Educação em Rede v. 3 - Gerontologia

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Educação em Rede

Volume 3

Gerontologia

Sesc | Serviço Social do Comércio Departamento Nacional Rio de Janeiro Outubro de 2013


Sesc | SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO Presidência do Conselho Nacional

Produção Editorial

Departamento Nacional

Assessoria de Divulgação e Promoção Gerente

Antonio Oliveira Santos Direção-Geral

Christiane Caetano

Maron Emile Abi-Abib

Supervisão editorial e edição

Divisão Administrativa e Financeira

Fernanda Silveira

João Carlos Gomes Roldão

Divisão de Planejamento e Desenvolvimento

Álvaro de Melo Salmito

Projeto gráfico

Ana Cristina Pereira (Hannah23) Revisão de texto

Divisão de Programas Sociais

Clarisse Cintra Elaine Bayma Tathyana Viana Viviane Godoi

Nivaldo da Costa Pereira

Consultoria da Direção-Geral

Juvenal Ferreira Fortes Filho

Diagramação

Julio Fado

Produção gráfica

Celso Mendonça

Conteúdo

Estagiário de produção editorial

Thiago Fernandes

Gerência de Educação e Ação Social Gerente

Maria Alice Lopes de Souza Especialistas responsáveis

Maria Clotilde Barbosa Nunes Maia de Carvalho Claire da Cunha Beraldo Gerência de Desenvolvimento Técnico Gerente

Márcia Alegre Pina

Especialista responsável

André Souto Witer

FICHA CATALOGRÁFICA Gerontologia. – Rio de Janeiro : Sesc, Departamento Nacional, 2013. 152 p. : 25 cm. – (Educação em rede ; v. 3) Inclui bibliografia. ISBN 978-85-89336-96-3. 1. Gerontologia. 2. Envelhecimento. 3. Idosos – Cuidados médicos. I. Sesc. Departamento Nacional. II. Série. CDD 305.26 ©Sesc Departamento Nacional Av. Ayrton Senna, 5.555 — Jacarepaguá Rio de Janeiro — RJ CEP 22775-004 Tel.: (21) 2136-5555 www.sesc.com.br Impresso em outubro de 2013. Distribuição gratuita. Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei no 9.610 de 19/2/1998. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida sem autorização prévia por escrito do Departamento Nacional do Sesc, sejam quais forem os meios e mídias empregados: eletrônicos, impressos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.


“A velhice é uma conquista admirável da civilização tanto quanto da exclusividade de um indivíduo que atravessa o tempo, desafiando a vulnerabilidade do seu corpo que segue o curso contínuo do desenvolvimento, envelhecendo mais e mais” (PY; BURLÁ, 2005).



Desde as primeiras transmissões de documentos via fax ao advento da internet e democratização do acesso ao computador pessoal, o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação trouxe novas perspectivas ao processo ensino-aprendizagem. Isso contribuiu para encurtar distâncias e ampliar as oportunidades de intercâmbio de saberes e experiências. Ao celebrar 10 anos de implantação da Rede Sesc de Desenvolvimento Técnico, assumimos o pioneirismo institucional ao ofertar ações de capacitação mediadas por videoconferências, promovendo a integração e o aprimoramento técnico das equipes nas Unidades Operacionais, em tempo real. Esta publicação resulta desse intercâmbio, uma parceria técnica entre especialistas em Gerontologia e os profissionais responsáveis pela condução do Programa Assistência nos Departamentos Nacional e Regionais do Sesc, ocorrido durante a realização do curso Gerontologia, promovido no exercício de 2012. O presente material compila fontes de estudo para o pensar e repensar sobre a importância da formação continuada de profissionais responsáveis pelo Trabalho Social com Idosos, atividade desenvolvida no Sesc desde 1964 e atualmente presente em 24 estados e no Distrito Federal, atendendo aproximadamente 100 mil idosos. Acreditamos no diálogo entre os diferentes atores envolvidos como via para a expressão de pensamentos e difusão de conhecimentos que reafirmam o protagonismo do Sesc nas ações nacionais de Trabalho com Grupos de Idosos.

Maron Emile Abi-Abib Diretor-Geral do Departamento Nacional do Sesc



Sumário introdução 8 TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA E EPIDEMIOLÓGICA

José Elias Soares Pinheiro

10

Envelhecimento Normal e Patológico

Rodrigo Bernardo Serafim

20

POLÍTICAS SOCIAIS E DE SAÚDE PARA A VELHICE

Maria Angélica Sanchez

34

PRINCIPAIS PROBLEMAS QUE ACOMETEM A SAÚDE DO IDOSO

Tarso Lameri Sant Anna Mosci

48

TEORIAS E ASPECTOS PSICOLÓGICOS, SOCIAIS E CULTURAIS DO ENVELHECIMENTO

Eloisa Adler Scharfstein

68

OCUPAÇÃO DO TEMPO LIVRE E RELAÇÕES INTERGERACIONAIS

Dulcinéa da Mata Ribeiro Monteiro

82

CAPACIDADE FUNCIONAL E REABILITAÇÃO DA CAPACIDADE FUNCIONAL

Marli de Borborema Neves

104

INTERDISCIPLINARIDADE E MULTIPROFISSIONALIDADE EM GERONTOLOGIA: CONJUGAÇÃO DE SABERES E AÇÕES

Ligia Py e José Francisco P. Oliveira

122

PALIAÇÃO: UMA FILOSOFIA DE CUIDADO INTEGRAL

Daniel Lima Azevedo, Claudia Burlá e Ligia Py

132


Introdução O Sesc, como instituição pioneira na promoção social da velhice, conta com a participação de seus Departamentos Regionais, em todo o Brasil, na articulação para a implementação das políticas voltadas ao segmento idoso. A ação do Sesc com os idosos começou na década de 1960 e revolucionou o trabalho de assistência social, na deflagração de uma política voltada para as pessoas idosas. O Programa Assistência, por intermédio da Atividade Trabalho Social com Idosos, tem desenvolvido capacitação técnica em Gerontologia por videoconferência desde o ano de 2007. Para o ano de 2012, o curso de Capacitação Técnica teve o objetivo de desenvolver competências necessárias para atualizar e aprofundar os conhecimentos em Gerontologia, visando ao desenvolvimento do trabalho de forma mais dinâmica a partir da compreensão do envelhecimento enquanto processo. Este curso retoma conceitos e propostas em consonância com as ações ofertadas nos exercícios de 2007, 2008 e 2009. Para ministrar as aulas, convidamos profissionais da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia Seção Rio de Janeiro, sob a coordenação da gerontóloga

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Maria Angélica Sanchez, que reuniu os profissionais da SBGG na realização das aulas, abordando as principais questões que envolvem o processo de envelhecimento. A capacitação foi voltada para os coordenadores e técnicos da Atividade Trabalho Social com Idosos em todos os Departamentos Regionais e para profissionais de instituições parceiras do Sesc, no atendimento ao idoso. Esta publicação integra as ações previstas para o ano de 2013, em que o Sesc está comemorando os 50 anos do Trabalho Social com Idosos, e proporcionará o aprofundamento dos conteúdos abordados na capacitação em Gerontologia, sendo mais um material fruto da proposta do Módulo Político do TSI e da política de ação do Sesc, voltada para o aprimoramento dos técnicos e contribuindo com seus pares na propagação de conceitos e práticas em prol do trabalho social com a população idosa brasileira. 9 Introdução

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Transição demográfica e epidemiológica José Elias Soares Pinheiroi

Título de especialista em Medicina Geriátrica pela Sociedade Brasileira de Geriatria e

i

Gerontologia e Associação Médica Brasileira; presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia na seção do Rio de Janeiro, biênio 2010-2012; membro da Câmara Técnica de Geriatria do Conselho Federal de Medicina, geriatra do Instituto de Neurologia Deolindo Couto da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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11

RESUMO

ABSTRACT

O envelhecimento populacional é um fenômeno mundial e uma conquista do século 20. O processo de transição demográfica e epidemiológica nos proporciona uma série de informações que nos possibilita um exercício para o desenvolvimento de práticas pessoais e de políticas públicas de saúde para um envelhecimento ativo e sustentável.

Population aging is a worldwide phenomenon and an achievement of the twentieth century. The process of demographic and epidemiological transition provides us with a series of information that enables an exercise for the development of personal practices and public health policies for active aging.

Palavras-chave: transição epidemiológica, envelhecimento populacional, envelhecimento ativo.

Keywords: epidemiological transition, active aging.

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Transição demográfica e epidemiológica


O envelhecimento populacional é um fenômeno mundial. Tem sido considerado com uma das grandes conquistas do século 20. É um processo dinâmico e progressivo, no qual há modificações morfológicas, funcionais, bioquímicas e psicológicas que determinam perda da capacidade de adaptação ao meio ambiente, ocasionando maior vulnerabilidade e maior incidência de processos patológicos que terminam com a morte. Esse processo vem propiciando um desenvolvimento das áreas de Geriatria e Gerontologia.

12 Transição demográfica e epidemiológica

A Geriatria é uma especialidade médica que teve início nos primórdios do século passado, decorrente da necessidade diferenciada de atendimento de indivíduos idosos com múltiplos problemas de saúde. Moldou-se então um profissional que foca sua atenção no envelhecimento humano, na promoção da saúde, na prevenção e no tratamento das doenças, na reabilitação funcional e nos cuidados paliativos que estão envolvidos neste processo. A Gerontologia é a ciência que se propõe a estudar o processo do envelhecimento em todos os seus aspectos biológicos, sociais e psicológicos, interligando áreas como Direito, Educação, Arquitetura, Políticas Sociais, Antropológicas, entre outras. O idoso é definido, de acordo com a Política Nacional da Pessoa Idosa, como o cidadão que tem 60 anos ou mais de idade, não tendo, portanto, uma idade que delimite o fim desse ciclo vital da vida. Em face disso, teremos grupos populacionais de idosos de 60 anos e também grupos de idosos de 100 ou mais anos de idade. Tal situação resulta na heterogeneidade desse segmento populacional denominado “idoso”. A Transição Demográfica é o movimento de passagem de altos para baixos níveis de fecundidade e mortalidade. O envelhecimento populacional decorre de um movimento de crescimento elevado, seguido de uma redução da fecundidade e da mortalidade da população. No Brasil, o processo de taxas elevadas de crescimento ocorreu no período dos anos 1950 a 1970, cerca de 3,0% ao ano. E a taxa de fecundidade, que é a quantidade média de filhos por mulher em idade de procriar, ou seja, de 15 a 45 anos, que era, em 1960, de 6,1%, reduziu-se para 1,85%, em 2010, ocorrendo em conjunto

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uma queda da mortalidade em todas as faixas etárias, em decorrência de inúmeros fatores, culminando em uma maior quantidade de idosos na constituição do contingente populacional. A figura da pirâmide etária é a forma padrão para se observar o envelhecimento da população. Esse processo se caracteriza pelo estreitamento da base da pirâmide e um alargamento contínuo dos demais níveis de faixa etária até chegar ao topo da pirâmide.

Idade

1910

Homens

800 600 400 200

Milhares

Idade

Idade

100

2005

100

2025

100

90

90

90

80

80

80

70

70

70

60

60

60

50

50

40

Mulheres

Homens

40

50

Mulheres

Homens 40

30

30

30

20

20

20

10

10

10

0

0

200 400 600 800

Milhares

800 600 400 200

Milhares

200 400 600 800

Milhares

800 600 400 200

Milhares

0

Mulheres

Transição demográfica e epidemiológica

200 400 600 800

Milhares

Figura 1: Dados do IBGE (2010).

À medida que as populações envelhecem, a pirâmide populacional triangular vem sendo substituída por uma estrutura mais cilíndrica. A participação da população idosa, que era de 4,1% em 1940, e de 11% em 2010, tem uma projeção de ser de 27% em 2040. O Brasil continuará, portanto, a apresentar um envelhecimento populacional elevado, fruto de um período de alta fecundidade com baixa mortalidade infantil, seguido de um regime de baixa fecundidade e baixa mortalidade principalmente dos indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos. A população idosa feminina tem uma participação maior na constituição da quantidade de idosos do Brasil. As mulheres, em 2010, eram 55,7% do segmento populacional de idosos. Nítidas evidências apontam que essa proporção irá se manter ainda por um longo período.

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Gerontologia


14 Transição demográfica e epidemiológica

Figura 2: Transformação da pirâmide populacional (IBGE, 2010).

A população brasileira atingiu os 190.732.694 habitantes representando um aumento de 12,3%, com 95,9 homens para cada 100 mulheres, sendo cerca de 18 milhões de indivíduos idosos. A esperança de vida ao nascer, duração média de vida esperada para os membros de uma espécie, no Brasil, em 1940, era de 45,5 anos. Os dados apontam para um ganho progressivo para a esperança de vida e atualmente temos uma esperança de viver 73,17 anos. As mulheres continuam com uma esperança maior, 77 anos, e os homens, 69,4 anos. Projeções apontam para 81,29 anos em 2050. Em relação aos países da América do Sul, estamos abaixo da Argentina, 75,2 anos, e Venezuela, 73,8 anos. O Japão tem a maior esperança de vida ao nascer, 82,7 anos.

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80 75-79 70-74 65-69 60-64 55-59 50-54 45-49 40-44 35-39 30-34 25-29 20-21 15-19 10-14 5-9 0-4 9,0

7,0

5,0

3,0

1,0

1,0

Fonte: IBGE/Censo Demográfico de 2010. Projeções IPEA/Coordenação de População e Cidadania

3,0

5,0

7,0 Mulheres 2040 Mulheres 2010

9,0 Homens 2040 Homens 2010

Figura 3: Censo 2010, Projeção etária por sexo IPEA (IBGE, 210).

A esperança de vida é uma contribuição inestimável da transição demográfica e epidemiológica para elaboração de planos e metas futuras de um país em desenvolvimento. A esperança de vida dos brasileiros com 60 anos de idade é de 20,9 anos para o homem e de 24,5 anos para a mulher. Gera-se, dessas informações, um imenso desafio para novas políticas de mercado de trabalho, saúde, previdenciárias e demais áreas. A Transição Epidemiológica é a modificação dos padrões de morbidade, invalidez e morte que caracterizam uma população e que ocorrem em conjunto com outras transformações demográficas e sociais. O envelhecimento caracteriza-se por uma maior incidência e prevalência das chamadas doenças não transmissíveis. Tem como características comuns serem crônicas, custo elevado para o diagnóstico e tratamento e por terem um curso longo de morbidade com perda da autonomia e independência. Doenças não transmissíveis Hipertensão Arterial Diabetes AVC Doenças cardiovasculares Câncer

DPOC Artrite Osteoporose Demência Depressão Diminuição da visão e da audição

Quadro 1: Exemplo de doenças não transmissíveis.

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15 Transição demográfica e epidemiológica


A autonomia é a habilidade de controlar, lidar e tomar decisões pessoais sobre como se deve viver diariamente, de acordo com as próprias regras e preferências. Independência é a capacidade de viver independentemente na comunidade, com alguma ou nenhuma ajuda de outros para executar as atividades de vida diária. Com o envelhecimento populacional observa-se uma mudança nas causas de morte. As mortes deixam de ter como principal causa as doenças infecciosas e agudas. Passam a aparecer como causas de morte as doenças do aparelho circulatório, as doenças neoplásicas, doenças neurodegenerativas e causas externas, como acidentes. As particularidades da população que envelhece geram uma série de questionamentos quanto à qualidade de vida desse segmento populacional e que medidas devem ser tomadas para darmos uma condição favorável para o envelhecimento. 16 Transição demográfica e epidemiológica

O termo qualidade de vida tem permitido discussões calorosas quanto a sua conceituação. Podemos utilizar a conceituação da percepção que o indivíduo tem de sua posição na vida dentro do contexto de sua cultura e do sistema de valores de onde vive, e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. Para que os indivíduos alcancem essas prerrogativas, a Organização Mundial da Saúde cunhou o termo “envelhecimento ativo.” O envelhecimento ativo é um processo de otimização das oportunidades de saúde, participação e segurança, com objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas envelhecem. Envelhecer é um processo fisiológico, porém as doenças que se apresentam nesse ciclo da vida têm características que impõem uma abordagem especializada multiprofissional e interdisciplinar. À medida que se envelhece ocorre um comprometimento da capacidade funcional que é a ausência de dificuldade no desempenho de certos gestos e atividades da vida cotidiana. A Organização Mundial da Saúde estima que, no Brasil, cerca de 2,3 milhões de idosos têm dificuldade para realizar as atividades instrumentais de vida diária e as atividades básicas de vida diária. De cada 100 idosos brasileiros, 11 têm comprometimento de saúde que afeta a realização dessas atividades. A projeção é que, em 2030, cerca de 5 milhões de idosos no Brasil tenham dificuldade em realizar as AIVD e ABVD.

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Atividades básicas da vida diária

Atividades instrumentais da vida diária

Comer

Fazer compras

Usar o banheiro

Tarefas domésticas

Tomar banho

Preparar refeições

Andar pela casa

Cuidar do orçamento

Quadro 2: Exemplo de ABVD e AIVD.

As denominadas doenças não transmissíveis e típicas dos idosos apresentam causas múltiplas, não constituem um risco de vida, afetam a qualidade de vida e têm um elevado custo diagnóstico e terapêutico. As incapacidades geradas são descritas como os cinco “I” da Geriatria, gerando grandes desafios na área de Gerontologia e da medicina geriátrica. • Instabilidade postural: é decorrente de uma grande quantidade de condições clínicas que aumentam a incidência de quedas. • Imobilidade: é a incapacidade dos idosos de se deslocarem sem auxílio para manter a sua autonomia e independência. • Incontinência: eliminação involuntária de urina e/ou fezes, que constitui uma das mais difíceis situações de abordagem pelo profissional médico, sendo muitas vezes negligenciada pelo médico e pelo próprio idoso. • Insuficiência cognitiva: refere-se ao comprometimento das funções mentais, gerando perda da autonomia e evoluindo em diversas situações para a necessidade de um “cuidador” nas 24 horas do dia. • Iatrogenia: condição decorrente, principalmente, da utilização pelo profissional médico de vários fármacos para tratar os sintomas atribuídos à velhice. Ao pensarmos em uma das doenças listadas no Quadro 1, percebemos que à medida que há o agravo da condição clínica, o idoso pode ter uma instabilidade postural que gera uma queda, levando-o à imobilidade, que pode ocasionar incontinência urinária e fecal, predispondo a insuficiência cognitiva e, diante de tantas particularidades, acaba gerando uma iatrogenia. Temos o típico efeito dominó muito comum na área de Geriatria e Gerontologia.

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17 Transição demográfica e epidemiológica


O envelhecimento populacional brasileiro, com suas particularidades de país em desenvolvimento, tendo que alocar recursos para todas as faixas etárias da população, proporciona um momento de discussão em todas as áreas do conhecimento humano, gerando o grande desafio de podermos elaborar atitudes pessoais e mais ainda de políticas públicas de saúde voltadas para um envelhecimento ativo e sustentável.

18 Transição demográfica e epidemiológica

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.528, de 19 de outubro de 2006. Aprova a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. Diário Oficial da União, Brasília, p. 142, 20 out. 2006. CAMARANO, A. A. (Org.). Os novos idosos brasileiros: muito além dos 60? Rio de Janeiro: IPEA, 2004. CHAIMOWICZ, F.; CAMARGOS, M. C. S. Envelhecimento e saúde no Brasil. In: FREITAS, E. V.; PY, L. (Ed.). Tratado de geriatria e gerontologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. p. 74-98. IBGE. Censo demográfico 2010. Disponível em: http://ibge.gov.br. PAPALÉO NETTO, M. O estudo da velhice: histórico, definição do campo e termos básicos. In: FREITAS, E. V.; PY, L. (Ed.).Tratado de geriatria e gerontologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. p. 3-13. PASCHOAL, S. M. P. Qualidade de vida na velhice. In: FREITAS, E. V.; PY, L. (Ed.). Tratado de geriatria e gerontologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. p. 99-106. PY, Ligia et al. Promoção de saúde, tempo de envelhecer: percursos e dimensões psicossociais. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2004. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Envelhecimento ativo: uma política de saúde. Tradução Suzana Gontijo. Brasília: Organização Pan-Americana de Saúde, 2005.

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19 Transição demográfica e epidemiológica


Envelhecimento normal e patológico Rodrigo Bernardo Serafimi

Geriatra titulado pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia/Associação Médica

i

Brasileira (SBGG/AMB); mestrado em Clínica Médica pela UFRJ; coordenador da enfermaria de Geriatria HUCFF/UFRJ.

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RESUMO

ABSTRACT

O envelhecimento populacional impõe que se conheça uma nova realidade na saúde. Apesar dos diversos estudos disponíveis, esta é uma parcela da população que foi negligenciada durante muito tempo pela comunidade científica. Mesmo as teorias sobre o envelhecimento mais modernas não explicam este processo sozinhas. Não podemos extrapolar sobre o que é adequado para os idosos pela simples experiência que trazemos dos jovens.

Once population is getting older it makes necessary to know more about the impact of this new reality in the health care system. Although several studies about orders are available, too long the scientific community has neglected this population for. Even the modern’s theories on aging do not explain this process themselves. We cannot extrapolate on what is suitable for the elderly for the simple experience that we bring from the young.

O organismo sofre mudanças com o tempo, algumas adaptativas e outras que diminuem nossa reserva funcional e orgânica. O conceito do que é normal ou patológico pesa principalmente a necessidade de intervenção e se efetivamente aquela condição alterará a qualidade de vida. O envelhecimento saudável ou ativo leva em consideração a capacidade de adaptação do indivíduo, mantendo uma adequada participação na sociedade. Não somente as condições médicas presentes, mas principalmente a percepção de indivíduo sobre suas necessidades e suas limitações parecem ser os fatores determinantes para o processo de envelhecimento. Palavras-chave: fisiologia do envelhecimento, envelhecimento ativo, senescência.

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The body undergoes changes over time, some adaptive and others that diminish our functional and organic buffer. The concept of what is normal or pathological weighs particularly the need to intervene effectively and that condition will change the quality of life. The active and healthy aging, takes into account the individual’s ability to adapt and maintaining an adequate participation in society. The mainly perception of individuals about their needs and limitations seem to be the decisive factors for the aging process, and not only the medical conditions present. Keywords: physiology of aging, active aging, senescence.

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Envelhecimento normal e patológico


Introdução O homem conseguiu alterar a sua expectativa de vida, principalmente pelo desenvolvimento de melhorias nas condições sanitárias da população. A partir desse momento, surgiram novos desafios para conhecer e lidar com o envelhecimento. O conhecimento na área de saúde, que busca o adequado para determinada população, não se aplica mais a todas as idades. Mas a diferença entre o normal e o patológico vai além do que serve a maioria; é considerado patológico aquilo que impactará a qualidade de vida e a sobrevida daquela população (Dickson, 1992). Faz-se então necessário discutir o que é considerado normal e patológico no contexto do envelhecimento populacional, para propormos estratégias de saúde que visem atender a demandas deste grupo populacional crescente. 22 Envelhecimento normal e patológico

O envelhecimento é mais do que uma questão demográfica, os indivíduos envelhecem de modo diferente. A própria determinação da idade já é algo heterogêneo e muitas vezes não pode ser medida apenas por números, como segue: • Idade cronológica: aquela que representa apenas o tempo de vida. • Idade biológica: está ligada ao envelhecimento orgânico. Cada órgão sofre modificações que diminuem o seu funcionamento durante a vida, e a capacidade de autorregulacão torna-se também menos eficaz. • Idade social: refere-se ao papel, aos estatutos e aos hábitos da pessoa, relativamente aos outros membros da sociedade. Esta idade é fortemente determinada pela cultura e pela história de um país. • Idade psicológica: relaciona-se com as competências comportamentais que a pessoa pode mobilizar em resposta às mudanças do ambiente; inclui inteligência, memória e motivação.

O processo de envelhecimento É um processo de mudança gradual e espontânea do organismo que culmina nos seus momentos finais com a senescência. Por definição, chama-se de senescência o processo no qual a capacidade celular de crescer, de se dividir e de manter seu funcionamento correto é reduzido até o momento em que se torna incompatível com a vida.

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Segundo a Organização Mundial da Saúde, a terceira idade tem início entre os 60 e 65 anos. No entanto, esta é uma idade instituída para efeitos de pesquisa, já que o processo de envelhecimento depende de três classes de fatores principais: biológicos, psíquicos e sociais. São esses fatores que podem preconizar a velhice, acelerando ou retardando o aparecimento e a instalação de doenças e de sintomas característicos da idade madura. A maior parte das reservas fisiológicas que usamos ou que dependemos para viver na velhice é acumulada na vida adulta. Então, parece óbvio que, para um envelhecimento saudável, seja importante começarmos antes a nos preparar para tal. Muitas vezes, na velhice, pagamos o preço do que fizemos ou deixamos de fazer na vida adulta. De modo geral e resumido, o processo de envelhecimento pode ocorrer de três maneiras principais (Figura 1): 1. Um grupo que tenha conseguido acumular uma boa reserva orgânica na vida adulta pode envelhecer sem que atinja o limiar da incapacidade e deverá permanecer saudável durante todo o envelhecimento. 2. Outro grupo, que não acumulou reserva suficiente, atinge o limiar da incapacidade antes de morrer. 3. Um terceiro grupo, em virtude de uma intercorrência aguda, tem uma perda funcional, podendo ou não retornar à linha de base de sua evolução.

FUNCIONALIDADE/RESERVA ORGÂNICA

VIDA ADULTA

INCAPACIDADE

Doença Estresse agudo

Figura 1: Processo simplificado de envelhecimento e desenvolvimento de incapacidades. Os eixos vertical e horizontal representam o acúmulo e a perda de reserva funcional e orgânica de acordo com o tempo de vida. Linhas representam: azul: um grupo com boa reserva orgânica na vida adulta pode envelhecer sem que atinja o limiar da incapacidade; vermelho: grupo que não acumulou reserva suficiente, atinge o limiar da incapacidade antes de morrer; verde: em razão de uma intercorrência aguda, este grupo tem uma perda funcional, podendo ou não retornar à linha de base de sua evolução.

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Gerontologia

23 Envelhecimento normal e patológico


Teorias do envelhecimento Várias teorias tentam explicar o processo de envelhecimento normal, quer isoladamente ou em combinação, embora nenhuma delas tenha sido comprovada. Em última instância, podem ser extraídas de cada teoria explicações da razão de as pessoas envelhecerem e morrerem. De modo geral, essas teorias podem ser classificadas em duas categorias: as de natureza genético-desenvolvimentista e as de natureza estocástica. As primeiras entendem o envelhecimento no contexto de um continuum controlado geneticamente, enquanto as últimas trabalham com a hipótese de que o processo dependeria, principalmente, do acúmulo de agressões ambientais. Dentro desse contexto, cabe destacar duas teorias principais, como segue. 24 Envelhecimento normal e patológico

Teoria do envelhecimento programado Esta teoria explica o envelhecimento unicamente através de fatores genéticos. Os defensores desta teoria acreditam que as células do nosso organismo estão geneticamente programadas para morrer após certa quantidade de divisões celulares (mitose). Atingido esse número, seria então desencadeado o processo de morte, cujo momento estaria ligado à idade biológica, variando assim entre as diversas espécies. À medida que as células morrem, os órgãos começam a apresentar um mau funcionamento e, finalmente, não conseguem manter as funções biológicas necessárias para a manutenção da vida. As teorias de um importante pesquisador chamado Hayflick, do final da década de 1970, mostraram que, mesmo após cultivar células em meios apropriados de crescimento, após determinados períodos, estas atingiam um limite de divisões celulares e iniciavam um processo de senescência. Tal limite representaria uma quantidade máxima, geneticamente programada, da capacidade de reprodução celular. No entanto não explica o porquê de envelhecermos de maneira tão diferente (Hayflick, 1977, 1985).

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Teoria dos radicais livres Atualmente, esta é uma das teorias do envelhecimento mais estudadas e discutidas. A teoria dos radicais livres surgiu em 1954, com o Dr. Denham Harmon, que propôs que as células envelhecem em consequência de danos acumulados em virtude das reações químicas que ocorrem no seu interior. Durante essas reações, são produzidas toxinas denominadas radicais livres. Radicais livres são substâncias tóxicas que têm uma quantidade ímpar de elétrons e que por isso procuram ligar-se a outras moléculas para emparelhar o seu elétron livre, acabando por danificar as células. Dessa maneira, os radicais livres oxidam praticamente tudo, tendo também a capacidade de gerar novos radicais livres. Vários fatores estão associados à produção desses radicais, entre eles: estresse, exposição à luz solar, má alimentação, entre outros.

Envelhecimento normal e patológico

Doenças crônicas e o envelhecimento Os idosos constituem a população mais acometida pelas doenças crônicas. A incidência de doenças como hipertensão arterial, diabetes, câncer e patologias cardiovasculares eleva-se com a idade. Esse aumento parece dever-se à interação entre fatores genéticos predisponentes, alterações fisiológicas do envelhecimento e fatores de risco modificáveis, como tabagismo, ingestão alcoólica excessiva, sedentarismo, consumo de alimentos não saudáveis e obesidade. Estudo epidemiológico realizado entre os anos de 2000 e 2001 com idosos residentes no município de São Paulo revelou que proporção elevada de entrevistados declarava sofrer de três ou mais doenças. Esse fato foi mais comum entre mulheres (48%) do que entre homens (33%), podendo refletir a maior procura feminina aos serviços de saúde e, portanto, a maior informação a respeito de suas doenças. O estudo questionava ainda se o idoso sabia ser portador de alguma dentre oito doenças crônicas. A hipertensão arterial (53,3%) foi a doença mais mencionada, seguida por problemas articulares (31,7%), cardiopatias (19,5%), diabetes (17,9%), osteoporose (14,2%), doença pulmonar crônica (12,2%), embolia/derrame (7,2%) e tumores malignos (3,3%) (LEBRÃO; DUARTE, 2003).

