Revista Sinais Sociais

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v.4 nº12 janeiro > abril | 2010 SESC | Serviço Social do Comércio Administração Nacional

ISSN 1809-9815 SINAIS SOCIAIS | RIO DE JANEIRO | v.4 nº12 | p. 1-188 | JANEIRO > ABRIL 2010


SESC | Serviço Social do Comércio | Administração Nacional PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DO SESC Antonio Oliveira Santos DIRETOR-GERAL DO DEPARTAMENTO NACIONAL DO SESC Maron Emile Abi-Abib COORDENAÇÃO EDITORIAL Gerência de Estudos e Pesquisas / Divisão de Planejamento e Desenvolvimento Mauro Lopez Rego CONSELHO EDITORIAL Álvaro de Melo Salmito Luis Fernando de Mello Costa Mauricio Blanco Raimundo Vóssio Brígido Filho SECRETÁRIO EXECUTIVO

Mauro Lopez Rego ASSESSORIA EDITORIAL

Andréa Reza EDIÇÃO Assessoria de Divulgação e Promoção / Direção-Geral Christiane Caetano PROJETO GRÁFICO

Vinicius Borges ASSISTÊNCIA EDITORIAL

Rosane Carneiro REVISÃO

Elaine Bayma Clarissa Penna Roberto Azul DIAGRAMAÇÃO

Susan Johnson e Henrique Persechini (ASSISTÊNCIA)

Sinais Sociais / Serviço Social do Comércio. Departamento Nacional - vol.4, n.12 (janeiro/ abril) - Rio de Janeiro, 2010 v. ; 29,5x20,7 cm. Quadrimestral ISSN 1809-9815 1. Pensamento social. 2. Contemporaneidade. 3. Brasil. I. Serviço Social do Comércio. Departamento Nacional As opiniões expressas nesta revista são de inteira responsabilidade dos autores. As edições podem ser acessadas eletronicamente em www.sesc.com.br.


SUMÁRIO APRESENTAÇÃO5 EDITORIAL7 SOBRE OS AUTORES8 HOMICÍDIO JUVENIL E SEUS DETERMINANTES SOCIOECONÔMICOS10 UMA INTERPRETAÇÃO ECONOMÉTRICA PARA O BRASIL Lisa Biron

A EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA E O CONCEITO DE SOCIEDADE CIVIL EM GRAMSCI58 ESTRATÉGIAS PARA O ENFRENTAMENTO DA CRISE SOCIOAMBIENTAL Maria Jacqueline Girão Soares de Lima

UMA ANÁLISE DA EVOLUÇÃO RECENTE DA TAXADEDESEMPREGOSEGUNDODIFERENTES CLASSIFICAÇÕES90 Marina Ferreira Fortes Aguas

ÁREAS PROTEGIDAS E INCLUSÃO SOCIAL122 UMAEQUAÇÃOPOSSÍVELEMPOLÍTICASPÚBLICASDEPROTEÇÃODANATUREZANOBRASIL? Marta de Azevedo Irving

DESENVOLVIMENTO INFANTIL148 UMA ANÁLISE DE EFICIÊNCIA Vívian Vicente de Almeida

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APRESENTAÇÃO A revista Sinais Sociais tem como finalidade precípua tornar-se um espaço de debate sobre questões da contemporaneidade brasileira. Pluralidade e liberdade de expressão são os pilares desta publicação. Pluralidade no sentido de que a revista Sinais Sociais é aberta para a publicação de todas as tendências marcantes do pensamento social no Brasil hoje. A diversidade dos campos do conhecimento tem, em suas páginas, um locus no qual aqueles que têm a reflexão como seu ofício poder-se-ão manifestar. Como espaço de debate, a liberdade de expressão dos articulistas da Sinais Sociais é garantida. O fundamento deste pressuposto está nas Diretrizes Gerais de Ação do SESC, como princípio essencial da entidade: “Valores maiores que orientam sua ação, tais como o estímulo ao exercício da cidadania, o amor à liberdade e à democracia como principais caminhos da busca do bem-estar social e coletivo.” Igualmente é respeitada a forma como os artigos são expostos – de acordo com os cânones das academias ou seguindo expressão mais heterodoxa, sem ajustes aos padrões estabelecidos. Importa para a revista Sinais Sociais artigos em que a fundamentação teórica, a consistência, a lógica da argumentação e a organização das ideias tragam contribuições além das formulações do senso comum. Análises que acrescentem, que forneçam elementos para fortalecer as convicções dos leitores ou lhes tragam um novo olhar sobre os objetos em estudo. O que move o SESC é a consciência da raridade de revistas semelhantes, de amplo alcance, tanto para os que procuram contribuir com suas reflexões como para segmentos do grande público interessados em se informar e se qualificar para uma melhor compreensão do país. Disseminar ideias que vicejam no Brasil, restritas normalmente ao mundo acadêmico, e, com isso, ampliar as bases sociais deste debate, é a intenção do SESC com a revista Sinais Sociais.

Antonio Oliveira Santos Presidente do Conselho Nacional do SESC

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EDITORIAL No final do século XX presenciamos o aprofundamento da questão ambiental, e o reconhecimento de sua importância em termos planetários. A mudança de mentalidade atingiu abrangência e aspectos antes não imaginados. A preocupação com a sustentabilidade veio colocar-se como referência adicional aos grandes temas que sucederam à Revolução Industrial, como o trabalho, a distribuição de renda e as condições de vida de grandes parcelas da população mundial. Ao contribuir uma vez mais para a ampliação do debate na formulação de políticas públicas humanitárias, a revista Sinais Sociais mantém-se na interseção do mundo da ciência e do fazer social. Novos olhares sobre temas que envolvem os grandes desafios da atualidade estão lançados nesta edição. Marta de Azevedo Irving discute a relação entre proteção do meio ambiente e inclusão social; ainda sobre a questão ambiental, Maria Jacqueline Girão Soares de Lima aborda o conceito de sociedade civil presente nas discussões sobre os embates entre natureza e sociedade. Duas autoras apresentam estudos econométricos com resultados instigantes, relacionando dados de diversas fontes a dois importantes indicadores sociais: o desenvolvimento infantil, abordado por Vívian Vicente de Almeida, e as taxas de homicídio entre jovens, por Lisa Biron. Finalmente, o trabalho de Marina Ferreira Fortes Aguas analisa a evolução das taxas de desemprego segundo metodologias não usuais, e assim lança luzes sobre a apreciação numérica da realidade do emprego e do desemprego no país. Eis uma produção de artigos qualificados, oportunos e necessários à melhor compreensão de nossa realidade social. Resta-nos cumprimentar as autoras e desejar a todos uma boa leitura.

Maron Emile Abi-Abib Diretor-Geral do Departamento Nacional do SESC

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SOBRE OS AUTORES Lisa Biron Economista, com graduação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), e Mestrado em Ciências Econômicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), com ênfase em Políticas Públicas. Atualmente trabalha como analista censitário socioeconômico no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Tem experiência com pesquisa econômica aplicada, especialmente em temas como economia do crime, juventude, educação, pobreza e desenvolvimento infantil. É coautora do artigo: “Determinantes do desenvolvimento na primeira infância no Brasil”, inserido em Brasil em desenvolvimento: Estado, Planejamento e Políticas Públicas, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2009 (p. 671-696). Maria Jacqueline Girão Soares de Lima Bióloga e licenciada em Ciências Naturais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é especialista em ensino de Ciências pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e mestre em Educação também pela UFF. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRJ com tese sobre a Educação Ambiental nos contextos escolares, sob orientação do professor Carlos Frederico Loureiro. É membro do Laboratório de Investigações em Educação, Ambiente e Sociedade (Lieas - UFRJ) e professora da Faculdade de Educação da UFRJ, lecionando as disciplinas Didática Especial e Prática de Ensino em Ciências Biológicas. Trabalha com currículo, formação de professores e educação ambiental. Marina Ferreira Fortes Aguas Doutoranda do Instituto de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora assistente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no Rio de Janeiro desde agosto de 2008. Fez Mestrado em Economia na UFF e graduação no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ). Também participou do Programa de Intercâmbio Acadêmico no Instituto Superior de Economia e Gestão (Lisboa, Portugal) no primeiro semestre de 2006, por meio do convênio universitário entre o IE/UFRJ e a Universidade Técnica de Lisboa. Desde março de 2009, colabora na elaboração trimestral do Boletim de Mercado de Trabalho – Conjuntura e Análise, cujo editor-chefe é Lauro Ramos. Dentre as linhas de pesquisas desenvolvidas destacam-se as análises sobre a oferta de trabalho feminina e o entorno familiar, a mobilidade dos trabalhadores no mercado de trabalho e a ligação entre pobreza, desigualdade e mercado de trabalho. Entre os artigos elaborados devem-se mencionar “Determinantes da participação feminina na for-

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ça de trabalho: mulheres potencialmente pobres versus mulheres potencialmente ricas”, com coautoria de Lauro Ramos e Luana Furtado, e “Heterogeneidade no mercado de trabalho: desemprego e inatividade no Brasil”, com coautoria de Valéria Pero e Eduardo Pontual. Marta de Azevedo Irving Bacharelado em Ecologia e Biologia Marinha pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Mestrado na Universidade de Southampton (Reino Unido) e Doutorado na Universidade de São Paulo, na temática Gestão Costeira. Pós-Doutorado no Museu Nacional de História Natural (MNHN) e Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (Ehess), na França. Professora e Pesquisadora do Programa Eicos (PósGraduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas e Estratégias de Desenvolvimento da UFRJ. Coordenadora do Grupo de Pesquisa CNPq/Lattes “Biodiversidade, Áreas Protegidas e Inclusão Social”. Coordenadora de vários projetos e autora de várias publicações nas temáticas de Planejamento, Gestão Ambiental e Desenvolvimento, Conservação da Biodiversidade, Turismo e Inclusão Social, Desenvolvimento Local e Participação Comunitária, entre outros. Participação em diversos grupos de pesquisa no Brasil e no exterior e consultora sênior de Instituições do Sistema das Nações Unidas, instituições governamentais e não governamentais, em Planejamento e Gestão Ambiental. Contatos: marta.irving@mls.com.br Vívian Vicente de Almeida Economista e mestre em Ciências Econômicas pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Atualmente cursa Doutorado na mesma instituição. Desde 2004 desenvolve trabalhos na área de Políticas Sociais, em especial pesquisas na área da Saúde. Atualmente, é pesquisadora assistente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, no grupo de Economia da Saúde.

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HOMICÍDIO JUVENIL E SEUS DETERMINANTES SOCIOECONÔMICOS UMA INTERPRETAÇÃO ECONOMÉTRICA PARA O BRASIL1 Lisa Biron

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A metodologia (Seção 2) e a estratégia empírica (Seção 3) deste artigo baseiam-se, em grande medida, nos capítulos 3 e 4 da dissertação de mestrado defendida pela autora, em 2009 na FCE/UERJ, que teve como um dos objetivos específicos examinar os determinantes de homicídios entre jovens. A autora agradece os comentários do parecerista anônimo.

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Segundo dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/Datasus), quase um milhão de jovens entre 15 e 29 anos morreram devido a causas externas no país, entre 1990 e 2006. Dentre as causas, quase metade é constituída por homicídios. Mas o que está por trás dessa supressão de vida precoce? Acredita-se que o vínculo entre o tráfico de drogas e a falta de oportunidades pode ser catalisador de crimes violentos – principalmente em áreas mais pobres ou entre populações vulneráveis, como os jovens. O presente trabalho tem por objetivo central investigar, à luz da Teoria Econômica do Crime, os possíveis determinantes das altas taxas de homicídios entre jovens ocorridos no Brasil entre 2001 e 2005. Realizando estimações através de dados em painel dos estados brasileiros, constata-se que aspectos sociais e econômicos exercem influência sobre esta face da criminalidade: os indicadores de urbanização e desemprego se colocaram como significativos propulsores, ao passo que investimentos em educação e cultura se mostraram como importante fator dissuasório da criminalidade. As estimativas encontradas, no entanto, não indicam qualquer impacto do mercado de drogas ilícitas ou dos gastos em segurança pública sobre o fenômeno. Aponta-se, portanto, a evidência de que políticas voltadas à geração de oportunidades para crianças e jovens podem ser mais eficientes no combate ao crime do que propriamente ações de curto prazo em segurança. Palavras-chave: economia do crime; homicídio juvenil; painel de dados

According to the Data System of Mortality (SIM/Datasus), nearly one million young people, between 15 and 29 years old, had died from external causes in Brazil, between 1990 and 2006. Among these causes, nearly half is homicide. But what is behind this suppression of early life? It is believed that the link between drug trafficking and lack of opportunities can be a catalyst for violent crimes – especially in poorer areas and among vulnerable populations such as young people. Inspired by Economics of Crime, this study investigates the determinants of juvenile homicide rates occurred in Brazil between 2001 and 2005. Performing estimates through panel data from Brazilian states, the results pointed out that the social and economic variables have influence on this aspect of crime: indicators of urbanization and unemployment are significant propellant, while investments in education and culture have an important deterrence effect. Although, the obtained estimatives do not indicate any impact of the illicit drug market or public spending on safety on the phenomenon. Therefore, it is evident that politics focused on generating opportunities to children and young people can be more efficient against crime than properly security short-term actions. Keywords: economics of crime; juvenile homicide; panel data

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INTRODUÇÃO A criminalidade representa, hoje, um dos mais alarmantes problemas enfrentados no Brasil. O avanço da violência e dos atos bárbaros, em grande parte relacionados a mortes violentas de jovens, está se tornando fato corriqueiro em nosso cotidiano – os cidadãos brasileiros passaram a viver sob intenso sentimento de medo e insegurança. Estamos diante de um profundo drama social que merece atenção prioritária e urgente. Observando pesquisas de opinião, discursos oficiais e promessas eleitorais, notamos que, desde os mais leigos aos especialistas no assunto, todos buscam por explicações (e possíveis soluções) para esta grande mazela nacional que é a criminalidade, particularmente juvenil. Dentre os principais objetivos colocados para os que estudam o tema está a busca pela explicação das motivações do comportamento criminoso. O que leva alguns indivíduos a cometerem crimes, e outros não, numa mesma região? Seria um ambiente assolado por iniquidades sociais? Por que razão um indivíduo decide entrar no mercado ilegal? Seria tal decisão racional? Nas últimas décadas, diferentes respostas, em diferentes áreas, têm sido sugeridas ao problema, visto que não existe uma verdade ou consenso universal sobre os determinantes do crime. Gary Becker, em seu estudo pioneiro Crime and Punishment: An Economic Approach, considerou: “‘crime’ is an economically important activity or ‘industry’, notwithstanding the almost total neglect by economists” (BECKER, 1968, p.170). Entretanto, nos últimos anos, um número considerável de economistas passou a empenhar esforço no estudo do tema, posto que o aumento da criminalidade também influencia negativamente no nível de atividade econômica de uma região, por exemplo, ao desestimular novos investimentos. É fácil notar que, mesmo sem considerar as perdas morais e pessoais, prejuízos materiais, gastos públicos e privados de prevenção e combate à criminalidade geram custos altos para a sociedade (SANTOS; KASSOUF, 2007a). Mais importante que isso, o custo gerado pela perda de capital humano ocasionada pela criminalidade violenta em si é um fator ainda mais relevante para a discussão econômica, que aqui se coloca. Isso se agrava quando consideramos que o Brasil tem perdido grande

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parte de capital humano na fonte nascente devido à supressão de vida de milhares de jovens. Como se notará mais adiante, existe uma conexão bem sublinhada entre homicídios e economia. Ainda que seja por inconsequência da idade, a juventude parece responder a incentivos particularmente sociais e econômicos, “mensurando” suas oportunidades e comparando custos e benefícios ao entrar no mercado criminal (LEVITT, 1998; BECKER, 1968). Tendo em vista essas considerações, o objetivo central deste estudo será examinar empiricamente, sob uma abordagem econômica, os determinantes socioeconômicos da criminalidade no Brasil, entre 2001 e 20052. Especificamente, busca-se detectar, através de modelos econométricos de racionalidade econômica, os principais determinantes de uma das faces mais perversas da criminalidade: os homicídios entre jovens. Em trabalhos sobre determinantes de criminalidade, pouco se tem discutido sobre a influência das drogas ilícitas na criminalidade. Igualmente, apesar de a vulnerabilidade juvenil ser uma questão de grande relevância, tentativas de promover sua associação com o crime praticamente inexistem na literatura econômica, o que é feito apenas em estudos sociológicos. O propósito deste estudo faz-se pertinente para a discussão econômica ao tentar contribuir para a identificação dos principais propulsores das infrações criminosas envolvendo homicídios de jovens no país. Feito isso, este trabalho poderá ser útil para a proposição e execução de políticas públicas para a promoção do bem-estar da população brasileira. Este artigo está dividido em cinco seções, além desta introdução. Primeiramente, destacamos a relevância do problema a ser examinado aqui: a grande incidência de homicídios entre jovens brasileiros; na Seção 2, apresentamos a abordagem metodológica deste trabalho, enfatizando o pressuposto teórico e o critério de escolha das variáveis utilizadas; visto isso, tratamos, na sequência, da especificação econométrica, bem como apresentamos previamente algumas estatísticas 2

A escolha desse período de análise foi condicionada à disponibilidade de dados, divulgados pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), restrita aos anos de 2001 a 2005, até o momento da elaboração deste artigo.

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descritivas. Na Seção 4, apresentamos e analisamos os resultados empíricos encontrados. Por fim, contemplamos algumas considerações importantes sobre o estudo. 1 HOMICÍDIOS: UM FENÔMENO JOVEM E MASCULINO Segundo dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/ Datasus), quase um milhão de jovens entre 15 e 29 anos morreram por causas externas no país entre 1990 e 2006. Dentre essas causas, quase metade é constituída por homicídios. A Tabela 1 revela que, em 2005, das 47 mil vítimas de homicídios ocorridos no país, mais da metade (cerca de 60%) tinha entre 15 e 29 anos de idade, sendo que mais de 90% eram homens3. Tabela 1 Número e distribuição percentual das vítimas de homicídio no Brasil, segundo grupos de idade, por sexo – 2005 Faixa etária

Homens

Mulheres

Total

Número

%

Número

%

Número

%

565

66.9

280

33.1

845

1.8

Entre 15 e 24 anos

17,270

94.1

1,087

5.9

18,357

38.9

Entre 25 e 29 anos

7,862

93.3

569

6.7

8,431

17.9

Entre 30 e 39 anos

9,167

91.4

864

8.6

10,031

21.3

Entre 40 e 49 anos

4,823

89.7

556

10.3

5,379

11.4

Entre 50 e 59 anos

2,263

91.4

213

8.6

2,476

5.2

Acima de 60 anos

1,434

85.7

240

14.3

1,674

3.5

43,384

91.9

3,809

8.1

47,193

100.0

Até 14 anos

Total

Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados do SIM. Ministério da Saúde.

A incidência de homicídios é significantemente maior entre os homens com 15 a 29 anos de idade, mais do que dez vezes entre as mulheres, demonstrando que estamos diante de um fenômeno que atinge em todo o país, fundamentalmente, os homens jovens.

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Existem estes dados consolidados disponíveis para o ano de 2006. No entanto, para efeito de comparação, optamos por trabalhar com dados de 2005.

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Em 2006, o número total de homicídios superou a marca dos 48 mil. Com base no Gráfico 1, notamos a forte concentração desse fenômeno nas faixas de idade mais jovem, com forte elevação a partir dos 15 anos de idade. Gráfico 1 Distribuição do número de óbitos por homicídio no Brasil, segundo a faixa etária – 2006 12000 10720

Total de homicídios ocorridos

10000

10471 8839

7692

8000

5525

6000 4000

2627 1876

2000 310

560

0a9 anos

10 a 14 anos

0 15 a 19 anos

20 a 24 anos

25 a 29 anos

30 a 39 anos

40 a 49 anos

50 a 59 anos

60 anos e mais

Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados do SIM. Ministério da Saúde.

Ainda mais preocupante é o fato de o Brasil ocupar a quinta posição no ranking mundial de homicídios entre jovens. Segundo o Mapa da violência, publicado em 2008, o país detém uma taxa de mortes interpessoais de crianças e jovens correspondente a 51,6 por 100 mil habitantes. Vale ressaltar que esse relatório traz dados sobre as mortes ocorridas em 83 países selecionados para a amostra, com dados entre 2002 e 2006 (WAISELFISZ, 2008)4. Esse ranking tem em suas primeiras colocações somente países latino-americanos, como revela o Gráfico 2. Os países com as taxas de homicídios entre jovens superiores às do Brasil são El Salvador, Colômbia, Venezuela e Guatemala, que, não surpreendentemente, também lideram as ocorrências desses crimes quando consideramos todas as faixas etárias. 4

Para a contagem de homicídios, foi utilizado o dado no último ano disponível em cada país da amostra. Esses anos variam entre 2002 e 2006.

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Gráfico 2 Taxas de homicídio na população total e entre jovens, nos países da América Latina. Último ano disponível Uruguai (2004) Cuba (2005) Chile (2004) Rep. Dominicana (2004) Costa Rica (2005) Argentina (2004) México (2005) Nicarágua (2005) Panamá (2004) Paraguai (2004) Equador (2005) Brasil (2005) Guatemala (2004) Venezuela (2005) Colômbia (2005) El Salvador (2005)

Jovem Total

0.0

20.0

40.0

60.0

80.0

100.0

Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados disponíveis em WAISELFISZ (2008).

Interessante notar como as taxas de homicídio entre a população total e a população jovem apresentam grandes diferenças em países em níveis mais altos na América Latina. Quando a taxa de homicídio total diminui, decrescem ainda mais essas ocorrências entre os jovens. Atente ainda que Brasil e Colômbia não somente são países que apresentam as maiores taxas de mortes violentas de crianças e adolescentes, mas são, ao mesmo tempo, países com forte presença de tráfico de drogas, sugerindo uma possível relação entre essas duas modalidades de crime. O Gráfico 3 indica que a evolução das taxas de homicídio, entre 1990 e 2006, se mostrou de forma significativamente mais acentuada entre os jovens de 15 a 29 anos do que entre a população brasileira como um todo. Ali, observamos que ambas as tendências são crescentes, e decrescem ligeiramente a partir de 2003, quando atingiram o ápice (58 entre jovens e 28 na população total). Em cada ano, as taxas juvenis são, em geral, quase o dobro das taxas médias, evidenciando a superincidência de homicídios nessa faixa etária.

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Gráfico 3 Evolução das taxas de homicídios no Brasil, entre jovens e população total – 1990 a 2008 Taxa de homicídios por cem mil habitantes

70 60

58.57

50 40 34.63

30

28.4 20

Jovem Total

18.2 10

06 20

05 20

04 20

03 20

20

02

01 20

00 20

99 19

98 19

97 19

96 19

95 19

94 19

19

93

92 19

91 19

19

90

0

Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados do SIM. Ministério da Saúde.

O grupo com maior número de autores de homicídios é também representado por jovens do sexo masculino. De fato, a Tabela 2 mostra que 50% dos infratores têm entre 12 e 29 anos de idade, sendo que 95% desses homicídios são provocados por homens. Em todas as faixas etárias, a diferença entre os sexos é notória, com baixíssima participação de mulheres nesse tipo de crime. Tabela 2 Número e distribuição percentual dos infratores nas ocorrências de homicídio doloso no Brasil, segundo grupos de idade, por sexo – 2005 Faixa etária

Homens

Mulheres

Total

Número

%

Número

%

Número

%

Até 11 anos

9

64.3

5

35.7

14

0.2

Entre 12 e 17 anos Entre 18 e 24 anos Entre 25 e 29 anos Entre 30 e 34 anos Entre 35 e 64 anos

793 2,716 118 943 1,349

97.4 95.0 69.4 95.3 93.5

21 142 52 47 94

2.6 5.0 30.6 4.7 6.5

814 2,858 170 990 1,443

11.0 38.7 2.3 13.4 19.5

Acima de 65 anos

91

94.8

5

5.2

96

1.3

Total

7,019

95.0

366

5.0

7,385

100.0

Fonte: Adaptado de Ferreira e Fontoura (2008), a partir dos dados da Senasp 2005.

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Na verdade, os resultados apresentados revelam duas faces da mesma moeda: os adolescentes e jovens adultos são predominantemente autores e vítimas da criminalidade violenta. Interessante notar ainda, ao confrontar as informações apresentadas nas Tabelas 1 e 2, que o número de vítimas que o SIM capta é substancialmente maior que o número de infratores nas ocorrências da Senasp, como era de se esperar, uma vez que muitos desses infratores conseguem escapar das autoridades policiais. Outro dado que chama atenção nessa comparação é que as mulheres são mais vítimas que autoras nessa modalidade de crime, 8% contra 5%. Cabe ressaltar que a grande parte desses homicídios é cometida com armas de fogo. Segundo dados do SIM/Datasus, em 2005, 74,4% dessas mortes foram conduzidas por meio desse tipo de arma. Tabela 3 Percentual de homicídios na população total segundo o meio utilizado no Brasil – 2005 Meio utilizado

%

Estrangulamento, sufocação Arma de fogo

1.5 74.4

Fumaça, fogo, chamas

0.3

Objeto cortante penetrante

16.5

Objeto contundente

4.9

Força corporal

1.0

Outros especificados Total

1.4 100.0

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do SIM. Ministério da Saúde.

Quando investigamos a mortalidade juvenil por causas externas no Brasil, fica notória a grande participação dos homicídios como grande causa. Esse problema é praticamente unânime em todas as unidades federativas do Brasil, como aponta a Tabela 4. Observamos que os homicídios respondem por quase ou mais da metade dessas mortes entre pessoas de 15 a 29 anos de idade, com exceção em Santa Catarina, Piauí, Rio Grande do Norte, Tocantins e Roraima, onde os acidentes de transporte se colocam como importante causa do encerramento de vida desses jovens. Já Pernambuco, Alagoas e Rio de Janeiro despontam com a maior incidência de homicídio entre a sua juventude, entre as causas externas de mortalidade em 2006.

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Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados do SIM. Ministério da Saúde.

