SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO Departamento Nacional
Projeto Mostra 1959 - O ano mágico do cinema francês
Presidente do Conselho Nacional do SESC Antonio Oliveira Santos
Gerência de Cultura / Divisão de Programas Sociais Marcia Leite
Administração Nacional Direção-Geral Maron Emile Abi-Abib
Coordenação Marco Aurélio Lopes Fialho
Divisão Administrativa e Financeira João Carlos Gomes Roldão Divisão de Planejamento e Desenvolvimento Álvaro de Melo Salmito Divisão de Programas Sociais Nivaldo da Costa Pereira Consultoria da Direção-Geral Juvenal Ferreira Fortes Filho Luis Fernando de Mello Costa
Assessoria de Cinema Nadia Moreno Rodrigues Marco Aurélio Lopes Fialho
Edição Assessoria de Divulgação e Promoção / Direção-Geral Christiane Caetano Coordenação Editorial Rosane Carneiro Texto Marco Aurélio Lopes Fialho Projeto Gráfico Ana Cristina Pereira (Hannah23) Revisão Clarissa Penna Elaine Bayma Raquel Bahiense
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Abordar o cinema em toda a grandeza, como uma das mais recentes contribuições do homem por meio da arte à compreensão de sua própria natureza, sempre foi prerrogativa do SESC. Explorar a multiplicidade de leituras que a cinematografia instiga, para a entidade, contribui para o desenvolvimento social, envolvendo também, nesta diretriz, o bem-estar das pessoas, especialmente daqueles que em muitas localidades brasileiras não possuem acesso a sessões. O SESC, assim, optou desde o início de suas atividades por recorrer ao cinema como instrumento de transformação da sociedade, levando-o aos mais longínquos rincões e oferecendo ações educativas paralelas, como seminários, palestras e debates. O trabalho educativo com o cinema começou no SESC mesmo antes de dispormos de salas de exibição, na década de 1970, com temas referentes a movimentos, estilos, narrativas e cineastas de cunho nacional e internacional. Com o passar do tempo, e as mudanças sociais – às quais a instituição permanece atenta, para dignificar ainda mais sua missão educativa –, os tópicos ganham leituras inéditas, que engendram novas perspectivas históricas e sociais. A iniciativa do SESC, então, aumenta em dimensão, ao fundamentar a educação em cultura na dinâmica social, o que contribui em profundidade para a formação de sentidos à qual se propõe. Este é o caso dos filmes da mostra 1959 - O ano mágico do cinema francês. Por entender a linguagem do cinema contemporâneo como descendente em ordem direta de muitos dos questionamentos trazidos pelos cineastas franceses da época, o SESC leva ao público a oportunidade de apreender a grande força motriz destes artistas e pensadores, em seu surgimento e ainda hoje, na configuração atual da arte cinematográfica.
Maron Emile Abi-Abib Diretor-Geral do Departamento Nacional do SESC
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SUMÁRIO Apresentação O cinema no pós-guerra Nouvelle Vague – frágil unidade
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Quem matou Leda? Breve biografia de Claude Chabrol Filmografia de Claude Chabrol
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Os incompreendidos Breve biografia de François Truffaut Filmografia de François Truffaut
24 28 29
Hiroshima meu amor Breve biografia de Alain Resnais Filmografia de Alain Resnais Pickpocket Breve biografia de Robert Bresson Filmografia de Robert Bresson
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Acossado Trechos de críticas publicadas sobre Acossado Breve biografia de Jean-Luc Godard Filmografia de Jean-Luc Godard Referências Notas
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42 48 50 51 54 55
APRESENTAÇÃO 1959 foi um divisor de águas para os cinemas francês e mundial. Hoje, passados cinquenta anos, observamos – ao lançarmos um novo olhar histórico e perspectivo – o quanto os cineastas, que então iniciavam suas carreiras como diretores, contribuíram para o aprofundamento da linguagem cinematográfica, entre eles os consagrados e talentosos François Truffaut, Jean-Luc Godard, Claude Chabrol e Alain Resnais. Esses diretores, antes mesmo de serem reconhecidos como expoentes da Nouvelle Vague francesa, já haviam começado, desde o início dos anos 50, a pensar e escrever sobre cinema na revista-ícone Cahiers du Cinéma, ainda apenas como críticos. As reflexões desses jovens foram cruciais não só para a sua formação cinematográfica, mas para o cinema que cada um viria a realizar como diretor. O próprio Godard, em Introdução a uma verdadeira história do cinema, reconhece a importância dessa época de gestação ao comentar sobre seu filme de estreia, Acossado (À Bout de Souffle). Segundo ele, “quando fiz À Bout de Souffle, era o resultado de dez anos de cinema. Já tinha feito cinema durante dez anos, sem nunca ter feito filmes, tentando fazê-los”.(1) Dentre os cinco escolhidos para compor a mostra 1959 - O ano mágico do cinema francês, quatro fazem parte da dita Nouvelle Vague nascente: Acossado (Godard), Os incompreendidos (Truffaut), Hiroshima meu amor (Resnais) e Quem matou Leda? (Chabrol). Foi inserido Pickpocket, dirigido por Robert Bresson, possuidor de um estilo único e muito influente para essa nova geração de críticos que despontavam em 1959 como cineastas. Dos quatro diretores considerados como fundadores da Nouvelle Vague, somente Claude Chabrol não realizava sua estreia em 1959, e sim um ano antes, com o filme Nas garras do vício (Le Beau Serge), além de, ainda em 1959, dirigir também o filme Os primos (Les Cousins). Ao se discutir a Nouvelle Vague francesa em seus primórdios, torna-se inevitável considerar como protagonista dessa análise o próprio cinema e a sua busca por caminhos estéticos que o justificam como arte. Cada um dos cinco autores escolhidos seguiu rumos e estilos cinematográficos bem diferentes, mas cada um demonstrou em suas escolhas o quanto o cinema, apesar de sua juventude, e talvez até devido a ela, pôde indicar reflexões estéticas redefinidoras do estatuto do humano no mundo contemporâneo.
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O CINEMA NO PÓS-GUERRA
“Preconceito do senso comum, o monismo da causa será sempre um estorvo para a explicação histórica. Esta procura muitas ondas causais e não se assusta de que sejam múltiplas, visto que assim as apresenta à vida.” Marc Bloch
Após a Segunda Guerra Mundial, transformações históricas significativas foram vivenciadas no mundo. Entre tantas, a supremacia econômica dos EUA sobre a Europa e a América Latina que acarretou também uma influência de valores culturais e comportamentais; a reconstrução da Europa assolada pela destruição ocasionada pela guerra em seus limites geográficos; a polarização ideológica entre capitalismo e socialismo (Guerra Fria); o macartismo nos EUA; a consolidação do poder da União Soviética por meio do avanço industrial interno e a ampliação de sua influência política nos países do Leste Europeu; a guerra da Argélia; e uma transformação mais contundente dos papéis sociais da mulher e do jovem.
contemporânea, preocupados com um olhar transformador, deliberadamente disposto a implodir com as certezas estéticas, ideológicas e sociais edificadas na primeira metade do século XX pelas grandes potências capitalistas mundiais. A eclosão desses novos cinemas foi crucial nessa difícil conjuntura histórica, e eles podem ser percebidos como partícipes no debate sobre uma nova formação ideológica e cultural se pensados como forças políticas e econômicas em processo de realinhamento, em uma nova configuração de poder mundial, com os EUA assumindo um papel de liderança no bloco capitalista, em uma Europa desgastada por duas guerras consecutivas em seu território, e com o mundo assustado e assombrado pelos efeitos destrutivos causados pela bomba atômica infringida aos japoneses pelos norte-americanos; ato iniciador do pavor mundial por uma guerra de proporções ilimitadas, uma ameaça de extermínio global em questão de poucas horas.
A sociedade francesa mal havia se erguido do baque da Segunda Guerra Mundial e viu-se de frente com outra guerra, a da independência da Argélia, acontecimento decisivo para a juventude francesa dos anos 1950. Essa guerra revelava que algo havia de ser modificado no próprio cerne da sociedade. Era evidente a sensação de a França ser governada por velhos, como bem destacou o crítico de cinema Luiz Carlos Merten: “No fim dos anos 1950, a juventude descobriu, não sem profundo desconforto, que vivia num país governado pelos velhos. Na política, na música, no cinema, no teatro e na literatura, eram eles que ditavam as cartas. Os velhos mandavam, os jovens que haviam sobrevivido à guerra na Indochina, ou ainda eram muito garotos para serem recrutados, eram chamados agora para lutar em outra guerra, na Argélia”. (2)
Ao contrário do começo do século XX, em que as potências nacionais imperialistas europeias entraram em confronto pelos mercados periféricos, a partir da segunda metade desse século o grande embate a ser travado seria entre os impérios norte-americano e soviético, os dois dispostos a lançar seus tentáculos ideológicos por sobre outras nações mundiais. De todos os fenômenos artísticos e estéticos relevantes, talvez o de maior repercussão no âmbito da cultura tenha sido o do neorrealismo italiano. Iniciado em seguida ao fim da guerra, em 1945, esse movimento estético do cinema logo contagiou os intelectuais europeus por mostrar ser possível estabelecer regras e procedimentos cinematográficos novos, nesse caso, alternativos ao cinema que então se fazia na Itália e no mundo.
Mas esse não foi só um fenômeno francês; a necessidade de uma mudança profunda na forma de pensar o papel do sujeito na sociedade já estava em curso em diversas partes do mundo. Na esfera da cultura, o cinema representou um dos principais veículos de expressão de uma juventude inconformada com o destino traçado pelas gerações precedentes.
O primeiro e crucial procedimento tomado por seus realizadores foi o de levarem os equipamentos de cinema às ruas, saírem dos pomposos e sofisticados estúdios montados pelo governo fascista de Mussolini para se confrontarem com a difícil realidade italiana do pós-guerra.
Nesse período, o cinema daria passos fundamentais rumo a um amadurecimento. Em apenas vinte anos, diversos movimentos estéticos eclodiriam na Europa e em outros continentes, em um movimento criativo talvez poucas vezes observado na história da humanidade.
A fome, o desemprego, a desolação vinda do sentimento de derrota na guerra, a ocupação militar americana, a destruição física e moral do país gerada pela crise de valores, a significativa resistência ideológica ao regime fascista, enfim, os problemas do homem simples e pobre da Itália eram elementos presentes nesse momento histórico e
O neorrealismo italiano, a Nouvelle Vague francesa e a americana, os cinemas novos da América Latina, o novo cinema japonês, o novo cinema alemão, o cinema novo no Leste Europeu e o cinema de Bergman na Suécia são exemplos de cinemas atentos à condição humana
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Um filme pode despertar sentimentos e sentidos para diferentes gerações em momentos históricos diversos, entretanto o mais marcante de um filme é dado pelo que significou para sua geração e seu contexto, e talvez, nesse aspecto, poucos filmes tiveram tanta força quanto Acossado, de Godard. Antes dele, apenas Cidadão Kane, de Orson Welles, de 1941, considerado por muitos críticos a obra mais marcante da história do cinema, e alguns filmes do Actors Studio, principalmente Juventude transviada, de Nicholas Ray, de 1955. Interessante notar o fato de Acossado dialogar diretamente com esses dois filmes.
decisivos para uma posição política firme dos cineastas italianos. Criava-se a alcunha neorrealismo, pois, diferentemente do artificialismo do realismo clássico que recriava cinematograficamente o mundo com seus atores estelares, em estúdios esplendorosos, maquiadores e falseadores do real, o novo movimento quis relatar com imagens o mundo tal como ele se encontrava no momento, com as ruas e seus prédios em ruínas, e as pessoas com seus rostos tristes e abatidos pelo fascismo e pela guerra. Os atores escolhidos pelos diretores neorrealistas eram uma mistura de atores de segundo escalão com não atores, o que criou um poderoso amálgama, responsável por imprimir um rosto popular e político ao movimento. O enfoque de realidade ditado por esses realizadores neorrealistas os fez assumirem o papel de cronistas sociais nesse delicado momento histórico vivido pela Itália, com o mérito de evidenciar os italianos mais simples, de colocá-los como protagonistas de sua própria história.
A grande contribuição de Cidadão Kane para essa geração francesa foi sua incrível descoberta de como pensar e executar narrativamente um plano. Welles desenvolveu com maestria em seu filme de estreia o uso da profundidade de campo como linguagem para o cinema. Isso, ao preterir a tradicional decupagem clássica, em que o diretor antes da filmagem planeja a construção de cada cena e escolhe os planos do seu filme, e preferir utilizar menos planos, por meio da orquestração de uma mise-en-scène mais elaborada, repleta de detalhes e informações a serem observadas pelo espectador. Por sua vez, este último precisava redobrar sua atenção ao assistir ao filme, para poder apreender não só a história, mas também a forma pela qual era contada.
Para filmar nas ruas, os diretores neorrealistas (Rossellini, De Sica, Visconti, entre outros) fizeram escolhas decisivas e revolucionárias que influenciaram o pensar e o fazer cinematográficos em todo o mundo, inclusive o francês, nosso foco nesse momento. O mais respeitado crítico francês, André Bazin, acompanhou de perto a produção neorrealista e, no calor da hora, pensou questões contundentes no campo da linguagem do cinema, até hoje consideradas das mais profundas já escritas sobre o movimento.
Em Cidadão Kane, Welles fez uso dos flashbacks como recurso narrativo e inseriu outros elementos revolucionários, como o falso documentário misturado na trama ficcional para apresentar tanto a complexa personalidade de Kane quanto o tom sensacionalista da imprensa.
O entusiasmo de Bazin em relação ao movimento era franco ao extremo, pois o crítico francês há muito buscava no desenvolvimento de seu pensamento acerca do cinema uma renovação para além do padrão estabelecido pela imagem clássica, capaz de criar um outro sentido para o realismo.