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O que é normal e o que é patológico? O normal não é exatamente o que acomete a maioria. A maioria dos estudos disponíveis não foi desenhada para o idoso e menos ainda para os muito idosos (com mais de 85 anos). Condições que são inesperadas para jovens podem não impactar a vida de idosos. E mais ainda, sua reversão pode piorar ou ser mais deletéria à saúde do idoso. Usando como exemplo o controle pressórico, sabemos que a maioria dos idosos é hipertensa, no entanto sabemos que a redução dos níveis de pressão arterial reduz o risco de eventos cardiovasculares. É esperado que haja mudanças graduais no organismo que modificam seu funcionamento e muitas vezes reduzem sua capacidade de lidar com condições de estresse biológico. 26 Envelhecimento normal e patológico

Envelhecimento de órgãos e sistemas Sistema locomotor • Diminuição da massa muscular: com o envelhecimento ocorre a diminuição da massa muscular esquelética, que pode decrescer de 45% aos 20 anos para 27% aos 70 anos. Essa perda gradativa é conhecida como sarcopenia, que indica a perda da massa, força e qualidade do músculo esquelético e que tem um impacto significante na saúde pública pelas suas consequências funcionais. A força muscular é a adaptação funcional que sempre acompanha os níveis de massa muscular, sendo importante no dia a dia de todas as pessoas para a realização das mais diversas tarefas, em especial no idoso, pois geralmente este é um sedentário que perdeu a aptidão física geral. A perda de força muscular é a principal responsável pela deterioração na mobilidade e na capacidade funcional do indivíduo que está envelhecendo (MATSUDO; MATSUDO; BARROS NETO, 2000). • Diminuição da massa óssea: há diminuição da massa óssea e uma condição chamada de osteopenia e osteoporose é mais frequente. Essas alterações ocorrem principalmente em virtude das alterações no metabolismo ósseo, causas endócrinas, ingestão deficiente de cálcio e vitamina D (ESPÍNOLA, 2000). Essas alterações aparecem principalmente nas mulheres, cujos ossos

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perdem cerca de 40% do cálcio no decorrer de sua vida, sendo que a metade disso se perde nos cinco primeiros anos após a menopausa e o restante após os 60 anos. A osteoporose ocorre geralmente no quadril, fêmures e vértebras. Está associada a um maior risco de fratura e maior morbimortalidade (PERIS; LESMES, 2007). • Envelhecimento da pele: a pele é o órgão humano mais exposto a estresses externos. Estudos mostram que a elastina, responsável pela elasticidade cutânea, perde a sua qualidade elástica com o avanço da idade. O colágeno também diminui com o passar do tempo. O motivo dessa transformação são as alterações decorrentes do envelhecimento intrínseco e extrínseco da pele (LINS, 2002). Existe um adelgaçamento e maior fragilidade da pele, maior incidência de lesões de pele e neoplasias. As glândulas sudoríparas também estão reduzidas e a termorregulação alterada. O envelhecimento decorrente do efeito da radiação ultravioleta do sol (fotoenvelhecimento) sobre a pele durante toda a vida e apresenta-se como uma intensificação do envelhecimento cronológico e do aparecimento de características diferentes do envelhecimento comum. • Órgãos dos sentidos (visão e audição): as alterações visuais na idade avançada provocam a diminuição da reatividade pupilar, alterações na circunferência e rigidez do cristalino; frequentemente aparecem cataratas. A córnea perde transparência e depósitos de gorduras produzem o “arco senil”. Pode ocorrer glaucoma, aumento da pressão intraocular que reduz a visão periférica e compressão da retina. A degeneração da mácula, a área de visão central e onde a resolução visual é máxima, ocasiona um dano importante à visão do idoso. A órbita perde gordura e produz o efeito de olhos fundos. A presença de diabetes mellitus de longa evolução é a principal causa de cegueira nessa faixa etária (PROGRAMA DE DESARROLLO INTEGRAL DEL ADULTO MAYOR, 2004). Quanto à audição, a pele que cobre o conduto auditivo externo atrofia-se e sofre uma descamação; isso favorece a acumulação de cerume. Na orelha interna é produzida a denominada presbiacusia, ou seja, a pessoa percebe ruídos molestos (acúfenos), diminui a capacidade de discriminar os sons (ouve, mas não entende) e há uma perda na percepção dos sons agudos. Cerca de uma a cada três pessoas tem perda auditiva que interfere na vida diária nas pessoas que tem entre 65 a 74 anos e cerca da

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metade daquelas que têm 85 anos ou mais, sendo frequentes os tampões de cera e a hipoacusia secundária (GEIS, 2003). • Sistema imunológico: pacientes com mais de 65 anos de idade apresentam algumas alterações no sistema imunológico, porém o simples fato de ser idoso não o classifica como imunodeficiente, embora seja preciso valorizar esse fato quando diante de certas comorbidades, principalmente diabetes, insuficiência renal, cardíaca, respiratória, hepática ou infecções (DUARTE, 2003). É importante lembrar a necessidade de manter a vacinação em dia, principalmente do tétano.

28 Envelhecimento normal e patológico

• Sistema circulatório: segundo Geis (2003), ocorre uma diminuição do retorno venoso, o que pode acarretar varizes e edemas de membros inferiores. No coração, há um aumento da espessura do miocárdio com a idade, por causa das exigências em consequência do aumento da resistência vascular. Há uma diminuição da capacidade de dilatação da musculatura cardíaca (insuficiência cardíaca diastólica), ocorrem distúrbios elétricos com diferentes graus de bloqueio e de arritmia. As válvulas que comunicam as distintas cavidades cardíacas podem calcificar-se, produzindo estenose ou insuficiência valvular. Pode ocorrer uma diminuição na capacidade de trabalho cardíaco (GEIS, 2003). As alterações ocorridas no sistema cardiovascular afetam de maneira variável outros órgãos que dependem estreitamente desse sistema para seu funcionamento. • Sistema respiratório: existe uma menor capacidade de tolerar exercício. Um aumento da incidência de fibrose e de doenças pulmonares crônicas. As cartilagens costais apresentam calcificações e a coluna apresenta cifose, com aumento do diâmetro anteroposterior do tórax, diminuindo a elasticidade da parede muscular. Essas mudanças afetam consideravelmente as atividades físicas que o idoso pode realizar (ESPINOLA, 2000; GEIS, 2003). • Sistema renal e vias urinárias: cerca de 50% dos néfrons desaparecem entre os 30 e os 70 anos e a taxa de filtração glomerular decai 8 mL/min a cada 10 anos. É provável que a diminuição do fluxo renal em torno de 10% por década nos adultos, a maior permeabilidade da membrana glomerular, a menor superfície disponível de filtração e o aumento do uso de nefrotóxicos em função da idade expliquem a diminuição da função renal. As vias urinárias são afetadas por uma maior tendência a produção de cálculos. Nos homens

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pode ocorrer obstrução prostática pelo crescimento da glândula e nas mulheres, o surgimento de incontinência urinária (ESPINOLA, 2000). • Sistema digestivo: ocorre uma diminuição da capacidade de perceber os sabores doces e salgados (principalmente este último). Também a perda dentária dificulta o consumo de alguns alimentos, portanto, a OMS tem a meta de que os idosos possam conservar 20 a 22 dentes nessa etapa da vida. Cerca de 10% dos octogenários perdem a coordenação dos músculos esofágicos e a debilidade do diafragma torna mais frequente a existência de hérnias hiatais (ESPÍNOLA, 2000). As alterações na mucosa gástrica e nas glândulas digestivas provocam diminuição da capacidade funcional digestiva e uma lentificação do esvaziamento gástrico, levando a uma saciedade com menor quantidade de comida que no adulto. A diminuição da motilidade intestinal, a superfície intestinal útil para absorção, a capacidade de transporte de nutrientes e a redução do fluxo sanguíneo entre a célula mucosa e a veia porta alteram a capacidade global de digestão e absorção. É muito comum a presença de intolerância a lactose (PALLAS, 2002). • Sistema nervoso: entre os 45 e os 85 anos, o peso do cérebro diminui cerca de 12%. Há também uma diminuição da quantidade de neurônios, tornando mais difícil a aprendizagem, sobretudo nos lóbulos frontais e temporais. Há uma diminuição dos reflexos e menor capacidade de memória. No cérebro, são observadas mudanças degenerativas que acarretam atrofia do córtex cerebral e dilatação ventricular. Também ocorre uma lentidão nas funções sensoriomotoras. Há diminuição da síntese de catecolaminas, Peptídeo Intestinal Vasoativo-VIP e substância P; os receptores de catecolaminas, serotonina e opioides também têm redução. As mudanças nesses neurotransmissores e seus receptores não implicam, necessariamente, alterações intelectuais e comportamentais, mas é o conjunto de alterações que os provocam (WEINECK, 2000; ESPÍNOLA, 2000) (Figura 2).

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29 Envelhecimento normal e patológico


VIDA ADULTA Primária

Secundária

ENVELHECIMENTO

Memória imediata (segundos) INTENSIDADE DA MEMÓRIA

Terciária

Memória trabalho (segundos (segundo a horas)

Memória recente (horas a dias)

Memória de longo prazo (meses a vida toda)

TEMPO

30 Envelhecimento normal e patológico

Figura 2: Descrição esquemática dos diferentes tipos de memória.

O gráfico descreve esquematicamente os diferentes tipos de memória e sua relação com o tempo. Com o envelhecimento, a memória de trabalho e a memória recente tornam-se mais lentificadas, porém não interferem nas atividades de vida diária.

O que é o envelhecimento ativo? A primeira questão a ser respondida é a própria definição do que seria o envelhecimento ideal. Pela Organização Mundial de Saúde (2005), o melhor termo a ser usado é o de envelhecimento ativo. Porém, quando se fala em ativo, não se refere apenas à questão de atividade física e sim a um contexto muito mais amplo de se manter ativo e participativo nas diversas esferas sociais. A Organização Mundial da Saúde (2005) define que o envelhecimento ativo é o processo de “otimização das oportunidades de saúde, participação e segurança, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas ficam mais velhas” (ênfase do autor). Não podemos prever qual será a expectativa de vida individual ou a longevidade de cada indivíduo, mas sabemos que com a melhoria das condições sanitárias nossa população aumentou sua expectativa de vida. A longevidade, no entanto, depende mais diretamente de condições genéticas de cada um.

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Faz-se necessário então que os indivíduos se preparem para este momento e condições sejam dadas para que o idoso se mantenha inserido na sua sociedade, o que não é tão comum, principalmente nos modelos ocidentais.

Autopercepção sobre o envelhecimento A atividade física é, sem dúvida, um marcador muito importante do envelhecimento ativo, porém as pessoas adaptam-se às suas dificuldades de maneira diferente e pesquisas qualitativas destacam que a atitude positiva perante a vida e o engajamento social de cada um parecem ser pontos no mínimo tão importantes (Depp; Jeste, 2006). Autores de outros estudos que avaliaram a quantidade necessária de atributos que os participantes caracterizavam como importantes para o envelhecimento ativo, os orientais, foram muito menos exigentes que os ocidentais. O componente cultural e os valores da sociedade na qual cada um está inserido parecem ter um papel importante na própria percepção de qualidade de vida (PHELAN; LARSON, 2002; PHELAN et al., 2004).

Considerações finais O processo do envelhecimento é complexo e ainda não totalmente compreendido. Sabemos, no entanto, que nosso corpo sofre mudanças e, se por um lado a eficiência é menor para lidar com algumas condições adversas, ganha-se experiência para tal. É importante que se acumulem reservas fisiológicas e orgânicas para serem usadas nas fases mais avançadas da vida, assim a preocupação com o processo de envelhecimento deve começar muito antes do esperado. Mais estudos ainda são necessários focando as necessidades desta população específica, assim como políticas públicas que atendam as suas necessidades sociais.

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Referências

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PROGRAMA DE DESARROLLO INTEGRAL DEL ADULTO MAYOR (Chile). Autocuidado: guía de orientación para el cuidado de la salud de los adultos mayores. Santiago: Ministerio de Salud de Chile, 2004. WEINECK, J. Biologia do esporte. São Paulo: Manole, 2000.

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Políticas sociais e de saúde para a velhice Maria Angélica Sanchezi

Assistente social; gerontóloga pela SBGG; mestre em Ciências da Saúde.

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RESUMO

ABSTRACT

O visível aumento da expectativa de vida mostra a necessidade de planejamento de ações para a população que envelhece. Há anos observa-se que as políticas de atenção para indivíduos idosos caminham de forma lenta – o que faz com que os setores sociais e de atenção à saúde não possuam ações sistematizadas. O presente texto tem como objetivo apresentar uma breve trajetória das políticas públicas de atenção à população idosa desde a década de 1930 até o momento. O apanhado de leis traz à tona a necessidade, cada vez maior, de se implementar o aparato legal existente de forma a garantir um envelhecimento digno.

The visible increase of life expectancy shows the need for planning for the aging population. For years it was observed that care policies for elderly people walk slowly, which makes the social sectors and health care stocks have not systematized. This paper aims to present a brief history of public policies to the elderly from the 30s until now. The overview of laws brings up the need to implement the existing legal apparatus to ensure a dignified aging. Keywords: aging, social policy, health policy.

Palavras-chave: envelhecimento, políticas sociais, políticas de saúde.

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Introdução O envelhecimento da população vem acompanhado da necessidade de mudanças, sobretudo no âmbito da regulação das políticas públicas. Estas, quando bem formuladas e implementadas, garantem o exercício dos direitos para uma vida plena e digna. No Brasil, como em grande parte do mundo, o aumento da expectativa de vida é pauta de discussão. É visível que esta mudança de cenário acarretará uma série de problemas sociais, de saúde e econômicos. O último censo mostra o retrato do país nos próximos 40 anos, ressaltando o grande salto em população idosa.

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Há algumas décadas começou o investimento em políticas voltadas para a população que envelhece. No entanto, este investimento não acompanhou as mudanças e hoje o país enfrenta problemas sociais e de saúde de natureza diversas. No setor saúde a população idosa é que mais consome os recursos: maior taxa de internação e maior taxa de ocupação nos leitos hospitalares. Por outro lado, este custo não se converte em benefício. O modelo de atenção em vigência não se mostra capaz de atender a esta demanda crescente. O investimento em uma proposta preventiva e reabilitadora caminha timidamente. O modelo focado na abordagem médica tradicional se configura como centro da atenção em saúde. Não há dúvida de que conviver com situações adversas é o grande desafio para gestores e profissionais que atuam nos variados espaços de atenção à pessoa idosa. Em 2005, a Organização Mundial da Saúde publica importante documento intitulado “Envelhecimento ativo — uma política de saúde”. Esse documento chama a atenção para os desafios que os países em desenvolvimento enfrentam junto à população que envelhece. O primeiro deles é a carga dupla de doenças. No Brasil, por exemplo, ainda se luta contra doenças infecciosas e desnutrição em um momento em que as doenças crônicas estão entre as principais causas de mortalidade de pessoas acima dos 60 anos. O segundo desafio é com o maior risco de deficiência. À medida que as pessoas envelhecem, ficam mais suscetíveis a deficiências cognitivas e físicas e em decorrência disto outro obstáculo se impõe: a provisão do cuidado. Faz-se imprescindível encontrar um equilíbrio entre a possibilidade de prover o autocuidado e de receber cuidado de terceiros. Esta questão merece destaque, sobretudo, pela total ausência de políticas públicas voltadas para o cuidado ao idoso dependente, bem como para os cuidadores formais e informais.

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No rol dos desafios a serem enfrentados está a feminização do envelhecimento. As mulheres vivem mais que os homens; porém, por uma questão histórica de desigualdade de gênero, acabam envelhecendo com mais problemas sociais e financeiros que os homens. Diante de tantos desafios, o documento também aponta para a questão ética, chamando a atenção para a discriminação que sofrem as pessoas idosas e para a economia do país. Não há dúvida de que os problemas da previdência social e do setor saúde irão aumentar com o envelhecimento da população e com a ausência de planejamento. Por fim, a criação de um novo paradigma se apresenta como o principal desafio imposto pelo processo de envelhecimento: deixar de lado a velhice estereotipada como sem função e adoecida e trabalhar no sentido de ser o idoso o protagonista de sua história, um sujeito de direitos. 37

Breve histórico das políticas sociais e de saúde no Brasil

Políticas sociais e de saúde para a velhice

Apesar de as discussões sobre políticas terem ganhado vulto na década de 1980, antes disso surgiram alguns importantes movimentos em prol da classe trabalhadora, e eles consequentemente abrangiam o segmento de pessoas mais velhas. A primeira proposta data de 1923 — a Lei Eloy Chaves, que se constituiu na Caixa de Aposentadorias e Pensões por categoria profissional (SANTOS, 1987). Essa lei consolida a base do sistema previdenciário no Brasil. Na década de 1930, com o início da “Era Vargas”, acontece o primeiro movimento em defesa do trabalhador com um importante passo na elaboração de leis trabalhistas. Em 1934, com instituição da Carteira de Trabalho, o trabalhador passa a comprovar seus anos trabalhados para ter direito a aposentadoria (MENDONÇA, 1985; PEREIRA, 2000). Na mesma época, importantes instituições foram criadas, dentre as quais se destacam a Legião Brasileira de Assistência (LBA), o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). Em 1960, com a aprovação da Lei Orgânica da Previdência Social —(LOPS) o regime de aposentadoria passa a ser regido por única lei, abrangendo também os profissionais liberais.

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Ainda que essas iniciativas não fossem especificamente voltadas para a população idosa, acabavam por beneficiar este segmento, que passava a contar com um sistema de proteção previdenciária, contando também com benefícios assistenciais. Na década de 1960 há, também, um importante movimento paralelo às iniciativas do setor público. Em 1961, nasce a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, com o objetivo de congregar, a princípio, médicos para discutir sobre as questões inerentes ao processo de envelhecimento. Em 1968 a sociedade é descentralizada e passa a contar com seccionais em vários estados brasileiros, e em 1979 é criada uma comissão especial de Gerontologia, incluindo profissionais de outras categorias profissionais (RODRIGUES, 2001).

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Em 1963, o Serviço Social do Comércio (Sesc) inicia ações voltadas para a população idosa desenvolvendo atividades com grupos e centros de convivência e dando início ao Programa de Preparação para a Aposentadoria (RODRIGUES, 2001). Na década de 1970, as iniciativas voltadas para a população idosa começam a despontar. Nesta época, torna-se evidente o aumento da expectativa de vida e o problema social decorrente do envelhecimento da população passa a ser alvo de atenção tanto do setor público quanto do privado. O primeiro movimento público para beneficiar os maiores de 70 anos se deu em 1974, pela Lei no 6.179, que aprova a renda mensal vitalícia para aqueles cuja Previdência Social não atendia (RODRIGUES, 2001). Em 1975, o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) cria em nível nacional o Programa de Atenção ao Idoso (PAI), desenvolvendo grupos de convivência nos postos de atendimento. Porém, é a partir de 1976 que a questão do envelhecimento começa a ganhar visibilidade e técnicos do ministério da Previdência e Assistência Social se mobilizam para a organização de seminários regionais, cujo objetivo era definir o perfil do idoso brasileiro e que deu origem ao primeiro importante documento — “Políticas para a terceira idade: diretrizes básicas” (QUEIROZ, 1999). Todo esse movimento não foi devidamente encampado pelo governo federal. Sua continuidade se deveu às entidades privadas e às diversas associações que continuaram envidando esforços para a melhoria das condições da população idosa (RODRIGUES, 2001).

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Em 1978 foi criado o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (Sinpas), sendo a Legião Brasileira de Assistência (LBA) o órgão responsável pela prática de algumas das diretrizes da política para idosos, com o PAI (Programa de Atenção ao Idoso) (QUEIROZ, 1999; RODRIGUES, 2001). Apesar do advento de políticas para a população idosa, observa-se que, até a década de 1980, tais políticas eram fragmentadas, esparsas e específicas apenas a certas categorias e não ao indivíduo idoso em sua totalidade. Esta mudança de paradigma acontece em 1982, quando ocorre, em Viena, a assembleia internacional sobre o envelhecimento, com o objetivo de discutir o que estava acontecendo no mundo, em relação ao aumento da quantidade de pessoas idosas, suas perspectivas e a condição desse segmento social. Os participantes dessa assembleia saíram de Viena com pautas para seus respectivos países. Os brasileiros voltaram ao país com o objetivo de efetivarem uma Política Nacional para o Idoso (TOMÉ, 2008). Na década de 1980, começam a surgir no Brasil os Conselhos de Idosos e Associações de Aposentados, o que representou o início de uma organização política específica desse segmento social. O primeiro conselho de direito de idosos surgiu na capital paulista em 1986 e posteriormente no Rio Grande do Sul. No Rio de Janeiro, esse movimento teve uma aparição tardia, surgindo apenas em 1996. Os conselhos se configuraram como uma espécie de auxiliar na comunicação entre a população, principalmente de idosos e os órgãos competentes para defesa de seus interesses. Além dos Conselhos de Idosos surgiram, na mesma época, outros avanços para a população que envelhecia, como os Programas de Previdência Privada, os Programas de Preparação para aposentadoria e os Grupos de Convivência e Lazer (TOMÉ, 2008). No ano de 1985, é criada a Associação Nacional de Gerontologia (ANG) com a finalidade de desenvolver ações políticas junto a instituições públicas e privadas. Outras associações se organizaram, formando assim uma grande massa na luta para elaboração de políticas públicas destinadas à pessoa idosa. O movimento de reconhecimento da transição demográfica caminha na busca de legitimação e novas ações são efetivadas, em âmbito nacional, pelo setor público. Nos fins dos anos 1980, o Ministério da Saúde lança o Programa da Saúde do Idoso com ênfase na promoção de saúde e no estímulo ao autocuidado. Entre os anos de 1987 e 1990, cartilhas educativas com informações em áreas variadas, sob o slogan “Viva bem a idade que você tem”, eram distribuídas em grupos de convivência realizados nas unidades de saúde.

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Até finais da década de 1980, este conjunto de iniciativas ocorria por propostas de técnicos que se dedicavam a estudar o processo de envelhecimento e suas repercussões. Em 1988, com a promulgação da nova Carta constitucional, o país se vê diante de uma nova questão: passam a ser contemplados como sujeitos de direito todos os indivíduos com 65 anos ou mais. O artigo 230 enfatiza que o amparo ao idoso é papel da família, da sociedade e do Estado. Ainda que este amparo tenha um grande peso sobre a família, pode ser entendido como o ponto de partida para a elaboração das políticas de atenção ao idoso. Em 1989, a ANG realiza três grandes seminários regionais abordando questões como o trabalho, educação e assistência social que originou o documento “Políticas para a terceira idade nos anos 1990” — documento que pode ser considerado como a mola propulsora para a efetivação da Política Nacional do Idoso (PNI). 40 Políticas sociais e de saúde para a velhice

A década de 1990 e o avanço na construção de políticas para a população que envelhece Em dezembro de 1993, foi sancionada a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), que apesar de não ser uma política específica para idosos, foi pioneira em apresentar um benefício destinado aos idosos necessitados — Benefício de Prestação Continuada (BPC) — concedido àqueles com 65 anos ou mais e para deficientes de todas as idades, cujas famílias comprovassem ter uma renda per capita até um quarto do salário mínimo. Apesar de ser uma política focalista, como prevê a lógica neoliberal, baseada em critérios de elegibilidade que beiram a exclusão, o BPC não deixa de se configurar como um avanço no âmbito das questões sociais (TOMÉ, 2008). Em janeiro de 1994, a Lei no 8.842, que cria a Política Nacional do Idoso (PNI), foi aprovada, sendo regulamentada apenas em 1996. O texto da Política Nacional do Idoso basicamente foi uma continuidade do documento de recomendações oriundo do seminário que ocorrera em Brasília em 1989. No ano de 1999, foi promulgada a Política de Saúde do Idoso (PNSI) pela Portaria nº 1.395, como um desdobramento da PNI. Entretanto, apesar de a promulgação desta lei constituir um grande avanço no campo das políticas de saúde para idosos no Brasil, apenas poucas portarias foram assinadas e pouco se caminhou na cons-

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trução de diretrizes voltadas para a população idosa. Dentre as portarias se destacam as Portarias 702 e a 703, ambas assinadas em 12 de abril de 2002. A Portaria 702 teve como propósito a criação de mecanismos para a organização e implantação de Redes Estaduais de Assistência à Saúde do Idoso. Acoplada à ideia de Redes, com a implantação de centros de referência, a Portaria 703 institui o Programa de Assistência aos Portadores da Doença de Alzheimer. Podemos dizer que essa portaria ganha relevância uma vez que preconiza que as secretarias estaduais de saúde, em parceria com o Ministério da Saúde, estabeleçam protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas para o diagnóstico e o tratamento da doença de Alzheimer. Nesse sentido, a população idosa tem acesso a uma medicação de alto custo e o programa passa a fazer parte do rol das políticas públicas destinadas aos indivíduos idosos. Contudo, vale ressaltar que tais centros não conseguem atender adequadamente a essa demanda crescente de idosos portadores da doença. Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, os centros de referência estão situados nos hospitais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Outro centro funciona no Hospital dos Servidores do Estado; no entanto, trata-se apenas de um centro de dispensação de medicação. A Portaria no 249 de 16/4/2002 aprova as Normas para Cadastramento de Centros de Referência em Assistência à Saúde do Idoso. Contudo, as normas para cadastramento de tais centros esbarram com um conjunto de obstáculos, e até a presente data muitos estados não conseguiram implantar a quantidade de centros necessários para atender à demanda de sua população. Apesar de conteúdo de extrema importância no âmbito do planejamento de ações para este segmento da população, tal portaria ainda não foi de todo efetivada e o país ainda carece de aparatos fundamentais como os hospitais-dia, centros-dia, assistência domiciliar e, sobretudo atendimento ambulatorial especializado. Em 2003 foi promulgado o Estatuto do Idoso, com a Lei nº 10.481. Essa lei diferese das outras voltadas para os idosos, uma vez que trata dos direitos fundamentais, como o direito à vida, à liberdade, ao respeito e à dignidade, recupera a questão da família e a questão da prioridade dos idosos, no que se refere ao atendimento e à garantia ao sistema de saúde, dentre outros. O estatuto, sem dúvida, pode ser considerado como a engrenagem para o resgate da cidadania da pessoa que envelhece. Questões importantes aparecem e abrem uma porta para um conjunto de ações que beneficiam os maiores de 60 anos.

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Discussões até então tratadas no imaginário popular se transformam em importantes reflexões, obrigando o Estado a assumir uma postura de maior proteção ao idoso brasileiro. Aqui se destacam algumas situações relevantes. Quando o estatuto traz à tona a necessidade de um olhar mais acurado para a situação de violência a que tantos são submetidos, dá um grande passo ao preconizar que a questão dos maus-tratos deva ser reconhecida como crime punível. A não discriminação por parte dos planos de saúde àqueles com idade avançada, os pressupostos para ações no âmbito do setor saúde, também se configuraram em grande conquista, além de tantas outras desenhadas no escopo do estatuto.

42 Políticas sociais e de saúde para a velhice

Não obstante, ainda há uma longa estrada. Não há como negar as grandes conquistas obtidas para a população que envelhece. Muito se alcançou para aqueles saudáveis do ponto de vista funcional. As ações voltadas para a cultura e o lazer deslancham a passos largos. Faltam ainda iniciativas concretas que, decerto, dependem de outras esferas, de planejamentos mais rigorosos e, sobretudo, de empenho dos vários setores públicos e privados. Muitas são as iniciativas para a construção de políticas que atendam às demandas crescentes da população que envelhece. No ano de 2006, algumas iniciativas demonstram estar em busca da viabilização de ações no âmbito da saúde. Reformas nas políticas de saúde trazem a saúde do idoso como umas das prioridades do ministério e iniciam um grande trabalho na esfera estadual para a pactuação de metas que deveriam ser atingidas anualmente. Essas ações são desdobramentos do Pacto de Gestão, aprovado em fevereiro de 2006, com a Portaria de nº 399, “que implica o exercício simultâneo de definição de prioridades articuladas e integradas em três dimensões: Pacto pela Vida, Pacto em Defesa do SUS e Pacto de Gestão do SUS” (BRASIL, 2006a). As novas iniciativas do Ministério da Saúde aludem a novas condições e intencionam padronizar a assistência ao idoso na atenção básica. No entanto, deparamos com o que pode significar a “letra morta da lei”. Com o advento do pacto de gestão, a Portaria nº 1.395 é revogada dando lugar à Portaria nº 2.528, que aprova a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. A partir daí um conjunto de diretrizes são definidas e protocolos são elaborados. Essa nova política lança um novo olhar sobre a questão do envelhecimento mostrando que, em face da heterogeneidade da população que envelhece, são

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necessárias ações voltadas para um segmento mais fragilizado. Diferente das propostas elaboradas até a década de 1990, que se debruçavam sobre a prevenção, surge um espaço para ações reabilitadoras no sentido de se resgatar a capacidade funcional do indivíduo. O caderno de atenção básica nº 19 — Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa — é um importante protocolo a ser implantado nas unidades básicas de saúde. Porém, vem se mostrando sem grande utilidade, isso porque faltam padronizações e uma proposta de hierarquização das demandas apresentadas pela população idosa. No início do ano 2000, um conjunto de outras portarias foi editado. Apesar de não serem diretamente voltadas para a população idosa, tais portarias incluíam em sua estrutura artigos que beneficiam os usuários dos serviços de saúde que estão na faixa acima dos 60 anos. Aqui podemos citar a Política Nacional de Humanização, a Política Nacional de Promoção e Saúde, a Política Nacional de Redução de Morbimortalidade por Acidentes e Violência e a Política Nacional de Atenção Básica.

