançonetas típicas do teatro de revista usadas para encerrar o quadro da matutagem, as músicas excitantes destinadas ao balé e a composição da orquestra, formada de, no mínimo, sete músicos. A informação sobre a introdução de cançonetas vindas do teatro de revista reforça a teoria de que as mudanças musicais estão ligadas à preferência do público. Ou seja, o gênero musical da época é uma forma de atualização da manifestação, em especial naquele período, em que o público pagava para assistir às apresentações. No texto da palestra Aparecimento, nos Folguedos Juninos, dos Cordões de Bichos no Pará, Bruno de Menezes (1993, p. 355-360) considera os Cordões de Bichos como precursores dos Pássaros. Ele cita a ocorrência de Cordões em diversos municípios paraenses, entre eles Curuçá, Altamira6 e Ilha de Marajó7.

6 Município localizado na mesorregião do Sudoeste Paraense e na microrregião de Altamira, com área de 159.533 km² e uma população de 99.075 habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2010).

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7 Localizada no Arquipélago do Marajó, no Pará, na foz do rio Amazonas, com área de 40.100 km². É considerada a maior ilha fluviomarinha do mundo. Possui o maior rebanho de búfalos do Brasil.


Em relação à música, Menezes apresenta as seguintes considerações: aquelas para cantos e danças eram, de preferência, de gêneros regionais, como o carimbó, o lundu e a quadrilha da matutagem, e tornavam-se populares, sendo lembradas e cantadas em outras ocasiões. Quanto aos instrumentos, o autor destaca a utilização dos de sopro, como o bombardino e o clarinete, e faz menção ao compositor Antônio Cirilo Silva8, ressaltando a qualidade de suas composicões, “executadas por músicos de segura afinação melódica” (idem, p. 359). Ainda nessa obra, os gêneros apresentados são marcha, valsa, samba, fox e canção, com predominância da valsa. O texto do enredo é feito em rimas e sua relação com a música é bem equilibrada. Em A Farsa do Prêmio: Um Estudo Sobre a Política do Folclore em Belém, Sidney Piñon faz uma análise das relações entre o Estado, representado pelo Departamento Municipal de Turismo (Detur), órgão que promovia o “concurso” de grupos folclóricos, e o Pássaro Rouxinol, foco de estudo selecionado pelo pesquisador. Piñon acompanhou ensaios e apresentações do grupo e, a partir deles, deu-nos sua visão antropológica sobre os Pássaros. Quanto às questões musicais abordadas nesse trabalho, destacamos sua primeira impressão da música do Pássaro Junino Rouxinol: De repente começou o ensaio depois de muitas entradas e saídas de pessoas e muita conversa que eu não entendia direito. Era muito barulho, muita agonia, muita agitação. Aparece o ensaiador e grita – “Marcha de rua!” – e os músicos começaram a tocar uma marchinha que dava a sensação de ir envolvendo a gente por dentro [...]. (PIÑON, 1982, p. 12) Outro aspecto importante relaciona-se às suas observações sobre os músicos, todos do sexo masculino, em número de quatro, que tocavam sete instrumentos: trombone, trompete, saxofone alto, atabaque, bumbo, bateria e tarol. Isso nos leva a crer que o percussionista executava o atabaque, o bumbo, a bateria e o tarol, ou contava com o apoio de algum brincante não considerado como músico. Os ritmos trabalhados na peça e reconhecidos pelo pesquisador são valsa, canção, bolero, frevo, samba, carimbó, rumba e merengue. Outro livro que serviu de base para nossa compreensão do estudo sobre os Pássaros e Cordões foi Danças Dramáticas do Brasil, de Andrade (1982). O termo “danças dramáticas” abrange diversas manifestações populares brasileiras e apresenta a influência das três correntes étnicas formadoras do povo brasileiro: portuguesa,

8 “Compositor e regente paraense (1875-1932). Homem do povo, negro, foi criador espontâneo e fecundo. Autodidata de talento, conseguiu, já adulto, aperfeiçoar seus conhecimentos com vários professores. Foi também instrutor musical e o melhor orquestrador da música popular. O teatro popular paraense teve nele um criador extraordinário de melodias” (SALLES, 2007, p. 309).

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africana e ameríndia. As apresentações têm em comum a música e a dança, ligadas a um conteúdo narrativo que evoca, em sua gênese, o teatro de catequese dos jesuítas. Mário de Andrade sugere uma estrutura musical que pode ser aplicada tanto aos Pássaros Melodrama Fantasia quanto aos Cordões de Pássaros e de Bichos, que obedecem à seguinte sequência: cortejo, parte dramática e despedida. Um trabalho de referência sobre a produção cênica local, assim como do teatro popular e folclórico, é oferecido por Vicente Salles (1994) em Épocas do Teatro no Grão-Pará. O texto nos serviu de base para compreender o teatro popular paraense através das épocas que, segundo o autor, ocorrem em ciclo: Natal, Carnaval, Quaresma, São João e Festa de Nazaré. Salles destaca a importância e a origem do “Teatro Nazareno” como foco de divulgação das diversas modalidades de espetáculos do momento. Ele fornece a relação de dezessete Bois de Comédia9, além de cinquenta e quatro Pássaros e outros Bichos, com informações sobre o histórico de cada um, seus proprietários, comédias apresentadas e nomes dos participantes, compositores e músicos. Desses, alguns grupos ainda se encontram em atividade. Loureiro, no livro Cultura Amazônica: Uma Poética do Imaginário, de 2001, ao analisar o libreto Amor Proibido ou Sangue do Meu Sangue, de Lourival Pontes e Souza, espetáculo encenado em 1976 pelo Pássaro Junino Rouxinol, aborda diversos aspectos que envolvem o enredo e os processos teatrais, dos quais destacamos a função da música: A música tem papel “visível” em cena, fazendo parte integrante e construtiva da ação (como diálogo cantado, comentário, contraponto, descrição), tendo papel expressivo complementar, quando sublinha as nuances dramáticas: informar os estados de espírito dos personagens, antecipar dúvidas, preencher os tempos vazios narrativos, intervir dramaticamente no clima dos acontecimentos, dialogar com público informando momentos chave da representação. Além disso, representa um dos elementos propiciadores do distanciamento dramático, na medida em que “tornam estranhas” ou não naturais as pessoas cantarolando seus problemas ou estados d’alma, no palco. (LOUREIRO, 2001, p. 336) Os pontos detectados como função da música em cena pelo autor ainda hoje são encontrados nos Pássaros Juninos e Cordões. Deles, enfatizamos os diálogos cantados, que são os duetos musicais presentes nas duas manifestações. O papel de comentário,

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9 Boi com a performance similar ao Pássaro Junino ou Melodrama Fantasia.


o contraponto e a descrição são funções musicais que, nos Pássaros Juninos, aparecem na voz das personagens principais do drama, como o caçador, a princesa, a fada e a feiticeira. A música de fundo ou aquela que preenche os “vazios narrativos”, como diz Loureiro, só foi encontrada em alguns Pássaros Melodrama Fantasia. Quanto ao efeito de distanciamento dramático que a música provoca no público, consideramos ser um ponto crucial para Pássaros e Cordões. Cremos ser a música a ponte de passagem do real para o imaginário, do ordinário para a fantasia. Ela cria aquele momento mágico que sempre envolve o público, que canta e dança seus refrãos, repete falas e participa emocionalmente da história contada. Esse sentimento de pertencimento coletivo só tem sentido quando a plateia é formada por pessoas que têm afinidade com a performance e compartilham da mesma rede de relações sociais. Ou seja, o público integral definido por Schechner (apud SILVA, 2005, p. 59). O Teatro que o Povo Cria: Cordão de Pássaros, Cordão de Bichos, Pássaros Juninos do Pará – Da Dramaturgia ao Espetáculo, de Carlos Eugênio Marcondes de Moura (1997), tornou-se um livro de referência pela acuidade e profundidade com que o autor aborda o teatro popular paraense da época junina. No quarto capítulo dessa obra, há um tópico referente à música e aos músicos dos Pássaros Juninos. O autor inicia destacando o trabalho do maestro Braunwieser (1938), membro da Missão de Pesquisas Folclóricas, que transcreveu dezesseis partituras da parte do primeiro violino da comédia joanina O Pitauam. As músicas eram de Joventino Ponce de Leão, com letras de David G. dos Santos. A orquestra observada pelo maestro era formada por violino, contrabaixo, sanfona, pistão, trombone, bateria e cavaquinho ou viola. Pelo equilíbrio que há entre texto e música, Braunwieser declarou estar diante de uma opereta popular nacional. Essas partituras, podemos considerá-las o registro musical mais antigo. Em uma breve análise desse material, percebemos que os cantores daquela época possuíam um melhor desempenho vocal, devido às dificuldades técnicas das partituras, que apresentam intervalos de quintas, sextas e sétimas, passagem com cromatismos e mudança de tonalidade na mesma peça. A riqueza dessas partituras reforça a fala de Jarbas Lobato, professor aposentado da Escola de Música da Universidade Federal do Pará, que tocou violino nos Pássaros na década de 1940. Segundo ele, as orquestras eram formadas por quinze a vinte músicos, e o maestro distribuía as partituras no início das apresentações e as recolhia no final da noite. Em média, os grupos se apresentavam em três teatrinhos por noite (SILVA, 2003, p. 112). Durante a quadra junina de 1990, Moura menciona que as bandas eram formadas, em média, por quatro músicos, e os instrumentos mais ouvidos eram o tarol, a zabumba, o surdo, o reco-reco, o maracá, o pandeiro, o atabaque, o banjo, o violão, o trombone, o clarinete, a flauta e o pistão. Ele detecta uma das principais dificuldades dos grupos: o pagamento dos músicos, fato que ocasiona prejuízo à parte musical do

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espetáculo. Também revela o meio pelo qual são transmitidas as canções aos tocadores, através da gravação de uma fita cassete. Os gêneros musicais são informados com base na experiência do dramaturgo Laércio Gomes. Moura destaca a importância do balé, meio de entrada para os ritmos que se ouvem e se dançam nos Pássaros: Quanto aos ritmos musicais, eles se adequam [sic] às situações dramáticas ou cômicas e aos personagens. Esclarece Laércio Gomes que o cateretê é próprio da maloca; os forrós e toadas combinam com a matutagem; fadas, feiticeiras e caçadores cantam valsas; os caçadores também entoam fox, boleros e muitas vezes cantam conhecidas composições do cancioneiro popular [...]. A grande cena da morte do pássaro é precedida por um fox e acompanhada por movimentada marcha. Merengues, mambos, sambas, carimbó, rumbas e lambadas são os ritmos que mais convêm à ousadia do bailé, uma atração à parte. (MOURA, 1997, p. 315)

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Com a proposta de pesquisar a importância do figurino e sua função dramática no espetáculo dos Pássaros em Belém, Margaret Refkalefsky (2001) apresenta um trabalho inovador na história dos Cordões e Pássaros Juninos em Pássaros... Bordando Sonhos: Função Dramática do Figurino no Teatro dos Pássaros em Belém do Pará. A autora aponta a música como um dos componentes que contribuem para o equilíbrio do espetáculo, ao lado do canto, da dança, do drama e da comédia. A obra também trata da influência dos sucessos do momento divulgados através do rádio e da televisão nas canções e danças, da função, atribuída ao guardião, de compor e selecionar as músicas, da dificuldade no pagamento dos músicos pelos grupos, e da diminuição dos trechos musicais devido à falta de experiência dos brincantes. A dissertação A Música do Pássaro Junino Tucano e Cordão de Pássaro Tangará de Belém do Pará (SILVA, 2003) tratou mais profundamente a música, os músicos e os instrumentos dessa manifestação, abordando a música como elemento diferenciador entre Pássaro Melodrama Fantasia e Cordões de Pássaros e Bichos dentro do contexto urbano belenense. O Cordão de Pássaro Tangará tem como guardião Agenor Del Valle e o Pássaro Junino Tucano, Iracema Oliveira. Olinda Margaret Charone trata do processo de criação e montagem dos Pássaros Juninos de Belém do Pará em sua tese de doutorado Pássaros de Voo Longo: O Processo de Encenação do Teatro dos Pássaros em Belém do Pará. Em relação à parte musical, a pesquisadora nos relata a dificuldade que os grupos têm em fazer o pagamento dos músicos durante os ensaios, fator que prejudica o trabalho de afinação desses brincantes. Geralmente, a banda musical inicia sua participação no grupo no ensaio de pré-estreia:


Durante os meses de ensaio, em nenhum momento os músicos estiveram presentes, pois eles cobram por dia de ensaio, e não existe patrocínio, financiamento para cobrir essa despesa. Somente às vésperas da estreia, isto é, dois ou três dias antes, é que os músicos comparecem. Consequentemente, ao longo dos ensaios, os brincantes/atores cantavam suas músicas à capela. (CHARONE, 2008, p. 91) Quanto à banda que acompanhou o Pássaro Junino Tem-Tem, temos o registro fotográfico dos músicos, que aparecem com o seguinte instrumental: saxofone, violão, caixa com pratos e dois atabaques. Segundo a autora, os gêneros musicais utilizados foram valsa, baião, bolero, canção, mambo, marcha carnavalesca, quadrilha, rumba, samba e carimbó, sendo que o balé se apresentou com a gravação de um número de tecnobrega do grupo Calcinha Preta. As observações de Charone são pertinentes. Reforçam a falta que um ensaiador musical faz, já que fica difícil contratar a banda para os ensaios. Isso acaba prejudicando o bom desempenho vocal das personagens principais, para quem é destinado o maior número de canções. A inclusão do gênero tecnobrega promove a atualização musical, já comentada, visando agradar o público. A referência ao uso de gravação eletrônica para o número do balé, recurso também adotado em outros grupos, sinaliza para outra mudança, pois, no passado, toda a parte musical era executada pela própria banda. No trabalho Mestre da Cultura, Figueiredo e Tavares abordam a cultura tradicional e popular de Icoaraci, a partir de entrevistas com os proprietários dos Cordões de Pássaros e de Bichos, e disponibilizam um material valioso sobre a história dos seguintes grupos, com suas respectivas datas de criação: Cordão de Pássaro Guará (1962), Grupo Junino Tem-Tem (1984), Cordão do Colibri (1971), Cordão do Bacu (1998), Cordão da Oncinha (1991) e Cordão Leão Dourado (1969) – todos em atividade até hoje. O modo dos Cordões de Icoaraci se apresentarem é similar ao de outras regiões de Belém: O cordão [de pássaro], relacionado intimamente com os bois e os cordões de bicho, se caracteriza pela apresentação do auto em uma meia-lua formada pelos brincantes, em que os acontecimentos se desenrolam no centro, e o pássaro é o personagem principal. (FIGUEIREDO e TAVARES, 2004, p. 109) Esse argumento serve para fundamentar a hipótese que defendemos sobre o posicionamento dos brincantes em meia-lua. Essa transformação, provavelmente, ocorreu quando os Cordões passaram para os palcos, pois no interior do estado, onde as apresentações ainda são feitas no chão, mantém-se a formação de duas filas paralelas.