Homicídios Unidade da Federação Acidentes de transporte Número % Número % Rondônia 141 29.1 257 53.1 Acre 31 19.3 85 52.8 Amazonas 164 22.3 428 58.2 Roraima 36 31.0 46 39.7 Pará 355 18.9 1,185 63.0 Amapá 41 19.3 128 60.4 Tocantins 114 36.7 121 38.9 Maranhão 321 29.0 527 47.6 Piauí 286 42.8 240 35.9 Ceará 613 30.5 941 46.9 Rio Grande do Norte 197 28.3 234 33.6 Paraíba 280 30.9 458 50.6 Pernambuco 552 15.3 2,616 72.6 Alagoas 186 14.4 980 76.0 Sergipe 142 24.4 334 57.5 Bahia 588 17.1 1,947 56.6 Minas Gerais 1,252 27.1 2,408 52.1 Espírito Santo 303 20.9 982 67.9 Rio de Janeiro 997 17.2 4,076 70.3 São Paulo 2,580 29.6 4,285 49.1 Paraná 1,040 32.1 1,706 52.7 Santa Catarina 774 54.8 321 22.7 Rio Grande do Sul 661 29.9 980 44.3 Mato Grosso do Sul 233 33.3 315 45.0 Mato Grosso 267 30.9 427 49.5 Goiás 512 32.3 825 52.1 Distrito Federal 156 23.8 399 60.9 Total 12,822 25.9 27,251 55.1 Número 16 13 54 18 69 13 24 65 53 163 51 42 112 36 28 127 326 43 89 527 193 106 239 78 44 93 46 2,668

Suicídios

Intenção Demais cauindeterminada sas externas % Número % Número % 3.3 11 2.3 59 12.2 8.1 4 2.5 28 17.4 7.3 3 0.4 87 11.8 15.5 5 4.3 11 9.5 3.7 48 2.6 223 11.9 6.1 1 0.5 29 13.7 7.7 10 3.2 42 13.5 5.9 32 2.9 161 14.6 7.9 14 2.1 76 11.4 8.1 67 3.3 223 11.1 7.3 140 20.1 74 10.6 4.6 17 1.9 109 12.0 3.1 103 2.9 222 6.2 2.8 2 0.2 85 6.6 4.8 30 5.2 47 8.1 3.7 391 11.4 387 11.3 7.1 240 5.2 398 8.6 3.0 22 1.5 97 6.7 1.5 352 6.1 282 4.9 6.0 472 5.4 859 9.8 6.0 55 1.7 245 7.6 7.5 29 2.1 183 13.0 10.8 99 4.5 234 10.6 11.1 13 1.9 61 8.7 5.1 38 4.4 87 10.1 5.9 41 2.6 113 7.1 7.0 1 0.2 53 8.1 5.4 2,240 4.5 4,475 9.0

Total Número % 484 1.0 161 0.3 736 1.5 116 0.2 1,880 3.8 212 0.4 311 0.6 1,106 2.2 669 1.4 2,007 4.1 696 1.4 906 1.8 3,605 7.3 1,289 2.6 581 1.2 3,440 7.0 4,624 9.3 1,447 2.9 5,796 11.7 8,723 17.6 3,239 6.5 1,413 2.9 2,213 4.5 700 1.4 863 1.7 1,584 3.2 655 1.3 49,456 100.0

Tabela 4 Mortalidade por causas externas no Brasil, segundo categoria, na população de 15 a 29 anos, por UF - 2006


2 ABORDAGEM METODOLÓGICA Sempre que nos deparamos com números exorbitantes como os mostrados anteriormente, surge a seguinte indagação: o que influencia ocorrências tão vultosas de homicídios no Brasil? A busca pelas causas da criminalidade nunca foi um caminho trivial. Entre os muitos que experimentaram aventar alguma explicação sobre o fenômeno estão antropólogos, sociólogos, psiquiatras, juristas e economistas. Nos meandros das Ciências Econômicas, é comum a alusão ao artigo de Gary Becker, publicado em 1968, como pioneiro na explicação das causas da criminalidade como sendo derivadas da racionalidade humana, entre outros aspectos socioeconômicos. A concepção de Becker está baseada na ideia de que os agentes criminosos são racionais e calculam os seus benefícios e os custos esperados ao se inserirem em atividades ilícitas da economia (BECKER, 1968). Isto é, sob o ponto de vista econômico, o comportamento do infrator não é compreendido como uma atitude meramente emotiva, irracional ou antissocial; pelo contrário, é visto como uma atividade eminentemente racional. A investigação econômica do crime ainda é bastante incipiente no Brasil, em grande medida devido à limitada disponibilidade de dados no país. Baseando-se na teorização econômica do crime preconizada por Becker (1968) e Ehrlich (1973), alguns autores nacionais, a exemplo dos internacionais, de uma maneira geral, têm testado inúmeras variáveis socioeconômicas para explicação do crime, tais como: renda, taxa de desemprego, nível de escolaridade, pobreza, desigualdade de renda e urbanização (SANTOS; KASSOUF, 2007a). No entanto, os trabalhos empíricos realizados raramente enfocam a explicação das altas taxas de criminalidade presentes entre os jovens, tampouco a influência do tráfico ou uso de drogas ilícitas5.

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Para uma revisão de literatura específica sobre o tema, ver: Fleisher (1963), Levitt (1998), Mocan e Rees (1999), Entorf e Winker (2008) e Santos e Kassouf (2007b). Além desses autores, cabe destacar o trabalho de Andrade e Lisboa (2000), que empregam esforço na análise dos determinantes socioeconômicos de homicídios entre homens, com 15 a 40 anos, e encontram resultados bastante significativos e distintos para cada idade.

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2.1 PRESSUPOSTO TEÓRICO Guiados pela linha de pensamento da Economia do Crime, que se baseia no comportamento racional do criminoso, pressupomos que um indivíduo cometerá o crime se (e somente se) a sua utilidade esperada (U) exceder a utilidade que poderia ser alcançada através do exercício de atividades lícitas (U’) (SANTOS, 2009). Mas como aferir essa utilidade esperada, já que sabemos que essa é uma variável não observável? Neste trabalho, assumimos que as ocorrências de crimes notificadas às autoridades oficiais representam o resultado da decisão tomada pelos ofensores. Com base nisso, é razoável presumir que o criminoso julgara U > U’. Sob tal pressuposto, utilizamos as taxas de crimes reportados, especificamente homicídios entre jovens, como proxy da oferta agregada de crimes nos estados brasileiros. Cabe mencionar que a magnitude da utilidade esperada de um ato criminoso pode ser influenciada por uma variedade de fatores. Em geral, os principais autores, em consonância com essa linha de raciocínio, creem que o criminoso avalia basicamente três fatores antes de optar pelo crime: o custo de oportunidade, o custo moral e o retorno esperado ao cometer a ofensa. Podemos dizer que uma série de variáveis, relacionadas à economia, demografia, justiça e polícia, vai impactar na medida monetária desses três fatores e, portanto, na decisão de empreender ou não um delito. 2.2 VARIÁVEIS UTILIZADAS: DESCRIÇÃO, DISCUSSÃO E OS EFEITOS ESPERADOS Apesar da teoria exposta por Becker (1968) se basear na teoria de escolhas do indivíduo, o que leva a crer que o modelo a ser estimado utiliza dados individuais, uma vez que dali se deduz o comportamento particular do criminoso, a maioria dos estudos empíricos, tanto nacionais como internacionais, tem utilizado dados agregados. Apesar de parecer um equívoco a aplicação de dados agregados para se explicar um fenômeno microeconômico, Santos e Kassouf (2007a) afirmam que inúmeros estudos que utilizam macroestatísticas têm gerado importantes resultados, capazes de estabelecer e conduzir políticas públicas di-

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recionadas ao combate da criminalidade. Isso posto, e devido à indisponibilidade de dados individuais de criminosos no Brasil, justificamos a utilização de dados agregados ao nível estadual, seguindo a tendência de outros trabalhos com o mesmo enfoque realizados no país. Uma vez que buscamos examinar a criminalidade que envolve a juventude, designamos como variável dependente a taxa de homicídios entre jovens de 15 a 29 anos por 100 mil habitantes. A escolha da taxa de homicídios como considerável representante da criminalidade em geral decorre do fato de que o número de subregistros para esse tipo de crime é bem menor (ou quase nulo) do que para outros, por acarretar a perda da vida e implicar, por consequência, registro nas autoridades competentes, como Instituto Médico Legal (IML) e Polícia (SANTOS; KASSOUF, 2007a). É munida deste último argumento que a maioria dos trabalhos sobre determinantes do crime no Brasil tem se utilizado das taxas de homicídios intencionais como proxy para explicar as causas socioeconômicas da criminalidade. Consideramos, como possíveis determinantes das taxas de crimes, variáveis relativas às condições sociais, econômicas e demográficas dos estados brasileiros. De tal sorte, a motivação para incluir tais variáveis, bem como as hipóteses formuladas a respeito de seus impactos, é, sobretudo, de natureza econômica. Em suma, podemos dizer que três razões básicas nortearam nosso critério de escolha das variáveis com possível poder explicativo: modelo teórico de racionalidade do potencial criminoso, a disponibilidade de dados e os estudos realizados anteriormente a este. VARIÁVEIS INDEPENDENTES E POTENCIAL EXPLANATÓRIO Estabelecidos os argumentos para a seleção da variável dependente, vejamos quais as variáveis explicativas a serem introduzidas no modelo estimado. Seguindo o mesmo raciocínio do modelo econômico de Mendonça (2000), utilizamos a renda média das famílias, em cada estado, como proxy para representar o retorno esperado para o agente que participa de uma atividade ilícita6. No caso de quem pratica homicídio, a renda 6

O mesmo argumento é levantado por Ehrlich (1973).

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pode estar associada aos ganhos obtidos na atividade ilícita. Dessa forma, esperamos que quanto maiores os valores dessa variável, maior será o incentivo à prática do crime. Apesar de ser bastante razoável a espera de um efeito positivo da renda média das famílias sobre o crime, parece não haver muito consenso na literatura econômica. Araujo Jr. e Fajnzylber (2001) argumentam que a renda familiar per capita poderia ser encarada como um custo de oportunidade da participação em atividades ilícitas. Mais especificamente, vejamos uma situação hipotética: um criminoso que possui uma renda x antes de cometer o crime, ao ser preso, provavelmente perderia tal recurso. Assim, poderíamos aventar a renda como integrante do custo de um indivíduo em ser capturado e em ter de cumprir pena. Santos e Kassouf (op. cit.) assinalam que “quanto maior a renda, maior será o custo do insucesso na atividade criminosa”, e com essa dedução, admitem um possível efeito negativo da renda sobre o crime. Tendo em vista essas expectativas conflituosas, devemos ter cautela e considerar a possibilidade de endogeneidade dessa variável explicativa. As variáveis de fator dissuasório exercem papel fundamental no modelo econômico do crime. Santos e Kassouf (2007a) explicam que: o modelo prevê que a sociedade tentará minimizar suas perdas induzindo os potenciais criminosos a cometer uma quantidade ótima de crimes, escolhendo níveis para algumas variáveis de seu controle: gastos com a atividade da polícia e justiça, a forma e severidade de punição.

Essa decisão implicará indiretamente a probabilidade de captura e/ ou punição dos criminosos. Como forma de testar a probabilidade de permanência no crime, elegemos os gastos em segurança pública como proxy (MENDONÇA, 2000). Nesse caso, espera-se uma relação negativa entre esses recursos e as atividades ilegítimas. Pressupomos, aqui, que quanto maior for o gasto em segurança pública, maior será a eficiência das atividades preventivas e punitivas à criminalidade. Todavia, cabe ressalvar três aspectos recorrentes que, de certa forma, poderiam implicar uma relação positiva desses gastos sobre as taxas de crime, e acarretar endogeneidade dessa variável: primeira-

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mente, não necessariamente maiores gastos públicos significam uma alocação eficiente. Segundo, e mais importante, se de fato a elevação de tal dispêndio resultar maior eficiência por parte das autoridades policiais, é provável que ocorra, como consequência, maior número de capturas e registros policiais, mesmo que esses tipos de crimes não tenham aumentado na prática, sendo apenas mais reportados pela polícia. Terceiro, estados que possuem maiores taxas de criminalidade, possivelmente, são também aqueles que mais investem em segurança pública pela razão anterior. Tomando-se esses três argumentos, não seria surpreendente se encontrássemos essa variável com sinal positivo entre nossos resultados. Muitos autores, como Santos e Kassouf (2007b), Kume (2004), Mendonça (2000) e Araujo Jr. e Fajnzylber (2001), têm empregado o grau de urbanização para representar a facilidade de interação entre os criminosos. Deduz-se, a partir daí, que em áreas urbanas existe maior troca de informações, o que possibilita menores custos de planejamento e execução do crime (por exemplo, ruas asfaltadas permitem transporte mais rápido, serviços de telefonia e internet implicam comunicação direta e barata). De uma maneira geral, esses autores utilizam essa variável como proxy para o custo de entrada no crime. Aqui, esperamos encontrar um sinal positivo. Mendonça (2000), em seu modelo econômico, emprega a desigualdade de renda como proxy do nível de insatisfação do criminoso. O autor se justifica da seguinte maneira: “O mecanismo pelo qual a desigualdade potencializa a criminalidade se dá a partir do reconhecimento de que o agente possui um nível de consumo de referência, imposto a ele de forma exógena” (MENDONÇA, 2000, p. 2). Com isso, o indivíduo se veria com motivação para o crime, ao perceber que a renda que ele pode usufruir é menor quando comparada ao nível de consumo de referência. Em suma, a desigualdade causa crime por colocar indivíduos de baixo retorno no mercado legal e, então, com baixos custos de oportunidade, próximos a indivíduos de alta renda, os quais, eventualmente, mostram-se como vítimas potenciais. Quando pensamos em jovens especificamente, podemos perceber a influência do contraste socioeconômico sobre as atividades ilegais, claramente, por meio da possibilidade de “realização” de seus desejos

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de consumo. Não são raras as vezes em que vemos, no dia a dia, nos documentários e noticiários jovens carentes (ou não) orgulhosos em vestir roupas de grifes famosas e ostentando suas motos de luxo. Alguns julgam que a necessidade de autorreconhecimento é inerente à juventude, especialmente na sociedade de consumo. Quando não se consegue atingir o ideal de consumo, provoca-se frustração e muitos buscam na violência e/ou no tráfico de drogas uma forma de ganho mais rápido de renda. Obviamente, não queremos estigmatizar que todo jovem que possui uma restrição orçamentária alta, insuficiente para atender a seus desejos, irá se voltar para o mundo do crime. Do mesmo modo, não generalizamos ao dizer que todo criminoso está ali devido à sua insatisfação. Empregamos, aqui, essa proxy apenas como um fator propulsor, e não de exclusiva causa. No presente estudo, consideramos w* como a influência da utilidade ou a renda de referência da sociedade. Assim, a desigualdade, que mede o grau de concentração da riqueza das famílias, será definida por w* - w. Como vimos, existem diversos canais por onde a desigualdade de renda pode causar crime. Da perspectiva econômica à sociológica, a maioria dos estudos sugere que o efeito seja positivo. Um fato estilizado na literatura tanto sociológica como econômica do crime é que os jovens têm uma maior propensão a estar envolvidos em crimes e violência, sejam como autores ou como vítimas7. Essa tendência é agravada quando uma parcela significativa desses jovens não possui perspectivas futuras. Baseamo-nos na hipótese de que um jovem vulnerável e sem planos tem um custo de oportunidade menor de cometer um crime, o qual pode ser ainda mais reduzido em um contexto de interações sociais com jovens do mesmo tipo8. Utilizamos uma medida distinta que julgamos capaz de captar essa vulnerabilidade juvenil: a porcentagem de crianças e jovens em idade escolar que não frequentam a escola. Supomos, aqui, tal ociosidade como um razoável propulsor no cometimento de crime, uma vez que quadrilhas precisam de jovens, geralmente ociosos e sem perspectivas, para compor um “exército privado” capaz de proteger a área de 7

Uma discussão sobre o tema é feita na primeira seção. Para mais detalhes sobre o mecanismo de interações sociais, ver Glaeser et al. (1996).

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influência de uma determinada gangue contra a polícia e rivais. Dito isso, tomamos a ausência (ou não assiduidade) à escola atuando de forma positiva sobre a criminalidade. Esperamos, além disso, que a não frequência à escola esteja diretamente relacionada à menor probabilidade de sucesso em trabalhos/atividades lícitos e baixas perspectivas de maior renda futura para os jovens ociosos de hoje, e dessa forma diminui seus custos de oportunidade na entrada do crime. Afora as variáveis independentes enumeradas anteriormente, incluímos, no modelo que busca explicar taxas de homicídios entre jovens com 15 a 29 anos de idade, as seguintes: pobreza, desemprego, famílias monoparentais, gastos em educação e cultura e, finalmente, taxa de delitos envolvendo drogas por 100 mil habitantes. Em muitos estudos, a pobreza é tida como um fator de redução do custo de oportunidade dos indivíduos, e dessa forma seria capaz de influenciar as taxas de crime, sobretudo, os crimes contra propriedade (LOUREIRO, op. cit.). Por outro lado, a pobreza, em certas regiões, pode deixar o lugar (ou indivíduo) economicamente menos atrativo para o crime; da mesma forma, nesses lugares, haverá menos garantias de lucro com o tráfico. Por isso, dizemos que o efeito esperado é ambíguo. Com o mesmo raciocínio anterior e com efeito dual, isto é, com possível presença de endogeneidade, temos a variável taxa de desemprego como um propulsor da incidência de crimes. Aqui, pressupomos que quanto maior o nível de desemprego, maior será o tempo que o indivíduo ficará desocupado, logo, maior a probabilidade de se cometer um crime, uma vez que estará diante de menores custos de oportunidade. No entanto, essa relação poderia ser negativa, se olhássemos do ponto de vista da atratividade do “mercado potencial”, dado que regiões que apresentam maiores taxas de desemprego tornam-se economicamente menos visadas (ARAUJO JR.; FAJNZYLBER, 2001). Muitos autores (Santos e Kassouf, Fajnzylber e Araujo Jr., Loureiro e Resende) utilizam a porcentagem de famílias monoparentais chefiadas por mulheres para indicar desorganização social. Sugerem que esta exerça um efeito positivo sobre o crime, na medida em que custos morais relacionados às práticas ilícitas seriam menores em um ambiente fortemente marcado por desorganização social. Ademais, sob uma perspectiva sociológica, economistas argumentam que essa vari-

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ável poderia ser inclusive uma proxy para instabilidade familiar. Kelly (2000) assinala que criminologistas relacionam crime, instabilidade familiar e distúrbios emocionais sofridos durante a infância. Sob esse ponto de vista, decidimos utilizar o número de famílias monoparentais com pelo menos um filho no domicílio, mas não enrijecemos essa hipótese empregando apenas mulheres como chefes do lar, uma vez que essa instabilidade pode ser tão (ou mais) evidente em domicílios onde o chefe é homem. Seguindo essa corrente, aguardamos um efeito positivo dessa variável sobre o tipo de crime em questão. Ao aplicarmos a variável “gastos em educação e cultura” no modelo a ser estimado, queremos analisar o impacto de uma fração específica dos gastos sociais sobre a redução da criminalidade. Elegemos, neste estudo, gastos em educação e cultura como um representante dos gastos sociais, por serem direcionados, predominantemente, à população infantojuvenil. Esperamos encontrar um efeito negativo, da mesma forma que alguns autores o fizeram, ao testar o efeito de gastos em assistência social (BENOIT; OSBORNE, 1995; ZHANG, 1997; IMROHOROGLU et al., 2000; MERLO, 2003 apud LOUREIRO, 2006). O impacto negativo esperado recai sobre o fato de que gastos sociais reduziriam os incentivos de incorrer na criminalidade, dado que aumentaria os custos de oportunidade do potencial criminoso, ao elevar suas expectativas de renda futura e nível sociocultural, via acumulação de capital cultural9. Pressupomos, pois, que maiores gastos em 9

Para Bourdieu (2001), a noção de capital cultural surge da necessidade de se compreender as desigualdades de desempenho escolar dos indivíduos oriundos de diferentes grupos sociais. Sua sociologia da educação se caracteriza, notadamente, pela diminuição do peso do fator econômico, em comparação ao peso do fator cultural, na explicação das desigualdades escolares. Segundo o autor, o capital cultural pode existir sob três formas: no estado incorporado, no estado objetivado e no estado institucionalizado. No estado objetivado, o capital cultural existe sob a forma de bens culturais, tais como esculturas, pinturas, livros etc. Para possuir os bens econômicos na sua materialidade, é necessário ter simplesmente capital econômico, o que se evidencia na compra de livros, por exemplo. Todavia, para apropriar-se simbolicamente desses bens, é necessário possuir os instrumentos dessa apropriação e os códigos necessários para decifrá-los, ou seja, é necessário possuir capital cultural no estado incorporado. No estado institucionalizado, o capital cultural materializa-se por meio dos diplomas escolares.

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educação estejam intrinsecamente associados a maiores oportunidades no mercado lícito. Baseamo-nos na Teoria do Capital Humano, que pressupõe que a política social exerce um impacto importante no crescimento econômico e na produtividade das pessoas. Esse gasto representa um investimento social pelo alto retorno que tem em termos de garantia de direitos e como condição necessária para interromper a transmissão intergeneracional da pobreza e, consequentemente, a retroalimentação do ciclo de criminalidade, também associada à desigualdade de renda. Na literatura brasileira, autores como Santos (2009) e Loureiro (op. cit.) utilizaram-se da variável demográfica, proporção de homens jovens na população, como controle para grupo mais propenso ao crime. Como indica a Seção 1, é na faixa etária dos 15 aos 29 anos e no gênero masculino que há maiores índices de homicídios no país. A INFLUÊNCIA DO MERCADO DE DROGAS SOBRE OS HOMICÍDIOS ENTRE JOVENS Acredita-se que o vínculo entre o tráfico de drogas e a falta de oportunidades pode ser catalisador de crimes violentos – principalmente em áreas mais pobres ou entre populações vulneráveis, como os jovens. De acordo com o Relatório mundial sobre drogas, dos quase 50 mil homicídios registrados a cada ano, equivalente a uma taxa de 27 em cada 100 mil habitantes, uma grande proporção está associada ao tráfico de drogas (UNODC, 2005). Essa brutal taxa de homicídios é gerada, em grande medida, porque as pessoas envolvidas na venda ilegal de drogas, não raramente, resolvem suas questões comerciais, relacionadas à divisão de territórios, distribuição e liderança, utilizando-se da extrema violência, culminando na supressão de muitas vidas. Isso se deve especialmente ao fato de não haver a possibilidade de um “contrato” entre as partes, dado que é uma atividade fora da lei. Viapiana (2006), citando Goldstein, enumera três formas pelas quais as drogas, lícitas ou ilícitas, se relacionam com os crimes: (i) violência psicofarmacológica, (ii) violência por compulsão econômica e (iii) violência sistêmica. A primeira consiste em prováveis efeitos que o usuário pode apresentar devido a ingestão, curta ou prolongada, de

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certas substâncias estimuladoras de comportamentos de risco, como excitação, irracionalidade e violência. O autor ressalva, contudo, que nem todas as drogas (por exemplo, a maconha10) irão conduzir a delinquências. No entanto, crimes violentos podem ser deflagrados durante um quadro de abstinência. Acrescenta-se ainda o fato de que os efeitos psicofarmacológicos podem contribuir para o aumento da probabilidade de vitimização desses usuários, uma vez que em várias pesquisas, segundo o autor, foi comprovada alta incidência de drogas em vítimas de homicídios. O efeito por compulsão econômica é caracterizado quando os usuários de drogas inserem-se em atividades criminosas a fim de obter dinheiro para financiar seus custos de consumo. Segundo Viapiana (op. cit.), “essa é a motivação presente na maioria dos roubos, furtos e assaltos que ocorrem nas grandes cidades, envolvendo, principalmente, jovens pobres e também de classe média”. Baseando-nos nisso, podemos pensar no caso dos meninos e jovens que se engajam no tráfico, não só para financiar seus gastos com drogas, mas, principalmente, para obter renda. O terceiro nexo entre drogas e crimes violentos, e provavelmente o mais relevante para este estudo, é a definição de violência sistêmica, que consiste na relação entre os próprios traficantes e entre os traficantes e seus respectivos consumidores. O conceito “sistêmico” está calcado no fato de que a violência faz parte da natureza estratégica de como o tráfico se operacionaliza, uma vez que disputas territoriais, dívidas não pagas ou desentendimentos em gerais são resolvidos com crimes violentos, em incontáveis casos, na eliminação física do opositor – homicídio. Segundo Goldstein, em uma amostra de 414 casos de homicídios relacionados a drogas em registros policiais norte-americanos, constatou-se que 75% deles envolviam eventos no mercado ilegal de drogas (VIAPIANA, op. cit.). É a partir daí que surge nosso interesse em examinar a influência do uso e tráfico de drogas ilícitas sobre as taxas de homicídios. 10

Viapiana (op. cit.), citando Sara Markowitz, nota que vários estudos destacam que os efeitos biológicos e psicológicos do consumo de drogas realmente tornam os indivíduos mais propensos a crimes violentos. Esses trabalhos apontam que pequenas doses de cocaína tendem a estimular o comportamento agressivo. O uso da maconha, por outro lado, em um curto prazo possui efeito relaxante; entretanto, em um longo prazo, o consumo frequente pode levar a condutas mais violentas.

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Santos e Kassouf, em um trabalho pioneiro no Brasil, em 2007, examinaram a relação entre drogas ilícitas e crimes letais, sem restringir-se, contudo, à faixa etária jovem. Encontram uma relação positiva e significativa em suas evidências empíricas. Seguindo esses autores, tentamos lançar luz acerca do impacto do mercado de drogas ilícitas sobre a taxa de homicídios, especificamente a juvenil. Nessa direção, podemos levantar algumas razões pelas quais um mercado de drogas mais amplo afeta positivamente a criminalidade. Em primeiro lugar, traficantes não podem recorrer aos meios legais a fim de que um contrato seja respeitado. Sendo assim, o meio mais comum de garantir a respeitabilidade de uma negociação é a violência, o que pode ser feito tanto por crimes contra a pessoa (como assassinatos e lesões) quanto contra o patrimônio (roubos e extorsões). No caso de consumidores devedores, estes acabam pagando com a vida. Em segundo lugar, crimes violentos, como torturas e homicídios, são instrumentos usuais pelos quais as gangues criam “barreiras de entrada” à concorrência em seu território, sob a hipótese de que o tráfico funciona como monopólio. Uma gangue só tem o domínio de um território (comercial) com a eliminação física da outra. Evidentemente, a grande disponibilidade de armas para jovens sem perspectivas facilita a proliferação de crimes letais. Mais ainda, o constante conflito com a polícia é outro canal pelo qual o mercado de drogas afeta a criminalidade. Por fim, pressupomos que viciados em drogas estão mais propensos a roubar ou matar a fim de sustentar os seus vícios e, além disso, sob o efeito de drogas, o indivíduo tende a se tornar mais violento, podendo perder a racionalidade e, portanto, ser mais suscetível a executar um homicídio. Feita a discussão minuciosa sobre as variáveis eleitas como possíveis determinantes, o Quadro 1 apresenta um sumário das variáveis apresentadas anteriormente e seus respectivos sinais esperados. Quadro 1 Variáveis explicativas para a criminalidade Variável

Indicador

Renda média das famílias Retorno esperado Probabilidade de sucesso Gastos em segurança pública Urbanização Custo de ingresso

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Sinal esperado Positivo Negativo Positivo

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Grau de insatisfação (w*- w)

Desigualdade de renda

Vulnerabilidade juvenil

Jovens fora da escola (ociosidade) Positivo

Outras variáveis explicativas

Positivo

Pobreza

Positivo ou negativo

Desemprego

Positivo ou negativo

Famílias monoparentais (desorganização social)

Positivo

Gastos em educação e cultura

Negativo

Juventude masculina

Positivo

Delitos envolvendo drogas ilícitas Positivo Fonte: Elaboração própria.