Considerações finais acerca das políticas para a população idosa É oportuno lembrar a lentidão das leis que tramitam no país. Da Constituição de 1988 até a promulgação da PNI foram oito anos à espera de um marco legal para direcionar as ações a favor dos idosos, sem levar em consideração as discussões sobre o envelhecimento que se tornaram aparentes em meados da década de 1970. A própria promulgação da PNI passou por um episódio controverso. Será que foi promulgada em decorrência da denúncia de maus-tratos na Clínica Santa Genoveva ou não passou de uma artimanha política que acabou em conflitos de dois candidatos ao governo do estado do Rio de Janeiro? Seja pela razão que for já estava presa nos gabinetes por quase dois anos, e tal episódio forçou o aparecimento de uma lei que há muito já deveria ter sido colocada em prática. Além disso, cabe ressaltar que alguns importantes artigos ainda não conseguiram sair do campo das propostas, como, por exemplo, as alíneas b, c e d do inciso III do artigo 10º que discorre sobre a competência dos órgãos públicos no que tange à educação. Passados 12 anos de sua promulgação, ainda são escassas as iniciativas para a inserção das disciplinas de Geriatria e Gerontologia nas grades

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43 Políticas sociais e de saúde para a velhice


curriculares do Ensino Superior. Nada se ouve falar acerca da inclusão do tema nas diversas modalidades do ensino formal. Em suma, ainda se chega ao mercado de trabalho sem conteúdos importantes acerca de questões inerentes ao processo de envelhecimento. Na esfera da saúde, pouco de se avançou na prática. Na teoria um conjunto de portarias, manuais e protocolos foram elaborados; entretanto, a situação é, ainda, muito precária.

44 Políticas sociais e de saúde para a velhice

Ramos, Veras e Kalache (1987) apresentam importantes considerações sobre o envelhecimento populacional. Nesta época movimentos relevantes foram iniciados no sentido de provocar uma mudança urgente no modo de enxergar o envelhecimento da população brasileira. Chaimowics (1997) aponta importantes questões acerca da transição epidemiológica, aludindo à necessidade de pensar alternativas para um novo cenário brasileiro. Passados mais de 25 anos do início dessas discussões, 16 anos da promulgação da Política Nacional do Idoso e nove do Estatuto do Idoso, Lima e colaboradores (2010) apresentam um retrato do atendimento prestado a idosos vítimas de acidentes e violência no Recife e detectaram um conjunto de inadequações na atenção prestada. Decerto que tais inadequações podem ser percebidas em outros estados, apenas são mostradas de maneira não padronizada. O Pacto de Gestão, de 2006, e seus desdobramentos em prol da população idosa, pode representar um marco na elaboração das políticas voltadas para o segmento mais fragilizado e carente das redes formais de suporte. Questões importantes, como, por exemplo, o cuidado como política, ainda caminham lentamente e por força de movimentos organizados que buscam uma legislação específica que possa responder adequadamente às demandas geradas. A trajetória das políticas para idosos no Brasil se mostra cheia de lacunas. O trabalho técnico é elaborado pautado em esforços individuais; contudo, a falta de continuidade constitui o principal obstáculo para que estas sejam viabilizadas na prática.

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REFERÊNCIAS

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QUEIROZ, Z. Participação popular na velhice: possibilidade real ou mera utopia? O Mundo da Saúde, São Paulo, ano 23, v. 23, n. 4, p. 204-213, jul./ago. 1999. RAMOS, L. R.; VERAS, R. P.; KALACHE, A. Envelhecimento populacional: uma realidade brasileira. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 21, n. 3, p. 211-224, 1987. RODRIGUES, N. C. Política Nacional do Idoso: retrospectiva histórica. Estudos Interdisciplinares sobre o Envelhecimento, Porto Alegre, v. 3, p. 149-158, 2001. SANTOS, W. G. Cidadania e justiça: as políticas sociais na ordem brasileira. Rio de Janeiro: Campus, 1987. cap. 3, 4 e 5. TOMÉ, A. K. L. R. A questão do idoso fragilizado face às políticas sociais: a experiência em um ambulatório de cuidado integral. Trabalho de Conclusão de Curso (Monografia) - CIPI/UNATI, UERJ, 2008.

46 Políticas sociais e de saúde para a velhice

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Principais problemas que acometem a saúde do idoso Tarso Lameri Sant Anna Moscii

Geriatra titulado pela SBGG; residência em Clínica Médica pela UFRJ; membro da

i

Comissão Científica da SBGG-RJ.

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49

RESUMO

ABSTRACT

O aumento da expectativa de vida experimentado pela humanidade no último século, decorrente de diversos avanços socioeconômico-ambientais, propiciou o envelhecimento da população mundial, impondo uma nova ordem e exigindo dos Estados mudanças profundas em seu sistema de saúde e financeiro/previdenciário. Em termos de saúde, temos como resultado deste processo o aumento na prevalência das doenças crônicodegenerativas (cardiovasculares, neoplasias, demências etc.) e, consequentemente, o desafio de utilizar de maneira eficiente e justa os recursos disponíveis, uma vez que estes são limitados, e a demanda, cada vez mais crescente. Além da diminuição da reserva fisiológica relacionada ao processo de envelhecimento normal, o idoso está sujeito à ocorrência de doenças, por vezes concomitantes, produzindo o conceito da multimorbidade. E esta, por sua vez, interfere de variadas maneiras na trajetória de vida do idoso, podendo afetar sua capacidade funcional, qualidade de vida e risco de morte. Dentre os inúmeros agravos à saúde, destacam-se as Síndromes Geriátricas que, por sua relevância clínica e elevada prevalência, constituem os gigantes com os quais a moderna Geriatria e Gerontologia se defrontam.

The increase in life expectancy experienced by humanity in the last century, due to socioeconomic and environmental improvements, allowed the world population to age, imposing a new order and requiring from governments and profound changes in their health, financial and social security systems. In terms of health, this aging trend resulted in an increased prevalence of chronic degenerative diseases (cardiovascular, cancer, dementia, etc.) and has challenged us to efficiently use the available and limited resources on an ever-increasing scenario. Together with the decrease of the physiological reserve related to the normal aging, the elderly patient frequently suffers from multiple diseases — a term called multimorbidity, that interferes in various ways in his life trajectory and may significantly impact their functional capacity, quality of life and risk of death. Among the innumerous health problems old people are liable to, the Geriatric Syndromes are at it’s central core, with a high prevalence and clinical relevance, they constitute giants with whom the modern geriatrics and gerontology must face.

Palavras-chave: síndromes geriátricas, AGA, avaliação geriátrica ampla, delirium, depressão, demência. Educação em Rede

Keywords: geriatric syndromes, CGA, comprehensive geriatric assessment, delirium, dementia.

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Principais problemas que acometem a saúde do idoso


Introdução O século passado foi marcado por diversos avanços tecnológicos, tanto no campo da prevenção e promoção quanto na qualidade da assistência em saúde. No pós-guerra, a reconstrução e aprimoramento dos sistemas de saúde, aliados às grandes descobertas (p. ex., antibióticos, vacinação etc.) e à melhoria nas condições de vida (p. ex., saneamento básico, educação etc.), propiciaram um ambiente favorável para que a humanidade pudesse viver mais e melhor. Os investimentos crescentes nas áreas técnicas e, em especial, na Medicina, permitiram um aprofundamento do conhecimento acerca dos mecanismos básicos das doenças, contribuindo para o desenvolvimento de métodos cada vez mais precoces e eficazes na abordagem inicial e no tratamento das doenças.

50 Principais problemas que acometem a saúde do idoso

A diminuição da taxa de natalidade e de fecundidade, somada ao aumento da expectativa de vida dos indivíduos e progressos tecnológicos, resultou no inexorável processo de envelhecimento da população mundial, que trouxe à tona grandes desafios aos sistemas financeiro e de saúde das nações (Figura 1). Em decorrência do envelhecimento, há um aumento da prevalência das doenças crônico-degenerativas (câncer, doença cardiovascular, demências, osteoartrite etc.) na população, o que demanda estratégias mais complexas e caras de saúde, sobrecarga do sistema previdenciário e necessidade de reformulação das políticas públicas de gestão em saúde e finanças. Enquanto nos países desenvolvidos as mudanças citadas se deram em períodos relativamente longos, nos países em desenvolvimento, como o Brasil, essa transformação tem se dado de maneira muito mais célere, em poucas décadas. Se naqueles, que são nações desenvolvidas, os impactos da população idosa são sentidos em todos os setores da economia e saúde, podemos imaginar as duras consequências que este processo irá impor nestes, que terão de lidar com tais mudanças em menor intervalo de tempo e que têm graves deficiências tanto nos sistemas de saúde quanto nas condições socioeconômicas de sua população.

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Anos de idade

51

Anos de idade

Principais problemas que acometem a saúde do idoso

Figuras 1A e 1B: Gráficos com os dados de evolução das taxas de mortalidade (quantidade de pessoas que morrem por 1.000 habitantes durante um ano) e esperança de vida ao nascer (quantos anos, em média, espera-se que viva um recém-nascido) no Brasil. Fonte: IBGE (2000).

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Envelhecimento, saúde e doenças O envelhecimento normal, conforme descrito no texto “Envelhecimento normal e patológico”, nesta publicação, é um processo natural e inevitável aos seres vivos, em que ao longo do tempo ocorre uma diminuição da reserva fisiológica nos diferentes sistemas (renal, cardiovascular, respiratório, neurológico, imunológico, osteomioarticular etc.) e que pode comprometer de modo variável a capacidade de resposta do indivíduo aos diferentes estressores do dia a dia (esforços físicos, acidentes, infecções, cirurgias etc.). Envelhecemos de maneira variada e heterogênea (Figura 2). O nível de incapacidade acumulada dependerá diretamente das interações entre: (a) alterações fisiológicas da idade, (b) acúmulo de problemas de saúde, (c) desafios do cotidiano, (d) suporte social, (e) capacidade de adaptação. 52 Principais problemas que acometem a saúde do idoso

Envelhecimento populacional

Doenças

Políticas públicas Diminuição da reserva fisiológica

Figura 2: Determinantes do envelhecimento bem-sucedido × mal sucedido. Fonte: Sesc (2012).

À medida que o indivíduo envelhece, ocorre um aumento na prevalência de doenças, em especial das crônico-degenerativas, que, aliadas às perdas fisiológicas relacionadas à idade, podem por sua vez resultar em menor qualidade de vida e maior grau de incapacidade e de risco de morte.

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De maneira importante, no mesmo indivíduo pode haver um acúmulo de condições (doenças), que é o conceito de multimorbidade, e que tem como principais consequências: (1) demanda por maior complexidade de cuidado, (2) maior gasto com despesas de saúde e (3) piores desfechos clínicos (Figura 3). Paciente

• • • • •

Múltiplas consultas Polifarmácia Desgaste psicológico Internação prolongada Visitas à emergência

Multimorbidade

Vulnerabilidade & Mortalidade

• • • •

Médico

Demandas complexas Manejo de múltiplas drogas Dificuldade em aplicar diretrizes Aumento de erros

53 Principais problemas que acometem a saúde do idoso

Figura 3: Consequências da multimorbidade em pacientes idosos. Fonte: Soubhi et al. (2010).

Conforme definição da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 1946, a saúde é definida “como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente ausência de doenças ou enfermidades” (Figura 4).

=

Capacidade funcional e autonomia

Ausências de doenças

Saúde no idoso

Figura 4: Representação que reforça o conceito da OMS em que o idoso saudável é aquele que está ativo, que mantém sua autonomia e capacidade funcional, independentemente da presença ou ausência de doenças. Fonte: DPS/GEA/SESC-DN. Ação de capacitação: Gerontologia. Março de 2012. Slide de Power point.

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Outro conceito importante em Geriatria é o de que, com elevada frequência, os problemas de saúde e as doenças têm apresentação monótona e atípica (p. ex., pneumonia sem tosse ou febre, infarto sem dor no peito etc.). Por este motivo, a avaliação da capacidade funcional é fundamental, pois uma mudança no status funcional do idoso pode ser o primeiro indicativo de que exista um problema de saúde, e deve servir de alerta para todos aqueles envolvidos no cuidado desses indivíduos. Por conseguinte, é considerado saudável o idoso que preserva sua autonomia, mantém-se ativo e participativo em sua comunidade, apesar da presença de doenças.

54 Principais problemas que acometem a saúde do idoso

Todavia, apesar da certeza de que envelheceremos e de que, muito provavelmente, seremos acometidos por doenças, este processo e seus impactos são extremamente variáveis de indivíduo para indivíduo, e podem ser moldados por meio da promoção de hábitos saudáveis, identificação e abordagem precoce dos problemas de saúde e pronta disponibilidade de suporte social adequados.

O papel do geriatra e do gerontólogo A Geriatria é a ciência médica que lida com os problemas de saúde dos indivíduos idosos, tendo o médico geriatra como seu protagonista. A Gerontologia é a ciência que estuda o envelhecimento sob seus aspectos biológicos e psicossociais, e engloba as modalidades não médicas de profissionais que atuam no envelhecimento — assistentes sociais, enfermeiras, nutricionistas, psicólogas, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, odontólogos e outros — correspondendo aos gerontólogos. Assim como não existem cardiologistas suficientes para todos os indivíduos portadores de hipertensão arterial, também não há geriatras e gerontólogos suficientes para atender a todos os idosos, mesmo em países desenvolvidos. E é por esse motivo que se torna fundamental a difusão dos conhecimentos gerontológicos e geriátricos. Em decorrência da complexidade imposta pelas características da população geriátrica (diminuição da reserva fisiológica e multimorbidade), o sucesso da intervenção geriátrica/gerontológica depende de alguns fatores fundamentais:

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• Avaliação abrangente (saúde, doenças e social). • Trabalho em equipe. • Planejamento estratégico — “Plano de ação”. • Implementação das intervenções. • Reavaliação periódica da eficácia das ações realizadas.

Avaliação Geriátrica Ampla — AGA Em Londres (1936), ao constatar as dificuldades em reabilitar pacientes idosos, a cirurgiã Marjory Warren viu a necessidade de realizar uma avaliação ampla, multidimensional e interdisciplinar, contemplando tanto os aspectos biológicos quanto os psicossociais dos enfermos. Como resultado, nasceu a Avaliação Geriátrica Ampla (AGA), cujos principais componentes são:

Principais problemas que acometem a saúde do idoso

• Avaliação clínica (anamnese, exame físico). • Avaliação sensorial (audição, visão, fala). • Estado nutricional e saúde oral. • Equilíbrio e marcha. • Incontinência urinária e fecal. • Saúde mental (cognição, humor, abuso de substâncias). • Avaliação da capacidade funcional. • Avaliação social, ambiental (rede social, segurança ambiental). • Avaliação do cuidador. E para avaliar cada um dos componentes citados, com frequência são utilizados instrumentos sob a forma de questionários, testes de desempenho ou escalas funcionais, como, por exemplo: • Depressão: Escala de Depressão Geriátrica (Yesavage). • Cognição: Miniexame do estado mental (Minimental). • Atividades básicas de vida diária: Escala de Katz. • Atividades instrumentais de vida diária: Escala de Lawton. • Marcha: Tinetti.

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A AGA permite uma avaliação mais ampla, melhor planejamento e utilização dos recursos disponíveis, especialmente em indivíduos frágeis e/ou portadores de multimorbidade (Figura 5). Principais benefícios e utilidades da AGA: • Nível individual. • Maior precisão diagnóstica. • Determina o grau de incapacidade (motora, mental e psíquica). • Permite melhora do estado funcional. • Diminui a quantidade de internações e/ou institucionalizações. • Reduz a mortalidade. • Estabelece metas. • Ajuda na formulação de políticas de saúde institucionais e públicas. 56 Principais problemas que acometem a saúde do idoso

Diagnóstico global

Objetivos da AGA

Plano de tratamento e reabilitação

Gerenciamento dos recursos Figura 5: Objetivos da AGA. Fonte: Freitas et al. (2011, cap. 85).

A AGA é uma ferramenta extremamente abrangente e versátil, podendo ser adaptada aos diferentes cenários (hospitalar, ambulatorial, casa de repouso), e seus componentes podem ser aplicados por diferentes profissionais, desde que devidamente treinados.

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Síndromes geriátricas No adulto jovem, a Medicina tem seu foco no diagnóstico específico das doenças e, a partir daí, em sua abordagem terapêutica. Já na população idosa, portadora de múltiplos problemas de saúde e, portanto, com necessidades complexas de cuidado, esta visão pautada somente no diagnóstico de doenças resulta, frequentemente, em avaliações incompletas e intervenções malsucedidas. Muitas das queixas e problemas de saúde dos idosos não podem ser atribuídos exclusivamente a uma única condição clínica (doença) e, o mais importante, a intervenção direcionada a apenas uma condição, não levando em conta outros aspectos biopsicossociais do envelhecimento e das doenças, dificilmente se mostrará eficaz nesta população. As síndromes geriátricas são condições clínicas muito comuns entre os idosos que, entretanto, não se enquadram necessariamente em categorias distintas das classificações de doenças e, por este motivo, são frequentemente ignoradas e/ou mal-abordadas se utilizarmos o modelo de doença específico aplicado aos pacientes mais jovens.

Principais síndromes geriátricas 1. Delirium Popularmente conhecido como “estado confusional agudo” e extremamente comum na população geriátrica, especialmente nos hospitalizados, o delirium é uma síndrome cerebral orgânica, sem etiologia específica, caracterizada pela ocorrência simultânea de alterações da consciência e da atenção, da percepção, do pensamento, da memória, do comportamento psicomotor, das emoções e do ciclo sono-vigília. Geralmente, tem início agudo (horas a dias), intensidade variável (quadros leves a graves) e curso flutuante, sendo mais intenso ao final do dia e no período noturno (“fenômeno do entardecer”). Sua importância se dá em virtude de sua elevada frequência, que pode variar de 1 a 2% entre os idosos da comunidade a até 70 a 80% dos idosos internados em CTI, e também pelo risco aumentado de desfechos clínicos indesejados: aumento da quantidade e da duração das hospitalizações, maior risco de incapacidade e de morte.

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57 Principais problemas que acometem a saúde do idoso


Por sua natureza multifatorial, o delirium pode ter como origem as seguintes causas/fatores de risco, sendo alguns modificáveis e outros não (Figura 6): • Uso de medicamentos/abuso de substâncias. • Infecções. • Cardiopatias, distúrbios metabólicos, doenças neurológicas, neoplasias, traumatismos. • Mudança de ambiente (confinamento — CTI). Pouco ou não modificáveis

58 Principais problemas que acometem a saúde do idoso

Características do paciente: • Idade • Alcoolismo • Tabagismo

Condições clínicas: • Cardiovasculares • Deficit cognitivo • Doenças pulmonares Modificáveis

Características ambientais: • Admissão via emergência • Isolamento • Confinamento • Sem luz natural • Contenção física

Doença aguda: • Tempo de internação • Febre • Dor • Sondas e cateteres • Drogas e sedativos • Desidratação • Constipação

Figura 6: Fatores de risco/etiológicos do delirium. Fonte: Sesc (2012).

Na abordagem do delirium, a principal intervenção consiste na sua prevenção, com a modificação dos fatores de risco e pronta correção das causas predisponentes. E mesmo quando instalado, muitas vezes o delirium pode ser combatido com as mesmas medidas utilizadas em sua prevenção e, somente em determinadas circunstâncias, o tratamento medicamentoso pode ser necessário.

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2. Depressão Acomete de 4,8 a 14,6% dos idosos da comunidade, podendo atingir até 22% dos hospitalizados. Além da prevalência elevada, a depressão se destaca como uma das principais causas de incapacidade, perda da qualidade de vida e risco de morte na população idosa, que também apresenta alto índice de suicídio. Dentre os critérios diagnósticos propostos pela Associação Americana de Psiquiatria (DSM-IV), destacamos os seguintes sintomas: • Humor deprimido e/ou perda de interesse ou prazer nas atividades cotidianas. • Ganho ou perda de peso não intencional, aumento ou redução do apetite. • Insônia ou hipersonia. • Fadiga ou perda de energia. • Agitação ou retardo psicomotor. • Sentimento de culpa excessiva ou inutilidade.

59

• Capacidade reduzida de pensar ou concentrar-se, indecisão.

Principais problemas que acometem a saúde do idoso

• Pensamentos de morte recorrentes, ideação e/ou tentativa de suicídio. Para o diagnóstico de depressão, não há necessidade de que todos os sintomas citados estejam presentes, mas estes devem causar prejuízo clínico e/ou funcional significativos na vida do paciente e não devem ser decorrentes de uma substância e/ou alguma outra doença. Por vezes, a depressão em idosos pode apresentar sintomas inespecíficos, como queixas de comprometimento da memória e cognição, apatia e sintomas somáticos, sem o predomínio de tristeza, o que dificulta sua identificação. Atenção especial deve ser dada ao aparecimento tardio de depressão, pois esta pode ser a manifestação inicial de um processo demencial. Do ponto de vista terapêutico, uma vez identificada, a depressão deve ser prontamente abordada, quer seja via tratamento psicoterápico, farmacológico ou pela combinação de ambos, sob pena de desfechos clínicos catastróficos quando ignorada.

3. Demência O diagnóstico da síndrome demencial é eminentemente clínico e baseia-se na constatação de comprometimento cognitivo, ocasionando perda funcional (Figura 7).

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Múltiplos deficits cognitivos

Demência

Prejuízo funcional

(social e ocupacional)

Cautela caso esteja em delirium Figura 7: Segundo DSM-IV, diagnóstico de demência é caracterizado por comprometimento da memória + pelo menos 1 outro deficit cognitivo: afasia (distúrbios de linguagem), apraxia (inabilidade de realizar atividades motoras), agnosia (falha em reconhecer ou identificar objetos) e comprometimento da função executiva (planejar, organizar, pensamento abstrato). Fonte: Sesc (2012). 60 Principais problemas que acometem a saúde do idoso

Uma vez confirmada, o segundo passo é a busca pelo diagnóstico etiológico (Tabela 1), quando lançamos mão tanto das informações clínicas (anamnese e exame físico) quanto dos dados obtidos pelos exames complementares (exames laboratoriais, exames de imagem, avaliação neuropsicológica etc.). Tabela 1: Frequência dos tipos de demências.

Tipos de demência

Doença de Alzheimer Demência vascular Demência frontotemporal Demência com corpúsculos de Lewy Outros

< 65 anos

34% 18% 12% 7% 29%

> 65 anos

55% 20% 20% 5%

Alterações comportamentais são extremamente frequentes nas diferentes etiologias de demência, podendo inclusive preceder as alterações cognitivas citadas anteriormente (Figura 8).

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Frequência (% pacientes)

A evolucão dos sintomas psiquiátricos na Doença de Alzheimer: um estudo da história natural

100 80 -

Agitação

6040 20 0-40

Ritmo Circadiano

Depressão Reclusão Social Ideação Suicida

-30

Irritabilidade Perambulação

Ansiedade Paranoia

Mod. Humor

Acusador

-20

-10 Meses: pré

-0

Agressividade

Socialm. Alucinações Inadequado Delírios Comp. Sexual Inadequado

10

20

30

61

pós-diagnóstico

Figura 8: Na Doença de Alzheimer, sintomas psiquiátricos podem preceder os sintomas cognitivos em meses a anos antes que o diagnóstico seja estabelecido. Fonte: Jost e Grossberg (1996).

Os diferentes tipos de demência têm curso variado (início, progressão e grau de incapacidade). Sua prevalência vem aumentando com o envelhecimento da população, consumindo uma fatia cada vez maior dos recursos em saúde, pois exige grande complexidade de cuidado, especialmente nos quadros intermediários e avançados, com complicações clínicas frequentes e necessidade de hospitalização e/ou institucionalização.

4. Iatrogenia e polifarmácia A iatrogenia (do grego iatros — curandeiro; e genia — origem, causa) consiste no resultado das intervenções do ato médico; em sentido mais amplo, é o desfecho final da ação e/ou omissão dos profissionais de saúde em seus pacientes. Embora o termo possa ser aplicado tanto para os efeitos benéficos quanto maléficos, na prática, o termo iatrogenia é utilizado como sinônimo destes, quer sejam intencionais ou não.

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Principais problemas que acometem a saúde do idoso


A polifarmácia é caracterizada pelo uso de múltiplas medicações e é causa frequente de iatrogenia (elevado risco de interações medicamentosas e eventos adversos). Nos idosos, a redução da reserva fisiológica, associada à presença da multimorbidade, torna-os particularmente vulneráveis aos efeitos indesejados da polifarmácia e iatrogenias (Figura 9).

• 12.000 mortes/ano: cirurgias desnecessárias • 7.000 mortes/anos: medicações erradas em hospitais • 20.000 mortes/ano: outros erros em hospitais • 60.000 mortes/ano: infecções hospitalares • 106.000 mortes/ano: efeitos adversos de drogas 62 Principais problemas que acometem a saúde do idoso

Figura 9: Estimativa anual de eventos iatrogênicos nos Estados Unidos. Fonte: Startield (2000).

A polifarmácia e seus resultados indesejados podem ser evitados se seguirmos algumas regras simples na hora da prescrição médica: • A medicação em uso é realmente necessária? • A queixa do paciente pode estar relacionada a alguma droga já em uso por ele? • A medicação está contraindicada em idosos? • Existe redundância na prescrição (remédios semelhantes para o mesmo problema)? • O paciente está tomando a menor dose eficaz do medicamento? • Posso simplificar o esquema prescrito? • Há risco potencial de interações medicamentosas? • O paciente está usando corretamente a medicação? • O paciente está utilizando medicamentos sem prescrição médica?

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5. Quedas Podem ser definidas como o evento no qual o indivíduo, de maneira não intencional, vai ao solo ou a um nível mais baixo do que o anteriormente ocupado. As quedas podem ocorrer em frequência variada e por mecanismos e causas diversos. As características do ambiente, do indivíduo e circunstâncias da queda determinarão as consequências desta (Figura 10). CAUSAS Medicamentos Fraqueza e fragilidade Déficit visuais Deficits Musculoesqueléticas Mentais Mentaiseeneurológicas neuroógicas Cardíacas Cardiíacas Ambientais Outros fatores: bengala, quedas anteriores

EFEITOS Físicos: Lesões, Fraturas, fraturas, hemorragia Hemorragia SNC SNC pneumonia, Morte morte Desidratação, Pneumonia, Imobilidade: Redução da atividade, tônus muscular e mobilidade articular Mental: Depressão, insegurança, medo, restrição de atividades Social: Medo de sair, institucionalização,

Principais problemas que acometem a saúde do idoso

impossibilidade de viajar/ praticar passatempos

Figura 10: Quedas — causas e seus efeitos. Fonte: Sesc (2012).

Indivíduos idosos que já caíram têm um risco em torno de 60 a 70% de queda no ano subsequente. E este risco aumenta nos pacientes em uso de múltiplos medicamentos (polifarmácia), portadores de deficits cognitivos e sensoriais. Dentre as principais complicações das quedas, destacam-se: fraturas, medo de cair, abandono de atividades, modificação de hábitos, imobilização e morte. Por isso, os idosos devem ser inquiridos sobre a ocorrência de quedas e, quando pertinente, seu risco de cair deve ser aferido. Para os que nunca caíram, a prevenção pode ser obtida pela educação, correção dos fatores de risco e estímulo a práticas esportivas (p. ex., tai chi chuan). Já os que caem com frequência, além das medidas preventivas, podem beneficiar-se de programas específicos, multidisciplinares, de reabilitação e prevenção de quedas.

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6. Incontinência urinária Definida como a perda involuntária de urina, constitui uma das mais frequentes síndromes geriátricas, com grande impacto na qualidade de vida dos idosos. Acomete aproximadamente de 23 a 32% das idosas e cerca de 17 a 21% dos idosos, sendo frequentemente associada nestes ao aumento prostático. Dentre as consequências mais temidas, temos o risco de infecções urinárias, quedas e fraturas, úlceras de pressão, interrupção do sono e isolamento social. De acordo com seus mecanismos, podemos classificá-las em incontinência tipo: urgência, esforço, transbordamento ou mistas (associação de mecanismos). Muitas vezes o diagnóstico pode ser obtido apenas pela história clínica e exame físico, entretanto, em determinadas circunstâncias, exames complementares podem ser necessários (p. ex., ultrassom, urodinâmica). 64 Principais problemas que acometem a saúde do idoso

Apesar do impacto negativo na qualidade de vida, comumente, por ser vexatório, o idoso omite a queixa de incontinência urinária e isola-se progressivamente, evitando sair de casa e o convívio social. Por este motivo, este assunto deve ser obrigatoriamente abordado no momento da avaliação geriátrica. De acordo com o tipo da incontinência, diferentes técnicas terapêuticas podem ser úteis, variando de técnicas de reabilitação fisioterápicas a tratamentos farmacológicos e/ou cirúrgicos.