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Quanto à parte musical, temos na obra a transcrição das letras dos cânticos de todos os grupos, sem identificação do gênero, assim como os instrumentos usados: saxofone, flauta, banjo, tambor, tarol, pandeiro e afoxé. Outra informação relevante é a descrição do processo de criação musical de Dona Nalzira Silva, proprietária do Cordão de Pássaro Guará: D. Nalzira tem dificuldade de ler e escrever, mas consegue criar letras e melodias das músicas com ajuda de um equipamento de som. Ela canta as músicas na madrugada e as grava. Seu filho, Raimundo Marcos, de manhã ouve e transcreve as letras. (idem, p. 110)

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Esse método de composição é o mais usado pelos criadores dos Pássaros e Cordões, como também o fazem diversos compositores da música popular que não possuem domínio da escrita musical. O primeiro registro sonoro de Pássaros disponível ao público mais amplo foi o projeto da gravadora Marcus Pereira Mapa Musical do Brasil (1974), que divulgou os resultados da pesquisa e levantamento da cultura musical do povo brasileiro. Essa coleção divide-se em títulos lançados em LP, já disponíveis também em CD: Música Popular do Nordeste, Música Popular do Centro-Oeste/Sudeste, Música Popular do Sul e Música Popular do Norte. Na coletânea Música Popular do Norte, composta de quatro volumes, encontramos, na faixa 16 do quarto volume, o registro do Pássaro Guará e do Pássaro Junino Bem-Te-Vi. A partir da audição desse documento, podemos identificar elementos musicais que ainda hoje são observados nos Pássaros Juninos, como o início da protofonia de O Guarani, de Carlos Gomes, na abertura do Pássaro Junino Rouxinol registrado também em 2003 e até 2015, além da presença de acordes, sons simultâneos com longa duração que marcam a finalização de cenas. O LP Folguedos Populares do Pará é, sem dúvida, um dos documentos mais profícuos sobre as manifestações populares paraenses. Lançado pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Belém (Semec), o álbum, com três discos, contém o registro sonoro de Bois-Bumbás, Cordões de Bichos e de Pássaros, acompanhado de encarte com informações relevantes compiladas pela pesquisa realizada a partir de 1986. Em relação a Cordões de Bichos e Pássaros, há gravações dos grupos Cordão de Bicho Leão Dourado e Cordão de Pássaro Guará, de Icoaraci; Cordão de Pássaro Tem-Tem e Cordão de Pássaro Arara, da Ilha de Mosqueiro; Cordão de Pássaro Taperá, de Marapanim, e Cordão de Pássaro Arara, de Belém. Para cada faixa do LP, o encarte apresenta as letras das músicas, antecedidas de informações sobre tipo de folguedo (Cordão de Pássaro, de Bicho ou Boi-Bumbá), título da toada, gênero musical, nome do intérprete, nome do informante, autoria atribuída, nome do grupo onde foi recolhida a toada e local da coleta. Em relação aos Cordões, encontramos sete gêneros musicais: quinze marchas,


cinco carimbós, cinco valsas, três dobrados, três retumbões, dois maxixes e um batuque. As marchas continuam sendo tocadas na abertura e finalização das brincadeiras. O dobrado, o retumbão e o maxixe saíram do repertório atual. O carimbó, ainda o encontramos presente no quadro da matutagem e do balé, porém nos chamou a atenção o fato de ser usado como canto de entrada, da maloca e de salão. A valsa continua como gênero preferido nos cantos solos para destacar personagens. O batuque, presente no quadro da matutagem, ainda é usado em cenas relacionadas com sessões de cura e revelações nos quadros de magia. Em relação aos instrumentos, temos responsáveis pela melodia o saxofone soprano e alto, o trombone e o acordeom. No acompanhamento harmônico, violão, banjo e cavaquinho e, entre os percussivos, surdo, tuba, pandeiro, tarol, zabumba e afoxé. As bandas são formadas por dois a sete músicos, sempre com instrumentos privilegiando a parte melódica, harmônica e percussiva. O Tem-Tem teve a menor banda, com dois instrumentos – o acordeom, que pode realizar tanto a parte melódica quanto a harmônica, e a zabumba. Nos Cordões, é comum também a presença do apito, cuja função é marcar a finalização de músicas e cenas. Para esse mesmo fim, os Pássaros Juninos se utilizam de acordes. Assim, o apito se estabelece como um elemento diferenciador. A vivência na pesquisa com Pássaros, aliada à revisão bibliográfica realizada, permitiu-nos estabelecer considerações sobre o Pássaro Junino ou Melodrama Fantasia, que se caracteriza como gênero de teatro musical popular com origem na cidade de Belém, e os Cordões de Pássaros e Bichos. Assim, destacamos: A música é um elemento essencial nos Pássaros Juninos e nos Cordões de Pássaros. Ao lado do texto, expressa uma gama de sentimentos e assume uma variedade de funções, permeando o espetáculo do início ao fim. Como sequência musical geral, considerando a divisão ternária proposta por Mário de Andrade (cortejo, parte dramática e despedidas), que respeita a estrutura natural das manifestações, partimos para a seguinte organização, que pode ser aplicada aos Pássaros: - Músicas de entrada: são consideradas aquelas que antecedem a parte dramática. Geralmente, fazem parte desta categoria uma abertura musical ou canto de apresentação e o hino do grupo. - Músicas da parte dramática: são aquelas que compõem o enredo (das personagens) ou que servem de entreato (do balé ou quadro especial). - Músicas de despedida: apresentação das despedidas e agradecimentos finais do grupo. As músicas de entrada são encontradas na maioria dos Pássaros. A primeira que é tocada tem a finalidade de apresentar os personagens da peça ao público e a segunda, de enaltecer o grupo para a plateia e intimidar os concorrentes em tom de desafio. No LP da Marcus Pereira, ouvimos como tema de abertura do Pássaro paraense

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Bem-Te-Vi a protofonia d’O Guarani, de Carlos Gomes, também usada pelo Pássaro Junino Rouxinol em 2015. A mistura de popular com erudito é comum nos Pássaros, o que torna possível relacionar essas aberturas com aquelas de óperas e operetas. Depois da abertura, inicia-se a movimentação do grupo cantando a marcha de salão, que denominamos “hino do grupo”, porque cada um o mantém ao longo dos anos, com a letra narrando um pouco de sua história. Ressaltamos o fato de todos os hinos pertencerem ao gênero musical de marcha carnavalesca. Na parte dramática, constatamos a presença de música dos personagens, música da maloca, música da matutagem, música ritual e música do balé. A música dos personagens compreende cantos solos destinados aos papéis principais da peça, por exemplo, o caçador, a fada, a princesa. Fazem parte desse repertório gêneros musicais como a valsa, o bolero e a canção. A música da maloca constitui-se de peças instrumentais para o bailado dos índios. Os gêneros predominantes nessa parte da apresentação são os xotes, tocados pelas bandas. A música da matutagem tem como característica básica o humor. Os gêneros mais usados são o xote, o carimbó e o baião. A música ritual é usada para a cura e ressurreição do pássaro. São pontos rituais de umbanda ou pajelança. Nos grupos observados, o acompanhamento foi feito por instrumentos de percussão (tambores ou atabaques) executados pelos brincantes. Mário de Andrade (1987, p. 61) denomina esse tipo de manifestação de “música de pancadaria”, porque a percussão tem o objetivo de exorcizar os espíritos maus e o malefício. A música do balé é destinada às cenas de dança. Em geral, são dois números por grupo e, às vezes, há um solo de uma sambista no final. Segundo Suhamy (2001), o balé sempre ocupou um lugar importante desde a ópera-balé, com Lully e Rameau nos séculos XVII e XVIII, até as operetas no século XIX. A música de despedida é executada quando se encerra a apresentação da parte dramática. O grupo se reúne no palco para agradecer ao público e às autoridades presentes responsáveis pela realização do espetáculo. Durante nossas leituras e entrevistas, ficou patente a dificuldade dos grupos em arcar com os pagamentos dos músicos. Entre os motivos, além da atual situação econômica, identificamos o fato de que esses artistas não pertencem à comunidade. Além disso, nos Pássaros, não há formação de instrumentista musical, diferentemente do que acontece em outras manifestações populares, como a capoeira e o Boi-Bumbá, onde o mestre ensina seus alunos a tocarem os instrumentos para acompanharem a apresentação. No passado, as bandas eram compostas por sete a quinze músicos, enquanto, hoje, há aquelas com no máximo quatro instrumentistas. Para nos despedirmos com música, transcrevemos o canto de entrada do Cordão de Pássaro Tangará, que tem como guardião Agenor Del Valle.


“Lá vem o pássaro voando Ele vem ao pôr do sol E as morenas nas janelas Dando viva ao Tangará”

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REFERÊNCIAS ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre música brasileira. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1972. _____________. Pequena história da música. 9ª ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1987. CÂMARA CASCUDO, Luís da. Dicionário do folclore brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro, 1972. CARNEIRO, Edison. Folguedos Tradicionais. 2ª ed. Rio de Janeiro: Funarte, 1982. CHARONE, Olinda Margaret. Pássaros de voo longo: o processo de encenação do Teatro dos Pássaros em Belém do Pará. Tese de doutorado em teatro da UFBA. Salvador: Escola de Teatro e Dança da UFBA, 2008. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário de língua portuguesa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. FIGUEIREDO, Silvio Lima e TAVARES, Auda Piani. Mestres da Cultura. Belém: EDUFPA, 2006. FOLGUEDOS POPULARES DO PARÁ. Pesquisa e gravação ao vivo em PCM Digital. Belém, Secretaria de Estado da Educação, 1990. HURLEY, Henrique Jorge. Itarãna (pedra falsa): lendas, mythos, itarãnas e folklore amazônicos. Belém: Of. Graph. Do Inst. Dom Macedo Costa, 1934. LOUREIRO, João de Jesus Paes. Obras reunidas: Cultura amazônica – uma poética do imaginário. São Paulo: Escrituras, 2001. MELO, Cazuza. Entrevista concedida a Luiza Camargo (Escola de Música da Universidade Federal do Pará), Belém: 197?. Acervo pessoal de Luiza Camargo. MENEZES, Bruno de. Obras completas de Bruno de Menezes. Vol. 2. Folclore. Belém: Secult, 1993. MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de. O teatro que o povo cria: cordão de pássaros, cordão de bichos, pássaros juninos do Pará; da dramaturgia ao espetáculo. Belém: Secult, 1997. MÚSICA POPULAR DO NORTE - VOLUME 4 - Discos Marcus Pereira. 33 rotações. 1976. PIÑON, Sidney. Farsa do prêmio: um estudo sobre a política do folclore em Belém. Belém: Academia Paraense de Letras, 1982. REFKALEFSKY, Margaret. Pássaros... bordando sonhos: função dramática do figurino no teatro dos Pássaros em Belém do Pará. Belém: IAP, 2001. SALLES, Vicente. Épocas do teatro no Grão-Pará ou Apresentação do teatro de época. Belém: UFPA, 1994. __________. Música e músicos do Pará. 2ª ed., Belém: Secult/Seduc/Amu-PA, 2007. SILVA. Rosa Maria Mota da. A música do Pássaro Junino Tucano e Cordão de Pássaro Tangará de Belém do Pará. 232f. Dissertação (Mestrado em Musicologia) – Escola de Comunicação e Arte – ECA, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2003. SILVA, Rubens Alves da. Entre “Artes” e “Ciências”: A noção de Performance e drama no campo das Ciências Sociais. Horizontes Antropológicos. 2005, vol.11, n.24, pp. 35-65. SUHAMY, Jeanne Suhamy. Guia da ópera. Trad. Paulo Neves Fonseca. Porto Alegre: L&PM, 2001.

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MIGUEL CHIKAOKA

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Educador e fotógrafo, desde a década de 80 se dedica ao fazer e ao pensar pela fotografia. Em 1984 fundou a Fotoativa, com o compromisso de unir os processos artesanais e as atividades sensoriais para estabelecer discussões sobre a imagem, o fazer fotográfico e suas possibilidades. Em 2012, recebeu a Ordem do Mérito Cultural, prêmio federal por suas contribuições à cultura brasileira. As fotografias aqui apresentadas foram feitas na primeira década dos anos 2000, durante a Revoada.




O papel do figurino no teatro dos Pássaros

O

Margaret Refkalefsky1

Pássaro Junino e o Cordão de Bicho constituem-se em uma das mais ricas e significativas expressões artísticas da cultura paraense. É um teatro popular musicado que possui, em seu repertório, histórias de nobres, fazendeiros ou coronéis, índios, fadas e feiticeiras, caçadores e pássaros ou animais diversos, ambientadas na floresta, em fazendas e castelos, numa realidade ficcional mágica. Criado no final do século XIX, esse teatro, resultado do rico imaginário amazônico, combinado ao imaginário dos povos que por aqui passaram ou se estabeleceram, tem resistido ao longo dos anos graças à dedicação e perseverança de seus proprietários, apesar da indiferença e da falta de apoio dos órgãos oficiais da Cultura. Esse teatro fez grande sucesso e se popularizou em Belém nos anos seguintes a sua criação, durante o século XX. Nesse período, foram contabilizados 185 diferentes grupos de Pássaros e Cordões com duração variada, segundo Marcondes (1997). No entanto, a época de ouro do gênero foi entre os anos 1910 e 1960, na qual existiram, somente em Belém, 50 organizações atuantes com montagens anuais. Nessa cidade onde sempre se concentrou o maior número de grupos desse gênero teatral, existem atualmente 20 deles, entre os quais cinco de Outeiro e dois de Mosqueiro (vilas situadas em ilhas que integram a região metropolitana de Belém). Nos demais municípios do estado, verifica-se a existência de apenas 13 grupos de Pássaros2. O Pássaro e o Cordão de Bicho são formas populares de teatro. Eles não se confundem com o folclore, segundo Loureiro (1995), manifestação artística popular sem autoria conhecida, com temas cristalizados no tempo e que se repetem ao longo de gerações. As duas variantes desse teatro, o Pássaro e o Cordão, possuem uma dramaturgia própria e suas encenações constituem-se na produção intelectual de dramaturgos, encenadores, compositores, músicos e atores (brincantes, como eles próprios se autodenominam), todos eles artistas populares pertencentes à mesma camada social. Como estrutura teatral, articulam de forma harmônica várias linguagens artísticas, como o teatro, a dança, a música e o canto. Devido ao grande número de músicas a serem

1 Atriz, professora e técnica da Universidade Federal do Pará (UFPA). Possui graduação em Serviço Social pela UFPA (1971), mestrado em Arte Dramática pela Université du Québec à Montréal/UQAM (2000) e doutorado pelo Programa de Estudos e Práticas Artísticas da UQAM (2008). Tem experiência na gestão de projetos científicos, artísticos e culturais, atuando especialmente na área de teatro, arte-educação, música e arte popular. 2 Dados obtidos junto ao Centro de Experimentação e Pesquisa Artística e Cultural (antigo Instituto de Artes do Pará) da Fundação Cultural do Pará, em outubro de 2015.

