Revista Intercâmbio 2011

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SESC  Serviço Social do Comércio Departamento Nacional

R. Intercâmbio

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Rio de Janeiro

v. 1

n. 1

p. 1-112

novembro de 2011

ISSN 2236-7616

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SESC | Serviço Social do Comércio Presidência do Conselho Nacional

Antonio Oliveira Santos DEPARTAMENTO NACIONAL Direção-Geral

Maron Emile Abi-Abib Divisão Administrativa e Financeira

João Carlos Gomes Roldão Divisão de Planejamento e Desenvolvimento

Álvaro de Melo Salmito

Divisão de Programas Sociais

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COORDENAÇÃO EDITORIAL

EDIÇÃO

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Fernanda Silveira

CONSELHO EDITORIAL

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revisão

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produção gráfica

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estagiária de produção

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As fotos desta publicação foram gentilmente cedidas e autorizadas pelas unidades do SESC em Anápolis/GO, Ananindeua/PA, Novo Hamburgo/RS, Dourados/MS, Garanhuns/PE, Crato/CE, Brusque/SC, Navegantes/RS; e pelo arquivo pessoal de Beatriz Portugal Reyes. © SESC Departamento Nacional Av. Ayrton Senna, 5555, Jacarepaguá Rio de Janeiro - RJ CEP: 22775-004 Telefone: (21) 2136-5555 www.sesc.com.br Impresso em novembro de 2011. Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida sem autorização prévia por escrito do SESC Departamento Nacional, sejam quais forem os meios e mídias empregados: eletrônicos, impressos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.

Revista Intercâmbio / SESC, Departamento Nacional – Vol. 1, n. 1 (nov.2011)- .Rio de Janeiro : SESC, Departamento Nacional, 2011- . v. : il. ; 30 cm. Quadrimestral ISSN 2236-7616 1.Ciências Sociais - Brasil. 2. SESC. Departamento Nacional. I. SESC. Departamento Nacional. CDD 306

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Diante da complexa missão que recebeu, em toda a sua história o SESC preservou uma inquietação permanente em favor de seu aperfeiçoamento. Não poderia ser diferente, uma vez que o conceito sobre o bem-estar humano se aprofunda tão logo concebida a ação que lhe é destinada. Além disso, as exigências para a qualidade de vida se ampliam à medida que os progressos sociais e econômicos tomam forma e dimensão. Compreender as possibilidades de atender a essas exigências requer uma cultura de revisão contínua acerca dos fundamentos e propósitos de nossas práticas. É nesse ambiente e com esse fim que se insere a Revista Intercâmbio: para constituir-se em mais um instrumento de evolução do SESC. Difundir reflexões, propostas, relatos; dar voz à contribuição individual de aprofundar conhecimentos e ultrapassar obstáculos; permitir que a releitura do SESC aconteça em cada equipe técnica: esses são os objetivos da Revista Intercâmbio, criada para fortalecer, como tantas outras ações, o autodesenvolvimento organizacional.

Maron Emile Abi-Abib Diretor-Geral do Departamento Nacional do SESC

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SUMÁRIO

Apresentação

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Concepção de infância e leitura como experiência coletiva

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Claudia Santos de Medeiros

Formação de competências como fator diferencial para as organizações

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A estratégia da gestão social

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O olhar de quem aprende

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Reflexões sobre a relação entre exercício físico-esportivo, saúde e lazer

76

Desenvolvimento cultural local

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Edna Sá Ambrosio Mayrink

João Martins Ribeiro

Leonardo Pugliesi Figueiredo

Monica da Silva Castro

Sidnei Cruz

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APRESENTAÇÃO

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SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO

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Com o objetivo de promover e estimular a disseminação de produção técnica e científica em torno de sua ação

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programática, o SESC apresenta a Revista Intercâmbio, um veículo de transmissão de estudos, pesquisas e contribuições dos servidores para o desenvolvimento e a expansão da entidade. Esta publicação abrange a sistematização de projetos e metodologias, bem como de seus resultados, de forma a oferecer uma contribuição ao conhecimento e ao aperfeiçoamento da ação do SESC, por meio do fomento ao diálogo permanente e qualificado entre servidores de suas áreas fim e meio.

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Mestre em Educação Brasileira (2009) e Especialista em Educação Infantil (1996) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio); Pedagoga pelo Instituto Isabel — Centro de Ciências Humanas e Sociais (1993). Sempre trabalhou como professora e coordenadora de Educação Infantil e, desde 1997, é assessora técnica na área de Educação Infantil do SESC — Departamento Nacional. Áreas de atuação: Educação Infantil, prática pedagógica, infância e cultura, alfabetização e formação de professores.

CLAUDIA SANTOS DE MEDEIROS

Concepção de infância e leitura como experiência coletiva:

algumas implicações na formação de leitores na Educação Infantil do SESC

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Educação Infantil, leitura, SESC... Reflexões iniciais A aprendizagem da língua escrita no Brasil sempre foi motivo de debates e reflexão. Quanto à leitura, especialmente, esbarra não só nas questões que envolvem a alfabetização, mas também nos problemas de acervo das escolas e nas práticas que a envolvem. Na Educação Infantil, a leitura também não é diferente. Em cada escola temos uma prática, um acervo, um professor com suas crenças, uma concepção de infância e uma de leitura. Nem sempre em uma mesma escola infância e prática pedagógica são compatíveis: há um discurso que não se aproxima da prática e vice-versa. Diante deste quadro, seria importante pensar sobre que infância e que visão de leitura estamos falando para que, diariamente, enfrentemos o desafio de aproximar o que falamos daquilo que fazemos.

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Apesar de ainda nos depararmos com as mesmas questões na Educação Infantil desenvolvidas nas escolas do Serviço Social do Comércio — SESC por quase todo o Brasil, estamos sempre em busca de práticas de leitura que possam desenvolver outras experiências junto às crianças e, também, aos professores. Apesar dos esforços em formação continuada e também das equipes em ressignificar a educação que receberam na infância, algumas vezes encontramos problemas de acervo — aquisição e disponibilidade de títulos na localidade — e de organização de espaços adequados nas escolas, mesmo que existam bibliotecas nos centros de atividade onde se inserem. Continuamos, entretanto, produzindo histórias interessantes de serem compartilhadas junto a quem trabalha com o segmento. A Educação Infantil é um momento da vida escolar em que crianças e adultos convivem em meio a situações que requerem uma prática pedagógica diferenciada, ainda que sofra as influências do Ensino Fundamental e seu formato de escola. Nessa prática, há um sujeito que se esforça para compreender, fazer parte e tomar parte do mundo que o rodeia: a criança pequena. Diante disso, quais seriam as práticas de leitura compatíveis com tal desafio? O que implica diretamente a construção dessas práticas? É o que tentaremos discutir neste texto.

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De qual infância estamos falando?1 A Proposta Pedagógica da Educação Infantil no SESC (SESC, 1997) reconhece as especificidades das crianças como seres da cultura e criadores de cultura, que brincam e se movimentam, que tentam fazer parte da vida dos adultos, ressignificando as coisas, subvertendo a ordem do mundo. A partir desta concepção de infância, o referido documento ganha forma e tenta organizar as demais concepções — de aprendizagem, de escola, de área de conhecimento etc. Mas por que isso é tão importante? A infância, ao longo da existência humana, nem sempre foi um conceito estruturado como se vê hoje, em que a criança é um ser peculiar, diferente do adulto, com direito a cuidados e à educação; muito pelo contrário. Tomando como base os estudos de Ariès (1981), as concepções de infância foram e são diferentes. Ao relatar a “descoberta da infância” pelo mundo ocidental, tendo como ponto de partida o século XII, no qual se identificam crianças em pinturas sob a forma de homens pequenos, para a compreensão de como “chegamos às criancinhas de Versalhes, às fotos de crianças de todas as idades de nossos álbuns de família” (p. 52), esse autor contribui para a reflexão deste conceito como algo não natural, e sim uma construção cultural e social. Descrevendo alguns “tipos” de criança que foram surgindo a partir do século XIII, tais como “o anjo adolescente”, representado por Fran Angelico e Botticelli no século XV (crianças que ajudavam na missa), “o menino Jesus” ou “Nossa Senhora menina” (a infância ligada à maternidade), “a criança nua” (alegoria da morte e da alma), pode-se perceber que as representações da infância atam-se às crenças e aos valores de uma época.

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Também, na análise de Charlot (1979, p. 101), a imagem da criança surge contraditória aos olhos do mundo adulto: a criança é inocente e má; a criança é imperfeita e perfeita; a criança é dependente e independente; a criança é herdeira e inovadora.

A parte do texto que se refere à concepção de infância foi aproveitada da dissertação de mestrado da autora. MEDEIROS, Claudia Santos de, 2009. 1

Podem-se perceber, nesses julgamentos, características tanto positivas quanto negativas dos seres humanos, dentre as quais eu identificaria, nas de tipo “positivo”, aquelas que comumente são relacionadas às crianças em oposição áquelas do tipo “negativo”, características dos adultos (maldade, imperfeição, fraqueza, teimosia, dependência, instabilidade, agres-

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sividade, desordem, por exemplo). Contudo, o fato de ver a criança “positivamente” (inocente, pura, ingênua, exigente, digna de ser amada e respeitada) a aproxima de um olhar com base em uma “natureza infantil”, cujas contradições lhe são “típicas”. Esta ideia de natureza, que parece dar uma explicação satisfatória de como as crianças simplesmente seriam, se contrapõe, por sua vez, a outro aspecto sobre o qual uma visão de infância fica bem mais densa e complicada: a criança como ser social. E pensar na criança como ser social, e quando eu falo de criança falo também de bebês, significa pensar que infância não significa um simples conjunto de crianças, mas uma categoria social que se opõe a do adulto e que divide com esta espaços na sociedade. Tomando os estudos da linguagem e da cultura de Walter Benjamin, Lev. S. Vygotsky e Mikhail Bakhtin poderemos desconstruir a concepção romântica de infância. Para estes autores, embora por abordagens distintas, não há ser humano que esteja alheio ao mundo em que vive, muito menos às suas tensões e contradições, visto que é o homem, em sociedade, ao mesmo tempo em que ganha vida e sentido, dá sentido e vida à sociedade. Se a sociedade somos todos nós, as crianças também fazem parte dela, vivendo experiências junto com os adultos. É importante destacar que uma experiência, ao ser compartilhada, não significa estar sendo sentida e valorada da mesma maneira pelos sujeitos que dela participam, visto que, se há grupos sociais com interesses divergentes, há enunciados também divergentes, compondo uma arena de vozes sociais (FIORIN, 2006).

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Benjamin (1984), ao nos apresentar sua ideia de infância, mostra que é preciso reconhecê-la como um momento em que o indivíduo, social e cultural, luta pelos espaços que fazem parte da sua história e de seu grupo social. Misturando a criança aos heróis dos livros, reconhecendo-a como fazedora do novo a partir dos restos deixados pelos adultos, apresentando-a como alma penada que entra na classe para não mais ser vista, comparando-a aos braços dos amantes na hora em que encontra seu doce favorito, deixando-a voar em seu cavalo, permitindo que ela colecione as pedras do caminho, ao viajar pelos selos com Vasco da Gama, o autor considera a criança cada vez mais longe da idealização e mais próxima do homem real.

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Ao contar sobre sua infância, ao rememorar a criança que foi, convida-nos a rememorar, também, a nossa infância. Permite-nos ver, a nós mesmos, em uma criança não infantilizada, embora reconhecida nas suas especificidades, especialmente a de brincar e subverter a ordem das coisas, criando imagens e brinquedos, vivendo com eles, descobrindo semelhanças com sua vontade e a necessidade de, às vezes, romper com as tradições e demais convenções. (...) É que as crianças são especialmente inclinadas a buscarem todo local de trabalho onde a atuação sobre as coisas se dê de maneira visível (BENJAMIN, 1984, p. 77).

Da mesma forma, pelos objetos que coleciona, pela maneira como os investiga e cataloga, está no papel de criadora de cultura. (...) Toda pedra que ela encontra, toda flor colhida e toda borboleta apanhada é para ela já o começo de uma coleção e tudo aquilo que possui representa-lhe uma única coleção. (...) Caça os espíritos cujos vestígios fareja nas coisas (BENJAMIN, 1984, p. 79).

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A criança, para Benjamin, se coloca na pele do pesquisador, do alquimista e do bruxo. Para entender os mistérios do mundo, cujos caminhos se dão pela ação da curiosidade e da vontade de compreender, viver, para ela, pode significar, também, que nem tudo lhe foi ou é aceito. Compartilhando da ideia de infância em Benjamin, como seria a escola? O que seria importante pensar no momento de se definir e organizar práticas de leitura?

Leitura como experiência coletiva As experiências infantis, ainda hoje, são vistas por muitos adultos como pouco importantes, como se estes estivessem alheios àquelas, à criança tomada como um “outro”. Kramer (1999, p. 272) defende uma concepção de infância que reconheça suas especificidades, opondo-se a uma “concepção infantilizadora do ser humano”. Porque a infantilização é sempre uma aliada da desqualificação e, nesse sentido, a qualidade do que é oferecido às crianças, muitas vezes, como as propostas e os livros, por exemplo, não é questionada. É o que ocorre quando as escolas solicitam às famílias das crianças os portadores de texto e os materiais que serão utilizados. Isso pode acarretar uma organização de espaços inadequados à prática pedagógica.

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No SESC, seria uma concepção de infância na qual a criança é alguém hoje, com necessidades e direitos emergentes, e não uma pessoa que ainda vai ser alguém quando crescer, em um futuro que virá. E o que seriam os livros e outros materiais de leitura para esta criança? E as propostas? Ver a criança de outra forma que não de um ser da natureza que precisa ser controlado, implica nos vermos — aos adultos — também de outra maneira. Não participar das histórias da criança talvez seja o mesmo que, primeiramente, não se reconhecer nelas, como se as experiências vividas em nossa infância tivessem sido apagadas. De que forma, então, poderemos não só nos reconhecer na infância, mas também entendê-la como um momento que nos leve para muito além do significado de passagem cronológica de uma fase da vida? — “(...) afinal, se existe uma história humana é porque o homem tem uma infância” (KRAMER, 1999, p. 271).

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A criança, na visão de Vygotsky, pode ser uma possibilidade de compreensão de como se dá a construção do conhecimento, aqui entendido como criação humana que se realiza no coletivo, este coletivo que se organiza no movimento social, histórico e cultural. Para tanto, destaca o papel da linguagem como elo entre o sujeito e os outros sujeitos, e o mundo. Ao considerar que é na infância que a linguagem começa a se construir, pode-se dizer que seria a criança quem “primeiro” operaria na construção e compreensão dos signos que circulam ao seu redor. Diante disso, o que dizer sobre o menino Rafael, cujas fotos aqui podemos ver? Na época, com um ano e alguns meses de idade, de pé, lendo jornal com braços postados à frente e, na foto a seguir, sentado sobre a cama, de pernas cruzadas, com

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(1) Rafael Tovar lendo jornal em casa. (2) Rafael Tovar lendo gibi na cama da mãe. Arquivo pessoal – Beatriz Portugal Reyes

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o gibi sobre o colo, a boca entreaberta denotando total atenção à leitura, mesmo sem ainda saber decifrar o código que acompanhava as gravuras. De onde vêm estas posturas de leitor? Rafael era ainda um bebê. É disso que fala Vygotsky. Vygotsky (2000, p. 68) demonstra que, mais do que meros aspectos a serem aprendidos e decorados, os signos são mediadores da construção de conhecimentos, pois trazem consigo ideias, significados cujos valores emergem de determinada cultura. A verdadeira essência da memória humana está no fato de os seres humanos serem capazes de lembrar ativamente com a ajuda de signos.

E Benjamin fala que as crianças, mais do que estarem preocupadas em apenas imitar os adultos, preocupam-se em estabelecer entre os mais diferentes materiais uma nova e, às vezes, incoerente relação. 14

Professora e sua turma de crianças de 4 anos em situação de leitura, quando cada criança escolheu o que gostaria de ler (nesse caso, livros de literatura infantil e/ou gibis da Turma da Mônica). Após esse momento foi proposto o reconto das histórias pelas crianças. Imagem cedida pelo SESC Anápolis, Departamento Regional do SESC em Goiás.

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Rafael certamente vive em uma cultura onde a leitura ocupa um lugar importante. Poderíamos nos arriscar a dizer que presencia pessoas em situação de leitura, que, inclusive, lhe oferecem esses materiais. E mais: esses adultos, por sua vez, assim como ele, estão em meio a uma cultura cujos signos relacionados à língua escrita têm muito peso na sua constituição de sujeito. Tomando o conceito de “experiência coletiva”, de Walter Benjamin, podemos compreender um pouco do que se passa com Rafael. O conhecimento, no sentido da experiência, pode ser distinguido de duas maneiras: o primeiro, obtido em meio à experiência coletiva, aquele que então se desdobra e se acumula, e o segundo, em meio ao isolamento do sujeito, tendo

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Crianças da turma de 4 anos em visita semanal à biblioteca, onde, em pequenos grupos, escolhem os livros para leitura individual ou empréstimo.

então que ser assimilado como se às pressas, já que não há em que/quem se desdobrar. Benjamin destaca duas palavras em alemão que definem, respectivamente, essa distinção de experiência como conhecimento: Erfahrung e Erlebnis.2 Experiência coletiva seria quando nossa voz é ouvida, nossa história reconhecida, seja em uma situação boa ou ruim, quando não nos sentimos sós, tendo que dar conta de coisas com as quais sequer teríamos condição de lidar em determinado momento. E, mais, quando sentimo-nos fazendo parte de um grupo, de uma comunidade, desenvolvendo a prática do pertencimento, compartilhando experiências, nos unindo e tecendo a história com nossas marcas.

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Imagem cedida pelo SESC Anápolis, Departamento Regional do SESC em Goiás.

A leitura, nesta perspectiva, seria uma experiência muito mais coletiva do que solitária e, mais do que, um ato de decifração de um código. Mesmo sozinho, leem-se as palavras escritas pelo autor, um outro. Mas nem sempre os momentos de interação entre adultos e crianças permitem que se deem diálogos que poderiam criar vínculos mais expressivos e afetivos entre todos e, tratando-se de experiências com a leitura, em uma cultura em que ela é colocada como crucial, a experiência nesse sentido conta muito. Falando de experiências com a leitura, em creches e escolas de Educação Infantil, em primeiro lugar, é preciso pensar nas crianças da maneira como são vistas, nas práticas e nos materiais de leitura. Quais seriam necessariamente? As crianças, quando em instituições, não são as mesmas crianças fora delas, pois, em cada espaço, há algo naquilo que a criança faz de si e naquilo que se faz dela (SIROTA, 2001), como ser criança ou

KONDER, Leandro, 1999, p. 83. 2

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ser aluno. Essa autora destaca que a concepção de aluno (traduzida em “ofício de aluno”) nasce da noção de “ofício de criança”, desenvolvido por Kergomard (apud SIROTA, 2001, p. 14). Esta noção definiu-se por uma escola maternal voltada para a natureza infantil, cujos objetivos eram a operação livre dos “processos de maturação e desenvolvimento”. Esta concepção é ainda muito forte nas escolas de Educação Infantil. E o que desejamos para as crianças no SESC? Quando apresentamos propostas, espaços e materiais que as coloquem em contato com a linguagem escrita, por meio de livros ou outros tipos de texto, entendemos que “seria natural transferir o ensino da escrita para a pré-escola” (VYGOTSKY, 2000, p. 154).

16 Menino na sala de aula da turma de 5 anos lendo livro sobre sistema digestório. Ao fundo, na parede, notam-se registros sobre o projeto em mural de “Curiosidades” com uma matéria de jornal. Imagem cedida pelo SESC Novo Hamburgo, Departamento Regional do SESC no Rio Grande do Sul.

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Este autor destaca que “o ensino tem de ser organizado de forma que a leitura e a escrita se tornem necessárias às crianças”. Oswald (1996, p. 64) aponta para as práticas de leitura implicarem diretamente uma metodologia que suspenda “o poder que a escola confere à escrita: a aproximação da escrita com as experiências histórico-culturais, as quais se materializam na linguagem, na oralidade”. Em pesquisa que realizei junto a um Departamento Regional do SESC na região Norte, observei que a prática da leitura na sala de leitura da escola, por exemplo, é aliada a materiais de expressão; histórias são criadas pela turma toda ou em pequenos grupos. As crianças, ainda que não soubessem ler, folhea-

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vam livros e revistas em quadrinhos, sozinhas, em duplas ou em grupos. Alguns textos eram “lidos” de cor, outros apenas contados de maneira própria, mas sempre em tom e postura de leitores. Também escolhiam livros e pediam que a professora os lesse. Segundo as coordenadoras pedagógicas da escola, a proposta da sala é proporcionar a livre escolha de livros, ouvir, contar e criar histórias usando os textos ou os fantoches. A prática da leitura é incentivada pelo viés do prazer. Para Vygotsky (2000, p. 153), o brinquedo de faz-de-conta, o desenho e a escrita devem ser vistos como momentos diferentes de um processo essencialmente unificado de desenvolvimento da linguagem escrita.

Ler e ver livros de história, enciclopédias, revistas, jornais e gibis sem saber ler, ouvir histórias lidas ou contadas por outro e criar e contar outras utilizando fantoches abre uma perspectiva interessante diante dos caminhos da aprendizagem da língua escrita. Vygotsky (2000, p. 156) apresenta essa aprendizagem “não como hábito de mão e dedos, mas como uma forma nova e complexa de linguagem”. A linguagem escrita, assim, pode ser ensinada “naturalmente”, no sentido de que ela possa ser vista “como um momento natural de seu desenvolvimento”, em que a criança deva “sentir necessidade do ler e do escrever no seu brinquedo”.

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Crianças da turma de 3 anos em sala de aula, contando história com fantoches para os colegas. Imagem cedida pelo SESC Dourados, Departamento Regional do SESC no Mato Grosso do Sul.