7. Imobilidade e úlceras de pressão A síndrome da imobilização (Figura 11) se caracteriza pelos sinais e sintomas decorrentes da supressão dos movimentos articulares, prejudicando a mudança postural e comprometendo a independência, resultando em incapacidade e morte.

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DÉFICIT DEFICIT COGNITIVO

e/ou MÚLTIPLAS CONTRATURAS

+ • Afasia • Disfagia • Dupla incontinência • Sofrimento cutâneo ou úlcera de decúbito

• Lesões cutâneas fraturas, • Osteoporose, Ostoporose, fraturas, artrose, atrofia atrofiamuscular muscular artrose,

• TVP, isquemia arterial, edema, hipotensão postural • ITU, retenção urinária • Desnutrição, fecaloma, gastroparesia • Depressão, piora cognitiva, delirium • Pneumonia, insuficiência respiratória

Figura 11: Critérios diagnósticos e consequências da síndrome de imobilização. Fonte: Freitas et al. (2011, cap. 96).

65 Principais problemas que acometem a saúde do idoso

Intimamente ligada à imobilidade, as úlceras de pressão são definidas como uma área de lesão de pele e/ou tecidos subjacentes decorrente de pressão extrínseca aplicada sobre a superfície corpórea e que persiste mesmo depois de cessada a pressão sobre o local (Figura 12). Infelizmente, são frequentes nos idosos, especialmente nos frágeis e acamados (hospitalizados e institucionalizados).

Fatores extrínsecos

Fatores intrínsecos

• Contusões

• Imobilidade • Perda de sensibilidade • Idade e biotipo • Comorbidades • Desnutrição • Infecção • Incontinência

• Pressão, fricção e cisalhamento • Calor e umidade • Calor e umidade

Figura 12: Fatores envolvidos na ocorrência das úlceras de pressão. Dano tecidual irreversível já é perceptível em cerca de uma a duas horas de pressão inadequada sobre os tecidos. Fonte: Sesc (2102)

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Considerações finais O envelhecimento da população mundial é um fato concreto e atual, que tende a acentuar-se ao longo das próximas décadas, especialmente nos países em desenvolvimento como o Brasil. O aumento da prevalência das doenças crônico-degenerativas no idoso concorre para o fenômeno da multimorbidade, polifarmácia e suas consequências individuais e coletivas. As síndromes geriátricas são frequentes e constituem exemplos marcantes da necessidade dos estados de reestruturarem seus sistemas de saúde de modo que esses temas sejam abordados de modo abrangente e eficaz, minimizando as incapacidades, preservando a qualidade de vida e reduzindo o risco de morte da população idosa. 66 Principais problemas que acometem a saúde do idoso

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REFERÊNCIAS

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67 Principais problemas que acometem a saúde do idoso


Teorias e aspectos psicológicos, sociais e culturais do envelhecimento Eloisa Adler Scharfsteini

i

Doutora em Psicossociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre

em Linguística Aplicada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Graduada em Psicologia pela Hunter College of the City University of New York. Possui Curso de Especialização em Saúde Mental pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Psicanalista formada pela Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro e Especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Foi vice-presidente de Gerontologia na Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia do Rio de Janeiro – SBGG-RJ – no biênio 2008-2010 e secretária adjunta no biênio 2010-2012. Atualmente é professora no Curso de Especialização em Geriatria e Gerontologia da UnATI-UERJ e na disciplina de Antropologia Médica na Faculdade de Medicina da Universidade Estácio de Sá.

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RESUMO

ABSTRACT

Este texto apresenta Teorias Psicológicas e Sociais do Envelhecimento com ênfase na Teoria Life-Span e na Teoria do Construcionismo Social. Discute a velhice como um conceito complexo e heterogêneo, partindo da premissa que existem múltiplas velhices dependendo do contexto biológico, psicológico, social e cultural da pessoa idosa.

This chapter presents Psychological and Social Theories of Aging stressing the importance of the Life-Span Theory as well as the Social Construcionism Theory. The focus is on aging as a complex and heterogeneous concept, based on the fact of the existence of multiples ways of aging, depending on the biological, psychological, social and cultural context of the aged person.

Palavras-chave: velhice, teorias psicológicas e sociais do envelhecimento.

Keywords: old-age, psychological and social theories of aging.

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Introdução A velhice é um conceito complexo e heterogêneo, não só por abranger um longo período da vida, como também pelas diversas maneiras em que pode ser vivida do ponto de vista biológico, social, psicológico e cultural. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), considera-se velho a pessoa com 60 anos ou mais nos países em desenvolvimento, e com 65 anos de idade nos países desenvolvidos. Além da idade cronológica, podemos pensar na velhice como uma categoria social e também como uma etapa do ciclo vital. É possível envelhecer com independência e autonomia ou de maneira dependente e vulnerável; o que determinará possibilidades de velhice radicalmente diferentes. Ou seja, de que idoso estamos falando? Existe a velhice ou umas velhices?

70 Teorias e aspectos psicológicos, sociais e culturais do envelhecimento

Embora as variáveis biopsicossociais desta etapa da vida que denominamos velhice sejam múltiplas, a existência humana não é regida apenas pelo tempo do relógio ou do calendário, isto é, pelo tempo cronológico. Existe outro tempo: kairós. Este se refere ao tempo da subjetividade, do inconsciente, um tempo por excelência acronológico, no qual fatores como a idade, as rugas e a cabeça branca, se a pessoa é branca ou negra, se é rica ou pobre, se é aposentada ou viúva assumem significados distintos para cada pessoa de modo único e singular. É dentro desta perspectiva temporal que situamos a velhice, compreendendo a relação dialética imposta ora por Kronos, ora por Kairós, como discutiremos neste texto.

Rastreamento histórico Desde sempre, na história da humanidade, a velhice foi objeto de elogio ou de desprezo. No Egito Antigo, em 2500 a.C., Ptah-hotep, filósofo e poeta, descreveu a velhice da seguinte maneira: Como é penoso o fim de um velho! Ele se enfraquece a cada dia; sua vista cansa, seus ouvidos tornam-se surdos; sua força declina; seu coração não tem mais repouso; sua boca torna-se silenciosa e não fala mais. Suas faculdades intelectuais diminuem, e lhe é impossível lembrar hoje do que aconteceu ontem. Todos os seus ossos doem. As ocupações que até recentemente causavam prazer só se realizam com dificuldade, e o sentido do paladar desaparece. A velhice é o pior dos infortúnios que podem afligir um homem. O nariz entope, e não se pode mais sentir nenhum odor (Beauvoir, 1990).

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Ao contrário desta descrição trágica da velhice, Confúcio, no ano de 551 a.C., descreveu a velhice como um período libertador e de apogeu da existência humana: “Aos 15 anos, dispus meu coração para estudar; aos 30, me estabeleci; aos 40, não alimentei mais perplexidades; aos 50, fiquei conhecendo os mandamentos celestiais; aos 60, nada do que ouvia me afetava; aos 70, pude seguir os impulsos do meu coração sem ferir os limites do direito” (Beauvoir, 1990). Portanto, desde os tempos mais remotos, sábios e filósofos consideraram a velhice ora como uma época de declínio e descaso, ora como de apogeu e privilégio. Apesar de o conceito de velhice estar fundamentado nesta contradição milenar, uma vez que ela representa o maior infortúnio da condição humana, que é a consciência da própria finitude e da proximidade da morte, o contexto histórico em que ela se insere também é determinante. Segundo Beauvoir (1990), em tempos de guerra, quando a força física era necessária para o combate, os velhos foram colocados em ostracismo, como foi o caso da Idade Média. Já na Grécia Antiga a velhice foi associada à ideia de honra e o chefe da polis era assistido por um conselho de anciãos. Tanto que os prefixos Géra e Géron não só significam a idade avançada, mas também o privilégio da idade e o direito da ancianidade. Em síntese, no decorrer da História tanto os velhos foram enaltecidos como excluídos da vida pública, dependendo do contexto político e social em questão (BEAUVOIR, 1990). Na vida contemporânea observamos que este mesmo paradoxo continua atual, daí o surgimento de expressões como “melhor idade”, “feliz idade” para designar o que talvez continue sendo senão o pior dos infortúnios da condição humana, talvez a pior ameaça — a velhice como etapa final do ciclo vital e, consequentemente, a confrontação com a inexorabilidade da morte. Em contrapartida, embora ainda dentro dessa dualidade da velhice como objeto de elogio ou desprezo, o surgimento do termo terceira idade introduziu um novo ethos, estilo de vida, no modo de se viver a velhice no mundo contemporâneo (LASLETT, 1996). Foi em 1973 que Pierre Vellas fundou as Universités du Troisième Age (Universidades da Terceira Idade), em Toulouse, França. Estas nasceram com o objetivo de tirar os idosos do isolamento, propiciando-lhes saúde, energia e interesse pela vida (PALMA, 2000). Inaugurava-se, então, um período de construção de uma nova imagem de velhice, um tempo de vida ativa, participativa em oposição à imagem da velhice desvalida. Em 1981, em Cambridge, Inglaterra, surgem as Universities of the Third Age (Universidades da Terceira Idade) e no Brasil, no final da década de 1980 e início dos anos 1990, surgem as UnATIs— Universidades da Terceira Idade.

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Cabe sublinhar que esta nova imagem da velhice valorizada ocorreu entre as décadas de 1970 e 1990, e um marco importante desta nova era foi a obra clássica de Simone de Beauvoir intitulada A velhice, escrita em 1970. Em termos da realidade brasileira, a década de 1990 foi o grande marco desta mudança de paradigma, com a criação das Universidades Abertas para Terceira Idade, Centros de Convivência para Idosos, o movimento liderado pela Associação dos Aposentados, em 1991, conhecido como “a luta pelos 147%” em prol de melhores aposentadorias, e a criação da Política Nacional do Idoso, em 1994. Em outras palavras, o século 20 testemunhou o nascimento da Gerontologia, termo cunhado por Elie Metchnikoff em 1903, e da Geriatria, em 1909, por Ignatz L. Nascher. Nessa época, o foco dos estudos relativos à velhice era de caráter biomédico, e só a partir da segunda metade do século 20, de 1950 a 1970, é que surgiram os estudos com base no desenvolvimento ao longo da vida, como discutiremos a seguir. 72 Teorias e aspectos psicológicos, sociais e culturais do envelhecimento

Teorias psicológicas do envelhecimento Desde o início do século 20, a Psicologia via a velhice como uma etapa de declínio, realidade que influenciou de maneira categórica os estudos psicológicos e sociais do envelhecimento. Essa compreensão se deve à herança que advém da Teoria Evolucionista de Darwin (1801-1882) que influenciou a Psicologia do final do século 19 e início do século 20. Segundo o darwinismo, o desenvolvimento individual se faz em uma trajetória de crescimento, culminância e contração (NERI, 2011). Ou seja, depois de cumprida a meta da reprodução da espécie, o organismo entraria em declínio, pois já teria cumprido a sua funcionalidade para preservação da espécie humana. Em síntese, na velhice não haveria desenvolvimento possível, a vida seguiria uma curva descendente de maneira definitiva e inescapável. Tendo o darwinismo como referência científica da época, surgem os diversos paradigmas, isto é, visões de mundo, determinantes na construção de teorias que procuram conhecer como e por que determinado fenômeno acontece (NERI, 2002; SIQUEIRA, 2002). Assim, podemos citar alguns paradigmas que determinaram a visão da velhice como etapa de declínio na primeira metade do século 20, tais como o paradigma mecanicista, o organicista, o dialético e o contextualista. Surge, porém, na segunda metade do século 20, um novo paradigma conhecido como life-span, que diferentemente dos anteriores, propõe o desenvolvimento ao longo de toda a vida.

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De acordo com o paradigma mecanicista, o ser humano reagiria passivamente a forças, em vez de criá-las. Dito em outras palavras, o desenvolvimento humano era visto como resultante de funções estímulo-resposta, sem a intervenção de uma mente interpretativa. Os teóricos da época foram Watson (1878-1958) e Skinner (1904-1990). Dessa maneira, envelhecer era o oposto de aprender, fortalecendo a noção que o avançar da idade acarretaria em mudanças biológicas que diminuiriam as capacidades de aprendizagem do indivíduo (NERI, 2002). Ao contrário, o paradigma organicista compreende o desenvolvimento como o resultado da intervenção ativa do indivíduo que interpreta e modifica o mundo externo, acrescido de sua herança hereditária e do processo de maturação (NERI, 2002). Esse paradigma segue o modelo de mudança ordenada, caracterizado pela sucessão de estágios propiciados por determinantes sociais, históricos e culturais. Dentro dessa abordagem podemos destacar a Teoria de Desenvolvimento do Pensamento na infância e adolescência de Piaget (1925); o Desenvolvimento Psicossexual concebido por Sigmund Freud (1905 — 1967) e a Teoria do Desenvolvimento de Erik Erikson (1950), dentre outras. A Teoria do Desenvolvimento de Erikson se fundamenta nos paradigmas organicista e dialético, entendendo o desenvolvimento como um processo ordenado de mudanças determinadas pelas diferentes idades que caracterizam ciclos que se sucedem em crises evolutivas. O paradigma dialético é centrado na mudança, com ênfase na interação recíproca entre as contradições. À guisa de ilustração, a Teoria de Erikson divide o ciclo vital em oito fases ou idades da vida. Cada etapa é caracterizada por uma tarefa evolutiva e por uma contradição básica que gera um conflito ou crise determinante para o desenvolvimento do indivíduo: • Fase bebê — confiança × desconfiança • Infância inicial — autonomia × vergonha e dúvida • Idade do brinquedo — iniciativa × culpa • Idade escolar — trabalho × inferioridade • Adolescência — identidade × confusão de papéis • Idade adulta — intimidade × isolamento • Maturidade — geratividade × estagnação • Velhice — integridade do ego × desespero

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Ainda dentro da perspectiva eriksoniana, a ênfase se dá no desenvolvimento psicossocial, ou seja, há uma marcante influência do processo de socialização, como veremos no paradigma contextualista. De acordo com este, o indivíduo e o ambiente social interagem em uma via de mão dupla, coparticipando no processo de construção da trajetória de desenvolvimento individual. Havighurst (1900-1990) e Neugarten (1916-2001) são os teóricos que se destacaram dentro dessa abordagem, responsáveis pelo programa acadêmico sobre maturidade e velhice da universidade de Chicago, nos anos 1940. Segundo eles, os indivíduos e coortes internalizam o “relógio social” de pertencimento a um grupo etário ou a uma geração (NERI, 2002).

74 Teorias e aspectos psicológicos, sociais e culturais do envelhecimento

E para concluir, temos o Paradigma Life-Span que representa a corrente dominante na Psicologia do Envelhecimento. Esse paradigma do desenvolvimento ao longo da vida surgiu na segunda metade do século 20, entre 1950 e 1970, com a contribuição do psicólogo alemão Klaus Riegel, radicado nos Estados Unidos. De acordo com Riegel (1976), o desenvolvimento humano é um processo que dura a vida toda e se caracteriza por influências de ordem inato-biológica, individualpsicológica e natural-ecológica. Qualquer uma delas pode ser fonte de influência esperada ou inesperada, tanto em termos individuais como coletivos. Considerase um período de desenvolvimento dito normal como sendo aquele em que essas fontes estão em harmonia (NERI, 2011). Portanto, o desenvolvimento não segue um curso linear, como proposto pelos organicistas, mas uma tensão constante que é adaptativa e propiciadora do desenvolvimento. Em síntese, o paradigma life-span, de natureza pluralista, considera múltiplos níveis e dimensões do desenvolvimento, que é visto como um processo interacional, dinâmico e contextualizado (BALTES; SMITH, 2004). Como podemos observar, as teorias e os paradigmas psicológicos do envelhecimento apresentadas até o momento são oriundos de teorias advindas da Psicologia, da Sociologia e da Antropologia. Atualmente, a tendência predominante na Psicologia do Envelhecimento é de teorias que trabalham com aspectos específicos do envelhecimento, tais como a inteligência prática, a memória, as estratégias de enfrentamento, dentre outras. Como exemplo de uma dessas teorias atuais, podemos citar a Teoria da Seletividade Socioemocional, de natureza life-span, criada por Laura L. Carstensen, na década de 1990. Segunda essa autora, há uma mudança característica no comportamento emocional dos idosos e um declínio nas suas interações sociais que advêm da necessidade básica de adaptação frente às mudanças biopsicossociais

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trazidas pelo envelhecimento. De acordo com essa abordagem, os idosos, frente às suas limitações físicas e psicossociais específicas, preferem as relações sociais mais significativas, sobretudo as familiares. Da mesma maneira, as realizações são de curto prazo e há uma reorganização de metas. A título de uma breve digressão, vale lembrar que Carl Gustav Jung, em 1930, já compreendia a primeira metade da vida humana como aquela caracterizada pelo envolvimento com o mundo externo, enquanto que a segunda metade da vida envolvia predominantemente a consciência da finitude e se caracterizava pelas demandas da vida interior.

Teorias sociais do envelhecimento A Teoria do Desengajamento ou Afastamento de Cumming e Henry (1961) e a Teoria da Atividade de Havighurst (1968) tiveram uma grande influência na Gerontologia. A primeira, de alguma maneira, vinculando-se a questões relacionadas à institucionalização dos idosos pelo viés da exclusão social, enquanto que a Teoria da Atividade deu subsídios aos programas sociais dos chamados Grupos de Terceira Idade. A Teoria do Desengajamento foi desenvolvida a partir de uma pesquisa com 275 residentes de Kansas City, na faixa etária entre 50 e 90 anos, física e financeiramente autossuficientes. Observou-se uma diminuição significativa na quantidade e frequência das interações sociais desses idosos, assim como um envolvimento emocional menor. Acreditava-se que havia uma acomodação gradual e um afastamento inevitável, de modo recíproco, tanto do idoso quanto da sociedade. Esse desengajamento era proposto como requisito básico para manter o equilíbrio do sistema social (SIQUEIRA, 2002). A Teoria da Atividade surgiu inicialmente como o oposto da anterior, e depois foi vista como sua complementação. Havighurst propôs que a diminuição de atividades físicas e mentais seria responsável pelo surgimento de doenças psicológicas e pelo retraimento social do idoso. Dentre outras teorias sociais, destacamos a Teoria do Construcionismo Social, com as pesquisas de Berger e Luckmann (1966) cujo foco é o comportamento do indivíduo dentro do contexto social. Portanto, o comportamento individual constrói a realidade social e é construído por ela em uma via de mão dupla. Os fatos sociais não são fixos e estáticos, mas são construídos, negociados, transformados, modelados e organizados por seres humanos que buscam dar sentidos aos acontecimentos que ocorrem no mundo.

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Em qualquer sociedade, apenas um grupo restrito de pessoas preocupa-se com a interpretação teórica do mundo de acordo com o conhecimento da realidade social por eles construído. Em decorrência disto, a questão central do construcionismo social é que o significado é um produto da interação social do dia a dia, assim como o foco da sociologia do conhecimento é analisar a construção social desta realidade (BERGER; LUCKMANN, 1997). Em síntese, a Teoria do Construcionismo Social propõe o questionamento contínuo em relação ao conhecimento legitimado pela sociedade, ou seja, o que torna um conhecimento natural e legitimado é na verdade uma construção social de indivíduos sócio-historicamente situados.

76 Teorias e aspectos psicológicos, sociais e culturais do envelhecimento

Dentro desta perspectiva o conceito de velhice pode ser definido como uma categoria social, além de ser um destino do indivíduo. É no contexto do final do século 19 e no século 20, com o primado da juventude pelo seu potencial reprodutivo e produtivo, que a velhice, enquanto uma etapa da existência humana, passa a ocupar um lugar marginalizado no processo social. Velhos são aqueles que já realizaram seu processo de vida e para os quais a morte se apresenta como o único destino possível. Essa é a lógica perversa da sociedade contemporânea, que retira do sujeito a sua possibilidade de viver o presente e o futuro no contexto social em que está inserido, ou seja, em face dessa falta de lugar social que provoca a desnarcização do sujeito idoso, promovem-se organizações psíquicas patológicas resultantes dessa impossibilidade de temporalização do sujeito (BIRMAN, 1995). Segundo o psicanalista Birman, a falta de lugar simbólico destinado à velhice é uma construção da modernidade ocidental, e a pessoa idosa só poderá resgatar sua condição de sujeito quando puder transformar as perdas reais impostas pela velhice em ganhos reconhecidos simbolicamente pela cultura, ou seja, quando o idoso ocupar o lugar de agente social responsável pela transmissão de valores ancestrais e da memória coletiva.

Estudo de caso Para ilustrar a construção da identidade social da pessoa idosa dentro de um contexto situado, apresentarei a seguir, resumidamente, um estudo de caso da minha dissertação de mestrado. Trata-se de um relato de uma pessoa de 76 anos, mulher, velha, pobre, mestiça, deprimida e precariamente alfabetizada, ou seja, portadora de múltiplas identidades desvalorizadas no contexto da sociedade ocidental contemporânea.

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O contexto interacional foi a sala de aula da Universidade Aberta para Terceira Idade, UnATI-Uerj, no curso “Em busca de um viver criativo”, coordenado por mim, em 1993. A dinâmica interativa se deu de maneira informal. Os participantes, todos idosos com mais de 60 anos (requisito básico para se inscrever no programa), sentavam-se em círculo e os turnos de fala se alternavam espontaneamente, mais próximos da dinâmica terapêutica do que da interação formal convencional em sala de aula, onde a professora determina quem fala e sobre que tópico deve falar. De fato, era um grupo de reflexão, um grupo de conversa coordenado por uma professora/psicóloga. “Do desamparo ao sonho” é como me refiro ao trabalho com Paula, nome fictício da aluna, que teve a duração de dois anos e meio, aqui apresentado em seis etapas que correspondem aos semestres do ano letivo, intituladas com frases ditas pela própria aluna. Etapa 1 — “Quando eu comecei eu não tinha nem palavra [...].”

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Paula manteve-se silenciosa nesse período, não falava nem escrevia, como as demais colegas do grupo, mas frequentava as aulas assiduamente. Em certo momento, perguntei-lhe o que estava se passando com ela e como estava percebendo o trabalho feito em sala de aula. Ansiosa, respondeu-me que não sabia ler nem escrever, porém ouvia atentamente o que era discutido em sala de aula, e de noite, quando colocava a cabeça no travesseiro, rememorava o que havia sido falado na aula. A partir dessa comunicação da aluna, resolvi aguardar, compreendendo a sua necessidade de tempo para elaborar o que estava ouvindo, assim como respeitar o seu jeito particular de se inserir no grupo, naquele momento, com a voz do silêncio. Nessa ocasião contou-me que carregava um vidrinho de veneno na bolsa, pois não via mais possibilidade em viver, tal era o seu desânimo e desistência em relação à vida. Chegara à Universidade Aberta para Terceira Idade porque a filha a matriculou no programa e insistiu que fosse até lá. Etapa 2 — “É isso aí. Minha voz parece até que melhorou.” A aluna começou o semestre trazendo-me cópias que fizera de revistas e jornais, inclusive uma cópia sobre a vida do Aleijadinho que encontrara em um catálogo antigo de telefone. Vale lembrar que Paula era nascida no interior de Minas e, portanto, a escolha em transcrever a vida do Aleijadinho pode ser vista como uma representação no resgate da reconstrução de sua identidade individual e social.

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Sugeri-lhe, então, redigir os próprios textos, como suas colegas estavam fazendo desde o semestre anterior. E, para minha surpresa, Paula escreveu o seu primeiro texto, do qual transcrevo um breve fragmento: Unati e a vida dos idosos eu penço assim porqué condo eu vim a primeira vez eu fiquei tão nervosa que não podia nem converçar estava deprmida com deprepção. Eu estav tristi da minha vida qeria morer não quria mães viver so tinha tristeza 78 Teorias e aspectos psicológicos, sociais e culturais do envelhecimento

não tinha mais esperança da vida pór causa da minha idadi pencava que não ia adiantar mães enganei porqui nuca e tardi para si feliz [...]

Embora Paula não tenha conseguido ler o seu texto em voz alta, ficando sem voz e com taquicardia, pôde interagir com o grupo com seu texto escrito e com a linguagem corporal. A aluna solicitou-me que lesse o seu texto para a turma, e quando acabei ela se levantou com um sorriso no rosto e cumprimentou com um aperto de mão cada um dos participantes do grupo. Foi um momento muito emocionante para todos nós. A título de esclarecimento, o formato do texto anterior, escrito pela aluna, seguiu o formato de poesia como fora apresentado por outras colegas da turma. Etapa 3 — “Eu quando estou sqrevendo sinto muito feliz.” Etapa 4 — “Minha vida é muito triste. Mas tô satisfeita que eu tô vivendo, tô viva.”

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Nesta etapa Paula trouxe um texto escrito com base em um conto de Clarice Lispector, “A procura de uma dignidade” (1974), no qual a protagonista acaba se matando, e, diferentemente da senhora do texto de Lispector, Paula reitera que é melhor viver na velhice do que morrer no suicídio! Etapa 5 — “Eu estou aprendendo a conviver com as pessoas, coisa que eu não fazia, nunca tive oportunidade de ficar assim, falar com as pessoas estranhas, né? Só ficava em casa.” Etapa 6 — “Era que me arrumava pra uma festa a onde eu ia falar. O meu cabelo lindo refletia vermelho [...].” Nesse período eu não estava mais na universidade e Paula me enviou um cartão no Dia do Mestre, relatando um sonho que tivera com as seguintes palavras: “[...] o meu vestido era um tom azul. Cheio de pano lindo. O meu corpo era jovem, minhas pernas gostavam do contato da seda [...].” Podemos observar, portanto, como esta senhora deprimida com ideias suicidas pôde se reconstruir como sujeito a partir de um contexto interacional que a reconheceu como sujeito, e, por sua vez, esse contexto institucional (a universidade) a reconheceu como indivíduo avalizado por um contexto também reconhecido e valorizado pelo imaginário social.

Considerações finais A partir das considerações apresentadas neste texto, reiteramos que os conceitos de juventude e velhice são construções sociais legitimadas. Vivemos em uma sociedade cujo valor jovem é um bem a ser conquistado a qualquer preço, em qualquer idade, acreditando-se que, uma vez que se adote estilos de vida condizentes e se consuma produtos adequados, poderá se manter a eterna juventude. Ao contrário do elixir da juventude, propomos pensar a existência humana como um eterno vir a ser. Daí a importância de se estar em contínuo movimento, como uma maneira de se manter a energia de vida que, esta sim, dá brilho e luz à pessoa, à revelia de sua idade e do seu corpo físico.

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REFERÊNCIAS

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NERI, A. L. Teorias psicológicas do envelhecimento: percurso histórico e teorias atuais. In: FREITAS, E. V.; PY, L. (Ed.). Tratado de geriatria e gerontologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. PALMA, L. Educação permanente e qualidade de vida: indicativos para uma velhice bem-sucedida. Passo Fundo: UPF, 2000. PY, L. et al. Tempo de envelhecer: percursos e dimensões psicossociais. Holambra: Ed. Setembro, 2006. SCHARFSTEIN, E. A. Discurso e identidade: uma visão sócio-construcionista da velhice. 159 f. Dissertação (Mestrado em Letras) - Faculdade de Letras, UFRJ, Rio de Janeiro, 1997. SIQUEIRA, M. E. C. Teorias sociológicas do envelhecimento. In: FREITAS, E. V.; PY, L. (Ed.). Tratado de geriatria e gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.

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Ocupação do tempo livre e relações intergeracionais Dulcinéa da Mata Ribeiro Monteiroi

Graduada em Psicologia, Pedagogia e Filosofia; com especialização em Gerontolo-

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gia, Psicologia Médica e Psicopedagogia. Professora de cursos de especialização em Geriatria e Gerontologia e Psicologia Junguiana. Psicóloga clínica; analista junguiana; gerontóloga da SBGG. Consultora em aposentadoria; coordenadora e palestrante dos Programas de Preparação para Aposentadoria. Mestre em Educação.

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RESUMO

ABSTRACT

Tempo não é o que acaba com o velho, mas o que dá acabamento a ele. Explorar as nuances do tempo kairótico, próprio do envelhecer e como saborear as possibilidades que se apresentam na ocupação deste novo tempo de vida. Para isto, necessário se faz explorar as relações intergeracionais com suas ricas possibilidades e conflitos. Sucesso é ser feliz!

Time isn’t what does away with the elderly, it is what gives finishing to it. To explore the nuances of kairotic time, which is proper of aging is like savoring the possibilities that present themselves during this new time of life. For this it becomes necessary to explore intergenerational relationships with their rich possibilities and conflicts. Success is being happy!

Palavras-chave: tempo, envelhecimento, aposentadoria, reinventar-se, convívio intergeracional, limites e potencialidades, relação puer-senex.

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KEYWORDS: Time, aging, retirement, reinvent yourself, intergenerational familiarity-limits and potentiality, puer-senex relationship.