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executadas por seus diferentes personagens, alguns autores passaram a considerá-las uma opereta amazônica, uma espécie de “opereta cabocla”, segundo Salles (1994). A estética desse teatro se manifesta na forma de estruturar o texto dramático, no estilo de interpretação de seus atores, nos temas recorrentes que aborda em seu repertório e no texto espetacular. Dessa forma, compará-lo a outros gêneros teatrais é, no mínimo, redutor de suas qualidades estéticas. A comparação deve dar-se, ao contrário, em relação a outros teatros populares e às montagens no interior do próprio gênero. É assim que o Pássaro, como um gênero dramático popular musicado, possui textos e dramaturgos clássicos, dos quais temos conhecimento de uma vasta produção referendada por admiradores, estudiosos e seu público. No entanto, poucos textos dramáticos resistiram ao tempo, apesar da enorme produção de seus dramaturgos durante a primeira metade do século XX. A dramaturgia dessas duas variantes, o Cordão de Bicho – também denominado Cordão de Meia-Lua – e o Pássaro Junino – ou, como se autodenominam seus proprietários, o Pássaro Melodrama Fantasia –, é bem diversa. Por um lado, a temática do Cordão é singela e refere-se ao drama da cobiça, da perseguição, da morte e da ressurreição de um animal (pássaro, peixe, onça, etc.), objeto de estimação da dama ou filha do fazendeiro. Essa variante existe em Belém e em cidades do interior do estado. Por outro lado, o Pássaro tem uma temática mais complexa e trata do drama de personagens nobres, envolvendo incestos, abandono, suicídios e traições. Esses personagens vivem em palácios e se inter-relacionam com índios, feiticeiros e matutos. É na escrita espetacular dessas duas variantes que há uma diferença na forma de desenvolvimento das cenas. Na variante do Cordão de Meia–Lua, como bem explicita o nome, todos os personagens permanecem no palco em um semicírculo voltado para o público do início ao fim do espetáculo. É interessante constatar que os atores nessa formulação se constituem em público enquanto não participam da ação (fig. 1). Quanto ao Pássaro, os personagens entram e saem do palco de acordo com suas participações na cena. Muitas vezes, quando o tablado dispõe de cortina, essa é utilizada para a troca de cena. É o que Salles (1994) considera “as comodidades do palco”. O Pássaro Melodrama Fantasia é um fenômeno basicamente urbano, fruto da influência das óperas e operetas que se apresentavam no Theatro da Paz, na capital paraense, no início do século XX, durante o período áureo da borracha. Sua dramaturgia pode ser considerada uma releitura e apropriação dos elementos dramáticos mais significativos veiculados através das peças teatrais apresentadas pela classe dominante, incorporados e integrados às representações artísticas próprias da cultura da região. Loureiro, em uma referência à produção artística do homem amazônico, analisa esse momento de profunda criatividade pela maneira que ele vivencia a realidade na sua dimensão estética. Liberto de todas as amarras, ele vive um “momento de uma surrealidade que lhe permite mergulhar na profundidade das coisas, onde essa própria realidade é apreendida em sua mais rica significação“ (LOUREIRO, 1995, p.


347). Em outros termos, esse gênero teatral genuinamente popular constitui-se uma das mais importantes e ricas formulações artísticas próprias da Amazônia, produto do amálgama das diversas culturas e que representa a visão de mundo do caboclo dessa região.

Fig. 1. Cordão de Pássaro Arara. Todos os personagens permanecem em cena até o final do espetáculo. Eles vêm ao centro do semicírculo no momento de interpretar seu papel. Todas as fotos são da autora.

Fig. 2. Pássaro Tucano. Os personagens somente permanecem em cena enquanto desempenham seus papéis.

OS ESPETÁCULOS Os proprietários dos Pássaros e Cordões são pessoas que possuem liderança em suas comunidades, uma vez que conseguem agrupar e manter, durante anos, os brincantes (atores) que constituem o elenco de suas montagens. Essas pessoas possuem o registro do grupo em cartório e um CNPJ que lhes permite receber dos órgãos oficiais de Cultura algum auxílio para a montagem dos espetáculos. Eles coordenam todas as etapas da produção: escrevem ou adaptam os textos, compõem as músicas ou providenciam quem as componha e execute, distribuem os personagens e dão as indicações aos atores de como devem interpretar cada papel, coordenam os ensaios e, na maioria das vezes, confeccionam os figurinos. Quando acontece de o proprietário não ficar responsável pelas roupas da maioria dos personagens, fornece ao brincante que ficará com a função a orientação necessária de como fazê-lo. O figurino é o componente da montagem mais dispendioso e, geralmente, sua concepção e preparação ultrapassa o curto período dos ensaios e prolonga-se por todo o ano. Isso porque, sendo os elementos de ornamentação dos trajes formados por alguns materiais que se repetem para determinados personagens, é possível, aos proprietários, adquiri-los gradativamente ao longo do ano, evitando despender uma grande quantia de uma só vez na ocasião da montagem. Esse fato foi relatado à au-

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tora por Iracema Oliveira, guardiã do Pássaro Tucano, em entrevista concedida em 1998. No entanto, não é um procedimento exclusivo dela. Naquela mesma ocasião, tive oportunidade de obter, através do relato de Sulamita Ferreira, proprietária do Pássaro Bem-Te-Vi, a confirmação do uso de uma mesma estratégia para adquirir os elementos mais dispendiosos a serem usados nos figurinos dos brincantes de seu grupo. Assim, a temporada de espetáculos de pássaros significa muito mais que a montagem das peças. Seus proprietários, como donos de aves reais, ao longo dos anos alimentam e nutrem esses seres imaginários com pedras, penas, plumas e contas de brilhos e de paixão. (REFKALEFSKY, 2001, p. 60) A preocupação de adquirir os materiais necessários à confecção dos figurinos, que ocupa a mente dos proprietários durante todo o ano e foi manifestada nos relatos citados, indica o quanto esse elemento cênico é importante nesse gênero teatral. Assim sendo, estudar o figurino no Pássaro e no Cordão significa identificar os diferentes papéis que ele desempenha em relação ao espaço, ao tempo e aos personagens.

O FIGURINO O teatro é a arte da convenção, do código. As várias linguagens utilizadas pelo teatro – palavra, mímica, ruído, música, figurino, etc. – podem assumir uma importância tão significativa que, mais que um meio, podem vir a se transformar em uma linguagem autônoma. A título de ilustração, tomemos como referência a maquiagem na Ópera de Pequim. As cores que os atores usam no rosto constituem-se numa linguagem própria e passam a ter autonomia. Cada cor tem um significado diferente: o azul retrata a brutalidade, o amarelo, a crueldade, e assim por diante. Na commedia dell’arte3, por outro lado, é o figurino que se constitui em um código. Como imaginar um dos personagens, o Arlequim, sem seu traje remendado? Mesmo as atualizações dos textos da commedia dell’arte mantêm os remendos, ainda que de forma estilizada, permitindo uma releitura, mas conservando as características da vestimenta que o identificam. À medida que um ator ou atores começam a utilizar o mesmo figurino para um determinado personagem, esse traje passa a ter vida própria, certa autonomia. Ele passa a se ligar não mais somente ao artista, mas ao personagem, retratando suas caracterís-

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3 Gênero teatral que surge na Itália no século XV. Possuía duas grandes qualidades que o caracterizavam: o improviso e o figurino.


ticas psicológicas, passando a funcionar como uma segunda pele do ator. No entanto, é preciso que o espectador seja iniciado para compreender a mensagem, uma vez que a chave que permite decifrar o código está inserida na cultura. O figurino no teatro moderno recorre a diferentes materiais, texturas e cores de forma totalmente arbitrária, visando posicionar o personagem no contexto da trama, respeitando suas características psicossociais. As montagens de um mesmo texto, como Romeu e Julieta, de Shakespeare, podem apresentar uma multiplicidade de versões de um guarda-roupa para os mesmos personagens, dependendo do figurinista e dos recursos disponíveis. No entanto, para considerar o figurino teatral (tomado no seu sentido amplo: roupa, ornamentação, acessórios, adereços, maquiagem, etc.) como um código vestimentar, é necessário que ele tenha profunda inserção social e o conhecimento anterior do público; caso contrário, ele não o distingue como tal. Os chineses reconhecem o amarelo da maquiagem na sua ópera como crueldade, assim como os paraenses espectadores do teatro dos Pássaros reconhecem, no branco da roupa da fada, o símbolo da bondade e da pureza. Diferentemente de outros tipos de teatro popular, os encenadores do Pássaro e do Cordão criaram um código que direciona a confecção dos trajes. O figurino se efetiva a partir desse código composto de cores, texturas e silhuetas. Não é absolutamente rígido, mas de uma grande riqueza simbólica, assumindo um papel hegemônico na encenação e hierarquizando os elementos de cena. Que funções o figurino desempenha nesse teatro em relação ao espaço, ao tempo e ao personagem?

O FIGURINO DEFINE O ESPAÇO O ato teatral não se circunscreve apenas aos edifícios teatrais. Ele pode se realizar em qualquer espaço, por mais transitório que seja: uma rua, uma praça ou um tablado em uma feira. Tão logo terminada a representação, esses espaços retomam suas funções originais no contexto urbano. No entanto, mesmo em ambientes alternativos onde os Pássaros ou quaisquer teatros de rua costumam se apresentar, coexistem dois espaços fisicamente definidos: o cênico, onde os atores contracenam entre si, e o do público. A relação entre esses dois conjuntos constitui-se no espaço teatral. Convém notar que, em se tratando do ato teatral, mesmo que os dois conjuntos estejam próximos, permeados, em nenhum momento o espectador assume ou troca de lugar com o ator. Essa relação de separação/ complementação permanece até o final do espetáculo, diferentemente de outros tipos de manifestações populares em que pode ocorrer de os espectadores, em determinado momento, participarem da atividade artística. É interessante constatar que, mesmo nos teatros oficiais onde os Pássaros costumam se apresentar, o palco é vazio. Ou seja, a montagem não utiliza cenário ou qual-

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quer recurso cenográfico, como praticáveis4, iluminação ou sonoplastia. A meu ver, isso decorreu da própria necessidade que os grupos têm de cumprir um itinerário de representações em diferentes espaços no mesmo dia. Contingência que se transformou em um aspecto positivo e passou a fazer parte da estética do espetáculo. George Banu (1980) considera que o espaço cênico vazio possibilita ao público experimentar o poder da imaginação. Assim, quando o ator, usando a roupa do personagem, entra em um palco sem cenário, causa uma ruptura, criando uma passagem para o imaginário. O espectador no teatro, segundo Ubersfeld (1960), vê dois espaços que se interpenetram: o cênico, que é o espaço físico onde atua o ator, e o dramático, que é invisível, onde ocorre a ficção, o drama. Ora, no teatro dos Pássaros, a criação desses espaços dá-se, fundamentalmente, pelo figurino. É ele que delimita o lugar do palco e da plateia, do ator e do espectador e torna evidente os espaços cênico e dramático. O traje coloca em relevo o personagem e o distingue do público, mesmo porque, em determinados lugares, as fronteiras entre esses dois elementos se diluem, como nas apresentações em praças. É a roupa utilizada pelo ator que faz o espectador compreender onde se passa a ação, onde os personagens se encontram. Assim, os trajes vão definir se o lugar é a floresta, o palácio, o terreiro de umbanda ou a aldeia dos índios. O texto vai se materializando através da fala dos personagens nesse espaço cênico vazio. O espectador vai construindo, com o auxílio do figurino e a partir de suas experiências individuais, o espaço da cena. Além disso, existe um referencial comum entre os espectadores, que se encontra na cultura e faz com que haja, pela parte do público, uma aceitação das referências adotadas pelo autor para compor o caráter dos personagens e das situações apresentadas. Os personagens constroem o mundo através da palavra. E o público vai pintando com a imaginação as paisagens e a floresta e edificando os castelos. Assim, o figurino do brincante atrai para si, nesse espaço vazio, uma função de cenário, o que permite dar uma coerência espacial à cena.

O FIGURINO DEFINE O TEMPO No teatro, o tempo, segundo Ubersfeld (1960), assume dois importantes significados: a duração e a época. A duração revela-se através de duas dimensões, a real e a relativa. A primeira é o tempo cronológico entre o início e o fim do espetáculo, e a segunda faz referência ao ficcional, isto é, o transcurso do tempo que dura a trama. A época contextualiza a ação no período histórico. A concretização do tempo pode

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4 Praticáveis são estruturas móveis, espécie de estrados artesanais ou industrializados, usadas como recurso cenográfico para criar relevo no palco. Dependendo da montagem, pode servir como arquibancada, mesa, cama, etc.


ocorrer em função de diversos elementos, como a iluminação, o cenário e outros recursos cênicos. No Pássaro, o tempo se passa através do figurino. Existe o tempo dos nobres, que se refere a um tempo antigo; o tempo dos matutos, que se localiza em um tempo moderno, abordando questões atuais e sempre com um duplo sentido voltado para a sexualidade; e o tempo mítico dos personagens encantados, isto é, de fadas, curupiras e sacis-pererês. Segundo Banu (1980), o figurino do teatro, de forma geral, para construir a temporalidade em cena, leva em conta dois critérios: a verossimilhança e a coerência. A verossimilhança trata de estabelecer uma realidade passível de ser reconhecida por todos. E a coerência é a maneira pela qual se tece a realidade cênica da ficção. Mas o real é um conceito relativo que depende de como é apreendido pela cultura. Ora, analisando os espetáculos dos Pássaros, constatamos uma riqueza enorme de variações temporais. Existem épocas homogêneas, como nas cenas protagonizadas apenas pelos nobres. Com seus figurinos de época, eles utilizam com os outros personagens da mesma classe social um linguajar que se pretende sofisticado e cerimonioso. Outra época homogênea é a dos matutos, que adota figurinos contemporâneos e estilizados, representando uma classe de menor poder aquisitivo, com uma linguagem chula, e abordando problemas atuais. O figurino faz o tempo recuar e avançar. Quando o tempo dos matutos e dos nobres se junta ao dos personagens mitológicos, estilhaça-se, fragmenta-se numa terceira possibilidade: um tempo mágico, em que todos os elementos se integram na coerência do fantástico.

O FIGURINO DEFINE O PERSONAGEM A função do figurino no teatro, entre outras, é caracterizar o personagem. Mas um figurino, como se refere Barthes (1964), deve constituir-se em algo mais que a vestimenta do ator. Deve constituir-se em um argumento, não apenas com a função de ser visto e contemplado pela sua beleza e exuberância, mas permitir que o espectador decifre ou leia sua mensagem. Assim, quando observamos o figurino dos Pássaros, constatamos que ele comunica, isto é, permite uma leitura de ideias e sentimentos. Se o figurino do personagem é determinado através dos materiais de que é constituído, da textura de seus elementos e objetos e das cores de cada componente, então a articulação de todos esses elementos materiais tem importância fundamental na leitura do código vestimentar. O figurino, como um objeto teatral, tem qualidades que preenchem funções práticas e estéticas. Por exemplo, uma capa serve para proteger da chuva, função ligada ao seu uso (função denotativa), mas dependendo da qualidade, dos materiais de que for feita e da cor, passa a ter a função de significar, transmitir as características de seu proprietário, se jovem ou velho, rico ou pobre (função conotativa).