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Formação de leitores na Educação Infantil e na creche do SESC: conclusões sobre a busca de uma experiência coletiva No SESC, a leitura não só é uma preocupação, é uma intenção, seja em atividades/projetos da área de Cultura, seja de Educação. Além dos cantos de leitura nas salas de aula, salas de leitura e multiuso, há bibliotecas abertas ao público em geral, com canto de leitura infantil, bibliotecas volantes e eventos organizados para a divulgação da leitura — feira de livros infantis e Prêmio SESC de Literatura. Podemos dizer que as crianças e os bebês têm o privilégio de estarem, na maioria das escolas, em meio a um universo de leitura generoso.

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Crianças da turma de 5 anos compartilham conteúdo de livros no “Espaço de Literatura Infantil” da biblioteca da Unidade. Imagem cedida pelo SESC Ananindeua, Departamento Regional do SESC no Pará.

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Muitas das escolas do SESC já buscam caminhos pela leitura com as crianças em meio à ideia de experiência coletiva, ao tentarem organizar espaços especialmente para elas, com mobiliário e acervo, por onde possam livremente circular, escolher e desenvolver autonomia como leitoras; ao oferecerem desde gibis a enciclopédias — revistas de moda, de saúde, de arquitetura, de ciências, livros de literatura premiados, clássicos, poesia, dobraduras, lendas, culinária, livros de diferentes tamanhos, peso, textura, letras de música, notícias de jornal, fichas de leitura —, mas sempre com um texto que respeite a criança como leitora, que permita um tipo de contato com a língua escrita que provoque, mais do que alfabetizar-se, desenvolver as instâncias superiores do pensamento, pois, como diz Vygotsky, quando a

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criança imagina algo, uma situação na qual se vê e vive, no plano da imaginação, é quando ocorre um desenvolvimento maior do pensamento. Então, os bons textos, na Educação Infantil, são aqueles que permitem a imaginação e a possibilidade de estar em companhia do narrador e, assim, estar em experiência coletiva, e também tendo contato com a língua escrita. Outro fator fundamental no trabalho de formação de leitores, na perspectiva de experiência coletiva, é a presença de adultos que leiam bem, que também sejam fascinados pelo texto escrito e, se ainda não o forem, possam ser capturados pelo desejo. Neste sentido, o papel da formação continuada é fundamental. Em grande parte das ações de formação desenvolvidas pela Gerência de Educação — GEA, do Departamento Nacional do SESC, Clarice Lispector, Shakespeare, Isabel Allende, Fernando Pessoa e Machado de Assis são alguns exemplos dos companheiros de roda de leitura para adultos e que depois ficam fazendo parte do acervo da equipe. Como disse uma Professora Auxiliar da Educação Infantil da Escola SESC Pantanal:

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Você dessa vez vai ler o que “prá” gente? As histórias que você lê... Ai, a gente fica louca para ler o livro todo depois!

E isso vale também para o cinema. Os adultos precisam ler os textos antes de trazê-los para as crianças. Devem pensar no que pretendem destacar ou “pular”, sempre planejar momentos nos quais ler pode ser: momento de interpretar, de organizar ideias, de criar sequências, de conhecer novas palavras, perceber sons, ou seja, com objetivos da área de língua portuguesa; também momento de se informar, de pesquisar; momento de ler pelo prazer de ler, de se apaixonar pela leitura! Algumas vezes presenciamos situações nas quais os professores, em busca do melhor caminho, ao convocarem as crianças, se prendem a um único formato: ler e desenhar a história ou a parte de que mais gostaram. Certo dia, assistimos à seguinte cena: a professora anuncia que vai contar uma história para a turma e um menino desabafa: “Que saco! Já vou ter que desenhar de novo!”. Outra forma recorrente de uso da leitura é para dar lição de moral às crianças. Histórias como “Chapeuzinho Vermelho”, por exemplo: em vez de conversarem sobre o drama da personagem, ou mesmo apenas contar a história e deixar que as crianças a comentem na roda, os professores muitas vezes dizem: “Estão vendo o que aconteceu com a Chapeuzinho porque ela não obedeceu à mãe?”. É importante destacar que não se trata aqui de depreciar a intenção dos Concepção de infância e leitura como experiência coletiva: algumas implicações na formação de leitores na Educação Infantil do SESC

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Momento de leitura livre em sala de aula; inclusive a professora está com um livro.

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Imagem cedida pelo SESC Garanhuns, Departamento Regional do SESC em Pernambuco.

professores. Levando-se em conta o conceito de experiência coletiva, a moral dos contos infantis como uma característica do tipo de texto, muitos fatores entram em jogo e colocam a todos nesse tipo de situação. Os professores também foram crianças e tiveram as próprias experiências na sua formação de leitor, e elas voltam, ou melhor, vivem consigo. Benjamin fala que o passado não é o lugar onde encontrar os “culpados”, mas um caminho que, quiçá, poderia ter sido diferente. Neste sentido, olhar o passado pode nos possibilitar outra experiência de futuro. Professores que não gostam de ler podem passar a amar(!) e, assim, compartilhar da nova paixão e contagiar as crianças (para isso, ler junto e na frente da turma é fundamental) e muito mais gente também. Se há atenção na ressignificação de nossa história de vida, relacionada ao nosso percurso de leitor, muita coisa bacana pode ser feita. E compreendendo a leitura como experiência coletiva, as crianças precisam participar de projetos de leitura que envolvam suas famílias, de momentos em que leiam sozinhas, em duplas, em grupos, para os amigos, para que a leitura seja uma prática que os conecte com o outro, sentindo medo, prazer, alegria, tristeza, permitindo críticas, permitindo até não ler. Como diria Pennac (1993, p. 140-141), (...) se quisermos que filho, filha, que os jovens leiam, é urgente lhes conceder os direitos que proporcionamos a nós mesmos, que seriam os direitos imprescritíveis do leitor.

Pennac (1993, p. 140), ao registrar tais direitos, a que ele também chama de “autorizações”, nos permite pensar: se a leitura é uma experiência coletiva, por que a nossa experiência como leitor, a experiência do adulto como leitor, não pode ser “a mesma”

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para as crianças? Se podemos pular páginas, por que a criança não pode? Se podemos ler qualquer coisa, por que a criança não pode? Se podemos ler sem comentar o que lemos, por que elas não podem? Sejam direitos do leitor, sejam deveres de quem propõe a leitura, está em jogo sempre uma experiência coletiva. Pensar que na criança há um leitor em ação implica a ampliação de suas relações com a leitura para descobrir suas funções e características, encontrar aquelas com as que mais se identifica e sente prazer. Vivemos em um mundo onde a língua escrita ocupa um lugar fundamental, e a criança, embora ainda não decifre o código escrito em si, conhece esta língua. Há um texto de Benjamin (1984, p. 55) que ilustra muito bem isso:

Projeto de leitura “Viajando no mundo da imaginação” (turma de 3 anos), no qual uma criança da escola leva para casa uma mala contendo livros e diversos materiais para pintura, colagem etc. Em família, escolhem uma história que é lida em conjunto, seguida de uma ilustração, criação de bonecos, o que desejarem produzir com o material da mala. Na foto, os avós e a empregada da casa, além do irmão bebê, dos pais e do menino (aluno do SESC). Imagem cedida pelo SESC Crato, Departamento Regional do SESC no Ceará.

Em uma história de Andersen aparece um livro cujo preço valia a “metade do reino”. Nele tudo estava vivo. Os pássaros cantavam e os homens saíam do livro e falavam. Mas quando a princesa virava a página eles pulavam imediatamente de volta, para que não houvesse nenhuma desordem. Delicado e confuso, como tanta coisa ele escreveu, também essa pequena fantasia não capta aquilo que é o mais essencial aqui. Não são as coisas que saltam das páginas em direção à criança que as contempla — a própria criança penetra-as no momento da contemplação, como nuvem que se sacia com o esplendor colorido desse mundo pictórico.

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Menina de 3 anos na sala de aula, que deixou o carrinho de boneca para pegar o livro. Imagem cedida pelo SESC Navegantes, Departamento Regional do SESC no Rio Grande do Sul.

Como podemos observar, a leitura da criança aos olhos do autor é um ato em que, mais do que a submissão a um texto poderoso, há um sujeito poderoso que compartilha da experiência do narrador a sua maneira. E continua o texto: Frente ao seu livro ilustrado, a criança coloca em prática a arte dos taoístas consumados: vence a parede ilusória da superfície e, esgueirandose entre tapetes e bastidores coloridos, penetra em um palco onde o conto de fadas vive. [...]. Nesse mundo permeável, adornado de cores, onde a cada passo as coisas mudam de lugar, a criança é recebida como companheira. Fantasiada, com todas as cores que capta lendo e vendo, a criança entra no meio de uma mascarada e também participa. Lendo — pois encontram-se as palavras adequadas a esse baile de máscaras, as quais revolteiam confusamente no meio da brincadeira como sonoros flocos de neve. Príncipe é uma palavra cingida por uma estrela, disse um menino de 7 anos (BENJAMIN, 1984, p. 55).

A leitura no SESC, com tantos espaços, acervos, propostas e escolas, especialmente na Educação Infantil, está em meio à perspectiva de experiência coletiva, podendo passar longe da ideia de “preparar o futuro leitor”. Se concebemos a criança como um sujeito da cultura, que age, tenta compreender e modificar o mundo, a escola não pode ser uma experiência do devir, mas do hoje, do agora. Pensar a formação do leitor na creche e na pré-escola é vê-la como algo muito maior. Vygotsky, ao falar da arte como algo verdadeiramente humano, coloca a experiência da leitura como mais um dos caminhos para a aproximação entre os homens, para a nossa humanização. E como diz Walter Benjamin (1996, p. 123), quem está na companhia do narrador nunca está sozinho. Concepção de infância e leitura como experiência coletiva: algumas implicações na formação de leitores na Educação Infantil do SESC

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Referências ARIÈS, P. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas, I: magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1996. BENJAMIN, Walter. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. São Paulo: Summus, 1984. (Novas buscas em educação, v. 17). BENJAMIN, Walter. Visão do livro infantil. In: BENJAMIN, Walter. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. São Paulo: Summus, 1984. p. 55. CHARLOT, B. A mistificação pedagógica. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. FIORIN, J. L. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006. KONDER, Leandro. Walter Benjamin: o marxismo da melancolia. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

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KRAMER, S. et al. (Org.). Infância e educação: o necessário caminho de trabalhar contra a barbárie. In: KRAMER, S. et al. (Org.). Infância e educação infantil. Campinas: Papirus, 1999. p. 269-280. MEDEIROS, Claudia Santos de. A formação de leitores na creche e na educação infantil do SESC. Rio de Janeiro, 2010. Mimeografado. MEDEIROS, Claudia Santos de. Profissionais de educação, saúde, lazer e cultura que trabalham com a educação infantil: práticas e concepções de infância. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009. OSWALD, M. L. M. B. Infância e história: leitura e escrita como práticas de narrativa. In: KRAMER, S.; LEITE, M. I. F. P. (Org.). Infância: fios e desafios da pesquisa. Campinas: Papirus, 1996. p. 57-72. PENNAC, Daniel. Como um romance. Rio de Janeiro: Rocco, 1993. SESC. Departamento Nacional. Proposta pedagógica da educação infantil no SESC. Rio de Janeiro, 1997. SIROTA, R. Emergência de uma sociologia da infância: evolução do objeto e do olhar. Cadernos de Pesquisa, Rio de Janeiro, n. 112, p. 7-31, mar. 2001. VYGOTSKY, L . S. Formação social da mente. São Paulo: M. Fontes, 2000.

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Certificada pelo Project Management Institute (PMI) como Project Management Professional (PMP), pós-graduada em Gerência Estratégica da Tecnologia da Informação pelo Núcleo de Computação Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Bacharelanda em Ciências da Computação pela Universidade Católica de Petrópolis. Assessora técnica da Gerência de Tecnologia da Informação do Departamento Nacional do SESC, atuando como responsável pela administração dos bancos de dados corporativos do SESC e seus servidores; suporte à equipe de desenvolvimento de sistemas do Departamento Nacional e aos técnicos de informática dos Departamentos Regionais. Atua como voluntária do PMI-Chapter Rio de Janeiro (PMI-Rio), como forma de colaborar com a comunidade de gerenciamento de projetos. Áreas de interesse: gerenciamento de projetos, planejamento estratégico e governança corporativa.

EDNA SÁ AMBROSIO MAYRINK

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Introdução Os impactos do advento de novas tecnologias e da globalização na vida das organizações, principalmente na forma como o trabalho é realizado, têm provocado um descompasso entre as habilidades disponíveis e as exigidas pelos postos de trabalho, o que está ocasionando um repensar em termos do modelo tradicional de gestão utilizado. É difícil, nos dias atuais, encontrar qualquer forma de trabalho ou de processo empresarial que não tenha sido modificado em consequência da evolução tecnológica e da globalização. A tecnologia da informação tem contribuído diretamente para que o processo de reestruturação das organizações caminhe na direção do desenvolvimento e bom desempenho, ela é o meio de suporte e apoio na busca das melhores práticas de processos e tarefas. O impacto da tecnologia na realização do trabalho abrange desde alterações na forma de realização do trabalho individual até a maneira pela qual as empresas trabalham juntas em processos inter-organizacionais, passando pela redefinição da maneira pela qual os grupos de pessoas realizam suas tarefas grupais (GONÇALVES, 2000, p.7).

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Há que se considerar que, ao mesmo tempo em que é positiva a evolução tecnológica, há um lado não muito favorável no que diz respeito a seu acompanhamento. Com todos os recursos tecnológicos disponíveis, a garantia de sucesso do uso de tais recursos não depende somente deles, mas também, e principalmente, dos recursos humanos, os quais precisam manter e utilizar os recursos tecnológicos para disponibilizar informações e contribuir para gerar conhecimento adequado à necessidade da organização, o que requer uma atualização contínua, busca de aperfeiçoamento e a incorporação de novos conhecimentos. O uso da tecnologia da informação é fundamental para atender às mudanças necessárias às organizações, as quais, para se adaptarem rapidamente aos novos cenários apresentados, precisam possuir processos ágeis e informações confiáveis e precisas. Sendo assim, é fundamental ter recursos humanos com competências funcionais adequadas às competências organizacionais e aos desafios estratégicos de uma organização.

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Utilizar a tecnologia da informação de forma adequada nas organizações é considerado complexo devido aos diversos tipos de serviços que podem ser oferecidos frente às reais necessidades e retornos esperados. A tecnologia da informação visa à disponibilização de infraestruturas de hardware, software, telecomunicações, dentre outras, com o objetivo de transformar a informação em suas diversas nuances em proveito de processos de trabalho dentro dos acordos de níveis de serviços estabelecidos junto aos usuários. Nessa premissa, a atuação dos recursos humanos de tecnologia da informação é definida de acordo com os problemas a serem enfrentados, visando à integralidade das ações e requerendo conhecimento, habilidades e atitudes para o desempenho de suas funções. O artigo traz reflexões sobre a importância de identificar as competências funcionais dos recursos humanos de tecnologia da informação, entendendo competências funcionais não como mera peça, mas como elemento fundamental na conquista dos objetivos estratégicos de uma organização, em face da abrangência de como a tecnologia está transformando o trabalho realizado.

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Em termos sociais, a identificação de competências funcionais permitirá um avanço para os recursos humanos de tecnologia da informação no desenvolvimento da autonomia profissional e na qualidade dos serviços oferecidos. Em termos práticos, disponibilizar em uma matriz as competências funcionais exigidas aos recursos humanos de tecnologia da informação de acordo com as necessidades estratégicas de uma organização possibilitará a identificação do gap existente entre as competências funcionais existentes e as requeridas desses recursos humanos, o que, consequentemente, contribuirá para a elaboração de um plano de ação que vise à eliminação do gap, promovendo por sua vez a otimização de processos e dos serviços oferecidos e o alcance dos objetivos estratégicos da organização.

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Impacto da tecnologia da informação nas organizações Desde meados da década de 1960 até hoje, temos vivenciado o mais rápido período de mudanças tecnológicas, econômicas e sociais da história. E mais do que isso, os próximos 25 anos nos prometem novas mudanças, ainda mais rápidas, repletas de turbulências e tensão. Nesse período, grandes organizações, que levaram um século para serem construídas, desapareceram em um ano. Países em que ninguém mais acreditava começam a emergir como novas forças na economia mundial ou mesmo como uma ameaça à estabilidade mundial. Avanços tecnológicos nos computadores, comunicações, materiais e biotecnologia proliferam com uma velocidade cada vez mais crescente. Os impactos sobre a produtividade das organizações podem ser muito significativos “porque a TI é diferente de outras formas de tecnologia afetando, as tarefas de produção e coordenação, bem como expandindo a memória organizacional” (OLIVEIRA, 1996, p. 35). O impacto da tecnologia pode provocar a transformação no trabalho das pessoas, na produção dos grupos, no desenho e no desempenho da própria organização.

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Para Tapscott (apud GONÇALVES 1998, p. 15), a tecnologia tem forte ligação com os sete principais impulsionadores do novo ambiente empresarial, que são: a produtividade dos ”trabalhadores do conhecimento” e prestadores de serviços; a qualidade do produto e do serviço; a capacidade de resposta aos desafios de todo tipo; a globalização dos mercados, das operações e da concorrência; o outsourcing de certas atividades de produção, distribuição, vendas, serviços e funções de suporte; o partnering e a formação de alianças estratégicas; a responsabilidade social e ambiental.

˚˚ ˚˚ ˚˚ ˚˚ ˚˚ ˚˚ ˚˚

Não resta dúvida de que a agilidade em obter informações passou a estar associada às novas tecnologias da informação. Os serviços da internet e de outros sistemas computadorizados colocam à disposição dos compradores não apenas o conhecimento, mas também a possibilidade de transacionar com fornecedores localizados em diferentes regiões e ter acesso a uma ampla variedade de produtos, com diferentes alternativas de preços e qualidade.

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As organizações estão cada vez mais conectadas à rede mundial de computadores (www), oferecendo seus serviços a clientes, criando um mercado eletrônico de negócios. Os administradores, em geral, investem em novas tecnologias, porque acreditam que isso lhes permitirá realizar suas operações mais rapidamente e a um custo mais baixo; utilizam-na para objetivos estratégicos e para planejar e alcançar um ou mais dos três objetivos operacionais independentes: a) Aumentar a continuidade (integração funcional, automação intensificada, resposta rápida). b) Melhorar o controle (precisão, acuidade, previsibilidade, consistência, certeza). c) proporcionar maior compreensão (visibilidade, análise, síntese) das funções produtivas. As atividades mais suscetíveis a alterações, segundo Oliveira (1996), são aquelas intensivas em informação, podendo-se distinguir três grupos:

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˚˚ Produção: a física (crescentemente atingida pela robótica

˚˚

˚˚

e instrumentação de controle), a produção de informação (influenciada pelos computadores em tarefas burocráticas, como contas a receber, contas a pagar, faturamento etc.) e a produção de conhecimento (CAD, CAM, análise de crédito e risco, produção de software etc.). Trabalhos de coordenação, sendo as telecomunicações o instrumento fundamental da mudança. Afeta a distância física, a natureza do tempo sobre o trabalho, armazena informações e mantém a memória organizacional por banco de dados. Gestão, afetando tanto a direção, ao permitir monitorar o ambiente e tomar as decisões para adaptar a organização ao ambiente, e o controle, ao medir a performance e compará-la com os planos estratégicos, para manter-se no rumo desejado.

Essas mudanças vêm surgindo de uma profunda transformação na economia global. Enquanto os países do terceiro mundo passam pelo processo de industrialização, as economias desenvolvidas da Europa Ocidental, América do Norte e Japão são rapidamente transformadas em economias pós-industriais, baseadas em conhecimentos. Nessa nova economia, informação e conhecimento substituem capital físico e financeiro, tornando-se uma das maiores vantagens competitivas nos negócios; e a inteligência criadora constitui-se na riqueza da nova sociedade. Já se tem mais conhecimento das causas dessas transformações no mundo do que se pode imaginar. Historiadores econômicos, ao

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estudarem o desenvolvimento da economia mundial e, particularmente, o desenvolvimento dos países industrializados nos últimos 250 anos, desenvolveram um modelo de como as economias e as sociedades evoluem. O modelo é o seguinte: novos conhecimentos levam a novas tecnologias, as quais, por sua vez, levam a mudanças econômicas, que, consequentemente, geram mudanças sociais e políticas, as quais, em última instância, criam um novo paradigma ou visão de mundo. Esse modelo pode ser utilizado para explicar as dramáticas mudanças econômicas, sociais e políticas que vêm ocorrendo no mundo (CRAWFORD, 1994).

A tecnologia vem transformando as mais diversas esferas da vida do cidadão, mas em especial as práticas de trabalho, forçando a redefinição de algumas funções, influenciando relacionamentos interpessoais e repercutindo na estrutura organizacional. Daí a importância de termos recursos humanos aptos para disponibilizar e manter os recursos oferecidos pela tecnologia da informação dentro da organização.

Tipos de organizações

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Quanto ao uso da tecnologia da informação as organizações se dividem em dois grupos, basicamente: as que possuem TI como seu negócio fim e as que adotam TI como meio de alavancar seus negócios, controlar e otimizar processos. Sendo assim, as competências necessárias variam de acordo com o modelo de TI que a organização possui. O primeiro grupo precisa identificar, adquirir e desenvolver as competências funcionais de seus recursos humanos, com o propósito de fornecer os melhores serviços e soluções de TI a seus clientes e, assim, atingir seus objetivos estratégicos. Diversas são as competências necessárias, desde as de gestão, em diversos níveis e ramos (gestão de projetos, contas, vendas, finanças etc.), como as específicas, de TI, para o desenvolvimento de soluções computacionais (padrões de qualidade, metodologias, técnicas e linguagens de programação, ferramentas de desenvolvimento, projetos de arquitetura de sistemas, administração de dados, administração de banco de dados etc.). O segundo grupo pode se subdividir em organizações em que TI é parte de sua estrutura organizacional, pois, apesar de não possuir TI como seu negócio fim, a área de TI possui forte papel e é responsável por prover e acompanhar a tecno-

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logia com o propósito de oferecer melhores serviços e otimizar os processos da organização; e as organizações que contratam prestadores de serviços para atender suas necessidades e que possuem os aspectos de gestão de contratos e projetos como competências necessárias mais fortes. Para cada uma delas as necessidades de competências se diferenciam. Surgiu um novo paradigma de estratégia empresarial, que chamamos de “abordagem baseada em recursos”, para ajudar as empresas a competirem de forma mais eficaz no contexto de constante mudança e globalização da década de 90. Em contraste com a abordagem estrutural, que discutimos na ciência da estratégia, a nova abordagem vê competências, capacidades, habilidades e ativos estratégicos como a fonte da vantagem competitiva sustentável para a empresa (NONAKA; TAKEUCHI, 1997, p.54).