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Introdução Tempo, tempo, tempo, tempo Entro num acordo contigo Por seres tão inventivo e pareceres contínuo Tempo, tempo, tempo, tempo És um dos deuses mais lindos — Oração ao Tempo, Caetano Veloso

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Tempo, objeto de saber imediato hoje, ontem, amanhã, antes, depois, passado, presente, futuro, mas se insistir iremos para as aporias, entraremos no espaço do enigma. Mas que ele é senhor de destinos, como cantou o poeta, sem dúvida o é. Falar do tempo é falar da vida, portanto, é falar do envelhecer, das marcas que vão sendo talhadas no corpo e na alma por este compositor dos destinos. Justamente essa consciência da temporalidade, da passagem e da finitude é que nos permite ressignificações, e quanto mais aceitarmos esta realidade na perspectiva proposta por Nietzsche (2000) — Amor fati — é assim que é, mais estaremos abertos ao milagre do viver e do envelhecer. Que tempo é este? O que acaba com a vida e com o velho, ou o que dá o acabamento ao velho, permite que se burile o caráter, como propõe Hillman (2001). Portanto, na perspectiva da psicologia junguiana, velhice não pode ser acidental, ela é necessária à condição humana. Assim, para explicar o envelhecimento pode se recorrer à biologia e à fisiologia, mas para se compreender o envelhecimento, precisamos da psicologia e da ideia do caráter em primeiro plano. Envelhecer implica nos tornarmos a pessoa que viemos a ser mas que já éramos, viver o Processo de Individuação — desenvolvimento ao longo de toda vida, para se tornar a pessoa que se é, nada além ou diferente, atualizar o próprio self. Sendo assim, podemos afirmar que Jung foi o precursor da visão life span, pois ele revisionou a psicologia na perspectiva do envelhecimento. Platão (apud Hillman, 2001, p. 49), em sua obra A República, relata um diálogo entre Sócrates e o velho Céfalo. Sócrates pergunta a Céfalo o que ele tem a dizer sobre a velhice. Este responde que para “a triste ladainha de todos os sofrimentos pelos quais culpam a velhice [...] existe apenas uma causa, Sócrates. Não é a velhice, mas o caráter do homem.” O tempo passa? Ou nós passamos? Na realidade nós é que passamos, mas o que importa é seguirmos sendo eternos aprendizes. Kubler Ross (2004) disse: “Todos estamos matriculados na escola da vida, onde o mestre é o tempo.”

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A vida profissional no mercado de trabalho delineia-se em dois momentos, que podemos chamar de primeiro tempo: a preparação e a realização no mercado de trabalho, em que há uma predominância dos valores do Ter; e o segundo tempo: aposentadoria, com uma predominância dos valores do Ser e que muitas vezes “pode ser entendida como a porta de entrada para a velhice, por quase sempre coincidir como o início da chamada terceira idade” (PACHECO; CARLOS apud FREITAS; PY, 2011). Processo difícil pois muitas são as transformações, as mudanças de rumo e perspectiva que se fazem presentes. Com todas essas mudanças uma ressignificação essencial se faz necessária — o sucesso passa a ser não mais o dinheiro e a fama, mas, sim, ser feliz. Falar de aposentadoria é falar também de tempo livre e do lazer, de um novo fazer, mais lúdico, mais integrado e mais alegre. Temos os binômios trabalho-dever e trabalho-prazer, a articulação ou oposição entre eles, faz toda a diferença nesta época da vida! Homem faber que trabalha também é o homem ludens que brinca, díade que se alterna ao longo da história, entre tantas outras demens, sapiens, economicus. A palavra trabalho vem de tripallium, de origem latina, aparelho de tortura e dor. Na Antiguidade o trabalho, principalmente o manual, era desvalorizado, o ócio era o espaço que permitia a criatividade e o pensar filosófico. Na Idade Média resgatase a dignidade do trabalho, que de alguma maneira seguia as estações naturais e estava integrado ao ritmo da natureza, com celebrações e festas. Com a revolução religiosa do século 16, o trabalho passa a ser mais valorizado, inclusive moralmente, com radical negação do tempo livre e lazer. Mente vazia era a oficina do diabo. Lembremos que a palavra negócio significa literalmente a negação do ócio. Com a revolução industrial a condenação do lazer se intensifica e chegamos aos tempos atuais, onde vivemos o chamado Padrão Inatingível, cobrança de desempenho e trabalho, pois time is money. Desde o século passado, com a chamada revolução social, resgata-se o valor do lazer, sendo que ele está explícito em nossa Constituição Federal como direito do cidadão. Lazer e educação, lazer e esporte, lazer e cultura, se fazem cada vez mais presentes, abrindo espaço em órgãos públicos, secretarias de governo, portanto, plena valorização do lazer. O lazer é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou ainda para sua informação ou formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora após se livrar ou desembaraçar das obrigações profissionais, familiares e sociais (DUMAZEDIER, 1973).

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Apologia maior para usufruir o tempo livre ou não, tem sido propagada por Domenico de Masi (2000), pois o ócio criativo está articulado a acreditar que o trabalho se confundirá com o tempo livre, estudo e jogo; ele diz: “Enfim, o futuro é de quem exercitar o ócio criativo.” Em sintonia, muitos séculos antes, Nietzsche (2000) já dizia que devemos viver/trabalhar com a seriedade com que a criança brinca.

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Aposentadoria, palavra cujo significado advém de voltar aos aposentos da casa, passa a ser ressignificado, como voltar para os aposentos, mas de si mesmo, mergulhar mais na demanda da interioridade e sentido de vida. De fato, o que nunca pode ser abandonado é o desejo de continuar perseguindo ser feliz, de dar vazão aos Sonhos e Planos que permanecem em cada um de nós, em qualquer idade, sejam eles quais forem. Na sabedoria de O profeta, Kalil Gibran, ao falar do trabalho, diz: “O trabalho é o amor feito visível” (1969, p. 27), neste sentido, nossa meta deve ser estar sempre trabalhando, independentemente da inserção no mercado de trabalho, colocando nossas habilidades na vida, assim seremos felizes, pois estamos nos amando. A concepção antiga de aposentar e voltar para os aposentos está articulada ao paradigma cartesiano, vivencia-se o conhecido kit aposentado, como foi bem representado no filme Chuvas de verão, pijama, chinelo, parar, acabar... Mas esse conceito está mudando. Podemos perceber a aposentadoria como ponto de mutação na perspectiva do paradigma quântico, passamos, de fato, a ter consciência de que após a aposentadoria teremos em média entre 20 e 30 anos de vida pela frente. Portanto, época de recomeçar, prosseguir e buscar plenificar o viver. Tempo de viver passa a ser cada vez mais o agora. Viver o agora, é estar inteiramente no gerúndio — vivendo, escolhendo, amando, rindo, trabalhando, gostando, odiando, errando, esperando..., como nos ensinou o antigo filósofo Heráclito. Arnaldo Antunes, em sua música Envelhecer, diz que é a coisa mais moderna que existe, pois se renova a cada dia; interessante modo de ver, não? Assim, somos convocados a sair do modelo cartesiano do declínio para assumirmos o modelo do desenvolvimento. Idade como possibilidade para o desenvolvimento da personalidade, como o Processo de Individuação proposto por Jung (1984), onde o tempo passa a ser visto como o que dá acabamento e não o que acaba com o velho. Os gregos tinham a sabedoria de nomear dois deuses para explicitar o tempo. Kronos, que nos fala de um tempo linear, do relógio, tempo objetivo, e Kairos, do

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tempo circular, do pulsar interior, tempo subjetivo, onde um minuto pode parecer uma eternidade e vice-versa. Qual seria o tempo a ser privilegiado pelos velhos? O tempo Kairótico, pois esta dimensão do tempo pode nos ensejar a ser cada vez mais seres revolucionários e gerativos, a ser protagonistas e não coadjuvantes de nossa vida. “O tempo pode ser medido com as batidas de um relógio ou pode ser medido com as batidas do coração”, diz Rubem Alves (1990); este é o tempo Kairótico e o mais propício ao envelhecer. Outras classificações nos falam de diferentes tempos: biológico, psicológico cronológico, subjetivo, social, cultural, secular, sagrado... Mas independentemente de como definimos e vivemos esses tempos, o que importa é crer, como Guimarães Rosa (1984), que “a coisa não está nem na partida, nem na chegada. Ela se dispõe para gente é na travessia”. Tempo de liberdade para ser dono do seu tempo, realizar sonhos, concretizar projetos novos e viver a vida não vivida, pois ao longo de nosso peregrinar quantos dons, desejos deixamos ficar à beira do caminho. Agora pode ser o tempo do resgate, por que não? Há diferença entre homens e mulheres com a aposentadoria e a ocupação do Tempo Livre? Sim? Não? A resposta é afirmativa. Estudos revelam que o homem é por essência caçador, quer sempre atingir um alvo, seja ele trabalho, esporte etc., sua prioridade, sua realização está no que fazer, ele tem que se ocupar de algo, ter foco, ter resposta... Com a aposentadoria/velhice o cérebro de caçador fica ocioso, pois ao longo da vida a maioria se focou no trabalho. E agora, José? Com isso, muitas vezes pode ocorrer uma perda da identidade, ele não sabe literalmente o que fazer e até quem é ele, portanto, pode advir isolamento, depressão... A mulher por essência é polivalente, tem interesses diversificados, e a prioridade de sua realização está articulada aos relacionamentos, família, amigos... Com a aposentadoria/ velhice elas se sentem com mais espaço para tocar sua vida, ter mais tempo para... Portanto, as mulheres sentem-se mais inseridas nas possibilidades de realização que o tempo livre lhes oferece. A realidade demográfica da população brasileira apresenta a chamada feminização da velhice; temos no Brasil 20 milhões de idosos, sendo que as mulheres representam 55,7% desta população, segundo dados do IBGE. Elas estão mais inseridas na vida doméstica, nas atividades extradomésticas, nas organizações, viagens..., portanto, mais ativas.

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Ocupação do tempo livre Envelhecer é arte, não só biologia. — Hillman

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Ocupação do tempo livre, livre de quê? Para quê? Após passar tanto tempo de vida atrelado aos horários e compromissos do trabalho, ocupar de maneira mais leve e prazerosa o tempo de viver, é um tipo de sabedoria de vida. Atualmente temos o FIB — Felicidade Interna Bruta; esse é o índice adotado pelo Butão, reino nas cordilheiras do Himalaia, para avaliar a qualidade de vida de seus cidadãos, levando em consideração o quanto as pessoas são felizes, deixando de lado o famoso PIB — Produto Interno Bruto, que se baseia em itens materiais. Atualmente, a Fundação Getulio Vargas de São Paulo está dando os primeiros passos para desenvolver a metodologia do FIB. Radical mudança de valores e paradigma. Felicidade é um projeto que construímos dia a dia, aberto a mudanças e ressignificações. Entre as condições explicitadas pelo FIB destacamos: aumentar o bem-estar, e isso requer relacionar-se, falar, cultivar amizades; ficar ligado, buscar o que dá prazer, ter proteção da cultura, continuar aprendendo qualquer coisa, ser generoso, cooperativo; exercitar-se sempre... Mas aqui está o cerne da questão. Nossas escolhas estarão sempre articuladas aos nossos interesses e valores. Vários estudiosos trabalham com a chamada roda da vida, que pode variar com diferentes dimensões, de quatro até dez ou mais. Entre essas dimensões estão: saúde, vida conjugal, vida emocional, relacionamentos, família, espiritualidade, finanças, aprendizagens, lazer etc. Neste processo de escolhas, necessário se faz fazer a distinção entre o que é importante, isto é, o que traz resultados e possibilita alcançar objetivos, e o que é urgente, articulado à pressão temporal para realizar algo. Com o envelhecer, a ocupação do tempo livre deveria estar mais ligada ao que é importante e não ao que é urgente. Nesta linha de raciocínio deve-se prestar muita atenção ao vocabulário que usamos, devemos buscar diminuir o uso das palavras urgente e impossível e aumentar o uso das palavras gosto e quero. Sendo assim, a nossa ação deve ter, dentro do possível, o referencial da satisfação, gostar para o fazer. Alguns estudiosos do comportamento e das mudanças apresentam um roteiro de ação, com base em algumas etapas, como por exemplo: estar disponível para se abrir a coisas novas; estar aberto a aceitar mudanças; saber selecionar e escolher as oportunidades que se apresentam e proporcionam maior realização e prazer. Por-

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tanto, é vital estar aberto, ver com olhos curiosos, descobrir coisas novas e ser capaz de optar, escolher o que mais lhe agradar e lhe for possível. Nesta busca de saber ocupar-se, também é vital — estabelecer prioridades, ter uma agenda e anotar, de preferência, em um único lugar, pois sabemos que se torna mais fácil esquecer, fazer check list de atividades; sempre vale conferir e definir horários, pois deixando muito em aberto, tudo poderá ser sempre adiado. Tempo livre sim, mas com alguns limites. Grande perigo é se perder na nova dimensão de total liberdade e sempre fazer adiamentos e concessões. Por essa razão, desde os primórdios de nossa história Sêneca (s.d) alertou: “Nada é menos próprio do homem ocupado do que viver, pois não há outra coisa que seja mais difícil de aprender”. Alerta! Quanto mais controlado e rígido o tempo de trabalho, maior o risco de o tempo livre tornar-se negativo e se fazer uso patológico deste tempo, tornando-se um inimigo. O estar totalmente desocupado, sem planos ou projetos pode incitar ao exagero da comida, bebida, tevê, internet, inatividade, gerando vazio, tendo o foco nas perdas e falta de sentido para a vida e, consequentemente, abrindo espaço para a depressão. Necessário se faz destacar o pioneirismo do Sesc na abordagem da ocupação do tempo livre com os idosos desde os idos 1960, quando o Brasil ainda era um país jovem (FERRIGNO apud FREITAS; PY, 2011; MIRANDA apud BARROS JUNIOR, 2009). Os grupos de convivência se constituíram como um primeiro modelo de atendimento aos idosos com atividades recreativas e de confraternização; mais tarde, surgiram as escolas abertas da Terceira Idade, permitindo aos velhos acompanhar as rápidas transformações vividas pela sociedade. Depois, foram proliferando outras atividades abertas às diferentes gerações e abrindo cada vez mais espaço para convívio, trocas e para a coeducação. Falar de tempo livre nos articula imediatamente ao lazer, considerado como o conjunto de ocupações ou atividades para repousar, divertir, entreter ou adquirir e desenvolver alguma formação informal. É toda atividade que a pessoa goste de fazer e praticada no tempo livre de obrigações. Por hobby entendemos ser um passatempo favorito que se faz por prazer e para curtir as horas livres. Grosso modo, podemos inserir o hobby como tipo de lazer. Caldas (BARROS JUNIOR, 2009) distingue entre lazer ativo, em que há uma participação ativa do sujeito, como nos esportes, e passivo, quando a pessoa recebe passivamente as mensagens, como na tevê, no cinema.

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Entre as funções do lazer, segundo estudiosos, destacam-se: • Descanso: reparador de desgastes físicos pelas atividades laborais do dia a dia. • Recreação: esporte, fantasia, criatividade. • Participação social mais livre: desligamento dos compromissos profissionais. • Desenvolvimento da personalidade: crescimento da vida afetiva, social, intelectual (FERRARI apud PAPALÉO NETO, 1996). Atividades de lazer que criam atitudes ativas e prazerosas podem ser delineadas em algumas categorias, segundo classificação de Dumazedier (1973): • Físicas: articuladas com ação do corpo, seu deslocamento. • Intelectuais: articuladas com o intelecto, a aprendizagem. 90 Ocupação do tempo livre e relações intergeracionais

• Associativas: ligadas à sociabilidade, em que o foco é a interação do grupo e convívio social. • Artísticas: quando o foco é o estético, ocupação/atividade ligada à beleza. • Manuais: quando o foco é o manuseio de matéria-prima. Atividades de lazer devem acontecer permitindo que, como alerta E. Gianetti (2003), “[...] as horas mais felizes de nossa vida são precisamente aquelas em que perdemos a noção da hora. O excesso de juízo carece de juízo”. Pesquisa citada por Miranda (apud BARROS JUNIOR, 2009), realizada em 2006, apresenta as principais práticas de atividades de lazer: assistir à tevê, ouvir rádio, cuidar de plantas, leitura, cuidar de animais, cantar, jogos, bordado, tricô, palavra cruzada, dançar, visitar museus e exposições, show de músicas, cinema, artesanato, tocar instrumento musical, teatro, assistir à dança ou ao balé, cursos livres e oficinas culturais e outras atividades. Toda atividade de lazer deve estar articulada com os próprios desejos, dons e sonhos que ficaram soterrados, esquecidos durante o desenrolar cotidiano da vida laboral mais intensa. Seguindo a orientação de Dom Quixote, o arquétipo do sonhador, cabe-nos Ser Eterno Aprendiz do Desejo. Nessa realidade podemos exemplificar com Cora Coralina, que publicou seu primeiro livro aos 75 anos, a plena atividade de Oscar Niemeyer aos 103 anos, Bibi Ferreira aos 90 anos, José Hermógenes aos 93 anos, entre tantos outros famosos, e também os desconhecidos, mas perenes artífices de seu desejo e realização, que ultrapassam qualquer limite de idade. “Nunca

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é tarde demais, nada é impossível, posso realizar algo”, conclama Kurosawa (1952) em seu lindo filme Viver. Época de buscas, onde ativar a criatividade? Fazer arte, apreciar arte, humor, desenvolver uma habilidade manual... você foi feito com duas mãos — use-as para bordar, desenhar, tocar um instrumento, pintar, fazer culinária, cultivar plantas, jardinagem, cerâmica... Lya Luft, em artigo da revista Veja “Nós, os Picassos”, conclama a sermos Picassos da vida, ao não se aposentar da existência e seguir perseguindo sonhos e desejos. Relembrando Nietzsche (2000), viver em grande estilo, viver a vontade de potência é viver a vida como obra de arte — a de se tornar o que é, fazer-se a si mesmo. Assim poderemos chegar ao final da vida com a certeza gostosa de Dom Quixote, que afirma ter ganhado a maior vitória, pois tirou o máximo de si mesmo! Praticar atividade física, porta aberta para independência, atrai alegria pela liberação de hormônios, sendo que a inatividade pode acarretar enfermidades. Atividade física melhora a flexibilidade, a coordenação motora, eleva os níveis de resistência, aumenta a massa óssea, fortalece os músculos, aumenta a capacidade de concentração e memória, melhora o sono, o humor, o tônus sexual... Entre as muitas possibilidades das atividades físicas destacamos: caminhada, natação, pilates, hidroginástica, tai chi, ioga, dança, musculação, diversos esportes, alongamento... Novas aprendizagens, seja em que nível for, de qualquer coisa que desperte interesse: língua estrangeira, culinária, vinhos, fotografia. Universidade Aberta da Terceira Idade, com seus inúmeros cursos abrangendo uma diversidade de áreas de interesse. Aprendizagem formal com ingresso em cursos universitários; pesquisas informam um aumento expressivo de calouros veteranos nas universidades. Navegar na internet, atividade da qual o Sesc também tem se destacado. O programa Internet Livre, em que as aprendizagens podem ser dinamizadas e os contatos familiares e sociais também podem aumentar. Viajar, conhecer lugares e pessoas novas, fazer novos amigos... Voluntariado, trabalho que dá satisfação pessoal, fortalece o companheirismo e exige normalmente regularidade e definição de tarefas. Centros de Convivência, do qual o Sesc foi pioneiro e sempre se destacou. Grupos de Convivência exigem uma condição básica — ser prazeroso, eles abrem espaço para ressignificações de vida pela partilha de experiências, informações etc. A Carta de Ottawa desde 1986 articula entre os fatores de Promoção da Saúde o empoderamento, definido por

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Rappaport como “um processo pelo qual indivíduos, comunidades e organizações obtêm controle sobre sua vida”. Entre as vertentes desse empoderamento são explicitadas: Participação Comunitária, os Espaços de Convivência, que são agentes de mudanças, e a Rede Social. Finalizando com pensamento de autor desconhecido: Arranje tempo para pensar, pois é a fonte do poder. Arranje tempo para brincar, pois é o segredo da juventude eterna. Arranje tempo para ler, pois é a fonte da sabedoria. Arranje tempo para rir, pois é a musica da alma. Arranje tempo para amar e ser amado, pois é a dádiva de Deus.

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Vá em busca de sua alegria enquanto é tempo, viver e não ter a vergonha de ser feliz, canta Gonzaguinha (na música O que é, o que é..). Escolha viver. Descubra o que você pode fazer por você! Desafiar o tempo é fazer a escolha dos próprios caminhos a cada dia. Cito Marco Aurélio, imperador romano e filósofo, que no início de nossa era, fez este lindo apelo: Força-te, força-te a vontade e violenta-te, alma minha; mais tarde, porém já não terás tempo para te assumires e respeitares. Porque de uma vida apenas, uma única, dispõe o homem. E se para ti esta já quase se esgotou, nela não soubeste ter por ti respeito, tendo agido como se a tua felicidade fosse a dos outros... Aqueles, porém, que não atendem com atenção os impulsos da própria alma serão necessariamente infelizes.

Que cada um possa atender os impulsos da alma e celebrar o milagre da sua vida. Que haja sempre tempo para cultivar sonhos/amores, para ser feliz e fazer outros felizes deixando a sua marca. Sucesso é ser feliz!

Relações intergeracionais Valores e mudanças culturais Para ganhar conhecimento, adicione coisas todos os dias. Para ganhar sabedoria, elimine coisas todos os dias. — Lao Tse

Revendo a história tendo como referência a base de subsistência e poder, começamos com a Era Agrícola, em que tudo se baseava na terra, sua posse e cultivo; a linguagem era oral, transmitida no mesmo espaço e tempo. Evidentemente, quanto mais a comunicação é via oral, mais poder detêm os idosos, pois eles, de fato, arma-

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zenam o conhecimento. Passamos para Era Industrial, em que o poder se concentra na energia e na produção; descobertas importantes se fazem, novas tecnologias vão surgindo. Na Era Industrial tudo é feito para as massas, a direção do fluxo se dá de um para muitos. Com a expansão da imprensa, a comunicação avança vencendo as barreiras de espaço e tempo. Mas a grande revolução veio no século passado, com a Era Digital, em que cada vez mais o conhecimento e a comunicação se fazem questão vital — mais conhecimento, mais poder. A Era Digital e a linguagem digital alteraram totalmente o campo cognitivo e a sociedade. Na comunicação oral exige-se tempo e espaço presentes; na comunicação escrita, tempo e espaço podem ser diferentes, tendo a direção de um para muitos; na comunicação digital as duas coisas são possíveis, mudança radical no vetor do tempo, interatividade sem fronteiras, acesso instantâneo a tudo todo o tempo e em todos os espaços desejados. Consequentemente, mudanças possíveis a cada segundo articuladas à velocidade de competências, daí maior competição. Vive-se a filosofia de rede, estamos imersos na sociedade em rede, até a inteligência passa a ser coletiva; o conhecimento se dá no fluxo de um para um e de muitos para muitos, inteligência em rede e comunicação de massa. Don Tapscott, especialista em internet, em entrevista à revista Veja, em abril de 2011, afirma que a internet viabiliza a colaboração em massa e isso traz profundas mudanças, tão profundas quanto a que sepultou o feudalismo e inaugurou a Era Industrial. Linguagem não é mais para descrever e refletir, nada é para ser decantado ou ruminado, é para ser interativa. A hiperconectividade dá lugar, assim, a uma hipermimética, o que acelera brutalmente a variabilidade dos modos de produção, de expressão, de efetuação, de inovação, em suma, de todos os campos de atividade da cultura, afirma Luis Alberto Oliveira (apud Novais, 2009). Nosso hardware biológico é essencialmente o mesmo desde os primórdios, mas com o desenvolvimento ultra-acelerado da civilização contemporânea é como se novos softwares fossem experimentados, estaríamos na emergência de condições neocivilizatórias, equivalentes ao surgimento de uma versão renovada da espécie: um Homo sapiens 2.0? Expõe a amplitude, aceleração e intensidade dos recursos atuais, da proliferação de ciberdispositivos, da aceleração generalizada de agentes cognitivos que levará à entrada em cena da Ziliônica, a ciência dos milhões, nos fala de Computação Intensiva Escalável e do gigantismo dos bancos de dados, entre tantas outras novas realidades. Transcrevo o autor para confirmar o quanto a nova era do conhecimento nos coloca em uma zona totalmente desconhecida e assustadora. Li e reli o texto e sinceramente segui perdida...

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As mudanças tecnológicas alteram as noções de tempo e espaço e de subjetividade. Em tempos idos, a singularidade da pessoa se articulava ao seu sobrenome, depois o nome bastava, atualmente é o e-mail; quem não tem está literalmente out, a singularidade e a intimidade estão cada vez mais em desuso, tendemos para a massificação e a homogeneização. Na Era Digital, todos navegam e alteram o campo cognitivo a cada momento, o que também exige uma maior capacidade de armazenar a informação. Constata-se que surge outro divisor de águas, antes era a.C./d.C. — Cristo, agora é a.G./d.G — Google. Vivemos a interatividade instantânea, acesso instantâneo, prazer instantâneo, mundo virtual no qual me realizo como quero — mundo sem interdições, sem leis. Virtual é desterritorialização total, mas é real e não atual.

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Vamos lançar um breve olhar sobre as gerações, que são apresentadas amplamente. Começamos pela babyboomer, até mais ou menos a década de 1960, o que valia era ter o diploma universitário, era o salvo-conduto para a vida profissional; visavam à estabilidade e a alcançar a aposentadoria. Eram motivados a fazer carreira e ter ascensão econômica. O desafio era aprender a lidar com o excesso de informação. Depois, temos a chamada Geração Y, os nascidos nas décadas de 1980 e 1990. Entre suas principais características destacamos serem dinâmicos e inquietos, buscam articular vida social, profissional e acadêmica. Os principais valores são o econômico e o sucesso. Entre os maiores desafios está adquirir informações, mais e mais informação. Finalmente, já podemos falar da Geração Z, os nascidos após 2000. Entre suas principais características destacamos o comportamento superficial e sem aprofundamento, não cabem reflexões, pois a massa de informação é absurda, a realidade para eles é a vida digital, e esses valores passam a ser dominantes. Depoimento pessoal de um cliente de 19 anos, internauta viciado, “Enchi o meu mundo, só para, assim, sem perceber, o mundo ficar mais vazio de mim.” Há como que um entorpecimento pelas informações, significando ter o conhecimento disponível e renovado a todo momento, tudo é aqui e agora, sem adiamentos em todos os níveis. Mundo sem fronteiras. Talvez o maior desafio seja selecionar informações, qual é verdadeira? Ficam perdidos diante da infinidade de escolhas. Nossa sociedade contemporânea tem recebido diversas denominações que expressam os valores subentendidos. Entre eles citamos: Sociedade do Espetáculo, de Guy Debord; Sociedade Midiatizada, de Dênis Morais; Era do Vazio, Império do Efêmero, de Gilles Lipovetskz; A Idade dos Extremos, de Eric Hobsbawn; Modernidade e Vida Líquida, de Zigmunt Bauman. Os valores da contemporaneidade dominantes podem ser sintetizados na expressão popular “eu sou mais eu; tô nem aí, tô nem aí”.

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Destacam-se: individualismo e narcisismo, independência e liberdade; realizações individuais, demanda de um Padrão Inatingível de Realização, competitividade — vencer sempre, o outro visto como rival; razão cínica — oportunismo e desagregação social; falência de ideologias, instituições como família, escola; laicização do tempo — tempo é dinheiro; deificação do efêmero e o culto da eterna juventude. As inovações tecnológicas se superam a cada instante, tudo se renova no computador, celular, tevê digital, e-mail, messengers, skype... Doll e Machado citam Castells (apud FREITAS; PY, 2011), que diz: “A tecnologia é a sociedade e a sociedade não pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas.” A Era Digital oferece uma disponibilidade ilimitada e instantânea de informações, com obsolescência rápida e renovação dos conhecimentos, em que o desafio constante é saber escolher a informação. Assim, o objetivo dos processos educativos passa a ser: aprender a aprender, segundo Edgar Morin (2002). Em consonância, Jung (1984) incita-nos a nos inserir no fluxo da vida, nas metamorfoses do viver, pois “Fugir disso torna a vida frívola.” Ontem se valorizava a sedimentação do saber, enquanto hoje se valoriza a liquidez, quanto mais e mais rápido melhor. A cultura se sustenta em uma hierarquia de valores, nascemos em um espaço humano, em um a priori cultural. Os desafios da vida impõem novos procedimentos, novas técnicas, novo modo de pensar o mundo, portanto, novos valores. Segundo Miguel Reale (1991), inevitavelmente há um relativismo axiológico de base historicista. Esses novos valores podem levar a se falar de uma nova barbárie, como dizem os estudiosos da chamada pós-modernidade? Será que a Sociedade do Conhecimento ameaça produzir mais desigualdade e exclusão social? Inegavelmente constatamos uma barreira natural que se coloca aos velhos, pois no natural processo de envelhecimento a lentificação é uma realidade. Para fazer jus a todas essas mudanças, temos que fazer muitos esforços, daí a necessidade de validar T.S. Eliot (apud Hillman, 2001) quando disse: “Os idosos deveriam ser exploradores.” Ferrigno (apud FREITAS; PY, 2011), em “Atividade, informação, participação e cidadania” indaga como os idosos se posicionarão frente às novas tecnologias, com seus efeitos positivos e negativos. Mas de que idosos estamos falando? Na realidade, é um quadro polissêmico, daí falarmos de velhices. O impacto das novas tecnologias se faz pertinente aos idosos de classes mais favorecidas. Segundo pesquisas, os idosos acessam cada vez mais a internet, e é o grupo que mais cresce nesta demanda. Novamente o Sesc se coloca em uma posição pioneira com o programa Internet Livre, em que jovens e idosos aprendem a lidar com o computador e navegar na web. Uma charge muito antiga de Lan trouxe a imagem de um velho

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no computador e duas jovens olham e perguntam: “Trabalhando? — Não, virou o namorado virtual de todas as internautas.” Bom modo de ocupar o tempo livre e fazer novas relações.