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Fig. 3. Trajes da nobreza. Da esquerda para a direita: personagem do Pássaro Beija-Flor, Pássaro Tucano e Pássaro Tem-Tem.

No entanto, no teatro, o personagem não veste a capa para se proteger da chuva no palco, mas para significar que chove ou que poderá chover, ou qualquer outra razão que esconda uma intenção determinada. A função estética é mais importante que a utilitária ou prática. No teatro, o elemento tem duplo estatuto: é uma presença real e objeto de representação. Sua função significativa é mais importante que a utilitária. Os atores colocam trajes de índio para representar a ação na maloca, mas ninguém sairia vestido “de índio” para fazer compras, por mais bonita que a roupa seja ou por mais que faça calor em Belém. Mas quem são os personagens e o que seus figurinos querem demonstrar? Os personagens das duas variantes – Pássaro e Cordão de Pássaro – circulam entre os dois tipos de drama popular e se caracterizam como personagens-tipo, isto é, concebidos sem profundidade de características psicológicas, mantendo, na maioria das vezes, o mesmo comportamento e as mesmas funções durante todo o desenrolar da trama. Isso pode ser observado naqueles que desenvolvem e assumem os papéis centrais, como o caçador, a fada, a princesa ou a donzela.

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Fig. 4. Fadas. Da esquerda para a direita: Pássaro Tucano, Pássaro Beija-Flor e Pássaro Tem-Tem.


Por um lado, se a falta de profundidade e a ausência de nuances empobrecem os personagens, por outro, conseguem fortalecer a comunicação entre a cena e o público, tornando-a mais eficiente. Os espectadores reconhecem os personagens, assim como suas atitudes e funções, mesmo que haja significativas mudanças nos enredos das peças. O caçador sempre terá a função de abater o pássaro. A plateia reconhece o personagem pela função que ele desempenha e, principalmente, pelo traje do ator. Esse figurino compreende a roupa em si, bem como todos os acessórios, chapéus, a espingarda, no caso do caçador, maquiagem, etc., tudo que o ator utiliza para caracterizar e promover a identificação do personagem, referendando dessa forma o código vestimentar. O FIGURINO E O ATOR Nesse gênero teatral, o figurino cumpre um simplesmente vestir o personagem. Ele envolve, elementos fundamentais da encenação: o ator e mais bem compreendida através do desempenho denomino de máscara teatral e máscara onírica.

papel muito mais importante que de maneira diversa e direta, dois o personagem. Sua abrangência é de duas importantes funções, que

Fig. 5. Trajes de matutos. Da esquerda para a direita: Pássaro Uirapuru, Cordão do Tangará e Pássaro Tucano.

A primeira, a máscara teatral, auxilia o brincante, o ator, a colocar o personagem em cena e permite ao público reconhecê-lo. Ela cria uma ponte entre o mundo ficcional onde se encontra o personagem e o mundo real onde se insere o espectador. Ela identifica o papel, assegurando à plateia importantes informações sobre sexo, idade, status social e função dramática. Se por um lado o ator veste o traje para dar substância ao personagem, por outro a roupa exige do artista um comportamento e uma postura física em relação a ela, pela necessidade de uma gestualidade e uma movimentação específica condizente com o vestuário. Assim, é o vestido longo, o grande volume da saia e a cintura apertada que dão elegância ao andar da marquesa. É o

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tecido que pende da manga do figurino da ave que exige do pequeno ator a realização de movimentos rápidos e fugidios, que se constituem em corridas pelo palco agitando os braços, fazendo com que o tecido balance ao vento e se transforme nas asas de um pássaro em pleno voo. A outra função do figurino, a máscara onírica, é a que permite ao ator desfrutar do grande prazer que a roupa lhe proporciona. Ela possibilita ao brincante assumir para si a beleza e o poder do personagem, satisfazendo aspectos psicológicos de prazer e ostentação proporcionados pelo figurino, em especial determinados personagens, como os nobres, a fada, os índios, entre outros. Isso é explicado pelas análises que Flügel (1982) realiza a propósito das funções da vestimenta. O autor considera que a vestimenta atribui ao corpo certas propriedades e atributos de que ele não dispõe por si só, isto é, encobrindo alguns defeitos e realçando as qualidades. Uma saia bufante esconde pernas não torneadas e quadris estreitos. Uma blusa decotada e justa realça e valoriza os seios, por menores que sejam.

Fig. 6. Pássaros e Porta-Pássaros. Da esquerda para a direita, cima: Pássaro Tem-Tem, Pássaro Tucano, Cordão da Arara. Baixo: Pássaro Bem-Te-Vi, Cordão do Tangará e Pássaro Uirapuru.

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Vestir uma roupa que nos cai bem, mesmo que emprestada de um personagem, e desfrutar de sua riqueza e beleza proporciona momentos de uma fuga do dia a dia em direção a uma realidade mágica. Esses sentimentos encontram resposta numa cumplicidade que se estabelece entre o proprietário do Pássaro e o brincante, que acaba, em alguns casos, vestindo mais de um traje com as mesmas características no mesmo espetáculo.


Em entrevista dada à autora em 1998, João Guapindaia, proprietário do Pássaro Tem-Tem, narrou os questionamentos das pessoas que ele convidava para assumir algum personagem em relação ao figurino. Um dos relatos foi de uma brincante que “negociou” com o proprietário as roupas que deveria vestir durante a temporada. Ele conta que ela perguntou: “Sr. Guapindaia, eu tenho cinco entradas em cena, quantas roupas vou ter?” O guardião comentou o comportamento da jovem: É a primeira afronta… Porque ela não quer uma roupa, ela quer no mínimo três, pois cada hora que ela aparece em cena ela está com [um] traje diferente (...) Assim, [com] R$ 500 ou R$ 6005 não dá para vestir nem dois personagens. (Entrevista com João Guapindaia, em 1998. Publicada em REFKALEFSKY, 2001, p. 171) Apesar de lamentar os altos custos da montagem e os escassos recursos fornecidos como auxílio pelos órgãos de Cultura, Guapindaia acabou cedendo aos apelos da jovem. Compreende-se o comportamento de diferentes proprietários, que se preocupam em adquirir os materiais para a confecção do guarda-roupa do Pássaro ao longo do ano. A meu ver, a cumplicidade do dono do Pássaro com seus brincantes em relação ao figurino, em especial dos nobres e índios, que demandam mais recursos, não é totalmente verbalizada por eles. No entanto, um rico figurino reflete o prestígio dos proprietários. Quanto mais ricos e em maior número forem os trajes dos brincantes, mais rico e poderoso parecerá ser seu proprietário. Em outras palavras, é o que afirma Dona Sulamita, proprietária do Bem-Te-Vi, à autora: É ridículo o personagem fazer várias cenas só com uma roupa. Assim, no meio da peça o personagem troca de roupa e fica com a mesma até o final. Se ele vai por acaso se apresentar em outro lugar, ele começa o próximo espetáculo com aquela última roupa e na metade, ele troca para a primeira e com ela vai até o fim. (Entrevista com Sulamita Ferreira da Rocha, em 1998. Publicada em REFKALEFSKY, 2001, p. 172) Muitos dos brincantes passam por diferentes papéis ao longo de suas vidas no grupo. Essa situação ocorre, geralmente, quando eles fazem parte da família do guardião. E, à medida que crescem, assumem outras funções no grupo ou diferentes

5 O salário mínimo mensal de um trabalhador em junho de 2000 era R$ 155.

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personagens de acordo com a idade. No entanto, há sempre um papel para os interessados em integrar uma montagem, e tem pouca importância sua faixa etária: quando criança pode fazer parte do balé ou, se mais desinibido, como um pequeno matuto. Na fase adulta como parte da nobreza, da maloca ou do terreiro. Talvez seja essa uma característica marcante do teatro popular; estar sempre aberto para acolher novos integrantes e compartilhar a alegria da festa. O figurino no teatro dos Pássaros se constitui, também, em um exercício de liberdade e de respeito ao corpo dos brincantes. Assim, quando ele é jovem pode se apresentar seminu ou envolto em penas. Quando começa a mostrar as marcas do tempo, ele reconstrói-se com tecidos, pedras e uma distribuição adequada dos volumes, dos chapéus com plumas, das anáguas que aumentam a circunferência da saia, dando equilíbrio ao traje, ou através dos efeitos visuais sobre a ornamentação dos trajes. Por todas as razões e funções acima relacionadas, o figurino passa a ser o elemento hegemônico nesse teatro. Todos os demais elementos ficam subordinados a ele, não por uma hipertrofia ou falta de afirmação de outros recursos cênicos, mas pela abrangência e importância de todos os papéis que desempenha. Ele define o tempo, o espaço e o personagem. Organiza-se num código vestimentar único e essencial, de tal ordem de grandeza que passa a se constituir como parte integrante da dramaturgia do Pássaro. Seria mesmo impossível imaginar esse teatro e suas montagens sem o figurino que lhe é peculiar, sem as grandes saias da nobreza, sem os grandes cocares dos índios, e assim por diante, sem o brilho, a ingenuidade e a magia que representa.

CÓDIGO VESTIMENTAR

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O figurino fornece matéria concreta para a sustentação dos personagens, segundo um código que não é revelado, por não ser explícito, mas que faz parte da vivência dos proprietários ou guardiões no trabalho artístico que desenvolvem no Pássaro ao longo dos anos. Muitos deles seguiram os passos dos pais e dão continuidade ao trabalho de montagem dos espetáculos como uma missão prazerosa, mas nem sempre fácil, na qual estão visceralmente engajados. Esse código vestimentar, segundo minhas observações, é estruturado a partir de alguns elementos, tais como o corte que define a silhueta, os materiais selecionados para cada categoria de personagem de acordo com a classe social e os acessórios. Ele permite que os personagens sejam identificados tão logo entrem em cena e transmite sinais que correspondem às características mais importantes de cada papel. Assim, os tecidos finos, os brilhos, as plumas, as grandes saias muito ornamentadas e as grandes anáguas que dão volume a essas últimas correspondem aos materiais e características do figurino das senhoras nobres, marquesas, princesas, etc. Por sua vez, os chapéus com plumas, o colete e as calças ajustadas correspondem às roupas


dos nobres. As penas e plumas exuberantes e coloridas são dedicadas aos trajes dos índios, assim como certa nudez. Os matutos, por pertencerem às classes mais pobres da população, vestem-se com tecidos grosseiros, como chita e algodão, ornamentados com rendas de nylon ou outro tipo de material de baixo custo. Esses elementos integrados se apresentam como uma linguagem, um código que passa a funcionar como um sistema autônomo. O figurino não tem nenhuma preocupação com a verdade histórica. Os nobres, com longas saias e chapéus com plumas, em vez de serem uma cópia do momento histórico em que estariam inseridos, reproduzem aquilo que, no imaginário popular, constituiria a maneira de vestir da nobreza e de sua riqueza. Em síntese, os materiais utilizados, como o cetim, a seda e o nylon, não são necessariamente caros e dispendiosos, mas são artisticamente organizados para produzir a teatralização da riqueza, assim como da pobreza, no caso do figurino dos matutos. O código é concebido através de regras escritas apenas na tradição e na experiência desses grupos teatrais. Mesmo que não seja reconhecido de forma consciente pelos participantes, encontra-se subjacente na concepção e confecção dos trajes. Esse fato tive oportunidade de observar na prática como espectadora desse teatro e através de discussão em encontros e palestras6 com guardiões. Nessas ocasiões observei os proprietários mais antigos reafirmarem aos mais novos a necessidade de seguir os padrões estéticos do figurino que vêm se mantendo ao longo de todos esses anos. O figurino, por sua importância e significado, passou a ter a hegemonia sobre os demais elementos desse gênero teatral. Ao mesmo tempo que condiciona o figurinista, liberta-o para a confecção das roupas. Condiciona porque é preciso cumprir as regras que estabelece e utiliza para garantir a boa comunicação com o público, sem perder as características psicossociais dos personagens. Ao mesmo tempo, deixa-o livre para exercer a criatividade no arranjo dos materiais destinados a cada grupo de personagens. O interessante é que, ao fim de cada montagem, o que se constata é que cada Pássaro revela uma surpresa – o figurino é igual na essência, mas diferente na sua materialização. Como um jogo de caleidoscópio, mistura as mesmas peças, mas a cada formulação os resultados são surpreendentemente diversos. O figurino é o resultado de um pensar artístico de um grupo social que materializa a beleza à sua maneira, teatralizando, através dos mesmos materiais, como concebe a riqueza e o poder. E os que estão na plateia, porque possuem os mesmos padrões e valores estéticos, interpretam o que é veiculado pelo figurino dos personagens, reconhecem-se nele e compartilham a percepção de mundo dos artistas que o criam.

6 O Centro de Experimentação e Pesquisa Artística e Cultural da Fundação Cultural do Pará tem promovido encontros entre pesquisadores do tema e guardiões de Pássaros. A última palestra da autora seguida de debate com os participantes ocorreu no dia 06/04/2015.

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REFERÊNCIAS BANU, Georges. Le costume de théâtre dans la mises en scène contemporaine. Paris: Canopé– CNDP, 1994. BARTHES, Ronald. Les maladies du costume du theâtre. Éssais Critiques. Paris: Edition du Seuil, 1964. FLÜGEL, J.C. Le rêveur un: de la parure vestimentaire. Paris: Aubier Montaigne, 1982. LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cultura Amazônica: Uma poética do imaginário. Belém: Editora Cejup, 1995. MOURA, Carlos Eugênio Marcondes. O teatro que o povo cria. Belém: Secretaria de Estado e Cultura, 1997. REFKALEFSKY, Margaret. Pássaros… bordando sonhos: função dramática do figurino dos Pássaros em Belém do Pará. Belém: Instituto de Artes do Pará, 2001. SALLES, Vicente. Épocas do teatro no Grão-Pará ou Apresentação do teatro de época. Belém: Ed. Universitária UFPA. 1994.2v. UBERSFELD, Anne. Lire le théâtre: L’ école du spectateur. Paris: Belin, 1996.

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ELZA LIMA

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Fotógrafa desde 1984. Seu trabalho se debruça sobre espaços amazônicos em um tempo de aceleradas mudanças. Expôs em diversos países além do Brasil, como Estados Unidos, Espanha e França, e suas obras estão em coleções de museus como o MASP e MAM Rio de Janeiro. Fotógrafa da Secretaria de Cultura do Pará, documenta manifestações culturais do estado. As imagens aqui presentes foram feitas entre 2006 e 2009, durante apresentações de Pássaros em teatros de Belém.