Empregados de forma extremamente crítica, esses recursos foram absolutamente inovadores em 1941, ano da produção do filme. Importante registrar que os franceses apenas os descobriram ao final da Segunda Guerra. As ousadias narrativas de Welles, antes de entusiasmar a crítica norte-americana, empolgaram os jovens críticos franceses da época, mais afeitos às discussões sobre linguagem cinematográfica e impactados por uma sociedade em franca crise de valores. A trincheira deles localizava-se em endereço conhecido, a revista Cahiers du Cinéma, cuja máxima referência intelectual foi André Bazin, o primeiro a perceber em Cidadão Kane as inovações estéticas inseridas nessa magistral obra. (3)
Assim, os filmes neorrealistas italianos, ao lado de Cidadão Kane (1941), de Orson Welles, forjaram um alento criativo ao proporem elementos oxigenadores para a narrativa e a linguagem cinematográficas no período do pós-guerra. O neorrealismo foi um componente balizador e abriu caminho para o nascente movimento francês, pois este último em sua gestação herdou a ânsia de liberdade e ousadia dos intrépidos diretores italianos. É impossível, por exemplo, não enxergar a notória influência deles (pensamos sobretudo em Paisá e Alemanha ano zero, de Rossellini) em Os incompreendidos, de Truffaut, clássico da Nouvelle Vague nascente.
O grande papel exercido por esses novos críticos militantes na Cahiers du Cinéma foi o de deslocar o nome do diretor do final para o início
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Belmondo flerta com a imagem de Humphrey Bogart em um cartaz na frente de um cinema, e repete durante todo o filme o seu famoso gesto de passar o polegar nos lábios.
do filme. Enxergaram e valorizaram o trabalho dos diretores na construção da mise-en-scène cinematográfica, os transformaram em autores de seus filmes, em uma tradição na qual o produtor era encarado como o grande nome do cinema, com o predomínio da visão comercial em detrimento da artística.
Godard reconhecia assim a dívida dos novos diretores franceses aos anti-heróis do cinema americano, principalmente os de olhar triste e cativante, imagens de um novo individualismo, não mais o altruísta, mas sim um em contraste com o dos mocinhos nos filmes de faroeste, símbolos de um povo em construção e legitimadores de uma ordem social expansionista, cujo maior autor foi John Ford.
A incrível invenção desses novos críticos foi a de adequar a ideia de autor para os diretores que atuavam no cinema industrial americano. Perscrutaram filme a filme, até encontrarem um estilo ou uma marca indelével que a identificava, por exemplo, como a de uma obra de Nicholas Ray, Fritz Lang ou Alfred Hitchcock.
Todo o terreno aqui descrito continha fertilizantes necessários para o enraizamento de ideias que culminariam na Nouvelle Vague francesa, sem desconsiderar, é claro, a verve criativa de seus realizadores, ansiosos por virar o cinema e o mundo de ponta-cabeça.
Nascia a ideia do cinema de autor, ou autorismo, como alguns preferem chamar, logo transformada em conceito e propagada incontrolavelmente por todo o mundo. Como bem define o pensador Robert Stam, “para Truffaut, o novo cinema se assemelharia a quem o realizasse, não tanto pelo conteúdo autobiográfico, mas pelo estilo que impregna o filme com a personalidade de seu diretor. Os diretores intrinsecamente vigorosos, afirmava a teoria do autor, exibirão no decorrer dos anos uma personalidade estilística e tematicamente reconhecível, mesmo trabalhando nos estúdios hollywoodianos. Em resumo, o verdadeiro talento sobressairá, não importando as circunstâncias”. (4) Mas turbulências estéticas não ocorreram somente nos países europeus. Nos Estados Unidos, paralelamente à ebulição teórica europeia, o impacto estético provocado pelos filmes do Actors Studio caiu como uma bomba e abalou os alicerces sociais e comportamentais da conservadora sociedade norte-americana dos anos 1950, assombrada pela perseguição macartista, que via em qualquer frase ou gesto críticos uma afronta comunista capaz de pôr à prova a “sólida” democracia capitalista. O estilo rebelde e desajustado de James Dean e Marlon Brando foi fundamental nesse período, principalmente por expor a fragilidade emocional do povo americano e a necessidade de se modificar a mentalidade mesquinha do poder estabelecido. Mas esse movimento tão importante sofreu um grande abalo quando foi revelado que um dos seus principais expoentes, o cineasta Elia Kazan, havia dedurado seus colegas durante a referida perseguição macartista. Entretanto, a influência do cinema norte-americano no cerne da nova crítica francesa, e no cinema então em gestação, foi descomunal; e ela ficou evidente quando Godard, ao realizar Acossado, inseriu, como flagrante homenagem, uma cena em que o personagem de Jean-Paul
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NOUVELLE VAGUE – FRÁGIL UNIDADE
“Tudo quanto há, antes de se fazer, às vezes é malfeito; mas depois que está feito e a gente fez, aí tudo é benfeito...” Guimarães Rosa
artigo em que já prenunciava um novo estilo de cinema chamado de camera-stylo. Ele afirmava que “o cinema se libertará pouco a pouco da tirania do visual, da imagem pela imagem, do enredo imediato e concreto, para tornar-se um meio de escritura tão leve e tão sutil quanto a linguagem escrita” (grifo nosso).
Analisar a Nouvelle Vague francesa buscando elementos conceituais ou temas consensuais é uma tarefa não só árdua como de grande frustração do ponto de vista teórico. Isso porque analisando de pronto, Acossado, Os incompreendidos e Hiroshima meu amor, logo apreendemos as latentes diferenças entre eles, cada um com estilo e até mesmo concepção estética bem particulares.
A ideia de se estabelecer uma relação com a literatura sem submissões, focada na superação estética, estava presente há pelo menos dez anos da explosão dos filmes da Nouvelle Vague, nas concepções estéticas de Astruc.
Apesar dessa visível heterogeneidade entre os filmes, faz-se necessário realizar um esforço intelectual a mais, para examiná-los em um panorama mais abrangente que faça emergir congruências num território de aparente opacidade.
Ainda no período de formação, há uma valorização, por parte desses novos críticos, do cinema clássico americano, em especial dos diretores vinculados aos grandes estúdios de Hollywood. Com a defesa da mise-en-scène (definida como a relação estabelecida entre os atores, o cenário e a câmera), os perspicazes jovens franceses transformaram os diretores em autores, apesar de eles estarem presos às rígidas normas impostas pela cadeia produtiva industrial.
É de assombrar, por exemplo, a preocupação dessa nova geração em relação ao conhecimento cinematográfico. Daí a valorização da ideia de museu como espaço de reflexão sobre a linguagem do cinema e a importância da Cinemateca Francesa para esse grupo. Daí o papel crucial de seu diretor, Henri Langlois, pela escolha de sua programação, na recuperação e exibição de filmes históricos do cinema mundial, e de facilitador e incentivador do cineclubismo.
Ao refletir sobre esses jovens críticos franceses já como diretores iniciantes, podemos assinalar uma paixão comum e intensa pela cidade de Paris, captada com muito vigor pelas suas câmeras, transformada em personagem, principalmente em Acossado e Os incompreendidos, nos quais surge feérica, luminosa, viva e comunicativa, a ponto de se expressar por meio de seus letreiros luminosos, o que imprime um tom documental à Nouvelle Vague nascente.
Essa ideia do cineclube é assaz representativa, ao colocar a fruição de uma obra cinematográfica em outro patamar, o do pensar o próprio fazer em si, o da necessidade de se criar cânones e clássicos, e o de realizar encadeamentos históricos entre os filmes. Deve-se destacar uma tendência à unidade na formação do pensamento cinematográfico desses autores na condição de críticos atuantes nos Cahiers du Cinéma. Todos eram muito severos em relação a quase todo o cinema francês realizado até então, com pouquíssimas exceções a alguns diretores (Jean Vigo, Jean Renoir e Bresson são os exemplos mais expressivos). A busca por um novo cinema, livre do correto modo de produção de filmes realizados nos estúdios, resultava em produtos bem-acabados, mas de resultado estético insosso.
Tanto na captação de imagem, com a criação de câmeras portáteis Arriflex, quanto na captação do som, com a descoberta do Nagra, verificou-se uma maior mobilidade da equipe e um estímulo à criatividade na escolha dos planos e enquadramentos, se comparados aos utilizados pelo modelo clássico. Os equipamentos portáteis ainda propiciaram que as equipes de cinema sofressem reduções drásticas, facilitando nos movimentos em pequenos apartamentos (ao utilizar cadeiras com rodinhas como steady-cam – equipamento que fixa a câmera ao corpo do operador) e pelas ruas movimentadas de Paris, sem chamar tanta atenção. Interessante assistir em Acossado aos personagens desfilando no meio da população, enquanto alguns transeuntes observam, às vezes assusta-
No consagrado artigo “Uma certa tendência do cinema francês”, de 1954, escrito bombasticamente pelo jovem François Truffaut, o alvo foram as adaptações de consagrados romances e o excesso de fidelidade desses filmes às suas respectivas matrizes literárias. (5) Outra influência, indicada como relevante e comum a todos esses novos cineastas, foi a de Alexandre Astruc, que em 1948 escreveu um
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dos, um audacioso homem dentro de um carrinho de supermercado com uma câmera na mão. Os cineastas franceses da Nouvelle Vague provam em seus esquemas simplificados de produção que o acesso a novos equipamentos de filmagem não é tudo; faz-se também fundamental, concomitantemente, lançar mão da ousadia e de ideias criativas na elaboração de uma obra de arte. O uso da narrativa nos filmes da Nouvelle Vague francesa cumpre um papel diferente do desempenhado na estrutura clássica, e o ponto de clivagem está na figura do próprio narrador. Como bem salienta o pesquisador Alfredo Manevy, “pode-se dizer que a Nouvelle Vague explicita a figura do narrador, em oposição a um cinema em que a história parece contar a si própria”. (6) Esse talvez seja um dos pontos mais distinguíveis de sua força estética, pois retira a ingenuidade do fazer cinematográfico precedente, e ao mesmo tempo revela outro aspecto, o ideológico, quase sempre encoberto pelas facilidades narrativas oferecidas no cinema clássico. Para a Nouvelle Vague, seria um ponto central em sua narrativa comunicar ao público a manipulação praticada pelo diretor na construção de um filme, aflorar a transparência dos meios cinematográficos, em oposição à opacidade apresentada nos filmes clássicos. Outra questão marcante na Nouvelle Vague é a presença de uma nova geração de atores. Os antigos não mais serviam à forma de representar proposta pelos novos realizadores, focada não mais no roteiro decupado, mas sim no estabelecimento da mise-en-scène. Assim, os atores deviam responder na frente das câmeras com muito mais improviso e liberdade nos gestos, sem as marcações rigorosas típicas do cinema convencional. O novo cinema deveria então ser o campo de batalha ideal para o combate das convenções sociais e cinematográficas; não bastava questionar uma ou outra, era vital propagar uma unidade. A busca pela liberdade era total; cinema e vida eram para eles uma coisa única e deveriam ser percebidos assim, uníssonos. Daí a importância da influência da fenomenologia sartreana na concepção dos jovens críticos que despontavam na década de 1950 como pensadores do cinema. Como bem assinala o filósofo inglês
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D. W. Hamlyn sobre o pensamento de Sartre, “a ênfase na liberdade absoluta e na inevitabilidade é encontrada também no primeiro romance ‘filosófico’ de Sartre, A náusea. Nele, o herói, Roquentin, é obrigado a reconhecer a contingência absoluta das coisas (do en soi) em contraste com sua opção inteiramente livre. As coisas têm o que Sartre chama de ‘facticidade’ e disso conclui que sua existência é, em certo sentido, absurda. O absurdo do mundo é simplesmente uma função de sua contingência bruta e isso produz a náusea, o que Heidegger chamou de ‘o tédio’. É necessário que o indivíduo reconheça sua própria liberdade diante disso. O indivíduo tem, em certo sentido, sustenta Sartre, de escolher seu próprio mundo”. (7) Lida com os olhos de hoje, a ligação é bastante evidente e forte. Sartre parece realizar sua obra com o pensamento voltado à futura cinematografia francesa, a exemplo de Godard e Truffaut. Em suas obras está a liberdade do homem como indivíduo perante o mundo conturbado e caótico sobre o qual ele nada podia fazer a não ser oferecer sua visão livre, como um de seus pilares existenciais. A não aceitação do mundo como ele se apresenta tornou-se uma marca indissociável da Nouvelle Vague francesa, a ponto de identificarmos em suas principais obras traços de notória contestação que já prenunciavam, em 1959, a insurgência política dos jovens universitários, ocorrida quase dez anos depois, em maio de 1968.
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CLAUDE CHABROL
QUEM MATOU LEDA?