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A sabedoria alquímica nos fala de dois processos fundamentais na realidade das transformações: Solve e Coagula. No passado — ontem, dominava a sedimentação do saber, havia muita coagulação. Hoje predomina a liquidez do saber, tudo se esvai em um segundo, se renova, predomina a dissolução. “Toda cultura mass-midiática tornou-se uma formidável máquina comandada pela lei da renovação acelerada, do sucesso efêmero, da sedução, da diferença marginal”, conclui Lipovetskz (1989). Vivemos sob a Lógica da Inconstância. A informação e o conhecimento adquiridos nos últimos 50 anos pode equivaler ao acumulado nos últimos 2 mil anos. Até o século 20 o conhecimento era proporcional a ter mais idade, ser mais velho e ao nível socioeconômico. Após o século 20 torna-se mais proporcional a ser mais jovem e ao grau de flexibilidade. Poderíamos dizer que o modelo de sucesso atual é justamente não se enquadrar em nenhuma estrutura. Então estamos diante de um conflito de gerações ou diante de um conflito de valores? Esse é o cerne da questão. O que privilegiar? Informação? Experiência? Guy Debord (1997) afirma que cada vez mais “os homens parecem mais com seu tempo do que com seus pais.” O afastamento intergeracional será proporcional a ver o mundo das novas tecnologias com um — “estou fora”, e permanecer incomunicável. O convívio intergeracional será proporcional a ver a era digital na sua plenitude, ver seus aspectos positivos e fazer o enfrentamento de aprender a aprender, abertura ao novo. Com a sabedoria com que Jung (1984) estudou o processo de envelhecimento diz: “Quem se protege contra o que é novo e estranho e regride ao passado está na mesma situação neurótica daquele que se identifica com o novo e foge do passado.”

Eixo psíquico — puer-senex nas relações intergeracionais Há um menino, há um moleque Morando sempre no meu coração Toda vez que o adulto balança Ele vem pra me dar a mão. Há um passado no meu presente Um sol bem quente lá no meu quintal [...] — Bola de meia, bola de gude. Milton Nascimento, Fernando Brant

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Relações intergeracionais expressam troca e transmissão entre gerações. Elas podem ser vivenciadas em diferentes âmbitos: familiar, social, trabalho, recreação... Essas relações implicam uma constante troca de energia física, mental e emocional e, por sua vez, delimitação das possibilidades e dos limites de cada geração. Inegavelmente, como toda realidade humana é como uma moeda, tem cara e coroa, portanto, um espaço de aprendizagem e troca tanto quanto de confronto e questionamentos. Assim é a vida e assim são as relações humanas. “No adulto está oculta uma criança, uma criança eterna, algo em formação e que jamais estará terminado, algo que precisará de cuidado permanente, de atenção e de educação.” Jung, com essa afirmação, expõe um tema central de sua psicologia do envelhecimento, que é proporcional à articulação das dinâmicas da criança e do velho ou do puer e do senex (MONTEIRO, 2010). Entre as principais dinâmicas positivas da criança estão espontaneidade, curiosidade, entusiasmo e futuridade, enquanto entre as dinâmicas negativas destacamos: irresponsabilidade e onipotência. Entre as principais dinâmicas positivas do velho estão compreensão, lentidão, fator espírito e reflexão, e entre as negativas estão: rigidez, espírito crítico e negatividade. Vejamos uma maior explicitação deste eixo no quadro a seguir:

PUER

SENEX

Rapidez

Lentidão

Plasticidade

Conservação

Eficiência

Sabedoria

Beleza exterior

Beleza interior

Conquista

Mediação

Força física

Força espiritual

Autoafirmação

Autotranscendência

Empunhar a espada

Erguer pontes

Meta: Vitória

Meta: Emancipação

Quadro 1: Dinâmica do puer-senex.

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Jung (1984, v. 9) diz que o arquétipo da criança [...] é a personificação de forças vitais que se encontram bem fora do alcance limitado de nossa mente consciente; de formas e possibilidades [...] uma profundidade que abrange as profundezas da Natureza. Ele representa o impulso mais forte, mais inelutável em todo ser, a saber, o impulso para realizar-se a si mesmo.

Comentando a articulação da criança e espírito/velho diz: É por isso que a imagem de um velho simboliza geralmente o fator “espírito” [...] O espírito pode também apresentar-se em ambos os sexos sob a forma de um menino ou jovem. [...] O ancião e menino pertencem um ao outro. Este par também desempenha um papel importante na alquimia, como símbolo de Mercúrio.

98 Ocupação do tempo livre e relações intergeracionais

O impedimento ao crescimento psíquico está na cristalização em uma polaridade, portanto, na ausência da complementaridade dos opostos, do diálogo contínuo entre essas polaridades. A criança que não vivencia as dinâmicas do velho ficará infantiloide ou infantil, enquanto o velho que não incorpora as dinâmicas da criança ficará o velho gagá e ranzinza. “Tu não devias ter ficado velho antes de ter ficado sábio”, já alertava Shakespeare (1955), e a sabedoria está nesta constante interlocução das polaridades. Vivências do tempo-puer e do tempo-senex acontecem ao longo de toda nossa vida, sem se circunscrever a nenhuma idade específica. Portanto, tarefa do envelhecer saudável é resgatar a criança. Essa realidade poderá ser mais bem compreendida por meio do filme Elza e Fred (CARNEVALE, 2005). Elza exemplifica o espírito do puer, é uma mulher velha e doente, faz hemodiálise duas vezes por semana, mas ela não é doente, é plena de sonhos e desejos, ela vive a cada dia da melhor maneira possível. Por outro lado, Fred é um velho que não tem nenhuma doença, mas vive como se fosse o mais doente dos homens, vida contida, deprimido e sem sonhos. Mas o encontro das duas dinâmicas faz com que ele se transforme e vá em busca de seus desejos. Vale a pena conferir esta rica transformação de mentalidade que o filme nos mostra. Só mesmo os poetas falam em poucas palavras o que o pensamento racional gasta livros para explicar. “Fase dourada em que a gente pode criar e recriar a vida à nossa imagem e semelhança e vestirse com todas as cores e experimentar todos os sabores e entregar-se a todos os amores sem preconceito sem pudor”, conclui Mário Quintana em um de seus poemas. Portanto, as relações intergeracionais são proporcionais à ativação do eixo puer-senex, a ativação da prenhez interior, que propiciará ser como disse M. Albon (1998): “Sou todas as idades da atual para baixo.”

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Bem-estar na velhice é articulado com a intensidade das relações familiares e intergeracionais Falar de família é falar de uma variedade de estruturas e funções. Como devemos falar velhices, pela enorme diferença de suas vivências, também devemos falar famílias, pela sua diversidade. Mas sempre se constitui como um núcleo primário de identidade, intimidade, segurança e relações. Entre suas funções nos primórdios, unidas pelos laços de sangue, estavam principalmente a reprodutiva, a educativa e a profissionalizante. Atualmente constitui-se cada vez mais pelos laços de afinidade, centro da vida afetiva, tendo uma enorme complexidade e confusão de papéis e valores... A realidade da família brasileira, segundo Debert e Simões (apud FREITAS; PY, 2011), apresenta o convívio intergeracional até quatro gerações, vivencia-se uma superposição de papéis e os idosos estão presentes em 25% das famílias. Característica relevante é que há uma interdependência de gerações e não a dominância da dependência dos velhos. Mas a família continua a ser a principal fonte de assistência. Família, espaço de conflito e cooperação, o que predomina? A vida afetiva vivida no seio da família é fruto da vida e das relações que foram cultivadas. Conclamo a sabedoria de Martin Buber com suas relações Eu/Tu — reciprocidade, amor e respeito e Eu/Isso — imposição, desamor e autoritarismo. Recorro a Einstein para concluir que “a vida não dá nem empresta, não se comove nem se apieda [...] Tudo o que ela faz é retribuir e transferir [...] tudo aquilo que lhe oferecemos”. A harmonia e o conflito familiar são proporcionais a flexibilidade, a ter mente de principiante, isto é, a olhar com olhos de primeira vez; a ter humildade, a ser capaz de redimensionar o perdão, a se libertar dos grilhões das mágoas e ressentimentos; a sabedoria, isto é, aprender com a experiência, é aprender a ressignificar as vivências. Entre as vivências intergeracionais familiares, a avosidade tem sido a mais explorada. Inegavelmente, uma das experiências mais genuínas para os avôs e avós. Dizem que é ser pai/mãe com açúcar, e é mesmo, pois estamos livres do papel de educar, é só saborear o que é singelo na infância. Para Hillman (2001) as avós dão à espécie humana força para se tornar o animal dominante no planeta, elas carregam o conhecimento, a cultura, a corrente identificatória, pois carrega os memes, que é o equivalente cultural dos genes; elas têm visões mais grandiosas, mais que a rotina grandiosa dos pais, têm mais envolvimento emocional, mais tempo para

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99 Ocupação do tempo livre e relações intergeracionais


dedicar, são mais inspiração que preocupação. Enfim, vivenciam uma nova metamorfose libidinal, em que podem resgatar toda a ternura que não foi vivida, como fala Rachel de Queiroz. Outra realidade da contemporaneidade é a desconstrução das gerações, o apagamento de diferenças de comportamentos, que pode gerar uma maior solidariedade intergeracional. Há um relaxamentos das linhas demarcatórias nos trajes, no discurso, nas atividades físicas, nos estudos, no trabalho, na sexualidade; os exemplos estão presentes nos mais diferentes espaços, e em todos os momentos podemos constatar esta realidade. Essa desconstrução pode estar articulada com a palavra-chave tão divulgada por Bauman (2005) — liquidez, com suas consequências positivas e negativas. Falando do Convívio Intergeracional, vamos abordar a questão da coeducação entre gerações. Margareth Mead (1971) delineou três esferas de atuação: 100 Ocupação do tempo livre e relações intergeracionais

• Pós-figurativas: em que os velhos ensinam aos mais novos. • Cofigurativas: espaço de troca entre pares, contemporâneos. • Pré-figurativas: em que os novos ensinam aos mais velhos. Desde os primórdios da história sabemos que Sócrates ensinou a Platão, que ensinou Alexandre, o Grande, que ensinou a..., quando os idosos detinham o conhecimento e a experiência. Por experiência entendemos um “sistema de conhecimento especializado capaz de lidar com a pragmática da vida e com assuntos controvertidos” (Baltes, Smith apud Neri,1995), poderíamos dizer que se articula com flexibilidade e capacidade de ressignificar. E nos tempo atuais? Os tempos mudaram, e ninguém melhor explorou este tema que Walter Benjamin (1994). Suas expressões Erfahung — a experiência compartilhada, articulada ao passado e suas ressignificações — e Erlebis — a experiência vivida, própria do indivíduo solitário —, que se expõe na internet nas diferentes redes sociais, nos incita a uma reflexão sobre a necessidade de se garantir uma memória e palavra comuns. Diante dessa realidade, o trabalho com a memória pode ser fundamental para propiciar este espaço de troca. Cito o trabalho de Zilda Kesel (A TERCEIRA..., 2004), em que explora as possibilidades do trabalho intergeracional pela memória, que tão pouco espaço tem tido na atualidade; ela expõe as fases do lembrar, contar e compartilhar. No artigo “Experiência e pobreza”, de Walter Benjamin (1994),

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podemos perceber a questão da informação e da experiência/sabedoria, em que a técnica se sobrepõe ao homem e revela a desmoralização da experiência articulada à aceleração do tempo desde o início do século 20. Ele questiona onde está a arte da narrativa de contar. Essa arte parte da transmissão de uma experiência no seu sentido pleno, compartilhada e aberta. Porém, em nossa sociedade materialista, em que o vetor tempo nos traz a sensação de ser atropelados, tudo é passageiro e supérfluo, portanto nos indisponibiliza para o compartilhar. Ele propõe a narração para “fazer uma sugestão sobre a continuação da história que está sendo narrada, contar sem dar explicações definitivas...”, em uma tessitura de experiências através de gerações . Creio que a palavra mais ausente das experiências da atualidade, seja justamente — compartilhar! Diz ele: “Uma nova maneira de miséria surgiu com esse monstruoso desenvolvimento da técnica, sobrepondo-se ao homem.” Prossegue: “Sim, é preferível confessar que essa pobreza de experiência não é mais privada, mas de toda a humanidade. Surge assim uma nova barbárie.” Nova barbárie? Cita o escritor Paul Scheerbart, que apresenta as casas de vidro, material duro e liso no qual nada se fixa, frio e sóbrio, sem aura, e inimigo do mistério e da propriedade. Podemos então falar de uma cultura do vidro, símbolo desta nova realidade? Diante da questão da pobreza de experiência ele também cita uma frase de Brecht: “Apaguem os rastros!” Será esse o caminho? Ou será a oportunidade de construirmos juntos novos caminhos? Para finalizar, conclamo Peter Drucker (2001), que com sabedoria diz: “Não inovar é a maior razão para o declínio...” Em outro momento pergunta: “Pelo que você quer ser lembrado? Faça-se sempre esta pergunta. Ela induz você a se renovar. A ser a pessoa que gostaria de ser.” Assim, na maravilhosa arte de viver e conviver, mister se faz ver que a principal patologia da velhice é nossa ideia de velhice, como disse Hillman (2001). As relações intergeracionais são fonte de transformação, renovação, atualização, e para isso acontecer, isso é, para que as relações aconteçam no espaço intersubjetivo, seja em âmbito familiar, social, profissional recreativo, é vital que aconteça no espaço intrapsíquico a ativação do eixo puer—senex. Gonzaguinha, com seu hino à vida O que é, o que é?, nos revela essa verdade. Viver e não ter a vergonha de ser feliz. Cantar e cantar e cantar A beleza de ser um eterno aprendiz.

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REFERÊNCIAS

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MONTEIRO, Dulcinéa M. R. Aposentadoria: ponto de mutação. 2011. No prelo. MONTEIRO, Dulcinéa M. R. Puer-Senex: dinâmicas relacionais. Petrópolis: Vozes, 2010. MORIN, Edgar. Os sete saberes para a educação do futuro. Lisboa: Instituto Piaget, 2002. NERI, Anita (Org.). Psicologia do envelhecimento. Campinas: Papirus, 1995. NIETZSCHE, F. Assim falou Zaratustra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. NOVAIS, Adauto (Org.). A condição humana: as aventuras do homem em tempos de mutações. Rio de Janeiro: Agir; São Paulo: Edições Sesc, 2009. REALE, Miguel. Invariantes axiológicas. Estudos Avançados, São Paulo, v. 5, n. 13, p. 131-144, 1991. ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. SHAKESPEARE, William. The complete works of William Shakespeare: with thirty-two full page plates from modern stage productions. London: Geoffrey Cumberlege: Oxford University Press, 1955. TAPSCOTT, Don. A inteligência está na rede. Veja, São Paulo, n. 2212, 21 abr. 2011. Entrevista realizada a André Petry. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/feira-livre/a-inteligencia-esta-na-rede-entrevista-com-don-tapscott/>. Acesso em: 11 jul. 2013.


Capacidade funcional e reabilitação da capacidade funcional Marli de Borborema Nevesi

Fonoaudióloga e gerontóloga pela SBGG.

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RESUMO

ABSTRACT

Capacidade funcional e reabilitação da capacidade funcional, de acordo com a Política Nacional de Saúde do Idoso (1999), são metas a serem alcançadas, no que diz respeito à atenção integral das pessoas idosas e em processo de envelhecimento. Os programas, planos e projetos seguem diretrizes que mantenham a autonomia, autodeterminação e independência de idosos, mesmo diante de doença crônica. Essas diretrizes priorizam promoção da saúde, detecção precoce, prevenção e alentecimento das doenças, visando qualidade de vida para a população que envelhece.

Functional capacity and rehabilitation of functional capacity, according to the National Health Policy for the Elderly (1999), are goals to be achieved, with regard to comprehensive care of the elderly and the aging process. The programs, plans and projects follow guidelines to maintain the autonomy, self-determination and independence of older people, even in face of chronic disease. These guidelines give priority to health promotion, early detection, prevention and slowing of disease, aiming the quality of life for the aging population.

Palavras-chave: envelhecimento, idoso, saúde do idoso, capacidade funcional, reabilitação.

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Keywords: aging, elderly, aging health, functional status, rehabilitation.

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Capacidade funcional A Política Nacional de Saúde do idoso (PNSI — 1999) norteia a atuação do Sistema de Saúde, na atenção específica às condições de saúde e qualidade de vida das pessoas idosas (com 60 anos ou mais). A PNSI prioriza o envelhecimento saudável, manutenção da capacidade funcional, assistência às necessidades de saúde do idoso, reabilitação da capacidade funcional comprometida, capacitação de recursos humanos, apoio ao desenvolvimento de cuidados informais e aos estudos e pesquisas na área do envelhecimento. Desse modo, o Envelhecimento Ativo passa a ser entendido por meio de uma política de saúde, que “otimiza oportunidades de bem-estar físico, mental e social, com o curso de vida, de modo a aumentar a expectativa de vida saudável e a qualidade de vida na velhice”, conforme determinações da ONU (1999 — International Year of Old Person). 106 Capacidade funcional e reabilitação da capacidade funcional

Após a terceira década de vida, marca-se um declínio fisiológico em consequência de influências genéticas, do meio ambiente, fatores de risco (fumo, álcool, obesidade, colesterol etc.), que podem ser minimizados até certo ponto, modificando as características do envelhecimento no curso de vida de cada pessoa. A expectativa de vida saudável traduz a expectativa de vida sem incapacidades, em consonância com o conceito de qualidade de vida. Contextualiza-se a percepção singular, de cada sujeito, de acordo com sua cultura e sistema de valores, relacionando o conceito de qualidade de vida à saúde física, estado psicológico, nível de dependência, relações sociais, crenças etc. A habilidade de controlar, lidar, tomar decisões — como o indivíduo deve viver (em analogia com suas regras e preferências), conceitua autonomia. E a capacidade de exercer a autonomia é a autodeterminação. Independência é a habilidade do indivíduo ao executar funções relacionadas à vida diária. Ao manter as habilidades físicas e mentais necessárias para uma vida independente e autônoma, o indivíduo tem sua capacidade funcional preservada. Portanto, o Envelhecimento Ativo está fortemente vinculado à qualidade de vida, que é determinada pela autonomia e independência. O processo de envelhecimento passa a ser visto como experiência positiva, acompanhada por oportunidades de saúde, participação, segurança e educação continuada, que permite tanto a possibilidade educativa, como a inserção social.

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Empreender a garantia da capacidade funcional é empreender esforços para o conceito de Envelhecimento Ativo — obrigação da família, da sociedade e do governo. A maioria dos idosos apresenta, pelo menos, uma doença crônica, o que não é suficiente para determinar a limitação na realização de suas atividades, desde que exista controle sobre a patologia ou patologias existentes. Envelhecer sem nenhuma doença crônica é antes exceção do que regra. A presença de doença crônica não significa que o idoso não possa gerir a própria vida e viver seu dia a dia independentemente. O idoso que mantém sua autodeterminação e prescinde de qualquer ajuda ou supervisão para agir no cotidiano tem sua capacidade funcional preservada. A inadequada avaliação dos idosos nas unidades de saúde, onde o tratamento é focado na doença aguda, acaba gerando um subdiagnóstico e não promovendo a reabilitação da capacidade funcional. A presença de incapacidades tem reflexo nos custos, na carência de leitos hospitalares, em internações e reinternações, nas restrições às atividades de vida diária, e na consequente proximidade da morte — sem humanização. A condição funcional do idoso é um dos parâmetros mais importantes da avaliação gerontológica e geriátrica, pressupondo com a evidência de declínio funcional a existência de doença ligada ao quadro. Portanto, ações preventivas, assistenciais e de reabilitação devem objetivar a melhoria da capacidade funcional ou sua manutenção. Existem instrumentos, validados para uso na população idosa brasileira, capazes de detectar sinais de comprometimento cognitivo, depressão, desnutrição, dependência nas atividades de vida diária e instrumentais da vida diária etc. São testagens que devem seguir rigorosamente os procedimentos e técnicas de aplicação. O Miniexame do Estado Mental (MEEM), a Escala de Depressão Geriátrica (EDG), a Escala de Avaliação das Atividades de Vida Diária (AVD-KATZ), o Questionário para Incontinência Urinária (ICIQ), a Escala de Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVD-LAWTON), a Miniavaliação Nutricional (MNA) são exemplos de instrumentos que tentam rastrear o grau de dificuldade, avaliando o idoso multidimensionalmente e interdisciplinarmente. Dessa maneira, avalia-se o idoso amplamente, acompanha-se a progressão da doença (se existente), evita-se a incapacidade funcional, promove-se a inserção do idoso nos programas de reabilitação.

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107 Capacidade funcional e reabilitação da capacidade funcional


Na avaliação inicial, antes da aplicação dos instrumentos, deve-se preencher uma ficha de identificação do idoso, o acompanhamento de saúde e a demanda. Inicia-se a avaliação funcional: • MEEM: tem como pontos de corte 18/19 para analfabetos e 23/24 para quem apresenta um ou mais anos de estudo. São rastreados: orientação no tempo e no espaço, registro, atenção e cálculo, memória de evocação e linguagem (LOURENÇO; VERAS, 2006). • EDG: 1 ponto quando a resposta do idoso for igual à que está entre parênteses. Se a resposta for diferente, será igual a zero. Deve-se perguntar exatamente como está escrito. Combina-se apenas a resposta SIM ou NÃO. A soma de pontos superior a 5 é sugestiva de depressão. Só aplicar a EDG se o MEEM for superior a 13. Caso o idoso chore durante a aplicação da EDG, deve-se interrompê-la e anotar o fato como observação (PARADELA, 2005). 108 Capacidade funcional e reabilitação da capacidade funcional

• AVD (KATZ): idoso e seu acompanhante são questionados a respeito da dependência ou independência (do próprio idoso) quanto a tomar banho, vestir-se, uso do vaso sanitário, transferências, continência e alimentação. Os parâmetros da escala apontam para o grau de independência ou dependência funcional (LINO et al., 2008). • Independente em todas as 6 funções = 0 • Independente em 5 funções e dependente em 1 função = 1 • Independente em 4 funções e dependente em 2 funções = 2 • Independente em 3 funções e dependente em 3 funções = 3 • Independente em 2 funções e dependente em 4 funções = 4 • Independente em 1 função e dependente em 5 funções = 5 • Dependente em todas as funções = 6 • ICIQ (Short Form): aplicar se o idoso apresentou dependência no item continência, na AVD (KATZ). • AIVD (LAWTON): idoso e seu acompanhante são questionados sobre independência ou dependência relacionada ao ambiente: uso do telefone, viagens, compras, preparo de refeições, trabalho doméstico, controle de medicações, uso do dinheiro. Como parâmetro, a maior pontuação é 21/21. • MNA (versão reduzida): indicará continuação da avaliação nutricional, se o escore da triagem for igual ou maior que 11 pontos.

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Destaca-se o cálculo do Índice de Massa Corporal: IMC = peso (kg)/estatura (m²) O I Consenso Brasileiro de Nutrição e Disfagia (2010) sugere como pontos de corte do IMC em idosos: < 22 kg/m² = Desnutrição 22 a 27 kg/m² = Eutrofia > 27 kg/m² = Obesidade Na impossibilidade de cálculo do IMC, indica-se a medida de circunferência da panturrilha esquerda, com uma fita métrica ineslática. Valor igual ou superior a 31 cm, para homens e mulheres, considera-se adequado. Casos sugestivos de dependência funcional, depressão, desnutrição, comprometimento cognitivo etc. devem ser encaminhados para Avaliação Geriátrica Ampla. O rastreio da autonomia e independência, por meio de instrumentos, permite: classificar o idoso quanto à fragilidade, capacidade funcional, habilidade de autocuidado; quantificar o impacto da idade e das comorbidades naquela pessoa; avaliação periódica do idoso com mudanças na estratégia terapêutica; projetar necessidades em longo prazo; usar adequadamente os recursos de saúde. Com a identificação das condições funcionais, associadas ou não às comorbidades, é possível desenvolver um plano adequado de intervenção, evitando agravamentos, retardando o aparecimento de limitações funcionais, elegendo casos de limitações reversíveis (em programas de reabilitação).

Reabilitação da capacidade funcional O Brasil enfrenta o desafio de cuidar de uma população de milhões de idosos, a maioria com baixo nível socioeconômico e educacional. A prevenção é um caminho: reduz a mortalidade prematura causada pelas doenças crônicas e agudas; permite a manutenção da capacidade funcional; aumenta a expectativa de vida com qualidade; aumenta o período de atividade biopsicossocial; reduz incapacidade e transtornos decorrentes de doenças crônicas; prepara gradativamente para

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109 Capacidade funcional e reabilitação da capacidade funcional


a aposentadoria diminuindo prevalência de depressão; permite menor sofrimento possível em caso de doença terminal; e possibilita apoio à família. A prevenção primária visa impedir o aparecimento da doença, pela promoção da saúde de maneira geral: moradia adequada, acesso à educação e ao lazer, boas condições de trabalho, saneamento básico e alimentação nutritiva. Quanto à promoção da saúde específica: imunização, higiene ambiental, cuidado pessoal, proteção contra acidentes etc. Na prevenção secundária o imprescindível é detectar precocemente e tratar o aparecimento de doenças, prevenindo suas complicações, minimizando qualquer limitação ou incapacidade. Por exemplo: controle da hipertensão arterial, tratamento antitabagismo, rastreio de câncer de mama, de próstata etc.

110 Capacidade funcional e reabilitação da capacidade funcional

A prevenção terciária é a própria reabilitação interdisciplinar, que atenta para o alentecimento na progressão da doença. Dessa maneira, previne-se a evolução da doença e recupera-se a perda funcional incipiente; evita-se que limitações da capacidade funcional avancem e as existentes sejam amenizadas; minimiza-se causas de dependências evitáveis, nos casos reversíveis, com uso de técnicas de reabilitação física e mental, quanto mais precocemente forem identificadas; evita-se que enfermidades alijem o idoso do convívio social; apoia-se o uso de órteses e próteses (óculos, aparelhos auditivos, próteses dentárias, tecnologia assistida, andador, bengala etc.); orienta-se os cuidadores (agentes facilitadores) tanto na observação de novas limitações como no auxílio ao tratamento; diminui-se riscos de institucionalização. Doenças como depressão e demência estão, em todo o mundo, entre as principais causas de anos vividos com incapacidade, exatamente por conduzirem à perda da independência e da autonomia. Tanto as doenças físicas quanto as mentais podem levar à dependência e à consequente perda da capacidade funcional.

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REFERÊNCIAS

FREITAS, E. V.; PY, L. (Ed.). Tratado de geriatria e gerontologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007. LEMOS, N. D et al. Caracterização dos idosos de um programa de atendimento domiciliar quanto à saúde e à capacidade funcional. Geriatria e Gerontologia, Rio de Janeiro, v. 4, n. 3, p. 129-134, 2010. LOURENÇO, R. A.; VERAS, R. P. Mini-exame do estado mental: características psicométricas em idosos ambulatoriais. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 40, n. 4, p. 712-719, ago. 2006. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Envelhecimento ativo: uma política de saúde. Tradução Suzana Gontijo. Brasília: Organização Pan-Americana de Saúde, 2005. PARADELA, E. M. P. et al. Validação da escala de depressão geriátrica em ambulatório geral. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 39, n. 6, p. 918-923, 2005. PEREIRA, G. N. et al. Indicadores de saúde associados à incapacidade funcional em idosos de baixa renda. Geriatria e Gerontologia, Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, p. 66-73, 2011. 111

PY, L. et al. Tempo de envelhecer: percursos e dimensões psicossociais. Rio de Janeiro: NAU Ed., 2004. SOCIEDADE BRASILEIRA DE GERIATRIA E GERONTOLOGIA. Consenso brasileiro de nutrição e disfagia em idosos hospitalizados. São Paulo: Manole, 2010. VERAS, R. P. et al. Desafios a serem enfrentados no terceiro milênio pelo setor saúde na atenção integral ao idoso. Rio de Janeiro: UnATI/UERJ, 2000. VERAS, R. P.; LOURENÇO, R. A. Formação humana em geriatria e gerontologia: uma perspectiva interdisciplinar. Rio de Janeiro: UnATI/UERJ, 2006.

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Capacidade funcional e reabilitação da capacidade funcional


Anexos Testes sugeridos

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Miniexame do estado mental — MEEM Instruções As frases em negrito devem ser lidas alto, clara e lentamente pelo examinador. Substituições aparecem entre parênteses. Circule o “0” se a resposta for incorreta ou o “1” se a resposta for correta. Comece formulando as duas questões seguintes: O(a) sr.(a) tem algum problema com a sua memória? Eu posso fazer algumas perguntas a respeito de sua memória?