As organizações, independentemente de seu modelo de negócio, precisam ter a medida exata de quanto a área de TI e seus profissionais valem em termos de retorno e, para o alcance desse retorno, está cada vez maior a parcela relativa da necessidade do desenvolvimento e formação de competências.

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Competências Tecnologia, processos, estruturas são facilmente copiados, pensa-se em algo, implanta-se e em pouco tempo a concorrência já assimilou o seu diferencial, porém o capital intelectual da organização é o único recurso difícil e mais demorado para ser copiado. As pessoas, segundo Sveiby (1998, p. 9-11), “são os únicos verdadeiros agentes na empresa”, e de suas ações depende o futuro das mesmas. Nessa linha, afirma o autor que a competência dos recursos humanos de uma organização faz parte dos ativos invisíveis — ativos intangíveis — constantes no balanço patrimonial de uma organização, muito embora não possa “ser propriedade de ninguém ou de qualquer coisa, a não ser da pessoa que a possui”, pois, afinal de contas, ela é um membro voluntário da organização. A importância dos recursos humanos pode ser mais bem compreendida, com base no entendimento sobre dado, informação e conhecimento. A diferença entre dado e informação pode ser percebida ao entender que a informação é o resultado do relacionamento entre um ou mais dados. Conhecimento é defi-

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nido como: fatos, verdades ou princípios adquiridos a partir de estudo ou investigação; aprendizado prático de uma arte ou habilidade; a soma do que já é conhecido com o que ainda pode ser apreendido. A partir desses significados, percebe-se que os dados e as informações podem ser encontrados em uma variedade de objetos inanimados, desde um livro até um computador, enquanto o conhecimento só é encontrado nos seres humanos. A informação torna-se inútil sem o conhecimento do ser humano para aplicá-la produtivamente, ou seja, um livro que não é lido não tem valor para ninguém: (...) mesmo que os computadores estejam extremamente sofisticados em suas aplicações, eles ainda dependem dos seres humanos para programá-los e determinar quando utilizá-los. E, mais importante do que isso, ainda não foi possível programar um computador para fazer conexões entre informações aparentemente desconectadas e conhecimento, uma característica da criatividade só existente em seres humanos (CRAWFORD, 1994, p. 21).

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Não é de hoje que o conhecimento figura como algo muito importante em nossa história, sendo usado principalmente como ferramenta para a competitividade. Sua aquisição e aplicação sempre representaram um verdadeiro estímulo para as conquistas de inúmeras civilizações. Segundo Davenport e Prusak (1998, p. 14) “o conhecimento não é algo novo”. Novo é reconhecê-lo como um ativo corporativo e, a partir de então, geri-lo e cercá-lo da atenção necessária. O que tem sido amplamente estudado e descrito, desde o final do século XX, em temas como gestão do conhecimento, inteligência competitiva, nova riqueza das organizações, capital intelectual etc. e, principalmente, traduzido e considerado por meio das palavras, em competências dos colaboradores da organização. De acordo com Stewart, Quando o mercado de ações avalia empresas em três, quatro ou dez vezes mais que o valor contábil de seus ativos, está contando uma verdade simples, porém profunda: os ativos físicos de uma empresa baseada no conhecimento contribuem muito menos para o valor de seu produto (ou serviço) final do que os ativos intangíveis — os talentos de seus funcionários, a eficácia de seus sistemas gerenciais, o caráter de seus relacionamentos com os clientes — que juntos constituem seu capital intelectual (STEWART, 1998, p. 51).

A figura 1, a seguir, ilustra como as competências são concebidas com base no conhecimento.

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Processamento Heurísticas e Regras

Figura 1 Gestão do conhecimento.

Julgamento e Valores

Fonte: Adaptado de Santos (2000, p.2).

Dados

Informação

Conhecimento

Competência Sabedoria

Considerando que o termo competência deve ser tratado como individual, característico de cada pessoa segundo o ambiente no qual se insere, todas as pessoas desenvolvem, portanto, a própria competência, seja por meio de treinamento, de prática, de erros, da reflexão e da repetição. “Competência individual é uma ampla combinação de conhecimentos, habilidades e características pessoais que resultam em comportamentos que podem ser observados e medidos” (SANTOS, 2000, p. 4).

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Assim, é por meio de suas competências e habilidades que a pessoa terá performance superior em um trabalho ou em uma situação, o que pode gerar melhor desempenho da organização. É a nova maneira de lidar com o cotidiano, que envolve uma série de comportamentos que algumas pessoas dominam melhor do que outras, que será responsável pelo sucesso ou insucesso das organizações e pela própria carreira profissional. A habilidade crucial que se deseja dos trabalhadores na Economia do Conhecimento é a habilidade para pensar — sintetizar, fazer generalizações, dividir em categorias, fazer referências, discernimento de fatos e opiniões e organização de fatos na análise de problemas. A educação precisa continuar, mesmo depois de concluída a escola formal, pois o conhecimento de qualquer assunto, se não for continuadamente atualizado, torna-se obsoleto. A habilidade mais importante que um empregado deve ter, assim, é a capacidade de aprender (CRAWFORD, 1994, p. 127).

Logo, a noção de competência está associada a aspectos como criatividade, dinamicidade, versatilidade, flexibilidade, polivalência, autonomia, motivação, capacidade de interagir e de trabalhar em equipe, visão de empreendedor, liderança, visão transdisciplinar, aprendizado permanente e contínuo entre outros. Segundo Fleury e Fleury (2001, p. 21), “as competências devem agregar valor econômico para a organização e valor social para o individuo”, conforme a figura 2, a seguir:

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Conhecimentos Habilidades Atitudes

Saber agir Saber mobilizar Saber transferir Saber aprender Saber engajar-se Ter visão estratégica Assumir responsabilidades

Organização

Econômico

Indivíduo Social

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Figura 2 Competências como fonte de valor para o indivíduo e para a organização. Fonte: Fleury e Fleury, 2001, p. 21

Agregar valor

Existem autores que dividem competência profissional em três dimensões diferentes, todas independentes entre si, mas com estreita relação no todo: conhecimento, habilidade e atitude. Segundo Durand (1997), conhecimento corresponde a uma série de informações assimiladas e estruturadas pelo indivíduo que lhe permitem “entender o mundo”, ou seja, o saber que a pessoa acumula ao longo da vida.

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A habilidade está relacionada ao saber como fazer algo ou à capacidade de aplicar e fazer uso produtivo do conhecimento adquirido, ou seja, de instaurar informações e utilizá-las em uma ação, com vistas ao alcance de um propósito especifico (DURAND, 1997). Ao abordar as duas primeiras dimensões do seu modelo (conhecimentos e habilidades), Durand (1997) utiliza a estrutura de análise do conhecimento sugerida por Sanchez (1999), explicando que habilidade refere-se ao saber como fazer algo dentro de determinado processo (know-how), enquanto conhecimento diz respeito ao saber o que e por que fazer (know-what e know-why), ou seja, é a compreensão do princípio teórico que rege esse processo e seu propósito. Por último, Durand (1997) descreve que a atitude, terceira dimensão da competência, diz respeito a aspectos sociais e efetivos relacionados ao trabalho. Ele entende que as pessoas têm preferências por alguns tipos de atividades e mostram interesse por certos eventos mais que por outros. O efeito da atitude é ampliar a reação positiva ou negativa de uma pessoa, ou seja, sua predisposição em relação à adoção de uma ação específica. As três dimensões de competência são tecnicamente interdependentes. Para a exposição de uma atitude, por exemplo, presume-se que o indivíduo conheça princípios ou técnicas

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específicas, da mesma forma, ao adotar determinado comportamento no trabalho, exige-se da pessoa a detenção não apenas de conhecimentos, mas também de habilidades e atitudes apropriadas. A figura três, a seguir, ilustra o conceito de competência sugerido por Durand (1997), evidenciando o caráter de interdependência e complementaridade entre as dimensões do modelo (conhecimentos, habilidades e atitudes), bem como a necessidade de aplicação conjunta dessas dimensões em torno de um objetivo. Durand (1997) acrescenta que o desenvolvimento de competências se dá por meio de aprendizagem individual e coletiva, envolvendo as três dimensões ao mesmo tempo e sincronizadas do modelo, isto é, pela assimilação de conhecimentos, aquisição de habilidades e internalização de atitudes relevantes à consecução de determinado propósito ou para obtenção de alto desempenho no trabalho. 34

Conhecimentos Informação Saber o que fazer e por que fazer

Competência Figura 3 Dimensões da competência. Fonte: Adaptado de Durand (1997).

Habilidades Técnica Destreza Saber como fazer

Atitudes Interesse Determinação Querer fazer

De acordo com Davenport e Prusak (1998, p. 5), “dispor de tecnologia da informação mais sofisticada não implica necessariamente obter melhor informação”, portanto possuir e usufruir de tecnologia para a obtenção das melhores práticas e processos de trabalho dentro de uma organização faz necessário passar por ações que estimulem e incentivem a iniciativa dos recursos humanos de tecnologia da informação para possuírem a competência necessária para lidar com a tecnologia disponível no mercado. Para Fleury e Fleury (2001, p. 20), “o trabalho não é mais o conjunto de tarefas associadas descritivamente ao cargo, mas torna-se o prolongamento direto da competência que o indivíduo mobiliza em face de uma situação profissional cada vez mais mutável e complexa”. Formação de competências como fator diferencial para as organizações: um enfoque nas competências funcionais de tecnologia da informação

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Competências organizacionais (básicas e essenciais) A tecnologia da informação alterou o mundo dos negócios de forma irreversível. A forma pela qual as organizações operam, os modelos e a comercialização de seus produtos e serviços mudaram radicalmente e continuam se modificando até hoje. Segundo Gonçalves (1994, p. 64), “a incorporação das novas tecnologias nos processos de trabalho vai sempre provocar mudanças no ambiente social das organizações”. Mapear e desenvolver competências organizacionais e individuais tem-se tornado uma das estratégias de grandes organizações para atingir sua clientela e objetivos de forma mais eficiente. As competências organizacionais estão constituídas pelo conjunto de conhecimentos, habilidades, tecnologias e comportamentos que uma empresa possui e consegue manifestar de forma integrada na sua atuação, impactando na sua performance e contribuindo para os resultados (NISEMBAUM, 2001, p. 35).

35

Há basicamente dois tipos de competências organizacionais: as básicas — que garantem a sobrevivência de uma organização, já que se não possuir essas competências, estará fora do mercado — e as essenciais — que permitem a diferenciação de uma organização no mercado. Competências básicas, segundo Nisembaum (2001, p. 35), “são as capacidades que a empresa precisa ter para trabalhar, pré-requisitos fundamentais para administrar com eficácia. Representam as condições necessárias, porém não suficientes, para que a empresa possa alcançar liderança e diferenciação no mercado”. Como afirmam Hamel e Prahalad (apud NISEMBAUM 2001, p. 36), “em todos os setores, haverá inúmeras habilidades e capacidades que constituem um pré-requisito para a participação das empresas em determinado setor, mas não fornecem um diferencial em relação aos concorrentes”. Uma competência é considerada essencial quando, segundo Nisembaum (2001, p. 36), “preenche os seguintes requisitos: tem valor percebido pelos clientes; contribui para a diferenciação entre concorrentes; aumenta a capacidade de expansão”.

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São as competências essenciais que irão sustentar os novos desafios e manter as organizações competitivas. Derivam de estratégias organizacionais; devem ser difíceis de serem imitadas; devem oferecer reais benefícios aos seus clientes. Devem ser entendidas como um conceito dinâmico e em permanente mudança e requerem revisão periódica. Uma das características do conceito de competência essencial é a estruturação de um conjunto de habilidades, conhecimentos e atitudes, que na sua manifestação produzem uma atuação diferenciada. Elas não se restringem a uma área específica, estão difundidas de forma ampla em toda a organização. As competências essenciais requerem aprendizagem organizacional coletiva, envolvimento e comprometimento com a integração por meio de áreas estratégicas de negócios. Explorar as competências essenciais depende da capacidade que a organização tem para promover a integração, comunicação e cooperação entre as demais áreas. 36

Competências funcionais e matriz de competências As competências organizacionais estão a serviço não só da manutenção da organização no mercado (competências básicas) como também garantem o seu diferencial competitivo (competências essenciais). A partir daí, surge a necessidade de desdobrar as competências organizacionais em competências funcionais, ou seja, em um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que permita aos recursos humanos desenvolverem suas funções alinhadas com as competências organizacionais e com os objetivos estratégicos da organização. Para que, assim, os recursos humanos sejam fiéis representantes das estratégias competitivas da organização, fazendo com que os clientes percebam, por meio de seus comportamentos, essas competências. Segundo Nisembaum, competência individual é a integração sinérgica das habilidades, conhecimentos e comportamentos, manifestada pelo alto desempenho da pessoa, que contribui para os resultados da organização. A noção de aprendizagem, evolução e transferibilidade faz parte integral do conceito (NISEMBAUM, 2001, p. 90).

Como o sucesso da organização não depende somente de seus dirigentes e, sim, de todo corpo funcional, envolvido direta ou indiretamente na materialização da estratégia empresarial, cabe à organização não só identificar as competências organiFormação de competências como fator diferencial para as organizações: um enfoque nas competências funcionais de tecnologia da informação

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zacionais como também identificar e mapear as competências funcionais que sustentarão as competências essenciais. Para mapear as competências funcionais os recursos humanos precisam compreender e participar das seguintes tarefas:

˚˚ Descrever as atividades diárias e eventuais a serem exe˚˚ ˚˚

˚˚

cutadas. Definir os desafios, oportunidades e ameaças inerentes à função (incluindo recursos materiais, tecnológicos). Identificar e analisar a qualificação necessária (conjunto de competências), as competências específicas da função (conjunto de conhecimentos e habilidades indispensáveis para o desempenho funcional — requisitos e conhecimentos específicos, técnicos), que as atividades exigem e exigirão no futuro. Mapear a matriz de competências.

A matriz de competências é elaborada a partir da análise da função em questão, considerando os conhecimentos técnicos e específicos para a execução das atividades e os conhecimentos, habilidades e atitudes identificados como inerentes às competências organizacionais. A figura 4 ilustra a dinâmica das competências:

Competências Organizacionais

Competências Organizacionais Básicas

Estratégias Empresariais

37

Mudanças no Mercado

Competências Organizacionais Essenciais

Competências Organizacionais Funcionais Conhecimentos fundamentais

Conhecimentos, habilidades e atitudes inerentes às atividades Figura 4 Dinâmica das competências. Fonte: Coutinho (2003, p. 50).

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Conclusões e recomendações O presente artigo propôs demonstrar a importância de identificar as competências funcionais exigidas dos recursos humanos de tecnologia da informação, a partir das competências organizacionais, dos serviços, suas atividades inerentes e dos objetivos estratégicos da organização. A tecnologia da informação possui a incumbência de prover soluções, por meio de realização de estudos de viabilidade e de custo/benefício que resultem no aumento da produtividade na execução de processos e melhoria da organização. As organizações vêm, ao longo de sua existência, informatizando os processos administrativos e técnicos para melhor atender aos seus clientes internos e externos, buscando soluções que assegurem o desempenho de suas atividades de acordo com as melhores práticas disponíveis no mercado. Assim, torna-se necessário traçar um perfil que identifique as competências funcionais adequadas aos profissionais de tecnologia da informação de acordo com as competências organizacionais, visando à melhoria nos processos internos e à garantia da qualidade nos serviços prestados.

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Pode-se afirmar, sem sombra de dúvida, que as organizações de hoje não sobrevivem sem o uso de tecnologia, principalmente da tecnologia da informação. O seu poder é abrangente e decisivo, não somente para aumento da produtividade ou suporte generalizado à tomada de decisão, mas também para um propósito maior, o de oferecer sustentabilidade às organizações. Constatou-se que, mesmo que a tecnologia esteja praticamente trocando homem por máquina, o ser humano continua e continuará sendo o foco principal de êxito de qualquer organização, pois, por trás de uma máquina, sempre haverá a mão de um homem, ou seja, “as pessoas são os verdadeiros agentes nas organizações” (Sveiby, 1998, p. 9). Este artigo pode ser aprofundado por meio de estudos complementares, podendo orientar diversas ações, em especial aquelas relacionadas a gestão de desempenho, recrutamento e seleção, treinamento e desenvolvimento, proporcionando maior consistência horizontal e vertical ao subsistema de recursos humanos da organização.

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As organizações, atualmente, transcendem a concepção burocrática, criam valores, crenças e significados. Os desafios de mudar e evoluir para novas formas de trabalho, na busca de melhores desempenhos, depende de seus líderes. Vivemos na era do conhecimento e torna-se necessário a reestruturação das competências para transformar as informações disponíveis, mais agilmente, em conhecimento e com isso alcançar os objetivos estratégicos. O desenvolvimento de competências funcionais, a partir das competências organizacionais, propicia a aquisição e a atualização contínua dos conhecimentos, habilidades e atitudes, permitindo alcançar um desempenho profissional dos recursos humanos com eficiência e qualidade o que se reverterá na afirmação institucional da organização.

Referências COUTINHO, M. T. Gestão de competências. Apostila de aula do curso MBI, turma 2003.

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Mestre em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, professor de Teoria da Administração, Teoria das Organizações, Logística, Administração de Recursos Materiais e Patrimoniais e Planejamento Estratégico, na Unigranrio, e gerente administrativo no SESC — Departamento Nacional.

JOÃO MARTINS RIBEIRO

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Introdução A palavra é um instrumento irresistível da conquista da liberdade. Rui Barbosa

Qualquer tipo de organização necessita de gestão estratégica. A ausência implica insuficiente formulação orientativa e diretiva em relação às características atuais e presumidas dos ambientes externo e interno, o que resulta em ações defensivas ou agressivas, conforme missão, visão e valores da organização. A inexistência dessa reflexão estratégica pode resultar em ações incompatíveis com essas características, afastando a organização de sua identidade e legitimidade e, até mesmo, comprometendo sua sobrevivência. Uma das formas de classificar organizações é por setores de atuação, a saber: primeiro setor, as organizações de estado com finalidade pública; segundo setor, as organizações privadas com finalidades privadas, ditas comerciais ou que geram lucro; e o terceiro setor, as organizações privadas com finalidades públicas, mais conhecidas como Organizações Não Governamentais (ONGs), em que é aplicada a gestão social.

43

Este estudo decorre da inquietação causada pela proposição de que a gestão estratégica opõe-se à gestão social (TENÓRIO, 2004), pois, conforme já exposto, independentemente do setor ou natureza, todas as organizações necessitam de gestão, e nesta estão implícitas a formulação e a implementação estratégicas, sendo elementos centrais para sua existência. Nosso objetivo é prover fundamento para demonstrar que a gestão estratégica é necessária à gestão social. Para tal, os argumentos baseiam-se na Teoria Geral da Administração e, mais especificamente, na Teoria Geral da Estratégia. A atualidade e a importância da questão social nos fazem crer que esta é uma contribuição dentre tantas que já devem ter sido apresentadas e outras que ainda serão. Nos termos de Durant (1966): De todas as relações a mais universal é a de contraste ou oposição. Cada condição do pensamento ou das coisas — cada ideia e situação do mundo — leva irresistivelmente à sua contrária e une-se em seguida com esta para formar um todo mais elevado ou mais complexo. Esse “movimento dialético” apresenta-se em tudo o que Hegel escreveu. É essa, aliás, uma velha ideia, pressentida por Empédocles

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e encarnada no “áureo meio” de Aristóteles, que escreveu “ser uno o conhecimento dos contrários”. A verdade (como um elétron) é uma unidade orgânica de elementos contrários (DURANT, 1966, p. 281, aspas do autor).

O essencial é que o debate seja cada vez mais enriquecido e que nossas preocupações com o social possam se transformar em ações efetivas.

Gestão estratégica versus gestão social A gestão ou administração é o campo das ciências sociais aplicadas dedicado ao estudo da constituição e condução das organizações. Assim, inicialmente, é preciso identificar os fundamentos que colocam em oposição a gestão estratégica e a gestão social.

44

De acordo com a visão de Tenório (2004, p. 23), a gestão estratégica “ é um tipo de ação social utilitarista, fundada no cálculo de meios e fins e implementada por meio da interação de duas ou mais pessoas na qual uma delas tem autoridade formal sobre a(s) outra(s) e, ainda, (...) é uma combinação de competência técnica com atribuição hierárquica (...)”. Trata-se, portanto, de uma gestão monológica. No tocante à gestão social, ainda segundo o autor, esta “ contrapõe-se à gestão estratégica à medida que tenta substituir a gestão tecnocrática monológica, por um gerenciamento mais participativo, dialógico, no qual o processo decisório é exercido por meio de diferentes sujeitos sociais” (TENÓRIO, 2004, p. 25). Trata-se de ação comunicativa, na qual, de forma dialógica, os atores harmonizam planos e chegam a um acordo ou “consenso racional”.

Teoria Geral da Administração A administração trata da criação e da condução das organizações e, para tanto, assim como as demais áreas de conhecimento, há princípios gerais e específicos de acordo com sua aplicação. Segundo Silva (2004, p. 8), a Teoria Geral da Administração é composta por princípios: A estratégia da gestão social

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Um princípio representa um elemento básico de conhecimento que explica o relacionamento e ajuda na predição do que aconteceria se tal princípio fosse aplicado. (...) Um princípio é uma afirmativa básica ou uma verdade fundamentada que provê entendimento e orientação ao pensamento e à prática, na tomada de decisões.