A matutagem e suas relações com o cômico popular medieval e renascentista Marton Maués1

A

Amazônia possui uma fauna exuberante. Uma rica variedade de pássaros. E um imaginário colossal. No mês de junho, em meio a fogos e fogueiras, no estado do Pará, acontece sempre uma “revoada de pássaros”. São os chamados Pássaros Juninos – Tucano, Arara, Tangará, Bem-Te-Vi. Já foram muitos, hoje lutam para sobreviver. Os Pássaros são uma tradição popular que existe há mais de cem anos. Seus brincantes cantam, dançam, interpretam. É um teatro completo. Um teatro feito pelo povo. Existem dois tipos de Pássaros hoje. Um mais rural, chamado também Cordão de Pássaro ou Pássaro Meia-Lua, por se apresentar em espaços abertos, mantendo seus integrantes o tempo todo em cena, numa estrutura semicircular. Outro, mais urbano, característico da capital, chamado Pássaro Melodrama Fantasia, que absorveu elementos das óperas e operetas apresentadas no Theatro da Paz no período faustoso da borracha, incorporando o que o historiador Vicente Salles chama de comodidades do palco – a cortina, a iluminação, os bastidores, a cena frontal do palco à italiana e até o extinto “ponto” (poucos brincantes decoram todo o texto). Por isso, é muitas vezes chamado também de ópera cabocla. O tema é sempre o mesmo: a caçada, morte e ressurreição de um pássaro. A esse tema central, o Pássaro Melodrama Fantasia agrega outros, envolvendo dramas e sofrimentos de uma família de nobres ou fazendeiros, “costurados” por tramas de suicídio, morte, vingança, traição e incesto.

1 Ator e diretor de teatro com mais de 30 anos de atividade. Professor da Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará há 22 anos. Licenciado em Letras pela UFPA, possui especialização em Arte-educação pela PUC de Minas Gerais e mestrado e doutorado em Artes Cênicas pela UFBA. É fundador do grupo de teatro Palhaços Trovadores, atuando como ator-palhaço e diretor.

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O antagonismo característico dos personagens do melodrama tradicional sobrevive nos Pássaros Juninos, personificando a eterna luta do bem contra o mal. No meio dessa luta, rompendo a pesada cortina de dramas e lágrimas, aparece a matutagem: um grupo de personagens responsável pelo riso no Pássaro. São algumas características deste grupo que queremos levantar neste ensaio, apontando analogias, sobretudo, com o cômico popular da Idade Média e do Renascimento. Também chamados matutos, os cômicos do Pássaro Junino, diz Moura (1997, p. 157), aparecem imediatamente antes ou após as cenas mais patéticas. São formados pelos matutos paraenses – um casal, seu filho, seus compadres e a filha destes – e o matuto cearense, um cabo ou um soldado. Ora participando diretamente do enredo, ora não, os matutos executam seus números através de esquetes de teor jocoso e muitas vezes libidinoso, em linguagem que utiliza metáforas nem tão obscuras. Eles conduzem toda a comicidade do Pássaro, contrapondo-a à carga dramática do melodrama, intervindo nos momentos de maior tensão. Seus quadros, afirma Moura (idem, p. 152), têm por objetivo suscitar na plateia outro tipo de catarse: o riso e o gozo provocados pela irreverência, pela malícia e pela obscenidade. Utilizando como referência o estudo do crítico literário russo Mikhail Bakhtin sobre a obra do escritor renascentista francês François Rabelais, destacaremos a relevância do riso no período medieval, que, mesmo em meio aos horrores praticados pela Santa Inquisição da Igreja Católica, fazia parte do cotidiano, integrado a ritos e festas populares – como o carnaval – e abolindo fronteiras da vida social devido ao seu caráter transgressor. E traçaremos assim paralelos entre a matutagem dos Pássaros Juninos de Belém do Pará com os cômicos medievais. Bakhtin nos fala do caráter multifacetado do riso, considerando-o como elemento de fundamental importância para a vida cotidiana da Idade Média e do Renascimento. O riso opõe-se à oficialidade da época, agindo como instrumento de integração das camadas sociais, abolindo fronteiras entre elas: O mundo infinito das formas e manifestações do riso opunha-se à cultura oficial, ao tom sério, religioso e feudal da época. Dentro da sua diversidade, essas formas e manifestações – as festas públicas carnavalescas, os ritos e cultos cômicos especiais, os bufões e tolos, gigantes, anões e monstros, palhaços de diversos estilos e categorias, a literatura paródica, vasta e multiforme, etc. – possuem uma unidade de estilo e constituem partes e parcelas da cultura cômica popular, principalmente da cultura carnavalesca, una e indivisível. (BAKHTIN, 1999, p. 3)

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Em seu estudo, o teórico destaca o princípio da vida material e corporal, presente na comicidade popular, nomeando-o de realismo grotesco – sistema de imagens da cultura cômica popular. Nele, “o princípio da vida material e corporal aparece sob a forma universal, festiva e utópica” (idem, p. 17). Esse princípio, segundo o estudioso, é positivo, não se destaca dos demais elementos da vida, é universal e popular. O porta-voz do princípio material e corporal não é aqui nem o ser biológico isolado nem o egoísta indivíduo burguês, mas o povo, um povo que na sua evolução cresce e se renova constantemente. Por isso o elemento corporal é tão magnífico, exagerado e infinito. Esse exagero tem um caráter positivo e afirmativo. O centro capital de todas essas imagens da vida corporal e material são a fertilidade, o crescimento e a superabundância. (id., ibid.) Ao lançarmos um olhar, por mais superficial que seja, sobre os personagens cômicos do Pássaro Junino paraense, é difícil não notar similaridades com o cômico popular da Idade Média e do Renascimento, difícil não fazer analogias, não tentar estabelecer e destacar elementos herdados pelos Pássaros das formas espetaculares e dos personagens daqueles períodos. Analisando a dramaturgia do Pássaro Junino, destacando seus recursos melodramáticos, Moura nos diz, quanto aos personagens, que: A humanidade, no melodrama clássico, se caracteriza por uma dupla divisão: de um lado os maus e de outro os bons, e entre eles não há compromisso possível. Nos melodramas dos autores do Pássaro Junino o mau, por vezes, um tirano sanguinário, é personificado por um fidalgo transplantado para a Amazônia, um fazendeiro ou um seringalista, o “coronel da borracha”, cujos atos de exploração econômica e violência ainda estão guardados na memória do povo amazônico. (MOURA, 1997, p. 151) O mal é coadjuvado pela feiticeira e o bem, pela fada, e aquele sempre vencido por este ao final da apresentação. Os títulos nobiliários confundem e invertem sua hierarquização. No melodrama passarinheiro, um duque pode ter mais poder que um rei e oprimir a filha deste. As ações destes dois grupos de personagens ocupam quase toda a extensão das peças, com o mal imprimindo uma tensão constante até sua derrocada, que só acontece no fim da trama. Essa tensão é, por vezes, amenizada pela interferência de elementos do imaginário e da cultura amazônica, da matutagem, dos números de dança e dos embates entre feiticeiras e fadas.

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(...) nesse universo palaciano, movido a paixões as mais diversas, a valorosa maloca dos Aruãs e dos Tupinarés poderá, a qualquer momento, sair dos recônditos das matas amazônicas, a matutagem surgirá quando se menos espera, com toda a sua ironia, fina e grossa, com seus embates sexuais, com seus dançarás; seres míticos, caveiras, morcegos e demônios virão assombrar as gentes, fadas e “fiticêras” se digladiarão, o bailé carnavalizará o mundo e algum pássaro inocente será abatido por um malvado caçador. Mas sempre ressuscitará. (MOURA, 1997, p. 155-156) A matutagem, grupo de personagens do Pássaro Junino que nos interessa de perto, como já dissemos, ora participa diretamente do enredo, ora não tem nenhuma ligação com este. Em ambos os casos, porém, é com sua irreverência, seus jogos verbais e corporais explícitos ou de duplo sentido, sua sagacidade, ironia, zombaria e também sua ingenuidade que o matuto instaura o riso que, tal qual o cômico medieval e renascentista, transgride as normas, as hierarquias, a trajetória linear do enredo. De acordo com Bakhtin, as múltiplas manifestações da cultura cômica popular podem subdividir-se em três grandes categorias, sendo elas: 1. As formas dos ritos e espetáculos (festejos carnavalescos, obras cômicas representadas nas praças públicas, etc.); 2. Obras cômicas verbais (inclusive as paródicas) de diversa natureza: orais e escritas, em latim ou em língua vulgar; 3. Diversas formas do vocabulário familiar e grosseiro (insultos, juramentos, blasões populares, etc.). (BAKHTIN, 1999, p. 4)

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Ainda segundo Bakhtin, “essas três categorias que, na sua heterogeneidade, refletem um mesmo aspecto cômico do mundo, estão estreitamente inter-relacionadas e combinam-se de diferentes maneiras” (id., ibid.). No cômico do Pássaro Junino paraense – a matutagem –, essa inter-relação de categorias acontece plenamente, manifestação festiva popular que é: na forma de cortejo, integrando brincantes e público; nos jogos verbais de duplo sentido, paródicos, satíricos e jocosos, utilizando sem pudores o linguajar popular e vulgar; e nos insultos e grosserias entre parceiros e membros da mesma família. Os matutos utilizam a língua e os trejeitos do povo. Interferem num enredo dominado por nobres e senhores de terra. Juntam-se a estes, instaurando o riso, igualando-se em importância – são esperados com ansiedade pelo público, que com eles identifica-se. Zombam dos demais e de si mesmos, satirizam as situações, criticam as relações de poder com fina ironia. Humanizam-se ao ingenuamente expor seus medos das assombrações e outras imagens que habitam o imaginário do homem amazônico.


É nos jogos verbais e corporais que os matutos concentram o poder de suas ações. Esses jogos, repletos de tiradas de duplo sentido, assentam-se, como diz Bakhtin em seu precioso estudo do cômico popular, no baixo material e corporal, baixo esse representado pelos órgãos genitais, o ventre e o traseiro (1999, p. 19). São as regiões mais expostas pelos matutos, que, muitas vezes, andam com o ventre apontando para frente, como a evidenciar sua genitália, no caso dos homens; outras vezes, usam enchimentos nas nádegas, no caso das mulheres. Mostrar e tocar nos próprios órgãos sexuais e no traseiro, enquanto entabulam diálogos em forma poética, mas carregados de imagens sexuais, é também característico da atuação desses personagens. Moura (1997, p. 224) nos dá um bom exemplo do jogo verbal executado pelos matutos no confronto sexual instaurado entre o personagem Puqueca, o matuto paraense, e sua mulher, Priscila, em que a macaxeira é empregada como metáfora. O texto foi extraído da peça Os Longos Dias de Vingança, de Laércio Gomes2. Puqueca – Vou te fazer uma pergunta Pra responderes à altura Se tu gostas de macaxeira Um pouco mole ou bem dura Priscila – Esta tua macaxeira Uma vez eu já pruvei Mas é que tava tão mole Que eu comi e não gostei Puqueca – Veja só se tu gostasse O que seria de mim Sem gostar comeste tanto Que não queria mais ter fim Priscila – Eu não queria mais ter fim Eu vou já te explicar É que macaxeira mole É difícil de eu gostar Mesmo entre os personagens mais jovens, como os filhos adolescentes dos matutos paraenses, o tom de confronto sexual permanece, assim como as metáforas “agrárias”, como nos mostra Moura (1997, p. 225): Jojoca – Quando eu fui no teu roçado Fiquei muito admirado

2 N. de R.: Os trechos aqui apresentados estão como foram publicados na obra de Moura (1997, p. 224-225).

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Teu roçado é muito novo E ainda tá muito pelado Chicuta – Isso era antigamente Quando tu andou por lá Mas se tu visse ele agora Ias pedir pra mim te dá Os intérpretes, nos Pássaros Juninos, são escolhidos pela adequação de seus dotes físicos aos personagens, segundo a ótica de cada ensaiador. No caso dos matutos, contam a desenvoltura física e verbal, além de algumas “deformidades”, como pessoas muito magras ou muito gordas, velhos, anões, desdentados. Em uma apresentação do Cordão do Tangará, no teatro do Museu Paraense Emílio Goeldi, por exemplo, vimos uma brincante anã interpretando a filha de um dos casais de matutos, a correr pela cena com uma grande chupeta de plástico no pescoço. O contraste velho/novo vimos no Pássaro Uirapuru, que se apresentou no mesmo local: o matuto, desempenhado por um brincante jovem, e sua esposa, por uma senhora de idade avançada. Poderíamos nos remeter, sem incorrer em exageros, à ambivalência do cômico grotesco apontada por Bakhtin, em que vida (o jovem) e morte (a velha) estão interligadas? Vale o risco da analogia – guardadas as devidas proporções, é claro. Diz o crítico russo, ao falar do grotesco das imagens de velhas grávidas e risonhas de Kerch (na Crimeia), feitas em terracota, e que se encontram no museu Hermitage, de São Petersburgo (antiga Leningrado): Trata-se de um tipo de grotesco muito característico e expressivo, um grotesco ambivalente: é a morte prenhe, a morte que dá à luz. Não há nada perfeito, nada estável e calmo no corpo dessas velhas. Combinam-se ali o corpo descomposto e disforme da velhice e o corpo ainda embrionário da nova vida. A vida se revela no seu processo ambivalente, interiormente contraditório. Não há nada perfeito nem completo, é a quintessência da incompletude. Essa é precisamente a concepção grotesca do corpo. (BAKHTIN, 1999, p. 22-23)

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O intérprete da matutagem é alguém que expõe seu corpo e que, no jogo de cena, verbal e fisicamente – como diz Bakhtin ao conceituar o corpo grotesco – enfatiza certas partes por onde entra e sai o mundo exterior, por onde se concretizam os prazeres, a sexualidade, a fecundidade, o parto. E as necessidades naturais, como comer, beber, excretar. A identificação dos matutos com personagens que povoaram outras épocas, como mimos, bobos, bufões e palhaços, é nítida e carece de estudo mais aprofunda-


do. Moura já aponta nessa direção ao comparar traços da matutagem às máscaras da commedia dell’arte. “O comportamento bufonesco e astucioso do matuto paraense, bem como de seu filho, os aproximam [sic] dos criados espertos, os zanni que, por sua vez, se filiam à comédia clássica greco-romana” (MOURA, 1997, p. 229). Alguns personagens trazem nomes que se assemelham muito aos personagens da commedia italiana: Beringela/Brighela, Pulcherio/Punchinela ou Polichinelo, Toinha, Zefinha e Rosinha/Franceschina, Colombina, Smeraldina e Pascheta ou Turcheta. Até no jogo de cena, em que um serve de “escada” para o outro, no caso da relação do matuto paraense com o matuto cearense, a analogia com as máscaras italianas se faz, caso do primeiro e segundo zannis – um bem esperto e outro mais ingênuo. E ainda neste caso, vemos a relação daqueles matutos com a dupla de clowns Branco e Augusto. Um olhar mais acurado nessa direção se faz necessário, a fim de que possamos talvez determinar com mais precisão essa cadeia evolutiva do riso popular, suas formas espetaculares, ritos, festas e personagens. Mas é necessário varrer do olhar qualquer sombra de preconceitos e pré-conceitos determinados pela cultura oficial – como bem o fez Mikhail Bakhtin ao analisar o cômico popular medieval e renascentista, tendo por base a obra de François Rabelais –, para que assim, e somente assim, possamos contribuir para que muitos outros compreendam e valorizem formas artísticas tão bem elaboradas pelas mãos das gentes do povo. Obras ricas de elementos tradicionais e renovadores, que falam sobre e para o homem comum. Que demonstram sua maneira de olhar e entender o mundo – às vezes contraditória, mas, talvez por isso mesmo, ricamente poética. O pássaro deve morrer sempre, mas somente na quadra junina, enredado em suas tramas melosas e dramáticas, em meio a reis, princesas, nobres, coronéis, capatazes, feiticeiras, fadas, seres lendários e míticos, matutos e números musicais e dançantes. Morrer para sempre e sempre renascer, por um toque de mágica, em meio a fogos e fogueiras. Como uma fênix. Uma fênix que também ri.

REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec; Brasília: Ed. Unb, 1999. LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cultura Amazônica: Uma Poética do Imaginário. Belém: Cejup, 1995. MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de. O Teatro Que o Povo Cria. Belém: Secult, 1997. REFKALEFSKY, Margaret. Pássaros... Bordando Sonhos: Função Dramática do Figurino no Teatro dos Pássaros em Belém do Pará. Belém: Instituto de Arte do Pará, 2001. (Caderno IAP).

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Onde pousar o pássaro do amor? João de Jesus Paes Loureiro1

EU DEFENDO o registro do Pássaro Junino como patrimônio imaterial brasileiro e o tombamento e a restauração do Teatro São Cristóvão, tradicional teatro de Pássaros de Belém, pelo lugar simbólico que representa, independentemente do estilo histórico de sua arquitetura.

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Pássaro Junino, teatro popular musicado, é um exemplo do maravilhoso capital cultural objetivado que constitui uma das marcas distintivas da arte produzida na Amazônia. Alegoria da mestiçagem ou síntese cultural, essa espécie de ópera cabocla se estrutura com elementos da cultura indígena e europeia, revelando, vez por outra, traços também de influência negra. Nele se percebe a presença essencial da contribuição dos povos originários, um dos aspectos marcantes da cultura amazônica no amplo contexto brasileiro. O Pássaro Junino é uma forma de teatro popular, uma configuração sui generis com aparência de opereta, organizada em pequenos quadros e contendo uma estrutura de base musical. A linha dramática condutora é constituída pela perseguição de um pássaro por um caçador. Depois de abatido, o animal é ressuscitado, em geral, por algum personagem com poderes mágicos. A humanização do conflito explode pela circunstância de que o pássaro abatido é de propriedade emocional da jovem filha do mandante dessa tarefa odiosa. Ela, sem conhecimento da missão do matador por encomenda, apaixona-se pelo caçador, sendo retribuída em seu sentimento. Essa espécie original de teatro de cenas breves, na verdade, aproxima-se da estrutura cênica própria do vaudeville e guarda remota semelhança com as operetas. Sua atmosfera de relação com o público assemelha-se à do teatro de origens, seja o de mímica na Grécia antiga, seja o de rua (callejero) da cultura andina, onde predominam processos cênicos de sentido trágico ou burlesco.

1 Mestre em Teoria Literária e Semiologia pela PUC/SP e Doutor em Sociologia da Cultura pela Sorbonne/Paris. Professor de Filosofia da Arte e Poéticas do Imaginário na Universidade Federal do Pará - UFPA. Tem obras de poesia e teoria da arte publicadas no Brasil, em Portugal, na França, na Alemanha e no Japão.

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Dando ênfase ao drama de consciência, o Pássaro apresenta características encontradas em todo o teatro ocidental, nos termos da conhecida distinção feita por Artaud: de que este tem tendências psicológicas, enquanto o oriental traz tendências metafísicas. O Pássaro Junino, nesse teatro, é levado por um menino ou menina com uma vestimenta que, de certa maneira, lembra uma ave e gesticula como se estivesse voando. O protagonista, preso em uma gaiola ou pousado em um pequeno galho ornamental, é exibido na cabeça pelo Porta-Pássaro. Esse personagem recorda a imagem mítica do homem-pássaro, o pássaro na cabeça do homem ou da mulher no Egito antigo, onde a figura simbolizava a alma de um morto partindo ou a visita de um deus à Terra. Estará, então, representada no Pássaro Junino, no seu porta-pássaro que sempre renasce, a alma nativa que não morre, que não pode ser morta? Seria essa alma-pássaro a resistência mítica das origens, pousada emblematicamente numa árvore do mundo amazônico? Uma espécie de alma de uma cultura? Um homem-pássaro nascido dessa hybris comum na mestiçagem entre o real e o imaginal? Pode-se dizer do Pássaro Junino, à semelhança do que vemos no final de As Bodas de Fígaro, de Beaumarchais: “Tudo termina em música”. É o clássico final de vaudeville, no qual todos os personagens vão se reunindo em uma cena para celebrar o encerramento do espetáculo. Assim como acontece com as características do vaudeville, no curso de sua evolução estética, o Pássaro Junino não apresenta uma psicologia imediata. Cada reação se desdobra sob circunstâncias imprevistas, não apenas por um acaso, mas reaparecendo várias vezes durante o espetáculo e o percurso do personagem. As reações de cada um deles possibilitam improvisações e surpresas que animam as cenas: um gesto inesperado, uma oportuna mudança no texto, um riso incontrolado tornando-se recurso de improvisação cênica, uma exclamação com o propósito de instigar a reação do público, tudo é possível. Quanto às músicas, por sua autonomia ao longo da peça, ultrapassando os limites da encenação, podem tornar-se populares, independentemente do espetáculo. O mesmo fenômeno é observado tanto no vaudeville quanto na ópera épica de Brecht e Kurt Weill. Preponderantemente românticas, ao lado de canções humorísticas, elas têm papel relevante, constituindo-se em parte essencial na estrutura da peça. Impossível um Pássaro Junino, um vaudeville, uma ópera brechtiana sem elas. As músicas atenuam o impacto das situações, sublinham o romantismo das cenas, acentuam a comicidade nos momentos humorísticos. Terminam por encerrar o drama, que não pode ser tão trágico assim, uma vez que tudo acaba em cantoria. Como um mural que tem relevo, mas não profundidade psicológica, os personagens do Pássaro Junino ilustram teatral e plasticamente um destino. Os personagens desse teatro popular, criado há pelo menos um século pelo povo do Pará, são numerosos e representam, simbolicamente, uma síntese antropológica da constituição da sociedade paraense. Estão incluídos o nobre europeu colonizador e


sua família, destacando-se a jovem que ama o pássaro, o caboclo cidadão ribeirinho, o cidadão urbano, o índio, o pajé, o padre, o curandeiro, o médico, o afrodescendente. Todos envolvidos pelo meio ambiente paraense-amazônico, respeitado e celebrado. O amor que a jovem dedica ao pássaro é, de certa forma, a cênica simbologia de amor à natureza. Como quem ama cuida, toda sua vida é dedicada aos cuidados em defesa do pássaro de sua benquerença. E o que deflagra o elemento, o “nó” trágico, é a morte da ave pelas mãos de um caçador contratado pelo nobre europeu, pai da jovem, sendo que esse caçador tornara-se o primeiro e grande amor da ingênua adolescente, sem que ela suspeitasse desse pacto contratual. É importante se levar em conta que a definição caracterizadora de cada personagem é conferida pela vestimenta, que exterioriza seu tipo e psicologia. Uma vestimenta-tipo, pode-se dizer. Sendo expressão particular do gênio da cultura amazônica do povo do Pará, o Pássaro Junino ilustra, em sua história social, alguns problemas dessa cultura. A pobreza cênica material de muitas apresentações de Pássaros não pode servir de barreira à compreensão da expressiva riqueza virtual depreendida de sua encenação: seu clima feérico, seu expressionismo cênico, sua visualidade delirante. Sendo expressão artística surgida do povo e por ele desenvolvida, o Pássaro Junino sofre o confinamento cultural e a não legitimação a que são relegadas as artes populares em geral na Amazônia de hoje. Sem ser um grotowskiano teatro pobre, torna-se um teatro da pobreza, isto é, indigente, despossuído de recurso de produção que garanta suas necessidades e possibilidades como espetáculo. Atuando muitas vezes em tablados ou teatros precários, sem condições de acústica apropriadas nem cenarização, iluminação, marcação cênica e grupo musical disponível em tempo e quantidade de músicos, o Pássaro Junino, atualmente, salvo as exceções decorrentes das condições particulares de algum grupo, é uma espécie de “realidade virtual” daquilo que poderia e ainda poderá ser como realidade atualizada. * O Teatro São Cristóvão, considerado “teatro de Pássaros” pela tradição paraense, fica localizado na parte interna do terreno que tem, na área da frente, a sede da Associação dos Chauffers, tradicional e importante sindicato dos motoristas de Belém. Ainda que, em 2015, eu estivesse em São Paulo no dia 12 de janeiro, data em que é celebrada a fundação de Belém do Pará, soube que a notícia do pretendido tombamento isolado da sede da associação havia gerado divergências quanto à validade ou não de se incluir também o teatro no processo, o que culminou com a retirada do São Cristóvão da pauta. Como sempre há conflito de opiniões pelo torvelinho que gira no eixo desse tipo de tema, não posso me omitir no momento em que essa questão se coloca para o início de um processo de registro do teatro popular musicado criado no Pará – o Pássaro Junino – como patrimônio imaterial, quando ainda há tempo de

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contribuir ao seu encaminhamento. Coloco, esperando não ser vencido pelo desencanto e a descrença, meu ponto de vista próximo do problema, uma vez que venho testemunhando participativamente a história recente dessa manifestação: como poeta, escrevi e publiquei a peça Pássaro da Terra, posta em cena, dentro da estrutura alegórica desse teatro popular, pelo Grupo Experiência, com direção de Geraldo Sales e música de Waldemar Henrique. Como pesquisador, analiso esse teatro paraense em um breve capítulo em minha tese de doutoramento, Cultura Amazônica – Uma Poética do Imaginário. E, como administrador público, desempenhei as funções de Secretário Municipal de Educação e Cultura – de onde saiu a Fundação Cultural do Município de Belém, a Fumbel –, Superintendente da Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves, Secretário de Estado da Cultura e Presidente do Instituto de Artes do Pará. Assim, venho compreendendo a importância artística e cultural do Pássaro Junino e o significado social desse espaço cênico. Não poderei apresentar dados estatísticos relativos à sua relevância cultural em face da finalidade deste texto, mas, para quem quiser entender, as palavras bastarão para demonstrar o que desejo, fruto do compromisso com a cultura do meu amazônico estado. A história, o imaginário, a memória e os signos culturais, ainda que conceitos abstratos, necessitam estar ancorados na realidade concreta para se sustentarem no tempo. É o que, referindo-se à ficção romanesca, Roland Barthes denomina de “efeito do real”. O real legitimando o espiritual, o concreto sustentando o imaterial. Todo espaço de concretização da História e da cultura torna-se um espaço “sagrado” e cerimonial de legitimação daquilo que nele fez a sua realidade. A interminável guerra no Oriente Médio é também uma luta pela posse de espaços concretos de legitimação imaterial de crenças. A perda dos lugares é intercorrente com a perda de suas significações. E, ao mesmo tempo, com a diluição de sentido daquilo que, nesses espaços, construiu sua existência. A destruição do Lago Espelho da Lua, por exemplo, no município paraense de Faro, lugar da celebração anual de amor das Icamiabas – as Amazonas –, seria um golpe mortal no longo prazo histórico da lenda, que é uma das faces de nossa identidade. O que seria do Círio de Nazaré sem o lugar caminhante de sua peregrinação da Sé à Basílica Santuário? Há Círio de Nazaré em outros lugares. Mas seu lugar legitimador, mesmo em Belém do Pará, é o espaço desse chão que vem da Sé, bordeja o Ver-o-Peso, navega pelo Boulevard e ondeia sob os túneis de mangueiras da Avenida Presidente Vargas e da Avenida Nazaré até desaguar na Praça Santuário da Basílica. Os espaços concretos transfiguram-se em espaços simbólicos e são ritualisticamente suportes físicos da imaterialidade desses bens. Haveria perdas essenciais para o mundo católico, por exemplo, com a destruição da Basílica de São Pedro e sua Capela Sistina. O risco para a devoção a Nossa Senhora de Fátima, em Portugal, decorreria do corte da oliveira sobre cuja copa a santa pairou diante do olhar extasiado daqueles irmãos camponeses, Lúcia, Jacinta e Francisco.


Os lugares resultam de construção material e espiritual, visível e imaginária, individual e social. Mas o produto e o destino dessa construção plural são coletivos. Se a casa é do indivíduo, a cidade é de todos os seus habitantes, da sociedade que nela constitui o pertencimento de sua humanidade de pés no chão e coração na paisagem humana. Há, portanto, uma alma na cidade tecida pela cultura e pelo entrelaçamento das vidas, que une o passado ao presente e a sua passagem para o futuro. Dessa atmosfera espiritualizante revela-se a poética das cidades, que faz delas uma integridade trasladando-se no tempo e não deve sofrer violências simbólicas por soluções urbanísticas que não respeitam sua história cultural e a pluralidade de direitos dos cidadãos sobre a sua urbe. Estou convencido de que uma das questões éticas na estética de uma cidade decorre de desenraizamentos provocados à medida que se destroem os referenciais da memória, abrindo-se campo para uma espécie de “nostalgia sem memórias”. Ou como quer Fredric Jameson, a nostalgia de um presente que se perde. Pela homogeneização, quando se perdem os referenciais locais, projetando-se nas paisagens da construção de mundos imaginados, as pessoas, vivendo necessariamente no lugar, imaginam-se vivendo vidas de outras cidades, de outras existências. Voltemos à nossa questão particular: o Teatro São Cristóvão. É, no campo da história social da cultura, o nosso teatro de Pássaros. O lugar tradicional de apresentação do Pássaro Junino. Aliás, o único historicamente legitimado para essa modalidade de arte, criação do povo do Pará, expressão simbólica da cultura paraense e sua mais significativa expressão popular da arte cênica. O Pássaro Junino é a mais relevante e original contribuição da cultura paraense ao ciclo junino brasileiro. Um teatro ainda atual e sobrevivente pela dedicação de sua comunidade emocional. Não é um retrato na parede do passado. A cultura no local é um dos fatores fundamentais para a existência social da cidade e um dos fatores de pertencimento de sua população. Quando esse valor é percebido pela coletividade, a importância de sua preservação está garantida. Mas é necessário que esse reconhecimento venha de uma fração da sociedade capaz de influenciar e decidir por seu patrimônio econômico e social. Ou quando, no caso da população de baixa renda, mas de grande capital cultural, ela se mobiliza para garantir seus direitos na história cultural do lugar. A preservação de bens histórico-culturais decorre de uma consciência social de valor. Qual é a fração da sociedade paraense que tem o Pássaro Junino legitimado como um valor? Não é a alta classe média nem a alta, de onde vem a hegemonia político-econômica. Inclusive, essas classes sociais já legitimaram seus espaços: Theatro da Paz e Teatro Margarida Schivasappa, por exemplo, assim como igrejas e museus. Mas a classe popular, que tem o sentimento do Pássaro e reconhece seu valor, não tem participação dominante nessa hegemonia cultural sustentada pelo político e o econômico. Vive num processo permanente de resistência para garantir seus bens