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O filme de Chabrol se configura como fundamental para o novo cinema francês em construção a partir de 1959. Assim como seus colegas de crítica Godard, Resnais e Truffaut, Chabrol propõe uma trama na qual a linguagem cinematográfica é o ponto alto. Inteligente, crítica e detalhista, a narrativa chabroliana tem como alvo a decadência das relações burguesas na França do pós-guerra. A história se desenvolve em torno de uma família, proprietária de um vinhedo, mais precisamente um casal com dois filhos jovens, na região da Provance. Outros três personagens importantes são a sensual empregada da casa, o namorado da filha, um bon-vivant interpretado magistralmente por Jean-Paul Belmondo, e a jovem vizinha Leda, nada menos que a amante declarada do pai da família. O enredo é simples: o pai dessa família, Henri, envolve-se amorosamente com a jovem vizinha Leda. Ela aparece misteriosamente assassinada em sua casa. Como Henri era seu amante e vizinho, todos os personagens do filme são suspeitos do crime. O ponto de vista escolhido para narração da história é o de Henri, com sua paixão desesperada por Leda, seu ódio incontido pela esposa e sua profunda frustração ao saber do assassinato da amada. Seu amor por Leda é juvenil, daqueles que não conseguem ficar no anonimato, um amor explosivo, do qual não conseguimos aferir sua real reciprocidade. A família de Henri é completamente desestruturada: seu filho é visivelmente desequilibrado em suas ações, um voyeur incontrolável; sua filha, uma dondoca, noiva de Laszlo, o oportunista personagem de Belmondo, visivelmente interessado mais na conta bancária da família do que na bela noiva; a esposa não sabe como proceder com o escancarado caso amoroso do marido, mas para desespero e irritação do mesmo, ela não pensa em nenhum momento em se divorciar dele. A relação de Henri com Laszlo é de pura complacência — apesar de saber do caráter
Consciente do papel limitado do cinema no processo de transformação social, Chabrol, ao invés de criar uma visão emburrada, prefere se divertir com sua visão crítica e debochada da sociedade francesa
do futuro genro, ele precisa de seus desvios para pôr em prática suas armações, para indignação de sua esposa, nada disposta a aturar tal tipo como noivo da filha. Todas as cenas do filme são contaminadas pelo incorrigível humor de Chabrol, ora escrachado, ora sutil, o que exige do espectador uma atenção redobrada. Não só os personagens esbanjam humor, mas a própria construção narrativa está impregnada dele e revela a visão de mundo do diretor. Consciente do papel limitado do cinema no processo de transformação social, Chabrol, ao invés de criar uma visão emburrada, prefere se divertir com sua visão crítica e debochada da sociedade francesa e a retrata vigorosamente em tons patéticos. Dizemos patético, pois nada mais o é do que o romance do pai com a vizinha, de conhecimento de toda a família e discutido com a esposa em alto e bom som. Chabrol se utiliza com maestria da fotografia, do som (tanto o diegético quanto o não diegético), da montagem, da mise-en-scène e das interpretações dos atores. O uso da cor no filme é digno da paleta de um hábil pintor. Nota-se a escolha de cada cor, e às vezes até a da tonalidade, com evidente finalidade
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de composição narrativa. É significativa, por exemplo, a cena de Henri com Leda em uma linda paisagem totalmente tomada por flores vermelhas. Mais do que o grande efeito estético, Chabrol realiza uma cena com marcante conotação sexual, em que o vermelho representa o desmedido sentimento de Henri e o contraste entre a liberdade daquele momento, expresso pela beleza e amplidão do local onde consuma seu amor com a jovem amante, e a prisão representada pelo confinado quarto onde dorme com a esposa. Salienta-se o fato de o quarto, em vez de ser o local de exercício do amor do casal, aparecer sempre como um espaço de discussões acaloradas e recheadas de ofensas. Um personagem importante é o filho, um coadjuvante de peso na trama. Visivelmente perturbado, desde o início o vemos espiar a empregada seminua pela fechadura, além de demonstrar ser o mais abalado pela situação de crise familiar. Na construção de seu perfil é fundamental sua relação com a música clássica, pois por meio dela expressa o processo de desarmonia da família, e, visto em um aspecto mais amplo, pode ser analisado como um elemento simbólico da própria decadência social francesa da época.
Quem matou Leda?, apesar de ser um filme pouco comentado e visto, carrega uma expressividade estética digna de nota. Nele inserem-se as principais características artísticas da Nouvelle Vague francesa nascente...
O anseio do personagem pela unidade familiar é buscado na música e em nome dela ele comete o assassinato de Leda, um misto de desejo interdito e de insatisfação com a infidelidade paterna. A música também é utilizada pelo filho como um artifício dramático para abafar o som da briga dos pais.
é peça fundamental no seu quebra-cabeça cinematográfico. Ele emprega flashbacks na reconstrução de fatos ocorridos no mesmo dia. Na montagem do filme, Chabrol manipula o tempo ao seu bel prazer narrativo e potencializa o cinema na condição de organizador, ou reorganizador, do tempo e do espaço.
A construção de tempo e espaço perpetrada na obra desse jovem Chabrol é também relevante. O filme todo se passa durante uma manhã e uma tarde do mesmo dia, e essa é uma informação que não deve passar despercebida pelo espectador. O diretor faz questão de evidenciar, logo na cena de abertura, que o filme se passa pela manhã e dá vários indícios para registrar o fato em nossas mentes: o leite e o pão matinais; a janela aberta pela empregada, com seus gestos de notório espreguiçar de quem ainda não está pronto para trabalhar; as suas vestes bem à vontade (calcinha e sutiã) também constroem de forma clara a ideia de amanhecer do dia.
Chabrol manipula o tempo por meio do uso descontínuo de flashbacks para narrar os acontecimentos, como se fora um demiurgo. Ele precisa dois momentos temporais: um primeiro informa ao espectador o começo do filme em uma manhã, e o segundo nos comunica o seu término no final de uma tarde. Evidencia esse final de tarde ao espectador em um pequeno detalhe na última cena, em um singelo acender de uma lamparina na parte exterior da casa. Sutilmente, Chabrol nos diz: o dia está indo embora enquanto a noite se aproxima. A escolha de representar seu teatro durante o dia é com o intuito de nos mostrar como a decadência e o anacronismo dessa aristocracia burguesa esvai-se à luz do dia, para quem quiser ver e ouvir.
Embora Chabrol não chame deliberadamente a nossa atenção para esse detalhe, o tempo
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Paralelamente à sua construção do tempo, Chabrol também trabalha a questão do espaço no filme, com a opção de delimitar na Provance o surto de uma típica família burguesa francesa do interior. Chabrol nos indica como as transformações vindas da modernização social em curso não estavam circunscritas ao ambiente das grandes cidades. Com sua câmera curiosa, Chabrol revela aos espectadores alguns mistérios da Provance. Quando, no início do filme, invade a casa de Leda, o faz lentamente para remexer as suas minúcias, para perscrutar cada detalhe dos objetos, assim como suas cores e tons fortes, até nos surpreender ao mostrar estirado no chão o corpo morto de Leda. Chabrol, apesar de ser um jovem diretor em 1959, explora com sagacidade as contradições sociais por meio de sua exemplar utilização do espaço. Ele nos convida a ir ao centro da Provance para fazer uma crítica
contundente à mesquinhez provinciana, na qual, por exemplo, não se consegue esconder sequer um romance fora do casamento. Mas vem de fora da Provance o elemento desestruturante desse universo careta e aparentemente correto da família central da trama; ele se chama Laszlo, interpretado por Jean-Paul Belmondo, personagem crucial na narrativa de Chabrol. Excelente a cena na qual ele chega pela manhã na propriedade do casal como noivo da filha do proprietário e toma um café da manhã de forma completamente deselegante, próximo da animalidade. Difícil não criar uma analogia da composição de Belmondo como Laszlo com o marginal vivido por ele no mesmo ano, em Acossado, de Godard. Nos dois filmes, Laszlo (vale lembrar que Godard utiliza sarcasticamente esse nome como um dos codinomes do marginal Michel em Acossado) é de uma irreverência
fragorosa, faz um estilo descolado, inspirado em um senso de rebeldia sem grandes pretensões políticas, mas marcado por um individualismo com conotações latentes de protesto social. Laszlo, pelas mãos habilidosas de Chabrol, se consubstancia em um personagem totalizante, cuja atitude crítica se sobrepõe a qualquer palavra proferida, em que o principal é a sua postura perante a vida. Como indivíduo, expressa dialeticamente as contradições sociais e a hipocrisia intrínsecas às boas regras da etiqueta burguesa. Quem matou Leda?, apesar de ser um filme pouco comentado e visto, carrega uma expressividade estética digna de nota. Nele inserem-se as principais características artísticas da Nouvelle Vague francesa nascente e encontram-se contempladas toda a contundência e a coragem exigidas de uma obra de arte.
Quem matou Leda? (À Double Tour) - 1960 | FRA/ITA | Elenco.: Antonella Lualdi, Bernadette Lafont, Jacques Dacqmine, Jean-Paul Belmondo, Lásló Szabó, Madeleine Robinson | Roteiro: Paul Gégauff | Diálogos: Claude Chabrol | Livro: The key to Nicholas Street, de Stanley Ellin | Direção: Claude Chabrol | Classificação: livre | 110 min. 21
BREVE BIOGRAFIA DE CLAUDE CHABROL (1930) Foi um dos principais cineastas da Nouvelle Vague, juntamente com François Truffaut e Jean-Luc Godard, e também considerado um dos mestres do suspense. Foi um grande fã de Fritz Lang e Alfred Hitchcock, os quais o influenciaram visivelmente. Foi publicista da Fox, estudou Literatura, Farmácia e Direito e foi crítico da prestigiada revista Cahiers du Cinéma. A carreira fílmica de Chabrol estende-se por mais de 35 anos e 45 filmes. Em 1958, financiado pela herança de sua mulher, o então crítico cinematográfico entrou para a história do cinema ao estrear na direção com Nas garras do vício, o filme que deu início à Nouvelle Vague. O sucesso comercial de Os primos (1959) permitiu-lhe criar a AJYM, produtora que financiou filmes de Eric Rohmer, Jacques Rivette e Philippe De Broca. Nos anos 1960, fez uma série de obras memoráveis, como Entre amigas, As corças e O açougueiro. Após esse período, Chabrol consolidou amizades profissionais duradouras, incluindo aquelas com o cinematógrafo Jean Rabier, a atriz Stéphane Audran (que apareceu em Os primos e com quem Chabrol se casou em 1964), o ator Michael Bouquet, o compositor Pierre Jansen e o roteirista Paul Gégauff, que corroteirizou Os primos. As celebradas colaborações Chabrol/Gégauff quase sempre refletiam uma cínica visão das relações e valores burgueses, que provocam hipocrisia e violência (ironicamente, Gégauff foi brutalmente assassinado por sua segunda mulher, em 1983).
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FILMOGRAFIA DE CLAUDE CHABROL 1958 Le Beau Serge (Nas garras do vício) 1959 Les Cousins (Os primos)
1976 Les Magiciens (Os mágicos) Folies Bourgeoises (Vidas em fogo)
1977 Alice ou La Dernière Fugue (Alice ou A última fuga) 1978 Les Liens de Sang (Laços de Sangue)
À Double Tour (Quem matou Leda?)
1960 Les Bonnes Femmes (Entre amigas) 1961 Les Godelureaux 1962 Les Sept Péchés Capitaux (Os sete pecados capitais) - sketch
Violette Nozière
1980 Le Cheval d’Orgueil 1982 Les Fantômes du Chapelier (Os fantasmas do chapeleiro) 1984 Le Sang des Autres (A vida do próximo) 1985 Poulet au Vinaigre (Frango ao vinagrete) 1986 Inspecteur Lavardin (Delegado Lavardin) 1987 Masques 1988 Le Cri du Hibou (O grito da coruja) 1989 Une Affaire de Femmes (Um assunto de mulheres) 1990 Jours Tranquilles à Clichy (Dias de Clichy)
L’Oeil du Malin
1963 Ophelia
Landru (Landru, o Barba Azul)
1964 Les Plus Belles Escroqueries du Monde (As maiores trapaças do mundo) - sketch
Le Tigre Aime la Chair Fraiche (O código é tigre)
1965 Paris Vu par... (Paris visto por...) - sketch Marie-Chantal Contre Docteur Kha (A espiã de olhos de ouro contra o Dr. Chantal) Le Tigre se Parfume à la Dynamite (O tigre se perfuma com dinamite)
Docteur M (Doutor Mabuse e seu destino)
1991 Madame Bovary 1992 Betty 1993 L’Oeil de Vichy (O círculo do ódio) 1994 L’Enfer (Ciúme - o inferno do amor possessivo) 1995 La Cérémonie (Mulheres diabólicas) 1997 Rien Ne Va Plus (Negócios à parte)
1966 La Ligne de Démarcation 1967 Le Scandale (O escândalo)
La Route de Corinthe
1968 Les Biches (As corças) 1969 La Femme Infidèle (A mulher infiel)
Au Coeur du Mensonge (A cor da mentira)
Que la Bête Meure (A besta deve morrer)
2000 Merci pour le Chocolat (A teia de chocolate), prêmio Louis-
1970 Le Boucher (O açougueiro)
Delluc
La Rupture (Trágica separação)
2001 La Comédie de l’Innocence (A comédia do poder) 2002 La Fleur du Mal (A flor do mal) 2004 La Demoiselle d’Honneur (A dama de honra) 2006 L’Ivresse du Pouvoir (A comédia do poder) 2007 La Fille Coupée en Deux
1971 La Décade Prodigieuse (Dez dias fantásticos) 1972 Docteur Popaul (Armadilha para um lobo) 1973 Les Noces Rouges (Amantes inseparáveis) 1974 Nada 1975 Une Partie de Plaisir (Uma festa de prazer) Les Innocents aux Mains Sales (Os inocentes de mãos sujas)
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Franรงois Truffaut
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Os incompreendidos, se comparado às outras obras iniciais da Nouvelle Vague, foi a mais inspirada no neorrealismo italiano... Em Os incompreendidos ela é a representação de uma Paris visualmente moderna, mas dissonante com a sociedade ainda arraigada em velhas tradições. Nela, o personagem de Doinel se depara com a vida parisiense mais pulsante, repleta de diversões, como os parques, os fliperamas, as sessões de cinema, além de ser o palco da descoberta da infidelidade de sua mãe.
O longa-metragem de estreia de François Truffaut trazia em si uma marca indelével da recém-surgida Nouvelle Vague francesa, a ideia de liberdade, tanto do ponto de vista cinematográfico quanto ontológico. Para Truffaut, as questões imbricadas no ser eram as mais importantes para o artista. Sua visão ontológica, portanto, foi permeada pelo social, isto é, pela cultura, aqui pensada como a herança enraizada nas convenções sociais impeditivas da felicidade do gênero humano. Os incompreendidos, se comparado às outras obras iniciais da Nouvelle Vague, foi a mais inspirada no neorrealismo italiano, sobretudo em Alemanha ano zero e Paisá, de Roberto Rossellini. A obra de Truffaut, contudo, antes de ser concebida como essencialmente social, a exemplo do movimento italiano, optou por uma visão mais ontológica, ao assumir o ponto de vista de um indivíduo, um menino de 12 anos na luta obstinada pela sua liberdade. Seus adversários no filme são todos bem conhecidos: a família, a escola, os reformatórios infantojuvenis; enfim, os baluartes da cultura estabelecida.