Nome:

Orientação no tempo

Resposta

Data:

Escore

Capacidade funcional e reabilitação da capacidade funcional

Em que ano nós estamos? Em que estação do ano nós estamos? Em que mês nós estamos Em que dia da semana nós estamos? Em que dia do mês nós estamos? Orientação no espaço Onde nós estamos agora? Em que estado nós estamos? Em que cidade nós estamos? Em que bairro nós estamos? (parte da cidade ou rua próxima) O que é este prédio em que estamos? (nome, tipo ou função) Em que andar nós estamos?

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113

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Registro Agora, preste atenção. Eu vou dizer três palavras e o(a) sr.(a) vai repeti-las quando eu terminar. Memorize-as, pois eu vou perguntar por elas, novamente, dentro de alguns minutos. Certo? As palavras são: real [pausa], mala [pausa], casa [pausa]. Agora, repita as palavras para mim. [Permita cinco tentativas, mas pontue apenas a primeira.]

Real

Mala

Casa

114 Capacidade funcional e reabilitação da capacidade funcional

Atenção e cálculo [série de 7] Agora eu gostaria que o(a) sr.(a) subtraísse 7 de 100 e do resultado subtraísse 7. Então, continue subtraindo 7 de cada resposta até eu mandar parar. Entendeu? [pausa] Vamos começar: quanto é 100 menos 7 ? Dê 1 ponto para cada acerto. Se não atingir o escore máximo, peça: soletre a palavra mundo. Corrija os erros de soletração e então peça: agora, soletre a palavra mundo de trás para frente (o-d-n-u-m). [Dê 1 ponto para cada letra na posição correta. Considere o maior resultado.]

{93} {86} {79} _____ {72} _____ {65} _____ Soma do cálculo __ __ __ __ __ O D N U M Soma do mundo

Memória de evocação Peça: Quais são as três palavras que eu pedi que o(a) sr.(a) memorizasse? [Não forneça pistas.]

Real

Mala

Casa

Linguagem Aponte o lápis e o relógio e pergunte: O que é isto? (lápis) O que é isto? (relógio)

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Agora eu vou pedir para o(a) sr.(a) repetir o que eu vou dizer. Certo? Então repita: “Nem aqui, nem ali, nem lá.”

Agora ouça com atenção porque eu vou pedir para o(a) sr.(a) fazer uma tarefa. [pausa] Preste atenção, pois eu só vou falar uma vez. [pausa] Pegue este papel com a mão direita [pausa], com as duas mãos dobre-o ao meio uma vez [pausa] e em seguida jogue-o no chão. Pegar com a mão direita Dobrar ao meio Jogar no chão

Por favor, leia isto e faça o que está escrito no papel. Mostre ao examinado a folha com o comando: Feche os olhos

115

Peça: Por favor, escreva uma sentença. Se o paciente não responder, peça: Escreva sobre o tempo. [Coloque na frente do paciente um pedaço de papel em branco e lápis ou caneta.]

Capacidade funcional e reabilitação da capacidade funcional

Peça: Por favor, copie este desenho. [Apresente a folha com os pentágonos que se intersecionam.]

TOTAL

Pontos de corte: analfabetos: 18/19; anos de estudo ≥ 1: 23/24

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FRASE

Frase:

Pentágono

116 Capacidade funcional e reabilitação da capacidade funcional

MEEM

FECHE OS OLHOS

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Escala de depressão geriátrica — EDG Instruções: Inicie dizendo: “Vou lhe fazer algumas perguntas para saber como o(a) sr.(a) vem se sentindo na última semana.” Nome:

Perguntas

Data: ____/____/____

N ou S

0 ou 1

1. O(a) sr.(a) está basicamente satisfeito(a) com sua vida? (Não) 2. O(a) sr.(a) deixou muitos de seus interesses e atividades? (Sim) 3. O(a) sr.(a) sente que sua vida está vazia? (Sim) 4. O(a) sr.(a) se aborrece com frequência? (Sim)

117

5. O(a) sr.(a) se sente de bom humor a maior parte do tempo? (Não)

Capacidade funcional e reabilitação da capacidade funcional

6. O(a) sr.(a) tem medo que algum mal vá lhe acontecer? (Sim) 7. O(a) sr.(a) se sente feliz a maior parte do tempo? (Não) 8. O(a) sr.(a) sente que sua situação não tem saída? (Sim) 9. O(a) sr.(a) prefere ficar em casa a sair e fazer coisas novas? (Sim) 10. O(a) sr.(a) se sente com mais problemas de memória do que a maioria? (Sim) 11. O(a) sr.(a) acha maravilhoso estar vivo? (Não) 12. O(a) sr.(a) se sente um inútil nas atuais circunstâncias? (Sim) 13. O(a) sr.(a) se sente cheio de energia? (Não) 14. O(a) sr.(a) acha que sua situação é sem esperança? (Sim) 15. O(a) sr.(a) sente que a maioria das pessoas está melhor que o(a) sr.(a)? (Sim) Total

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Observações 1. Quando a resposta do paciente for igual à que está entre parênteses, junto à pergunta, o item vale 1 (um) ponto. 2. Quando a resposta do paciente for diferente da que está entre parênteses, o item vale 0 (zero) ponto. 3. A soma total de pontos superior a 5 é sugestiva de depressão.

Índice de independência em atividades de vida diária (AVD) — Katz Nome:__________________________________________________ 118 Capacidade funcional e reabilitação da capacidade funcional

Para cada área de função a ser testada, cheque a descrição que melhor se adapta. O termo “assistência” utilizado tem a conotação de supervisão ou assistência direta de pessoas. Entrevistar o(a) paciente (pac.) e, em seguida, o(a) acompanhante (acomp.). Área de funcionamento

Independente/dependente Pac.

Acomp..

Tomar banho (leito, banheira ou chuveiro) ( ) Não recebe ajuda (entra e sai da banheira sozinho, se este for o modo habitual de tomar banho)

(I)

(I)

( ) Recebe ajuda para lavar apenas uma parte do corpo (como, por exemplo, as costas ou uma perna)

(I)

(I)

( ) Recebe ajuda para lavar mais de uma parte do corpo, ou não toma banho sozinho.

(D)

(D)

( ) Pega as roupas e veste-se completamente, sem ajuda

(I)

(I)

( ) Pega as roupas e veste-se sem ajuda, exceto para amarrar os sapatos

(I)

(I)

( ) Recebe ajuda para pegar as roupas ou vestir-se, ou permanece parcial ou completamente sem roupa.

(D)

(D)

Vestir-se (pega roupa, inclusive peças íntimas, nos armários e gavetas, e manuseia fecho, inclusive os de órteses e próteses, quando forem utilizadas)

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Uso do vaso sanitário (ida ao banheiro ou local equivalente para evacuar e urinar; higiene íntima e arrumação das roupas) ( ) Vai ao banheiro ou lugar equivalente, limpa-se e ajeita as roupas sem ajuda (pode ter objetos para apoio, como bengala, andador ou cadeira de rodas, e pode usar comadre ou urinol à noite, esvaziando-o de manhã)

(I)

(I)

( ) Recebe ajuda para ir ao banheiro ou local equivalente, ou para limpar-se ou para ajeitar as roupas após evacuação ou micção, ou para usar a comadre ou urinol à noite

(D)

(D)

(D)

(D)

( ) Deita-se e sai da cama, senta-se e levanta-se da cadeira sem ajuda (pode usar objeto para apoio, como bengala, andador

(I)

(I)

( ) Deita-se e sai da cama e/ou senta-se e levanta-se da cadeira com ajuda

(D)

(D)

(D)

(D)

(I)

(I)

(D)

(D)

(D)

(D)

(I)

(I)

( ) Alimenta-se sozinho, mas recebe ajuda para cortar carne ou passar manteiga no pão

(I)

(I)

( ) Recebe ajuda para alimentar-se, ou é alimentado parcialmente ou completamente pelo uso de cateteres ou fluidos intravenosos

(D)

(D)

( ) Não vai ao banheiro ou equivalente para eliminação fisiológica Transferências

( ) Não sai da cama Continência ( ) Controla inteiramente a micção e a evacuação ( ) Tem “acidentes” ocasionais ( ) Necessita de ajuda para manter o controle da micção e evacuação; usa cateter ou é incontinente Alimentação ( ) Alimenta-se sem ajuda

0 = Independente em todas as seis funções; 1 = Independente em cinco funções e dependente em uma função; 2 = Independente em quatro funções e dependente em duas funções; 3 = Independente em três funções e dependente em três funções; 4 = Independente em duas funções e dependente em quatro funções; 5 = Independente em uma função e dependente em cinco funções; 6 = dependente em todas as seis funções.

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119 Capacidade funcional e reabilitação da capacidade funcional


Escala de atividades instrumentais de vida diária (aivD) — Lawton Nome: Itens/Opções 1. Telefone Capaz de ver os números, discar, receber e fazer ligações sem ajuda Capaz de responder ao telefone, mas necessita de um telefone especial ou de ajuda para encontrar os números ou para discar Completamente incapaz no uso do telefone

120 Capacidade funcional e reabilitação da capacidade funcional

Pac.

Acomp.. (3)

(3)

(2) (1)

(2) (1)

2. Viagens Capaz de dirigir o próprio carro ou viajar sozinho de ônibus ou táxi Capaz de viajar exclusivamente acompanhado Completamente incapaz de viajar

(3) (2) (1)

(3) (2) (1)

3. Compras Capaz de fazer compras, se fornecido transporte Capaz de fazer compras, exclusivamente acompanhado Completamente incapaz de fazer compras

(3) (2) (1)

(3) (2) (1)

4. Preparo de refeições Capaz de planejar e cozinhar refeições completas Capaz de preparar pequenas refeições, mas incapaz de cozinhar refeições completas sozinho Completamente incapaz de preparar qualquer refeição

(3) (2) (1)

(3) (2) (1)

5. Trabalho doméstico Capaz de realizar trabalho doméstico pesado (como esfregar o chão) Capaz de realizar trabalho doméstico leve, mas necessita de ajuda nas tarefas pesadas Completamente incapaz de realizar qualquer trabalho doméstico

(3) (2) (1)

(3) (2) (1)

6. Medicações Capaz de tomar os remédios na dose certa e na hora certa Capaz de tomar remédios, mas necessita de lembretes ou de alguém que os prepare Completamente incapaz de tomar remédios sozinho

(3) (2) (1)

(3) (2) (1)

(3)

(3)

(2) (1)

(2) (1)

7. Dinheiro Capaz de administrar necessidades de compra, preencher cheques e pagar contas Capaz de administrar necessidades de compra diária, mas necessita de ajuda com cheques e no pagamento de contas Completamente incapaz de administrar dinheiro Total

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Interdisciplinaridade e multiprofissionalidade em Gerontologia: conjugação de saberes e ações Ligia Pyi José Francisco P. Oliveiraii

Psicóloga; gerontóloga pela SBGG; doutora em Psicologia pela UFRJ.

i

Presidente da Comissão Permanente de Cuidados Paliativos da SBGG. Professor de Filosofia; mestre em Filosofia pela Pontificia Università Gre-

ii

goriana (Roma-Itália). Coordenador dos Seminários de Estudo sobre Espiritualidade da Comissão Permanente de Cuidados Paliativos da SBGG.

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123

RESUMO

ABSTRACT

A interdisciplinaridade, melhor chamada de conjugação ou interação de saberes, compreende a capacidade de transformar temas em problemas, integrando saber à vida. Assim focamos a prática em saúde do idoso: ações multiprofissionais, apontando várias direções e sentidos. Trata-se de um permanente diálogo entre as ciências, em que nenhuma delas sobrevive isoladamente ou se sobrepõe à outra, situando os problemas tais como eles se colocam ou se omitem, se resolvem ou desaparecem na prática efetiva da Geriatria e Gerontologia. Desse contexto surge o idoso como sujeito e destinatário de todo saber, pesquisa e ciência e dessa intercomplementaridade de saberes gera-se uma solidariedade de ações.

Interdisciplinarity, better termed the conjugation or interaction of fields of knowledge, comprises the capacity to transform the content of themes into problems to be studied, integrating knowledge with life. Thusly we focus the practice on the health of the elderly: multiprofessional actions, pointing in various directions. It is an ongoing dialogue among the sciences, where none of them survives in isolation or overlays another, ‘situating the problems just as they are posited or omitted, resolved or ceased’ in the effective practice of geriatrics and gerontology. From this context the elderly arise as the subject and object of all knowledge, research, and science, and, from this complementarity of knowledge, a solidarity of actions results.

Palavras-chave: interdisciplinaridade, multiprofissionalidade, Gerontologia.

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Keywords: interdisciplinarity, multiprofessionalism.

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Interdisciplinaridade e multiprofissionalidade em Gerontologia: conjugação de saberes e ações


Introdução A interdisciplinaridade surge, para a ciência, como uma necessidade de transcender, de integrar a fragmentação das especialidades científicas e de confrontar o mundo vivido (MINAYO, 1994). A interdisciplinaridade — melhor chamá-la de conjugação ou interação de saberes — pressupõe nossa capacidade de transformar um tema em problema, em procura, em vida. E o saber que se desliga da vida e do homem, que não responde à vida e ao homem em suas inquietações mais fundas não serve — perdoem-nos — absolutamente para nada.

124 Interdisciplinaridade e multiprofissionalidade em Gerontologia: conjugação de saberes e ações

Tal como encontramos em Japiassu (1976), a interdisciplinaridade se revela na intensidade das trocas entre os pesquisadores, os profissionais, os estudiosos, aliada ao grau de integração das disciplinas que constituem determinado projeto de investigação. Lembremos que, quando procedemos a uma intervenção na nossa prática profissional, estamos, ao mesmo tempo, investigando e intervindo, como nos ensina Bleger (1980). A ciência gerontológica, com suas características de complexidade e abrangência, torna o estudo e a prática interdisciplinares uma exigência da natureza do processo de envelhecimento. A formação profissional em Gerontologia está, assim, necessariamente, fundada na interdisciplinaridade (JECKEL-NETO, 2000). Neste texto, estamos apresentando algumas reflexões epistemológicas acerca da interdisciplinaridade e sua dinâmica na constituição da ciência gerontológica; focamos a prática em saúde do idoso na dinâmica das ações multiprofissionais que devem articular-se interdisciplinarmente; seguimos para uma discussão sobre a presença da interdisciplinaridade na formação profissional e finalizamos com uma abordagem do caráter humanitário peculiar à interdisciplinaridade, que aponta direções e sentidos, como dizemos adiante, maravilhosamente surpreendentes.

Interdisciplinaridade e epistemologia Comecemos com uma reflexão de Johannes Doll: [...] uma análise do mundo científico de hoje demonstra realmente certa tendência à maior interação e integração entre as diferentes ciências, processo que acontece de várias e diferentes formas. Isso não significa necessariamente a abolição da disciplinaridade das

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ciências, mas começa-se a perceber que certos progressos somente serão possíveis compartilhando resultados, métodos e teorias (DOLL, 2006, p. 80).

Hilton Japiassu propõe a interdisciplinaridade como conceito radical e necessariamente ancorado na realidade, afirmando seu estatuto a partir da confluência das práticas individual e coletiva: [...] como prática individual, é fundamentalmente uma atitude de espírito, feita de curiosidade, de abertura, de sentido da descoberta, de desejo de enriquecer-se com novos enfoques [...] como prática coletiva [...] não pode haver nenhum confronto sólido entre as disciplinas sem o concurso efetivo de representantes altamente qualificados de cada uma delas. É preciso que estejam todos abertos ao diálogo, que sejam capazes de reconhecer aquilo que lhes falta e que podem ou devem receber dos outros (Japiassu, 1976, p. 82).

Ivani Fazenda, líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Interdisciplinaridade (GEPI) da PUC-SP, firmou há décadas seu relevante trabalho que vem oferecendo uma contribuição expressiva ao tema da interdisciplinaridade, notadamente na área da educação. Vejamos uma afirmação desconcertante da autora: O primeiro passo para a aquisição conceitual interdisciplinar seria o abandono das posições acadêmicas prepotentes, unidirecionais e não rigorosas que fatalmente são restritivas, primitivas e “tacanhas”, impeditivas de aberturas novas, camisas de força que acabam por restringir alguns olhares, tachando-os de menores (Fazenda, 2008, p. 13).

É talvez desse modo, como diria Piaget (1978), que nós (professores e alunos e todos os eternos estudantes que sempre somos), vamos assimilando informações, acrescentando novas às velhas e procedendo a aberturas inusitadas às possíveis produções que façamos. Olhemos, agora, para as duas dimensões da dinâmica interdisciplinar apontadas por Jeckel-Neto (2000): uma verticalidade que dinamiza a integração de diversas áreas do conhecimento e uma horizontalidade que busca, dentro de uma mesma área, a compreensão do fenômeno em pauta em todas as suas nuanças. Nessa dinâmica, a interdisciplinaridade pressupõe “uma interação maior, onde exista uma coordenação de diferentes disciplinas, um intercâmbio recíproco de resultados, métodos e instrumentos, onde cada ciência saia enriquecida” (DOLL, 2006, p. 81). O autor mostra que, “de certa forma, o saber científico fragmentado se tornou um fim em si mesmo e perdeu o sentido e a razão da própria existência. A alienação

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125 Interdisciplinaridade e multiprofissionalidade em Gerontologia: conjugação de saberes e ações


científica leva os cientistas a colocar recursos e técnicas à disposição sem se preocupar com o uso que será feito deles” (DOLL, 2006, p. 79). A característica interdisciplinar da Gerontologia em muito se assemelha à constituição da Tanatologia. São “ciências novas” que vêm responder aos anseios de uma busca de conhecimentos e práticas, em cujo estatuto epistemológico encontramos o diferencial que nos mostra a originalidade e a peculiaridade desses campos emergentes, urgentes e inovadores. Wass e Neimeyer (1995) estudaram a condição epistemológica da Tanatologia, na qual nos fundamentamos para pensar a constituição da Gerontologia como ciência: os determinantes epistemológicos que ordenam três caminhos constituintes: a colaboração, a complementação e a revolução.

126 Interdisciplinaridade e multiprofissionalidade em Gerontologia: conjugação de saberes e ações

Na colaboração, está a sua necessária incursão nos progressos teóricos e metodológicos de outras áreas do saber que, evidentemente, terão que se abrir ao saber gerontológico, em legítima inter-relação. Na complementação, se fundam as bases da diferenciação da Gerontologia, que se apresenta como especialidade identificável e disponível para o entendimento com outras áreas, em torno de objetivos comuns. Quanto ao desempenho revolucionário, é preciso que seja assumido no sentido de ser capaz de fazer a crítica ao poder hegemônico instituído, crítica que, de um lugar político conservador, não há como ser realizada.

Interdisciplinaridade e atenção aos idosos A multidimensionalidade das questões do envelhecimento abrange todos os campos da civilização. Mais visivelmente se faz presente nas áreas cultural, social, política e econômica, em termos conceituais e de intervenção prática. Aí se incluem com acentuado vigor, entre outras, a educação, a saúde, o direito e a engenharia de acessibilidade, regidos por princípios morais, éticos e estéticos. De acordo com Minayo (1994) no que tange à saúde dos idosos, as questões de origem biológica estão atreladas às expressões emocionais da pessoa que envelhece e se imbricam em outras questões de mesma importância, presentes no universo das relações sociais forjadas nas razões culturais e ambientais. Para a autora, a interdisciplinaridade se apresenta como “uma busca do equilíbrio entre

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a análise fragmentada e a síntese simplificadora, entre a especialização e o saber geral e entre o saber especializado e a reflexão filosófica”. Minayo baseia-se no conceito de “complementaridade dinâmica”, de Muss, para focar a saúde do idoso, em que “não há contradição entre o social propriamente dito, o psicológico e o biológico e sim uma relação peculiar que precisa ser apreendida em toda a sua dimensão”. Assim, tratar da saúde do idoso significa tratar de “questões biológicas [que] estão imbricadas com as relações sociais, expressões emocionais, razões culturais e ambientais” (MINAYO, 1994, p. 74). Assim, a prática da atenção ao idoso, especialmente em saúde, envolve profissionais de diversas áreas. Formam-se as chamadas equipes multiprofissionais, em que cada membro tem que assegurar o conhecimento teórico e prático do seu campo de saber. Na dinâmica desse grupo peculiar, os membros devem articular-se em condições de competência, sensibilidade e dedicação, a fim de garantir a humanização das ações direcionadas ao idoso. É assim que acontece a recomendação da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), de que a promoção da saúde do idoso deve estar a cargo de uma equipe multiprofissional trabalhando de modo interdisciplinar, em que todas as atividades incluam atuações articuladas dos campos: biológico, psicossocial, político e legal (Papaléo Netto, 2011). O autor nos alerta: Assinale-se que, ao lado disso, têm importância a interação e a integração dos componentes da equipe, pois com isso, haverá não só uma visão mais abrangente da pessoa idosa, como também estímulo à formação de conhecimentos de todo o conjunto de profissionais, que poderá ser a alavanca para a realização de pesquisas em todas as áreas da ciência gerontológica (PAPALÉO NETTO, 2011, p. 12).

Interdisciplinaridade e formação profissional A ideia de rede é uma metáfora que tem sido muito usada hoje para representar a complexidade e a pluralidade dos caminhos mediadores na construção do conhecimento. Mais do que uma estrutura rígida, linear, o conhecimento é processo, daí a ideia de rede, ou uma teia que vai se tecendo, na qual tudo está interligado. Portanto, não há hierarquias, não há uma coisa mais fundamental do que outra coisa, não há o em cima e o embaixo, não há matéria mais importante que outra. Há intercomplementaridade dos saberes que, por certo, irá gerar solidariedade de ações.

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127 Interdisciplinaridade e multiprofissionalidade em Gerontologia: conjugação de saberes e ações


Entretanto, as visões escolástica e positivista nos legaram uma herança essencialista: cada coisa é definitivamente isso ou aquilo. No processo da aprendizagem, porém, a realidade não é bem assim, ela vai-sendo, vai-se-tornando; na medida em que vai sendo buscada, ela vai se revelando e vice-versa. Ela nos surpreende e nós a surpreendemos. Na realidade, os nós da rede que vão construindo o conhecimento não se interligam por mera coincidência, como temas que simplesmente se justapõem, mas por estreita interdependência: uma espécie de relação, na qual cada nó enriquece seu significado na medida em que descobre o significado de outro nó.

128 Interdisciplinaridade e multiprofissionalidade em Gerontologia: conjugação de saberes e ações

Assim, uma situação, um evento, uma preocupação mais geral, uma comemoração, uma efeméride, um produto cultural, um desafio mais amplo, uma aspiração de grupo, um sonho de um conjunto de crianças ou jovens, tudo isso pode se constituir em um elo propulsor de interdisciplinaridade e se ramificar até onde, no início de processo, não se conseguia determinar. O papel da linguagem, na interdisciplinaridade, como construção de símbolos, imagens e cultura, é o da mediação e da dinamização das trocas. É que não há interdisciplinaridade sem troca e esta sem linguagem. A interdisciplinaridade resgata a coerência entre fazer-saber-ser. O movimento interdisciplinar é um modo de superação de paradoxos, como todo e parte; teoria e prática; reflexão e ação; unidade e diversidade; homem e sociedade; escola e família. A dimensão interdisciplinar não está só nos projetos montados por equipes docentes/discentes, mas está na ação cotidiana do professor e acaba por se revelar nos resultados dos alunos, por uma renovada visão de si mesmo, de mundo, de sociedade, de ciência e de história. Na construção do processo interdisciplinar, as competências das diversas áreas do conhecimento são elementos essenciais na interligação dos mesmos. A verdade, portanto, não é privilégio de uma ciência, nem uma disciplina se faz, por si só, pressuposto imprescindível de vida. Parece-nos que, também na ação pedagógica, há que se correr o risco (que Sartre propunha em seu Existencialismo): o homem não é isso nem aquilo; é o que se fizer de si mesmo.

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Assim também, o conhecimento que se constrói em nossa prática pedagógica não é acabado nem definido porque não é definitivo, é indefinido porque é inacabado, é inacabado porque está se fazendo, se tecendo continuamente. Da mesma maneira, a tessitura em rede e o desenho dos projetos e ações interdisciplinares não têm uma trajetória previsível, mas vão assumindo direções e sentidos maravilhosamente surpreendentes (Oliveira, 2004).

Interdisciplinaridade e humanidade A interdisciplinaridade é o estatuto da insuficiência dos saberes isolados. Nenhuma ciência, nenhuma área do conhecimento retém o patrimônio da verdade, ou é fonte de todos os valores. É que a interdisciplinaridade, que eu prefiro chamar de conjugação ou interação de saberes, pressupõe nossa capacidade de transformar um tema em problema, em procura, em vida. E o saber que se desliga da vida e do homem, que não responde à vida e ao homem em suas inquietações mais profundas não serve, perdoem-me, absolutamente para nada. A superação dos conflitos inerentes ao ser humano e à sociedade e o dimensionamento dos comportamentos pessoais e coletivos, no sentido da construção da vida feliz em uma sociedade justa, são obra de todo o horizonte do saber. É esta a raiz da interdisciplinaridade. Ninguém (ou nenhum conhecimento) tem uma ética só para si, mas a tem em relação aos outros e ao mundo exterior (PEGORARO, 1995). Portanto, a ética não deve se limitar à prescrição de comportamentos aplicados a determinada disciplina, mas avalia, em termos interdisciplinares, com igual importância, a dimensão geral do saber, para o qual não apenas o intelecto humano, mas também o seu coração, se dirige. Se entendemos, com toda a pertinência, a interdisciplinaridade como uma integração dos saberes, das ideias, dos conceitos, devemos também, analogicamente, entendê-la como uma conjugação de procedimentos, de práticas, de métodos, enfim, de ação, no tratamento, no acompanhamento, no cuidado do idoso, ou no decorrer do processo de envelhecimento. Os profissionais da saúde, a família e o próprio idoso alternam o protagonismo na condução do acompanhamento/tratamento. Sob um aspecto mais simbólico, todos sofrem, todos se tratam, todos envelhecem.

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129 Interdisciplinaridade e multiprofissionalidade em Gerontologia: conjugação de saberes e ações


O objetivo, sem dúvida, utópico da interdisciplinaridade se volta à unidade do saber, mas não só; volta-se também à unidade do fazer. Com certeza, quando se fragmenta o saber e o fazer, fragmenta-se a pessoa, sujeito desses processos. Da mesma maneira que não há um saber nem um conhecimento mais alto, ou mais nobre, ou mais importante que os demais, não há também um participante do processo que se sobreponha aos outros. Pode-se dizer que, sob este aspecto, a interdisciplinaridade se constitui em um grande acordo, que prevê relações bem transitivas e estreitas alianças entre os participantes do processo, incluindo-se aí o idoso. É claro que tudo isso é problemático. A conjugação de saberes e de fazeres é fruto de muita atenção e esforço. É uma conquista a cada dia acontecida.

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REFERÊNCIAS

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131 Interdisciplinaridade e multiprofissionalidade em Gerontologia: conjugação de saberes e ações


Paliação: uma filosofia de cuidado integral Daniel Lima Azevedoi Claudia Burláii Ligia Pyiii

Especialista em Geriatria pela SBGG/AMB. Secretário-geral da Socieda-

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de Brasileira de Geriatria e Gerontologia — Seção Rio de Janeiro (SBGGRJ) na gestão 2010-2012. Geriatra do Comando da Aeronáutica. Especialista em Geriatria pela SBGG/AMB; doutoranda em Bioética

ii

pela Universidade do Porto (Portugal); membro da Câmara Técnica sobre a Terminalidade da Vida e Cuidados Paliativos do Conselho Federal de Medicina (CFM); sócia-fundadora e membro do Conselho Consultivo da Academia Nacional de Cuidados Paliativos; conselheira Médica da SBGG-RJ na gestão 2010-2012. Especialista em Gerontologia pela SBGG; membro da Câmara Técnica

iii

sobre a Terminalidade da Vida e Cuidados Paliativos do CFM; coordenadora da Comissão Permanente de Cuidados Paliativos da SBGG; conselheira gerontóloga da SBGG-RJ na gestão 2010-2012.

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RESUMO

ABSTRACT

O movimento moderno dos cuidados paliativos teve início na segunda metade do século 20. O envelhecimento populacional e o consequente aumento das doenças crônico-degenerativas aumentaram a quantidade de pessoas com doenças incuráveis cujas necessidades têm sido negligenciadas pelos profissionais de saúde — muitos dos quais ainda encaram sua incapacidade de curar uma doença como uma derrota. Eles esquecem que tratam de um ser humano, uma pessoa com sentimentos, emoções, vontades e família. O foco primordial dos cuidados paliativos é a pessoa doente, com ênfase em seu sofrimento físico e suas demandas psicossociais e espirituais. A inserção dos cuidados paliativos no sistema de saúde reafirma um atendimento competente e humanitário em que o paciente, como um ser biográfico, deve ser o protagonista do seu final de vida. Este texto oferece um breve percurso dos cuidados paliativos, desde princípios históricos e conceitos básicos que fundamentam a prática da paliação orientada por reflexões bioéticas até as perspectivas futuras da implementação dos cuidados paliativos no Brasil.