3 ESTRATÉGIA EMPÍRICA 3.1 DADOS E FONTES DE INFORMAÇÕES Os dados utilizados neste estudo são originários de diferentes fontes de informação. A série estatística da variável dependente, taxa de homicídios, poderia ser extraída da Senasp; no entanto, não teríamos a possibilidade de restringir o corte por idade11. Sendo assim, optamos por utilizar a taxa de homicídios, entre jovens de 15 a 29 anos de idade, por 100 mil habitantes, advinda do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), ligado ao Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), do qual ainda extraímos as informações relativas à população masculina. Além disso, como sustenta Kume (2004, p. 10), acreditamos que a base de dados do SIM/Datasus “permite medir a criminalidade do país com um grau maior de homogeneidade e confiabilidade em relação aos óbitos dos registros de ocorrência policial de cada estado”. O horizonte temporal, vale ressaltar, foi escolhido de acordo com a disponibilidade dos dados existentes no Brasil. Somente para este período, 2001 a 2005, existem todas as informações necessárias para a análise. Para 2006, já existem quase todos os dados utilizados, com exceção 11

A Senasp só divulgou dados sobre as ocorrências de crimes por faixa etária a partir de 2005. Isso limitaria muito o horizonte temporal requerido para nossa análise.

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da taxa de delitos envolvendo drogas ilícitas, que até o momento da elaboração deste trabalho a Senasp não havia divulgado. As informações relativas aos gastos em segurança pública e em educação e cultura foram retiradas do banco de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipeadata), que disponibiliza, entre inúmeras séries, dados do Boletim de finanças públicas do Brasil, elaborado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN)12. Esses números se referem a todas as despesas públicas dos governos estaduais dentro das unidades da federação. Obtivemos, também por intermédio do Ipeadata, microdados, já trabalhados, referentes ao índice de Gini e à porcentagem de domicílios pobres em cada estado. A série estatística com a taxa de delitos envolvendo drogas ilícitas por 100 mil habitantes é proveniente da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp). As demais séries estatísticas, acerca das características socioeconômicas, foram construídas com a utilização de microdados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (Pnad), de 2001 a 2005, divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Quadro 2 apresenta a descrição de cada variável utilizada nas estimações, com sua respectiva terminologia, e ainda indica a proveniência dos dados. Quadro 2 Descrição e fontes das variáveis utilizadas Terminologia

Definição da variável

Fonte de informação

homic

Taxa de homicídios entre jovens de 15 a 29 anos de idade por 100 mil habitantes

SIM/Datasus

rendapc

Renda real per capita domiciliar deflacionada

Pnad

segpub

Gastos em segurança pública por 100 mil habitantes deflacionados

Ipeadata/STN

urban

Percentual de população urbana

Pnad

desig

Coeficiente de Gini de renda

Ipeadata/Pnad

12

Os dados de população utilizados para normalizar as séries de gastos com segurança e educação foram os mesmos aplicados à taxa de homicídios e delitos envolvendo drogas. As variáveis monetárias foram deflacionadas pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), concebido pelo IBGE.

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ocio

Percentual da população de 7 a 22 anos de idade que não frequenta a escola ou faculdade

pobres

Porcentagem de domicílios abaixo da linha de pobreza Ipeadata/Pnad

desem

Taxa de desemprego entre pessoas a partir de 15 anos de idade

Pnad

fam_mon

Número de famílias monoparentais com pelo menos um filho no domicílio

Pnad

g_educa

Gastos em educação e cultura por 100 mil habitantes deflacionados

Ipeadata/STN

jovemh

Proporção de homens, com 15 a 29 anos de idade, na população total

Datasus

droga

Taxa de delitos envolvendo drogas ilícitas por 100 mil habitantes*

Senasp

Pnad

Nota: Todas as informações se referem aos anos compreendidos entre 2001 e 2005. * Segundo a Senasp, os dados de delitos envolvendo drogas ilícitas são relativos às infrações de porte, uso e/ou tráfico de drogas. Fonte: Elaboração própria.

Na sequência, o Quadro 3 mostra como cada um dos indicadores foi construído com base nos dados disponíveis. Quadro 3 Dicionário de variáveis utilizadas Variável droga* homic rendapc

segpub urban desig ocio

Cálculo das variáveis Número de ocorrências policiais de uso, porte ou tráfico de drogas ilícitas por 100 mil habitantes Número de óbitos decorrentes de homicídios na população entre 15 a 29 anos de idade por 100 mil habitantes Renda real per capita domiciliar, com valores expressos em Reais (R$) de 2005, deflacionados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) Total de gastos em segurança pública por 100 mil habitantes, em cada estado, com valores expressos em Reais (R$) de 2005, deflacionados pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) População da área urbana sobre a população total Coeficiente de Gini de renda População de 7 a 22 anos que não frequenta o ensino fundamental, médio ou superior sobre a população total de 7 a 22 anos

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pobres desem fam_mon g_educa jovemh

Número de domicílios abaixo da linha de pobreza sobre total de domicílios Porcentagem de pessoas com 15 anos de idade ou mais desocupadas. Até o ano de 2003, informações não disponíveis para a área rural de RO, AC, AM, RR, PA e AP Número de famílias monoparentais com pelo menos um filho no domicílio Total de gastos com educação e cultura por 100 mil habitantes, em cada estado, com valores expressos em Reais (R$) de 2005, deflacionados pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) População do sexo masculino com 15 a 29 anos de idade sobre a população total

Nota: Todas as informações se referem aos anos compreendidos entre 2001 e 2005, segundo a unidade da federação. Os dados de população (projeções do IBGE) utilizados para normalizar as séries de gastos com segurança e educação foram os mesmos aplicados à taxa de homicídios e delitos envolvendo drogas. * Segundo a Senasp, os dados de delitos envolvendo drogas ilícitas são relativos às infrações de porte, uso e/ou tráfico de drogas. Fonte: Elaboração própria.

3.2 ESTATÍSTICAS DESCRITIVAS A seguir, apresentamos a Tabela 5, que sintetiza as principais estatísticas relevantes para a análise descritiva de todas as variáveis, listadas de acordo com a terminologia estabelecida no Quadro 2. Tabela 5 Resumo das estatísticas das variáveis, nos estados brasileiros entre 2001 e 2005 Variável homic (taxa) rendapc (em reais) segpub (em reais) urban (%) desig (Gini) ocio (%)

34

Máximo

Mínimo

Média

Mediana

Desviopadrão

Coeficiente de variação

118.30

14.50

48.80

41.65

26.12

0.54

765.19

234.71

436.45

392.37

144.16

0.33

264237.50 20.81

28525.66 5984.61

62122.25

2.18

96.45 0.62 31.76

78.21 0.56 26.03

8.57 0.03 1.93

0.11 0.06 0.07

62.45 0.46 21.37

77.92 0.56 25.78

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pobres (%) desem (%) fam_mon (n° total) g_educa (em reais) jovemh (proporção)

65.13 19.47

10.07 3.95

39.00 8.77

42.42 8.62

15.53 2.70

0.40 0.31

2471.00

75.00

770.58

376.50

695.77

0.90

droga (taxa)

647846.90 667.72

61190.10 13540.36 142237.20 2.32

0.16

0.13

0.14

0.15

0.01

0.05

92.50

0.00

31.34

23.73

25.19

0.80

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados trabalhados.

Ao observar a Tabela 5, percebemos que a taxa média de homicídios entre jovens de 15 a 29 anos de idade por 100 mil habitantes, no Brasil, entre 2001 e 2005, é cerca de 50, e o valor mediano desses crimes também se mostra consideravelmente elevado, em 42. Esses números, quando comparados à média de homicídios brasileira entre todas as faixas etárias, 28 por 100 mil habitantes, trazem novamente à tona a comprovação estatística do fato de que tal fatalidade é muito superior entre os jovens. O estado do Rio de Janeiro, em 2002, apresentou a taxa máxima de homicídio juvenil no período observado (118 homicídios por 100 mil habitantes), ao passo que, em 2001, Santa Catarina detivera uma taxa infimamente inferior (aproximadamente 15 homicídios por 100 mil habitantes). A taxa média de crimes associados a drogas ilícitas, por 100 mil habitantes, é inferior à de homicídios juvenil no país, porém, superior à taxa de homicídios global. Ainda na Tabela 5, o coeficiente de variação é relativamente alto (0,80), o que sugere certa variabilidade de ocorrências desses delitos entre os estados brasileiros. Com relação ao mínimo observado, Roraima, em 2001, e Sergipe, em 2004 e 2005, declararam possuir números irrisórios desse tipo de delito (atingindo a marca do zero). Entretanto, não devemos descartar a possibilidade de falta de registros junto às autoridades estaduais. Mato Grosso do Sul, em 2004, possuía o número máximo de agravos envolvendo drogas (92,50 delitos relacionados a drogas por 100 mil habitantes), enquanto São Paulo, em 2003, apresentava a segunda maior taxa (92,05). Os gastos públicos com segurança pública e com educação e cultura variaram de forma grandiosa entre os estados nos anos compreendidos

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entre 2001 e 2005. Foram as variáveis explicativas que apresentaram os maiores coeficientes de variação no período, ambos próximos a 2. Como era coerente esperar, gastos em educação e cultura superam o dispêndio público em segurança, todavia, apresentam maior discrepância de montante investido entre os estados da União. O estado que menos investiu em segurança pública, ao longo do período, foi o Piauí, que em 2004 despendeu 20 mil e 800 reais por 100 mil habitantes. Sergipe, nesse mesmo ano, apresentou os gastos mínimos com educação e cultura (cerca de R$ 670 mil para cada 100 mil habitantes). A estatística da variável relativa à vulnerabilidade juvenil indica um quadro preocupante. Na média, 26% dos jovens brasileiros, entre 7 e 22 anos de idade, não são assíduos à escola e, de alguma forma, podem ser considerados ociosos13. No que entendemos como uma face da ociosidade, as taxas de abstenção escolar não variam muito entre o ponto máximo e mínimo, com coeficiente de variação próximo de zero e com medidas de média e mediana muito semelhantes. Os jovens em idade escolar do Espírito Santo foram os que mais se abstiveram das salas de aula entre 2001 e 2005, alcançando o nível de 32%. Na Tabela 6, exibimos as correlações simples entre as variáveis dependente e independente dos modelos a serem estimados proximamente. A ociosidade escolar mostra-se positivamente relacionada com as duas variáveis de crime. Ponto importante a se destacar é a relação positiva entre crimes associados a uso, porte e consumo de drogas e a ocorrência de homicídios entre jovens de 15 a 29 anos. Aliás, quase todas as variáveis explicativas relacionam-se, com sinais dentro do esperado, com as taxas de homicídio juvenil. Interessante notar a forte correlação entre a renda per capita familiar e os delitos associados às drogas ilícitas, perfeitamente como aguardado. Da mesma maneira, relaciona-se urbanização com as taxas de crime. Divergentes, alguns sinais fogem completamente ao que esperávamos com base na teoria econômica. Por exemplo, a correlação negativa entre a juventude masculina e as taxas de crime. A relação direta entre gastos em educação e cultura com as taxas de criminalidade, embora inesperada em um primeiro momento, pode ser justi13

Consideramos, aqui, ausência escolar apenas como uma das faces da ociosidade, uma vez que ociosidade, propriamente dita, refere-se ao fato de não estudar e não trabalhar concomitantemente.

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ficada por sua positiva correlação com a renda per capita, a qual se relaciona diretamente com as duas modalidades de crime. A variável de dissuasão, gastos com segurança pública, também não apresentou correlação negativa com as variáveis de crime, algo que, em certa medida, não consideramos tão inusitado como resultado, devido à possível presença de endogeneidade. Tabela 6 Matriz de correlações simples entre as variáveis droga segpub homic rendapc desem desig urban pobres fam_mon g_educa ocio jovemh droga

1.00

segpub

0.65

1.00

homic

0.12

0.02

1.00

rendapc 0.79

0.57

0.34

1.00

desem

-0.06

0.05

0.45

0.04

1.00

desig

-0.39 -0.19

0.12

-0.42

0.02

urban

0.53

0.47

0.70

0.33 -0.37 1.00

pobres

-0.77 -0.41 -0.21

-0.88

0.06

0.64 -0.71

1.00

0.39

1.00

fam_mon 0.47

0.56

0.22

0.37

0.21 -0.02 0.37

-0.23

1.00

g_educa 0.62

0.98

0.02

0.55

0.07 -0.17 0.38

-0.37

0.53

1.00

ocio

0.07

0.05

0.21

0.04

-0.19 0.08 0.01

-0.11

0.19

0.02

1.00

jovemh

-0.55 -0.48 -0.20

-0.60

0.12

0.49

-0.40

-0.43

-0.18

0.14 -0.51

1.00

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados trabalhados.

Os Gráficos 4 e 5 ilustram a distribuição espacial das duas modalidades de crimes em análise, sobressaltando a grande heterogeneidade da criminalidade entre os estados da União. O Gráfico 4 revela a distribuição do número total de homicídios entre jovens, com 15 a 29 anos de idade, normalizado em relação ao tamanho da população de cada estado. O Rio de Janeiro (RJ) desponta com alarmante taxa média próxima de 100, referente ao período de 2001 a 2005. O Piauí (PI), que na distribuição seguinte apresenta irrisória taxa média de crimes associados a drogas, coloca-se na segunda posição no que diz respeito a homicídios da população jovem. A situação é extremamente preocupante, e surpreende ainda mais, quando confrontada à média nacional do período, 49.

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Gráfico 4 Taxa média de homicídios entre jovens, com 15 a 29 anos de idade, por 100 mil habitantes, entre 2001 e 2005, por estado brasileiro 120

100

80

60

40

20

0

SC PR MA RN TO BA PB AP CE RO PA MT AC GO SP RS MS PE MG RR SE AL AM ES PI RJ

Nota: A linha horizontal, na cor laranja, refere-se à média nacional do período. Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da Senasp. Ministério da Justiça.

No Gráfico 5, apresentamos a distribuição do número total de delitos envolvendo drogas ilícitas por 100 mil habitantes. À primeira vista, mostra-se soberana a liderança do estado paulistano (SP) nesse ranking. Pouco atrás, colocam-se Rio Grande do Sul (RS) e Mato Grosso do Sul (MS), que assume a terceira colocação, possivelmente, devido ao tráfico internacional de drogas presente na sua fronteira com a Bolívia e o Paraguai e plantios de maconha existentes em seu território. Em seguida, aparecem Minas Gerais (MG) e Rio de Janeiro (RJ), que, curiosamente, não assumiu posição de líder. O porquê de o estado fluminense não liderar essa estatística possivelmente está por trás do fato de que o narcotráfico existente ali seja predominantemente varejista, e, consequentemente, leve a menores apreensões em volume ou menores ocorrências, por ser feito de forma mais clandestina. No entanto, não temos dúvida de que o Rio de Janeiro, infelizmente, tenha posição de relativa liderança nessa distribuição.

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Gráfico 5 Taxa média de delitos envolvendo drogas ilícitas por 100 mil habitantes, entre 2001 e 2005, por estado brasileiro 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 AP PI PE AL MA PB CE RR PA TO RN MT BA AM ES PR AC GO SC RO RJ MG MS RS SP

Nota: A linha horizontal, na cor laranja, refere-se à média nacional do período. Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do SIM/Datasus. Ministério da Saúde.

Outra razão que provavelmente esteja contribuindo para a quinta colocação do Rio de Janeiro nesse ranking é a subnotificação desses crimes e delitos no estado. Especialmente na cidade carioca, a existência de grande número de favelas em morros dificulta a ação policial e o poder paralelo do tráfico desestimula denúncias, ao coibir a população local com ameaças constantes de morte e outros mecanismos cruéis como o “micro-ondas”, um improvisado forno crematório onde pessoas são queimadas vivas entre pneus quando delatam um fato criminoso. Além disso, a corrupção policial é facilitada, pois tudo fica encoberto e fora do controle social (o asfalto). Embora haja divergências entre os números e as taxas apresentados pelo Ministério da Saúde (SIM/Datasus) e a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), é importante observar os últimos dados disponíveis. A Senasp divulgou dados mais recentes sobre homicídios dolosos ocorridos em 2008. Como revela a Figura 1, não podemos afirmar que existe uma concentração espacial dessas ocorrências nas grandes regiões, parecendo um problema muito mais particular ao estado do que regional. Ao desconsiderar o corte etário da população, Alagoas e Pará detêm as maiores taxas de homicídio doloso no Brasil. Rio de Janeiro e Pernambuco apresentam taxas menores nesse caso.

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Figura 1 Mapa da incidência da taxa de homicídio doloso por 100 mil habitantes no Brasil, por UF – 2008

Diferentemente, no mapa de ocorrências de delitos envolvendo drogas ilícitas, em 2005, podemos observar uma concentração espacial, em termos de taxas por 100 mil habitantes. Isto é, a frequência das taxas praticamente muda de acordo com as grandes regiões, seguindo uma lógica de posição entre as fronteiras14.

14

Na Figura 2, Acre e Paraná não possuem informações, uma vez que esses estados não reportaram seus dados à Senasp naquele ano.

40

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Figura 2 Mapa da incidência da taxa de delitos envolvendo drogas ilícitas por 100 mil habitantes no Brasil, por UF – 2005

3.3 ESPECIFICAÇÃO ECONOMÉTRICA A estratégia empírica deste estudo consiste na utilização de técnicas de estimação com painel de dados composto pelos estados brasileiros entre os anos de 2001 a 2005. Justificamos seu uso porque tais técnicas permitem amenizar problemas econométricos, presentes em grande parte dos trabalhos nessa área, como endogeneidade das variáveis explicativas e erros de medida provenientes das altas taxas

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de sub-registro de crimes15. Dessa forma, os dados selecionados para estimar a influência das diversas variáveis socioeconômicas sobre a criminalidade são do tipo longitudinal16. A estrutura básica do nosso modelo de regressão da seguinte forma: yit = x’itβ + zi’α + εit

(1) onde yit é a variável dependente do modelo, representada pela oferta de crimes praticados, e xit representa o vetor de variáveis explicativas17. Ambas as variáveis mudam entre os estados brasileiros, com i variando de 1 a 26, e ao longo do tempo, no ano t (t = 2001, 2002,..., 2005). A heterogeneidade, ou efeito individual de estado, é representada por zi’α, em que zi contém um termo constante e um conjunto de variáveis específicas de estado, que podem ser observadas, ou não, para todos os estados. β e α são vetores de coeficientes a serem estimados, e εit são os erros aleatórios típicos. Devemos enfatizar que este estudo, bem como todos os outros que trabalham com dados criminais, sofre com a assimetria de informação reportada às autoridades oficiais competentes. Nos anos de 2004 e 2005, o estado do Paraná não reportou seus dados referentes a delitos envolvendo drogas à Senasp. Portanto, optamos por excluir da nossa série a unidade paranaense nesses respectivos anos, e por esse motivo temos um painel desbalanceado, com 128 observações. Lembramos que, como estamos analisando as ocorrências criminais em nível estadual, não incluímos informações do Distrito Federal neste Painel. O controle pela heterogeneidade não observável de estados nesse modelo justifica-se por diversas razões. Primeiramente, podemos considerar a taxa de sub-registro como um efeito de estado não observável, ao supor que a probabilidade de denúncia de um tipo de crime sofrido esteja condicionada às características socioeconômicas da vítima, como nível de escolaridade, gênero, local do domicílio e até mesmo o grau de parentesco com o seu agressor. Além disso, a decisão 15

Como exposto na seção 2, algumas variáveis explicativas como renda, gastos em segurança pública, pobreza e desemprego são passíveis do problema de endogeneidade. 16 Ver Santos e Kassouf (2007b) e Kume (2004). 17 Existem K variáveis exógenas em xit, excluindo o termo constante.

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de denunciar (ou não) pode estar relacionada à confiança da população nas autoridades policiais, cuja produtividade depende dos gastos públicos em segurança (SANTOS; KASSOUF, 2007b). Dessa maneira, o uso de métodos de estimação, que levam a heterogeneidade não observada em consideração, permitiria controlar pelo menos a fração de erro de aferição que está relacionada com fatores relativamente estáveis no tempo, tal como a eficiência das instituições. Em segundo lugar, por mais que haja o controle de alguns determinantes de custos morais (como, por exemplo, a desigualdade de renda, que pode representar um tipo de insatisfação monetária do criminoso, e o grau de instrução), devemos apontar a existência de características culturais relativamente estáveis no tempo e, talvez, imensuráveis, que fazem com que alguns estados apresentem taxas de crime maiores que outros. Entre esses fatores, podemos citar a maior ou menor predisposição a resolver problemas interpessoais violentamente, disparidades no consumo de bebidas alcoólicas, diferenciado grau da presença de atividades ilegais, consideravelmente lucrativas, como o tráfico de drogas, a existência de conflitos associados à posse de terra, e assim por diante (LOUREIRO, 2006). Especificamente, explicando homicídios de jovens, teremos: ln homici,t = ln β1rendapcit +ln β2segpubit +ln β3urbanit + ln β4desigit + ln β5ocioit + ln β6pobresit + ln β7desemit +ln β8fam_monit +ln β9g_ educait +ln β10jovemhit + ln β11drogait + zi’α + εit (2) onde homic é a variável dependente do modelo, no estado brasileiro i e no instante t. β1 a β11 são os vetores de coeficientes a serem estimados; e adicionamos β12 na tentativa de investigar a influência de delitos envolvendo drogas ilícitas sobre os homicídios ocorridos entre jovens de 15 a 29 anos de idade. O motivo da inclusão do termo zi’α de heterogeneidade não observada já fora explicado previamente18. Por fim, εit representa o termo de distúrbio aleatório típico. Seguindo a literatura empírica da área, optamos por utilizar os logaritmos naturais das variáveis de interesse, com o propósito de facilitar 18

Adiante, testamos a real necessidade de incluir esse termo na modelagem econométrica.

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as interpretações dos coeficientes, uma vez que os parâmetros estimados serão compreendidos como a medida da elasticidade da variável dependente em relação à explicativa. 3.4 TESTES ESPECÍFICOS A fim de testar se a heterogeneidade não observada está realmente presente no modelo a ser estimado, como sugerimos através da especificação do modelo empírico do crime na Equação 2, realizamos alguns testes específicos. O primeiro teste, aplicado aos modelos de Regressão Pooled, é o Teste de White, baseado na distribuição Quiquadrado. Uma vez aplicado o teste, nesse modelo, não podemos rejeitar a hipótese nula, logo os resíduos podem ser homocedásticos, e, dessa forma, podemos trabalhar com o modelo de estimação por Mínimos Quadrados Ordinários (Regressão Pooled)19. O segundo teste que poderíamos aplicar ao modelo com Efeitos Aleatórios é o Multiplicador de Lagrange Breusch e Pagan20, que tem por hipótese que a presença de efeitos de estados não observáveis afeta as taxas de crimes dos estados brasileiros. Analogamente, poderia ter sido aplicado o teste F (Chow) aos modelos com Efeitos Fixos, que compara o estimador de MQO agrupado com o de Efeitos Fixos. 4 RESULTADOS: AFINAL, O QUE EXPLICA OS HOMICÍDIOS DE BRASILEIROS COM 15 A 29 ANOS DE IDADE? Foram utilizados os métodos mais usuais de estimação com painel de dados, preponderantes também em estudos de Economia do Crime: Regressão Pooled, Efeitos Aleatórios, Efeitos Fixos, este mais largamente aplicado21. Com base na Tabela 7, podemos analisar o impacto de cada uma das variáveis independentes sobre as taxas de homicídios entre jovens, 19

Os resultados desses testes encontram-se nos anexos. A hipótese nula desse teste é variabilidade igual a zero. Logo, se o p-valor indicar rejeição da hipótese nula, deve-se utilizar painel com efeitos aleatórios. 21 Esses três métodos econométricos são empregados para estimações do modelo representado pela Equação 2. 20

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por 100 mil habitantes. De imediato, percebemos que a variável de urbanização se revelou com significância estatística e coeficiente positivo nos três modelos analisados. O sinal do coeficiente relativo à estimativa de urbanização, agora, está de acordo com a expectativa teórica de que quanto maior o grau de urbanização das regiões, maior a facilidade de delinquir. Nossas evidências corroboram os resultados obtidos por Mendonça (2000) e Santos e Kassouf (2007b), através do modelo de racionalidade econômica, bem como a percepção sociológica de Paixão (1983), apontando que rápidos processos de crescimento urbano contribuem para o incremento nas taxas de criminalidade. Segundo o autor, a elevação do grau de urbanização, de forma acelerada, provoca fortes crescimentos migratórios, que culminam na concentração de grandes massas isoladas nas áreas periféricas dos centros urbanos, sob condições de extrema pobreza e desorganização social e expostas a novos comportamentos e aspirações mais elevados, inconsistentes com as alternativas institucionais de satisfação disponíveis. Assim, aludindo às teorias de desorganização social e anomia22, essa disjunção entre o desenvolvimento urbano e a adequação das pessoas às cidades tende a provocar formas de organização social que favorecem o surgimento de elevadas taxas de criminalidade e violência. Embora a taxa de urbanização tenha apresentado significância estatística entre os resultados dos três métodos de estimação, as estimativas das demais variáveis não se mostraram robustas em todos eles. A maior parte delas só encontra resultados robustos por meio do método Pooled, o que está inteiramente de acordo com o indicado pelo teste de White. O método com Efeitos Aleatórios gera coeficientes significativos somente para as variáveis de urbanização, como dito anteriormente, e gastos em educação. No terceiro método estimado, Efeitos Fixos, a outra variável significativa é o número de famílias monoparentais, cujo coeficiente, contudo, não mostra sinal de acordo com o esperado. Assim, confrontando-se com o que a literatura específica sobre o tema prevê, utilizando esse método de análise não encontramos evidências de que a instabilidade (ou desagregação) familiar explica essas mortes violentas. 22

Para um maior entendimento da Teoria da Anomia, de Robert Merton, ver Cerqueira e Lobão (2004) e Viapiana (2006).