O que Truffaut faz em Os incompreendidos é nos convidar a acompanhar a trajetória desse menino, suas agruras e humilhações pelas prisões impostas pela vida social, pela escola rígida, autoritária e tradicional; pela família hipócrita e despreparada para a educação; e pelos métodos violentos utilizados nos reformatórios. Todos esses espaços fechados e claustrofóbicos são contrastados com a liberdade da rua, local do anonimato e suscetível ao esconderijo. Ela se consubstancia como o espaço possível de resistência. A ideia de liberdade também é aplicada à linguagem empregada no filme, sobretudo nos movimentos de câmera experimentados por Truffaut para proferir leveza em sua narrativa, como a incorporação do plano sequência e o abuso de travellings (movimento da câmera, em geral sobre trilhos, carrinho móvel ou carregada por uma grua, guindaste). Enquanto no neorrealismo italiano a rua encarnou o cenário da destruição ocasionada pela guerra, em Truffaut adquire outro sentido, mais simbólico, menos descritivo.
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A relação com a rua fica mais evidente na sensacional sequência do cooper proposto pelo professor de educação física pela movimentada Paris. Ao combinar uma música marcadamente cômica, com tomadas realizadas em planos gerais em plongé (câmera alta), Truffaut constrói um momento expressivo de seu filme, em que prescinde de diálogos para defender a tese do distanciamento entre escola e aluno, ou entre corpo docente e discente. É encantador e divertido assistir à fuga coletiva dos alunos, a cidade vista como o perfeito esconderijo (tese inclusive desenvolvida durante todo o filme), uma aula de cinema do jovem diretor. Com criatividade, captura a postura autoritária da escola ao filmar o professor sempre de costas para os alunos. A resposta deles é direta, imediata e à altura da arrogância professoral, uma debandada geral. A arrogância e o autoritarismo dos professores são temas constantes no decorrer de Os incompreendidos. Logo na sequência inicial, Truffaut mostra os meninos passando de mão em mão a figura de uma mulher com roupas íntimas e vemos o professor punir o personagem principal, Antoine Doinel, pego ao passar a figura para outro colega de turma.
Seu castigo é ficar de costas em um canto de parede, até o fim do recreio, pois, como diz o professor, “o recreio não é obrigatório, é uma recompensa”, enfim, ele é para quem não infringe as normas. Doinel é prontamente trancado na sala de aula, mas não desiste de seu enfrentamento, passa a riscar a parede, e, em um gesto de contínua rebeldia, ouvimos sua voz em off dizer “agora será olho por olho”. Doinel demonstra o quanto resistente será à sucessão de castigos rigorosos impostos pela família e pela escola. A interpretação que Jean-Pierre Léaud imprimiu a Antoine Doinel é realmente substantiva e de grande expressão, comparável ao efeito estético das interpretações de James Dean para o cinema norte-americano. A importante opção de Truffaut foi a de narrar seu filme do ponto de vista de uma criança. Em Os incompreendidos, Truffaut assume sua dívida ontológica com o clássico francês Zero em comportamento (1933), de Jean Vigo, principalmente pelo fato salientado por Paulo
Emílio Salles Gomes sobre a obra de Vigo: “Há no filme uma clara intenção de apresentar no microcosmos de um internato a divisão que, no macrocosmos da sociedade, opõe social, política e ideologicamente as classes.” (8) A potência de Os incompreendidos está na grande dose de verdade expressa nele, no seu aspecto autobiográfico, nas opções do ponto de vista narrativo, na escolha de filmar em apartamentos e ruas, como defende o próprio Truffaut: “Gastávamos muito menos dinheiro justamente por não gravarmos em estúdio. Não filmamos uma só cena em estúdio. Economizamos em setores que justamente costumam ser os mais caros: vedetes e estúdios.” (9) A grande e reconhecida idolatria de Truffaut pela linguagem da literatura, presente em toda a sua obra, já está vislumbrada em Os incompreendidos, quando Doinel ergue um altar para Balzac e escreve uma redação, na verdade um plágio, de um texto do famoso escritor francês. Inclusive, o único momento
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de voz over no filme é quando Doinel lê um trecho de uma obra de Balzac. A relação de Truffaut com o texto literário não confere à sua obra uma feição pesadamente verborrágica; pelo contrário, como é inserida com sutileza, imprime nela uma suavidade. Os incompreendidos, como legítima obra da Nouvelle Vague, explora com eficácia a leveza dos equipamentos de filmagem em sua busca pela simplicidade da imagem, com o emprego de uma concepção fotográfica quase sem iluminação artificial, o que confere um maior realismo à narrativa. A fotografia, em consonância com a proposta estética de Truffaut, não sobressai perante o elemento mais impactante da narrativa: a construção da história pelo olhar do personagem Doinel. A música, prioritariamente executada ao piano, constitui outro elemento a salientar a simplicidade estética do filme, montada para realçar o tom melancólico do personagem. A construção musical interage, em Os
incompreendidos, com planos mais gerais, desenha uma atmosfera para além do próprio Doinel, relaciona seu estado individual com uma França aparentemente moderna, mas ainda essencialmente conservadora. Uma curiosidade do filme é o seu aspecto autobiográfico. Várias ações narradas aconteceram na vida de Truffaut, como o fato de ele ter ido para a prisão antes do reformatório, assim como o perfil dos pais de Doinel ser parecido com o dos seus pais, além da semelhança de sua vida estudantil conturbada com a de Doinel. A sequência final, a da fuga de Doinel do reformatório, constitui-se uma das mais significativas da obra de Truffaut, em que mais se evidencia a ideia sartreana de liberdade. A construção de um personagem não só desejoso de liberdade, mas disposto a lutar de forma contundente e obstinada por ela, até as suas últimas consequências e forças, faz Os incompreendidos atingir um viés filosófico de grande repercussão, principalmente por
ser essa peleja reinstauradora de um sentido baseado no resgate de uma instintividade humana. O estilo cinematográfico refinado desenvolvido por Truffaut em sua trajetória se configura como um importante elemento definidor do conjunto de sua obra. Junto com seu colega Eric Rohmer, Truffaut pode ser considerado um dos cineastas mais elegantes do cinema mundial. No decorrer de sua carreira, foi muito influenciado por Alfred Hitchcock, principalmente por sua fase hollywoodiana. Em muitos filmes de Truffaut pode-se encontrar um suspense sofisticado, típico do mestre inglês, como um de seus traços mais marcantes.
O estilo cinematográfico refinado desenvolvido por Truffaut em sua trajetória se configura como um importante elemento definidor do conjunto de sua obra.
Os incompreendidos (Les Quatre Cents Coups) - 1959 | Fra | Elenco: Jean-Pierre Léaud, Claire Maurier, Albert Rémy, Guy Decomble, Georges Flamant, Patrick Auffay | Roteiro: François Truffaut | Música: Jean Constantin | Direção de fotografia: Henri Decae | Direção: François Truffaut | Classificação: 14 anos | 99 min. 27
BREVE BIOGRAFIA DE FRANÇOIS TRUFFAUT (1932–1984) cínicos, demonstrando uma fascinação hitchcockiana pelo lado negro da vida. Nesse grupo estão inclusos La Mariée était en Noir (1968), sua homenagem mais explícita à Hitchcock, com trilha sonora do mestre do suspense Bernard Herrmann; Les Deux Anglaises et le Continent (1971), sobre um escritor e seu caso amoroso com suas duas irmãs; L’Histoire d’Adèle H. (1975), um dos mais dolorosos exames do amor não correspondido já filmado; La Chambre Verte (1978), sobre o amor da morte; e La Femme d’à Coté (1981).
Crítico de cinema extremamente influente e herdeiro da tradição humanística do cinema de Jean Renoir, François Truffaut fez filmes que refletiam suas três assumidas paixões: o amor pelo cinema, um grande interesse na relação homem-mulher e uma fascinação por crianças. Após uma infância conturbada, Truffaut entrou para o Exército francês, desertou e foi condenado a um período na prisão. O crítico André Bazin ajudou a garantir o seu lançamento no mercado e encorajou seu interesse por filmes. Na influente revista Cahiers du Cinéma, Truffaut publicou “Uma certa tendência do cinema francês” (“Une Certaine Tendence du Cinéma Français”), em 1954, como uma reação à tradição de qualidade no cinema francês; o artigo era um apelo por um cinema mais pessoal e um manifesto informal da Nouvelle Vague, que ainda não tinha ultrapassado as fronteiras do cinema francês.
Ainda outro grupo de filmes refletiu um incômodo balanço dessas duas tendências divergentes. La Peau Douce (1964), sua anatomia do adultério; La Sirène du Mississippi (1969), o qual Truffaut descreveu como sendo sobre “degradação, mas amor”; e Le Dernier Métro (1980) são exemplos desse grupo. Sempre preocupado tanto com o processo quanto com o produto de sua profissão, Truffaut manteve seu papel de crítico e comentarista durante toda sua carreira cinematográfica, tão orgulhoso de seus livros quanto de seus filmes. Entre suas publicações está um livro-entrevista com Alfred Hitchcock, Hitchcock-Truffaut (1967), um clássico perene da crítica, que ele revisou em 1983, pouco antes de morrer. Seus ensaios críticos foram agrupados em Les Films de Ma Vie (1975) e suas cartas — postumamente — em François Trufffaut Correspondence (1990), com um prefácio de Godard.
Como cineasta, Truffaut começou sua carreira fazendo curtas (Une Visite, 1955, e Les Mistons, 1957) e trabalhando como assistente de Roberto Rossellini. Em 1959, finalizou o seu primeiro longa-metragem, a história semiautobiográfica Os incompreendidos (Les Quatre Cents Coups), sobre um adolescente problemático, Antoine Doinel. Truffaut passou a elaborar uma crônica da juventude de Doinel em filmes como L’Amour à Vingt Ans (1962), Baisers Volés (1968), Domicile Conjugal (1970) e L’Amour en Fuite (1979), todos os filmes com o mesmo ator e protagonista, Jean-Pierre Léaud como Antoine.
Truffaut morreu, dramaticamente, de um tumor no cérebro, em Neuilly, França.
Duas estirpes divergentes caracterizaram grande parte do trabalho de Truffaut, do início da década de 1960 em diante. Por um lado, o diretor celebrou a vida na humanística tradição de Renoir. Estão aí incluídos filmes importantes dos anos 1960: Jules et Jim (1962), que definiu o triângulo romântico moderno para uma geração — é a história doce-amarga não de Jules e Jim, dois homens, mas sim de Catherine (Jeanne Moreau), a mulher que domina a vida deles e é livre para escolher; L’Enfant Sauvage (1970), um ensaio em sinais e sentido, no qual o próprio Truffaut estrelou como o histórico Dr. Jean Itard, obsessivo em estabelecer comunicação humana com um garoto criado fora da sociedade; o efervescente Une Belle Fille Comme Moi (1972); La Nuit Americaine (1973), uma celebração exuberante da alegria de fazer filmes, a última arte comum; o alegre retrato da infância, L’Argent de Poche (1976); a celebração do amor e da mulher em L’Homme Qui Aimait les Femmes (1977); e, por último, o leve thriller Vivement Dimanche! (1983). Por outro lado, muitos dos filmes de Truffaut são fatalistas ou mesmo
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FILMOGRAFIA DE FRANÇOIS TRUFFAUT
curtas-metragens
1955 Une Visite (Uma visita) 1957 Les Mistons (Os pivetes) 1958 Histoire d´Eau, Une (codirigido com Jean-Luc Godard) Longas-metragens
1959 Les Quatre Cents Coups (Os incompreendidos, Brasil, ou Os quatrocentos golpes, Portugal)
1960 Tirez sur le Pianiste (Atirem no pianista, Brasil, ou Disparem sobre o pianista, Portugal)
1962 Jules et Jim (Uma mulher para dois)
Antoine et Colette (L’Amour à Vingt Ans) (Amor aos 20 anos)
1964 La Peau Douce (Um só pecado, Brasil, ou Angústia, Portugal) 1966 Fahrenheit 451 1968 La Mariée Était en Noir (A noiva estava de preto)
Baisers Volés (Beijos proibidos, Brasil, ou Beijos roubados, Portugal)
1969 La Sirène du Mississippi (A sereia do Mississippi) 1970 L’Enfant Sauvage (O garoto selvagem)
Domicile Conjugal (Domicílio conjugal)
1971 Les Deux Anglaises et le Continent (Duas inglesas e o amor, Brasil, ou Duas inglesas e o continente, Portugal)
1972 Une Belle Fille Comme Moi (Uma jovem tão bela como eu) 1973 La Nuit Américaine (A noite americana) 1975 L’Histoire d’Adèle H. (A história de Adèle H.) 1976 L’Argent de Poche (Na idade da inocência) 1977 L’Homme Qui Aimait les Femmes (O homem que amava as mulheres) 1978 La Chambre Verte (O quarto verde) 1979 L’Amour en Fuite (Amor em fuga) 1980 Le Dernier Métro (O último metrô) 1981 La Femme d’à Coté (A mulher do lado) 1983 Vivement Dimanche! (De repente num domingo!, Brasil, ou Finalmente, domingo!, Portugal)
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Alain Resnais
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Assim como Acossado e Os incompreendidos, Hiroshima meu amor, de Alain Resnais, extrapola, do ponto de vista estético, os limites do que se convencionou chamar de Nouvelle Vague francesa. Seu alcance estético decerto está para além dessas simplicidades que nomeiam para classificar e enquadrar uma obra de arte em uma camisa de força explicativa a priori. Comparado a Acossado, Os incompreendidos, Quem matou Leda?, o filme de Resnais é o mais formalista dos quatro. A leveza narrativa encontrada nos outros três não é compartilhada por Hiroshima meu amor, reconhecido pela crítica como o mais sofisticado e bem acabado filme da nascente Nouvelle Vague francesa. A história do filme é aparentemente simples. Narra o encontro entre uma atriz francesa e um arquiteto japonês, nos anos 1950, em uma Hiroshima destroçada pela bomba atômica. A sua concepção narrativa, porém, é complexa, repleta de artimanhas temporais que descontinuam ações, enlaçam passado e presente, em um intricado jogo em que memória e história assumem uma concretude tal a confundir o espectador se o mais essencial é a história ou os sentimentos dos personagens. Mas fica difícil esboçar comentários mais profundos sobre Hiroshima meu amor sem mencionar a impactante primeira sequência, na qual Resnais mistura imagens dos personagens com o contexto histórico, de maneira a nos confundir se o central da história é a relação de amor entre dois mundos diferentes, ou o próprio mundo, a permanência da vida nele, e a possibilidade de uma convivência pacífica entre os seres humanos. A dúvida persiste durante os quinze minutos da sequência, quando dos personagens principais se ouvem apenas as vozes, enquanto enxergamos seus corpos sem identidade em close.