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simbólicos, quando seria justo que vivesse no gratuito prazer de cultivá-los. Quando na preservação predomina o valor econômico material, a possibilidade de transformar o prédio em espaço de negócio e lucro, de um modo geral, torna-se mais fácil. Porém, se o que se pretende garantir é o lugar concreto de um bem imaterial, a consciência social e moral não consegue sempre vencer a mentalidade do lucro. É o caso do teatro de Pássaros em questão, o São Cristóvão. Por que esse fato polêmico se torna paradoxal? Porque ele é anacrônico, socialmente injusto e moralmente discutível, e atenta contra a mais recente orientação brasileira, através do Ministério da Cultura: reconhecer oficialmente exemplos relevantes do patrimônio imaterial da cultura nacional. Aqui no Pará, para lembrar, luta-se ainda em busca da necessária hegemonia (que deveria ser já consensual) para garantir-se o precioso e essencial tombamento do carimbó nessa categoria de reconhecimento e valor. Mas a comunidade do Pássaro é menor. Diferentemente do carimbó, não se tem refletido em produção profissional de artistas de variadas categorias e classes sociais, o que, à causa do ritmo emblemático do Pará, significa um reforço de capital social e econômico. Mas o Pássaro tem voado sem ter onde pousar. Semelhante ao seu enredo, o incansável caçador que vem perseguindo o Pássaro Junino é a exclusão, a insensibilidade, o não reconhecimento de valor e o preconceito. O tombamento e a preservação de monumentos têm sua dificuldade decorrente de: 1) Ignorância e negligência; 2) cobiça e fraude; 3) ideias equivocadas a respeito do progresso ou das demandas do presente; 4) busca descabida de embelezamento e renovação, pela falta de uma educação estética urbana ou por uma educação estética desacertada. Ao que eu acrescento a especulação imobiliária e uma enganada busca de beleza inovadora. Não estamos na arguição de passadismos ou conservadorismos, mas de estima e consciência moral na educação do espírito. Da união entre presente e passado pelo devaneio e o sentido de tempo pertencido. Quantas recordações são deletadas na demolição de monumentos históricos? Eles não podem ser entendidos como velhos farrapos que o progresso despreza como inadequados aos novos tempos. A perda de patrimônio cultural é um empobrecimento da vida. Sendo assim, a proteção não se deve voltar apenas aos estilos do passado, mas contemplar também suas características locais e históricas, as quais não estamos autorizados a corrigir segundo as regras que nos aprouverem, pois essas correções geralmente destroem aquilo que confere um valor insubstituível até mesmo aos mais modestos monumentos. Enfim, lembro que na Constituição do Pará há suporte legal para o tombamento de bens culturais do estado. Na época da discussão e elaboração de seu anteprojeto, o deputado relator do capítulo sobre Educação e Cultura, Dr. Zeno Veloso, solicitou-me a indicação de itens para os artigos referentes à cultura. Analisamos em conjunto a matéria e, dentre aqueles que sugeri, logo aceitos por ele e incorporados em sua proposta, está o tombamento de lugares onde aconteceram narrativas míticas, fatos históricos e manifestações relevantes da cultura. O espírito da lei é reconhecer o en-


trelaçamento necessário do imaterial com o material, do simbólico com o concreto, legitimando o signo visível como condição necessária ao simbólico imaterial. O registro do Pássaro Junino por sua importância artístico-cultural e o tombamento e restauração do Teatro São Cristóvão como seu ninho, lugar tradicional de referência simbólica dessa manifestação em Belém, podem ser os gestos concretos de quebrar a gaiola da indiferença e libertar esse pássaro, para que ele possa voar livremente e ter onde pousar com dignidade e beleza.

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Trecho de música cantada pelos brincantes durante a Revoada, evento anual que reúne diversos grupos de Pássaros e Bichos e que marca a abertura do período junino.


“Somos ópera cabocla da cultura do Pará”



Chorar e rir ao mesmo tempo Iracema Oliveira1

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omecei a brincar em Pássaros Juninos ainda muito menina, com cerca de sete para oito anos de idade. Iniciei como porta-pássaro do Cigarra-Pintada, lá na Volta da Tripa, que hoje é a Passagem Belém, no bairro do Telégrafo, na capital paraense. O Cigarra-Pintada era do meu padrinho, Orlando Bassú. O velho Orlando Bassú! Eu fiquei muito feliz quando comecei a sair no Pássaro! Naquele ano, minha mãe havia falecido em fevereiro, então em abril, meu pai, Francisco Oliveira, começou a me levar para me distrair. Ele já era autor de peças juninas e ensaiador. Também foi quando comecei a brincar de Pastorinhas, no Colégio São Vicente de Paulo. Mas o Pássaro realmente é a menina dos meus olhos... Até hoje lembro da minha primeira fantasia! Era marrom e amarela, as cores da cigarra. Tinha asas bonitas, cheias de pérolas e bordados. Os Pássaros, pelo que me lembro, sempre tiveram muito brilho. Não eram como carnaval, mas traziam, sim, sua luz, seus paetês e seus aljofres, que eram de várias cores. Minha roupa era toda bordada e quem fazia era a mãe do Bassú. Recordo também da música que eu cantava. Dizia assim: “Ao trinar da garrula pássara / o meu gorjear tem mais sonoridade / Tem um quê de encanto / que a todos extasia / numa apoteose de suave harmonia”. Dessa primeira experiência, lembro que me vi no palco e olhava aquele mundão de gente... Eu queria chorar e rir ao mesmo tempo. Eu cantava e o pessoal aplaudia! Bailava e o pessoal aplaudia! Eu amei tanto que dava minha vida naquele porta-pássaro! Aquelas asas abriram realmente o caminho para mim, antes de eu entrar no rádio. Pena que não tenho nada registrado em fotos desse tempo.

1 Nascida em Belém em 1937, filha do artista Francisco Oliveira. Foi atriz de radionovelas e é, atualmente, coordenadora da Pastorinha Filhas de Sion e do Grupo Parafolclórico Frutos do Pará e guardiã do Pássaro Tucano.

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Quando começava a quadra junina, era um luxo, pois tinha diversos espaços para os Pássaros se apresentarem em Belém. Havia o Novo Prado, no bairro do Telégrafo, que era como um parque de diversões, com barracas de guloseimas, um curral onde os Bois-Bumbás se apresentavam e um teatro de madeira. No mesmo bairro existia o Belúcio, uma casa de espetáculos que recebia apresentações de Pássaros. E também o Brasilândia, um cinema no bairro da Sacramenta. De lá, no bairro da Pedreira, na Avenida Pedro Miranda, tinha o parque de diversão Estrela Dalva, que hoje é um supermercado. Quase defronte ficava o Cine Paraíso. Era um cinema bem localizado, bom para apresentação de Pássaros! Hoje, se não me engano, lá funciona uma igreja evangélica ou uma churrascaria. Já no bairro do Guamá, havia o famoso Onze Bandeirinhas, que era tipo um arraial. No Jurunas, eram dois espaços: a Sociedade Esportiva e Beneficente Imperial, que existe até hoje, e a Sociedade Beneficente União e Firmeza, que não sei se ainda existe. No bairro de Nazaré, tinha o Teatro Variedades, uma casa quase em frente à Praça Santuário. O mais interessante é que todos esses espaços funcionavam simultaneamente, então tinha Pássaro de um lado a outro da cidade. Era lindo, lindo! Os grupos saíam sete horas da noite para se apresentar e só voltavam na madrugada do outro dia. Eu lá, morta de sono, mas feliz! Uma vez eu me lembro que cheguei por volta de três horas da manhã no Teatro São Cristóvão e o público ainda estava lá, aguardando... Os ingressos para assistir os grupos eram pagos, então o povo guardava dinheiro para o mês de junho. Naquele tempo, já havia quadrilhas juninas, mas não eram como é hoje. A coqueluche eram os Pássaros e tinha plateia para todos! Quando se realizavam concursos, acontecia uma votação para escolher o melhor. Havia briga, sim, mas não de cacete, porrada nem nada disso. Eram brigas de músicas, entre as orquestras que acompanhavam cada grupo. Martelo de Ouro, Candoca, Vitória e Universal eram as mais famosas. Era possível ter orquestra porque cada grupo tinha um “padrinho”, que ajudava a bancar as despesas, como transporte e músicos. Já os brincantes sempre foram brincantes, não recebiam e não recebem nada. Além da Cigarra-Pintada, também brinquei no Quati. Lá eu fui cupido, borboleta, fada e, cinco ou seis anos depois, princesa. Todo mundo adorava me ouvir cantar! Nessa época, o autor já era o professor Cazuza Melo. A dona do Quati, que agora chamamos de guardiã, era a Dona Carmélia. Ela era descendente de índios e cantava em guarani lindamente! Fazia o papel de tuxaua. Ela foi morar no Rio de Janeiro e, tempos depois, nós nos encontramos. Eu contei como as coisas agora estavam diferentes. Ela ficou triste e chorou... Não me envolvi em outros grupos, porque não dava tempo. Eu me afastei um pouco desse universo quando entrei para o rádio, pois a função me absorvia demais, já que eu era a estrela na novela da manhã. Mas sempre procurei ajudar. Tanto que, na década de oitenta, o Pássaro Tucano ressurgiu lá em casa por intermédio do professor


Laércio Gomes e da minha irmã, Ara de Oliveira, hoje guardiã do Pássaro Ararajuba. O Laércio Gomes, aliás, foi uma das pessoas importantes na minha trajetória com Pássaros e na de muitos outros. E o professor Cazuza Melo, que escrevia peças, ensaiava os meninos e tocava violino. Claro, sem contar o meu pai, que me incluiu nesse universo e também escreveu peças, tocava violino e violão, tendo só o segundo ano do primário. Além deles, existiram muitos brincantes que eram bons no que faziam e não tiveram a oportunidade de deixar seus depoimentos ou ficar registrados em pesquisas. Lembro do caçador João Oliveira, da dupla de matutos Casquinho e Pixixi, que, só de entrar no palco, todo mundo achava graça... Tinha o Antonio Chatice – não que ele fosse chato, era apenas um apelido. E antigamente, a maioria dos personagens cantava... Todos tinham uma voz linda! Uma das mais lindas que já ouvi no Pássaro foi a do falecido Raimundo Santana. Ah, eu sinto muita saudade desse tempo! Mas de repente, foram fechando os locais nos bairros, vendendo... Ainda assim, houve um tempo em que o São Cristóvão, que era o teatro dos Pássaros, continuava ali. Mas então ele foi fechado e foi a coisa que mais me magoou, pois, no meu entender, sempre haveria um espaço permanente para a brincadeira. Alegrias, como se vê, eu tive muitas. Tristeza, só pelos espaços que fecharam. No fundo mesmo, eu ainda carrego uma esperança...

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“Nunca me vi em outro papel” Entrevista com Laurene Ataide

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aurene da Costa Ataide é socióloga e possui especialização em Acessibilidade Cultural pela UFRJ/MINC. Nasceu e vive em Belém e é, desde 1998, guardiã do Cordão de Pássaro Colibri de Outeiro. Nesta entrevista, Laurene conta um pouco sobre a história do Cordão pelo qual é responsável, sobre sua família e a comunidade onde o grupo está inserido, sobre o projeto que fez (re)nascer diversos grupos de Pássaros no Pará e os desafios e alegrias no cotidiano do Pássaro. Conte um pouco sobre o que sabe da história do Cordão de Pássaro Colibri. Em 18 de maio de 1971, no bairro de Icoaraci, na Sétima Rua [Rua 2 de Dezembro], surgiu o Cordão de Pássaro Beija-Flor, fundado pela minha mãe, Teonila da Costa Ataide. Minha mãe conheceu essa cultura dos Cordões de Pássaros no município em que nasceu, Santo Antônio do Tauá, e se apaixonou pela brincadeira desde sua infância. Quando eu estava com a idade de 14 anos, nós já morávamos em Belém. Na época, havia como manifestação cultural em nosso bairro as brincadeiras de Cordões de Bichos. Eram os Bois Pingo de Ouro e Resolvido e os Cordões da Onça e do Leão Dourado. Então minha mãe resolveu criar o Cordão de Pássaro Beija-Flor de Icoaraci. Desde então, convidamos as crianças, jovens e a comunidade para participar. Os músicos foram todos convidados do interior e eu brinquei no Pássaro fazendo o papel de princesa entre os 14 e os 25 anos. Depois fiquei ajudando minha mãe na coordenação. Nos anos de 1988 a 1990, o Beija-Flor voou para a cidade de Barcarena, onde eu havia ido morar. Um ano depois, retornou para Icoaraci, em Belém, e lá permaneceu até o falecimento de minha mãe, em 1998. Quando minha mãe adoeceu, em seu leito de morte, ela me pediu que eu não deixasse a brincadeira morrer. Eu aceitei essa missão para a minha vida. Mas um ano depois, devido a dificuldades que eu estava enfrentando para continuar com o Cordão, fui procurar a Associação Folclórica de Belém para inscrever o Beija-Flor e receber apoio cultural. Entretanto, lá já tinha um Pássaro com o mesmo nome de Beija-Flor e não era permitido ter dois Pássaros com o mesmo nome. Como minha mãe já havia usado o nome de Colibri quando precisava se apresentar em Belém, eu usei o mesmo artifício. Como eu já estava morando em

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Outeiro, inscrevi o Cordão com o nome de Colibri de Outeiro, que é mantido até hoje. O Colibri só tem uma música que menciona esse nome, um carimbó que compus para homenagear minha mãe e para dar satisfação ao povo de Icoaraci, que não gostou nada de eu ter mudado o nome do Pássaro. O trecho da música é assim: “Beija-Flor nasceu na Vila Sorriso / com dona Teonila que hoje está no paraíso / Menina morena cabocla do meu Pará, / venha dançar o carimbó, nossa festa popular / É o Beija-Flor que era de Icoaraci / Hoje vive em Outeiro e se chama Colibri”. Como foi essa experiência de ajudar a sua mãe com o Cordão desde cedo e como é hoje o envolvimento da sua família com o Colibri?