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A variável de drogas ilícitas, fugindo por completo do previsível, não obteve significância estatística, e seu coeficiente estimado apresentou sinal negativo nos três tipos de modelo, a despeito da correlação positiva entre homicídios e drogas ilícitas (0,12)23. Essa estimativa indica que não podemos dizer, estatisticamente, que o mercado ilegal de drogas influencie as taxas de homicídios envolvendo adolescentes e jovens adultos, o que não é coerente com o fato estilizado do tema. Diferentemente, Santos e Kassouf (2007b), utilizando taxas de crimes letais entre todas as faixas etárias provenientes da Senasp, encontram evidências que corroboram a influência desse mercado sobre os homicídios24. Interessante notar que metade das estimativas obtidas com base no método de Regressão Pooled apresentou significância estatística e os sinais esperados, confirmando as respectivas expectativas. A variável de gastos com segurança pública, cujo coeficiente foi novamente positivo, foi a exceção25. O coeficiente estimado para a variável renda apresentou sinal de acordo com o esperado, além de uma magnitude razoavelmente elástica. Em vista disso, um aumento da renda per capita conduz a maior incentivo para o cometimento de homicídios entre a população jovem, tendo em vista a percepção, por parte dos delinquentes, da elevação do retorno esperado nessa prática de crime. Isso reforça a dedução do caráter econômico dessas infrações. Tornando a influência do caráter econômico sobre a criminalidade cometida por jovens ainda mais notória, a variável de desemprego obtém coeficiente com significância estatística, no primeiro método. A mesma evidência empírica obtiveram aqueles que buscaram exa23

Ver Tabela 6. A despeito desse resultado, avaliamos necessário frisar a diferença em relação à escolha de variáveis dependentes entre o modelo analisado por Santos e Kassouf (2007b) e o do presente estudo. Apesar de utilizarmos a mesma metodologia, ao observar os três tipos gerais de modelos com dados em painel, a diferente seleção da variável endógena, bem como das exógenas, faz com que os resultados encontrados sejam substancialmente diferentes. Tendo isso em vista, não é de se estranhar muitos resultados opostos. 25 Loureiro (2006) investigou o impacto dos gastos com segurança pública e dos gastos em assistência social sobre quatro categorias específicas de crime: homicídio, roubo, furto e sequestro. Os gastos com segurança pública, mesmo com a endogeneidade levada em consideração, não geraram qualquer efeito de dissuasão consistente sobre o crime no Brasil. 24

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minar os determinantes da criminalidade juvenil, Fleisher (1968), Levitt (1998), Mocan e Rees (1999) e Guimarães (2009). Por razões já discutidas anteriormente, maiores níveis de desemprego vão influir diretamente nas taxas de homicídios de jovens. Com a realização do corte etário de 15 a 29 anos, é possível comprovar, por meio da utilização de Mínimos Quadrados agrupados, a tese de que a vulnerabilidade juvenil, no que se refere à ausência escolar, exerce influência sobre a ocorrência de homicídios nessa faixa etária. Com efeito, é preciso avaliar a importância da frequência escolar como efeito dissuasório de crime juvenil e, em vista disso, a implementação de políticas de incentivo a fim de manter esses jovens dentro da escola e deixá-los afastados da ociosidade. Em concordância a essa evidência empírica, soma-se a constatação de que incrementos em gastos com educação e cultura têm impacto redutor nas taxas de homicídios desses indivíduos, obtida por meio das estimações com Regressão Pooled e com Efeitos Aleatórios. Ressalta-se, portanto, a extrema relevância da educação, em diferentes formas, para a vida dos jovens, especialmente aqueles carentes de oportunidades. Tabela 7 Estimativas dos determinantes das taxas de homicídios entre jovens de 15 a 29 anos de idade Variáveis Constante Drogas ilícitas Renda Gastos em segurança Urbanização Desigualdade Ociosidade

Modelos Regressão Pooled

Efeitos Aleatórios

Efeitos Fixos

-1.5230 0 -0.0338 0.499

-893.3390 0.289 -0.0448 0.226

-1.3550 0.153 -0.3335 0.388

1.0080 0* 0.1484 0,007* 1.5670 0.002*

0.1592 0.415 0.2933 0.337 3.1910 0*

0.2539 0.893 0.0069 0.802 5.5444 0*

1.1250 0.156 1.7832 0*

0.1993 0.75 0.5243 0.128

0.1624 0.787 0.5255 0.872

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0.3294 0.186 0.6340 0* -0.0224 0.588

-0.1501 0.942 -0.0056 0.955 0.1587 0.832

-0.1136 0.594 -0.0757 0.449 -0.4660 0.008*

N° de observações

-0.2569 0* 0.1985 0.792 128

-0.1519 0.003* 1.3860 0.222 128

-0.0814 0.42 1.4251 0.429 128

R2

0.6354

0.2363

0.3348

Pobreza Desemprego Famílias monoparentais Gastos com educação Juventude masculina

Notas: Todas as variáveis estão em logaritmos naturais; Valores p são apresentados abaixo dos respectivos coeficientes; Para os modelos de Efeitos Aleatórios e Efeitos Fixos é reportado o R2 "within groups". Fonte: Elaboração própria a partir dos resultados das regressões em Stata.

Apesar de aparentemente existir um consenso no tocante à relação entre desigualdade e crime, não encontramos evidências de que ela seja propulsora desta atividade, senão por meio da estimação do modelo alternativo, no qual excluímos a variável de renda per capita26. 26

Testamos, em alternativa, outra especificação do modelo, em que excluímos a variável renda per capita, devido à sua forte correlação com as demais variáveis, principalmente com a variável de pobreza (-0,88). Seguindo essa especificação, a variável de desigualdade de renda passa a deter significância ao nível de 5%, e seu coeficiente aumenta para 2, sugerindo um forte impacto do grau da “frustração” do consumo sobre esse tipo de crime. Mais uma vez, é válido observar a conexão da teoria econômica com a sociológica, especificamente a que trata da anomia. Ao passo que estudos internacionais divergem quanto à significância da distribuição de renda, nesse modelo específico (retirando-se a variável de renda per capita), dialogamos com os demais estudos nacionais que revelam bastante consistência nos resultados com impacto positivo da desigualdade sobre os homicídios medidos pelos registros de óbitos, tais como Mendonça (2000) e Cerqueira e Lobão (2003). Outro resultado encontrado, com essa especificação alternativa, foi uma significância estatística maior nas variáveis relativas à pobreza, através de todos os métodos de estimação. No entanto, os coeficientes das demais variáveis continuam com significância estatística e sinais similares aos dos modelos gerais.

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Existem, portanto, alguns aspectos que merecem ser considerados detalhadamente. Pode-se argumentar que não é a desigualdade de renda per se que afeta a criminalidade, mas sim outras características a ela associadas. Araújo Jr. e Fajnzylber (2001) sugerem ser possível que o relevante não seja o nível ou a estrutura da desigualdade, mas sim o padrão de mobilidade social, no sentido de que, se for muito difícil uma ascensão social via mercado de trabalho formal, esta será buscada por meio de atividades ilícitas. Analisando os resultados obtidos pelas estimações da Equação 2, o modelo da criminalidade, concernente a homicídios de jovens, parece ser bem explicado pela Teoria Econômica, uma vez que é latente a preponderância de variáveis substancialmente econômicas, como desemprego e gastos públicos em educação e segurança pública, como influentes desse tipo crime. Nesse modelo, bem como as variáveis estritamente econômicas, a vulnerabilidade juvenil, representada pela ausência escolar, impacta de forma significativa na criminalidade juvenil. De posse dessas evidências empíricas, faz-se primordial discutir como a sociedade civil e o Estado podem, e devem, contribuir para o estabelecimento da paz e para a geração de oportunidades futuras para crianças, jovens e brasileiros como um todo, que parecem estar fadados à violência e, muitas vezes, à vida breve. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS No Brasil, a insuficiência e, frequentemente, a baixa qualidade das informações disponíveis sobre criminalidade dificultam sobremaneira a elaboração de diagnósticos e investigação dos seus determinantes e consequências. Ademais, a maioria das pesquisas que investigam o tema no país refere-se às vítimas e não aos infratores, o que muito limita a análise do comportamento do criminoso. A vasta maioria dos estudos tem utilizado as taxas de homicídios por 100 mil habitantes obtida no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) como proxy para as tendências da criminalidade. Recentemente, a Secretaria Nacional de Segurança Pública implantou um sistema de informações que permite que outros tipos de crimes também sejam utilizados para mensurar a criminalidade. No entanto,

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o período de tempo para o qual essas informações encontram-se disponíveis é bem curto – 2001 a 2005 –, além de estas se encontrarem agregadas ao nível de estado. Apesar de toda a limitação de dados, empenhamos esforços em trabalhar com dados nacionais, ora com dados do SIM, ora com dados da Senasp. Embora as estatísticas criminais mostrem que a maioria das vítimas e dos infratores de homicídios é jovem e do sexo masculino, em geral, os principais estudos na área têm negligenciado o enfoque do grupo de risco. Nesse sentido, uma de nossas contribuições foi examinar as taxas de criminalidade sob um corte etário e com certo controle de suas vulnerabilidades. Neste trabalho investigamos os possíveis determinantes das taxas de criminalidade, relacionadas aos homicídios entre jovens, nos estados brasileiros entre os anos de 2001 e 2005. Utilizando a metodologia de dados em painel, a exemplo de estudos nacionais e internacionais que também procuraram analisar os determinantes socioeconômicos do crime, observamos que existe significativa influência da urbanização, pobreza, educação e desemprego sobre o comportamento do criminoso. Malgrado seja pouco recomendável fazer conclusões categóricas em estudos empíricos no âmbito das Ciências Sociais, com as quais dialogamos durante todo o andamento do presente estudo, as evidências aqui obtidas nos permitem tecer algumas considerações importantes que passamos a descrever. A primeira consideração a ser feita é a de que a teoria econômica pode ser extremamente útil para a investigação das causas da criminalidade e, por consequência, na busca de suas soluções. Com base nos resultados obtidos, foi possível observar que a urbanização afeta a criminalidade, robusta e positivamente. Esse resultado segue os encontrados na literatura, já que a quase totalidade dos trabalhos empíricos e teóricos dá ênfase à urbanização como um fator preponderante na explicação do crime. É muito importante observar como características sociais e econômicas mostram-se propulsoras das taxas de homicídio juvenil, explicitando a influência da motivação econômica sobre esses tipos de crime. A evidência encontrada mostra que a juventude parece responder racionalmente a incentivos, comparando seus custos e benefícios, tal

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como prediz a teoria de Gary Becker (1968). As características socioeconômicas do indivíduo, como a ausência à escola, a renda e o desemprego, confirmaram a literatura pertinente, indicando que essas variáveis influenciam os níveis de criminalidade. Os gastos com educação e cultura também se mostraram importantes determinantes para esse tipo de crime. Curiosamente, e fugindo do consenso sociológico, o mercado de drogas ilícitas parece não ter impacto sobre as taxas de homicídios, sendo, portanto, recomendável a continuidade desse exercício em trabalhos futuros. Uma conclusão que podemos extrair das evidências empíricas diz respeito ao impacto da educação sobre a criminalidade, seja ela relacionada aos gastos sociais nessa área, seja relacionada à frequência escolar. Esse resultado converge de certa forma com a literatura empírica, que se apoia na ideia de que quanto maior for o nível educacional do indivíduo, maiores serão as chances de reduzir as desigualdades sociais e de não reproduzir o ciclo da pobreza e carência de oportunidades, reduzindo, por consequência, a incidência de crimes. Contudo, é importante sublinhar que a relevância não está propriamente no montante investido nessa área pelo governo, mas sim no foco dos programas educacionais. Esses programas devem estar focalizados nas camadas mais propensas ao crime – crianças e jovens – com o apoio escolar e a promoção de esportes e atividades culturais como formas de reduzir a ociosidade, mantendo os alunos na escola e melhorando os indicadores de desempenho escolar. Dessa maneira, é possível que os gastos com educação sejam até mais eficazes para reduzir os níveis de criminalidade do que medidas repressivas no curto prazo. Com relação aos gastos com segurança pública, os resultados obtidos indicam que estes não se encontram diretamente correlacionados ao crime. Fora do esperado, essa variável não exerceu efeito negativo sobre a variável dependente, apesar de apresentar significância estatística em certo momento. Com esse resultado, portanto, não é possível dizer que ações ou políticas de repressão e detenção desempenham influência dissuasória sobre a criminalidade. Esses resultados, porém, não se apresentam definitivos. Estimativas sobre o efeito dos gastos públicos em segurança devem continuar sendo realizadas, de forma a observar se essas despesas estão sendo eficientes e, caso exista tal ineficiência, tentar localizar a razão do problema e buscar possíveis

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soluções. Uma interpretação alternativa sobre essa evidência, todavia, é que um maior dispêndio em segurança pública aumenta o conhecimento de homicídios, levando à maior notificação de ocorrências criminais. Existe, portanto, uma causalidade entre essas variáveis que deve ser investigada com mais profundidade. Apesar de a maioria das estimativas ter sido significativa (por meio do método MQO agrupado), confirmando, em grande medida, o predito pela Teoria Econômica do Crime, os resultados aqui obtidos devem ser encarados com cautela, em virtude da curta série de dados sobre a criminalidade disponível para os estados brasileiros. Não há motivos, entretanto, para se rejeitar a hipótese de que problemas no ambiente socioeconômico possuem efeitos significativos sobre o crime. Baseando-se nos resultados empíricos aqui obtidos, a urbanização, a educação, o desemprego e a falta de melhores oportunidades para os jovens colocam-se como questões centrais a serem resolvidas, no sentido de combater esse problema que aflige os estados brasileiros como um todo. Como vemos, a criminalidade, um fenômeno eminentemente masculino e juvenil, está diretamente ligada à consecução de políticas governamentais, principalmente no que se refere à geração de emprego, educação, segurança pública e ao combate da desigualdade. De fato, na última década e meia o país vem melhorando de forma substancial vários desses indicadores. O grau de desigualdade na distribuição de renda declinou e hoje é o mais baixo dos últimos trinta anos; o grau de pobreza também vem declinando de forma acelerada; o mesmo também se pode dizer com relação aos principais indicadores de saúde e educação, principalmente para a população mais jovem. Em suma, é inegável que o país vem melhorando os indicadores socioeconômicos de forma acelerada e contínua, mas esforços devem ser empreendidos para que essa trajetória permaneça, isto é, é preciso garantir a continuidade desse processo de melhoria desses indicadores. Além disso, é válido sublinhar o esforço do governo federal em associar medidas preventivas em educação e cultura com investimentos em segurança através do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), o que nos leva a ponderar que as políticas de combate ao problema vêm sendo, aparentemente, bem conduzidas e focalizadas nos grupos vulneráveis.

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Considera-se por meio desse estudo, portanto, a importância de melhores condições sociais e econômicas para a efetiva redução de níveis de criminalidade nos estados brasileiros. Ademais, com melhores fontes de informação, a fim de se reconhecer precisamente o problema, políticas públicas mais direcionadas e eficientes, e estudos e ações de prevenção, reduzirão a incidência de crimes. Em suma, medidas tanto governamentais quanto de iniciativa privada que gerem empregos e melhores oportunidades socioeconômicas, contribuindo para dissuasão da principal motivação da juventude para ação criminosa, de caráter econômico, fazem-se prioritárias e urgentes, não só para a redução das ocorrências criminais em si, mas também para o crescimento econômico do país e aumento do bem-estar social da população.

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ANEXOS 1 TESTE DE WHITE Ho: Resíduos homocedásticos chi2(1) = 0.50 Prob > chi2 = 0.4799

2 TESTE DE MULTIPLICADOR DE LAGRANGE BREUSCH-PAGAN Modelo

homic[unidade,t] = Xb + u[unidade] + e[unidade,t] Var

sd = sqrt(Var)

homic

.2674495

.5171552

r

.0176739

.1329431

u

.0828348

.2878103

Ho: Efeitos Fixos. Var(u) = 0 chi2(1) = 65.29 Prob > chi2 = 0.0000

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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA E O CONCEITO DE SOCIEDADE CIVIL EM GRAMSCI ESTRATÉGIAS PARA O ENFRENTAMENTO DA CRISE SOCIOAMBIENTAL Maria Jacqueline Girão Soares de Lima

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Neste artigo, apresento as principais tendências teórico-metodológicas do campo da Educação Ambiental, bem como as matrizes teóricas associadas à ideia de sociedade civil, relacionando ambas à compreensão e ao enfrentamento da crise socioambiental. Assumo minha opção política pela Educação Ambiental crítica e pela matriz gramsciana de sociedade civil e discuto o potencial que ambas apresentam para o enfrentamento da questão socioambiental e seus desdobramentos no que se refere à Educação Ambiental. Ilustro minha discussão com reportagens sobre meio ambiente provenientes de fragmentos de artigos e textos jornalísticos de “suplementos ambientais” dos dois principais jornais cariocas, buscando identificar a perspectiva com a qual seus autores trabalham ao se referirem à ideia de sociedade civil, bem como a(s) vertente(s) teórico-metodológica(s) da Educação Ambiental à qual se filiam. Concluo destacando a necessidade de explicitação tanto do que se entende por sociedade civil quanto por Educação Ambiental, no que tange à compreensão, ao enfrentamento e à busca de soluções para a complexa, urgente e inadiável crise socioambiental. Palavras-chave: educação ambiental crítica; sociedade civil; crise socioambiental

In this article, I present the main theoretical tendencies of Environmental Education Field, as well as the theoretical tendencies associated to the idea of civil society in relation to the facing of the social environmental crisis. I assume my political option for the critical Environmental Education and for the Gramsci idea of civil society, by discussing the potential that both perspectives have to solve environmental problems and its implications to Environmental Education. I light up my discussion with environmental reports that came from environmental sections from the two main newspapers of Rio de Janeiro, and I try to identify, in these journalistic essays, the theoretical perspective of civil society and Environmental Education brought by its authors. I conclude by highlighting the necessity of setting out the conception of civil society and Environmental Education used for the understanding, facing and searching of solutions to the complex, urgent and non postponing environmental crises. Key words: critical environmental education; civil society; environmental crisis

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INTRODUZINDO A PROBLEMÁTICA O cenário histórico-social atual parece ser caracterizado pelo movimento de um ambientalismo pró-ativo e outro, reativo. Enquanto o primeiro chega a estruturar ações junto ao Estado com vistas à redistribuição das condições de vida e justiça ambiental, o outro tende a buscar consequências imediatas não considerando as causas políticoeconômicas das distorções no que se refere ao uso ético dos recursos do meio ambiente (ARAÚJO, 2005, p. 195).

O debate sobre as questões socioambientais da atualidade ocupa praticamente todos os fóruns públicos e privados de discussão no Brasil e no mundo. Em grande parte atrelado ao fenômeno mundial da globalização1, esse debate comporta uma ampla variedade de temas, dentre os mais comuns: mudanças climáticas, consumo, desigualdades sociais, água, energia(s), mercado de créditos de carbono etc. Entre perplexos e assustados, temos assistido a furacões2, terremotos, secas, enchentes e degelos atingirem populações humanas em escala mundial. Apesar de se tratar de fenômenos naturais, inúmeras pesquisas alertam que sua frequência e/ou intensidade podem estar relacionadas à degradação ambiental; contudo, até o início dos anos 1

De acordo com Houaiss, Villar e Franco (2001), globalização, do ponto de vista sociológico, é um “processo pelo qual a vida social e cultural nos diversos países do mundo é cada vez mais afetada por influências internacionais em razão de injunções políticas e econômicas”; em termos de economia política, traduz-se por um “intercâmbio econômico e cultural entre diversos países, devido à informatização, ao desenvolvimento dos meios de comunicação e transporte, à ação neocolonialista de empresas transnacionais e à pressão política no sentido da abdicação de medidas protecionistas”; uma “espécie de mercado financeiro mundial criado a partir da união dos mercados de diferentes países e da quebra das fronteiras entre os mercados” ou, ainda, a “integração cada vez maior das empresas transnacionais, num contexto mundial de livre-comércio e de diminuição da presença do Estado, em que empresas podem operar simultaneamente em muitos países diferentes e explorar em vantagem própria as variações nas condições locais”. 2 Como o Katrina, que causou aproximadamente mil mortes diretas e gerou prejuízos de dois bilhões de dólares quando de sua passagem no ano de 2005, sendo um dos furacões mais destrutivos a atingir os Estados Unidos.

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2000 houve pouca sensibilidade, por parte dos que detêm o poder, aos alertas de cientistas, ambientalistas e educadores para esse grave e, possivelmente, irreversível quadro. Até mesmo o Fórum Econômico Mundial (FEM), realizado anualmente em Davos, na Suíça3, e que reúne alguns dos “principais líderes empresariais e políticos, ONGs, líderes religiosos, intelectuais e jornalistas selecionados para discutir as questões mais urgentes enfrentadas mundialmente, incluindo saúde e meio ambiente”4, destinou, em 2007, um espaço jamais visto à discussão sobre o aquecimento global – outrora assunto de “verdes” – e suas consequências, sinalizando que tais problemas foram definitivamente acrescentados à esfera socioeconômica mundial. A indústria cultural e midiática também reflete o destaque atualmente dado à crise ambiental: nunca houve tantos filmes, documentários, artigos em jornais, revistas e livros que, não raro, cobrem-na com os tons cinzentos de um apocalipse anunciado, a nos levar a passos largos para o fim do mundo5. Por tudo isso, podemos afirmar, com pouca margem de erro, que um fator determinante para que a problemática ambiental ocupe as primeiras páginas dos jornais e das agendas políticas e culturais mundiais é o impacto socioeconômico que tal degradação já está causando. 3

Neste ano de 2010, o FEM reuniu 2.500 participantes de 96 países. Destes, mais de 50% eram do setor de negócios – composto principalmente de membros do Fórum e de mil companhias ao redor do mundo, de vários setores econômicos. Também participaram representantes das 25 maiores economias do mundo e de países emergentes, incluindo chefes de Estado e de governo, ministros de Finanças e Economia, chanceleres, governadores e prefeitos. Representantes de ONGs, acadêmicos, sindicalistas, líderes de comunidades religiosas e de empresas de mídia. Em 2008, o primeiro-ministro do Japão, Yasuo Fukuda, anunciou um fundo de US$ 10 bilhões para ajudar países em desenvolvimento a combater o aquecimento global. (http://colunistas.ig.com. br/nizanguanaes/forum/) 4 Ver mais informações em: http://pt.wikipedia.org/wiki/F%C3%B3rum_ Econ%C3%B4mico_Mundial#A_Organiza.C3.A7.C3.A3o), 5 Um dos exemplos mais emblemáticos é o documentário de Al Gore (excandidato à presidência dos EUA): Uma verdade inconveniente. Antes deste, foi realizado o filme O dia depois de amanhã, sobre as consequências do aquecimento global.

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Na tentativa de minimizar as consequências desses problemas, alguns países, estados e municípios vêm, isoladamente, adotando medidas “em prol do meio ambiente”; contudo, é necessário atentar para o fato de que a questão ambiental não reúne cidadãos e cidadãs em torno de um objetivo comum: ao contrário, as soluções apresentadas podem apontar para direções diferentes, até mesmo opostas. Seria ingênuo acreditar que as medidas sugeridas poderiam contemplar, indistintamente, todos os países e, dentro destes, todos os setores da sociedade. Diversos são os enfoques dados à questão e a cada um de seus temas, dependendo da perspectiva social, política e epistemológica a partir da qual a análise se realiza. Por sua vez, essas filiações dão diferentes contornos à complexa problemática enfrentada pelas sociedades atuais, trazendo novos problemas de pesquisa e levantando importantes questionamentos a respeito do modelo capitalista de sociedade, baseado na degradação, apropriação e mercantilização da natureza e da(s) cultura(s). Há um predomínio de propostas de enfrentamento dentro da perspectiva do “capitalismo verde” (que, em termos educativos, políticos e epistemológicos, pode ser associado a uma linha conservadora da Educação Ambiental). Essa concepção, de cunho eminentemente economicista, busca postergar, com medidas de combate ao desperdício, o esgotamento dos recursos (ACSELRAD, 2004, p. 7), entretanto, não aborda, ou apenas tangencia, o problema das desigualdades sociais, que, em termos ambientais propriamente ditos, se traduzem no acesso desigual a água, saneamento, habitação em condições de segurança, áreas de lazer e tantos outros fatores associados à tão propalada “qualidade de vida”. Os fracos resultados da Conferência sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP 15, realizada em dezembro de 2009, em Copenhague, Dinamarca), em termos de mudanças efetivas – ainda que numa perspectiva conservacionista – nas agendas dos grandes emissores de carbono, demonstram o incipiente enfrentamento da problemática ambiental em nível global: de acordo com a reportagem de Ricardo Muniz, em 19/12/09 (recolhida no site globo.com): Era para os países assinarem cortes de gases estufa segundo as recomendações científicas do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre

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Mudança Climática, explicadas em detalhes ao mundo em 2007. Mas o fruto de dois anos de preparativos e duas semanas de conferência foi um texto com duas páginas e meia (nem isso). Não tem as metas. Vem com algumas cifras, mas sem explicar como o dinheiro será captado e administrado6.

No contexto político e educacional brasileiro, a perspectiva é semelhante: a Lei nº 9.795 de 27.04.99 (BRASIL, 1999), que estabelece a Política Nacional de Educação Ambiental (Pnea7) e os Parâmetros Curriculares Nacionais, com seu tema transversal “Meio Ambiente” (BRASIL, 1998), reconhece o caráter social da crise ambiental, mas suas perspectivas teóricas e pedagógicas giram em torno de ajustes no modelo vigente (TOMAZELLO, 2001, e LOUREIRO; LIMA, 2006), sem discutir a necessidade da mudança no modelo de sociedade. Neste cenário de urgência e gravidade, a Educação Ambiental (EA) vem despertando o interesse dos mais diversos setores da sociedade, visando à “conscientização” da população sobre problemas como o consumo/consumismo/lixo, a produção de energia, o desmatamento, emissões de carbono para a atmosfera etc. Porém, a problemática até aqui apresentada revela a necessidade de uma tomada de posição em relação às perspectivas sociopolíticas e epistemológicas a serem assumidas nos contextos de produção de conhecimentos e políticas de EA. Evidentemente, diferentes referenciais podem levar a diferentes concepções de crise socioambiental. Um mapeamento inicial das pesquisas no campo da Educação Ambiental mostra que estas têm se associado a perspectivas conservacionistas, críticas, pós-críticas, ecossocialistas, hermenêuticas, fenomenológicas, pós-modernas e outras. Existem ainda perspectivas que, por não se encaixarem em uma única vertente epistemológica, podem ser consideradas “híbridas”. Entretanto, podemos distinguir diferenças suficientemente grandes para não colocar toda a produção teórica do campo em uma única matriz: cada uma delas tem orientações e princípios próprios 6

A esse respeito, recomendo a análise de Washington Novaes em: http:// www.tvcultura.com.br/cop15/. 7 A Política Nacional de Educação Ambiental (Pnea) foi regulamentada pelo Decreto nº 4.281, de 25.06.2002.