A esse respeito, não podemos desprezar as tecnologias gerenciais aplicadas ao primeiro e segundo setores, mas a aplicação pura e simples em gestão social dos princípios utilizados em atividades típicas de mercado (TENÓRIO, 2005, p. 54, 55) pode se tornar temerária, pois, segundo Paulo Roberto Motta1 e Georges-Xavier Trepó,2 há um “desfile de modas” e um “efeito vitrine” (TENÓRIO, 2000, p. 205) em gestão empresarial. Dentre os princípios de administração, há esses “modismos” inconsistentes ou, muitas vezes, repetições, sob novo rótulo, de antigos e renomados conceitos. Mas há também os princípios que resultam do processo dialético da ciência e que, ratificamos, com algumas exceções, são aplicáveis a qualquer tipo de organização. 45

Esses princípios, ditos universais, podem ser ajustados a necessidades específicas. Para Henry Fayol,3 tais princípios não são inflexíveis, pois não existe nada de rígido ou absoluto em matéria administrativa. Tudo em Administração é questão de medida, ponderação e bom senso. Os princípios são universais e maleáveis e adaptam-se a qualquer tempo, lugar ou circunstância (CHIAVENATO, 2003, p. 83).

Verifica-se, portanto, que há princípios universais em administração que são aplicados em qualquer tipo de atividade que exija gestão. Por outro lado, há outros, tais como aqueles relacionados a atividades mercadológicas, que são mais específicos e requerem profundas modificações na sua estrutura para serem aplicados, por exemplo, em organizações sociais. Do complexo conjunto de princípios, precisamos definir com mais detalhes o que é administração, e, para tal, optamos por Maximiniano (2004), que afirma o seguinte: Objetivos, decisões e recursos são palavras-chave na definição de administração. Administração é o processo de tomar e colocar em prática decisões sobre objetivos e utilização de recursos. O processo administrativo abrange quatro tipos de decisões, também chamadas processos 1 ou funções: planejamento, organização, execução e controle (MAXI- MOTTA, Paulo Roberto,1994, p. 89 apud TENÓRIO, 2000. MINIANO, 2004, p. 26).

REPÓ, Georges-Xavier, 1994, p. 94 apud TENÓRIO, 2000. 3 FAYOL, Henry, 1950 apud CHIAVENATO, Idalberto, 2003. 2

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Esse conceito ilustra a administração com a ciência das organizações, como já tratado, no sentido de concebê-las (tomar decisões sobre a sua constituição e legitimidade) e conduzi-las (tomar decisões sobre as ações), estando implícito o estabelecimento de objetivos estratégicos que orientem as atividades. De forma resumida, qualquer tipo de empreendimento humano requer administração (CHIAVENATO, 2003). De especial interesse para este estudo é a forma processual da administração por meio das funções de planejamento, organização, direção e controle, que correspondem, respectivamente, ao estabelecimento de objetivos e cursos de ação para seu alcance, à divisão de tarefas e alocação de recursos, à execução prática do empreendimento e à comparação entre o desempenhado e o planejado para fins de retroalimentação do processo. Relevante, também, é a caracterização dos níveis da organização, para a qual utilizaremos Chiavenato (2003), que estabelece três: “nível institucional ou estratégico, nível intermediário e nível operacional” (p. 525-526). Cada um desses níveis corresponde, respectivamente, à administração da organização como um todo; à administração de cada área da organização, articulando o nível estratégico ao nível operacional; e à administração das ações específicas que, em conjunto, contribuem para o alcance dos objetivos da organização estabelecidos no nível estratégico. Em termos gerais, podemos afirmar que no nível estratégico estão as pretensões do empreendimento, e no nível operacional, as respectivas ações que derivam de tais pretensões, cabendo ao nível intermediário realizar as articulações necessárias.

46

A oposição entre gestão estratégica e gestão social não condiz com a Teoria Geral da Administração brevemente apresentada. Por outro lado, essa oposição não deixa de ser, em parte, preocupação com a possibilidade de instrumentos capitalistas extrapolarem o campo econômico e invadirem outras esferas da vida, em especial a gestão das organizações sociais. Nesse caso, não se trata de teoria geral (ou princípios universais), mas de teorias específicas com aplicação delimitada a mercados. Mesmo Tenório (2005), proponente da oposição estratégico-social, recomenda o uso desses princípios gerais: Para superar esses desafios que podem ameaçar sua existência e sua eficiência administrativa, as ONGs têm que pensar em acrescentar às

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suas peculiaridades novos instrumentos de gestão, dotando seus quadros de habilidades, conhecimentos e atitudes que assegurem, ao fim e ao cabo, o cumprimento dos objetivos institucionais (TENÓRIO, 2005. p. 15).

Teoria geral da estratégia A partir do exposto sobre a Teoria Geral da Administração, conclui-se que a estratégia organizacional relaciona-se às pretensões de um empreendimento e aos cursos de ação adotados para que tais pretensões sejam transformadas em realidade. Uma organização sem estratégia fica à deriva no contexto das possibilidades e não proporciona uma orientação para seus integrantes. Segundo Matos (1993), “ buscar o consenso e a sinergia em torno de verdades comuns, traduzidas em objetivos, é o resultado imediato de um exercício de estratégia” (MATOS, 1993, p. 135). Ainda de acordo com esse autor:

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Na estratégia (...), a organização afirma: sua razão de ser (missão), e os valores que norteiam seu comportamento (filosofia); os objetivos, as orientações compatíveis (políticas) e as suas metas (que traduzem os objetivos em alvos concretos e como atingi-los), consideradas as exigências da situação, a níveis de ambiente interno e externo (planejamento estratégico) (MATOS, 1993, p. 135).

Assim, os princípios relacionados à estratégia são do tipo universal e podem ser aplicados a qualquer tipo de atividade, como afirma Pinto (2006) a respeito de estratégia, estendendo-se o seu interesse a praticamente todos os segmentos de presença intelectual e profissional, aí se incluindo as áreas educacional, cultural, artística, política, militar, de gestões do Estado, empresarial, institucional, social, terceiro setor, técnica, tecnológica e científica, entre outras (PINTO, 2006, p. 15).

Afirma ainda Pinto (2006) que, “sem dúvida, estratégia, (...) vem se transformando em um dos principais, ou no principal, instrumentos para o acompanhamento das espantosas velocidades de mudança nos universos econômico, financeiro e até mesmo social” (p. 37). Portanto, configura-se que a gestão estratégica é aplicada a qualquer tipo de organização, na qual a formulação e a implementação podem ser realizadas por processo monológico

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ou dialógico. Conclui-se que o que está em questão não é a estratégia — no sentido de objetivos e cursos de ação da organização —, mas, sim, aspectos relativos à participação, ou não, dos sujeitos no processo. De acordo com Pinto (2006), é bem possível que a busca da excelência retrate bem mais o patamar de zero defeito, ou seja, traduz-se pela impregnação da organização de novos diálogos que se libertam de amarras leoninas dos raciocínios de fluxo de caixa ensejando o surgimento de uma atmosfera coloquial, participativa, interativa e proativa (PINTO, 2006, p. 212).

Esse mesmo autor acrescenta que o desafio estratégico de nossa época atual consiste em fazer com que empresas, corporações, instituições etc. pensem e ajam estrategicamente como um todo. Não se trata mais de realizar planejamento estratégico unicamente no vértice das organizações. O grande desafio é fazer com que a consciência estratégica perpasse por toda a organização (impregnação), mobilizando o maior número possível de colaboradores a pensar e agir estrategicamente (PINTO, 2006, p. 37-38).

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Sob esse prisma, depreende-se que a gestão estratégica (objetivos e cursos de ação da organização) pode ser formulada e realizada por meio de processos participativos e, consequentemente, dialógicos, pois segundo Mintzberg (2000), “pessoas informadas em qualquer parte da organização podem contribuir para o processo de estratégia (...). Quem é melhor para influenciar a estratégia do que o soldado a pé na linha de fogo, o mais próximo da ação?” (MINTZBERG, 2000, p. 135-136). Por outro lado, nada impede que a formulação e a implementação estratégicas sejam realizadas de forma monológica, com ênfase em autoridade e hierarquia. Em verdade, a condução do processo, se monológico ou dialógico, vai depender de uma série de fatores tais como ramo de atividade, tipo e momento da organização e do ambiente externo, eis que este exerce influência sobre a organização. E, principalmente, na concepção dos dirigentes a respeito da natureza humana. Nesse particular, verifica-se que a proposição de gestão estratégica de Tenório (2004) está mais relacionada às escolas de estratégia denominadas como prescritivas. Mas há outras, de acordo com Mintzberg (2000), “não racionais/não prescritivas, as quais sinalizam outras formas de olhar para a administração estratégica” (p. 24).

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Outro aspecto relevante nas proposições de Tenório (2004) é a caracterização da gestão estratégica orientada ao sucesso, adequando meios a fins, enquanto gestão social é orientada ao entendimento. O trecho “desenvolver o conceito de gestão social, cujo conteúdo é fundado na democratização das relações sociais e não na consecução de resultados como é o caso da gestão estratégica” (TENÓRIO, 2004, p. 10-11) demonstra essa proposição. Diante da formulação apresentada sobre a importância da administração e da gestão estratégica em qualquer forma de empreendimento humano, conclui-se, em contraposição, que a gestão social também busca resultados e sucesso relacionados à finalidade da organização e aos sujeitos que a compõem, pois, de acordo com Collins, as entidades sociais precisam desesperadamente de disciplina (...). Ainda que não precisem gerar lucro, têm de criar uma engrenagem econômica que as permita alcançar sua missão.

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Na impossibilidade de recorrer a indicadores clássicos de negócios — como retorno sobre o investimento —, as organizações sociais deveriam se concentrar em buscar indicadores que reflitam a essência de suas propostas (COLLINS, 1983 apud RESEMBURG, 2006, p. 102).

Suponhamos, por exemplo, uma organização que visa combater a fome em determinada área e que adota gestão totalmente dialógica. Do entendimento dos sujeitos participantes não surgirão objetivos a alcançar e cursos de ação para tal? De outra forma, como as ações seriam orientadas e articuladas? Não havendo preocupação com a adequação de meios a fins, não se corre o risco de estabelecer uma gestão perdulária, comprometendo a finalidade do empreendimento? A resposta a esses questionamentos é que sem a gestão estratégica a fome não será combatida de forma efetiva e, consequentemente, a sobrevivência da organização, em que pese a nobre missão, estará em risco.

Conclusão A oposição entre gestão social e gestão estratégica não converge com nosso entendimento, visto que a gestão social, como qualquer outro empreendimento humano, busca resultados e, portanto, necessita de estratégia.

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O que fica claro é que na gestão de organizações sociais, na formulação e implementação estratégicas, especificamente as do terceiro setor, é mais adequado o uso de processos dialógicos, pois a busca de justiça social e solidariedade está no cerne de tais organizações, e processos monológicos seriam, em tese, incongruentes. Assim, concluímos que a gestão estratégica não é incompatível com a gestão de organizações sociais. Vamos além, considerando-a essencial para sua sobrevivência, pois, independentemente do tipo de organização, é no nível estratégico e nos planos e ações decorrentes que está o cerne das organizações. Além disso, concluímos que o simples uso da palavra gestão ou administração implica a concepção e a condução estratégica das organizações, não havendo possibilidade de dissociação, e que a forma de aplicação, se autocrática ou participativa, não diz respeito à gestão estratégica em si, mas sim a outros fatores situacionais, não havendo, portanto, princípio de administração que vincule a gestão estratégica à ação monológica.

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Finalizando, entendemos que a gestão dialógica (participativa) é a mais adequada às organizações do terceiro setor, e que estas tendem a caminhar no sentido de maior adoção dos instrumentos de controle utilizados nas organizações do segundo setor. De forma semelhante, as organizações do segundo setor (mercado) mostram a tendência de buscar mais participação em seus processos.

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Referências CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à teoria geral da administração: uma visão abrangente da moderna administração das organizações. 7. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003. COLLINS, Jim. Empresas feitas para vencer: por que apenas algumas empresas brilham. Tradução de Maurette Brandt. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. DURANT, Will. História da filosofia: vida e ideias dos grandes filósofos. Tradução de Godofredo Rangel e Monteiro Lobato. 12. ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1966. (Série 1, v. 1). MATOS, Francisco Gomes de. Estratégia de empresa. São Paulo: Atlas, 1993. MAXIMINIANO, Antonio César Amaru. Teoria geral da administração: da revolução urbana à revolução digital. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004. 51

MINTZBERG, Henry; AHLSTRAND, Bruce; LAMPEL, Joseph. Safári de estratégia. Porto Alegre: Bookman, 2000. PINTO, Luiz Fernando da Silva. O homem, o arco e a flecha: em direção à teoria geral da estratégia. 4. ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2006. RESEMBURG, Cynthia. Terceiro setor: podem não dar certo, mas têm de dar resultado. Exame, v. 40, n. 7, p. 106, 12 abr. 2006. SILVA, Reinaldo Oliveira da. Teorias da administração. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004. TENÓRIO, Fernando Guilherme. Um espectro ronda o terceiro setor, o espectro de mercado: ensaios de gestão social. 2. ed. Ijuí: Ed. Ijuí, 2004. TENÓRIO, Fernando Guilherme. Flexibilização organizacional: mito ou realidade? Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2000. TENÓRIO, Fernando Guilherme (Org.). Gestão de ONGs: principais funções gerenciais. 9. ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2005.

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Pós-graduado em Pesquisa de Mercado e Opinião Pública pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), bacharel em Ciências Estatísticas pela Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE) e licenciado em Matemática pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Assessor técnico da Seção de Estatística/GEP/DPD do Departamento Nacional do SESC e professor de Matemática do Ensino Médio da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEE-RJ). Principais áreas de interesse: Educação, Estatística e Pesquisa de Mercado.

LEONARDO PUGLIESI FIGUEIREDO

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percepções dos alunos sobre a Escola SESC de Ensino Médio

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Introdução Entre as principais características que distinguem o ser humano das outras espécies animais está a sua capacidade de pensar, de refletir, de criar coisas novas a partir de experiências passadas. Essa capacidade é potencializada pelo processo de desenvolvimento do ser humano e adquirida por meio da educação. Ela é responsável por transferir os modos culturais de ser, estar e agir necessários à convivência em sociedade às gerações que se seguem. Ensinar e aprender englobam todo o processo educacional do ser humano. No Brasil, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 205, define que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

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Assim, o Serviço Social do Comércio — SESC apresenta uma alternativa aos modelos tradicionais de ensino, inaugurando, em 2008, na cidade do Rio de Janeiro, a Escola SESC de Ensino Médio, propondo uma escola-residência com aprendizado em tempo integral, que atende alunos procedentes de todos os estados do Brasil e Distrito Federal. A conclusão do primeiro ano letivo da Escola SESC surge como um momento oportuno para reflexão e levantamento de informações que auxiliem na elaboração de estratégias para o futuro da escola. Este artigo apresenta as percepções dos alunos sobre os serviços oferecidos pela Escola SESC em algumas de suas áreas, entendendo que “o olhar do aluno” tem papel fundamental no processo de aprendizagem da escola. A percepção, segundo Sternberg (2000), deve ser entendida como “ um conjunto de processos psicológicos pelos quais as pessoas reconhecem, organizam, sintetizam e conferem significação às sensações recebidas por meio dos estímulos.” Além da Constituição Federal de 1988, existem duas leis que regulamentam e complementam o direito à educação: o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, e a Lei de Diretrizes e O olhar de quem aprende: percepções dos alunos sobre a Escola SESC de Ensino Médio

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Bases da Educação, de 1996. Juntas, essas leis abrem as portas da escola pública fundamental a todos os brasileiros, já que nenhuma criança, jovem ou adulto pode deixar de estudar por falta de vaga. Diversas iniciativas foram realizadas com o objetivo de colocar em prática um modelo de educação com qualidade e acessível a todos os brasileiros. Uma dessas tentativas foi a criação do Centro Integrado de Educação Pública — CIEP, popularmente apelidado de “brizolão”. Implantado inicialmente no estado do Rio de Janeiro, ao longo dos dois governos de Leonel Brizola (1983-1986 e 1991-1994), os CIEPs tinham como objetivo oferecer ensino público de qualidade, em período integral, aos alunos da rede estadual. Nesse projeto educacional, de autoria do antropólogo Darcy Ribeiro, os alunos tinham aulas das 8h às 17h, e a eles eram oferecidos, além do currículo regular, atividades culturais, estudos dirigidos e educação física. Os CIEPs proporcionavam ainda refeições completas aos seus alunos, além de atendimento médico e odontológico.

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Porém governos que sucederam ao de Leonel Brizola não deram continuidade administrativa ao projeto, desvirtuando a sua principal característica: o ensino integral. Desse modo, os CIEPs tornaram-se escolas convencionais e com o ensino dividido em turnos. A implantação de escolas com ensino integral tem sido um grande e importante desafio a todos que veem a educação como um dos fatores fundamentais na construção de uma sociedade. Experiências recentes indicam a necessidade de articular políticas públicas para que a Educação Integral torne-se uma experiência inovadora e sustentável ao longo do tempo.

Políticas públicas na educação Atualmente, a discussão do processo de ensino e aprendizagem é a temática mais desafiadora que se apresenta nas escolas. A qualidade da educação, as transformações ocorridas, o tipo de ensino que acontece dentro e fora das salas de aula e as práticas pedagógicas implantadas são assuntos de discussões e debates em congressos e seminários.

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Os teóricos da área de educação têm efetivado debates e discussões sobre a importância de não se conceber mais uma educação na qual o foco central seja o professor e cujas aulas não sejam realmente significativas e relacionadas às experiências de vida e condizentes com a realidade social dos alunos. De acordo com Garcia (1999, p. 19) a formação é compreendida como um “processo de desenvolvimento e de estruturação da pessoa, que se realizam com o duplo efeito de maturação interna e de possibilidade de aprendizagem, e de experiências dos sujeitos”. Percebe-se, assim, a necessidade de o aluno entrar em contato com a realidade que vai encontrar após a sua formação de uma forma mais efetiva. Diante dos desafios da sociedade contemporânea e, especialmente, do ensino no Brasil, indaga-se: que objetivos educacionais devem ser estabelecidos para garantir uma educação pública de qualidade? Que diretrizes devem guiar a prática educativa, a fim de construir uma sociedade democrática e igualitária para todos? Que cidadão se quer formar? Que preparação os alunos precisam ter para a vida produtiva em uma sociedade cada vez mais tecnológica? Certamente não é fácil responder a essas e a outras questões, uma vez que os quadros econômico, político, social e educacional no Brasil são complexos.

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Segundo José Carlos Libâneo, três objetivos fundamentais devem servir de base para a construção de uma educação pública de qualidade no contexto atual: preparação para o processo produtivo e para a vida em uma sociedade técnicoinformacional, formação para a cidadania crítica e participativa, e formação ética (2007, p. 118).

A preparação para o processo produtivo e para a vida em uma sociedade técnico-informacional envolveria a necessidade de a escola preparar o aluno para o mundo do trabalho e para formas alternativas de trabalho, “tendo em vista a flexibilização que caracteriza o processo produtivo contemporâneo e a adaptação dos trabalhadores às complexas condições de exercício de sua profissão” (LIBÂNEO, 2007, p. 118). No entanto, a formação para a cidadania crítica e participativa diz respeito a cidadãos capazes de interferir criticamente na realidade para transformá-la, e não apenas para integrar o mercado de trabalho.

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Já a formação ética, para Libâneo (2007, p. 120), trataria de formar valores e atitudes diante do mundo da política e da economia, do consumismo, do individualismo, do sexo, da droga, da depredação ambiental, da violência e, também, das formas de exploração que se mantêm no capitalismo contemporâneo.

O Brasil ainda é um país de muitas desigualdades sociais e culturais. Porém acredita-se que por meio do investimento em educação essas desigualdades podem ser reduzidas e até corrigidas. Considerando a relevância dessa temática e com base nessas premissas, avaliar políticas públicas em educação a partir do olhar do aluno torna-se importante, já que ele será o agente transformador de uma sociedade melhor no futuro.

A Escola SESC de Ensino Médio 56

Atendendo alunos procedentes de todo o Brasil, a Escola SESC caracteriza-se por ser uma escola-residência que tem por filosofia a busca pelo desenvolvimento pleno do aluno. O propósito da escola fundamenta-se na excelência acadêmica, na valorização do trabalho e do esforço pessoal, na autodisciplina e na ética. Curiosidade intelectual, aprendizado em tempo integral, desenvolvimento físico, criatividade, pensamento crítico, troca de ideias e respeito às diferenças individuais e coletivas permeiam todo o processo educacional. A Escola SESC engloba uma comunidade residencial de alunos e professores que encoraja e valoriza a convivência com a diversidade, em ambiente de prática contínua de ética, honestidade, responsabilidade, civilidade, justiça e solidariedade, valores essenciais ao homem. Tal concepção contribui para a formação de cidadãos proativos, íntegros, capazes de exercer papéis de liderança e transformação em suas comunidades e para os quais a vivência na Escola SESC de Ensino Médio torna-se uma experiência para toda a vida. Ela oferece a seus estudantes a oportunidade de morar, estudar e crescer juntos em uma comunidade de aprendizagem. Para que essa comunidade educacional atinja seus objetivos pedagógicos, um conjunto de normas foi desenvolvido com o objetivo de zelar pelo respeito ao outro e pelo bem comum.

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A Escola SESC proporciona aos estudantes um programa acadêmico individualizado e condições diferenciadas de aprendizado dos conteúdos propostos. Com turmas de 15 alunos e salas de aula dedicadas às diversas disciplinas, a escola busca a excelência na preparação do estudante para o ingresso no Ensino Superior e no mundo do trabalho.