Enquanto ouvimos o discurso em off da personagem de Emmanuelle Riva a confirmar a tragédia vista nos hospitais, nos museus e praças públicas de Hiroshima, escutamos também a negação do personagem de Eiji Okada de que ela nada vira em Hiroshima. Resnais nos alerta para o quanto a lembrança não apaga a dor de quem viveu a tragédia em Hiroshima; e as lágrimas derramadas pelos turistas ao verem os documentários tampouco apagam o horror vivido. A edição das imagens é fantástica, elas entram sucessivamente em fade (efeito em que a imagem vai entrando de forma justaposta a outra), como se uma fosse complemento da outra, mesmo quando somos sabedores da participação arbitrária do diretor na escolha dessas imagens. Essa sequência é de uma rara beleza na história do cinema e também uma das mais incômodas já planejadas, ao contrapor a beleza dos corpos erotizados com as imagens da destruição de Hiroshima. Vemos os corpos
Resnais então nos expõe em um mesmo prato toda a beleza e todo o horror que o humano pode alcançar. 31
dos amantes tão contorcidos quanto os pedaços de metal. Resnais coloca, no mesmo patamar, a vulnerabilidade da carne humana e dos objetos destruídos pela bomba, contrasta a beleza dos corpos com as pessoas desfiguradas, mutiladas, o ambiente completamente devastado pela poderosa ação da explosão nuclear. Resnais então nos expõe em um mesmo prato toda a beleza e todo o horror que o humano pode alcançar; o sublime e a barbárie, irrevogavelmente entrelaçados; mescla a linguagem do documentário com a ficcional em uma única e longa sequência. Resnais nos deixa diversas e vigorosas interrogações com suas imagens: o que é ficção e o que é documentário? Qual o papel das imagens em um mundo dominado pelo absurdo? Qual a função do cinema nesse mundo desfigurado pela insanidade humana sem limites?
Por essas questões estéticas, Hiroshima meu amor foi tão reconhecido pelos críticos quanto Cidadão Kane, por exemplo. José Lino Grünewald, em 1960, quando do lançamento do filme no Brasil, não deixou pairar dúvidas a respeito: “Orson Welles esperou dezenove anos por outro cineasta que surgisse com um filme tão revolucionário quanto Cidadão Kane. A revolução agora é Hiroshima meu amor; o autor, Alain Resnais.’’ (10)
Em Resnais a memória do sujeito está fracionada pela história. O ser encontra-se fragmentado e sem identidade.
E certamente não era um exagero de Grünewald. O filme de Resnais representa um marco na narrativa cinematográfica; desde a primeira sequência, já analisada, até a construção narrativa posterior a ela, o diretor trabalha a incerteza de uma relação amorosa entre dois personagens presos pelos fios da memória. Ela se chama Nevers (cidade francesa), ele, Hiroshima — não possuem identidade própria — e ambos trazem cicatrizes profundas, marcas infringidas pela história em suas memórias. Ele perdeu amigos e familiares no bombardeio nuclear em
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Hiroshima; ela perdeu o amante, um soldado alemão, assassinado pela Resistência. Europa e Ásia; Ocidente e Oriente; memória e história; passado e presente; indivíduo e coletivo; tempo e espaço; lembrar e esquecer; esses são alguns exemplos de antinomias presentes no filme, inclusive na opção do fotógrafo Sacha Vierny pelo tom acinzentado, imagens sempre indefinidas que oscilam entre o preto e o branco. Cinza que remete a fumaça, nuvem, explosão, visão obstruída, ao aspecto contraditório dos protagonistas, esforçados em esquecer o trágico passado, ou evocá-lo, para melhor superá-lo. É justamente na relação embaralhada entre o tempo e o espaço, mais precisamente o passado dela em Nevers e o presente dele em Hiroshima, que Resnais se utiliza do flashback para narrar a sua história e, assim, romper com a linearidade narrativa. Para isso, ele contou com a preciosa colaboração da escritora Marguerite Duras, com sua experiência literária, a partir da insistência dele para que ela construísse falas não
cinematográficas, mas sim literárias, sem adotar os diálogos descritivos utilizados usualmente pelos filmes convencionais.
se trata de um cinéma-collage: fragmentos heterogêneos que se acumulam num nexo estrutural.” (11)
Em Hiroshima meu amor, os diálogos adquirem um tom moderno que não levam a história para frente, assim como um fato narrado não está relacionado diretamente com o seguinte. O filme caminha, assim, em um fracionamento de cenas que adquirem sentido no todo, não em suas partes.
A instigante experiência cinematográfica proposta por Resnais traz uma série de questões relacionais para serem aqui observadas. Não se trata mais de apenas uma história narrada. O que está em jogo agora são o tempo e o espaço no cinema, pois a linguagem cinematográfica é utilizada como construtora de uma nova forma organizacional, em que a memória e a história, amalgamadas, sustentam um cambaleante prédio em ruínas, tal como o cenário da cidade de Hiroshima.
Nessa questão, seria interessante pensar o comentário de José Lino Grünewald sobre o fracionamento da história em Hiroshima meu amor, quando ele afirma que o crítico de cinema Eric Rohmer: “... considera Resnais o primeiro cineasta moderno e classifica sua realização como um filme cubista. Não há dúvida de que existe a imensa afinidade com o cubismo, mas (para ficar apenas no terreno da analogia com as artes plásticas) iríamos mais longe numa tentativa de precisão e poderíamos dizer que
Em Resnais, a memória do sujeito está fracionada pela história. O ser encontra-se fragmentado e sem identidade. Perturbado e repleto de cicatrizes, ele está perdido e, por isso, é atropelado pelos acontecimentos históricos, como a bomba atômica em Hiroshima. Para o diretor, resta ao cinema consubstanciar essa tragédia.
Hiroshima meu amor (Hiroshima Mon Amour) - 1959 | FRA/JAP | Elenco: Emmanuelle Riva, Eiji Okada, Stella Dassas, Pierre Barband | Roteiro: Marguerite Duras | Fotografia: Sacha Vierny | Música: Giovanni Fusco e George Delerue | Direção: Alain Resnais | Classificação: 14 anos | 90 min. 33
BREVE BIOGRAFIA DE ALAIN RESNAIS (1922)
Uma importante figura moderna, cujos filmes constantemente lidam com os efeitos do passado no presente, Alain Resnais iniciou sua carreira realizando pequenos documentários no final dos anos 1940, muitos deles com o tema Arte. A conquista mais memorável do cineasta na forma de documentário foi Nuit et Brouillard (1955), uma elegia de 31 minutos, considerada por Truffaut (então crítico) o melhor filme já feito. Apesar da ascensão profissional de Resnais coincidir com a dos outros diretores da Nouvelle Vague, ele era mais velho que Godard, Chabrol e Truffaut.
Expandindo os experimentos estilísticos de Nuit et Brouillard, essa colaboração com a roteirista Marguerite Duras detalha o caso amoroso entre um japonês e uma atriz francesa, que foi a Hiroshima fazer um filme sobre o holocausto atômico. A montagem de Resnais permite a ele viajar de um lugar ao outro e do “presente” a uma variedade de tempos passados. Em 1961, foi lançado o longa experimental O ano passado em Marienbad (L’Année Dernière à Marienbad), com roteiro de Alain Robbe-Grillet. Um exercício expressionista na manipulação de tempo e memória. Dois filmes mais fundados em realidades políticas e sociais específicas seguiram: Muriel (1963), sobre os dilemas morais de uma família no contexto da Guerra da Argélia, e La Guerre Est Finie (1966), sobre um revolucionário ativo na França contemporânea.
Seu longa-metragem de estreia Hiroshima meu amor (1959) ganhou o prêmio Internacional da crítica no mesmo Festival de Cannes que nomeou Truffaut o melhor diretor por Os incompreendidos.
Je t’Aime, Je t’Aime (1968), um dos poucos filmes com roteiro de Resnais, continuou seu interesse no tema tempo e memória — nesse caso, no contexto de uma história de amor que inclui o elemento ficcional de uma máquina do tempo. Providence (1977), primeiro filme em inglês do cineasta, explora os trabalhos do processo criativo, com roteiro de David Mercer e elenco que inclui John Gielgud, Dirk Bogarde, Elaine Stritch e Ellen Burstyn. Em geral, o trabalho mais recente do cineasta, apesar de continuar com as experimentações nas convenções narrativas, perdeu o poder emocional e a visão dos seus arrebatadores trabalhos iniciais.
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FILMOGRAFIA DE ALAIN RESNAIS Longas-metragens
Curtas e médias-metragens, filmes de episódios
1959 Hiroshima Mon Amour (Hiroshima meu amor) 1961 L’Année Dernière à Marienbad (O ano passado em Marienbad) 1963 Muriel 1966 La Guerre Est Finie (A guerrra acabou) 1967 Loin du Vietnam (Longe do Vietnã) 1968 Je t’Aime, Je t’Aime (Eu te amo, eu te amo) 1974 Stavisky 1977 Providence 1980 Mon Oncle d’Amérique (Meu tio da América) 1983 La Vie Est un Roman (A vida é um romance) 1984 L’Amour à Mort (O amor à morte) 1986 Mélo 1989 I Want to Go Home (Quero ir para casa) 1993 Smoking/No Smoking (filmes complementares, feitos para
1946 Ouvert pour Cause d’Inventaire
Schéma d’une Identification
1947 L’Alcool Tue (assinado com o pseudônimo Alzin Rezarail)
La Bague
Journée Naturelle
Le Lait Nestlé
Portrait d’Henri Goetz
Van Gogh
Visite à César Doméla
Visite à Félix Labisse
Visite à Hans Hartnung
Visite à Lucien Coutaud
Visite à Oscar Dominguez
1948 Malfray
serem assistidos em sequência)
1997 On Connaît la Chanson (Amores parisienses) 2003 Pas sur la Bouche (Beijo na boca, não!) 2006 Petites Peurs Partagées 2007 Couers (Medos privados em lugares públicos) 2009 Les Herbes Folles (Ervas daninhas)
Les Jardins de Paris
Châteaux de France
1950 Guernica
Gauguin
1952 Pictura 1953 Les Statues Meurent Aussi 1955 Nuit et Brouillard (Noite e nevoeiro) 1956 Toute la Mémoire du Monde (Toda a memória do mundo) 1957 Le Mystère de l’Atelier Quinze 1958 Le Chant du Styrène 1968 Cinétracts (série de curtas, também dirigidos por Jean-Luc Godard, Chris Marker e outros)
1973 L’An 01 (codirigido por Jean Rouch e Jacques Doillon) 1991 Contre l’Oubli (Contra o esquecimento): episódio Pour Esteban Gonzalez, Cuba
1992 Gershwin (média-metragem)
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Robert Bresson
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Robert Bresson é sempre lembrado pelos especialistas como um cineasta idolatrado pela crítica e detestado pelo público, sobretudo por ter como meta a busca de uma linguagem que distinguisse a cinematográfica de outras. Durante sua vida trabalhou incansavelmente na elaboração cuidadosa de cada elemento constituinte de um filme.
cair no sentimentalismo e opta por mostrar, em vez de comentar seus personagens.
Não é possível entender Pickpocket desvinculado das teorias de Bresson acerca do cinema. Em seu livro Notas sobre o cinematógrafo expõe suas teses. A nossa análise estará sempre atenta a essas reflexões.
Um ponto sempre realçado pelos críticos na obra de Bresson é seu uso do som. O corpo sonoro era trabalhado na diegese do filme, abominava a utilização de música não diegética no cinema. Segundo ele, a música “isola seu filme da vida de seu filme (deleite musical). Ela é um possante modificador e até destruidor do real, como álcool ou droga”. (12) Em contrapartida, preferia trabalhar o som como uma partitura musical de ruídos.
Em vez da nomenclatura cinema, Bresson preferia utilizar o termo cinematógrafo, por este o remeter às origens, aos Irmãos Lumière, que ele tinha em alta conta, principalmente pelo impacto causado no espectador pelo novo aparelho reprodutor de imagens de objetos e pessoas em movimento. Sua teoria do cinema centrava-se na alteração da percepção humana trazida pelo novo meio de expressão e a possibilidade de criação artística autônoma advinda dele. Buscava instantes de eternidade apoiados em ações humanas corriqueiras, em vez de tentar criar um realismo baseado no artificialismo no uso dos meios cinematográficos. Em Pickpocket, Bresson conta a história do jovem Michel, um batedor de carteira compulsivo. A narração é realizada em primeira pessoa, um artifício para mostrar apenas o ponto de vista do personagem principal. No filme, assistimos ao próprio Michel escrever suas anotações e por meio delas tomamos conhecimento dos fatos ocorridos em sua turbulenta vida.