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que, se não devem aprisionar pesquisadores e professores, também não podem ser ignorados. De acordo com Loureiro (2006b, p. 48): A Educação Ambiental não é uma perspectiva educacional homogênea, mas sim uma teia complexa de posicionamentos políticos, pedagógicos e ideológicos sobre a relação sociedade-agentes sociaisnatureza (ou melhor, a respeito das relações sociais na natureza), sendo conformada em seu realizar, preponderantemente, pelos movimentos sociais, sistema educacional e sistema ambiental que constituem o Estado.

Em tese de doutorado sobre o campo da Educação Ambiental, Lima (2005) procurou compreender a dinâmica de sua constituição através da elucidação de questões como: o surgimento e institucionalização material e simbólica do campo; diferenças internas; concepções pedagógicas, políticas, éticas, epistemológicas e culturais; características e identidades de seus sujeitos sociais; formação histórica dos discursos hegemônicos no campo; fatores históricos, políticos e culturais que permitiram que as tendências hegemônicas, em determinado momento, atingissem essa condição de predominância; e a relação com outros campos correlatos e principais desafios colocados à expansão e consolidação do campo (p. 11). O caráter político, diversificado e conflitivo da Educação Ambiental permite que a compreendamos como um campo social, composto por atores, grupos e instituições que compartilham um núcleo de valores, normas e características comuns, mas que se diferenciam entre si por suas concepções sobre a crise socioambiental e as relações sociedade-natureza e pelas propostas político-pedagógicas que defendem para intervir naquilo que se apresenta socialmente como “problemas ambientais” (LIMA, 2005). Essas concepções ambientais e pedagógicas, por sua vez, se fundamentam em interesses e posições políticas que oscilam entre tendências de conservação e de transformação das relações sociais estabelecidas na construção do ambiente – aqui entendido como síntese espaçotemporal do modo como interagimos e produzimos na natureza, sendo concretizado à medida que os agentes sociais criam seus meios de vida e definem sentidos de pertencimento e identidade (PORTO-GONÇALVES, 1996 e 2000). Esses diferentes

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grupos disputam a hegemonia do campo da EA e a possibilidade de orientá-lo de acordo com sua interpretação e seus interesses. O amálgama dos campos da educação e do meio ambiente já revela o caráter híbrido8 da EA, tanto em relação aos seus princípios quanto aos diferentes espaços de criação e veiculação de conhecimentos e práticas: universidades, secretarias de educação, escolas, empresas, organizações não governamentais, unidades de conservação, museus etc. Tal hibridismo tem origem na própria história do campo: a Educação Ambiental nasceu no seio do movimento ambientalista que, conforme Loureiro (2003), se iniciou como movimento histórico nos anos 1960, a partir dos movimentos pacifistas, antinucleares e da contracultura, em resposta ao establishment político e a um estilo de vida baseado no consumismo. A reestruturação dos movimentos sociais e o avanço do conservacionismo e das propostas de ecologia política colocaram em discussão as formas de apropriação material e simbólica da natureza no âmbito do modo de produção capitalista e suas implicações estruturais. Zhouri (2007) chama a atenção para o caráter conflituoso do que se convencionou chamar de “questão ambiental”. Ela se baseia no entendimento de que a referida questão não é objetiva nem universal, pois: As relações de poder entre os sujeitos sociais que conjugam determinados significados de meio ambiente consolidam certos sentidos, noções e categorias que passam a vigorar como as mais legítimas e passíveis de sustentar as ações sociais e políticas. Em consequência, produzem um efeito silenciador e, portanto, excluem outras visões e perspectivas concorrenciais (p. 2).

Segundo a autora, até o início dos anos 1980 prevalecia a imagem do sujeito ecológico como um agente político transgressor, mas, a partir dos anos 1990, consagrou-se a imagem do ambientalista como “especialista técnico, conhecedor e gestor dos recursos naturais” (p. 3). Assim, a visão tecnicista do ambiente (na qual o ambiente é tido como realidade objetiva e passível de intervenção técnica) substituiu o mo8

Aqui, assumo o sentido figurado do termo, tal como se apresenta no dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001): “que ou o que é composto de elementos diferentes, heteróclitos, disparatados”.

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vimento da ecologia política, retirando a transformação da sociedade do horizonte dos atores sociais do campo ambiental e dos demais campos. Zhouri (idem) chama essa nova perspectiva de paradigma da adequação ambiental, que orienta as ações de ambientalistas e empresários, bem como as políticas públicas. Nesse paradigma, os conflitos em torno da democratização dos direitos (recursos naturais, território, espaço, serviços urbanos e outros) são tratados como “divergências entre interesses distintos” (p. 3). A autora segue afirmando que o paradigma da adequação ambiental opera “um deslocamento do debate da esfera da política (a luta por direitos) para a esfera da economia, em que há somente interesses; estes, passíveis de negociação” (p. 3). Por outro lado, o retraimento do Estado, verificado na década de 1990, a partir de uma modernização conservadora, transfere atribuições próprias do Estado à chamada “sociedade civil”, a partir da emergência do “terceiro setor”, composto, basicamente, pelas ONGs. Consagra-se, nesse cenário, uma concepção supostamente consensual de “desenvolvimento sustentável” que se sobrepõe à realidade conflituosa das relações sociais, bem como termos que outrora compunham o léxico das lutas pela democratização, tais como: parceria, participação, negociação e, sobretudo, a noção de sociedade civil (idem), alvo desta discussão. Nas palavras da autora: Os sujeitos sociais chamados à participação são aqueles que têm uma qualificação legitimada pelo campo: conhecimento técnico e capacidade organizativa e de ação. São excluídos da participação todos aqueles que não são “organizados” nos termos legitimados, e que não podem disputar o mercado de projetos com ONGs e fundações altamente equipadas e institucionalizadas. Por essa via, fica estabelecido um novo tipo de exclusão política e social.

É muito comum encontrar, no discurso de educadores ambientais9, os termos “sociedade civil” e/ou “sociedade civil organizada”, empre9

Saliento que evito adotar o termo devido à grande polissemia que ele assumiu: hoje em dia, praticamente qualquer pessoa pode se considerar um “educador ambiental”. A razão de tê-lo utilizado aqui reside no fato de que inúmeros pesquisadores, professores e ambientalistas se autodenominam dessa forma.

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gados, principalmente, por representantes de ONGs ambientalistas, setores do empresariado, professores e pesquisadores. Porém, uma reflexão sobre os atores da “sociedade civil” envolvidos, direta e indiretamente, nas disputas relacionadas à hegemonia de concepções sobre a problemática socioambiental (e, também, à distribuição de verbas e cargos nos órgãos públicos e privados de EA) levanta um questionamento digno de nota: o que, afinal, cabe nesse imenso guarda-chuva a que costumamos chamar de sociedade civil? De acordo com Meschkat (1999), é quase impossível, hoje em dia, ouvir-se um discurso sobre problemas políticos, seja em uma conferência de um cientista erudito, seja na apresentação de uma ONG, sem que se mencione, várias vezes, a expressão sociedade civil – não importando se essa ONG, que reclama sua contribuição para a sociedade civil, depende totalmente de dinheiro estatal. Chama a atenção, também, que entidades com orientações políticas tão diferentes quanto o Banco Mundial e líderes cubanos utilizem igualmente o termo em suas publicações e discursos. O autor revela seu estranhamento diante do fato de que vozes de posições políticas diametralmente opostas possam empregar a mesma expressão sempre em um sentido positivo, e lembra que, em diversos contextos (como a resistência de indivíduos e grupos ao monopólio do poder na União Soviética e durante o período das ditaduras latino-americanas), o conceito de sociedade civil foi forjado na luta política. Por acreditar que a discussão sobre a problemática socioambiental está fortemente relacionada à concepção de Educação Ambiental e de sociedade civil, a partir das quais se olha para a questão, apresento, neste ensaio, as principais tendências teórico-metodológicas do campo da EA, bem como as matrizes teóricas relacionadas à ideia de sociedade civil. Assumo minha opção política pela EA crítica e pela matriz gramsciana de sociedade civil e discuto o potencial que ambas apresentam para o enfrentamento da questão socioambiental e seus desdobramentos no que se refere à Educação Ambiental. Ilustro minha discussão com exemplos de problemas ambientais provenientes de fragmentos de artigos e textos jornalísticos de “suplementos ambientais” dos dois principais jornais cariocas, buscando identificar a perspectiva com a qual seus autores trabalham ao se referirem à ideia de sociedade civil, bem como as vertentes teórico-

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metodológicas da Educação Ambiental às quais se filiam. Concluo destacando a necessidade de explicitação tanto do que se entende por sociedade civil quanto por Educação Ambiental, no que tange ao enfrentamento e à busca de soluções para a complexa, urgente e inadiável crise socioambiental. O CONCEITO DE SOCIEDADE CIVIL: MATRIZES TEÓRICAS E IMPLICAÇÕES POLÍTICAS Corre-se o risco hoje de ver “sociedade civil” transformarse num álibi para o capitalismo (WOOD, 2003, p. 205).

De acordo com Pinheiro (2003), sociedade civil é, seguramente, um dos conceitos da teoria política mais usados no discurso social e político contemporâneo, podendo ser definido a partir de quatro matrizes teóricas, a saber: neotocquevilliana, neoliberal, habermasiana e gramsciana. Segundo esse autor, até o século XVIII, a preocupação de teóricos como Hobbes, Locke, Rousseau, Ferguson, Smith, Montesquieu e Hume era a de “examinar as condições sob as quais os seres humanos poderiam escapar do Estado de natureza e entrar em uma forma contratual de governo baseada na regra da lei, isto é, em uma sociedade civil” (p. 77). Nessa perspectiva, o termo sociedade civil era utilizado para marcar a diferença entre “uma comunidade política enraizada nos princípios da cidadania” (idem) e um estado de natureza imaginário. Dessa forma, o termo sociedade civil passou a ser empregado como similar a progresso, onde civilis não é mais adjetivo de civitas no sentido de pertencer ao coletivo, mas de civilitas (civilizada) (FONTES, 2006). A ideia da propriedade privada foi introduzida por Hobbes, que teria influenciado Rousseau a afirmar que “o primeiro homem que, tendo cercado um pedaço de terra, (...) dizendo ‘isto é meu’ e encontrando pessoas simples o bastante para acreditar nele, foi o fundador real da sociedade civil” (COLÁS, 2002, p. 32, apud PINHEIRO, 2003). Assim: Por volta do final do século XVIII, a associação da sociedade civil com a sociedade capitalista de mercado foi acompanhada pela emergência da economia política. De maneira mais específica, através dos escritos

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de Adam Ferguson, Adam Smith e Karl Marx a sociedade civil se tornou intimamente ligada à divisão do trabalho, à produção em massa das commodities e à extensão das relações de propriedade privada características do capitalismo moderno (p. 78).

Outro autor relevante para a presente discussão é Hegel, para quem a sociedade civil (bürgerliche Gesellschaft) era constituída por “associações, comunidades e corporações que teriam um papel normativo e sociológico fundamental na relação entre os indivíduos e o Estado” (idem, p. 79). Hegel entendia a sociedade civil como “um espaço historicamente concreto de interação social entre indivíduos” (idem). Pinheiro identifica duas inovações na teoria da sociedade civil de Hegel: o reconhecimento das associações independentes como componentes fundamentais da sociedade civil, que desempenham o papel de mediadoras entre os indivíduos e o Estado, e o reconhecimento da centralidade dos indivíduos conscientes e reflexivos na construção da sociedade civil moderna (COLÁS, 2002, apud PINHEIRO, 2003). Na matriz neotocquevilliana, a propensão para a associação cívica era um fator preponderante para o funcionamento da democracia. Pinheiro (2003) afirma que, nessa vertente, “a força e a estabilidade das democracias liberais dependem, necessariamente, de uma esfera de participação associacional ativa e pujante” (p. 85). Ele afirma que o conceito de capital social foi bastante utilizado para entender esse fenômeno, pois se refere a “aspectos da organização social tais como redes, normas e confiança social que facilitam a coordenação e a cooperação para o benefício mútuo” (p. 84). Nessa forma de livre associação, os cidadãos participariam de acordo com os seus interesses privados. Apesar de Alexis de Tocqueville não ter utilizado explicitamente o termo sociedade civil, sua contribuição reside na importância atribuída ao associativismo e à auto-organização, que exerceram grande influência no pensamento contemporâneo. Esse autor realizou um estudo acerca da democracia nos Estados Unidos, a partir do qual argumenta que a garantia das liberdades individuais se fundamentava naquilo que ele entendia por “meios democráticos”, que incluíam autogoverno local, separação entre Igreja e Estado, imprensa livre, eleições indiretas, judiciário independente e, acima de tudo, uma “vida associacional” (PINHEIRO, 2003, p. 81).

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A perspectiva neoliberal está vinculada à neotocquevilliana na medida em que incorpora muitos de seus elementos, mas, na primeira, a sociedade civil se mostra mais pró-establishment, “menos como uma esfera contraposta ao Estado e ao capitalismo e mais como um complemento ou mesmo um substituto para o Estado e o mercado” (idem, p. 85). Nessa matriz, as categorias estabilidade, provisão, confiança e responsabilidade social (no sentido de solidariedade e/ou filantropia) predominam sobre luta e emancipação, e termos como organizações sem fins lucrativos e organizações não governamentais são usados para descrever seus atores. A sociedade civil torna-se, também, sinônimo de “terceiro setor”. Garrison (2000, apud PINHEIRO, 2003) afirma que, para o Banco Mundial, “a constituição de capital social e o surgimento de uma sociedade civil forte são os ingredientes essenciais para a consecução do desenvolvimento sustentável a longo prazo” (GARRISON, op. cit., p. 18-19). Ainda segundo Pinheiro (2003), essa concepção se ancora em uma estratégia de descentralização e privatização dos serviços públicos, desobrigando os governos nacionais da responsabilidade pela implementação de programas sociais, que seriam assumidos por governos locais em parceria com as ONGs ou outras organizações sociais. Nota-se, assim, uma conversão do Estado como “público” e de tudo que é não estatal – mercado e sociedade civil – como “privado” e uma separação desses espaços como esferas autônomas. Todavia, tal oposição seria resolvida com o surgimento de um “novo setor”, “público, porém privado”, que passaria a absorver cada vez mais a dita questão social (p. 86).

O autor entende que separação e autonomização entre Estado, mercado e sociedade civil – ou terceiro setor –, confusão entre público e privado, equiparação entre “Estado” e “governo”, identificação de ONG com movimento social, construção de parcerias com o Estado, complexa e heterogênea multipolarização supraclassista da nova questão social e crise fiscal do Estado são os principais pressupostos dessa matriz, que também se apoia numa suposta ineficiência da esfera estatal e burocrática, intrinsecamente ineficiente para gerir as questões de cunho social.

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A matriz habermasiana se baseia na teoria da ação comunicativa, que considerava a ênfase marxista no trabalho como força motora da evolução social, produtora de uma visão estreita das dinâmicas sociais, pois deixa de fora o que Habermas chamou de “mundo da vida” 10 (PINHEIRO, 2003). “Nesse sentido, os homens não apenas transformariam o mundo externo/natural através do trabalho, mas também, geração após geração, o mundo interno/sociocultural através da interação simbólica ou da comunicação” (idem, p. 88). Assim, para Habermas, a categoria que propicia o “salto ontológico” do ser orgânico para o ser social é a linguagem, “que produz não mais valores de uso e sim consensos a partir do agir comunicativo” (idem), e a sociedade civil é autônoma quando regida por normas do mundo da vida, reproduzidas e reformuladas através da comunicação. Na visão de Pinheiro, “com a natureza comunicativa como aspecto definidor da sociedade civil, fica mais fácil ver como a economia e o Estado podem ser excluídos” (idem, p. 89). Gramsci definiu a sociedade civil como “o conjunto de organismos designados vulgarmente como ‘privados’” (2001b, p. 20, apud FONTES, 2006), formada pelas organizações responsáveis tanto pela elaboração quanto pela difusão das ideologias: sistema escolar, igrejas, sindicatos, partidos políticos, organizações profissionais, a organização material da cultura etc. A intensidade das disputas travadas e dos consensos estabelecidos seria, então, proveniente da correlação de forças entre os diferentes atores da sociedade civil. Através da enumeração dos organismos privados, o conceito de sociedade civil estaria captado por uma dupla rede (GLUKSMANN, 1980), pois diz respeito às condições de vida materiais (o sistema privado de produção) e também aos aparelhos ideológico-culturais da hegemonia, que, segundo Gluksmann (op. cit.), representam o aspecto educador do Estado. 10

O mundo da vida é o pano de fundo de toda a interação social; é o lugar transcendental – fundante, não fundado – onde se desenvolve a intersubjetividade, constitutiva do ser social. Ele contém as interpretações acumuladas das gerações passadas e é feita de significados. É transmitida, alterada e reproduzida via comunicação, sendo a linguagem e a cultura – e não o trabalho – seus aspectos basilares (CHAMBERS, 2002; ARATO; COHEN, 1994, apud PINHEIRO, 2003).

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De forma análoga a Gramsci, Fontes (2006, p. 201) entende a sociedade civil como um “conjunto de aparelhos privados de hegemonia”, “um dos terrenos da luta de classes em sociedades capitalistas modernas” e “um dos espaços fundamentais da luta de classes em sociedades capitalistas sob Estados de direito, com mercados eleitorais e conquistas (e reivindicações) democratizantes”. A autora afirma que, em Gramsci, não há oposição entre sociedade civil e Estado, como quer o liberalismo. “Ao contrário, sociedade civil é duplo espaço de luta de classes, intra e entre as classes” (p. 212). Dessa forma, o conceito de sociedade civil perde sua conotação de um espaço de lutas antiditatoriais identificadas com os movimentos populares, para se transformar em um conceito “mais geral e inocente” (MESCHKAT, 1999, p. 42). Esse autor entende que o desenvolvimento da economia nas últimas décadas debilitou o que foi o substrato da sociedade civil popular, ao mesmo tempo fortalecendo a sociedade civil burguesa. O emprego corrente do termo tem também uma forte tendência a fortalecer a ideologia dominante, na medida em que se entende que tudo o que não depende do Estado é um passo para a emancipação social. Assim, o termo tende a apagar as diferenças dentro da sociedade, tais como as classes sociais, os grupos de poder econômico, os monopólios e o capital transnacional, dando a impressão de que todos têm iguais direitos e oportunidades. A maior personificação dessa ideia de sociedade civil são as ONGs, “incorporações do espírito puro provenientes de uma esfera livre do Estado” (idem, p. 43). O conceito de sociedade civil hoje hegemônico não distingue entre ONGs que têm um real compromisso com as organizações populares daquelas que são meras fornecedoras de empregos para setores intelectualizados da classe média, não raro instrumentos diretos do grande capital. Por tudo isso, muitos estudos colocam em dúvida a utilidade do conceito de sociedade civil (idem). Para complementar essa discussão, trago parte da análise de Wood (2003), já citada na epígrafe desta seção. A autora entende que, quaisquer que sejam os métodos empregados para dissolver conceitualmente o capitalismo (que vão desde o pós-fordismo até os estudos culturais e as políticas de identidades), eles, em geral, têm em comum o conceito de sociedade civil, “essa ideia versátil que se transformou numa expressão mágica adaptável a todas as situações da esquerda,

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abrigando uma ampla gama de aspirações emancipatórias, bem como (...) um conjunto de desculpas para justificar o recuo político” (p. 205). Assim, por mais construtiva que seja essa ideia no sentido de marcar o terreno das práticas sociais ou na defesa das liberdades humanas contra um Estado opressor, a sociedade civil pode vir a se transformar em um álibi para o capitalismo. Ellen Wood lembra que, para Gramsci, o conceito de sociedade civil deveria ser uma arma contra o capitalismo e não uma adaptação a ele; e, se, atualmente, o conceito tem assumido os mais diferentes matizes de acordo com os interesses daqueles que o utilizam, é em geral entendido como uma “arena de liberdade” fora do Estado e, quase sempre, em oposição a ele. Nessa definição, “sociedade civil” abrange uma ampla série de instituições e relações, de lares, sindicatos, associações voluntárias, hospitais e igrejas, até o mercado, empresas capitalistas, enfim, toda a economia capitalista. As antíteses significativas são o Estado e o não Estado, ou talvez o político e o social. Essa dicotomia corresponde aparentemente à oposição entre coação, corporificada pelo Estado, e liberdade e ação voluntária, que na prática pertencem, em princípio se não necessariamente, à sociedade civil (p. 209).

A oposição entre sociedade civil e Estado tem a vantagem, para aqueles que a defendem, de reviver a preocupação liberal com a limitação e legitimação do poder político; além do mais, o conceito de sociedade civil reconhece e celebra a diferença e a diversidade, contrastando com um suposto monismo atribuído ao marxismo. Nesse contexto surgiram, em diversos países, movimentos sociais não baseados na classe, tais como o feminismo, a ecologia, a paz e outros. Para Gramsci, no entanto, a relação entre Estado e sociedade civil é dialética. Em primeiro lugar, ele não associava diretamente Estado a governo. A essa identificação, o autor opõe uma concepção ampliada do Estado, que pode ser definida pela equação Estado = sociedade política + sociedade civil (GLUCKSMANN, 1980, p. 98). Vejamos agora as possíveis relações entre este conceito e as perspectivas teóricas da Educação Ambiental.

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AS DIVERSAS ‘EDUCAÇÕES AMBIENTAIS’ De acordo com Loureiro (2006b), “dois grandes blocos político-pedagógicos disputam hegemonia no campo das formulações teóricas, nas articulações internas às redes de educadores ambientais e na definição da Pnea, com vertentes internas e interfaces complexas e diferenciadas” (p. 58). O primeiro, denominado conservador ou comportamentalista, tem como características centrais: i) uma compreensão naturalista e conservacionista da crise ambiental; ii) um entendimento de Educação em sua dimensão individual, baseada em vivências; iii) a despolitização do fazer educativo-ambiental, apoiando-se em pedagogias comportamentalistas; iv) baixa problematização da realidade e pouca ou nenhuma ênfase em processos históricos; v) foco na redução do consumo de bens naturais, descolando essa discussão do modo de produção que a situa; vi) diluição da dimensão social na natural; vii) leitura das relações sociais a partir de analogias e transposição de categorias definidas por determinada compreensão das relações ecológicas; viii) responsabilização pela degradação posta em um ser humano genérico, descontextualizado social e politicamente (p. 59). O outro, chamado de crítico ou emancipatório, tem como características mais comuns: i) busca da realização da autonomia e liberdade humanas em sociedade, redefinindo o modo como nos relacionamos com os entes de nossa espécie, com as demais espécies e com o planeta; ii) politização e publicização da problemática ambiental em sua complexidade; iii) convicção de que a participação social e o exercício da cidadania são práticas indissociáveis da Educação Ambiental; iv) preocupação em estimular o debate e o diálogo entre ciências e cultura popular, redefinindo objetos de estudo e saberes; v) busca de ruptura e transformação de valores e práticas sociais contrários ao bem-estar público, à equidade e à solidariedade (LOUREIRO, op. cit.). Para Loureiro (op. cit.), o bloco emancipatório está mais ligado ao meio acadêmico, aos âmbitos da educação, dos movimentos sociais e do governo federal. Já o bloco comportamentalista alcança maior representatividade conceitual em setores empresariais e ONGs ambientalistas – particularmente as conservacionistas –, assim como entre educadores ambientais com trajetória nas ciências naturais ou exatas.

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Muito próximo do bloco crítico/emancipatório está o Ecossocialismo que, para Löwy (2005, p. 47), é “uma corrente de pensamento e de ação ecológica que faz suas aquisições fundamentais do marxismo – ao mesmo tempo em que o livra de suas escórias produtivistas”. Segundo o autor, no Ecossocialismo, a lógica do mercado e também a do autoritarismo burocrático, típica de alguns regimes socialistas, são incompatíveis com a preservação do meio ambiente. O Ecossocialismo seria, assim, uma tentativa de articular as ideias do socialismo marxista com a crítica ecológica (LÖWY, op. cit.). Pode-se ainda distinguir uma perspectiva da EA mais recente: a Alfabetização Ecológica11. Esta, ao mesmo tempo em que procura superar a dimensão conservadora e comportamentalista da Educação Ambiental, cai em outro reducionismo: o de “interpretar os processos sociais unicamente a partir de conteúdos específicos da ecologia, biologizando o que é histórico-social” (LOUREIRO, 2007, p. 67). Loureiro alerta que uma possível consequência dessa tendência seria criar uma visão funcionalista de sociedade a partir do estabelecimento de uma relação direta entre processos sociais e processos naturais. Tal visão simplifica e ignora a função social da atividade educativa em uma sociedade injusta e desigual. Outras tendências se inserem em uma linha mais voltada para as questões de identidade em geral (gênero, etnia, cultura, linguagem), tais como a Hermenêutica, a Fenomenologia, o Pós-Modernismo e suas interfaces com a EA. De acordo com Junior (2006, p. 174), a hermenêutica é a característica central de uma comunidade interpretativa e é o princípio segundo o qual a realidade pode ter diferentes interpretações. Esse princípio pretende romper com a “hegemonia da racionalidade de ordem técnico-instrumental, que empurra a sociedade para uma ordem única” (JUNIOR, op. cit., p. 175). Sobre a discussão trazida por essa corrente, me apoio mais uma vez em Loureiro (2006a), que entende ser inegável a necessidade contemporânea da celebração do diverso no processo de construção de uma sociedade democrática. “Porém, para a tradição crítica, celebrar a diversidade vem no mesmo movimento de luta pela igualdade, posto que elas não são antagônicas, mas sim complementares na emancipação” (p. 67). 11

Criada pelo físico e divulgador da ciência Fritjof Capra.