A percepção dos alunos As áreas da Escola SESC analisadas pelos alunos foram: Biblioteca, Restaurante, Vida Residencial e Orientação Educacional. Elas foram escolhidas por lidarem mais diretamente com o aluno em seu dia a dia. Em 2008, ano de inauguração da Escola SESC, as primeiras turmas contaram com 177 alunos advindos de todas as regiões do Brasil. Desses, três não renovaram matrícula para o segundo ano em 2009 e quatro não responderam ao questionário. Assim, o número de alunos pesquisado foi de 170.

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A pesquisa foi realizada com 94 alunos do sexo feminino e 76 alunos do sexo masculino, representando, respectivamente, 55,3% e 44,7% do total de alunos. Na tabela 1 apresentamos a distribuição desses alunos por região do Brasil onde foi realizada a seleção para ingressar na Escola SESC.

Tabela 1 – Número de alunos do 2o ano, por sexo e região do Brasil onde realizou seleção para ingressar na Escola SESC Sexo

Total

Regiões

Feminino

Masculino

Alunos

%

Alunos

%

Alunos

%

Centro-Oeste

28

16,5

17

18,1

11

14,5

Nordeste

44

25,9

23

14,5

21

27,6

Norte

23

13,5

12

12,8

11

14,5

Sudeste

41

24,1

25

26,6

16

21,1

Sul

34

20,0

17

18,1

17

22,4

Total

170

100,0

94

100,0

76

100,0

Fonte: Questionário da Pesquisa.

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A região Nordeste foi a que apresentou maior número de alunos do sexo masculino, com 27,6%, enquanto a região Sudeste apresentou o maior número de alunos do sexo feminino, 26,6%. O Nordeste é a região que possui o maior número de alunos, 25,9% do total. Isso pode ser naturalmente explicado por se tratar da região que contempla o maior número de estados do país. A região Sudeste aparece logo em seguida com 24,1%, porém sua representatividade justifica-se pelo maior número de vagas destinadas aos alunos do Rio de Janeiro, estado onde fica a Escola SESC de Ensino Médio. Somente do estado do Rio de Janeiro são 19 alunos, representando 11,2% do total de alunos pesquisados. Confrontando essas informações com os estados onde os alunos nasceram, observamos que 14,1% deles nasceram em um estado do Brasil diferente daquele em que fizeram seleção para ingressar na Escola SESC. O Distrito Federal apresentou o maior número de alunos nessa situação, quatro nascidos nos estados de Goiás, Piauí, Pará e Rio de Janeiro.

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Nutrição A área de nutrição da Escola SESC, além de oferecer refeições diárias aos alunos, pretende educá-los para um hábito alimentar saudável. Dá-se ênfase à importância do contato com os alunos em suas mesas no momento das refeições, fazendo com que se sintam participativos no dia a dia do restaurante. Sugestões de cardápios regionais e lanches desenvolvidos pelos alunos são exemplos de ações decorrentes da aproximação deles com a nutricionista. Com base nessas premissas, os alunos evocaram espontaneamente três palavras que associavam ao restaurante da Escola SESC. As dez palavras mais citadas são apresentadas na tabela 2, acompanhadas do número de alunos que as citaram e sua representatividade em relação ao total de alunos pesquisados. Palavras que remetem à saúde, como saudável, limpo e higiênico, foram mais citadas do que palavras relacionadas ao paladar, como diversificado e gostoso. As palavras mais citadas pelos alunos referem-se a questões positivas, indicando que o restaurante possui uma boa imagem perante os alunos. Diante

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Tabela 2 – Palavras que definem o restaurante da Escola SESC, segundo os alunos Palavras

Alunos

%

Saudável

45

26,5

Limpo

33

19,4

Organizado

31

18,2

Qualidade

20

11,8

Agradável

19

11,2

Bom

16

9,4

Diversificado

15

8,8

Gostoso

14

8,2

Grande

11

6,5

Higiênico

9

5,3

Fonte: Questionário da Pesquisa.

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dessas escolhas, pode-se deduzir que os alunos gostam das refeições e que o restaurante é visto como um local onde a saúde é colocada em primeiro lugar. A organização do restaurante também se destaca como ponto positivo e foi citada por 18,2% dos alunos, dando a entender que eles percebem um planejamento por parte da área de nutrição. Quanto a mudanças no hábito alimentar dos alunos após o ingresso na Escola SESC, 92,9% deles conseguem perceber diferenças em sua alimentação. Quando analisadas por região, todos os alunos do Norte e Nordeste perceberam uma mudança em seus hábitos alimentares ao ingressar na Escola SESC, sugerindo que os alunos dessas regiões melhoraram sua alimentação. Essa informação pode ser confirmada observando o sentido dessa mudança entre os alunos que a perceberam. Dos alunos pesquisados, 94,3% identificaram uma mudança do hábito alimentar para melhor ou muito melhor, confirmando que o restaurante da Escola SESC tem conseguido atingir um dos seus objetivos. É importante ressaltar que essa mudança positiva pode ser indicada tanto pela qualidade dos alimentos oferecidos pela escola, quanto pela autonomia dos alunos na escolha do que comer.

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De modo geral, os resultados confirmam que a área de nutrição tem contribuído para a reeducação alimentar dos alunos.

Biblioteca Com um amplo espaço destinado ao estudo e à pesquisa, a biblioteca da Escola SESC de Ensino Médio possui um vasto acervo de livros, revistas, jornais e recursos audiovisuais, tornando-se o principal centro de recursos acadêmicos da escola. Mas como os alunos veem a biblioteca? Ela tem correspondido às suas necessidades? Assim, solicitou-se dos alunos que expusessem suas percepções sobre mudanças no hábito de leitura espontânea depois de ingressarem na Escola SESC. Os resultados mostram que 84,7% dos alunos conseguem perceber mudanças no hábito de leitura espontânea depois de ingressarem na Escola SESC. Vale ressaltar que se entende por leitura espontânea aquela de livre escolha do leitor, ou seja, uma leitura voluntária sem qualquer tipo de intervenção exterior.

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Não observamos grandes diferenças de dados entre as regiões do Brasil, o que indica que a biblioteca da Escola SESC pode estar contribuindo para uma mudança positiva no hábito de leitura dos alunos. Caberia então observar o grau de mudança entre os alunos que perceberam essas diferenças. Apesar de 77,1% dos alunos apontarem mudanças para melhor ou muito melhor em seu hábito de leitura espontânea, percebemos que dos alunos do sexo feminino, 32,5% apresentam uma mudança para pior ou muito pior. Isso indica que elas sentem mais essa mudança negativa do que os alunos do sexo masculino, que representaram apenas 12%. Em termos gerais, os resultados indicam que a Escola SESC contribui para que os alunos passem a ler mais do que liam antes de ingressarem na escola. Essa hipótese é confirmada quando se observa que, entre os alunos que identificaram mudanças no hábito de leitura espontânea, 69% consideram que a Escola SESC contribuiu para um aumento do seu hábito de leitura espontânea. Em relação ao ambiente da biblioteca, 94,1% dos alunos o consideram bom ou muito bom, sendo que a ampla maioria, 60%, o avaliaram como muito bom.

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Em uma análise por região, 70,5% dos alunos da região Nordeste consideram o ambiente da biblioteca muito bom, representando o maior percentual entre as regiões do Brasil. Isso pode indicar que esses alunos sentem mais os contrastes entre o que é oferecido pela biblioteca da Escola SESC em relação às bibliotecas de seus estados de origem. Com o objetivo de aprofundar mais essa questão, interrogaram-se os alunos sobre o porquê de suas escolhas. Por tratar-se de pergunta aberta, preferiu-se não quantificar o conteúdo das respostas dadas a ela. Uma análise desses conteúdos, porém, levanta algumas questões interessantes. A maioria dos alunos afirma que a biblioteca é bem equipada, organizada, com excelente infraestrutura e com profissionais bem capacitados. O depoimento de uma aluna do estado de Alagoas é capaz de resumir a opinião de parte dos alunos do segundo ano sobre o ambiente da biblioteca: A biblioteca da Escola SESC apresenta uma grande quantidade de livros, sendo que eles possuem ótima qualidade. Os funcionários são bem preparados e atendem aos pedidos da comunidade. Além disso, ela nos dá uma grande oportunidade para conhecer novos autores, novos livros, o que não seria possível para muitas pessoas antes de virem estudar aqui.

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Aluna do estado de Alagoas

Os alunos ainda informam que a biblioteca possui um ambiente confortável para a leitura e o estudo, porém essa informação contrasta com um número expressivo de relatos sobre desrespeitos ao silêncio por parte de alguns alunos, devido a conversas em voz alta. Essa atitude estaria incomodando e atrapalhando a boa ambiência da biblioteca, conforme relato de uma aluna do estado do Rio Grande do Norte: A biblioteca possui um acervo ótimo para consultarmos, além de ser um ambiente bom para o estudo, porém muitos alunos não sabem respeitar o ambiente da biblioteca, fazendo barulho e conversando em um volume alto, o que atrapalha quem quer realmente estudar. Aluna do estado do Rio Grande do Norte

Talvez o único problema enfrentado pelos alunos seja o relativo ao barulho. É importante ressaltar que esse incômodo relatado pelos alunos sugere que o barulho não é constante no período de funcionamento da biblioteca, já que eles também relatam que gostam de ler e estudar nesse local.

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Esse deve ser um problema pontual, talvez justificado pela chegada de novos alunos em 2009, ou seja, os alunos do segundo ano podem estar sentindo mais essa diferença na ambiência da biblioteca, já que em 2008, quando estavam no primeiro ano, eram os únicos alunos da Escola SESC. A chegada dos novos alunos “dobrou” o corpo discente e “preencheu” mais os espaços da escola. É importante ressaltar também que alguns alunos informaram que esse problema já vem sendo solucionado, porém ainda não por completo. Essa é com certeza uma preocupação já que em 2010, com a chegada de novos alunos, a Escola SESC de Ensino Médio passaria a contar com turmas do primeiro ao terceiro ano e cerca de 500 alunos. Visando aprofundar algumas questões descritas anteriormente, foi perguntado aos alunos se eles concordavam totalmente, concordavam em termos, discordavam em termos ou discordavam totalmente da frase: tenho dificuldades para realizar pesquisas na biblioteca.

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A maior parte dos alunos pesquisados concorda em termos com a frase, representando 39,4% do total, não havendo grandes diferenças por sexo. Por região do Brasil, a maioria dos alunos também concorda em termos com a frase proposta, com exceção dos alunos da região Sul, que discordam totalmente. Isso pode indicar que esses alunos sentem menos dificuldades em realizar pesquisas na biblioteca que os alunos das outras regiões. Ao realizar pesquisas na biblioteca, alguns alunos relatam ter dificuldades em encontrar os livros na estante, apesar de identificarem ser um problema pessoal, já que a organização e a presteza dos funcionários da biblioteca foram muito citadas. O desrespeito ao silêncio voltou a ser descrito como um fator que dificulta a realização de pesquisas. Um número expressivo de alunos relata sentir-se incomodado com a “bagunça e o bate-papo”, atrapalhando a concentração de quem deseja pesquisar e estudar. Apesar dessa questão do barulho, os alunos também identificam que a biblioteca é uma excelente fonte de pesquisas, conforme descreve o aluno do estado do Tocantins: É um ambiente de muitas fontes de pesquisa, mas ainda não é um ambiente agradável para estudo. Aluno do estado do Tocantins

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Porém, alguns alunos parecem não se incomodar com o barulho. A opinião de uma aluna do estado do Mato Grosso do Sul representa o pensamento de alguns alunos: Muitos alunos reclamam do barulho que às vezes acontece, porém eu não me incomodo. É um lugar de estudo coletivo aqui da escola, se quero fazer pesquisa, em silêncio, pego o livro e vou para o meu quarto. Aluna do estado do Mato Grosso do Sul

Isso indica que a biblioteca também é vista como um espaço social, onde os alunos podem estudar juntos, o que não é possível nos quartos, uma vez que os prédios são separados por sexo e não é permitida a entrada de alunos do sexo oposto e até de turmas de outros anos, a não ser nas salas de convivência.

Vida residencial Essa área engloba, de forma ampla, diversos aspectos da vida em comunidade da Escola SESC de Ensino Médio.

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Um dos serviços prestados pela área de vida residencial é o rodízio de mesas no almoço. A cada semana os alunos sentam com colegas e professores diferentes para almoçar, proporcionando a oportunidade de que todos se conheçam. Vale ressaltar que a escolha das mesas em outros horários é livre. Identificar o grau de satisfação dos alunos com o rodízio de mesas no almoço torna-se necessário a fim de realizar possíveis ajustes nesse tipo de serviço. A maioria dos alunos demonstra estar satisfeita ou muito satisfeita, representando 85,9% do total. Isso indica que o rodízio de almoço vem atingindo seu objetivo, conforme relatos das alunas dos estados do Piauí e do Rio Grande do Norte: Com o rodízio posso conhecer mais pessoas, fazer novas amizades, que eu provavelmente não faria, por causa da correria do dia a dia. Aluna do estado do Piauí Porque posso conhecer pessoas com as quais até então eu não conversava e também professores com os quais eu não tinha contato. É realmente um horário de socialização. Aluna do estado do Rio Grande do Norte

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É quase uma unanimidade entre os alunos que o rodízio tem proporcionado conhecer pessoas diferentes, tanto outros alunos quanto professores. Porém, os alunos que estão insatisfeitos ou muito insatisfeitos com esse serviço apontam algumas falhas nesse sistema, como a demora dos professores para o início do almoço, eventualmente atrasando o início da tutoria, e as filas formadas pelo “congestionamento” de alunos. As frases dos alunos dos estados do Pará e do Mato Grosso do Sul resumem os fatores de insatisfação por parte de alguns alunos. Acho que os alunos perdem tempo demais esperando os professores e diretores chegarem (muito atrasados na maioria das vezes) e isso acaba causando um estresse, além da fila enorme. Aluno do estado do Pará Não há disponibilidade de tempo nem assuntos a serem discutidos com pessoas com as quais não se tem intimidade, e com pouco tempo não há espaço para o diálogo.

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Aluno do estado do Mato Grosso do Sul

As informações reunidas indicam que alguns ajustes podem ser realizados no intuito de tornar o horário do almoço menos corrido e mais prazeroso, apesar de a grande maioria estar satisfeita com o sistema de rodízio. Outro serviço responsável pela área de vida residencial é a tutoria. Nela os professores ficam responsabilizados por acompanhar a vida do aluno na Escola SESC. Além de servir como um elo entre a família e a escola, os professores tutores acompanham de forma individualizada o processo educativo de um grupo restrito de 10 alunos, ao longo de todo o ano letivo. Com o objetivo de descobrir qual a visão da tutoria perante os alunos, foi solicitado que citassem três palavras que lhes ocorressem diante do termo indutor “tutoria da Escola SESC de Ensino Médio”. Algumas das palavras evocadas foram agrupadas em categorias, já que, apesar de serem diferentes, possuíam o mesmo sentido, como, por exemplo, familiar e família. Mesmo após essa operação de categorização, pôde-se distinguir um número expressivo de palavras com sentidos diferentes. Observamos alguns grupos de palavras, como família,

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amizade, união e companheirismo. Essas palavras denotam o sentido de grupo, indicando que a tutoria reforça o conceito de comunidade e família na Escola SESC. O termo “tutoria” parece também associado a palavras que denotam o afeto, como, ajuda, conversa, auxílio, confiança e apoio. Isso indica que a tutoria tem servido como um espaço para discutir aspectos emocionais dos alunos. Apesar de a maior parte das palavras evocadas indicarem um sentido positivo atribuído ao termo indutor “tutoria”, algumas indicaram críticas à sua periodicidade. Vale lembrar que a tutoria acontece de segunda a sexta, com duração de 30 minutos, sempre após o almoço. Alguns alunos apontaram a tutoria como cansativa e desnecessária diariamente. Acredita-se que a palavra desnecessária não corresponda à ideia de que a tutoria não seja útil. Supõe-se que tal palavra tenha sido evocada apenas para questionar a necessidade de que a tutoria deva ser diária, conforme havia sido descrita por 7,1% dos alunos.

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Essas palavras contrastam com outras, como importante e necessária, sugerindo ser uma crítica pontual a alguns tutores. Sobre os dormitórios da Escola SESC, o seu funcionamento engloba organização, disciplina e limpeza. Distribuindo-se um por andar, os dormitórios possuem quartos com capacidade para três alunos e um apartamento destinado ao Responsável pelo Dormitório, ocupado por um professor que aí reside com sua família. Com o objetivo de garantir uma convivência bem-sucedida e produtiva entre os alunos nesse espaço, algumas regras se fazem necessárias, como uso adequado de equipamentos e instalações, telefonia, visitação, comparecimento e recolhimento nos dormitórios. Quanto ao grau de satisfação dos alunos com as regras de funcionamento dos dormitórios, 69,4% dos alunos demonstram estarem satisfeitos com elas, porém um número expressivo de alunos se mostrou insatisfeito ou muito insatisfeito com essas regras, representando 29,4%. Com o objetivo de confirmar algum tipo de alteração nessas regras, foi perguntado aos alunos se mudariam algo e 69% deles afirmaram que sim.

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A questão da falta de autonomia para tomar algumas decisões incomoda uma parte dos alunos. Entre as mudanças que eles fariam e tiveram maior destaque estão: o horário de dormir para as 23h, o horário de entrada nos dormitórios, o sistema de monitoria, a abordagem por parte de alguns responsáveis pelo dormitório, a permissão para entrada nos quartos de alunos de outras turmas mas do mesmo sexo, tanto para estudo quanto para conversar, e a utilização da biblioteca à noite para estudar. As mudanças nas regras apontadas pelos alunos sugerem o desejo por uma maior autonomia por parte deles. Esse desejo é potencializado pelo fato de estarem em seu segundo ano na Escola SESC e já terem convivido mais tempo com as regras da escola. A seguir, dois relatos que expressam o pensamento de parte dos alunos: 66

Ainda identifico falhas na comunicação entre os professores. Nas reuniões sempre são passadas novas regras que nem todos ficam sabendo. Isso dificulta a vida dos alunos. Aluna do estado do Piauí A instituição possui várias determinações importantes para a construção de um líder e cidadão consciente. Mas se nos formaremos, sobretudo, em pessoas autônomas, creio que em algum momento deve haver a decisão para pôr a autonomia em prática. Os horários de 20h30 a 22h devem ser de escolha do aluno. Administrar seus horários é um exemplo de autonomia. Aluno do estado de Goiás

Os alunos ainda responderam sobre suas relações com seus responsáveis pelo dormitório. Observamos que a maioria tem uma relação boa ou muito boa com seu responsável pelo dormitório, representando 95,3% do total de alunos. Além disso, alunos do sexo masculino possuem uma relação melhor com seu responsável pelo dormitório do que os alunos do sexo feminino. É fato que regras são criadas para serem cumpridas e visam à harmonia da convivência entre alunos e professores, mas o expressivo grau de insatisfação aliado à sugestão de mudanças de regras indica que a forma como os dormitórios funcionam poderia ser revista, sem prejudicar a autonomia dos alunos.

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Orientação educacional Entre as diversas atribuições da área de orientação educacional estão lidar com a relação aluno/professor e ajudar o aluno na adaptação do processo de transmissão do conhecimento da Escola SESC. Foi solicitado aos alunos que definissem o professor ideal e os resultados estão apresentados na tabela 3.

Tabela 3 – Palavras que definem o professor ideal segundo os alunos da Escola SESC Palavras

Alunos

%

Compreensivo

50

29,4

Dinâmico

36

21,2

Amigo

34

20,0

Atencioso

34

20,0

Paciente

29

17,1

Divertido

16

9,4

Responsável

14

8,2

Inteligente

12

7,1

Dedicado

9

5,3

Comunicativo

8

4,7

67

Fonte: Questionário da pesquisa.

Segundo os alunos, o professor ideal reuniria características mais afetuosas, assim ele seria: compreensivo, amigo, atencioso e paciente. Características como dinâmico, divertido, responsável, inteligente, dedicado e comunicativo denotam a imagem de um professor mais “profissional”. Na visão dos alunos, um professor “afetuoso” viria na frente de um professor “profissional”, indicando que eles esperam encontrar professores afetuosos na forma de ensinar. A pesquisa interrogou aos alunos se a imagem do professor ideal por eles delineada corresponderia, também, à imagem dos professores da Escola SESC de Ensino Médio. Quando perguntados se consideravam que as palavras escolhidas

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definiriam também o professor da Escola SESC, 58,2% dos alunos afirmaram que sim, 1,2% que não e 40,6%, “em termos”. Isso sugere que para alguns alunos o professor ideal está na Escola SESC, mas mesmo assim ainda existem professores que precisam melhorar em algumas características, principalmente nas que se referem às palavras mais citadas pelos alunos na tabela 3. Quanto ao grau de adaptação dos alunos ao processo de transmissão do conhecimento na Escola SESC, 59,4% relatam ter passado por uma adaptação fácil, porém os números são expressivos entre os que consideram essa adaptação difícil, representando 22,9%. Vale lembrar que a Escola SESC proporciona ao aluno uma metodologia de ensino voltada para a pesquisa e possui em seu corpo docente professores com mestrado e doutorado. Apesar de alguns alunos encontrarem dificuldades na adaptação ao processo de transmissão do conhecimento na Escola SESC, a grande maioria, 86,5%, consegue identificar que se estudasse em outra escola aprenderia menos.

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Por região, não foram identificadas grandes mudanças, com destaque para os alunos da região Nordeste, com 93,2% informando que aprenderiam menos. Esses números indicam que a Escola SESC é mesmo vista pelos alunos de todo o Brasil como uma escola diferenciada.