Michel é desenhado como uma pessoa introspectiva, mas revoltada, inconformada com a estrutura social tal como está organizada, o que o faz avesso ao mundo do trabalho. Escolhe usufruir de sua inteligência por intermédio desses pequenos golpes.
Em Pickpocket, inseriu um único trecho de música, repetido sempre ao final de cada sequência. A intenção do diretor não é despertar no espectador sentimentos, como habitualmente se vê nos filmes clássicos. A opção de Bresson pela repetição altera significativamente o sentido da história narrada, pois funciona como um aviso e não para acentuar uma emoção. Como diretor, acreditava no som como uma manipulação dos ruídos e não da música.
O roteirista Bresson (ele também assina o roteiro) constrói Michel como um homem de ação, não de reflexão. Apesar de haver sofrimento em muitos momentos, o diretor, por meio do controle dos meios cinematográficos, conduz o olhar do espectador sem
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O que eu rejeito como simples demais é o mais importante e que é preciso escavar. Estúpida desconfiança das coisas simples.
O som e a imagem deviam, para Bresson, se completar, um não devia se sobrepor ao outro, era necessário haver entre eles um equilíbrio, um som “jamais deve socorrer uma imagem, nem uma imagem socorrer um som”. (13) Bresson também não aceitava a forma habitual de representar dos atores no cinema. Escreveu muitos fragmentos sobre o assunto, mas nunca teses finitas, preferiu professar pensamentos em pequenas frases. Eis três delas sobre o trabalho do ator ou modelo: 1 - “A seus modelos: ‘Falem como se estivessem falando para vocês mesmos’. MONÓLOGO EM VEZ DE DIÁLOGO.” 2 - “Modelos. O modo de eles serem as pessoas do seu filme é ser eles mesmos, permanecer o que eles são. (Mesmo em contradição com o que você tinha imaginado.)” 3 - “Modelos. Você focalizará a imagem intacta deles, não deformada pela inteligência deles nem pela sua.” (14) Em seus filmes, Bresson procurou a simplicidade, por meio dela acreditava ser possível alcançar uma epifania. Fazia tudo para eliminar os excessos. Para ele, o ator tinha
que ser conciso, repetir inúmeras vezes, até o movimento involuntário aparecer. O ator, no representar, tornava-se um elemento crucial para o surgimento dessa epifania: “O falso quando é homogêneo pode gerar o verdadeiro... que não está incrustado nas pessoas vivas e nos objetos reais que você utiliza. É um ar de verdade que suas imagens adquirem, quando você as reúne numa certa ordem confere a essas pessoas e a esses objetos uma realidade.” (15) Bresson costumava dizer que o filme morria e ressuscitava três vezes, no roteiro, na filmagem e na montagem. Essa última era a organizadora, a responsável pela harmonia, a última possibilidade de se aparar as beiras. Montar é construir, por meio das diferenças entre os planos, um conjunto coerente, no qual o diretor consiga transmitir sua mensagem. A proposta estética de Bresson era possuidora de uma rigidez no uso da gramática cinematográfica, com precisão, sem cair no teatro, totalmente avessa à noção de espetáculo; para ele, “o cinematógrafo é uma escrita com imagens em movimento e sons”. (16) A história do personagem Michel, na mão de qualquer outro diretor, seria um thriller de
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O cinematógrafo é uma escrita com imagens em movimento e sons.
suspense sobre um ladrão a ser perseguido por seus furtos, mas não; Bresson arquiteta um drama de um homem viciado em bater carteiras. Não há uma tentativa de explicação psicológica ou sociológica para o comportamento desviante e compulsivo, há somente o drama do indivíduo no exercício de sua difícil e incontrolável escolha de vida. Paralelamente, quase misteriosamente, como um ardil, ele narra uma possibilidade de um amor secreto revelado apenas no final da trama. O vício interdita o amor, confessado para ele pela bela Jeanne quando Michel encontrava-se preso, fato este cruel que, antes de tornar o filme melodramático, realça ainda mais sua secura dramática. Bresson contratou um batedor de carteiras profissional para ajudar o modelo Martin LaSalle na construção de seu personagem. A finalidade não era fazer com que ele parecesse com um, mas sim fazê-lo ser um batedor. Não importava o mundo das aparências, mas o afloramento de uma realidade em suas ações.
Logo na cena inicial, quando Michel bate sua primeira carteira em um hipódromo, Bresson costura imagem (planos próximos dos personagens, inclusive suas trocas de olhares, intercalados com planos-detalhes da carteira da vítima) com o som do narrador oficial da corrida e os trotes dos cavalos, numa combinação em que, em determinados momentos, o som torna-se mais relevante do que a imagem, e vice-versa. Pickpocket pode ser visto como um filme repleto de homenagens aos cineastas dos primórdios, como Griffith e Edwin Porter, se levarmos em conta a série de planos-detalhes incorporados como recurso narrativo. Como um estudioso da pintura, Bresson incorporou algumas observações desse universo. Nele, destaca a participação do olhar criador dos grandes artistas plásticos. Como dizia, “o olho do pintor é um tiro que desloca o real. Em seguida, o pintor o remonta e o organiza nesse mesmo olho, segundo seu gosto, seus métodos, seu ideal de beleza”. (17)
A câmera, para Bresson, era o olhar do espectador. Não gostava de realizar movimentos bruscos, ou travellings, os considerava excessivos, uma agressão ao olho humano. Em Pickpocket, seus movimentos são suaves, quase imperceptíveis, um cuidado extremo para não abusar dos sentidos dos espectadores. Para Bresson, a função da arte, na qual o cinematógrafo está inserido, está entrelaçada com a questão da busca do divino, cujo processo devia desaguar, em última instância, na própria vida. Assim, vida e cinematógrafo eram caminhos que serviam ao mesmo fim, encontrar a via da epifania, mesmo que ambos fossem breves como um suspiro.
Pickpocket (Pickpocket) - 1959 | FRA | Elenco: Martin LaSalle, Dolly Scal, Pierre Leymarie Kassagi, Pierre Étaix, César Gattegno | Roteiro: Robert Bresson e Fiodor Dostoievski| Produção: Agnes Delahaie | Música: Jean-Baptiste Lully | Fotografia: Léonce-Henry Burel | Edição: Raymond Lamy | Direção: Robert Bresson | Classificação: livre | 79 min. 39
BREVE BIOGRAFIA DE ROBERT BRESSON (1901–1999) Graduado em Artes Plásticas e Filosofia, Robert Bresson tentou a carreira como pintor antes de se tornar roteirista. Mas foi o cinema que Bresson resolveu seguir. Seu primeiro trabalho foi o média-metragem Les Affaires Publiques, de 1934. No início da Segunda Guerra Mundial, Bresson foi enviado como prisioneiro de guerra a um campo de concentração alemão, onde ficou preso por mais de um ano. O cineasta definia o cinema como “um movimento interior”. “A incomunicação está por trás de tudo o que faço.” Em 1943, ele produziu o seu primeiro longa-metragem, Les Anges du Péché. Em seguida, adaptou a obra Jacques le fataliste, de Denis Diderot, que serviu de inspiração para seu filme Les Dames du Bois de Boulogne, de 1945, com roteiro de Jean Cocteau. A partir de Diário de um padre, de 1951, surge o estilo minimalista no cinema bressoniano, que passou a caracterizar as obras seguintes do diretor. Bresson passou a ser conhecido como o “jansenista” do cinema francês. Em 1975, Bresson publicou o clássico Notes sur le Cinématographe (Notas sobre o cinematógrafo, na edição portuguesa, trad. Pedro Mexia), uma coletânea de anotações e aforismos próprios, na qual o diretor defende seus pontos de vista sobre a “sétima arte”. Em 1995, o cineasta recebeu o prêmio René Clair, da Academia Francesa, pelo conjunto de sua obra cinematográfica. Robert Bresson faleceu aos 98 anos, por causas naturais.
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FILMOGRAFIA DE ROBERT BRESSON
1934 Les Affaires Publiques (média-metragem) 1943 Les Anges du Péché (Anjos do pecado) 1945 Les Dames du Bois de Boulogne (As damas do Bois de Boulogne) 1951 Le Journal d’un Curé de Campagne (Diário de um padre) 1956 Un Condamné à Mort s’est Échappé (Um condenado à morte escapou) 1959 Pickpocket 1962 Procès de Janne D’Arc (O processo de Joana D’Arc) 1966 Au Hasard Balthazar (A grande testemunha) 1967 Mouchette (Mouchette, a virgem possuída) 1969 Une Femme Douce 1971 Quatre Nuits d’un Rêveur 1974 Lancelot du Lac 1977 Le Diable Probablement 1983 L’Argent (O dinheiro)
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Jean-Luc Godard
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O filme de estreia de Godard é um dos mais analisados e festejados da história do cinema. E toda a celebração é proporcional ao grande impacto estético produzido por Acossado (À Bout de Souffle). Não à toa, tornou-se o maior símbolo da nascente Nouvelle Vague francesa, assim como sua maior expressão. Se fizermos um balanço geral do muito já discorrido sobre o filme, teremos a sublinhar a supremacia irrefutável de uma ideia: o frescor artístico representado pelo filme para o cinema no final da década de 1950 e início dos anos 1960. Todo o cinema antes de Acossado jamais conseguiu imprimir tamanho desprendimento artístico, ao debochar não só do gênero humano, mas também do próprio fazer cinematográfico. Esse, inclusive, era um dos aspectos mais martelados pelos jovens críticos franceses, grupo ao qual Godard também pertencia: o da necessidade de realizar um novo cinema saturado de leveza, corajoso em subverter as regras clássicas, sem demonstrar medo em flertar com a ousadia. Por conter esses atributos, Acossado pode ser considerado o filme preferido da maioria dos cinéfilos em todo o mundo. Mas Acossado não é só um filme de adoração por parte de cinéfilos; também foi, e ainda é, idolatrado por cineastas. Sua influência teve uma abrangência em diversos países da Europa e da América, inclusive o Brasil. Glauber Rocha foi um desses cineastas fortemente impactado pelo filme e isso fica evidente nos seus segundo e terceiro longas, Deus e o diabo na terra do sol (1963) e Terra em transe (1967). Notam-se nos cortes abruptos (jump cuts) de Deus e o diabo na terra do sol, principalmente na famosa cena final da morte do personagem de Othon Bastos (o cangaceiro), e na construção anárquica de Terra em transe, explícitas referências ao filme de Godard. Outro filme brasileiro marcado profundamente por Acossado foi O bandido da luz
...o maior símbolo da nascente Nouvelle Vague francesa, assim como sua maior expressão. vermelha (1968), de Rogério Sganzerla. Logo na cena de abertura, vemos lá os letreiros de neon iguais ao do filme de Godard, letreiros de neon típicos da vida agitada da cidade. Os dois diretores não se contentam em utilizá-los apenas para caracterizar um processo de modernidade em curso em ambas as sociedades, preferem incluí-los como recurso narrativo. Em vez de os letreiros de neon exibirem suas usuais propagandas, mostram informações sobre seus personagens. A história de Acossado narra de forma fragmentada e anárquica a fuga da polícia do ladrão parisiense Michel Poiccard, em interpretação marcante de Jean-Paul Belmondo, após ter assassinado um policial, e o seu encontro com a jovem americana Patricia, vivida por Jean Seberg, transformada em sua cúmplice, e ao final do filme seu algoz, nessa perseguição inusitada, repleta de referências ao cinema clássico norte-americano, especialmente aos famosos filmes noir. Mas não devemos criar ilusões, o filme de estreia de Godard é pretensiosamente romântico, mas jamais ingênuo. Há toda uma construção cinematográfica no sentido
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de fazer do personagem de Belmondo um anti-herói, misto contraditório de carisma e mau-caratismo. Dentre os elementos cinematográficos, a montagem é o grande trunfo de Acossado. Nela o autor cria não só o ritmo, como também incorpora o principal de seu discurso: a irreverência aos padrões. Talvez esse seja o maior mérito do filme de estreia de Godard, conseguir forjar uma crítica totalizante ao questionar (ou será debochar?), em uma única tacada, os padrões estéticos, sociais, filosóficos e cinematográficos de sua época. No transcorrer de sua projeção, Acossado provoca sistematicamente o espectador com cortes surpreendentes e agressivos, não usuais até então, que interferem propositalmente no fluxo narrativo do filme. A opção de Godard é narrar uma história banal e corriqueira no cinema: a fuga de um ladrão da polícia. Mas pregou uma peça inusitada nos espectadores desavisados, interessados em uma diversão fugaz e convencional, uma história simples, mas inventiva e brincalhona com os padrões narrativos clássicos.
O jovem ex-crítico Godard, em 1959, completava seus 30 anos e com Acossado fortaleceu a ideia de um cinema moderno privilegiar os códigos cinematográficos de forma transparente, ao contrário dos filmes clássicos, esforçados em ocultar os meios cinematográficos, principalmente a falsa sensação de continuidade exercida pela montagem.
defender novas regras para o fazer cinematográfico, ele pretende “simplesmente” questioná-lo, desvendar a máscara do cinema clássico. Não bastava mais apenas exibir as cicatrizes expostas no rosto da narrativa clássica, mas também revelar como foram realizadas.
Para Godard, o cinema só consegue despejar toda sua potência artística no espectador quando explicita, durante sua fruição, ser resultado de uma criação, uma manipulação realizada por um artista, por meio da escolha da fotografia, ângulos, enquadramentos e da ordem sequencial das cenas, enfim, um articulador de um discurso advindo do controle dos elementos constitutivos da linguagem. Nessa perspectiva, o diretor se assume um demiurgo, o responsável pelas decisões e pela construção de um mundo (o que vemos na projeção e existe somente nesse momento).