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Evidentemente, existem outras tendências teórico-epistemológicas no campo da Educação Ambiental. Afinal, para Gramsci, a ciência é um dos aparelhos privados de hegemonia da sociedade civil e, como tal, palco de disputas e de produção de ideologias. OS PROBLEMAS AMBIENTAIS, A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A SOCIEDADE CIVIL Como ignorar o antagonismo de classes, operando uma substituição da contradição capital/trabalho pela suposta contradição Estado/sociedade civil? (PINHEIRO, 2003, p. 97).

Em matéria intitulada “Exemplo para o país” (JB Ecológico, nº 66, julho de 2007), o jornalista Luciano Lopes afirma que o Centro Mineiro de Referência em Resíduos, que é um projeto da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) do governo do estado de Minas Gerais, tem como objetivo “formar parcerias entre o poder público, a iniciativa privada e o terceiro setor para a criação e desenvolvimento de projetos que estimulem o consumo consciente, a reutilização de resíduos, a reciclagem de materiais e promovam a conscientização ecológica” (p. 21). A perspectiva de sociedade civil aqui subsumida abre caminho para a privatização dos serviços públicos, a partir do estabelecimento das parcerias público-privadas ou da transferência de dinheiro público para organizações privadas (ditas sem fins lucrativos), denominadas “não governamentais”. Para vencer a oposição criada entre o estado público e o não estado privado (mercado e sociedade civil), criou-se a ideia do terceiro setor, “público, porém privado”, que passaria a absorver cada vez mais a questão social. Considero que essa concepção de sociedade civil como algo fora da esfera pública – que, por sua vez, é entendida como emperrada, corrupta e ineficiente – permeia as discussões ambientais da atualidade. No artigo de Elisa Romano, intitulado “Empresariado quer licenciamento mais rápido e eficaz” (JB Ecológico, julho de 2007, informe especial “Compromisso com o futuro”), percebe-se uma clara manifestação no sentido de que o processo de licenciamento ambiental – considerado pelos industriais como moroso, excessivamente complexo e ineficiente – seja aberto pelo poder público “aos seto-

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res econômicos interessados”, para que seja incorporada a “visão do planejamento ambiental e setorial, de maneira a orientar a lógica do licenciamento ambiental” (p. 8). Na reportagem de João Sabiá sobre a transposição do rio São Francisco publicada no JB Ecológico de julho de 2007, o Frei Dom Luiz Cappio afirma, em carta ao presidente Lula da Silva, que a degradação do cerrado se deu pela fúria do capital nacional e internacional através do agro e do hidronegócio predatórios. Além dos problemas ambientais, para Frei Luiz estão sendo criadas situações sociais de aniquilamento do próprio homem e de sua vontade de lutar pelo seu destino. Os grandes projetos (irrigação, barragem, monoculturas, carvoejamento, mineração e siderurgia) são os responsáveis pela degradação da bacia e pela pobreza, pois concentram renda e riqueza e causam desmatamento, assoreamento, poluição etc. Apesar dos enormes prejuízos causados às populações ribeirinhas, indígenas, quilombolas e outras (deslocamento da população para construção de barragens, perda de identidade cultural e exploração do trabalho), estas têm sido consideradas como predadoras do rio e egoístas, pois negam água aos “sedentos” do nordeste setentrional. Esse discurso é incentivado pelos setores empresariais e pela mídia, considerada como o “quarto poder” devido à sua capacidade de divulgação e mesmo de produção de informações e de consensos – que, de acordo com Gramsci, é parte da hegemonia. A posição do poder público em relação à resistência de Frei Cappio e de outros representantes da sociedade se resumiu à criação de uma “revitalização” do rio São Francisco, que, segundo o frei, consiste em projetos isolados e sem continuidade, mera satisfação da sociedade para legitimar a transposição. Resta aos outros aparelhos privados da sociedade civil continuar resistindo e tornar pública sua luta contra-hegemônica, contra o consenso estabelecido em torno do tema. Afinal, como esclarece Williams (1979, p. 116, apud Souza, 2005): A realidade de qualquer hegemonia, no sentido político e cultural ampliado, é de que, embora por definição seja sempre dominante, jamais será total ou exclusiva. A qualquer momento, formas de política e cultura alternativas, ou diretamente opostas, existem como elementos significativos na sociedade.

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Destaco que a carta de Frei Cappio foi publicada no suplemento ecológico de um jornal de grande circulação no Rio de Janeiro. Ainda que esse suplemento dê amplo espaço a concepções reificadas e liberais de meio ambiente, crise e Educação Ambiental, a presença dessa reportagem revela a possibilidade de existência de espaços de contrahegemonia na discussão dos problemas ambientais. Em entrevista intitulada “A Amazônia é nosso maior patrimônio”, concedida ao JB Ecológico (nº 66, julho de 200712) e relatada por Vinicius Carvalho, ao ser perguntado sobre como percebe as discussões sobre a internacionalização da Amazônia, o governador do Amazonas respondeu: Obviamente, sou contra qualquer tentativa de internacionalização do nosso patrimônio natural. A verdade dos fatos é que, pelo senso comum, a Amazônia é cobiçada no mundo inteiro. Cobiçada não apenas no sentido de se querer a sua propriedade, mas também no sentido de conhecê-la, desvendar seus mistérios e compreender melhor a realidade da região. (...) Nosso programa, por exemplo, não oferta cotas da Amazônia. Em momento algum falamos de distribuição de florestas ou de política fundiária. A floresta é de propriedade pública, não está à venda e não podemos comercializá-la. O que estamos estabelecendo é um fundo de serviços e produtos ambientais. O importante é demonstrarmos para as populações locais que a floresta em pé vale mais que a floresta derrubada (p. 17)13.

O governador se refere a uma lei estadual que previa, na época, uma remuneração de até R$ 50 por mês por família que preservasse a floresta. Porém, a tal “bolsa-floresta” do Amazonas não passa de (mais) um mecanismo dentro do sistema capitalista, que pretende lucrar a partir do esforço de famílias que receberiam uma pequena quantia para “trabalhar” por essa causa. O programa em questão, além de criar um mecanismo de remuneração que não se configura como um direito social adquirido, tenta legitimar um conceito bas12

Neste número há outra matéria sobre o programa lançado pelo governo amazonense, o que é forte indicativo do interesse na sua divulgação e aceitação pela população. 13 Grifos da autora.

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tante comum no ambientalismo verde: o de desenvolvimento sustentável, que repousa no consenso sobre a necessidade de diminuir a extração de recursos naturais não renováveis, aliada a mecanismos de “inclusão social”. Uma das principais bandeiras das correntes crítica e ecossocialista da EA é que não há desenvolvimento com sustentabilidade no sistema capitalista, uma vez que este tem como base a acumulação e concentração de riquezas a partir da exploração da natureza e do trabalho humano. Na verdade, esse projeto visa à privatização da floresta ou de parte dela, que seria administrada pela porção da “sociedade civil” mais distanciada dos interesses das maiorias, composta basicamente por “empresários-ambientalistas”, cuja concepção de EA está baseada nas metas do desenvolvimento sustentável e na “ecoeficiência” alcançadas com a correção das “falhas do mercado”. Como último exemplo, cito o suplemento Razão Social do jornal O Globo de 2 de fevereiro de 2010, no qual a jornalista Martha Neiva Moreira escreveu matéria intitulada “Cooperação é a regra no mundo de baixo carbono”. Martha afirma que o setor corporativo, movido pela competitividade e pela rentabilidade, ainda não se deu conta da necessidade de reduzir as emissões de carbono para a atmosfera. Ela cita comentário do presidente do Instituto Ethos, Ricardo Young, para quem “ainda é preciso reordenar os marcos regulatórios de mudanças climáticas para que as empresas possam competir em uma plataforma mais amigável para o meio ambiente”. Nas palavras do empresário (que também é membro de ONGs e do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do Governo Federal): “Copenhaguen falhou em não estabelecer as bases dessa plataforma, mas o mercado não falhará. Quem emitir mais será penalizado” (p. 13). A preocupação de Young é basicamente com o encarecimento de recursos como a água e o ar, por isso acredita que o “mercado” vai pressionar para diminuir as emissões e evitar uma perda financeira ainda maior num futuro próximo. É interessante notar a confusão conceitual que pode ser gerada a partir de afirmações como essa: evidentemente, ninguém discorda da necessidade de reduzir as emissões de carbono, mas surpreende que seja o mercado a controlar essas emissões! Retornemos à citação de Ellen Wood, que menciona o deslocamento de funções que antes pertenceram ao Estado para a esfera

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privada, que atende aos interesses do mercado. Estamos assistindo à privatização do poder público pela “nova sociedade civil”, composta principalmente de empresários, banqueiros, “ongueiros” e outras categorias diretamente ligadas ao capital. Onde ficariam, porém, os outros aparelhos privados de hegemonia descritos por Gramsci, tais como os movimentos sociais, os ambientalistas, a Escola, a Igreja? Para Gluksmann (1980): Não pode haver sociedade civil sem a determinação daquilo que constitui seu fundamento: as relações de produção. Desse ponto de vista, o conceito diretor dos Cadernos do cárcere é talvez menos o de “bloco histórico” que o de correlação de forças, como condição primordial para a formação de um bloco histórico (p. 100)14.

A concepção de sociedade civil que se depreende das reportagens citadas é totalmente contrária àquela defendida por Gramsci, para quem o conceito deveria ser utilizado como uma arma contra o capitalismo. Contudo, esse autor acreditava ser possível disputar a hegemonia sem ser economicamente dominante, como teimam em nos mostrar movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Via Campesina, (que, no Brasil, é composta pelo MST; Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA; Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB; Movimento de Mulheres Camponesas – MMC; Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil – Feab; Comissão Pastoral da Terra – CPT; e a Pastoral da Juventude Rural – PJR), o Movimento ao Socialismo (MAS) e demais movimentos indigenistas na Bolívia e outros que, apesar de criminalizados pela mídia e pelo empresariado ligado ao agronegócio, se caracterizam pela resistência aos governos neoliberais. De acordo com Leher (2007, p. 226), “a problemática ambiental ganha novos contornos quando analisada à luz dos protagonistas das lutas sociais que vêm transtornando a ordem neoliberal latinoamericana”.

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Grifos da autora.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Se uma definição de um conceito central – como, por exemplo, o conceito de sociedade civil – for incerta, então todo o conhecimento que for construído sobre esse conceito provavelmente também será débil e, consequentemente, as políticas construídas com base em tal conhecimento poderão ser equivocadas. O desafio que se coloca, então, é o de se buscar uma definição crítica de tal conceito a fim não só de melhor entender a realidade contemporânea mas também de se buscar sua transformação (PINHEIRO, 2003, p. 75).

Na perspectiva de Dagnino (2004), a implantação em âmbito global do projeto neoliberal gerou graves impactos na cultura política das sociedades latino-americanas. A autora discute as feições que esses impactos assumem no Brasil e sugere a existência de uma “confluência perversa entre um projeto político democratizante, participativo, e o projeto neoliberal, que marcaria hoje o cenário da luta pelo aprofundamento da democracia na sociedade brasileira” (p. 95, grifos da autora). Para tanto, Dagnino (idem) examina a disputa político-cultural e os deslocamentos de sentido que essa disputa opera em três noções – Sociedade Civil, Participação e Cidadania – que considera referências centrais para o entendimento dessa confluência. Segundo a autora, há uma despolitização dessas noções, assumidas como referências centrais das lutas democratizantes, reforçada por uma “concepção minimalista tanto da política como da democracia” do projeto neoliberal (p. 108). Dagnino conclui pela existência de um encolhimento das responsabilidades sociais do Estado, com contrapartida no encolhimento do espaço da política e da democracia, limitadas ambas ao mínimo indispensável. Esse encolhimento seletivo aprofunda a exclusão daqueles sujeitos, temas e processos capazes de ameaçar o avanço do projeto liberal. Como exemplo expressivo dessa concepção, Dagnino (idem) cita a acusação dirigida ao MST – que entende ser o “mais importante movimento social no Brasil hoje” (p.109) – pela mídia e pelo governo de Fernando Henrique Cardoso para desqualificá-lo como interlocutor: “É um movimento político”. As teorizações de Dagnino, Pinheiro, Glucksmann, Fontes, Wood, Leher, Loureiro, Araújo, Acselrad, Löwy, Meschkat, Porto-Gonçalves

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e Zhouri apontam para a necessidade de explicitação do sentido de sociedade civil a que se referem aqueles que utilizam o conceito. Evidentemente, uma compreensão simplificada ou limitada à matriz neoliberal, a partir da qual a sociedade civil se resume ao terceiro setor, com a privatização de serviços essenciais (e até mesmo do meio ambiente), e o Estado se exime da responsabilidade de oferecer tais serviços, não contribui para uma ampla compreensão das causas e consequências da crise socioambiental, bem como do papel de seus atores nas disputas que, apesar de todas as ofensivas contra, ocorrem em seu interior. A partir da discussão aqui travada, defendo que o conceito gramsciano de sociedade civil traz novas interpretações e ajuda a encontrar soluções mais efetivas para o enfrentamento da problemática ambiental. Nesse sentido, Loureiro (2006b) afirma que: Em um momento histórico em que a confusão entre o público e o privado se faz presente (...), uma política pública em Educação Ambiental exige a transparência e o fortalecimento do Estado, sob controle social, para se garantir: (1) reversão dos processos privatistas-mercantis da educação; (2) mobilização e organização popular para o atendimento a necessidades materiais básicas e à justiça distributiva; e (3) problematização historicizada da realidade socioambiental e busca de alternativas econômicas com os grupos sociais, particularmente aqueles em situação de maior vulnerabilidade socioambiental, garantindo a devida autonomia aos mesmos (Loureiro et al, 2005).

Embutida na problemática do acesso desigual aos recursos naturais está a ideia de justiça ambiental que, de acordo com Acselrad, Herculano e Pádua (2004), nasceu no seio dos movimentos sociais nos Estados Unidos, a partir da década de 1960, nas organizações para as lutas pelos direitos civis das populações afrodescendentes, que representavam o setor socialmente discriminado e mais exposto a riscos ambientais. Segundo Robert Bullard (apud ACSELRAD, HERCULANO E PÁDUA, 2004), a justiça ambiental é a condição de existência social configurada através da “busca de tratamento justo e do envolvimento de todas as pessoas, independentemente de sua raça, cor, origem ou renda, no que diz respeito a elaboração, desenvolvimento, implantação e reforço de políticas, leis e regulações ambientais” (p.9).

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Essa temática vem se internacionalizando rapidamente, sobretudo em contextos de extremas desigualdades como a sociedade brasileira, na qual já existem movimentos sociais voltados para a causa da justiça ambiental, tais como os de atingidos por barragens e os movimentos de resistência de trabalhadores extrativistas (seringueiros, no Acre, e as quebradeiras de babaçu, no Maranhão). Percebe-se que o que está em jogo não é apenas a anunciada escassez de recursos, mas “a natureza dos fins que norteiam a própria vida social”, ou seja, não é possível separar a sociedade do meio ambiente (ACSELRAD, 2004, p. 7) ou “chamar de progresso e desenvolvimento o processo de empobrecimento e envenenamento dos que já são pobres” (ACSELRAD; HERCULANO; PÁDUA, 2004, p. 12). Quero finalizar este ensaio problematizando o termo “ação antrópica”, muito utilizado para responsabilizar a espécie humana como um todo pelos danos causados à natureza não humana. Comum nos discursos conservadores de EA, esse entendimento é perfeitamente representado pelo slogan “O mundo nunca cobrou aluguel. Mas já está a ponto de mandar você embora” (Propaganda do WWF-Brasil veiculada no JB Ecológico, nº 66, julho de 2007, p. 56-57). É notório que aqueles que estão em piores condições socioeconômicas, em geral, sofrem muito mais com a erosão das encostas, assoreamento de rios, poluição do ar e da água etc. do que os demais setores da população. Nas palavras de Loureiro, em entrevista ao JB Ecológico, nº 15, de 16 de abril de 2003: Nem todos geram impactos da mesma forma e nem todos se beneficiam igualmente em um modelo de produção que se apropria privadamente do patrimônio natural. Esse é um processo histórico que precisa ser compreendido para que possa ser enfrentado e transformado (p. 20).

Em relação às perspectivas de Educação Ambiental adotadas, entendo que é no âmbito da EA crítica e do Ecossocialismo que se encontram as teorizações mais próximas da ideia gramsciana de sociedade civil como palco de disputas e de produção de hegemonia e contrahegemonia, mas, sobretudo, de superação de um sistema socioeconômico que estabelece relações de expropriação com a natureza e com o ser humano, em benefício de poucos e em detrimento de toda

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a diversidade e beleza produzidas em milênios de evolução biológica, geológica e cultural no planeta. Ao se perguntar sobre quais seriam os principais elementos de uma ética ecossocialista, Löwy (2005, p. 72) afirma que, antes de mais nada, trata-se de uma ética social e não individual, que não visa a culpabilizar as pessoas ou promover o ascetismo. Segundo o autor: Com certeza, é importante que os indivíduos sejam educados para respeitar o meio ambiente e recusar o desperdício, mas o verdadeiro jogo se joga noutra parte: na mudança de estruturas econômicas e sociais capitalistas/comerciais, no estabelecimento de um novo paradigma de produção e distribuição, fundado (...) em necessidades sociais – notadamente a necessidade vital de viver num meio ambiente natural não degradado. Uma mudança que exige atores sociais, movimentos sociais, organizações ecológicas, partidos políticos, e não apenas indivíduos de boa vontade.

É claro que precisamos dialogar com todas as visões de mundo, mas é preciso não confundir diálogo com apagamento das questões centrais para o combate à crise socioambiental e seu entendimento. Para Bourdieu e Wacquant (2001), existe nos setores privilegiados de países avançados (patrões, altos funcionários internacionais, intelectuais de projeção na mídia e jornalistas de primeiro escalão) “uma estranha novilíngua cujo vocabulário, aparentemente sem origem, está em todas as bocas: globalização e flexibilidade; governabilidade e empregabilidade; underclass e exclusão; nova economia e tolerância zero; comunitarismo, multiculturalismo e seus primos pós-modernos – etnicidade, minoridade, identidade, fragmentação etc.”. Dessa nova vulgata planetária, segundo os autores, estão ausentes termos como capitalismo, classe, exploração, dominação e desigualdade, vocábulos “decisivamente revogados sob o pretexto de obsolescência ou de presumida impertinência”. Em meu entender, categorias como caos, descontinuidade, “desconstrucionismo”15, rizoma ou relatividade, por sua indeterminação, difi15

Descrito por Harvey (1992, p. 53) como um movimento iniciado por Derrida, no final dos anos 1960, a partir da leitura de Martin Heidegger.

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cilmente podem ajudar a superar a grave crise civilizacional em que se encontra mergulhada a humanidade. É necessário também dialogar – ou superar, numa perspectiva dialética – com as categorias de sociedade civil (no sentido gramsciano), classe e outras que, numa sociedade marcada por profundas desigualdades, nunca foram tão atuais. Penso, com Gramsci e outros teóricos marxistas, que as decisões em relação ao futuro do planeta não são tomadas apenas em espaços fechados por uma suposta “elite”: como cidadãos, temos diversas maneiras de participar, seja no âmbito da sociedade civil (como a participação em partidos, associações de bairros, grêmios e diretórios acadêmicos, movimentos sociais, igrejas, sindicatos etc.), seja em nossos espaços de trabalho, estudo e lazer. Escolhi para fechar este texto uma citação de outro autor que “denunciou a espoliação da natureza antes do nascimento de uma moderna consciência ecológica burguesa” (QUAINI, apud FOSTER, 2005, p. 23) e me ajudou a compreender a natureza do problema ambiental: Karl Marx. Não é a unidade da humanidade viva e ativa com as condições naturais, inorgânicas, da sua troca metabólica com a natureza, e daí a sua apropriação da natureza, que requer explicação ou é o resultado de um processo histórico, mas a separação16 entre estas condições inorgânicas da existência humana e esta existência ativa, uma separação que só é completamente postulada na relação do trabalho assalariado com o capital (MARX, 1973, apud FOSTER, 2005).

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Grifos da autora.

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UMA ANÁLISE DA EVOLUÇÃO RECENTE DA TAXA DE DESEMPREGO SEGUNDO DIFERENTES CLASSIFICAÇÕES Marina Ferreira Fortes Aguas

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Este artigo tem como objetivo analisar a evolução da taxa de desemprego padrão no Brasil durante a última década, assim como de duas novas formas de definição deste indicador. A primeira inclui os indivíduos classificados como marginalmente ativos, ou seja, pessoas que estão disponíveis para trabalhar, mas na semana de referência não buscaram ativamente emprego, e a segunda inclui os trabalhadores subocupados por insuficiência de horas trabalhadas, pessoas consideradas ocupadas na semana de referência, mas que gostariam e estavam disponíveis para trabalhar mais horas que as efetivamente trabalhadas. A análise empírica é realizada para as seis regiões metropolitanas de abrangência da Pesquisa Mensal de Emprego entre 2003 e 2009, tanto em termos agregados quanto segundo o gênero, a idade e a escolaridade dos indivíduos. Os resultados mostram que a proporção de desempregados em termos agregados seria cerca de duas vezes maior se fossem incluídos os marginalmente ativos e os subocupados por insuficiência de horas. Além disso, as reduções da taxa de desemprego padrão observadas ao longo do tempo são acompanhadas de quedas tanto na proporção de marginalmente ativos quanto na de subocupados por insuficiência de horas trabalhadas. Palavras-chave: taxa de desemprego; indicadores; Brasil

This article aims to analyze the evolution of the standard unemployment rate in Brazil during the last decade, as well as two new ways of defining this indicator. The first includes individuals classified as marginally attached to the labor market, or people who are available to work, but in the reference week did not actively sought employment, and the second includes workers underemployed due to insufficiency of hours worked, people considered employed in the reference week, but they would and were available to work more hours than actually worked. The empirical analysis is performed for the six metropolitan areas of PME between 2003 and 2009, both in aggregate and according to gender, age and education of individuals. The results show that the proportion of unemployed in the aggregate rate would be about two times higher if this included the marginally attached and the underemployed due to insufficiency of hours worked. In addition, reductions in standard unemployment rate observed over time are accompanied by declines in both the proportion of marginally attached as the underemployed due to insufficiency of hours worked. Keywords: unemployed rate; indicators; Brazil

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1 INTRODUÇÃO A taxa de desemprego e a taxa de atividade são dois dos indicadores sobre o mercado de trabalho mais utilizados na análise econômica. A grande importância dada a tais taxas está vinculada as suas implicações para o desenvolvimento econômico e, consequentemente, para a definição de políticas públicas. Com isso, uma questão central das agências de estatística de todo o mundo se refere à delimitação do conceito de desemprego. A maior parte dos países, incluindo o Brasil, distingue os desocupados dos outros não ocupados com base no critério de procura por trabalho. O esforço de busca é visto como fator revelador de uma forte proximidade dos indivíduos com o mercado de trabalho. No entanto, esse critério não permite realçar as diferenças existentes dentro de cada grupo, principalmente no grupo dos inativos. Embora a definição básica de desemprego envolva a busca por trabalho, há pessoas que estão disponíveis para trabalhar, mas na semana de referência não buscaram ativamente emprego. Do mesmo modo, existem pessoas que são consideradas ocupadas na semana de referência, porém gostariam e estão disponíveis para trabalhar mais horas que as efetivamente trabalhadas. Estas pessoas são classificadas, de acordo com a nova Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE, como desempregadas “marginalmente ligadas à população economicamente ativa (PEA)”, ou marginalmente ativas, no primeiro caso, e como subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas, no segundo. Há uma grande polêmica na literatura sobre como classificar esses dois tipos de trabalhadores1. No caso dos marginalmente ativos, questiona-se se eles se aproximam daqueles considerados inativos (aqueles que não trabalham nem buscaram ativamente trabalho) ou daqueles desocupados (aqueles que não trabalham e buscaram ativamente trabalho). Já no caso dos subocupados, procura-se verificar se realmente podem ser classificados como ocupados, dada sua instabilidade nessa posição. Dessa forma, o artigo tem como objetivo apresentar um panorama evolutivo do conceito padrão de taxa de desemprego, assim como de 1

Ver Byrne, Strobol (2004); Jones, Riddell (1999); e Görg, Strobol (2001).

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duas novas formas de definição desse indicador: incluindo os marginalmente ativos e incluindo os trabalhadores subocupados por insuficiência de horas trabalhadas. A análise é feita para as seis regiões metropolitanas de abrangência da PME entre 2003 e 2009, tanto em termos agregados, quanto segundo o gênero, a idade e a escolaridade dos indivíduos. Os resultados mostram que a proporção de desempregados em termos agregados seria cerca de duas vezes maior se fossem incluídos os marginalmente ativos e os subocupados por insuficiência de horas. Além disso, as reduções da taxa de desemprego padrão observadas ao longo do tempo são acompanhadas de quedas na proporção de marginalmente ativos e na de subocupados por insuficiência de horas trabalhadas. Esse movimento também ocorre quando as taxas de desemprego são decompostas por gênero, idade e escolaridade. Logo, isso indica que, durante os últimos sete anos, a tendência de redução do desemprego foi ainda mais intensa devido ao declínio desses dois grupos adicionais de indivíduos. Adicionalmente, conclui-se que existe um predomínio de indivíduos classificados como marginalmente ativos nos grupos etários mais jovens e também nos grupos de maior nível de escolaridade. Já a superioridade dos subocupados por insuficiência de horas trabalhadas encontra-se entre os indivíduos mais velhos e os de menor nível de educação. 2 DEFINIÇÃO DE DESEMPREGO, INATIVIDADE E OCUPAÇÃO Como membro da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Brasil corroborou e adaptou as resoluções dessa instituição para traduzir melhor a sua realidade. Sendo assim, no mercado de trabalho brasileiro, a população considerada em idade ativa (PIA) engloba as pessoas com 10 anos ou mais de idade e está dividida entre: 1) população economicamente ativa (PEA) ou força de trabalho, que reúne aqueles que estão ocupados mais os desocupados; e 2) o grupo dos inativos ou não economicamente ativos (Pnea). De acordo com o IBGE, o termo força de trabalho refere-se aos indivíduos que estão ocupados ou desocupados, mas que buscam ativamente emprego, ou que temporariamente foram dispensados e

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estão aguardando ser chamados novamente. Compreende-se como ocupadas (PO) as pessoas que exerceram um trabalho remunerado (em dinheiro, mercadorias ou benefícios) ou sem remuneração, em ajuda a membro da unidade domiciliar, que era empregado, empregador ou autônomo, durante pelo menos uma hora, na semana de referência da pesquisa de emprego. São ditas desocupadas (PD) as pessoas que não trabalharam na semana de referência da pesquisa, mas que tomaram providência efetiva para conseguir trabalho no período de 30 dias e estavam disponíveis, naquela semana, para assumir um emprego. Os indivíduos que não estão ocupados ou desocupados são denominados inativos. O quadro abaixo representa a divisão da PIA para as seis regiões metropolitanas de abrangência2 da PME, tomando a média do ano de 2009: Quadro 1

Participantes da população em idade ativa metropolitana – média do ano de 2009 (por 1.000 pessoas) População em idade ativa (com 10 anos ou mais) 40.847 PEA ou força de trabalho 23.148 56,7% Ocupados 21.276 91,9%

Pnea ou inativos 17.699 43,3% Desocupados 1.871 8,1% Já trabalharam 1.557 6,7% Nunca trabalharam 314 1,4%

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da PME 2009.