Conclusão O presente artigo objetivou identificar e interpretar as percepções dos alunos em relação ao trabalho desenvolvido na Escola SESC de Ensino Médio, em suas dimensões pedagógicas, administrativa e comunitária. Uma vez aplicado o instrumento de coleta de dados, processados os mesmos e obtidas as informações que geraram as respectivas análises, chegou-se a algumas conclusões sobre o estudo realizado. De fato, os alunos do segundo ano da Escola SESC sentem-se privilegiados pela oportunidade de estudar em uma escola que investe na boa formação humana e que quer se manter em constante processo de aperfeiçoamento. De forma geral estão

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satisfeitos com os serviços oferecidos, porém apontam questões em torno das quais a Escola SESC pode melhorar. Uma delas diz respeito ao desejo dos alunos por uma maior autonomia, principalmente no que se refere à área de vida residencial. Regras são necessárias para uma boa convivência em qualquer sociedade, na Escola SESC não seria diferente. No entanto, algumas delas poderiam ser revistas ou mais bem executadas. O horário da noite parece ser o único momento em que os alunos, depois de um dia com muitas atividades educacionais, podem ter uma maior autonomia, mas um número expressivo de alunos parece se incomodar com a “falta de liberdade”, o que é típico do período da adolescência. A frase de uma aluna do estado do Ceará é capaz de refletir bem esse pensamento: Às vezes percebo que tomar demais o nosso tempo com atividades é bom, porém acabamos por quase não ter tempo livre, o que é algo necessário. Não tempo livre só por ter, mas para relaxar e desestressar tanto alunos quanto professores.

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Aluna do estado do Ceará

Claro que algumas falhas são naturais, principalmente em uma escola tão ousada como a Escola SESC de Ensino Médio. Colocar em prática um projeto como esse em um país onde a educação pública de qualidade ainda é insuficiente, demanda tempo e dedicação de seus idealizadores. Lidar com adolescentes de diferentes culturas, vindos de todos os estados do Brasil e Distrito Federal não é fácil. Nessa idade, sair de casa é sempre uma mudança muito grande, mas eles contam com o apoio de professores, funcionários e, claro, de outros alunos. Experiências como essa promovida pelo SESC, embora pioneira no Brasil, são também observadas em outros países do primeiro mundo, como, por exemplo, na Irlanda, onde a maioria dos internatos com vagas para o Ensino Fundamental e Médio oferece residência em campus e família anfitriã. Lá, assim como na Escola SESC, além de oferecer as disciplinas habituais, há ênfase em artes e ofícios, música, esportes e atividades ao ar livre. Não é difícil imaginar o que representa para os alunos estudar em uma escola como a Escola SESC de Ensino Médio.

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Apesar de ainda estar em fase de consolidação, a escola é muito querida pelos alunos pesquisados, conforme relato de uma aluna do estado do Rio de Janeiro: Aqui aprendemos coisas muito além da sala de aula, como autonomia, autoconfiança, ajuda aos outros e convívio em uma comunidade. Ensinamentos fundamentais para a vida inteira, com os quais não teria contato em minha antiga escola. Aluna do estado do Rio de Janeiro

Como pudemos observar pelos resultados aqui expostos, a Escola SESC de Ensino Médio constitui uma experiência bem-sucedida quanto ao propósito de oferecer uma alternativa educacional sintonizada com as teorias contemporâneas, as quais, sem negligenciar a preparação para o processo produtivo, salientam a necessidade de uma formação para a cidadania crítica e participativa, conferindo ênfase à formação ética. Fiéis à perspectiva teórica que situa o aluno no centro das discussões sobre os rumos da educação no país, procuramos avaliar o modelo seguido pelo SESC e constatamos que na perspectiva dos alunos esse modelo responde em boa medida aos requisitos fixados pela instituição, os quais se mostram plenamente aderentes ao admitido como desejável pela literatura atualmente produzida no campo educacional.

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Cabe aqui retomar as considerações de Schwartzman (1990), segundo as quais “o único caminho possível para uma política educacional para o país parece estar na descentralização radical da execução das tarefas educativas para os grupos e setores sociais que possam ser motivados a assumir esse trabalho”. O autor — que não exime o Estado da responsabilidade sobre as tarefas inalienáveis de “estímulo, acompanhamento, financiamento, definição de padrões e avaliação” — fornece amparo argumentativo para o desenvolvimento de iniciativas congêneres à que o SESC implementa na esfera da educação. O bom conceito conquistado pela Escola SESC de Ensino Médio entre os seus alunos, tal como demonstrado por essa pesquisa, constitui um sinal de que projetos dessa natureza implementados em larga escala possam ter um futuro promissor.

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Referências BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Educação integral. Brasília, DF, 2009. (Série Mais educação). GARCIA, C. M. Formação de professores: para uma mudança educativa. Porto: Porto Ed., 1999. LIBÂNEO, J. C. Educação escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2007. PINHEIRO, R. M. Comportamento do consumidor e pesquisa de mercado. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2006. REGO, T. C. Memórias de escola: cultura escolar e constituição de singularidades. Petrópolis: Vozes, 2003. SCHWARTZMAN, S. Políticas públicas de educação. [S.l.: s.n.], 1990. Disponível em: http://www.schwartzman.org.br/simon/ipea.htm.

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STERNBERG, R. Psicologia cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.

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Graduada em Educação Física e Esportes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pós-graduada em Marketing pela Escola Superior de Administração e Marketing. Mestre em Educação Física e Cultura, pela Universidade Gama Filho. Foi educadora esportiva do SESC Rio de Janeiro, no período entre 1985 e 1991. Participou no grupo de estudos “Sociedade Brasileira intepretada pelos seus clássicos”. Foi assessora técnica da equipe da Atividade Desenvolvimento Físico Esportivo, do Departamento Nacional do SESC, de 1992 a 2004. Atualmente, é assessora técnica da Gerência de Estudos e Pesquisas do Departamento Nacional do SESC, participando do desenvolvimento de modelos e políticas no campo do lazer e da elaboração de normas e portarias, a exemplo das normas gerais de habilitação e da classificação funcional programática. Participa do grupo de estudos GDT/DPD/DN sobre pensamento contemporâneo.

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Introdução Com maior ênfase nas duas últimas décadas, as atividades físico-esportivas vêm se firmando como um dos marcantes fenômenos sociais do planeta. Tanto no contexto do esporte-espetáculo, quanto no contexto das práticas dos exercícios físicos, percebe-se a atenção de diversos segmentos da sociedade nos campos das intervenções acadêmico-profissionais, na discussão e na definição de políticas públicas. Todo esse fenômeno parece traduzir a consolidação de valores que vêm permeando a prática de exercícios físicos, desde os tempos da Antiguidade (ELIAS, 1992; LOVISOLO, 2000, 2002; RUBIO, 2002). Valores esses que foram se afirmando na consciência coletiva2 e que, em conformidade com o contexto histórico e cultural das sociedades, se revezam em importância e em ordem de prioridade, influenciando ideais e objetivos. De acordo com Elias (1992), as manifestações esportivas e corporais refletem o seu tempo e a forma na qual a sociedade está configurada, sua ordem social, o papel das instituições, as necessidades públicas e individuais e seus valores. Seguindo essa premissa, as práticas físico-esportivas no mundo moderno foram fortemente influenciadas pela instituição militar e médica, respondendo ao momento político, econômico e cultural da época. No Brasil, correspondeu ao movimento higienista, colaborando com corpos saudáveis, fortes e produtivos (SOARES, 2001) e, posteriormente, à esportivização, incorporando o princípio do rendimento do mundo do trabalho e servindo à afirmação da nação (RESENDE; SOARES, 1996; BRACHT, 1999). Nos últimos anos, muitos dos estudos e das intervenções que destacam a importância da prática de exercício físico no tempo livre são motivados pela associação temática com a saúde na perspectiva biomédica (mais especificamente, com a prevenção de doenças crônico-degenerativas). Em contraponto, tem-se verificado um aumento gradativo de pesquisas e de publicações voltadas para a denúncia acerca da limitação dessa abordagem, desenvolvendo questões em torno de um entendimento da saúde ampliada, na qual se considera o contexto socioeconômico, ambiental e histórico-cultural de indivíduos e populações (CASTRO et al., 2009; ESPÍRITO SANTO; MOURÃO, 2004; FERREIRA; NAJAR, 2005; PALMA et al., 2006).

Este texto tem origem na dissertação de mestrado da autora, Motivos que influenciam a adesão à prática de exercícios físicos, nos programas oferecidos pelo Serviço Social do Comércio (SESC) no Distrito Federal, defendida em 2006, no curso de pós-graduação em Educação Física, da Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro. O mestrado teve o apoio do Departamento Nacional do SESC, de acordo com sua política de capacitação de recursos humanos, e o levantamento de dados necessários à dissertação foi empreendido em parceria com o Departamento Regional do SESC, no Distrito Federal, destacando-se a coordenação e a equipe de técnicos da Atividade DFE. 1

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A teoria da consciência coletiva foi desenvolvida por Durkheim, a partir da obra O suicídio (1897), como uma forma de teoria cultural. A consciência coletiva encontrada em todas as sociedades é formada pelas representações coletivas dos ideais, dos valores e dos sentimentos comuns a todos os seus indivíduos (CUCHE, 2002). 2

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Com essas observações, o que se sugere é que, mesmo reconhecendo a saúde biomédica como um valor de forte apelo, entendida como um bem maior a ser conquistado, mantido, e até expandido no plano individual e coletivo, é questionável apontá-la como o principal benefício em propostas que impliquem intenções na busca do desenvolvimento humano e social. Este texto objetiva contribuir para concepções de políticas e programas de exercícios físicos, apresentando questões que operam na relação com a saúde de indivíduos e populações em duas dimensões que devem estar presentes nas intervenções: (i) o enfoque nos contextos sociais, culturais, econômicos e históricos de uma população, que devem ser considerados na busca de eficácia e efetividade das ações e (ii) estratégias que visem, para além dos benefícios biológicos, ao prazer da prática e aos aspectos da ludicidade, presentes no campo do lazer, que também parecem contribuir para o bem-estar e a saúde dos indivíduos, em uma perspectiva ampliada e de desenvolvimento humano.

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A metodologia foi baseada em uma argumentação de ideias, após apurado exame do tema, e respaldada em publicações e artigos científicos, conforme citados ao longo do texto.

Relação entre atividade física e saúde: uma abordagem descritiva No processo civilizador da sociedade ocidental é possível encontrar forte influência da cultura grega. A crença de que atividade física faz bem à saúde, originária dos filósofos clássicos, é uma das construções valorativas difundidas de diferentes formas ao longo dos séculos. Obviamente, as concepções que eram atribuídas à saúde na Grécia Antiga e as que são adotadas na atualidade não compartilham do mesmo significado. Os médicos da Grécia Antiga eram filósofos naturais. Eles não tinham como objetivo apenas as questões relativas às doenças, uma vez que desejavam, igualmente, conhecer os mistérios do universo e compreender as relações entre homem e natureza. A partir de observações empíricas e de raciocínios lógicos, desenvolveram concepções e explicações de caráter naturalista

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sobre as doenças. A doença, assim, era considerada um processo natural, em que a causa decorria da desarmonia entre homem e natureza. À medicina grega importava favorecer um modo de vida capaz de manter ao máximo o equilíbrio homem-natureza e a esse modo ideal de vida equilibravam-se a nutrição/excreção e exercício físico/descanso, embora, de fato, poucas pessoas pudessem seguir tal modo de vida. Nos ginásios, os programas de exercícios físicos eram destinados aos indivíduos considerados cidadãos, o que excluía mulheres e escravos (ROSEN, 1994). A ginástica e a música tinham como objetivos desenvolver vigor físico, coragem, sensibilidade e sabedoria. A associação das duas práticas (consideradas como duas artes) resultaria no equilíbrio e na harmonia da alma. No entanto, os que buscavam uma especialização extrema se distanciavam da perfeição. “Já notei que aqueles que se entregam unicamente à ginástica contraem demasiada rudeza e os que cultivam exclusivamente a música se tornam mais moles do que permitiria a decência” (PLATÃO, 2005, p. 121).

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De acordo com Elias (1992), a partir da proibição dos Jogos Olímpicos pelo imperador Teodósio, em 349 d.C., há uma imprecisão de registros históricos sobre a prática de exercícios físicos e de jogos. Cita que na Idade Média havia a prática de jogos de bola (durante festivais religiosos) e de jogos populares, mesmo com a desaprovação das autoridades. Existe a hipótese de que esses jogos tenham sido os precursores dos esportes modernos que nasceram entre os séculos XVIII e XIX. No entanto, essas práticas não eram formalmente instituídas; não apresentavam uma sistematicidade e nem deliberados objetivos pedagógicos, militares ou de saúde. Vale ressaltar que nos séculos que demarcaram esse período histórico, o universo do corpo era tido como lugar do pecado. Seu uso estava relacionado aos propósitos do vício e, assim, as expressões corporais deveriam ser comedidas (SCHIMITT, 1995). A saúde e a cura estavam a critério de Deus, obedecendo a uma moral religiosa cristã, não sendo permitida uma intervenção humana e científica. Passando para os séculos XVIII e XIX, a Europa sofreu marcantes mudanças políticas, econômicas e sociais em decorrência do Iluminismo, da Revolução Francesa e da Revolução Industrial. No bojo dessas transformações, os movimentos

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ginásticos e os esportes vieram responder à nova dinâmica social da época. Na Alemanha, na Dinamarca, na Suécia e na França foram desenvolvidos métodos ginásticos que também foram empregados como importantes meios político-econômicos voltados a forjar homens fortes e saudáveis, objetivando cultivar a disciplina e combater os inimigos e os invasores, considerando que esses países passavam por constantes disputas de territórios. Na Inglaterra, o processo foi um tanto diferente. A sua condição territorial, que favorecia a proteção de seu território contra os invasores, seu posicionamento econômico como líder do comércio exterior e o processo político de pacificação interna e de igualdade de oportunidades na ocupação do poder criaram um ambiente propício para o desenvolvimento dos esportes. A dinâmica dos jogos esportivos, com regras instituídas, rodízio entre vencedores e perdedores, entre outros aspectos, serviam como um caráter mimético da organização social pretendida. Além disso, as public schools atendiam aos objetivos de formação de líderes solidários na ação, de caráter forte e de iniciativa. Por outro lado, a ginástica, aplicada nas escolas primárias, visava formar os liderados bons operários e soldados, forjados na disciplina e nos efeitos fisiológicos da prática sistemática de exercícios físicos (BETTI, 1991; RUBIO, 2002).

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Para o puritanismo do século XIX, o esporte tinha que servir a uma finalidade racional: ao estabelecimento necessário à eficiência do corpo. Mas era suspeito como meio de expressão espontânea de impulsos indisciplinados e, enquanto servisse apenas como diversão ou para despertar o orgulho, os instintos, ou o prazer irracional do jogo era, evidentemente, estritamente condenado (WEBER, 1997, p. 120).

Além da desconfiança puritana a respeito das distrações, a crença de que o cuidado pessoal com o corpo e com a própria saúde era uma forma de demonstrar a fé em Deus e assegurar a salvação da alma fez com que o exercício físico, a religião e a saúde formassem uma tríade em prol de um comportamento estoico e moralista cristão. Durante a segunda metade do século XIX, principalmente nos Estados Unidos, o pensamento da cristandade muscular era, ao mesmo tempo, um reordenamento do discurso religioso face à transformação das percepções científicas do corpo. [...] A medicina fez do movimento corporal um signo essencial de saúde, um modo fundamental de expressão da vida (COURTINE, 1995, p. 93).

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Nesse período, a ética puritana serviu apropriadamente ao mundo do trabalho. O esporte e a ginástica demonstraram ter em comum o princípio do rendimento, envolvendo tanto os aspectos biológicos, com a potencialização das capacidades físicas, quanto os aspectos comportamentais, como hábitos regrados de vida, respeito às regras e às normas das competições. “Treinamento esportivo e ginástica promovem a aptidão e suas consequências: a saúde e a capacidade de trabalho/rendimento individual e social, objetivos da política do corpo” (BRACHT, 1999, p. 74). No Brasil, entre os séculos XIX e XX, assiste-se à explosão populacional nos grandes centros urbanos que, aliada às más condições de trabalho, de infraestrutura e saneamento, de saúde e à vida desregrada, exigia uma ação sanitária assistencialista (ASSIS, 1998). A Educação Física, denominação mais moderna para os movimentos ginásticos, identifica-se com o movimento higienista adotado naquela época, no qual a preocupação em promover a aptidão física estava relacionada com objetivos de contribuir para uma adaptação dos indivíduos para os processos produtivos e a ordem social (BRACHT, 1999).

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Implícitos no conceito de higienização combinavam-se: “saúde e vigor dos corpos, reprodução e longevidade, aumento da população e melhoramento dos costumes e da moral” (CARVALHO, 2004, p. 21). De acordo com Breilh (1991), em 1927 foi fundado o Laboratório de Fadiga da Universidade de Harvard, na Escola de Administração, tendo como objetivo estudar o potencial produtivo e a possibilidade de “reparação” dos danos à saúde dos trabalhadores. Ressalte-se ainda que, segundo o mesmo autor, o laboratório foi criado em uma escola de negócios (business school ) e não em um centro de ciências biológicas, medicina ou saúde pública. No final dos anos 1950 e durante os anos 1960, foram iniciadas as pesquisas que aprofundaram o conhecimento sobre as reações do ser humano em condições de esforço físico, estimuladas pelos programas espaciais norte-americanos e soviéticos. Consequentemente, houve um grande desenvolvimento da fisiologia do esforço, que, posteriormente, adaptada aos programas de condicionamento físico, passa a ser chamada de fisiologia do exercício. “É essa época que dissemina os trabalhos de Morehouse, Cooper, Ästrand e tantos outros pesquisadores

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na área da fisiologia aplicada às atividades físicas” (MOREIRA, 1995, p. 82). Alguns autores advogam que, nesse período moderno, o rápido avanço do progresso trouxe uma nova configuração social. Considerando esse cenário, defendem que o desenvolvimento industrial e, posteriormente, o tecnológico resultaram em mais conforto e menos esforço físico. O crescimento urbano e a exploração imobiliária diminuíram as áreas livres, os avanços medicinais “venceram” ou controlaram várias doenças. Assim, o ser humano viu aumentar, gradativamente, sua expectativa de vida. Paradoxalmente, passou a experimentar novas formas de risco à saúde, resultando no aumento da incidência de doenças crônico-degenerativas (NAHAS, 2001). Vale destacar que, embora no Brasil a expectativa de vida também tenha avançado, a sociedade ainda vive realidades distintas de desenvolvimento e de composição do quadro nosológico das patologias, convivendo com doenças infectocontagiosas, em larga escala, e com doenças crônico-degenerativas, revelando as desigualdades e as iniquidades sociais existentes.

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Porém, foi com o avanço das taxas de morbidade e de mortalidade causadas pelas doenças crônico-degenerativas em todo o mundo que cresceram os investimentos em pesquisas com o propósito de identificar os fatores de risco que contribuem para essas doenças. Entre má alimentação, obesidade, fumo e estresse, o sedentarismo vem sendo apontado como um dos principais comportamentos de risco (BLAIR et al., 1989; BLAIR, 1995; HASKELL et al., 2007; PAFFENBARGER et al., 1993; SESSO et al., 2000; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2002). Assim, a crença sobre os benefícios da prática adequada e sistemática de exercícios físicos para a saúde, herdada da Antiguidade (apesar das posições serem diferentes) e difundida por meio de constatações empíricas ao longo do tempo, vê-se, nas últimas décadas, reforçada e legitimada pelas evidências científicas, reforçando, dessa forma, o foco na saúde biomédica. O estilo de vida passa a ser o centro de muitas das preocupações acadêmicas e das políticas públicas do atual movimento pela saúde. Carvalho (2004) comenta que, entre as décadas de 1960 e de 1980, foram elaborados documentos nacionais e internacionais que consolidaram a ideia da prática regular e sistematizada de exercícios físicos como meio indispensável à promoção

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da saúde, destacando: “Manifesto Mundial do Esporte” (1964), “Carta Europeia de Esportes para Todos” (1966), “Manifesto Mundial de Educação Física” (1971), “Recomendações sobre Educação Física e Desportos aos estados membros da UNESCO” (1976) e “Carta Internacional de Educação Física e Esporte” (1978). Cita, ainda, a campanha de adesão à prática permanente de atividade física, em âmbito nacional, desenvolvida pela Rede Globo de Televisão, em 1975, denominada “Mexa-se”; a implementação de laboratórios de pesquisa sobre aptidão física em vários cursos de Educação Física das universidades brasileiras nos anos 1970; e o aumento significativo de cursos de graduação em Educação Física (doze em 1960, noventa e dois na década de 1980, e, atualmente, já passam de seiscentos).3 Ainda na década de 1970, verificou-se o forte movimento internacional denominado Esporte para Todos, com o propósito de incentivar nos participantes a sua adesão aos programas de exercícios físicos que melhorassem a qualidade de vida, a saúde e o entretenimento (VALENTE, 1998).

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Mais recentemente, pode ser destacado o Programa Agita São Paulo, desenvolvido e difundido pelo Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul, originalmente, em cidade homônima do interior paulista. Destaca-se, também, a proposta pedagógica Atividade Física Relacionada à Saúde, desenvolvida por Nahas et al. Diante dessas propostas, alguns autores, a exemplo de Bracht (1999), Carvalho (2004) e Lovisolo (2006), vêm apontando uma similaridade entre o movimento higienista e o atual movimento pela saúde. O que teria mudado é o entendimento da relação saúde-doença e as ideias dominantes ancoradas nos discursos de prevenção de doenças e comportamentos saudáveis versus comportamentos de risco. Lovisolo (2006) destaca que “(...) não há ruptura. Desde os gregos, pelo menos, a atividade física moderada é posta como conservadora, como saudável. Tudo indica que estamos diante de uma tradição velha e sólida em permanente refundamentação”. Portanto, o vínculo positivo entre atividade física e saúde vem respondendo, ao longo do tempo, às dinâmicas e às necessidades sociais de cada época. Atualmente esse vínculo parece que

Não existem números precisos, pois as universidades gozam de autonomia para criação de novos cursos que só serão cadastrados oficialmente no momento do processo de reconhecimento. 3

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foi apenas ressignificado ante as atuais demandas políticas, econômicas, sociais e culturais. Seja o ideal de saúde voltado ao homem equilibrado e perfeito (como na Grécia Antiga), seja o ideal que constrói um corpo vigoroso, combatente e de forte caráter (como nos séculos XVIII e XIX), seja o ideal de saúde que forja o homem de vida longa, apto e produtivo (a exemplo do movimento higienista e dos dias atuais), o movimento da saúde esteve sempre presente, tendo nas práticas de exercícios físicos um de seus mais fortes instrumentos de afirmação.