Quebrar as regras estabelecidas é uma das marcas indeléveis de Acossado. O desprendimento de Godard chega ao extremo quando o personagem de Belmondo vira-se para a câmera, isto é, para nós espectadores, e diz: “Se você não gosta de mar, se você não gosta de montanha, se você não gosta da cidade, então vai se danar...”; sem dó nem piedade, por meio do personagem de Belmondo, Godard faz um discurso direto, em contrariedade à primeira regra básica do cinema clássico, em que os atores jamais poderiam falar para a câmera. Para agravar o ato debochado e rebelde do diretor, o discurso é uma ofensa.
Analisado com os olhos de hoje, todas essas observações podem parecer até óbvias, mas em 1959 funcionaram como uma bomba no contexto cinematográfico. Com Acossado, Godard instaura mais um divisor de águas na história do cinema, porque mais do que
Após anos e anos, desde a sua criação, o sagrado distanciamento entre a platéia e o autor de cinema é rompido, e, assim, Godard propõe uma nova forma de aproximação com os espectadores, não mais pelo viés da identificação entre personagem/público, tal como
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propunha a forma clássica, com o público torcendo pelo mocinho do filme, mas, sim, interrompendo o espetáculo cinematográfico ao comunicar para o espectador a existência de um processo de filmagem. Ainda na mesma cena, o mesmo personagem realiza diversas ultrapassagens e Godard privilegia mostrar somente o momento exato da ocorrência delas, com um corte atrás do outro. Logo a seguir, ele mostra o carro da esquerda para a direita da tela, e ao cortar a cena, há uma inversão do eixo, em que a moto do policial foi filmada da direita para a esquerda. Um fato que deve ser atentado no filme é o próprio desenvolvimento do enredo. Se prestarmos atenção, não há uma história, pelo menos no sentido clássico da palavra. As cenas são encadeadas uma a uma, sem que a trama ganhe realmente novos elementos. Durante o filme as imagens se sobrepõem, mas os diálogos são o elemento central da trama de Godard, como se o filme existisse apenas para comunicar uma série de pensamentos filosóficos, alguns debochados, intercalados sem necessariamente estarem conectados entre si.
O diretor também tratou Paris como um dos personagens do filme. Godard abusa de filmar suas ruas, seus transeuntes, muitas vezes pegos desprevenidos pela equipe de filmagem. Alguns esboçam olhares descarados para a câmera, outros a ignoram solenemente. Godard propõe uma relação diferente com a metrópole parisiense, a convida a dançar, a faz de parceira e coadjuvante, e, por alguns momentos, até sua protagonista maior, em travellings feitos de carros em movimento. Aliás, tudo em Acossado é movimento, a vida é sempre pulsante, mas vazia de utopias. O momento é valorizado insistentemente, inclusive numa provocante frase lida quase por acaso num muro parisiense:
escrita e como a utilizou em vários momentos de sua obra. Essa provocante frase conclama os espectadores à subversão, a aproveitar a vida e ignorar as regras estabelecidas pela sociedade. Esse é o comportamento assumido pelos personagens em Acossado. Godard também o adota em relação ao seu cinema, ao ridicularizar sistematicamente as regras clássicas do fazer cinematográfico. Não por acaso, ele escolhe partir de um formato clássico, o do filme noir, para poder subvertê-lo logo de cara, nos primeiros minutos do filme.
“Viver perigosamente até o fim.”
Em 1961, o importante fotógrafo e crítico da Folha de S. Paulo, Benedito J. Duarte, finalizou sua pequena mas contundente crítica sobre esse procedimento abusado de Godard em seu filme de estreia:
Pode aparentar esta ser mais uma frase solta, mas não é. Ao contrário de muitas outras frases-opiniões dispersas ao longo do filme, esta nos chega por escrito, e confere um peso e um dado filosófico mais consistente. Quem já pôde assistir a outros filmes de Godard sabe o quanto ele preza a palavra
“E tão cedo, certamente, não se verá de novo um filme em que a montagem, chocante por sua gratuidade, tão bem acompanhe, tão bem faça integrar, em sua dinâmica, os diálogos, o espírito, o comportamento das personagens (não raro com sua imagem fora do campo), uma dialética em geral pontuada
por movimentos de câmera impossíveis, por travellings circulares ou retos, ora completos em seu trajeto, ora bruscamente interrompidos e, também aqui, nem sempre motivados. E os atores seguem perfeitamente essa linha sinuosa da criação cinematográfica de Godard, que sabe tirar deles um resultado que, afinal, está longe de ser gratuito nesse mosaico de imotivações. E isso é o que vale em cinema, ou em qualquer outra obra humana.”(18) A imotivação e a gratuidade estão presentes a todo momento em Acossado, são inerentes a ele, como bem captou Benedito Duarte. Mas esse comportamento cinematográfico de Godard causa certo incômodo no espectador, que não sabe exatamente se assiste a uma citação, uma opinião, uma crítica ácida, uma provocação, ou se tudo não passa de um grande deboche aos mundos, tanto o cinematográfico quanto o social. Um bom exemplo desse deboche é a relação Godard/americanos. Ele presta homenagem ao cinema americano, mas não deixa de registrar frases como “os americanos são uns imbecis em idolatrarem os franceses”. A
Acossado (À Bout de Souffle) - 1959 | Fra | Elenco: Jean-Paul Belmondo, Jean Seberg |Produção: Georges Beauregard |Supervisão artística: Claude Chabrol | Fotografia: Raoul Coutard | Música: Martial Solal | Roteiro: Jean-Luc Godard e François Truffaut | Direção: Jean-Luc Godard | Classificação: 12 anos | 90 min. 45
frase é de uma dubiedade impressionante, ficamos sem saber com precisão quem são realmente os imbecis, se são os americanos ou os franceses, ou se, no fundo, o diretor queria atingir os dois. Para nós, a postura de Godard, antes de ser a do crítico contumaz, é a do iconoclasta.
sua morte, gesto que Michel repetiu diversas
Mas Godard constrói algumas cenas realmente admiráveis, como a da sequência final, com Patricia revelando a Michel Poiccard seu desejo de romper o relacionamento, para depois andar pelo apartamento a falar acerca de seus motivos, como se comunicasse o fato diretamente ao público, enquanto ele, paralelamente, fala em off, como se falasse consigo mesmo — uma criativa ideia de construção de cena, para mostrar ao público a incomunicabilidade existente entre os personagens.
homenagem ao filme noir, no qual o homem
Durante o filme, Godard transmite sinais de um novo papel social da mulher na contemporânea sociedade francesa, como na última cena, na morte de Michel, quando é denunciado pela própria amante Patricia, que tranquilamente assiste a toda a cena, sem deixar de passar o dedo na boca à la Bogart logo após a
vezes durante todo o filme. A inversão não deixa dúvidas a respeito da mensagem delineada por Godard. A moderna Patricia (uma norte-americana), nesse instante, representa a vitória de um novo tipo de mulher. Acossado pode ser entendido como uma passa a ser colocado em um papel de questionamento sobre sua superioridade em relação à mulher. Salienta-se o papel de vilania feminina, antes jamais aceita, não só pelo cinema quanto pela própria sociedade. Pode-se ponderar, nesse ponto, certa filiação essencial da personagem Patricia ao universo feminino tal como estabelecido no filme noir, como bem assinala o autor Fernando Mascarello: “Um dos temas mais recorrentes da história da arte, no noir, a femme fatale metaforiza, do ponto de vista masculino, a independentização alcançada pela mulher no momento histórico do pós-guerra.” (19) Mas a mulher em Godard não é exatamente
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a mesma da representada pelo noir norte-americano. Neste, a mulher é irresistivelmente fatal em sua sensualidade. Já Patricia não, ela é independente, opta por um estilo casual, simples mesmo, não aceita uma relação mais estável com Michel e assume abertamente o assunto nas conversas com ele. Há no todo uma dissimulação no comportamento de Patricia. Ele acredita em uma fuga romântica a dois para a Itália, chega a falar em amor, enquanto ela, sem estar presa emocionalmente, prefere adotar uma postura mais tradicionalmente masculina, mostra-se fugidia, não querendo se prender afetivamente a Michel. A forma de Godard filmar os assassinatos também é um dos pontos altos do filme. O primeiro, o do policial de moto na fuga de Michel, é uma clara homenagem à D. W. Griffith e Edwin Porter, os inventores do close como plano narrativo. Mas Godard vai além não só nesse assassinato, mas em todos os outros; ele não exibe o tiro, apenas o ouvimos, para logo depois assistirmos a um corpo no chão.
O uso da música em Acossado também é digno de observação. A escolha do jazz clássico americano, gênero inventado e tocado pelos negros norte-americanos, gestado no “subterrâneo” dos bairros mais humildes dos Estados Unidos, estabelece uma relação entre o jazz e a americanização da sociedade francesa do pós-guerra. Enquanto o jazz é incorporado de forma não diegética no filme, a música clássica entra diegeticamente, com o personagem de Patricia colocando na vitrola o concerto para clarinete de Mozart, enquanto Michel elogia escancaradamente a escolha da música. Essa será uma cena bem característica na filmografia de Godard: fazer comentários próprios pela boca de seus personagens. O mais incrível, entretanto, é ficarmos até algumas horas depois de assistirmos ao filme a repetir sua marcante música-tema, fato poucas vezes obtido no cinema. Por seu desprendimento estético, Acossado pode ser apontado, dentro do cinema narrativo, como uma referência de criatividade para quem quer pensar o fazer cinemato-
gráfico. Antes de fornecer uma fórmula de como se realiza um filme, a obra de estreia de Godard serve mais de inspiração e coragem acerca das possibilidades ilimitadas na manipulação dos elementos constitutivos da linguagem do cinema.
Acossado pode ser entendido como uma homenagem ao filme noir, no qual o homem passa a ser colocado em um papel de questionamento sobre sua superioridade em relação à mulher. Salienta-se o papel de vilania feminina, antes jamais aceita, não só pelo cinema quanto pela própria sociedade. 47
Com o intuito de registrar o quanto Acossado marcou uma geração de críticos brasileiros e mundiais, reunimos pequenas pérolas escritas sobre o filme, considerado por muitos como um dos mais importantes e inventivos já realizados na história do cinema.
Antonio Moniz Vianna
“Por fim, se a história nada significa, é isso que faz absoluta a liberdade. E, se não há nem a poesia nem o símbolo, alinham-se o brilho, a energia e não a invenção, mas certa originalidade que consiste em utilizar uma fórmula clássica e transformá-la numa obra pessoal à custa de, em doses iguais, talento e indisciplina, ou independência. Como disse o crítico Amédée Ayfre, é fácil aceitar a expressão ‘filmes velhos’ para a maior parte das obras ditas da Nouvelle Vague, mas nunca para a de Godard. A verdade é que a angústia e a inquietude de À Bout de Souffle se espelham no ritmo e até (sem paradoxo) na euforia da narrativa, e jamais através de frases, intelectualismos sortidos ou terrores noturnos (atômicos, com frequência). E não importa que se possam notar, no conteúdo – mesmo que o diretor não tenha conseguido contar a sua história –, sinais de ‘uma espécie de abstração do realismo poético de antes da guerra’, o de Carné e Duvivier. Aos adeptos da ideia de que o cinema pode começar do nada, diríamos, aqui, que ele se faz da modernização das tradições.”
André Setaro
“Se Os incompreendidos, de François Truffaut, ao ganhar a Palma de Ouro, deflagra a Nouvelle Vague, é, no entanto, Acossado, de Godard, que se apresenta como o filme mais significativo da rebeldia dos jovens críticos franceses – para os quais cada obra cinematográfica é, também, um ensaio sobre imagens e sobre o cinema, sobre a relação entre o diretor e as histórias narradas, entre o autor e a personagem interpretada, entre a relação das palavras e das imagens... Acossado (que, visto recentemente, conserva todo o seu impacto e já se encontra incluso em todas as antologias e enciclopédias sobre a sétima arte), filmado em quatro semanas entre Paris e Marselha, quase todo rodado com a câmera na mão, pode ser definido como um thriller que se concentra apenas na trama e no princípio da ação física, denunciando, com isso, uma irresistível tentação da mise-en-scène. Michel Poiccard (vivido por Jean-Paul Belmondo), imagem do homem contemporâneo com suas dúvidas, ambiguidades, contradições, é um ladrão de carros anarquista que mata um policial motorizado que o persegue. Encontra, em Paris, a amiga americana Patricia (Jean Seberg) e consegue voltar a ser seu amante. Convence-a a ir para a Itália com ele, mas a polícia, por delação dela, descobre Michel e o abate numa rua parisiense. A forma de Acossado condiz com a imagem do comportamento de Michel. A desordem do tempo, os desenvolvimentos e as mudanças impostas pela modernidade excedem Michel e, mais particularmente, Patricia, vítimas da desordem. O filme, nesse particular, é um ponto de vista sobre a desordem, tanto interior como exterior, identificando-se, dessa maneira, com Hiroshima Mon Amour, de Alain Resnais e, mesmo, com Os incompreendidos, filmes que, na verdade, são esforços imaginativos e cinematográficos em busca do domínio dessa desordem.” Trecho extraído do blog de André Setaro
Trecho extraído do livro Um filme por dia – crítica de choque (1946-73) (p.259)
Glauber Rocha
“Godard reassume o cinema no ponto onde James Joyce parou com o romance. À Bout de Souffle é a retomada da crise da ficção contemporânea numa escala da evolução do romance do verbal para o visual. Os maiores momentos de Joyce tendem à impossível figuração: o passo adiante é dado por Godard. O cinema deixa de ser romance para ser poesia, a câmera não é narradora dos fatos, mas instrumento de criação. Godard subverteu a continuidade imposta pelos filmes americanos . Quando dois personagens de Godard conversam, falam sobre a vida, seus amores, sonhos, frustrações, com a franqueza de quem fala na vida real.” Trecho extraído do livro O século do cinema (p.235)
TRECHOS DE CRÍTICAS PUBLICADAS SOBRE 48
Benedito J. Duarte
“Jean-Luc Godard, intelectual de seu tempo, panfletário, crítico e realizador de cinema a um tempo, com este seu estranho e perturbador À Bout de Souffle, remaneja um tema já abordado por Gide e por Camus (autor de L’Étranger): a imotivação de gestos e de atos, ou a força do ato gratuito, num mundo em que o homem, pobre mortal, se vê a braços com uma natureza, rude e imperecível, regendo o comportamento humano, numa época inteira, ou apenas numa fração de tempo.”