2

Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.

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Em 2009, por exemplo, a PME identificou uma média de 41 milhões de brasileiros em idade ativa vivendo em regiões metropolitanas. Destes, aproximadamente 23 milhões estavam ocupados, 1,8 milhão estava desocupado e mais de 17 milhões faziam parte do grupo dos inativos. Dessa forma, a taxa de desocupação média em 2009, ou seja, PD dividida pela PEA, foi de 8,1% e a taxa de atividade média, PEA dividida pela PIA, foi de 56,7%. É necessário destacar o elevado dinamismo desse mercado, na medida em que a todo momento muitas pessoas transitam entre os seus diversos estados. Só do ano de 2008 para o de 2009, por exemplo, houve um aumento médio de pouco mais de 200 mil pessoas na força de trabalho e a taxa média de desocupação cresceu 0,2 ponto percentual (p.p). Logo, é possível notar quão importante são essas transições no mercado de trabalho e como elas podem gerar influências sobre seus indicadores agregados3. 2.1 DEBATE SOBRE OS MÉTODOS DE CLASSIFICAÇÃO DO DESEMPREGO Tanto a OIT4 quanto o Brasil adotam uma definição de desemprego padrão (ou aberto) que tem como base três critérios que devem ocorrer ao mesmo tempo: (a) estar sem trabalho; (b) encontrar-se correntemente disponível para o trabalho; e (c) estar buscando trabalho. Tais critérios dizem respeito às atividades dos indivíduos durante um período de referência específico5. Uma pessoa deve ser classificada como desocupada somente se já tiver sido estabelecido que ela não se encontra ocupada. O objetivo desse critério é assegurar que ocupação e desocupação sejam mutuamente excludentes, com precedência dada à ocupação. Assim, pessoas alocadas em um trabalho eventual, mesmo que procurando trabalho, serão classificadas como ocupadas. 3

Para um maior detalhamento do panorama recente do mercado de trabalho brasileiro, ver Ramos (2009). 4 Para maiores informações sobre as definições e mensurações do emprego, subemprego e desemprego adotadas pela OIT, ver Hussmanns (2007). 5 Para o IBGE, por exemplo, a semana de referência é aquela, de domingo a sábado, que precede a semana definida como de entrevista para a unidade domiciliar. Cada mês da pesquisa é constituído por quatro semanas de referência.

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Os indivíduos que, no período de referência, não integram o grupo dos ocupados ou dos desocupados serão classificados como inativos. Vale destacar que, neste último grupo, a composição dos indivíduos é bastante diversa, existindo até pessoas cuja proximidade com o mercado de trabalho durante o período de captação de 358 dias6 foi efetiva e que na semana de referência mantinham o desejo por trabalho. O IBGE define a busca por trabalho como “a tomada de alguma providência efetiva (ou ativa) para conseguir trabalho, ou seja: o contato estabelecido com empregadores; a prestação de concurso; a inscrição em concurso; a consulta a agência de emprego, sindicato ou órgão similar; a resposta a anúncio de emprego; a solicitação de trabalho a parente, amigo, colega ou por meio de anúncio; a tomada de medida para iniciar negócio etc.” 7. Em alguns países da OCDE, a exemplo do Canadá, o critério de procura por trabalho pode englobar não só métodos ditos “ativos”, quanto métodos “passivos”, tal como olhar anúncios em jornais. Por outro lado, os trabalhadores ditos “desencorajados”, indivíduos que gostariam de trabalhar, mas não procuram emprego por acreditar que este não estaria disponível, apresentam uma classificação que se modifica ao longo do tempo. Nos EUA, eles eram considerados desocupados até 1967 e, no Canadá, até 1975; em seguida, foram classificados como inativos. Ao fundamentar a definição de desocupado no critério de busca por trabalho em um determinado período de referência, admite-se que o esforço de procura é revelador de uma forte proximidade dos indivíduos com o mercado de trabalho. Sendo assim, as pessoas que não procuram trabalho, pois foram desencorajadas pela situação do mercado, mas que apresentam o desejo por trabalhar, também chamadas de marginalmente ativas, não demonstrariam uma aproximação suficientemente forte com a atividade para serem classificadas como desocupadas. Por outro lado, a literatura internacional tem apontado para a existência de vínculos atípicos entre determinados indivíduos ocupados e o mercado de trabalho. A natureza dessa associação está no fato de que tais indivíduos apresentam características pessoais distintas que 6

Procuraram emprego de forma efetiva ou até mesmo trabalharam no período de referência de 358 dias. 7 Ver Série Relatórios Metodológicos, volume 23, p. 19.

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os levam a ser mais propensos ao desemprego ou à inatividade num futuro próximo. Como tal movimento deve ser fortemente influenciado pelos ciclos de crescimento ou recessão vivenciados na economia, sua magnitude pode gerar reflexos sobre a taxa de desemprego. Nesse contexto encontram-se as pessoas classificadas como subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas8, ou seja, grupo constituído por indivíduos que trabalharam efetivamente menos de 40 horas na semana de referência, no seu único trabalho ou no conjunto de todos os seus trabalhos, porém gostariam de trabalhar mais horas que as efetivamente trabalhadas e estavam disponíveis para trabalhar mais horas no período de 30 dias, contados a partir do primeiro dia da semana de referência. A ideia por detrás dos estudos sobre esses trabalhadores atípicos está em buscar boas medidas que predigam as transições futuras do mercado de trabalho. A satisfação9 do trabalhador deve estar diretamente relacionada ao risco de perda da ocupação, assim como as suas características pessoais e ocupacionais. Logo, a insatisfação do trabalhador quanto ao seu vínculo de emprego parece estar ligada a uma maior mobilidade para o grupo dos desempregados, podendo assim ser classificado conforme o objeto de estudo. Com o objetivo de entender melhor a condição do mercado de trabalho e captar suas heterogeneidades, o Brasil vem adotando novos conceitos de desemprego. Nesse contexto, o índice do Seade/Dieese introduziu outras formas de mensurar o desemprego com a definição do desemprego oculto pelo trabalho precário e do desemprego oculto pelo desalento10, ou seja: Desempregados – são indivíduos que se encontram numa situação involuntária de não trabalho, por falta de oportunidade de trabalho, ou que exercem trabalhos irregulares, com desejo de mudança. Essas pessoas são desagregadas em três tipos de desemprego: 8

O trabalho de Machado; Machado (2009) apresenta uma investigação sobre esse subgrupo de ocupados. 9 Ver, para o Brasil, Fontes; Machado (2008). 10 Para mais detalhes sobre a metodologia e a definição das diferentes formas de desemprego mensuradas pela Pesquisa de Emprego e Desemprego do Seade/Dieese, ver http://www.dieese.org.br/ped/pedmet.xml.

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Desemprego aberto – pessoas que procuraram trabalho de maneira efetiva nos 30 dias anteriores ao da entrevista e não exerceram nenhum trabalho nos sete dias anteriores; Desemprego oculto pelo trabalho precário – pessoas que realizam trabalhos precários (algum trabalho remunerado ocasional de auto-ocupação) ou pessoas que realizam trabalho não remunerado em ajuda a negócios de parentes e que procuraram mudar de trabalho nos 30 dias anteriores ao da entrevista, ou que, não tendo procurado neste período, o fizeram sem êxito até 12 meses antes; Desemprego oculto pelo desalento – pessoas que não possuem nem procuraram trabalho nos 30 dias anteriores ao da entrevista, por desestímulos do mercado de trabalho ou por circunstâncias fortuitas, mas apresentaram procura efetiva de trabalho nos 12 meses anteriores.

Assim, é de suma importância que os países adotem critérios para a classificação dos indivíduos no mercado de trabalho que mais se adaptem à sua realidade e aos seus problemas mais frequentes. Isso é de extrema necessidade, tanto para as realizações de políticas públicas como para o aumento da eficácia destas. 3 METODOLOGIA E DADOS Tendo em vista compreender melhor a evolução do desemprego tanto em sua classificação padrão quanto através da abertura de duas novas definições, o presente artigo tem como fonte de dados a Pesquisa Mensal de Emprego elaborada pelo IBGE no período de 2003 a 2009. A PME é uma pesquisa domiciliar de periodicidade mensal, que investiga características da população residente na área urbana das seis regiões metropolitanas de abrangência: Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Ela tem como objetivo a medição das relações entre o mercado de trabalho e a força de trabalho, associadas a outros aspectos socioeconômicos, incluindo todas as atividades econômicas e todos os segmentos ocupacionais. Assim, o tema básico da PME é o trabalho, constando na referida pesquisa algumas características demográficas e educacionais, tendo em vista possibilitar melhor entendimento da força de trabalho.

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Os dados da PME são obtidos a partir de um esquema amostral que garante a representatividade de seus indicadores para o conjunto da população. As informações são adquiridas por meio de entrevistas com todas as pessoas de 10 anos de idade ou mais, moradoras nos domicílios selecionados, a fim de identificar sua vinculação ao mercado de trabalho. A amostra de unidades domiciliares da pesquisa é distribuída pelas quatro semanas de referência do mês. Assim, os resultados agregados do mês são obtidos pela média dessas quatro semanas de referência. Através da manipulação dos microdados da pesquisa foi possível construir os conceitos distintos de taxas de desemprego e, em seguida, decompô-los segundo características individuais como idade, escolaridade e gênero. Para selecionar as pessoas chamadas marginalmente ligadas à PEA utilizou-se a variável derivada criada pelo IBGE, que identifica dentre os inativos aqueles que trabalharam ou procuraram trabalho no período de referência de 358 dias e estavam disponíveis para assumir uma ocupação na semana de referência. Da mesma forma, separou-se os trabalhadores considerados subocupados por insuficiência de horas trabalhadas por meio da variável que identifica os indivíduos que trabalharam efetivamente menos de quarenta horas na semana de referência, porém gostariam e estavam disponíveis para trabalhar mais horas que as efetivamente trabalhadas nessa semana. Logo, estabeleceram-se as seguintes definições: Taxa de desemprego padrão (conceito OIT): Tx_desemp =

desocupados ocupados+desocupados

Taxa de desemprego I: considerando as pessoas marginalmente ligadas à PEA Tx_desemp_I =

desocupados + marg_ativos ocupados + desocupados + marg_ativos

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Taxa de desemprego II: considerando os indivíduos subocupados por insuficiência de horas trabalhadas Tx_desemp_II =

desocupados+ocup_insuf_horas ocupados + desocupados

Taxa de desemprego total: incluindo os marginalmente ativos e os subocupados por insuficiência de horas trabalhadas Tx_desemp_total=

desocupados + marg_ativos + ocup_insuf_horas ocupados + desocupados + marg_ativos

Adicionalmente, fez-se o cálculo de cada uma dessas taxas conforme os subgrupos de idade, gênero e escolaridade. Para idade, foram consideradas quatro faixas etárias: de 10 a 17 anos; de 18 a 24 anos; de 25 a 49 anos; e 50 anos ou mais. Quanto ao gênero, fez-se a diferença entre homens e mulheres e, quanto à educação, observaram-se as seguintes faixas: sem instrução ou inferior a 1 ano de estudo; de 1 a 3 anos de estudo; de 4 a 7 anos de estudo; de 8 a 10 anos de estudo; e com 11 anos ou mais de estudo. 4 RESULTADOS De forma a organizar melhor os resultados, essa seção foi subdividida em três partes. A primeira apresenta os resultados para o agregado das regiões metropolitanas e sua separação por sexo; em seguida, fazse a descrição por grupo etário; e, por último, analisam-se as taxas de desemprego por faixas de escolaridade. Dentro de cada subseção, os resultados são ordenados num conjunto de dois gráficos. O primeiro ilustra a evolução trimestral11 das três definições de taxas de desemprego referidas acima e do seu total entre 2003 e 2009. No segundo gráfico, são exibidas as trajetórias das diferenças entre cada novo conceito de taxa de desemprego e a taxa de desemprego padrão, ou seja, a proporção do grupo adicionado à taxa padrão dividida pela PEA. 11

O valor da taxa em cada trimestre corresponde à média aritmética dos três meses que o compõem.

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4.1 EVOLUÇÃO DAS TAXAS DE DESEMPREGO AGREGADAS E POR GÊNERO A primeira sequência de gráficos mostra o comportamento agregado das três definições de taxa de desocupação e do seu total. Notase que o desemprego padrão teve uma trajetória média descendente durante todo o período de análise. No início de 2003, a taxa padrão foi de 12%, passando para cerca de 7,5% no final de 2009. Trajetórias decrescentes também podem ser observadas para as taxas de desemprego definidas a partir dos demais conceitos. Um ponto de destaque é que a proporção de marginalmente ativos foi semelhante à de subocupados por insuficiência de horas. Além disso, as tendências de queda foram similares para esses dois grupos. No primeiro semestre de 2003, a taxa de desemprego total, incluindo marginalmente ativos e subocupados por insuficiência de horas, foi superior a 20%. No último trimestre de 2009, tal taxa caiu para 13%. Gráfico 1a e 1b

Taxa de desemprego agregada 25

20

15

10

5

0

03 ri/03 ri/04 ri/04 ri/05 ri/05 ri/06 ri/06 ri/07 ri/07 ri/08 ri/08 ri/09 ri/09 T T T T T T T T T T T T T 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º

Tri/

Taxa de Desemprego Padrão

Taxa de Desemprego I

Taxa de Desemprego II

Taxa de Desemprego Total

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10

8

6

4

2

0

03 ri/03 ri/04 ri/04 ri/05 ri/05 ri/06 ri/06 ri/07 ri/07 ri/08 ri/08 ri/09 ri/09 T T T T T T T T T T T T T 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º

Tri/

Marg. Ativos/PEA

Subocup. Horas/PEA

(Marg. Ativos + Subocup. Horas)/PEA

Os Gráficos 2 e 3 exibem a evolução das taxas de desemprego para homens e mulheres. Nota-se que, entre as mulheres, a proporção de desempregadas, usando qualquer um dos critérios, tem uma magnitude maior do que entre os homens. No primeiro trimestre de 2003, a taxa de desemprego padrão masculina manteve-se em torno de 9%, enquanto a feminina superou os 14%. Ao adicionar o grupo dos marginalmente ativos e dos subocupados por insuficiência de horas há uma elevação dessa taxa, sendo de 16% para os homens e de 26% para as mulheres. Além disso, as contribuições relativas dos dois grupos adicionados são semelhantes entre os gêneros. De 2003 a 2009, as tendências foram decrescentes para as taxas de desemprego de homens e mulheres, embora as oscilações fossem mais intensas para este último grupo. Percebe-se, ainda, que as reduções ocorreram tanto na taxa de desemprego padrão quanto nas proporções de marginalmente ativos e de subocupados por insuficiência de horas. Logo, ao final de 2009, a taxa de desemprego total masculina foi de 10%, enquanto a feminina registrou uma magnitude de 16%.

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Gráfico 2a e 2b

Taxa de desemprego para os homens 28

24

20

16

12

8

4

03 ri/03 ri/04 ri/04 ri/05 ri/05 ri/06 ri/06 ri/07 ri/07 ri/08 ri/08 ri/09 ri/09 T T T T T T T T T T T T T 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º

Tri/

Taxa de Desemprego Padrão

Taxa de Desemprego I

Taxa de Desemprego II

Taxa de Desemprego Total

12

10

8

6

4

2

0

03 ri/03 ri/04 ri/04 ri/05 ri/05 ri/06 ri/06 ri/07 ri/07 ri/08 ri/08 ri/09 ri/09 T T T T T T T T T T T T T 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º

Tri/

Marg. Ativos/PEA

Subocup. Horas/PEA

(Marg. Ativos + Subocup. Horas)/PEA

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Gráfico 3a e 3b

Taxa de desemprego para as mulheres 28

24

20

16

12

8

4

03 ri/03 ri/04 ri/04 ri/05 ri/05 ri/06 ri/06 ri/07 ri/07 ri/08 ri/08 ri/09 ri/09 T T T T T T T T T T T T T 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º

Tri/

Taxa de Desemprego Padrão

Taxa de Desemprego I

Taxa de Desemprego II

Taxa de Desemprego Total

12

10

8

6

4

2

0

03 ri/03 ri/04 ri/04 ri/05 ri/05 ri/06 ri/06 ri/07 ri/07 ri/08 ri/08 ri/09 ri/09 T T T T T T T T T T T T T 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º

Tri/

Marg. Ativos/PEA

104

Subocup. Horas/PEA

(Marg. Ativos + Subocup. Horas)/PEA

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4.2 EVOLUÇÃO DAS TAXAS DE DESEMPREGO POR FAIXAS ETÁRIAS Os Gráficos de 4 a 7 apresentam o panorama das taxas de desemprego por grupo etário. Nota-se claramente que o desemprego é mais elevado para os jovens com idade entre 10 e 24 anos quando comparado com o dos dois grupos mais velhos, entre 25 e 49 anos e com 50 anos ou mais. Ao analisar o primeiro gráfico da sequência, que retrata o grupo etário de 10 a 17 anos, percebe-se que a taxa de desemprego padrão registrada no princípio de 2003 era de aproximadamente 34%, aumentando para 50% quando se considera o conceito de desemprego total. Nesse grupo, a proporção de marginalmente ativos está cerca de 4 pontos percentuais acima da proporção de desocupados por insuficiência de horas. Cabe destacar que, embora os comportamentos desses dois grupos não tenham sido semelhantes ao longo do tempo, entre 2003 e 2009 ambos apresentaram uma redução de 2 pontos percentuais. Logo, como a taxa de desemprego padrão também diminuiu ao longo desse período, o resultado foi uma queda expressiva da taxa de desemprego total, que atingiu 26% no final de 2009. No que se refere aos jovens do grupo de idade entre 18 e 24 anos, a taxa de desemprego total, em 2003, ficou em torno de 32%, fechando 2009 próximo a 23%. De forma semelhante, nesta faixa etária, a participação dos marginalmente ativos manteve-se acima da do grupo dos subocupados por insuficiência de horas trabalhadas. Enquanto a participação dos primeiros permaneceu praticamente constante ao longo do tempo, a proporção de subocupados por insuficiência de horas foi reduzida. A taxa de desocupação padrão também exibiu um comportamento declinante durante esses anos, totalizando uma queda de 7 pontos percentuais entre 2003 e 2009. Os indivíduos com idade entre 25 e 49 anos apresentaram, durante todo o período estudado, taxas de desemprego inferiores às dos grupos jovens. Em 2003, o conceito padrão teve um valor próximo a 10% e a taxa de desemprego total margeou os 18%, como pode ser visto no Gráfico 6. Ao contrário do que se observa nos grupos até 24 anos, a participação dos subocupados por insuficiência de horas trabalhadas supera a dos marginalmente ativos. Adicionalmente, a proporção

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deste último grupo ficou praticamente constante nesse intervalo de tempo, enquanto a dos subocupados por insuficiência de horas foi reduzida. A taxa de desemprego padrão também apresentou uma tendência decrescente, fazendo com que a taxa de desemprego total em 2009 diminuísse para cerca de 12%. Por fim, o Gráfico 7 ilustra a evolução do desemprego da faixa etária com 50 anos ou mais. Uma primeira característica desse grupo é apresentar um comportamento semelhante ao do grupo com idade entre 25 e 49 anos, porém em um patamar mais baixo. Sua taxa de desemprego padrão, por exemplo, manteve uma média de 3,8% durante os sete anos abrangidos, enquanto o grupo intermediário apresentou um valor próximo a 7,5%. Todavia, o que mais chama atenção é a perpetuação e o distanciamento da inversão entre as proporções de subocupados por insuficiência de horas trabalhadas e dos marginalmente ativos, ocorrida na faixa etária de 25 a 49 anos. Esse resultado mostra que, para os grupos acima de 24 anos, estar subocupado é um “problema” relativamente mais frequente do que ser marginalmente ativo, algo que difere das faixas etárias jovens, nas quais este último grupo tem predominância.

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Gráfico 4a e 4b

Taxa de desemprego entre 10 e 17 anos 50

42

34

26

18

10

2

03 ri/03 ri/04 ri/04 ri/05 ri/05 ri/06 ri/06 ri/07 ri/07 ri/08 ri/08 ri/09 ri/09 T T T T T T T T T T T T T 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º

Tri/

Taxa de Desemprego Padrão

Taxa de Desemprego I

Taxa de Desemprego II

Taxa de Desemprego Total

18 16 14 12 10 8 6 4 2 0

03 ri/03 ri/04 ri/04 ri/05 ri/05 ri/06 ri/06 ri/07 ri/07 ri/08 ri/08 ri/09 ri/09 T T T T T T T T T T T T T 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º

Tri/

Marg. Ativos/PEA

Subocup. Horas/PEA

(Marg. Ativos + Subocup. Horas)/PEA

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Gráfico 5a e 5b

Taxa de desemprego entre 18 e 24 anos 50

42

34

26

18

10

2

03 ri/03 ri/04 ri/04 ri/05 ri/05 ri/06 ri/06 ri/07 ri/07 ri/08 ri/08 ri/09 ri/09 T T T T T T T T T T T T T 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º

Tri/

Taxa de Desemprego Padrão

Taxa de Desemprego I

Taxa de Desemprego II

Taxa de Desemprego Total

18 16 14 12 10 8 6 4 2 0

03 ri/03 ri/04 ri/04 ri/05 ri/05 ri/06 ri/06 ri/07 ri/07 ri/08 ri/08 ri/09 ri/09 T T T T T T T T T T T T T 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º

Tri/

Marg. Ativos/PEA

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Subocup. Horas/PEA

(Marg. Ativos + Subocup. Horas)/PEA

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Gráfico 6a e 6b

Taxa de desemprego entre 25 e 49 anos 50

42

34

26

18

10

2

03 ri/03 ri/04 ri/04 ri/05 ri/05 ri/06 ri/06 ri/07 ri/07 ri/08 ri/08 ri/09 ri/09 T T T T T T T T T T T T T 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º

Tri/

Taxa de Desemprego Padrão

Taxa de Desemprego I

Taxa de Desemprego II

Taxa de Desemprego Total

18 16 14 12 10 8 6 4 2 0

03 ri/03 ri/04 ri/04 ri/05 ri/05 ri/06 ri/06 ri/07 ri/07 ri/08 ri/08 ri/09 ri/09 T T T T T T T T T T T T T 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º

Tri/

Marg. Ativos/PEA

Subocup. Horas/PEA

(Marg. Ativos + Subocup. Horas)/PEA

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Gráfico 7a e 7b

Taxa de desemprego entre 50 anos ou mais 50

42

34

26

18

10

2

03 ri/03 ri/04 ri/04 ri/05 ri/05 ri/06 ri/06 ri/07 ri/07 ri/08 ri/08 ri/09 ri/09 T T T T T T T T T T T T T 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º

Tri/

Taxa de Desemprego Padrão

Taxa de Desemprego I

Taxa de Desemprego II

Taxa de Desemprego Total

18 16 14 12 10 8 6 4 2 0

03 ri/03 ri/04 ri/04 ri/05 ri/05 ri/06 ri/06 ri/07 ri/07 ri/08 ri/08 ri/09 ri/09 T T T T T T T T T T T T T 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º

Tri/

Marg. Ativos/PEA

110

Subocup. Horas/PEA

(Marg. Ativos + Subocup. Horas)/PEA

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4.3 EVOLUÇÃO DAS TAXAS DE DESEMPREGO POR ESCOLARIDADE A decomposição das taxas de desemprego por faixas de escolaridade retrata a diversidade de comportamentos no mercado de trabalho de acordo com o grau de instrução dos indivíduos. É possível mostrar que, independentemente do conceito de desemprego utilizado, o formato dessa taxa, considerando as faixas educacionais, aparenta um “U” invertido12, ou seja: inicia-se relativamente mais baixa entre os menos escolarizados (até 7 anos de estudo), eleva-se para os indivíduos com instrução intermediária (ente 8 e 10 anos de estudo) e, em seguida, se reduz novamente para as pessoas muito educadas. No entanto, observando os Gráficos de 8 a 12, nota-se que cada faixa de instrução apresenta peculiaridades quando se amplia a definição de desemprego. Os Gráficos 8 e 9 ilustram as taxas de desocupação para os indivíduos com instrução inferior a 1 ano de estudo e com escolaridade entre 1 e 3 anos. Nos dois grupos, a taxa padrão de desemprego inicia 2003 acima de 10% e tem uma tendência de declínio, margeando os 5% no quarto trimestre de 2009. Além disso, em ambos os grupos, as razões subocupação e PEA encontram-se acima da razão entre os marginalmente ativos e a PEA, sendo que as duas trajetórias são de queda, e a primeira razão ainda apresenta uma maior volatilidade nos sete anos de análise. Com isso, a taxa de desemprego total tem uma redução acima de 7,5 pontos percentuais no fim de 2009. As pessoas na faixa de estudo de 4 a 7 anos têm um comportamento similar às das duas faixas de menor instrução, quando se analisa a taxa de desemprego padrão e a total. A diferença aparece no contraste entre a proporção de marginalmente ativos e a de subocupados por insuficiência de horas trabalhadas, na medida em que elas se tornam muito próximas. Como consequência, as taxas denominadas I e II exibem valores parecidos durante o intervalo 2003 a 2009. O Gráfico 11 retrata a evolução da desocupação para os indivíduos com grau de instrução intermediário, ou seja, entre 8 e 10 anos de estudo. Neste grupo, os patamares de taxas ficam acima daqueles descritos para os menos educados. A taxa padrão e a total iniciam 12

Ver Paes de Barros; Camargo; Mendonça (1997).