Entendimentos sobre saúde e o papel dos programas de exercícios físicos A noção de saúde vem assumindo um valor universal e transcultural. Um sentido que se dá à vida, um bem maior a ser conquistado, mantido e expandido pelos indivíduos. Mas, concretamente, o que vem a ser saúde? Como, por intermédio do seu entendimento, podem ser delineadas linhas de pesquisa, políticas na área e intervenções?

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De acordo com Farinatti e Ferreira (2002), no curso da história o conceito de saúde se deu a partir do que não lhe corresponde: como ausência de doenças. Por sua vez, o conceito de doença estava vinculado a um desvio de padrão de normalidade para o funcionamento do corpo. O conceito de doença constituiu-se a partir de uma redução do corpo humano, pensado a partir de constantes morfológicas e funcionais, as quais se definem por intermédio de ciências como a anatomia e a fisiologia [...]. O corpo é, assim, desconectado de todo o conjunto de relações que constituem os significados da vida [...], desconsiderando-se que a prática médica entra em contato com homens e não apenas com seus órgãos e funções (CZERESNIA, 2003, p. 41).

Canguilhem (2000), como um dos críticos das determinações normativas de saúde e de doença, baseadas em padrões e médias populacionais, postula que “o anormal não é necessariamente o patológico” (p. 106). A doença é uma espécie de norma biológica inevitável. O estado de boa saúde inalterado por toda a vida não tem como ser considerado algo normal. Um indivíduo é saudável quando tem capacidade de agir e reagir, adoecer e se recuperar. Dessa forma, “a doença não é uma

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variação da dimensão da saúde; ela é uma nova dimensão da vida” (p. 149). Para além de uma visão centrada no indivíduo, algumas correntes de pensamento na área da saúde vinham demonstrando a necessidade de focar as discussões e as políticas públicas em questões mais amplas, estruturais e complexas que se configuravam como os determinantes da saúde de indivíduos e de coletividades. Farinatti e Ferreira (2002) citam que, diante das críticas que o conceito negativo da saúde (como ausência de doenças) vinha sofrendo — apontando o desequilíbrio da alocação de recursos focados em ações biomédicas e exigindo a focalização nos determinantes sociais de saúde —, a Organização Mundial de Saúde desenvolveu uma primeira tentativa, em escala global, de estabelecer uma definição mais ampliada: “Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas da ausência de doenças ou de enfermidades” (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1947, p. 1). Nota-se, no entanto, que se por um lado esse conceito não facilita o entendimento do que seja um completo estado de bem-estar, devido ao caráter subjetivo que carrega, também continua mantendo uma forte relação entre saúde e doença.

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Enquanto a ciência optou pela redução, “colocando para si o desafio de alcançar o máximo da precisão e objetividade por meio da tradução dos acontecimentos em esquemas abstratos, calculáveis e demonstráveis” (CZERESNIA, 2003, p. 41), o fenômeno da saúde e do adoecer vem se apresentando de forma mais ampla e complexa. Como a forma pela qual a vida se manifesta, guardando dessa maneira uma singularidade e uma subjetividade. Na tendência de ampliar visões e ações em contraponto ao reducionismo biológico, alguns profissionais da área têm relacionado, frequentemente, o conceito de saúde com o de qualidade de vida, conforme postulado na Conferência Internacional sobre Promoção de Saúde, realizada em Ottawa, 1986 (CZERESNIA, 2003; MINAYO et al., 2000). Entendendo qualidade de vida como um conceito polissêmico, Minayo et al. (2000) propõem sua divisão em duas esferas. À primeira, pode-se atribuir elementos não materiais e subjetivos como amor, liberdade, bem-estar, prazer, conforto,

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inserção social, realização pessoal e felicidade. À segunda esfera podem-se atribuir elementos materiais e universais como alimentação, trabalho, renda, acesso à água potável, habitação, saúde, lazer, educação. Enfim, condições de vida que podem ser associadas aos direitos sociais estabelecidos constitucionalmente. Assim, além da determinação biológica e da capacidade individual de reagir às “infidelidades” do meio, fatores externos advindos das condições de vida e do contexto socioeconômico, cultural, histórico e ambiental podem influenciar a relação saúde-doença de indivíduos e de populações. Os problemas de saúde existentes atualmente e em todo o mundo estão relacionados às desigualdades sociais, aos problemas fundamentais de distribuição de renda. [...] A pobreza, a saúde e a educação, assim, se interrelacionam em uma rede de interações, onde os baixos salários, a má educação, a dieta pobre, a habitação e as condições de higiene insalubres e o vestuário inadequado se influenciam mutuamente (PALMA, 2001, p. 30).

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Na tentativa de operacionalização desses conceitos que apontam para uma visão ampliada de saúde, alguns setores adotaram estratégias de promoção da saúde, baseando-se em quatro determinantes: o estilo de vida; os avanços da biologia humana; o ambiente físico e social; e os serviços de saúde.

Nesse processo, recai sobre o indivíduo toda a responsabilidade sobre seu estado de saúde. A doença passa a ser uma punição, uma constatação de sua culpa por não ter feito as escolhas corretas e assumido um comportamento saudável. Acredita-se que basta o indivíduo ”querer, escolher e agir”, o que, necessariamente, não leva em consideração as barreiras e os contextos sociocultural, econômico, histórico e ambiental onde está inserido. 4

No entanto, alguns enfoques adotados ainda são conservadores, apoiados em um questionável senso crítico dominante, centrados nos indivíduos (culpabilização da vítima),4 de caráter preventivo, fundamentados em fatores biológicos e comportamentais. Esse enfoque é conservador porque desconsidera os contextos econômico, social, ambiental e cultural nos quais a relação saúde-doença de uma população é construída (ASSIS, 1998). Considerando argumentos mais progressistas da área, tratar de prevenção, mudanças de comportamento, estilo de vida saudável e fatores de risco, dissociados de políticas mais amplas no sentido do reequilíbrio das oportunidades concretas da vida, apontaria para enfoques conservadores e reducionistas, que demonstram não conseguir ultrapassar o discurso em prol da promoção da saúde com práticas correspondentes e adequadas. Isso significa comprometer resultados efetivos, principalmente em sociedades ainda marcadas por desigualdades e iniquidades sociais (a exemplo da sociedade brasileira), nas quais os indivíduos estão vulneráveis pela pouca autonomia

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e capacidade para fazerem escolhas e pelo restrito acesso aos bens e serviços instituídos nos direitos constitucionais: saúde, educação, lazer, renda, moradia entre outros (CARVALHO, 2004; MINAYO et al., 2000; PALMA, 2001; PALMA et al., 2003). Verificando essa discussão no campo dos estudos e das intervenções que evidenciam um vínculo positivo entre a prática regular e planejada de exercício físico e saúde, percebe-se uma concentração de interesses no enfoque biomédico. Os argumentos centram-se no estilo de vida fisicamente ativo, na discussão a respeito do nível de atividade física (incluindo-se aqui as atividades regulares do cotidiano dos indivíduos) da população, na intensidade ideal da prática de exercício físico para cada risco de doença, na diminuição da morbidade e da mortalidade, na melhoria da aptidão física, em mudanças morfológicas e fisiológicas etc. Existe uma redução do conceito de saúde à dimensão do corpo, no sentido da higidez corporal, denominada “higiomania”, e à valorização das ciências da saúde e da biologia. A higiomania é autonomista no sentido que entende estar a saúde ao alcance das pessoas, desde que todos sigam a norma correta de estilo de vida, adotem certos hábitos e evitem riscos sobre os quais são advertidos (NOGUEIRA, 2001, p. 64).

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Considerando o posicionamento crítico efetuado pelo autor, verifica-se que alguns dos programas de atividade física e saúde de maior projeção desenvolvidos atualmente no Brasil, a exemplo do programa Agita São Paulo, são focados no indivíduo, na prevenção de doenças crônico-degenerativas, no combate ao comportamento de risco e nos benefícios biológicos, sem apresentar explicações consistentes e/ou propostas que levem em consideração os determinantes sociais de saúde que, se negligenciados, podem funcionar como barreiras às práticas recomendadas, principalmente para as classes socioeconômicas menos favorecidas. É preciso lembrar que as ações centradas no estilo de vida individual podem ter um efeito positivo para a população que tem suas necessidades atendidas e condições de vida favoráveis. No entanto, essa estratégia pode não funcionar quando dirigida para grupos que enfrentam barreiras sociais e econômicas. O modo de olhar deveria concentrar-se, “não apenas nas causas biológicas, mas, antes, nas relações entre os indivíduos, grupos sociais, instituições, economia, política, cultura, entre outros” (PALMA, 2000, p. 98).

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Em uma sociedade, como a brasileira, onde há níveis de pobreza, desigualdade e exclusão social em grande escala e que, consequentemente, tem questões estruturais a serem resolvidas, as intervenções que se limitam à adoção de um estilo de vida ativa, focadas apenas nas opções e soluções individuais, projetam resultados limitados em termos de abrangência e de impacto social. “Tudo parece indicar que é mais simples normalizar condutas do que transformar condições perversas de existência” (CAPONI, 2003, p. 64). Assim, algumas propostas de programas de atividades físicas e/ou de exercícios físicos relacionadas à saúde parecem querer convencer os indivíduos de que estarão mais imunes às doenças crônico-degenerativas no momento em que deixarem de ser sedentários e que adotarem um comportamento fisicamente ativo ao longo da vida. Contribui-se, dessa forma, mesmo que de forma involuntária, aos interesses de reduzir as responsabilidades públicas/institucionais na manifestação e no agravo dessas doenças. É sabido que a alta prevalência de desigualdades e iniquidades sociais determina a exposição às condições de vida estressantes e insalubres, a limitação das escolhas individuais e a dificuldade de acesso aos serviços de saúde.

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O que se pode concluir é que, diante dos conceitos de saúde ampliada e de promoção de saúde, as ações que se propõem a tratar de grandes populações por meio de exercícios fisicos e a obter resultados efetivos, têm de ser, no mínimo, articuladas a outros setores disciplinares e a políticas governamentais, responsáveis pelos espaços físicos, sociais e simbólicos (CZERESNIA, 2003).

O campo do lazer contribuindo para a saúde ampliada nos programas de exercícios físicos Castellani Filho e Carvalho (2006) vêm alertando para a necessidade de superar a lógica, ainda hegemônica, que reduz as práticas corporais relacionadas à promoção da saúde a um caráter funcionalista de viés utilitário e compensatório, ressaltando que no campo do lazer tem-se um ambiente propício para explorar o potencial dessas práticas no sentido

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de uma concepção ampliada de saúde — para além de objetivos fisiológicos. De uma forma geral, o discurso dominante (nos meios de comunicação, entre os especialistas da área e na maior parte da população) vem reforçando a crença de que a prática de exercícios físicos per si faz bem a saúde. Parece estabelecer também uma norma social que imputa nos indivíduos a necessidade de adesão aos programas de exercícios físicos. Ambas (a crença e a norma) pautadas em uma moral do apto versus o inapto; do forte (de corpo e de caráter) versus o fraco; do saudável versus o doente; do ativo versus o indolente (LOVISOLO, 2002). Nas sociedades atuais de características hedonistas, esse discurso passa uma mensagem ambígua: para alcançar o prazer, a vida boa e longa e a felicidade é necessário assumir atitudes estoicas, disciplinadas e de autocontrole, mesmo que pareça um comportamento paradoxal. “O exercício físico é uma alegria, mas também é um dever” (COURTINE, 1995, p. 102). E, em muitos casos, parece ser mais dever, com poucos aspectos da ludicidade desenvolvidos intencionalmente nas intervenções.

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Assim, para quem segue esses ditames estoicos, a prática de exercícios físicos vinculados à saúde no tempo disponível pode estar se configurando mais em uma perspectiva de “antilazer”, objetivados para servir à lógica produtiva e medicalizante, do que ao gosto, ao prazer e à fruição.5 Autores questionam se não é necessário repensar a relação meio-fim entre a prática de exercício físico, aptidão física e saúde. Em vez de se forjar a saúde por meio do exercício físico/ aptidão física, seria a saúde/aptidão física um meio de capacitar as pessoas para o desempenho de uma “atividade física que brinde prazer e bem-estar em cada indivíduo?” (MIRA, 2000, p. 74). O exercício físico não é meramente um estímulo biológico, mas um fenômeno complexo de dimensões múltiplas — biológicas, psicológicas, sociais e culturais [...]. Aspectos físicos, psicológicos, motivacionais, sociais, simbólicos etc. tudo se combina na expressão motriz. Portanto, desde o momento que o exercício físico está integrado por diversos aspectos — muitos deles impossíveis de serem quantificados — os critérios e indicadores fisiológicos que são utilizados para avaliar a sua eficácia nos processos de saúde/doença têm uma validade limitada (MIRA, 2000, p. 64).

Não se propõe uma generalização. Muitos grupos e programas de exercícios físicos dispõem de elementos lúdicos. A intenção nesse trabalho é alertar que diante de certas palavras de ordem, de métodos empregados nas intervenções e de atitudes de profissionais, a prática pode estar concentrando características extremamente utilitárias, com pouco ou nenhum espaço para o lúdico. 5

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Ampliando a abordagem biomédica presente em muitos programas desenvolvidos, incorporando uma abordagem sociocultural na perspectiva do lazer, a prática de exercícios físicos pode contribuir para ganhos na saúde (no conceito ampliado de saúde/qualidade de vida) devidos, também, a tantos outros motivos além dos biológicos: o prazer, o estado de sentir-se bem, a autoestima, a autossatisfação, a autorrealização, a superação de desafios, a sociabilização etc. A presença da crença e dos interesses relacionados aos benefícios do exercício físico para a saúde biomédica é um forte indicador para o início da prática. Verificando os motivos apontados pelos indivíduos investigados em pesquisas sobre o ingresso em programas físico-esportivos (ALVES et al., 2007; ANDREOTTI; OKUMA, 2003; CASTRO et al., 2009; VIEIRA; FERREIRA, 2004), percebeu-se a prevalência do viés da saúde, por intermédio do aconselhamento médico e do desejo de evitar doenças como o principal motivo apontado. Esse fato demonstra que predominaram as razões de ordem normativa e utilitária.

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Porém, a indicação médica não figurou entre os aspectos mais importantes para justificar a manutenção dos indivíduos na prática de exercícios físicos (CASTRO et al., 2010). Esse resultado sugere que a ação normativa da prescrição médica, acerca da prática de exercícios físicos, visando à prevenção de doenças ou à recuperação da saúde, parece não figurar de forma preponderante para justificar a permanência dos indivíduos nas práticas de exercícios físicos. A sensação de se sentir bem, física e emocionalmente, e a diversão são apontadas no mesmo grupo de motivos principais, além do objetivo de prevenir doenças. Dessa forma, sugere-se que a manutenção da prática é justificada pela percepção dos indivíduos de que existe uma boa relação entre o que lhes é útil, atendendo seus objetivos utilitários e normativos imediatos, como a recomendação médica por exercícios físicos, e o que lhes dá satisfação, percebendo benefícios para o bem-estar, na perspectiva do prazer. Tomando por base a questão do tempo livre e as vivências que se dão nesse tempo, é preciso buscar o entendimento da lógica definidora de escolhas e comportamentos humanos. Para esse entendimento, a literatura aponta para três motivos definidores, defendendo que os indivíduos agem com base na

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combinação complexa entre norma (legal ou social), utilidade e gosto (LOVISOLO, 1995). Dessa forma, não devem ser ignorados, em estratégias utilizadas em programas de exercícios físicos, os aspectos da ludicidade: desafio, conquista, criatividade, espontaneidade, possibilidades de singularização, trocas afetivas, prazer, diversão, entre outros, que se materializam significativamente nas atividades de lazer. Tais aspectos parecem colaborar para o desenvolvimento humano e para a saúde, em uma perspectiva ampliada, e para a permanência dos indivíduos nas rotinas de exercícios físicos, condição fundamental para os possíveis benefícios para saúde biológica.

Conclusão As práticas sistematizadas de exercícios físicos tiveram sua origem em propostas pedagógicas orientadas para uma utilidade e funcionalidade que correspondessem aos valores e à ordem social vigente em cada período.

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Atualmente, observa-se a repetição de práticas que, mesmo sustentadas em discursos progressistas da promoção de saúde, ainda operam na lógica da produtividade, do desempenho e da eficiência biológica, centradas no estilo de vida. Esses argumentos apresentados ao longo do artigo não pretendem fazer uma apologia contra a saúde biomédica e as práticas relacionadas a esse fim. Nem pretendem diminuir o valor que os benefícios fisiológicos podem produzir aos indivíduos que aderem a um estilo de vida ativo. Mas destacam que existem mais desafios quando se pretende desenvolver políticas impactantes, objetivando a saúde de indivíduos e populações, na perspectiva do desenvolvimento humano e social. As reflexões apresentadas apontam para a necessidade de intermediar dois tipos de estratégias. A primeira, objetivando operar sobre coletividades, entendendo criticamente a relação doença versus saúde de populações, o contexto sobre o qual se insere e a necessidade de ações intersetoriais que contribuam para o impacto positivo que programas de exercícios físico-esportivos são capazes de provocar — quando inseridos em uma política pública mais abrangente. A segunda, que leve em conta os aspectos fundamentais para uma intervenção mais

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ampliada sobre os indivíduos, na perspectiva da qualidade de vida, nas suas esferas objetivas e subjetivas, presentes tanto no campo biomédico quanto no campo do lazer, contribuindo, em conjunto, para os benefícios da saúde de indivíduos. Essas dimensões complexas de interações se constituem em desafio e condição para propostas e ações que busquem eficácia e efetividade no campo da saúde ampliada.

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Assessor de cultura da Escola SESC de Ensino Médio, mestre em Bens Culturais e Projetos Sociais (FGV-RJ), MBA em Gestão Cultural (UCAM) e diretor teatral (UNIRIO).

SIDNEI CRUZ

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Introdução O tema exige a exposição de uma questão básica: como potencializar as políticas culturais constitutivas de um Programa de Cultura, no sentido de contribuir para a regularização, fomento, distribuição e acesso de bens culturais para a coletividade em territórios culturais locais? Essa é uma questão que todo gestor cultural necessariamente elabora ao confrontar e relacionar desenvolvimento e cultura. Questões estratégicas de uma política cultural, como planejamento, programação, curadoria, diversidade, parceria, socialidade, afetividade e comunidade, são conjugadas em escalas variadas na perspectiva de perceber os graus de envolvimento e influência desses elementos para o desenvolvimento local. As questões citadas podem ser reunidas em dois grupos de ação: parceria, socialidade, afetividade e comunidade agrupam-se em torno do conceito de capital social; enquanto planejamento, programação, curadoria e diversidade podem ser agrupados em torno do conceito de Gestão Cultural.

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Capital social Foi a partir das discussões levantadas por volta dos anos 1970/80 acerca da crise do Estado — com consequências para a acelerada retirada de cena dos investimentos sociais —, deixando para as organizações da sociedade civil a responsabilidade de cumprir metas como o combate à fome, à pobreza e à violência, que uma política de desenvolvimento com crescimento e distribuição menos desigual de riqueza material alcançou maior visibilidade. Desse modo, criou-se um ambiente para a entrada em cena do Banco Mundial, na década de 1990, com suas ações e preocupações com a expansão da pobreza, principalmente na África, Ásia e América Latina, distinguindo a necessidade de conjugar quatro formas de capital: capital natural, capital financeiro, capital humano e capital social.1 Nesse período, surgem organizações sociais não governamentais (ONGs) para o desenvolvimento, atuando no “contexto dos processos de mobilização e luta dos setores excluídos”, cujo salto qualitativo pode ser percebido a partir do Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em 2002, quando constatamos

O capital natural diz respeito aos recursos naturais, o capital financeiro se expressa em infraestrutura, bens de capital e imobiliário; o capital humano é definido pelos graus de saúde, educação e nutrição de um povo e o capital social refere-se à capacidade de uma sociedade de estabelecer laços de confiança interpessoal e redes de cooperação com vistas à produção de bens coletivos (D’ARAUJO, 2003, p. 9-10). 1

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o surgimento de conceitos mais complexos como o de uma “sociedade civil transnacional”, entendida fundamentalmente como uma malha de redes de atividades organizadas por grupos ou indivíduos que, sem serem partes das empresas ou do governo, procuram influir ou melhorar a sociedade mediante nossos serviços, nossas ações e, sobretudo, nossa mobilização (BALÓN, 2002, p. 125).

O pensamento social progressista alojado nas organizações da sociedade civil ganhou notoriedade, sobretudo pela inserção, vinculação e transformação do conceito de capital humano em capital social. O bem-estar dos membros de uma comunidade passou a ser um problema de fundo das democracias e do mundo desenvolvido. Uma ética do desenvolvimento não poderá ser alcançada e praticada “sem uma população bem preparada e saudável, e sem cultura, confiança mútua e valores éticos” (KLIKSBERG, 2003, p. 192), o que significa dizer que sem políticas públicas vigorosas voltadas para o social os resultados econômicos alcançados serão vantajosos apenas para uma pequena parcela da sociedade.