Roger Ebert
“O cinema moderno inicia em 1959, com este Acossado, de Jean-Luc Godard. Nenhum filme de estreia foi tão influente desde Cidadão Kane, de 1941. Tem-se repetido, corretamente, que a grande inovação foi a técnica dos jump cuts de Godard, que, apesar de impressionante, na verdade é uma reutilização; e o mais revolucionário nesse filme é o ritmo impetuoso, seu frio distanciamento, seu desprezo pela autoridade (...). Há uma linha direta ligando Acossado a Bonnie & Clyde – uma rajada de balas, Terra de ninguém, e à revolta da juventude no final da década de 1960. O filme exerceu influência crucial na época áurea de Hollywood entre 1967 e 1974. São incontáveis os personagens encarnados por Pacino, Beatty, Nicholson ou Penn diretamente descendentes do despreocupado assassino Michel vivido por Jean-Paul Belmondo.”
Trecho extraído do lIvro Folha conta 100 anos de cinema (p.153)
José Lino Grünewald
“Acossado é, dentro do atual cinema francês, a realização mais importante logo depois de Hiroshima meu amor. E, sob determinados aspectos, descerra problemas não alcançados pela fita de Alain Resnais. Assim como em Hiroshima, a dedução discursiva de uma história aqui em nada auxiliará na compreensão de seu sentido. A câmera testemunha os fatos, rodeia-os, delineia-os, mas não explica, não conclui – não está manejada pelo escritor ou pelo pensador. É cinema.” Trecho extraído do livro Um filme é um filme – o cinema de vanguarda dos anos 60 (p.71)
Trecho extraído do livro Grandes filmes (p.34)
Ismail Xavier
“Moullet não enfatiza certos procedimentos de Godard naquilo que têm de incrivelmente artificial (a montagem totalmente descontínua, por exemplo) ou de paródia (dirigida ao cinema industrial de gênero – no caso, o policial). Ele vai concentrar seus esforços na demonstração de que o estilo de Godard, basicamente um estilo que subverte as leis de equilíbrio e as regras da decupagem clássica, é elogiável porque realista. E o trinômio a que me referi acima [cinema de rua / mise-en-scène improvisada / representação da existência cotidiana não ideológica] é invocado para sustentar a crença de que Acossado projeta verdades na tela. E verdades sobre o homem moderno, sobre nossa época, sobre a ‘desordem do mundo’, a ambiguidade da vida etc... O referencial de Moullet é bastante claro: ‘Outra superioridade de Godard é que ele investe contra coisas concretas, enquanto que a lembrança, o esquecimento, a memória, o tempo, são coisas que não são concretas, que não existem e que, assim como o didatismo cristão ou o comunismo, não são suficientemente sérias para serem tratadas por esta linguagem profunda que é o cinema.”
Alfredo Manevy
“Em Acossado, primeiro filme de Godard, se o romântico ladrão de automóveis Michel olha para Humphrey Bogart com a familiaridade de um parente de sangue, isso se dá em razão da enxurrada de filmes norte-americanos, que, assim como outros produtos, passaram a povoar o universo cultural francês nos anos em que a França empenhava-se na reconstrução e retomada econômica sob a égide de investimentos estrangeiros. Mas Michel é o primeiro a sentir o peso da contradição desse ‘autêntico consumo’.”
Comentando a crítica de Luc Moullet, de 1960, sobre Acossado. Trecho extraído do livro O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência (p.76-77)
Trecho extraído do texto “Nouvelle Vague” in História do Cinema Mundial. Org. Fernando Mascarello (p.241)
ACOSSADO 49
BREVE BIOGRAFIA DE JEAN-LUC GODARD (1930) Desde os seus primeiros anos como crítico e pensador das páginas da Cahiers du Cinéma, passando pela era dourada da Nouvelle Vague, continuando (com menor impacto) nos anos 1970 e 1980, Godard redefiniu a maneira de se olhar para um filme.
assinados como o “grupo de Dziga Vertov”. Godard e Gorin estavam, como disseram eles, “fazendo filmes políticos, politicamente”. Apesar de ambos bradarem, “nós não temos respostas, só perguntas”, esses filmes pareciam endereçar e apoiar assuntos de militância.
Com prodigioso senso de exploração, Godard trabalhou seu caminho por entre não menos que quatro períodos artísticos, desde os anos 1950. O Godard da Nouvelle Vague (ainda o mais influente) durou de Acossado (1959) até Week-end (1967). O Godard revolucionário estendeu-se de Le Gai Savoir (1968) até Tout Va Bien (1972), finalizando o período Dziga Vertov. Godard, o videoartista, abrangeu o período entre a fundação da produtora Sonimage, com Anne-Marie Miéville, até 1978. Finalmente, o Godard contemplativo iniciou-se com Sauve Qui Peut (la Vie) e se estendeu até Hélas pour Moi.
Ao final, fica claro que Godard e Gorin estão mesmo mais preocupados com o processo de fazer cinema do que com a revolução. Após o desmanche da Dziga Vertov, Godard migrou para o vídeo, para pôr em prática experimentos e comunicar-se com um maior número de pessoas, por meio da televisão. Muitas tentativas foram feitas para que Godard realizasse filmes em Hollywood, entre eles Bonnie and Clyde, porém todas foram fracassadas. Godard fez ainda filmes importantes como Je Vous Salue, Marie (1985), condenado pelo Vaticano, e Nouvelle Vague (1990). Em 1991, revisitou o clássico de Roberto Rossellini, Alemanha ano zero, no vídeo Alemanha ano 90. Rosselini foi uma das maiores influências para o cinema de Godard, assim como o neorrealismo italiano em geral.
Reunindo-se com seus colegas da Cahiers du Cinéma, Godard participou, em 1968 de diversas manifestações. De 1968 até 1972, fez 11 filmes, metade tendo como colaborador Jean-Pierre Gorin, e muitos
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FILMOGRAFIA DE JEAN-LUC GODARD
Primeiros trabalhos
Curtas
1954 Operátion Béton (curta-metragem) 1955 Une Femme Coquette (curta-metragem) 1957 Charlotte et Véronique, ou Tous les Garçons s’Appellent Patrick
1961 La Paresse (episódio do filme Les Sept Péchés Capitaux) 1962 Le Nouveau Monde (episódio do filme RoGoPaG) 1963 Le Grand Escroc (episódio do filme Les Plus Belles Escroqueries
(curta-metragem)
du Monde)
1958 Charlotte et son Jules 1961 Une Histoire d’Eau
1964 Reportage sur Orly 1965 Montparnasse-Levallois (episódio do filme Paris vu par...) 1967 Anticipation, ou l’Amour en l’An 2000 (episódio do filme Le Plus Vieux Métier du Monde)
Nouvelle Vague
Caméra-oeil (episódio do filme Loin du Vietnam)
1959 À Bout de Souffle (Acossado) 1960 Le Petit Soldat (O pequeno soldado) 1961 Une Femme Est une Femme (Uma mulher é uma mulher) 1962 Vivre sa Vie (Viver a vida) 1963 Les Carabiniers (Tempo de guerra)
L’Amour (Andate e Ritorno dei Figli Prodighi) (episódio do filme Amore e Rabbia)
Cinétracts (números 7, 8, 9, 10, 12, 13, 14, 15, 16, 23, 40) (curta-metragem)
Un Film Comme les Autres (reivindicado a posteriori pelo Groupe Dziga Vertov)
Simpathy for the Devil (versão do produtor; há também One Plus One: Simpathy for the Devil, versão de Godard)
One A.M. (One American Movie) (abandonado pelo Groupe Dziga Vertov, mas finalizado por Richard Leacock e D.A. Pennebaker em 1971 com o título One P.M.)
Groupe Dziga Vertov/filmes políticos (1968–72)
1968 Le Gai Savoir
Le Mépris (O desprezo)
1964 Bande à Part
Une Femme Mariée, Fragments d’un Film Tourné en 1964 en Noir et Blanc
1965 Alphaville, une Étrange Aventure de Lemmy Caution
Pierrot le Fou
1966 Masculine-Feminine, 15 Faits Précis (Masculino Feminino)
Made in U.S.A.
1967 Deux ou Trois Choses que Je Sais d’Elle (Duas ou três coisas
1969 Communications (inacabado)
sobre ela)
La Chinoise, ou Plutot à la Chinoise (A chinesa)
Week-end (Weekend à francesa)
British Sounds
Pravda
Le Vent d’Est
Luttes en Italie
1970 Jusqu’à la Victoire (inacabado, mas incorporado em 1974 a Ici et Ailleurs, de Godard e Anne-Marie Miéville)
1971 Schick (codirigido com Jean-Pierre Gorin) (filme publicitário)
Vladimir et Rosa
1972 Tout Va Bien (codirigido com Jean-Pierre Gorin)
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Letter to Jane (codirigido com Jean-Pierre Gorin)
SonImage (período de transição, 1974-78)
1974 Ici et Ailleurs (codirigido com Anne-Marie Miéville) 1975 Numéro Deux (codirigido com Anne-Marie Miéville) 1976 Comment ça Va? (codirigido com Anne-Marie Miéville)
Six Fois Deux, sur et sous la Communication (codirigido com Anne-Marie Miéville) • 1a - Y’a Personne • 1b - Louison • 2a - Leçons de Choses • 2b - Jean-Luc • 3a - Photos et Cie • 3b - Marcel • 4a - Pas d’Histoires • 4b - Nanas • 5a - Nous Trois • 5b - René(e)s • 6a - Avant et Après • 6b - Jacqueline et Ludovic
1977 Quand la Gauche Aura le Pouvoir 1978 France/Tour/Détour/Deux/Enfants (codirigido com Anne-Marie Miéville)
Segunda Nouvelle Vague
1979 Sauve qui Peut (la Vie) 1982 Passion 1983 Prénom Carmen 1985 Je Vous Salue, Marie
Détective
1987 King Lear
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Soigne ta Droite, une Place sur la Terre
Curtas/Vídeos
1996 Espoir/Microcosmos
1979 Quelques Remarques sur la Réalisation et la Production du Film Sauve Qui Peut (la Vie)
1982 Lettre à Freddy Buache à Propos d’un Court-Métrage sur la
Le Monde Comme il Ne Va Pas
For Ever Mozart
Ville de Lausanne
Adieu au TNS
Changer d’Image (episódio da série Le Changement A Plus d’un Titre)
Plus Oh!
Scénario du Film Passion
1998 Histoire(s) du Cinéma - 1988-1998 • 1A - Toutes les Histoires (nova versão)
1983 Petites Notes à Propos du Film Je Vous Salue, Marie 1986 Grandeur et Décadence d’un Petit Commerce de Cinéma
• 1B - Une Histoire Seule (nova versão) • 2A - Seul le Cinéma
Soft and Hard (codirigido com Anne-Marie Miéville)
• 2B - Fatale Beauté
Meetin’ WA
• 3A - La Monnaie de l’Absolu
1987 Armide (episódio do filme Aria) 1988 Closed (duas séries de dezessete filmes publicitários)
• 3B - Une Vague Nouvelle
On s’Est Tous Défilé
• 4B - Les Signes Parmi Nous
Puissance de la Parole
Le Dernier Mot (episódio da série Les Français vus Par...)
• 4A - Le Contrôle de l’Univers
1999 The Old Place: Small Notes Regarding the Arts at Fall of 20th Century: The Old Place
2000 L’Origine du XXIe Siècle 2001 Eloge de l’Amour 2002 Dans le Noir du Temps (episódio do filme Ten Minutes Older:
Histoire(s) du Cinéma • 1A - Toutes les Histoires • 1B - Une Histoire Seule
The Cello)
1989 Le Rapport Darty 1990 Nouvelle Vague
2004 Notre Musique
Marithé François Girbaud: Métamorphojean
1991 Allemagne Année 90 Neuf Zéro
Liberté et Patrie (codirigido com Anne-Marie Miéville) Moments Choisis des Histoire(s) du Cinéma
2006 Prières pour Refuzniks: 1
Pour Thomas Wainggai (episódio do filme Écrire Contre l’Oubli) (codirigido com Anne-Marie Miéville)
1992 (Parisienne Peoples) (codirigido com Anne-Marie Miéville) (filme publicitário)
Prières pour Refuzniks: 2
Reportage Amateur (maquette expo)
Vrai Faux Passeport
1993 Hélas pour Moi
Ecce Homo
Les Enfants Jouent à la Russie
Une Bonne à Tout Faire (nova versão)
Je Vous Salue, Sarajevo
2008 TSR - Journal des Réalisateurs: Jean-Luc Godard 2009 - Socialisme
1995 JLG/JLG, Autoportrait de Décembre
2 x 50 Ans de Cinéma Français (codirigido com Anne-Marie Miéville)
53
1.
BAZIN, André. Que é cinema? São Paulo: Brasiliense, 1980.
2.
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REFERÊNCIAS 54
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TRUFFAUT, François. O prazer dos olhos: escritos sobre cinema. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro – RJ. 2005.
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GOMES, Paulo Emilio Salles. Jean Vigo. Paz & Terra. Rio de Janeiro. 1984. P.63
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NOTAS 55
Catálogo desenvolvido para acompanhar a Mostra 1959 - O ano mágico do cinema francês, realizada pelo Departamento Nacional do SESC. Texto em Calibri e Boris Black Bok. Impresso em papel couche mate 150g (miolo) e duodesign 300g (capa) e pela MCE Gráfica e Editora. Tiragem limitada de 33.000 exemplares. Março de 2010.