The modern movement of palliative care began in the second half of the 20th century. Populational aging and the consequent rise in chronic and degenerative diseases led to an increasing number of persons with incurable illnesses whose necessities have been neglected by health care professionals — many of whom still consider their helplessness to cure as a defeat. They forget they are dealing with a human being, a person with feelings, emotions, desires and a family. The primary focus of palliative care is the sick person, with an emphasis on the physical suffering and the psychological, social and spiritual demands. The insertion of palliative care in the health care system reaffirms a competent and humanitarian model of care in which the patient, as a biographical being, must be the protagonist of the end of his life. KEYWORDS: paliative care, incurable illnesses, competent and humanitarian model of car, bioethics.

PALAVRAS-CHAVE: cuidados paliativos, doenças incuráveis, atendimento competente e humanitário, bioética. Educação em Rede

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Só então se tornará claro que o amor é a única antítese à instrumentalização da pessoa. Apenas ele nos permite perceber que quanto mais doente ou fraco alguém estiver, mais necessitará dos nossos cuidados. — Adorno

Introdução Com todos os progressos com que o mundo contemporâneo foi contemplado pelos avanços tecnológicos ocorridos na segunda metade do século 20, o envelhecimento populacional e o consequente aumento das doenças crônico-degenerativas fizeram com que as sociedades passassem a ter uma quantidade significativa de pessoas com doenças incuráveis, permanecendo vivas com sequelas e complicações inerentes a essas doenças.

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O modelo da medicina curativa, tão propagado em todo o mundo, cujo foco é o “ataque à doença” de modo intervencionista visando curar o problema, não se coaduna com as necessidades das pessoas com doenças não mais passíveis de um tratamento curativo. Nesse caso, quando todas as possibilidades de intervenção já foram aplicadas sem qualquer êxito, a indicação de um tratamento visando à cura é equivocada e pode inclusive agravar possíveis sequelas que seriam mais brandas caso a doença seguisse seu curso natural. Muito mais importante do que o tratamento farmacológico per se são os cuidados mais abrangentes que se deve ter com o doente e seus familiares. As necessidades da pessoa doente que apresenta sequelas irreversíveis têm sido frequentemente negligenciadas pela equipe clínica responsável pela assistência, e a família fica à mercê da “boa vontade” ou da bem-intencionada ação de alguns poucos profissionais sensíveis à nova realidade dramática em que não se vislumbra solução aparente. Muitos profissionais ainda encaram o não curar uma doença como uma derrota; sentem-se frustrados porque, durante a sua formação e qualificação profissional, a cura foi o objetivo maior e primordial. Em determinados momentos, esses profissionais esquecem que estão tratando de um ser humano, uma pessoa com sentimentos, emoções, vontades e família (esta que tem um papel essencial no tratamento) e não de uma doença ou de um órgão do corpo humano.

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A doença terminal, o processo de morrer e a morte foram “hospitalizadas” nestas últimas décadas e a discussão dessa situação relacionada ao final da vida do ser humano emerge como uma necessidade de aprendizado técnico-científico. As questões em torno da morte — e que interessam a todos — constituem ainda hoje um tema pouco falado. Foi só a partir da Resolução no 1.805/2006 e, mais recentemente, com a entrada em vigor do novo Código de Ética Médica do Conselho Federal de Medicina, que a mídia — em boa hora — veio explorar esse assunto, que ainda gera muita controvérsia por conceitos equivocados disseminados em nossa sociedade. Nesse cenário, surge uma modalidade de assistência voltada para a pessoa com doença incurável que prioriza o indivíduo e não a doença, já que esta não é mais passível de ser “combatida”. O foco primordial é a pessoa doente, com ênfase para seu sofrimento físico e suas demandas psicossociais e espirituais. Esta modalidade de atendimento e de intervenção é conhecida como cuidados paliativos. Existe um clamor pelo atendimento aos que estão morrendo. A inserção dos cuidados paliativos no sistema de saúde reafirma um atendimento competente e humanitário em que o paciente, como um ser biográfico, deve ser o protagonista do seu final de vida. Neste texto, vamos traçar um breve percurso dos cuidados paliativos, trazendo os conceitos básicos que fundamentam a prática da paliação, orientada por reflexões bioéticas. Concluímos com as perspectivas futuras da implementação dos cuidados paliativos no Brasil.

Breve histórico da paliação1 A base etimológica do adjetivo “paliativo” é “pálio”, que abarca um amplo círculo semântico, destacando-se aqui dois blocos que se tangenciam e se complementam: um diz respeito àquilo que “cobre”, “protege”, “agasalha”, “enleva”, “alivia”, “defende” e outro se refere à “distinção”, “singularização”, “individualização” e “poder”. Esse último entendido como encargo, missão e não como dominação ou honra. Como quer que seja, partindo das considerações etimológicas, “cuidado paliativo” não se restringe ao paciente que é cuidado, mas se estende àquele que cuida. Constitui,   Os autores, integrados aos membros do I Seminário de Tanatologia da Comissão Permanente de Cuidados Paliativos da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), desenvolveram um estudo que inclui o histórico e os conceitos básicos da paliação, de cujo relatório (PY et al., 2010) foram extraídos conteúdos para este texto.

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pois, um processo profundamente intersubjetivo, de uma estreita relação pessoal. Tal relação pressupõe uma radical crença no sofrimento do doente. Uma radical sensibilidade às suas queixas. Uma intensa atitude de disponibilidade. Sem isso, a avaliação da intensidade e a extensão da dor, bem como as conotações psicológicas que a cercam, não podem ser convenientemente consideradas, o que é fundamental para as decisões de intervenções médicas (Oliveira, 2010).

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A paliação tem origem nos primórdios da Medicina, embora o movimento dos cuidados paliativos date da segunda metade do século 20. Desde Hipócrates, o médico deve “curar quando possível, aliviar quando a cura não for possível e consolar quando não houver mais nada a fazer” (Doyle, 2004). A tentativa de minimizar a dor durante o processo de morte permeia textos clássicos, como a Ilíada e a Odisseia. Com a evolução do pensamento ocidental, floresceu a discussão filosófica sobre o tema. Pensadores como Montaigne, Spinoza, Heidegger e Hegel — cada um com diferentes percepções a respeito do “refletir sobre a morte”— divergem e complementam a discussão sobre a morte, compondo a multifacetada complexidade de nossa existência. A pesquisa de Philippe Ariès (2002) sobre o modo como as sociedades ocidentais vem lidando com a morte ao longo dos últimos séculos está publicada em A história da morte no ocidente, em que são definidas quatro atitudes diante da morte, cada uma correspondendo a um período histórico. O primeiro, da “morte domada”, tem relação com um sentimento antigo de familiaridade com a morte. O moribundo está resignado: sabe que vai morrer e aceita o seu destino, como os cavaleiros dos mais antigos romances medievais que se deitavam com a cabeça voltada para o oriente ao pressentirem a aproximação da morte. O quarto do moribundo está repleto de familiares, amigos e vizinhos que tomam parte em sua cerimônia pública de despedida. O segundo período inicia-se na segunda metade da Idade Média e foi denominado “a morte de si mesmo”, quando o processo de morrer assume uma conotação ligeiramente mais sombria. O Juízo Final transfere-se para a cabeceira do moribundo, como ilustram as gravuras do Ars Moriendi, e seu comportamento nos momentos derradeiros será vital para definir se ele merece o Céu ou o Inferno. A morte assume um caráter dramático que antes não tinha. É também o período do surgimento do cadáver decomposto na arte e na literatura e da individualização das sepulturas, com a preocupação em conservar a identidade do homem após a morte. O terceiro período, “a morte do outro”, começa a partir do século 18, com intensa exaltação da morte, manifestações familiares exageradas de luto e o

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culto às sepulturas. Cada vez mais, a morte se distancia de um acontecimento do cotidiano para se tornar motivo de transtorno. O quarto e último período sugerido por Ariès é o da “morte interdita”, que vem desde a segunda metade do século 19 até os dias de hoje, com exacerbação após as duas Grandes Guerras. A morte é encarada como vergonhosa, um assunto proibido que desbanca o sexo como o principal tabu das sociedades. Não se diz ao moribundo que ele está prestes a morrer. Existe um pacto de silêncio que busca ocultar a proximidade da morte a qualquer custo. Já não se morre em casa, mas nos hospitais, longe dos familiares — o moribundo perdeu a capacidade de presidir sua cerimônia ritualística (Ariès, 2002). Norbert Elias (2001) é um crítico severo de Ariès, talvez mais que outros. No entanto, o trabalho do historiador francês ainda se sustenta com a visão abrangente que temos a nosso dispor sobre as mudanças do lidar com a morte ao longo da história ocidental. Outros estudiosos confirmam suas impressões sobre a morte nos tempos modernos. A psiquiatra norte-americana Elizabeth Kübler-Ross lançou, em 1969, um livro essencial chamado Sobre a morte e o morrer, no qual apresenta suas conclusões após entrevistas com pacientes portadores de doenças em fase terminal. Ela propõe cinco fases distintas que seriam atravessadas pelo doente: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação (KÜBLER-ROSS, 1987). É um trabalho pioneiro, não apenas pela definição das fases (até hoje discutidas, em especial pela carência de método científico), mas principalmente por colocar em evidência um tema tão controverso. A história dos hospices remonta às construções que ficavam no caminho das caravanas de peregrinos no século 14. Não eram propriamente hospitais, pois recebiam viajantes sãos e doentes, funcionando como abrigos regidos por religiosos. No entanto, como as condições dos deslocamentos eram por vezes brutais, muitos chegavam a esses hospices já moribundos. Os hospices vitorianos da segunda metade do século 19 foram organizados em razão de uma necessidade de encaminhamento da delicada questão dos pobres que morriam — home for the dying poor (GOLDIN, 1981). Enquanto os mais abastados morriam nas enfermarias dos hospitais gerais ou em casa, os pobres eram indesejados nos hospitais gerais britânicos, que estavam em crescente processo de aceitação como centros de cura em uma sociedade que se secularizava. Havia, portanto, também uma estratégia de ocupação de um espaço pela Igreja na organização desses hospices. Não está completamente esclarecido pelos historiadores qual foi o primeiro hospice. Há registros de que tenha sido o St. Vincent’s Hospital, fundado em 1830 em Sidney, Austrália, pelas

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irmãs da Congregação São Vicente de Paulo, que era uma instituição voltada para o cuidado exclusivamente de pessoas que iam morrer, emergindo com um discurso crítico àquilo que acontecia com os pacientes com doenças terminais nos hospitais gerais. Outros hospices foram surgindo pela Europa, como o Our Lady’s Hospice em Dublin, 1879, e o St. Joseph’s Hospice em Londres, 1905. O Dr. Howard Barrett, em 1893, começou um trabalho notável no St. Luke’s Home for the Dying Poor, em Londres, com os primeiros indícios de uma aproximação maior entre os profissionais de saúde e o moribundo. Suas ideias, inovadoras para a época, delineavam um modo de pensar as pessoas ali internadas, não como “casos”, mas cada um na sua singularidade, no microcosmo da particularidade de suas características próprias, na relevância da sua biografia de onde transbordavam as alegrias e as tristezas, as esperanças e os medos; cada uma daquelas pessoas era vista absolutamente diferenciada, profundamente importante não apenas para si mesma, como também para aqueles poucos com quem estava convivendo na proximidade do fim da vida (SAUNDERS, 2003). 138 Paliação: uma filosofia de cuidado integral

Foram esses os antecedentes históricos de Dame Cicely Saunders, que viveu entre 1918 e 2005, enfermeira, assistente social e médica, considerada a figura principal do hospice moderno. Percebendo que as necessidades dos moribundos não estavam sendo atendidas nos hospitais tradicionais ingleses e após um contato transformador com David Tasma, um de seus pacientes, ela reuniu esforços para fundar em Londres o St. Christopher’s Hospice que, desde a sua abertura em 1967, se tornou instituição de referência no campo dos cuidados paliativos e representa o início formal do “moderno movimento hospice”. Saunders impulsionou os estudos na área da paliação, abordando a otimização da analgesia, o suporte aos familiares e o atendimento domiciliar. Era um novo conceito de tratamento com ênfase na qualidade de vida, embasada na valorização da identidade pessoal: “Você importa porque você é você, e você importa até o último momento de sua vida. Nós faremos o que pudermos para ajudar você a morrer em paz, mas também a viver até o momento da morte” (SAUNDERS, 2006, p. 137). Saunders cunhou também a expressão “dor total”, um sintoma intolerável que acomete os moribundos. Não é somente dor física, mas também psicológica, espiritual e até social — exigindo um tratamento holístico para atingir “a melhor morte possível” (SAUNDERS, 1966). A proposta dos conceitos de cuidados paliativos difundiu-se pelo mundo, com grandes centros localizados na França, no Canadá e nos Estados Unidos. Em 1987, a Medicina Paliativa foi reconhecida como especialidade médica no Reino Unido. Existe uma forte tendência de crescimento nessa área, o que traduz a inquietação

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da sociedade e, sobretudo, dos profissionais de saúde, no que diz respeito a como lidar com a morte no dia a dia (DOYLE, 2004). De acordo com informações recentes da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), podemos considerar a década de 1980 como o começo dos cuidados paliativos no Brasil, com uma expansão observável a partir do ano 2000. Encontramos informações e atualizações permanentes sobre cuidados paliativos e terminalidade da vida no site da ANCP: www.paliativo.org.br. Atualmente, contamos com pelo menos 40 iniciativas de paliação em todo o Brasil, dentre as quais se destacam os serviços das seguintes instituições: Hospital Emilio Ribas (SP), Instituto Nacional do Câncer (Inca/RJ), Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (HSPE/SP), Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo (HSPM/SP), Grupo Interdisciplinar de Suporte Terapêutico Oncológico (GISTO) do Hospital Erasto Gaertner (PR), Centro de Estudos e Pesquisas Oncológicas (CEPON/C), Hospital do Câncer de Barretos (SP), Hospital Costa Cavalcanti de Foz do Iguaçu (PR), Hospital do Câncer de Londrina (PR), entre outros (Matsumoto, 2009). O Conselho Federal de Medicina (CFM), atento à urgência e à emergência da paliação no Brasil, instituiu a Câmara Técnica de Terminalidade da Vida e Cuidados Paliativos em 2006. Ela reúne médicos de diferentes especialidades com experiência em paliação, profissionais juristas e de outras áreas da saúde, cujas ações estão veiculadas no site do CFM: www.portalmedico.org.br. Estão publicadas em seu site as inovações do sexto Código de Ética Médica reconhecido no Brasil, em vigor desde 2009, que alterou toda a relação entre médico e paciente. Revisado após mais de 20 anos de vigência do Código anterior, ele traz novidades como a previsão de cuidados paliativos, o reforço à autonomia do paciente e regras para reprodução assistida e manipulação genética. O objetivo, segundo os formuladores, foi construir um código atento aos avanços tecnológicos e científicos, à autonomia e ao esclarecimento do paciente, além de reconhecer claramente o processo de “terminalidade” da vida humana. A autonomia tem sido um dos itens de maior destaque. O documento diz que o médico deverá aceitar as escolhas de seus pacientes, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas, ou seja, no processo de tomada de decisões profissionais, “o médico aceitará as escolhas de seus pacientes relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos”. Além disso, o paciente tem direito a uma segunda opinião e de ser encaminhado a outro médico. Ao mesmo tempo,

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o médico não pode desrespeitar a prescrição ou o tratamento de paciente determinado por outro médico. A exceção é quando houver situação de indiscutível benefício para o paciente, devendo comunicar imediatamente o fato ao médico responsável (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2010). Ademais, em agosto de 2011, a Medicina Paliativa foi reconhecida pelo CFM como área de atuação de seis especialidades médicas: Clínica Médica, Oncologia, Geriatria, Pediatria, Medicina de Família e Anestesiologia. Esse foi um passo fundamental para consolidar a identidade dos paliativistas brasileiros, assegurando a legitimidade de sua atuação profissional.

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Outro tema atualíssimo, instigante e urgente diz respeito à “declaração prévia de vontade” do paciente com doença terminal. Trata-se de um instrumento legal que tem por finalidade assegurar o protagonismo do paciente no seu processo de morrer, uma vez que informa aos médicos e familiares as próprias decisões referentes à instalação e/ou supressão de tratamentos quando da aproximação da sua morte. É muito importante o esclarecimento de Penalva (2009, p. 539): No Brasil, a declaração prévia de vontade do paciente terminal é pouco conhecida pelos médicos e profissionais do Direito. Contudo, é documento válido, pois se coaduna com os princípios constitucionais. Ressalte-se que, devido às especificidades formais e materiais que permeiam este instituto, entende-se por necessária a aprovação de uma lei que o regulamente, a fim de evitar controvérsias e possibilitar sua eficácia.

Conceituando cuidados paliativos Quando o paciente apresenta doença crônica em fase avançada, o final inevitável é a morte. Entretanto, a condução do processo de terminalidade está nas mãos da equipe de saúde. Essa equipe precisa ser treinada especificamente para lidar com situações que propõem a paliação como a abordagem correta para o paciente geriátrico com doença avançada (BURLÁ, 2010). A Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1990, apresentou uma definição para cuidados paliativos, referindo-se particularmente à abordagem da dor no tratamento do câncer (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1990): [...] o cuidado ativo total dos pacientes cuja doença não responde mais ao tratamento curativo. O controle da dor e de outros sintomas, o cuidado dos problemas de ordem psicológica, social e espiritual são o mais importante. O objetivo do cuidado paliativo é conseguir a melhor qualidade de vida possível para os pacientes e suas famílias.

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Em 2002, atendendo à necessidade de ampliar a abrangência da paliação, a OMS apresentou uma nova conceituação para cuidados paliativos (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2002): [...] uma abordagem terapêutica que visa melhorar a qualidade de vida de pacientes e seus familiares em face de problemas associados a doenças que põem em risco a vida, pela prevenção e alívio do sofrimento por meio da identificação precoce e de uma avaliação absolutamente precisa e do tratamento da dor e de outros problemas físicos, psicossociais e espirituais.

Na área da paliação, é preciso observar a diferença entre cuidados paliativos e cuidados ao fim da vida. Cuidados paliativos devem ser aplicados ao paciente em um continuum par e passo com outros tratamentos pertinentes ao seu caso, desde a definição de uma doença incurável e progressiva. Os cuidados ao fim da vida são uma parte importante dos cuidados paliativos, referindo-se à assistência que um paciente deve receber durante a última etapa de sua vida, a partir do momento em que fica claro que ele está em um estado de declínio progressivo e inexorável, aproximando-se da morte (Watson, 2009).

Intervenção na doença Morte

CUIDADO AO FINAL DA VIDA

Cuidado paliativo Diagnóstico

Luto Tempo

Figura 1: O que propõe a OMS para os cuidados paliativos (adaptado do modelo de Cuidado Paliativo da OMS, 2002).

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Um dado de grande relevo na implementação dos cuidados paliativos é a área conceitual da autonomia. Embora não seja o tema deste texto, lembramos que, no comprometimento de autonomia do paciente, ou seja, na incapacidade de tomar decisões, a família e a equipe enfrentam dilemas éticos e precisam fixar bem o objetivo do tratamento. O foco deve ser o cuidado da pessoa, e não de determinado órgão ou sistema que já está em condição de falência evidente. Nesse momento, exigem-se do profissional o máximo de competência técnica no controle dos sintomas e a sensibilidade para uma comunicação efetiva com os familiares, acolhendo suas dúvidas e os tranquilizando. Acima de tudo, diante da fragilidade máxima em que os pacientes estão, o profissional tem o papel de protegê-los de iatrogenias (BURLÁ; AZEVEDO, 2009, p. 167).

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E não podemos falar de cuidados paliativos sem ressaltarmos a bioética que perpassa toda estruturação e a dinâmica do cuidado. Destacamos, aqui, a Justiça, na exigência de um atendimento equânime à saúde de todas as pessoas, sem qualquer distinção. Inspirados por Siqueira (1998, p. 79-80), queremos compartilhar sua profunda inquietação, para que seja a nossa, insistentemente, denunciadoramente, militantemente: Nossas últimas linhas, pesarosamente, são para registrar que vivemos a triste realidade de uma Saúde dos três “i”: ineficiente, iníqua e injusta. Resta-nos o alento de saber que há muito o que fazer e que nossa responsabilidade é grande em buscar implantar princípios de justiça que transformem nossa saúde em uma prática eficiente, equânime e justa. Afinal, é preciso construir o Brasil sobre a Belíndia para que, sem medo, todos possamos dormir em paz.

A “boa morte” A busca da “boa morte” segue-se à negação obsessiva da morte, tão ao gosto da sociedade de consumo do século 20. Para o presente texto, buscamos dois pesquisadores brasileiros que se debruçaram sobre o tema: Rachel Aisengart Menezes e Ciro Floriani. A investigação de um elenco considerável de pesquisadores por Menezes (2004) destaca as visões de Marie de Hennezel, na França, de orientação psicanalítica, e de Ira Byock, nos Estados Unidos, em que os valores de autonomia alcançam o seu ápice. De uma maneira ou de outra, somos alertados para o fato de que “os

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ideólogos da ‘boa morte’ propõem uma aceitação social do processo de morrer, o que produz debates e polêmicas sociais”. Ainda de acordo com Menezes (2004, p. 47): [...] no trabalho de morrer, o indivíduo deve encontrar um significado para sua vida e morte e propiciar aos que o cercam uma oportunidade de crescimento. O modelo “contemporâneo” do morrer “produtivo” indica, então, uma ênfase no fortalecimento dos laços sociais entre todos os envolvidos.

Conquanto no decorrer da história ocidental o acontecimento da “boa morte” já estivesse presente, é no movimento hospice que este modelo assume capital relevância, podendo mesmo ser considerado o fundamento da organização e da dinâmica dos cuidados aos pacientes no seu processo de morrer. Em Floriani (2009, p. 122) encontramos: [...] na morte moderna, a “boa morte” ocorre com a pessoa inconsciente ou indo de um modo súbito, sem ser um incômodo para os outros. Por sua vez, na morte neomoderna os valores relacionados à “boa morte” são a consciência racional e emocional da morte, uma morte fortemente valorizada e “do meu jeito”, vivenciada como um “fim dos negócios”.

Toda atenção ainda poderá não ser suficiente para o alerta em relação às possibilidades da “boa morte”. Por exemplo, a crucial questão da comunicação profissional-paciente, especialmente na relação médico-paciente, impõe-se como prioridade máxima. Na argumentação de Floriani (2009, p. 132), truncamentos nessa comunicação e a consequente desmedida autoridade profissional na definição das intervenções sobrepõem-se ao respeito ao paciente, solapando as possibilidades de diálogo em que o paciente é reconhecido como protagonista do seu processo de morrer. Triunfa, então, o controle profissional sobre o final da vida de um ser biográfico. É ainda Floriani que nos instiga (2009, p. 133): [...] Que tipo de morrer e de morte quer ter o paciente e que tipo de morte ele pode ter? As respostas a estas questões nem sempre encaminham as soluções, mas devem ser conhecidas, quando abordadas em momentos certos. De que modo o paciente poderá ter uma “boa morte” se ele desconhece o que o aguarda em seu percurso?

Nossas preocupações devem inspirar novas inquietações, na ousada busca de relações corajosas com os nossos pacientes e seus familiares, com os nossos colegas de trabalho, relações que estejam fundadas naquilo que temos de mais humano.

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A práxis interdisciplinar2 A concretização dos cuidados paliativos acontece na dinâmica interdisciplinar. Para melhor assimilarmos essa modalidade de intervenção, faz-se necessária uma visita aos cânones da interdisciplinaridade. A interdisciplinaridade é o estatuto da insuficiência dos saberes isolados. Nenhuma ciência, nenhuma área do conhecimento retém o patrimônio da verdade, ou é fonte de todos os valores. É que a interdisciplinaridade, que eu prefiro chamar de conjugação ou interação de saberes, pressupõe nossa capacidade de transformar um tema em problema, em procura, em vida. E o saber que se desliga da vida e do homem, que não responde à vida e ao homem em suas inquietações mais fundas não serve, perdoem-me, absolutamente para nada.

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A preocupação fundamental de uma reflexão epistemológica é a de “situar os problemas tais como eles se colocam ou se omitem, se resolvem ou desaparecem na prática efetiva dos cientistas”. E aí está o homem (Japiassu, 1976). A superação dos conflitos inerentes ao ser humano e à sociedade e o dimensionamento dos comportamentos pessoais e coletivos, no sentido da construção da vida feliz em uma sociedade justa, são obra de todo o horizonte do saber. É esta a raiz da interdisciplinaridade. Ninguém — ou nenhum conhecimento — tem uma ética só para si, mas a tem em relação aos outros e ao mundo exterior (Pegoraro, 1995). Portanto, a ética não deve se limitar à prescrição de comportamentos aplicados a determinada disciplina, mas avalia, em termos interdisciplinares, com igual importância, a dimensão geral do saber, para o qual não apenas o intelecto humano, mas também o seu coração, se dirige. Se a gente entende, com toda a pertinência, a interdisciplinaridade como uma integração dos saberes, das ideias, dos conceitos, deve também, analogicamente, entendê-la como uma conjugação de procedimentos, de práticas, de métodos, enfim, de ação, no tratamento, no acompanhamento, no cuidado do idoso, ou no decorrer do processo de envelhecimento.

2   Um estudo sobre a interdisciplinaridade foi apresentado por José Francisco Oliveira no Curso de Atualização em Gerontologia da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG); o texto nos foi cedido pelo autor (Oliveira, 2010).

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Distanciar-se da esfera das ações individualizadas, departamentalizadas, fragmentadas entre diversos profissionais é o grande horizonte da interdisciplinaridade. O médico, os demais profissionais da saúde, a família e o próprio idoso alternam o protagonismo na condução do acompanhamento/tratamento. Sob um aspecto mais simbólico, todos sofrem, todos se tratam, todos envelhecem. O objetivo, sem dúvida, utópico da interdisciplinaridade se volta à unidade do saber, mas não só; volta-se também à unidade do fazer. Certamente, quando se fragmenta o saber e o fazer, fragmenta-se a pessoa, sujeito desses processos. Da mesma maneira que não há um saber nem um conhecimento mais alto, ou mais nobre, ou mais importante que os demais, não há também um participante do processo que se sobreponha aos outros. Pode-se dizer que, sob este aspecto, a interdisciplinaridade se constitui em um grande acordo, que prevê relações bem transitivas e estreitas alianças entre os participantes do processo, incluindo-se aí, o idoso. É claro que tudo isso é problemático. A conjugação de saberes e de fazeres é fruto de muita atenção e esforço. É uma conquista a cada dia acontecida (OLIVEIRA, 2010).

Considerações finais Os cuidados paliativos são uma resposta ativa aos problemas decorrentes da doença prolongada, incurável e progressiva, na tentativa de prevenir o sofrimento e proporcionar a máxima qualidade de vida possível às pessoas doentes e aos seus familiares. Essa modalidade de tratamento é altamente intervencionista no que tange ao alívio dos sintomas que geram qualquer tipo de sofrimento para a pessoa. Combina harmonicamente a ciência com o humanismo. É essencial que os profissionais tenham um amadurecimento pessoal para conseguir perceber as demandas do seu paciente, assim como conhecer profundamente as doenças envolvidas e as possibilidades de intervenção, farmacológicas e não farmacológicas. Os médicos jamais devem perder o foco da sua atuação: a pessoa doente no seu final da vida, um processo que pode levar dias, semanas ou meses (Burlá; Azevedo, 2011).

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É importante observar que a doença terminal atravessa todas as faixas etárias, desde o recém-nascido até o idoso frágil. Assim, um grupo enorme de pessoas, algumas dezenas de milhares, poderá ser beneficiado quando o sistema de saúde incorporar essa modalidade de atendimento diferenciado. A paliação é centrada na valorização da dignidade da pessoa que, mesmo estando doente, vulnerável e limitada, tem o direito de viver sua vida até o final com o máximo de conforto e qualidade. Como proposta, destacamos: • Os cuidados paliativos deverão ser parte integrante do sistema de saúde, promovendo uma intervenção técnica que requer formação e treinamento específico de todos os profissionais de saúde.

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• Os cuidados paliativos precisam ser corretamente prestados para cumprirem a função de tentar prevenir o sofrimento desencadeado pelos sintomas (dor, fadiga, dificuldade para respirar, agitação, entre outros) e pelas múltiplas perdas associadas à doença crônica e terminal (da potencialidade do corpo às questões psicológicas), podendo inclusive minimizar o risco de lutos complicados. • Os cuidados paliativos são assegurados pela intervenção interdisciplinar em que a pessoa doente e sua família são o centro gerador das decisões de uma equipe, idealmente integrada por médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, musicoterapeutas e também profissionais da área do Direito, da Filosofia, da Teologia e de tantas outras de acordo com as demandas do paciente. Cada um, de posse da sua expertise, será convocado para atender às necessidades específicas do paciente e de seus familiares. O importante é a disponibilidade de todos para prestar o atendimento necessário. • Os cuidados paliativos auxiliam as pessoas que estão em fase final da vida a viver tão ativamente quanto possível até a sua morte, utilizando os recursos técnico-científicos já estabelecidos e, simultaneamente, fazem com que os profissionais envolvidos sejam criativos e humanos nas suas intervenções. Por fim cabe ressaltar que os cuidados paliativos constituem hoje uma resposta indispensável aos problemas do final da vida. Em nome da ética, da dignidade e do bem-estar de cada homem é preciso torná-los cada vez mais uma realidade.

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