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O desenvolvimento econômico ético necessariamente deve andar acompanhado pelo desenvolvimento social, para que possibilite a produção de um capital humano qualificado que seja capaz não só de produzir mercadorias, mas, principalmente, produzir valores intangíveis que articularão os princípios de um possível mundo melhor para o convívio dos homens. A mobilização engendrada pelo capital humano qualificado é convertida em “identidade cívica” ou capital social. O significado básico da virtude cívica parece residir em “um reconhecimento e uma busca perseverante do bem público à custa de todo interesse puramente individual e particular” (PUTNAM, 2006, p. 101). Portanto, capital social é um bem público de todos e para todos e seus resultados são necessariamente coletivos. Maior presença de capital social permite maior aproveitamento das oportunidades geradas pelo desenvolvimento. O desenvolvimento de uma coletividade é possível somente a partir da construção de valores básicos como confiança, solidariedade, ética, tolerância e respeito à diversidade. São atitudes culturais tecidas em longo prazo no convívio comunitário das relações interpessoais e, também, institucionais. Esses valores são formas de capital social, são recursos morais que aumentam com o uso, em vez de diminuir. A confiança é um

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valor básico componente do capital social, derivando, segundo Putnam, de duas fontes: regras de reciprocidade e sistemas de participação cívica. Na sua importante pesquisa sobre a ação cívica nas regiões da Itália, Putnam afirma: A confiança promove a cooperação. Quanto mais elevado o nível de confiança em uma comunidade, maior a probabilidade de haver cooperação. E a própria cooperação gera a confiança. A progressiva acumulação de capital social é uma das principais responsáveis pelos círculos virtuosos da Itália cívica (PUTNAM, 2006, p. 180).

Por acreditar que o fomento dessas atitudes deve estar na pauta básica das instituições que lidam com o desenvolvimento humano e, portanto, de todo e qualquer espaço educativo, formal e informal, achamos imprescindível que uma política ou programa de cultura tenha como horizonte a educação dos sentidos de seu público. A educação deve englobar as noções de comunidade e coletividade e do apuro da convivência das diferenças e do relacionamento em sociedades complexas. O associativismo e outras formas de participação coletiva sedimentam valores no processo de formação de uma consciência de cidadania democrática.

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Os sistemas de participação cívica remetem à atuação em vários tipos de associações, voluntárias ou não, como corais, associações comunitárias de bairro, clubes de esportes, grupos de lazer, grupos de arte, partidos políticos, sindicatos, cineclubes, cooperativas, clubes de música, entre outros. Tudo isso representa uma ampla gama de possibilidades de cooperação horizontal. São participações em que cada um tem um grau de pertencimento e de importância relativamente igual e que possibilitam melhor informação, promovem as regras de reciprocidade, aumentam os custos potenciais de transgressão, redimensionam a confiança e possibilitam futuras colaborações (D’ARAÚJO, 2003, p. 19).

Um exemplo de articulação entre o local (território de pouso) e o nacional (território flutuante) é a experiência das aldeias, desenvolvidas pelos Departamentos Regionais do SESC e que estão associadas aos circuitos nacionais de grupos de artes cênicas que compõem a programação do projeto Palco Giratório (CRUZ, 2009). As aldeias atuam no fomento ao direito democrático de acesso à cultura para todos, situando a gestão cultural como meio de desenvolvimento. Vinculam programação cultural e distribuição de bens culturais com caráter público e coletivo, utilizando a capilaridade federativa do SESC para ajustar ações nacionais com ações locais.

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Ações culturais dessa natureza são guiadas por objetivos claros de criação de oportunidades para o público, que vão além do conforto de oferecer espetáculos e atividades para a fruição estética. Pois, na sua continuidade e permanência, colaboram para a formação de ambientes favoráveis à socialidade ou à “solidariedade de base que une aqueles que habitam em um mesmo lugar” (MAFFESOLI, 2001b, p. 80), ao estar junto, na vida comunitária, contribuindo para o desenvolvimento das dimensões criativas da vida. Nosso entendimento é o de que uma ação cultural local — sistematicamente desenvolvida a partir de um plano estratégico de longo prazo, aliando programas, projetos e atividades regularizadas — pode possibilitar o desenvolvimento e a criação de oportunidades para a comunidade. Para tanto, devemos levar em conta certos valores importantes para o desenvolvimento das dimensões criativas da vida, como confiança, solidariedade, ética, tolerância e respeito à diversidade. Esses valores, agenciados pela vida em comum de grupos ou comunidades, formam um capital social.

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Gestão cultural No Brasil, a organização da cultura como ação política de administração pública possui como marco os anos 1930, a partir da industrialização e da urbanização, quando se inicia o processo de viabilização de um mercado de bens simbólicos, passando a cultura a ser entendida como “negócio oficial” (MICELI, 1979, p. 131). À frente das ações pioneiras está Mário de Andrade, convocado por Gustavo Capanema, que contava com um seleto grupo de colaboradores no Ministério de Educação e Saúde. Na verdade, apesar das políticas culturais geradas pelas ações de Mário, Capanema e colaboradores, ainda assim, “não se pode afirmar o desenvolvimento de uma tradição de atenção e mesmo de formação na área da gestão cultural. Esse descuido das políticas culturais inibiu a valorização da gestão, seu reconhecimento e a consequente circulação entre nós da noção de gestão cultural” (RUBIM, 2007, p. 18). Entre o fim do Estado Novo, em 1945, e o golpe militar de 1964, o Brasil atravessou uma fase de crescente criatividade artística; mas predominantemente amadorística no que diz respeito à

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especialização e à profissionalização da administração da cultura, apresentando um incipiente cenário de desenvolvimento da indústria cultural nacional: Se os anos 40 e 50 podem ser considerados como momentos de incipiência de uma sociedade de consumo, as décadas de 60 e 70 se definem pela consolidação de um mercado de bens culturais. [...] O movimento cultural pós-64 se caracteriza por duas vertentes que não são excludentes: por um lado se define pela repressão ideológica e política; por outro, é um momento da história brasileira onde mais são produzidos e difundidos os bens culturais. Isso se deve ao fato de ser o próprio Estado autoritário o promotor do desenvolvimento capitalista na sua forma mais avançada (ORTI Z, 1991, p. 113-115).

A análise de Ortiz considera que no longo período da ditadura militar (1964/1985) se deu a criação de importantes instrumentos e instituições para o desenvolvimento da cultura no país; como, por exemplo, o Conselho Federal de Cultura (1966), o Plano Nacional de Cultura (1975), o Centro de Referência Cultural (1975), a Fundação Nacional de Artes (1975), o Conselho Nacional de Cinema (1976), a Radiobrás (1976) e a Fundação Pró-memória (1979). Ao mesmo tempo, não podemos esquecer a revolução comportamental que explodiu em todos os cantos do planeta nas décadas de 1960 e 1970. As pequenas e grandes cidades de países e culturas diversas foram ocupadas pela onda de comunidades jovens psicodélicas, hippies, alternativas, moléculas de uma contracultura dispostas a fazer ruir as estruturas de base do sistema capitalista. Uma explosão cultural fomentada por artistas, grupos e coletivos dispostos a romper com os modelos de arte e produção cultural vigentes. Novos artistas, novas ações culturais, novas formas de envolvimento com o público, novos modos de produzir e distribuir bens culturais.

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No Brasil, mesmo durante a ditadura militar, durante as décadas de 1960 e 1970, tanto as guerrilhas urbanas quanto os movimentos culturais organizados e “desorganizados” da sociedade civil colaboram para a disseminação de novos modos de agir e produzir cultura. O aparelhamento cultural oficial, de Estado e o não oficial e, também, aquele de caráter estritamente marginal colaboraram para o surgimento de agentes culturais oriundos das mais diversas áreas de conhecimento, mobilizados por uma infinidade de utopias e filosofias libertárias, dispostos a dar conta das diversas demandas do novo mercado de bens culturais, disseminando, assim, os alicerces de uma nova profissão: o produtor cultural.

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Talvez, premidos pela emergência da práxis, os emergentes produtores culturais tenham inscrito e legado para as gerações posteriores algumas involuntárias confusões no que diz respeito às funções e atribuições desse novo campo profissional. A urgência histórica do fazer cultural nos anos 1970 e 1980, com forte tendência para o autodidatismo, deu prioridade à prática em detrimento da reflexão crítica, causando uma ausência de definição e delimitação das noções de produção e gestão. Nesse período, predominou o uso da noção de produção cultural em detrimento da noção de gestão cultural, diferentemente do que ocorre em inúmeros outros países (RUBIM, 2007b, p. 18). A noção de produção está ligada à viabilização de meios para a realização de produtos culturais, à captação de recursos, à estruturação de logísticas, às demandas de distribuição e consumo do mercado cultural, enquanto a noção de gestão está relacionada às demandas da acessibilidade, à educação dos sentidos e à cidadania cultural. 104

A partir da década de 1980, um campo de trabalho se abre na relação entre escola e comunidade, entre educação e cultura. Na esteira de experiências realizadas nas bibliotecas francesas em 1975 e nos museus cubanos em 1987, surge a figura do animador cultural que, no Brasil, ganha repercussão a partir da proposta de Animação Cultural nos CIEPS — Centros Integrados de Educação Pública, criados por Darcy Ribeiro, durante o governo Brizola (1983/86), no Rio de Janeiro. Egressos de grupos de teatro, de associações comunitárias, da arte-educação, de grupos de poesia, das artes plásticas, de grupos musicais, de grêmios estudantis, de centros acadêmicos universitários, de cooperativas de artesanato e de grupos de cultura popular, formam uma nova classe de profissionais: a do animador cultural (RIBEIRO, 1997, p. 15). A partir da criação do Ministério da Cultura, em 1985, as políticas do Estado para a cultura começaram a ser delineadas. Em 1986 foi criada a Lei Sarney de incentivos fiscais para a cultura e, em1988, promulgada a nova constituição brasileira. Na seção dedicada à cultura, a constituição diz que “a lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais” (OLIVEIRA, 1995, p. 98). Estava aberto o canal para as leis de incentivo baseadas na renúncia fiscal. Uma nova leva de promotores, produtores e captadores agem como intermediários entre os mecanismos de investimentos e os criadores, dinamizando o cenário dos anos 1990.

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A nova década é marcada como um período de transição para os profissionais da cultura; de um lado estavam os que atuavam com base no autodidatismo e do outro, aqueles que buscavam uma formação profissional específica. Há uma expansão de oportunidades no mercado cultural e novos olhares conceituais eram exigidos para reposicionamentos da práxis cultural. A tensão entre o público e o privado se amplia e a globalização domina todos os setores da vida, impondo ma dinâmica de acesso, distribuição e consumo inteiramente novos e desiguais, criando confrontos entre as escalas locais, regionais, nacionais e globais. Uma década de construção de trajetórias e perfis profissionais, de trocas de experiências nacionais e internacionais, de encontros e debates sobre política cultural, sistemas de financiamentos, marketing cultural e conceitos operacionais para a ação cultural, permitindo “a construção de referências coletivas, identificando um campo comum de atuação profissional” (CUNHA, 2007, p. 149). Logo no início da década, uma importante experiência foi desenvolvida pela prefeitura de São Paulo, na gestão de Luiza Erundina (1989-1992), com Marilena Chauí à frente da Secretaria Municipal de Cultura, introduzindo na práxis da política pública as noções de Cidadania Cultural e Direito à Cultura, elevando a discussão sobre as interseções entre cultura e capital social, deslocando a ação cultural do espaço exclusivamente mercadológico para o território dos direitos sociais.

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Após a passagem do furacão do governo Collor, fazendo uma devassa na área cultural do Estado e, em seguida, durante o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1999), o Governo Federal reduziu o nível dos investimentos públicos na área da cultura na gestão do ministro Francisco Weffort, inaugurando abertamente a época da privatização cultural, delegando às empresas o papel e o poder de decisão sobre os rumos da produção cultural no país. É a época da “Cultura é um bom negócio”. Situação que perdurou durante o segundo mandato de FHC, só ocorrendo mudanças substanciais a partir do governo do presidente Lula. De fato, é no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006), que o Ministério da Cultura, na gestão de Gilberto Gil, realiza a 1ª Conferência Nacional de Cultura (2005), etapa fundamental para a elaboração do Plano Nacional de Cultura. Segundo o previsto na Emenda Constitucional, o Plano Nacional de Cultura deve conduzir à:

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I. defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II. produção, promoção e difusão de bens culturais; II. formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; IV. democratização do acesso aos bens da cultura; V. valorização da diversidade étnica e regional. (...) Foram propostos cinco eixos para a discussão, em torno dos quais se elaboraram propostas de diretrizes para o Plano Nacional de Cultura. Os eixos eram os seguintes: 1.Gestão Pública e Cultura; 2. Cultura é Direito e Cidadania; 3. Economia da Cultura; 4. Patrimônio Cultural e 5. Comunicação é Cultura.

Os seminários setoriais foram organizados pelo MinC com a participação da Comissão de Educação e Cultura dos Vereadores, com apoio do Sistema S (SESC, SESI, SENAI e SENAC) e das administrações municipais das cinco cidades (Londrina, Juiz de Fora, Petrolina, Juazeiro, Manaus e Cuiabá) que foram escolhidas para sediá-los (CALABRE, 2008, p. 118).

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A partir da Emenda Constitucional que instituiu o Plano Nacional de Cultura, ganha destaque a necessidade de formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura. Para isso, se tornam eixos estratégicos da ação pública discutir e orientar a cultura como direito e cidadania e implementar o desenvolvimento e a autonomia da economia e da gestão da cultura. Nesse momento é exigido do profissional da Gestão Cultural um posicionamento diverso daquele que normalmente se identifica com o do produtor cultural. O produtor organiza projetos específicos e descontinuados no tempo, o gestor planeja e realiza projetos permanentes de cultura. O gestor cultural articula e compatibiliza instrumentos gerenciais, recursos técnicos especializados, programas, ações, projetos e atividades, com vistas a alcançar uma eficácia nas relações entre instituições, investimentos, eventos e consumidores de bens culturais. São saberes e poderes construídos, verificados e acumulados em décadas de militância entre a prática e a reflexão permanente. É a conclusão a que chega Maria Helena Cunha, em sua pesquisa com diversas gerações de produtores e gestores culturais. Os gestores culturais afirmaram no decorrer de suas entrevistas que é preciso entender determinados saberes específicos para atuar como gestor cultural. Mas, mais do que isso, eles continuam dizendo que é preciso ter capacidade de interferir no discurso das políticas públicas de cultura; definir os caminhos junto com o artista; gostar de resolver

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problemas; discutir os processos de produção; dominar ferramentas da administração; planejar; elaborar projetos; criar mecanismos de controle; buscar conhecimento sobre as áreas afins e correlatas; ter visão mais macro da sociedade onde atuam; saber decidir a todo momento; fazer necessariamente essa ponte entre o artista, a iniciativa privada e o Poder Público (CUNHA, 2007, p. 178).

A gestão cultural pressupõe uma elaboração sistemática e regularizada de atividades multidisciplinares e uma eficiente conjugação de recursos físicos, humanos e financeiros, que requer tanto a arte da estratégia de programação quanto da logística. A operação envolve diversos fatores, como contextos locais, segmentos sociais, entre outros. Pois entende-se que a gestão cultural deverá estabelecer uma relação entre as questões artísticas e culturais associadas aos conhecimentos sociológicos, antropológicos e políticos, bem como aos conhecimentos técnicos da comunicação, economia, administração e direito, aplicados à esfera cultural (CUNHA, 2007, p. 125).

Nessa dimensão, a gestão cultural visa tomar consciência da importância do seu papel social no processo de construção de políticas para a ação cultural na perspectiva de desenvolvimento do ser humano, reconhecendo na diversidade cultural uma dinâmica intercultural complexa que vai além da ingenuidade contábil de variedades e que se desenvolve pelo conflito das lutas pelas diferenças, preparando um campo “para compreender a complexidade de sua contribuição para a elaboração do mundo” (BERNARD, 2005, p. 77).

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O gestor cultural é aquele profissional que articula e compatibiliza ferramentas gerenciais, recursos técnicos especializados, programas, ações, projetos e atividades, visando alcançar uma eficácia nas relações entre instituições, investimentos, eventos e consumidores de bens culturais. Nesse sentido, o gestor cultural possui a responsabilidade social de construir a ponte entre as políticas culturais, seus meios de execução e as diversas assembleias de espectadores (GUÉNOUN, 2003). A gestão cultural é práxis, prática e reflexão, ação e pensamento, reação e reflexão, fazer e refazer, em uma cadeia sucessiva de tentativas e erros, consertos e experimentos. A gestão da cultura pressupõe um movimento contínuo e sistemático de qualificação do volume de informações disponíveis na sociedade (CALABRE, 2009, p. 7).

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Desenvolvimento cultural A noção de desenvolvimento, embora predominantemente originária da economia, não se restringe a esse campo. Importantes autores consideram que a noção de desenvolvimento apresenta outras dimensões, como a social, a política, a ambiental, a territorial, a institucional e a tecnológica. Essas dimensões configuram relações dinâmicas entre si e, ao mesmo tempo, mantêm, cada qual, sua autonomia. Pois “o desenvolvimento é o processo de mudança em virtude do qual uma coletividade tem acesso em conjunto a um bem-estar maior” (HERMET, 2002, p. 20). Entre os anos de 1964 e 1980 há o período em que a produção e a circulação de bens culturais, associadas à inovação tecnológica, passaram a ser regidas pela lógica do mercado. Ocorreu, então, o fenômeno da crescente massificação da produção, distribuição e consumo de bens culturais no Brasil. A fase de repressão política e ideológica é, também, a fase de grande concentração populacional nos grandes centros urbanos, com o crescimento da classe média e de uma significativa “sociedade de consumo” (BARBOSA, 2004, p. 13).

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Para além do gosto, o consumo na sociedade contemporânea é sempre uma ação de aquisição de um bem pelo qual se paga um valor estabelecido pelas leis de mercado. O consumo material é sempre algo que atrai e é atraído por uma mercadoria. A tendência dominante na economia de mercado busca a especialização para obter maior eficácia nas vendas das mercadorias. Os bens são as partes materiais, visíveis, da cultura. Sabe-se que o consumo está presente em toda e qualquer sociedade humana e que todo e qualquer ato de consumo é essencialmente cultural. “Os bens que servem às necessidades físicas — comida ou bebida — não são menos portadores de significado do que a dança ou a poesia” (DOUGLAS, 2006, p. 120-121). O tema da cultura relacionada ao desenvolvimento está presente nas reflexões de Celso Furtado quando ele diz que “a política de desenvolvimento deve ser posta a serviço do processo de enriquecimento cultural” (FURTADO, 1984, p. 32). O importante economista, Ministro da Cultura no período de 19861988, no governo Sarney, acreditava que “um maior acesso aos bens culturais melhora a qualidade da vida dos membros de uma coletividade” (FURTADO, 1984, p. 32). Essa dinâmica

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de influências e jogos de forças entre as diversas dimensões do conceito de desenvolvimento provoca o surgimento de outros conceitos: A partir da década de 90, a questão do desenvolvimento passou a ser discutida pelo viés do “local”, ou seja, como empreender iniciativas de desenvolvimento a partir de características, vocações e apelo local. Este modelo de desenvolvimento vem sendo usualmente associado ao conceito de território (TENÓRIO, 2007, p. 86).

O conceito de território conjuga espaço, desenvolvimento, comunidade e acesso a bens culturais. O agir na escala territorial local, mantendo um diálogo permanente com o nacional e o global, é o caminho para uma política cultural que pretende contribuir para a criação de oportunidades, pois, “em uma época de intensa comercialização de todas as dimensões da vida social, o objetivo central de uma política cultural deveria ser a liberação das forças criativas da sociedade” (FURTADO, 1984, p. 32). É a partir do entendimento dessa dinâmica da vida cotidiana nos bairros, com suas particularidades comunitárias, no compartilhamento de sonhos e rituais, nos enredos das experiências imemoriais e nos jogos entre protagonistas individuais e coletivos que apreendemos as demandas do lugar. “De um lugar que nos ultrapassa e cuja forma nos forma. De um lugar que se constitui por sedimentações sucessivas e que conserva a marca das gerações que a modelaram e, com isso, se torna patrimônio” (MAFFESOLI, 2001, p. 101).

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Esse agir local articula pontos de contato direto com a comunidade e com seu cotidiano; em última análise, é necessário perceber como esse modo de ação, como qual o gestor cultural interage e realiza mediações que envolvem pessoas, memória, espaços, equipamentos e outros diversificados recursos, colabora para a formação da vida coletiva em um território, contribuindo para a consolidação de uma política cultural que pode ser identificada como de desenvolvimento local.

Conclusão Tendo em vista o exposto, é necessário organizar ações participativas na esfera pública para a afirmação de um amplo leque de direitos e deveres da sociedade civil, criando estratégias organizativas para a preparação de um mundo onde

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as pessoas possam dar livre curso à produtividade dos seus impulsos criativos. Para tanto, é preciso levar em consideração os complexos arranjos institucionais mobilizados pelos atores sociais em jogo em um campo no qual, a todo instante, “novos conceitos surgem, entre os quais se destaca o de desenvolvimento local, que procura reforçar a potencialidade do território, mediante ações endógenas, articuladas pelos seus diferentes atores: sociedade civil, poder público e o mercado” (TENÓRIO, 2007, p. 73). Essas reentradas das ações sociais coletivas forçariam as estruturas de poder “do reino dos interesses privados” a uma redução da concentração de privilégios em nome de uma difusão de bens e serviços de interesse público, abrindo caminho para a construção de uma sociedade melhor, justa e democrática, com valores, atitudes e culturas, cuja qualificação multiplicará o acesso a bens públicos para todos, em medidas diversas de necessidades.

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É importante assinalar que, no campo da cultura, a confiança desenvolvida nas relações entre o SESC e as comunidades e cidades envolvidas pelos projetos e atividades do Programa Cultura é um exemplo possível de cooperação cívica. A cultura é uma potência movida pela diversidade de comunidades de interesses. A cultura, aqui assumida como foi definida pela Unesco (1996), como “formas de viver junto. A mera ideia de cultura já implica ação coletiva”. A cultura põe em jogo relacionamentos e trocas simbólicas, pois “o capital social se apóia no desenvolvimento cultural da sociedade” (SEN; KLIKSBERG, 2010, p. 308-329). Nesse sentido, é possível afirmar que a ação cultural organizada, regularizada e sistemática desenvolvida pelo SESC em todo o território nacional produz diferenças nas comunidades em que atua. Pois, ao disponibilizar uma gama imensa de serviços e produtos culturais, possibilita uma distribuição menos desigual da riqueza imaterial entre as partes interessadas na partilha daquilo que é produzido pela sociedade e contribui decisivamente para o desenvolvimento cultural local.

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