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Sempre fui o braço direito de minha mãe, ajudava em tudo. Com minha mãe, aprendi a encenar, escrever, rimar, costurar, bordar, ensaiar, assumi junto com ela tudo que viesse a ajudar nas apresentações do Cordão de Pássaro. Minha mãe era uma sonhadora como eu, vivia com a cabeça nas nuvens, era uma escritora de cordéis, que depois eram transformados em peças. Eu era sua ajudante. Quando ela compunha uma peça, eu sempre estava junto, ajudando na composição das letras e músicas. Procurávamos juntas temas que pudessem ser transformados em uma estória e o gostoso era que fazíamos isso sempre juntas. Em tudo ela pedia a minha aprovação, eu dava pitaco e palpite em tudo. Daí eu ter tomado gosto pela brincadeira e ter dado continuidade com tanta dedicação. Ser princesa para mim era tudo, nunca me vi em outro papel. Vestir as roupas de época era maravilhoso! Eu me sentia uma verdadeira princesa! O cuidado com que eram feitas as indumentárias do Pássaro era uma coisa à parte, pois minha mãe era costureira desde os seus 13 anos de idade e tudo era meticulosamente calculado. Tivemos uma brincante, a Maria, que fazia o papel de Marquês. A roupa dela era impecável! E era interessante quando ela vestia a roupa do marquês, pois ninguém podia mais tocar nela para não amarrotar ou sujar. Até hoje eu ainda a chamo de Maria Marquês! Minha mãe era muito rigorosa nos ensaios, fazia a gente repetir tudo até ficar do jeito que ela queria, e eu sempre procuro fazer do jeito que aprendi. É por isso que, quando o Colibri entra em cena, tudo sai como foi ensaiado. A diferença hoje é que tenho que confiscar os celulares de todos, porque senão não conseguimos fazer nada, já que temos internet livre e a turma quer sempre ficar no WhatsApp! Meu irmão Leo, que faz o papel de matuto, quando pode me ajuda nos ensaios, e desde que assumi a brincadeira meus filhos Louriene e David me ajudam em tudo. Eles sabem do amor que eu tenho pelo Pássaro e como isso faz parte da minha vida. Vivo em função dessa brincadeira, que, para mim, é muito importante, já que, com ela, me envolvi nos movimentos sociais ligados aos Pássaros e à cultura popular. Inclusive esse meu envolvimento com a cultura popular, especialmente com os Cordões de Pássaros, teve influência dire-


ta na minha escolha acadêmica – tanto é que me formei com 53 anos de idade. Escolhi Ciências Sociais porque o tempo e o meio exigem que você tenha uma qualificação, e também porque queria provar para mim mesma que, independentemente de idade, eu poderia chegar onde estou hoje, especialmente pelo trabalho que desenvolvo, sempre buscando, através da cultura, dar respostas de melhoramento para a comunidade. O Beija-Flor – ou seja, o Colibri – representa para mim justamente isso. A memória de minha mãe e a minha própria vida, porque tudo que vivo e faço tem relação com o Cordão. Através do Cordão, onde sou guardiã, temos a Associação Folclórica e Cultural Colibri de Outeiro, o Ponto de Cultura Ninho do Colibri, o Infocentro, o Cine, a minibiblioteca, o pequeno museu da memória (que estamos montando), o Point Colibri de Comunicação, as oficinas... Todos são projetos que foram originados a partir do Cordão de Pássaro Colibri. E minha família está ligada a tudo isso, seja como brincante ou parte integrante da organização criada em torno do Cordão. Aproveitando que você citou todos esses projetos que mantém através do Colibri, como é essa relação entre o Cordão e a comunidade? As famílias de nossos brincantes são as maiores beneficiadas pelo trabalho, pois, com elas, realizamos oficinas de corte e costura, adereços, artesanato, serigrafia, música, dança, teatro, reciclagem, papietagem, figurino, informática, filmagem, fotografia, edição de imagem, edição de texto, canto, etc. Nossa comunidade tem internet livre com o Gesac [programa Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão], aonde todos vão e podem acessar e fazer seus trabalhos escolares e particulares. Atualmente, temos parceiros que desenvolvem projetos sociais junto conosco, como, por exemplo, doando cestas básicas mensais para as famílias dos brincantes ou dando jornais semanalmente para realizarmos oficinas, além de nos incluir nas suas programações – instituições como Combitrans, [o jornal] O Liberal, Prefeitura Municipal de Belém (PMB), Secretaria de Cultura do Governo do Estado do Pará (Secult), Sesc, escolas, etc. Costumamos dizer que somos uma escola de formação do povo, porque já saíram de nosso Cordão cantores, vocalistas, percussionistas, serigrafistas, artesãos, costureiras, aderecistas, carnavalescos, coreógrafos, músicos, dançarinos... Agora, por exemplo, com o projeto Point Colibri de Comunicação, patrocinado pela Oi Futuro, estamos qualificando e capacitando nossos brincantes nas artes visuais. Esperamos ter em breve profissionais nas áreas de fotografia, edição de texto, edição de imagem, iluminação, cinegrafia, cenografia... Você já realizou diversas oficinas que tiveram como resultado a reapresentação de Pássaros que há muito tempo estavam “desativados”, certo? Fale sobre esse projeto, como surgiu a ideia e sobre os grupos que (re)nasceram a partir daí.

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Herdei da minha mãe a paixão pelo Cordão de Pássaro, a nossa ópera cabocla, e vivo procurando meios para revitalizar, resgatar ou criar novos Cordões. Escrevi uma peça simples, com o básico da dramaturgia do Pássaro, denominada Um Lindo Presente, para realizar oficinas de criação de novos Cordões de Pássaros. Fiz a inscrição do projeto Resgate aos Cordões de Pássaros em um edital de patrocínio do Banco da Amazônia, em 2005. Foi aprovado e através dele realizei seis oficinas na Ilha de Caratateua/Outeiro, que teve como resultado a criação de três novos Cordões de Pássaros: Pipira, do bairro da Água Boa, Bigodinho, do bairro da Brasília, e Bem-Te-Vi, da área rural do Fama, que desde então fazem parte dos grupos de Cordões de Pássaros de Belém. Todos se apresentam nas programações oficiais tanto da Ilha de Caratateua quanto da Prefeitura de Belém e da Secult. Em 2007, com o projeto de revitalização dos Cordões de Pássaros da Fundação Curro Velho, fui ao município de Breves e fiz oficina de resgate do Cordão da Garça, que estava parado havia 16 anos. Em 2008, a oficina foi feita em Portel, com o resgate do Cordão Tucano, que fazia 24 anos que não brincava. Em 2009, foi a vez da Garça Briosa, na Ilha [Rio] da Prata, em Abaetetuba, com 52 anos sem brincar. Em 2009, fiz também por conta própria, com a ajuda do grupo de mães de Espírito Santo do Tauá, do município de Santo Antônio do Tauá, o resgate do Beija-Flor, que estava parado havia 48 anos. Esse foi o Cordão que deu inspiração para minha mãe iniciar a brincadeira do Beija-Flor em Icoaraci. Em 2010, com o projeto aprovado novamente pelo Banco da Amazônia, foi a vez do Cordão de Pássaro Pavão de Itupanema, do município de Barcarena, que estava parado havia 18 anos. Realizei também no ano de 2015 mais uma oficina de criação de Cordão de Pássaro, o Cordão do Araçari, desta vez com a parceria do Projeto Portal das Artes, do governo do estado. A oficina foi realizada na Escola Bosque e foi com o figurino todo reciclado. É emocionante e gratificante presenciarmos a felicidade das pessoas por verem seus Cordões de Pássaros brincando novamente. Tenho muitos pedidos do interior do estado para o resgate de grupos que estão parados, mas é quase impossível atender, pois tudo tem que começar do zero e os custos são muito altos, uma vez que, além da confecção das indumentárias e dos adereços, tem o acompanhamento musical. Antigamente, os músicos brincavam porque gostavam da brincadeira. Hoje não existe mais o brincar para ter momentos felizes. Isso infelizmente ficou no passado, pois agora tudo é pago. Na sua avaliação, quais são as principais dificuldades encontradas pelos Cordões de Pássaros atualmente?

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Muitas são as dificuldades que encontramos, uma vez que os espaços para nossas apresentações são cada vez mais escassos. Hoje há uma grande competição com os outros grupos artísticos que foram se formando, como as quadrilhas juninas, os


grupos de dança parafolclóricos. Os próprios meios de comunicação, como TV e internet, acabam tirando o interesse dos nossos jovens por essa manifestação cultural dos Cordões de Pássaros. Os Pássaros geralmente fazem suas apresentações somente durante a quadra junina, sendo o nosso grupo uma exceção, pois fazemos questão de apresentar fora de época. Isso faz parte de uma estratégia minha que é muito contestada pelos outros grupos de Pássaros – e eu penso que é por isso que a maioria dos grupos morre junto com seus guardiões quando eles se vão. Temos também a questão da música, que é muito cara. Os profissionais cobram por ensaio e por apresentação, além de termos que dar transporte e lanche. Mas principalmente, vivemos numa luta constante para conseguir espaço para nossas apresentações. O que você apontaria como soluções ou melhorias para a realidade dos Pássaros? Precisamos que sejam disponibilizados mais espaços para nossas apresentações. Temos a quadra nazarena, época do Círio em homenagem a Nossa Senhora de Nazaré, período em que a cidade de Belém recebe turistas de todos os cantos do mundo e que poderia ser aproveitada para mostrarmos nossa cultura dos Cordões de Pássaros, uma vez que os incentivos culturais são voltados mais à cultura de fora, com exceção dos nossos grupos de carimbó. Assim, nossos Pássaros vão ficando no esquecimento. Não tenho nada contra a cultura que vem de fora e também gosto [dela], mas o ideal seria se a nossa cultura também fosse valorizada por meio de ações que possibilitassem aos grupos de Pássaros a oportunidade de se preparar com dignidade, e que tivessem esses espaços disponíveis fora da quadra junina, para mostrar, não somente aos turistas, mas também à população do Pará, que muito desconhece essa manifestação, essa cultura tão genuinamente paraense. Temos grupos de Pássaros em que seus guardiões estão vivendo à míngua, doentes, morrendo, e suas brincadeiras que tanto amam também estão morrendo. Veja o carnaval: o investimento é de milhões [de reais] para as escolas e blocos de samba se apresentarem por 60 minutos e depois jogar fora na avenida tudo o que foi construído pelas costureiras e artesãos com tanto carinho – diferente de nós, que vivemos guardando tudo e reciclando as nossas indumentárias com todo o cuidado para que possamos nos apresentar no ano seguinte, no outro e no outro. Não que eu pense que não deveria existir investimento para o carnaval, que também é uma cultura importante para o nosso país, mas quero dizer que deveria existir uma maior valorização também da nossa cultura dos Cordões de Pássaros, com festivais quem sabe? Costumo falar que o Pássaro é uma brincadeira, mas deve ser levada a sério! Lembro quando fiz nossa inscrição na Associação Folclórica de Belém. Na época, eram 27 grupos de Pássaros, e hoje estamos entre 14 ou 16 grupos. Precisamos de projetos voltados especificamente para o Pássaro, porque se não for feito logo algo, acredito que será muito pouco provável ainda existir essa manifes-

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tação daqui a um tempo. É urgente que seja feito um projeto que dê sustentabilidade aos guardiões, porque a maioria deles é extremamente carente de recursos financeiros, sendo esse também um dos motivos do desaparecimento rápido que vem ocorrendo da cultura de tradição paraense.

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Ficha Técnica

Administração Regional do Sesc Pará PRESIDENTE DO SISTEMA FECOMÉRCIO / SESC / SENAC Sebastião de Oliveira Campos

HUMANIDADES Suelen Silva

DIREÇÃO REGIONAL Marcos Cezar Silva Pinho

LITERATURA Cleidiomar Oliveira

DIREÇÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA Doris Ferreira Rodrigues

MÚSICA Marcos Campelo

DIREÇÃO DE ASSISTÊNCIA, LAZER E SAÚDE Nedilea Negrão

ÁUDIO E VÍDEO João Evangelista Marcos Favacho Rui Lima

DIREÇÃO DE ADMINISTRAÇÃO Graça Ormanes Centro Cultural Sesc Boulevard GERENTE Nair Burlamaqui ARTES CÊNICAS Clarissa Franchi Cleber Sandim Jean Gama Lu Borgges Lívia Paixão

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CINEMA Carol Abreu

ARTES VISUAIS/FOTOGRAFIA Argemiro Guerreiro Márcio Campos Paula Sampaio

APOIO ADMINISTRATIVO Aldo Batista Rodrigues Cláudia Aline Souza Luis Cantanhede Pedro Júnior Monteiro SERVIÇOS ESPECIAIS Carlos Souza Ednaldo Alves Edson Viana Luís Low Natércia Souza Rosaleta Dias Wilson Oliveira CENTRAL DE ATENDIMENTOS Adriana Lima Esther Elgrably


Organização: Eliane Suelen Silva Textos: Iracema Oliveira, João de Jesus Paes Loureiro, Laurene Ataide, Margaret Refkalefsky, Marton Maués, Olinda Margaret Charone, Rosa Maria Mota da Silva Fotografias: Elza Lima, Guy Veloso e Miguel Chikaoka Assistentes de produção editorial (estagiárias): Anna Fernanda Faval e Thaysa Motta Projeto gráfico e design: Márcio Alvarenga Revisão: Aline Scátola Ficha catalográfica: Cleidiomar Oliveira Centro Cultural Sesc Boulevard Boulevard Castilho França, 522/523 Bairro: Campina. Belém-PA. Tel: (91) 3224-5305 E-mail: sescboulevard@pa.sesc.com.br sescboulevard@gmail.com

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SESC. Administração | Regional Pará. Pássaros. Organizadora: Eliane Suelen Silva Belém: Sesc Boulevard, 2017 91 p. : il. Nota de Conteúdo: Uma etnodramaturgia do Pássaro Melodrama Fantasia - Olinda Margaret Charone / Pássaros Juninos: um breve estudo musical - Rosa Maria Mota da Silva / O papel do figurino no teatro dos Pássaros - Margaret Refkalefsky / A matutagem e suas relações com o cômico popular medieval e renascentista - Marton Maués / Onde pousar o pássaro o amor? - João de Jesus Paes Loureiro / Chorar e rir ao mesmo tempo - Iracema Oliveira / Entrevista: nunca me vi em outro papel - Laurene Ataide / Fotografias - Elza Lima, Guy Veloso e Miguel Chikaoka. ISBN: 978-85-64457-07-2 1. ARTES CÊNICAS. 2. PÁSSAROS. 3. CULTURA POPULAR .I. Título

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M

antido pelas empresas do comércio de bens e serviços, o Serviço Social do Comércio - Sesc é uma entidade privada criada em 1946 para proporcionar qualidade de vida aos comerciários, seus familiares e à sociedade, com ações no campo da Educação, Saúde, Cultura, Lazer e Assistência. No Pará, o Centro Cultural Sesc Boulevard foi inaugurado em 2010 para oferecer ao público uma diversa programação cultural em artes cênicas, artes visuais, cinema, humanidades, literatura e música. Esta publicação faz parte do esforço do Sesc em difundir reflexões sobre a cultura e reconhecer o ineditismo artístico paraense, acreditando no poder das artes e da educação para potencializar o modo que vemos, estamos e agimos no mundo.


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