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2003, respectivamente, por volta de 15% e 25%, e terminam 2009 próximas a 10% e 15%. O fato interessante está na superação da taxa I sobre a II. Enquanto para os grupos com educação inferior a 7 anos houve uma predominância dos subocupados sobre os marginalmente ativos, na faixa de 8 a 10 anos de estudo passa a ocorrer uma inversão dessas classificações. Dessa forma, é possível notar que há uma maior incidência de indivíduos que, apesar de serem classificados como inativos, possuem o desejo por trabalho do que de pessoas insatisfeitas com o número de horas trabalhadas. Por último, no Gráfico 12, são analisados os resultados para a mais alta faixa educacional, acima de 11 anos de estudo. O perfil desse grupo retorna a uma magnitude de taxa de desemprego padrão entre 10% e 5%, assim como de uma taxa de desemprego total entre 18% e 12%, ambas com tendência de redução ao longo do tempo. Além disso, há uma reaproximação das proporções de marginalmente ativos e de subocupados por insuficiência de horas trabalhadas, cujos valores oscilam em torno dos 3%, o mais baixo atingido dentre as faixas educacionais.

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Gráfico 8a e 8b

Taxa de desemprego abaixo de 1 ano de estudo 30

25

20

15

10

5

0

03 ri/03 ri/04 ri/04 ri/05 ri/05 ri/06 ri/06 ri/07 ri/07 ri/08 ri/08 ri/09 ri/09 T T T T T T T T T T T T T 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º

Tri/

Taxa de Desemprego Padrão

Taxa de Desemprego I

Taxa de Desemprego II

Taxa de Desemprego Total

12

10

8

6

4

2

0

03 ri/03 ri/04 ri/04 ri/05 ri/05 ri/06 ri/06 ri/07 ri/07 ri/08 ri/08 ri/09 ri/09 T T T T T T T T T T T T T 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º

Tri/

Marg. Ativos/PEA

Subocup. Horas/PEA

(Marg. Ativos + Subocup. Horas)/PEA

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Gráfico 9a e 9b

Taxa de desemprego de 1 a 3 anos de estudo 30

25

20

15

10

5

0

03 ri/03 ri/04 ri/04 ri/05 ri/05 ri/06 ri/06 ri/07 ri/07 ri/08 ri/08 ri/09 ri/09 T T T T T T T T T T T T T 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º

Tri/

Taxa de Desemprego Padrão

Taxa de Desemprego I

Taxa de Desemprego II

Taxa de Desemprego Total

12

10

8

6

4

2

0

03 ri/03 ri/04 ri/04 ri/05 ri/05 ri/06 ri/06 ri/07 ri/07 ri/08 ri/08 ri/09 ri/09 T T T T T T T T T T T T T 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º

Tri/

Marg. Ativos/PEA

114

Subocup. Horas/PEA

(Marg. Ativos + Subocup. Horas)/PEA

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Gráfico 10a e 10b

Taxa de desemprego de 4 a 7 anos de estudo 30

25

20

15

10

5

0

03 ri/03 ri/04 ri/04 ri/05 ri/05 ri/06 ri/06 ri/07 ri/07 ri/08 ri/08 ri/09 ri/09 T T T T T T T T T T T T T 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º

Tri/

Taxa de Desemprego Padrão

Taxa de Desemprego I

Taxa de Desemprego II

Taxa de Desemprego Total

12

10

8

6

4

2

0

03 ri/03 ri/04 ri/04 ri/05 ri/05 ri/06 ri/06 ri/07 ri/07 ri/08 ri/08 ri/09 ri/09 T T T T T T T T T T T T T 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º

Tri/

Marg. Ativos/PEA

Subocup. Horas/PEA

(Marg. Ativos + Subocup. Horas)/PEA

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Gráfico 11a e 11b

Taxa de desemprego de 8 a 10 anos de estudo 30

25

20

15

10

5

0

03 ri/03 ri/04 ri/04 ri/05 ri/05 ri/06 ri/06 ri/07 ri/07 ri/08 ri/08 ri/09 ri/09 T T T T T T T T T T T T T 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º

Tri/

Taxa de Desemprego Padrão

Taxa de Desemprego I

Taxa de Desemprego II

Taxa de Desemprego Total

12

10

8

6

4

2

0

03 ri/03 ri/04 ri/04 ri/05 ri/05 ri/06 ri/06 ri/07 ri/07 ri/08 ri/08 ri/09 ri/09 T T T T T T T T T T T T T 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º

Tri/

Marg. Ativos/PEA

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Subocup. Horas/PEA

(Marg. Ativos + Subocup. Horas)/PEA

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Gráfico 12a e 12b

Taxa de desemprego de 11 ou mais anos de estudo 30

25

20

15

10

5

0

03 ri/03 ri/04 ri/04 ri/05 ri/05 ri/06 ri/06 ri/07 ri/07 ri/08 ri/08 ri/09 ri/09 T T T T T T T T T T T T T 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º

Tri/

Taxa de Desemprego Padrão

Taxa de Desemprego I

Taxa de Desemprego II

Taxa de Desemprego Total

12

10

8

6

4

2

0

03 ri/03 ri/04 ri/04 ri/05 ri/05 ri/06 ri/06 ri/07 ri/07 ri/08 ri/08 ri/09 ri/09 T T T T T T T T T T T T T 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º 1º 3º

Tri/

Marg. Ativos/PEA

Subocup. Horas/PEA

(Marg. Ativos + Subocup. Horas)/PEA

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5 CONCLUSÃO Este artigo teve como objetivo analisar a evolução recente da taxa de desemprego padrão no Brasil metropolitano, assim como de duas novas formas de definição desse indicador. A primeira inclui os indivíduos classificados como marginalmente ativos, ou seja, pessoas que estão disponíveis para trabalhar, mas na semana de referência não buscaram ativamente emprego, e a segunda inclui os trabalhadores subocupados por insuficiência de horas trabalhadas, pessoas consideradas ocupadas na semana de referência, mas que estavam disponíveis para trabalhar mais horas que as efetivamente trabalhadas. Para a análise empírica, foram utilizados os microdados da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, durante o período de 2003 a 2009. Fezse o cálculo de cada uma das três taxas de desemprego e também de uma taxa total, tanto em termos agregados, quanto segundo o gênero, a idade e a escolaridade dos indivíduos. Os resultados mostram que a proporção de desempregados em termos agregados seria cerca de duas vezes maior se fossem incluídos os marginalmente ativos e os subocupados por insuficiência de horas. Além disso, as reduções da taxa de desemprego padrão observadas ao longo do tempo são acompanhadas de quedas na proporção de marginalmente ativos e na de subocupados por insuficiência de horas trabalhadas. As variações da desocupação por gênero também exibem resultados interessantes. Todos os conceitos de taxa de desemprego adotados tendem a cair com o tempo. Tanto homens quanto mulheres apresentam uma proporção de marginalmente ativos muito próxima a de subocupados por insuficiência de horas trabalhadas. Entretanto, os valores das taxas de desemprego femininas superam em muito as masculinas. Ao retratar as faixas etárias, nota-se que os grupos mais jovens são os mais afetados pelas altas taxas de desemprego, assim como por uma maior incidência de pessoas inativas com desejo por trabalho e de pessoas insatisfeitas com o número de horas trabalhadas. Já os grupos mais velhos tendem a apresentar taxas mais estáveis e valores em magnitudes menores. Todavia, o que mais se destaca nessa decomposição por idade é que, para os grupos acima de 24 anos, estar

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subocupado é um “problema” relativamente mais frequente do que ser marginalmente ativo, algo que difere das faixas etárias jovens, em que este último grupo tem predominância. Já os resultados para as taxas de desemprego segundo a faixa educacional apresentam um comportamento em formato de “U” invertido, independentemente da definição utilizada de desemprego, ou seja, o grupo menos escolarizado e o mais escolarizado exibem taxas inferiores às resultantes do grupo com instrução intermediária. Além disso, os indivíduos com até 3 anos de estudos têm uma chance maior de estarem insatisfeitos com o número de horas trabalhadas do que de se considerarem desalentados. Essa situação se inverte para as pessoas com instrução de 8 a 10 anos. O grupo com educação de 4 a 7 anos e aqueles com 11 anos ou mais de estudo apresentam proporções semelhantes entre marginalmente ativos e subocupados por insuficiência de horas trabalhadas. Por fim, é importante conjeturar sobre dois dos pontos encontrados, ou seja, o predomínio dos marginalmente ativos nos grupos jovens e também nos grupos mais escolarizados, perante a superioridade dos subocupados por insuficiência de horas trabalhadas entre os indivíduos mais velhos e os menos educados. Uma possível explicação para esse primeiro ponto está no fato de que pessoas mais escolarizadas tendem a apresentar salários de reserva mais altos e, assim, se encaixar no grupo dos marginalmente ativos por achar que o salário de mercado não reflete sua produtividade. Por outro lado, o grupo mais jovem deve se deparar com um problema de informação, na medida em que a ausência de experiência no mercado de trabalho faria com que os salários oferecidos pelos empregadores fossem mais baixos e não necessariamente refletissem a produtividade desses entrantes. Com relação aos dois grupos onde a subocupação por insuficiência de horas é mais forte, indagar sobre as possíveis explicações para tal fato é mais complicado devido à subjetividade da pergunta. Todavia, existe a possibilidade de estar ocorrendo uma insuficiência de demanda por trabalhadores mais velhos e por trabalhadores menos escolarizados, grupos de grande vulnerabilidade. Logo, é importante considerar essas novas definições de desemprego na medida em que ampliam a reflexão sobre o desenvol-

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vimento do mercado de trabalho brasileiro e trazem importantes elementos para o debate a respeito do direcionamento do sistema público de emprego e sua eficácia. Além disso, a tendência de queda na desocupação, independentemente do conceito utilizado, reforça os resultados positivos do mercado de trabalho ocorridos recentemente.

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ÁREAS PROTEGIDAS E INCLUSÃO SOCIAL UMA EQUAÇÃO POSSÍVEL EM POLÍTICAS PÚBLICAS DE PROTEÇÃO DA NATUREZA NO BRASIL? Marta de Azevedo Irving

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O presente trabalho tem o objetivo de refletir sobre a relação sociedade e natureza, na contemporaneidade, e sua expressão em políticas públicas de proteção da natureza no Brasil. A análise se fundamenta nos compromissos de inclusão social assumidos pelo país, no cenário internacional, e do contexto de pressão sobre a base de recursos naturais, motivada pelas demandas de crescimento e redução das desigualdades sociais. Para tal, se parte de uma perspectiva teórica sobre a problemática da relação sociedade e natureza, traduzida na leitura de algumas políticas públicas norteadoras no Brasil, como o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc) e o Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (Pnap). Parece claro que, embora nos últimos anos se verifique um avanço considerável do discurso destas políticas com relação ao compromisso de inclusão social, na prática, muitos desafios permanecem ainda sem resposta, tendo em vista a complexidade das “arenas” sociais envolvidas e as demandas, na perspectiva estratégica internacional. Palavras-chave: natureza; áreas protegidas; políticas públicas; inclusão social

The aim of the present work is to reflect about the relation between nature and society, in the contemporary world, and its expression in public policies, in Brazil. The analysis is based on the social inclusion commitments assumed by the country in the international scenario and the context of growing pressure on the natural resources, motivated by growth and poverty reduction demands. To reach this purpose, the work is based on a theorical overview about nature and society approach, which is translated in the interpretation of some key public policies in Brazil, such as the National System of Conservation Units (SNUC) and the National Strategic Plan on Protected Areas (PNAP). Although it is clear that, in the last years, there has been a considerable improvement in public policies, concerning to social inclusion approach, in practical terms, many challenges are still without solution, mainly due to the complexity of social “arenas” and the strategic demands in the international context. Keywords: nature; protected areas; public policies; social inclusion

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CONTEXTUALIZANDO O TEMA: PARA INICIAR O PERCURSO Importantes paradoxos têm marcado o pensamento contemporâneo, em função da herança histórica de distanciamento entre sociedade e natureza, legado de uma perspectiva pós-industrial e moderna, na qual a mercantilização da natureza resulta de permanente e frenética engrenagem na produção de bens e serviços, inspirados pela ótica de proliferação de desejos tão intensos quanto insaciáveis. E neste cenário mutante e, ao mesmo tempo, provisório nada “permanece”, tudo se substitui em tempo e espaço, na impermanência da “modernidade líquida” (BAUMAN, 2001). E neste movimento, a transposição de valores do “ser humano” para o “ter humano”, em um processo de alienação baseado na produção incessante de desejos e frustrações (TAVARES; IRVING, 2009). E, assim, a “natureza humana” se desvincula da “natureza naturada”. Mas segundo Moscovici (2007), a natureza “...nos fabrica, tanto quanto nós a fabricamos”. E nesta relação, todos compartilham o mesmo destino, no que Edgar Morin denomina Terra Pátria (MORIN; KERN, 2000). O existir se baseia, portanto, na indissociabilidade entre natureza e sociedade, e no compartilhamento de uma realidade comum, na qual um estado de influência recíproca e permanente define o movimento. Tendo como base este pressuposto, refletir sobre uma possível relação entre a proteção da natureza e o compromisso de inclusão social requer, segundo Irving et al. (2008) “um exercício de desconstrução de mitos históricos, consolidados na sociedade contemporânea, a partir de um olhar fragmentado e distorcido sobre a relação sociedade e natureza”. Este modo de pensar da sociedade contemporânea, fundamentado na disjunção absoluta entre o homem e a natureza, tem sido sistematicamente, criticado por Morin, para o qual esta compartimentação resulta de uma perspectiva disciplinar de interpretação da realidade, que impede a relação entre as partes e entre estas e o todo. Para o autor, o pensamento ocidental opera por disjunção e redução. Mas nesta dinâmica, resistências e rupturas acontecem, se repetem e se reconstroem, permanentemente (MORIN; HULOT, 2007), e deste modo novos acontecimentos são possíveis. Para Loureiro (2004), esta disjunção é ainda reforçada pelo modelo de desenvolvimento adotado a partir da sociedade pós-industrial,

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realimentado no contexto do capitalismo, que dicotomiza esta relação, na medida em que transforma o meio natural em recurso e não privilegia a indissociabilidade entre natureza e cultura. E ainda, se a natureza não está associada a seu valor intrínseco, a proteção do meio natural se justifica apenas por sua importância em “atendimento às necessidades humanas” (EHRENFELD, 1992). E, na esquizofrenia pósmoderna, a reprodução da crença do domínio humano sobre a natureza. Mas natureza e sociedade compõem um complexo indissociável (GUATTARI, 1991; MORIN; KERN, 2000, op. cit.; ACSELRAD, 2004; MOSCOVICI, 2007, op. cit.). E, neste caso, o “mito moderno da natureza intocada”, fundamentado na crença da cisão entre as partes e na afirmação de que a natureza precisa ser protegida do efeito perverso da existência humana (DIEGUES, 1996), tende a incorporar uma nova leitura. E nesta nova interpretação, o ser natural é também um ser social e o ser social é natureza. No movimento desta reflexão filosófica emerge também o “imprevisível anunciado”, expresso na crise ecológica e ambiental, com sua face mais aguda nas últimas décadas, e que também coloca em xeque a própria modernidade, cujas dimensões mais valorizadas (consagração da autonomia, da liberdade, da personalidade e autorrealização dos indivíduos, do ter e não do ser) se volatilizam em sua face obscura, um difuso mal-estar expresso no isolamento social, moral e político, o que resulta em alienação, perda da solidariedade e individualismo. Assim, o mal-estar social se confunde e se mimetiza com os problemas ambientais e ecológicos, e com eles o despertar súbito e o choque resultante do risco de sobrevivência da própria espécie humana. Neste cenário, “as incertezas pela certeza da imprevisibilidade” (IRVING et al., 2008). E para Moscovici (2007) a “questão ecológica” expressa a consciência de que o lugar do homem na natureza está em crise, o que legitima a recusa de se continuar a considerar o homem como espécie privilegiada, ou ainda de se separar a história das sociedades humanas da história de suas naturezas. E este constitui um dos principais dilemas da contemporaneidade. E, apesar de inúmeras conferências internacionais1 e convenções de 1

Notadamente o esforço da ONU na Conferência de Estocolmo, em 1972, e seus desdobramentos, entre eles, a Rio 92, uma das referências globais na discussão e difusão da temática ambiental.

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âmbito global assinadas2 com o objetivo de “conter” a degradação dos ambientes naturais e a escalada de riscos ambientais, a partir do início do século XXI, mais claras são também as evidências de que as condições socioambientais do planeta continuam não sendo as melhores. Pelo contrário, são ainda mais marcantes os sintomas do que Moscovici (2007, op. cit.) denomina “bancarrota ecológica”, caracterizada pelo aumento da pobreza, das epidemias, do desmatamento e da destruição florestal de áreas naturais, da contaminação de recursos hídricos e da atmosfera, e resultante do uso predatório da natureza e dos padrões de consumo e modos de vida insustentáveis. Segundo Irving et al. (2008, op. cit.), o cerne desta questão está efetivamente na natureza das sociedades capitalista industrial e pósindustrial, uma vez que nelas, (...) as dimensões humanas, da natureza e do ambiente natural e social são submetidas à lógica mercantil e monetária, elevando até o ponto extremo a contraposição e dissociação sociedade/natureza. Entretanto, não basta reconhecer que a tendência para uma crise social e ambiental mais aguda está no sistema capitalista e na sua vital necessidade de lucros contínuos e crescentes. (...) muitas são as dimensões históricas, sociais e culturais que contribuem para ilustrar a situação paradoxal, na qual ambientes são agredidos e deteriorados com obstinada determinação e, ao mesmo tempo, se desenvolve um sentimento de apreço pela natureza e por um ambiente favorável à vida humana e social. (IRVING et al., 2008, p. 5)

Neste cenário, estratégias internacionais são reiteradamente discutidas para a conservação da biodiversidade global. E também nesta direção se observa uma mudança gradual de foco. Este movimento pode ser claramente observado nas Conferências das Partes (COPs) da Convenção da Diversidade Biológica (CDB) e da Convenção sobre Mudanças Climáticas, que passam a considerar, cada vez mais, o compromisso de repartição justa dos benefícios decorrentes do uso da biodiversidade e os aspectos sociais vinculados à conservação da natu2

Com ênfase às Convenções sobre Mudanças Climáticas e Diversidade Biológica durante a Rio 92 e, posteriormente, toda a sequência de Conferência das Partes (COPs).

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reza e ao repensar dos modos de vida da sociedade contemporânea. Da mesma forma, esta abordagem passa a ser internalizada nas deliberações da International Union for Conservation of Nature (IUCN), de forma marcante, a partir da Declaração de Durban (IUCN, 2003), o que é ainda reforçado pelo estabelecimento das Metas do Milênio (PNUD, 2005) e da Convenção sobre a Diversidade Cultural (CONFERÊNCIA GERAL DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA, 33, 2005). E neste campo de debate e reflexão, a própria noção de conservação da natureza passa a ser também entendida como construção humana, na qual novas lógicas são então delineadas, em um esforço de resgate e reintegração entre sociedade e natureza. Isto acontece de maneira evidente na dinâmica de países emergentes ou em vias de desenvolvimento fortemente pressionados pelas demandas de crescimento, pelas desigualdades sociais e pela pressão internacional para a proteção da natureza. Este tem sido o caso do Brasil e de outros países da América Latina nos últimos anos. Neste sentido, nas últimas três décadas, importantes avanços têm ocorrido, no país, para o aprimoramento da legislação ambiental e para a institucionalização da questão ecológica (MEDEIROS; IRVING; GARAY, 2004). Particularmente, nos últimos anos, a partir da Política Nacional de Meio Ambiente (BRASIL, 1981) e da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), a democratização da gestão de patrimônio natural e o protagonismo social nas ações governamentais de proteção da natureza passaram a se constituir em compromisso central em políticas públicas, ainda que no primeiro momento apenas no plano do discurso político. Posteriormente, os esforços foram dirigidos para a construção de um arcabouço jurídico e institucional consistente que, na atualidade, transformou o país em ícone de inovação em políticas de proteção da natureza, na América Latina. Este avanço foi obtido, principalmente, a partir do estabelecimento e regulamentação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – Snuc (BRASIL, 2000 e 2002), do Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas – Pnap (BRASIL, 2006) e da Política de Povos e Populações Tradicionais – PPPT (BRASIL, 2007). Mas em que medida as políticas públicas de proteção da natureza, e em particular aquelas relacionadas às áreas protegidas, são realmente capazes de promover inclusão social?

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INCLUSÃO SOCIAL: O QUE, POR QUE E PARA QUEM? Para responder a esta questão é fundamental que se entenda o próprio conceito de inclusão social (para o qual não há uma abordagem consensual), a partir da desmistificação do binômio simplista inclusãoexclusão, que tanto tem orientado os discursos políticos nos países emergentes. Neste sentido, Martins (2002) reafirma que exclusão é um desses termos que fazem parte de um conjunto de categorizações imprecisas, atualmente utilizadas de maneira indiscriminada e difusa, para definir os aspectos mais problemáticos da sociedade contemporânea, no Terceiro Mundo. Nessa direção, tal conceito tende a englobar os mais diferentes problemas sociais da sociedade, com o sentido de tudo explicar. E, de acordo com o autor (op. cit.), na verdade: Não existe exclusão e sim inclusões de diferentes formas, sejam elas satisfatórias ou precárias, marginais, instáveis. O que se chama de exclusão é aquilo que constitui o conjunto das dificuldades, dos modos e dos problemas de uma inclusão insatisfatória. A inclusão daqueles que estão sendo alcançados pela nova desigualdade social produzida pelas grandes transformações econômicas e para os quais não há senão, na sociedade, lugares residuais. Nesse sentido, exclusão, sociologicamente, não existe. O discurso corrente sobre exclusão é basicamente produto de um equívoco, de uma fetichização, a fetichização conceitual da exclusão, a exclusão transformada em uma palavra mágica que explicaria tudo. (MARTINS, 1997, p. 29)

Mas, para Martins (op. cit.), este reducionismo, centrado no binômio inclusão-exclusão, representa uma cilada, que impede a discussão do que está no cerne da questão, ou seja, as formas precárias de inclusão. Neste contexto, o que parece fundamental não é o discurso vazio, centrado em terminologias já banalizadas, mas a investigação das causas do processo, que levam os grupos humanos às situações de exclusão, ou melhor, de “inclusão” de modo insatisfatório, degradante, desumano. Esta constitui uma reflexão fundamental no caso dos países emergentes, como é o caso do Brasil. E, nesse sentido, estes países têm

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feito escolhas estratégicas em relação às suas prioridades de desenvolvimento, muitas vezes contraditórias com as demandas sociais e de proteção da biodiversidade. Na necessidade de avançar nas estatísticas de crescimento e ascender aos patamares das denominadas grandes economias do século XXI, muitos deles reforçam a reprodução dos padrões de acumulação de capital, os processos exclusivos e a degradação cultural e ambiental. E as práticas e formas de intervir na natureza, sem que se compreendam as subjetividades envolvidas e se modifique o modelo de desenvolvimento, resultam em sérios problemas no plano real, no contexto prático-político e nas relações “locallocal” e “local-global”. Da mesma forma, a sedução pela simplificação do “complexo”, motivada pela busca de respostas imediatas, se traduz em escolhas nem sempre sustentáveis e, frequentemente, perversas para o processo inclusivo. E, nesse percurso, a falácia reiterada e obsoleta de crescimento econômico a qualquer custo, numa corrida matematicamente inviável entre as estatísticas de população humana e a base de recursos naturais renováveis para sustentar o processo e, evidentemente... as crises política, econômica, social, ambiental e ética. Neste cenário, em países como o Brasil, se mantém o equívoco recorrente da crença de que todo e qualquer problema pode ser resolvido apenas pela existência de um regime democrático e participativo, como pregam os textos das políticas públicas vigentes. Com certeza este seria um início de um longo processo, se partisse do pressuposto de que o compromisso de participação social expresso nas políticas públicas deveria estar conectado com uma realidade política que privilegiasse um modelo de desenvolvimento justo em uma sociedade não tão desigual, na qual as relações produtivas não seriam tão fortemente conflitivas. Esta talvez seja uma das principais razões pelas quais, nos últimos anos, esta temática tem ocupado o campo das reflexões acadêmicas, sendo progressivamente incorporada pelos discursos governamentais de diversas áreas e setores econômicos, que assumem o compromisso de formulação de políticas públicas e implementação de programas e projetos voltados à promoção da inclusão social. Assim, no caso específico da realidade latino-americana, um dos principais desafios enfrentados com este objetivo tem sido, justamente, o combate ao agravamento dos processos exclusivos e a busca por

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modelos de desenvolvimento capazes de assegurar processos democráticos e includentes. No entanto, nas últimas décadas, o fenômeno da globalização tem afetado consideravelmente estas iniciativas, uma vez que passou a reafirmar relações de dependência entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, com impactos significativos de ordem social, ambiental, cultural, política e, sobretudo, econômica, na dinâmica de desenvolvimento dos países emergentes. Uma crise ética para a qual o caminho para a solução não parece tão linear. Mas neste cenário nem sempre favorável, como pensar a questão da inclusão social, no futuro? E como associar este compromisso às políticas de proteção da natureza? Para responder a esta pergunta, o primeiro passo seria tentar refletir sobre de que forma a exclusão social se expressa no cotidiano destas sociedades designadas como “economias emergentes”. Neste sentido, Escorel (1997), revisitada por Sancho (2007) e Sancho e Irving (no prelo), aborda a temática da exclusão social como um processo que envolve trajetórias de vulnerabilidade, fragilidade ou precariedade e até ruptura de vínculos, em quatro dimensões e perspectivas da existência humana em sociedade: trabalho, social, política e cultural. A vulnerabilidade do trabalho recai sobre o aumento do desemprego, do emprego precário e da instabilidade a ele associada. Com relação à dimensão social, há a ruptura e/ou fragilização das relações familiares, de vizinhança e no interior do grupo social, levando o indivíduo ao isolamento e à solidão. Na dimensão política, as trajetórias envolvidas se baseiam na precariedade no acesso e no exercício dos direitos de cidadão e na impossibilidade de participação e representação na esfera pública. Na dimensão cultural, exclusão se caracteriza pela indiferença, discriminação e pelo não reconhecimento dos costumes e tradições culturais de um determinado grupo social. Além dessas dimensões, a interpretação do tema exclusão/inclusão social requer ainda uma nova leitura sob a perspectiva das dimensões ambiental e simbólica. Assim, para se pensar mecanismos futuros para a avaliação de políticas públicas de proteção da natureza, em sua vertente de inclusão social, algumas dimensões de análise precisam ser consideradas e estão sistematizadas no Quadro 1.

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Quadro 1 Dimensões possíveis para a interpretação de inclusão social em políticas públicas de proteção da natureza Dimensões

Temas de análise

Política

Formação cidadã no sentido de participação e representação na esfera pública de tomada de decisão Exercício pleno de direitos e deveres de cidadão Descentralização de poder e ações por parte dos órgãos governamentais em um sistema de corresponsabilidade e governança democrática Capital social/Capacidade de organização local Engajamento político através de redes sociais Acesso à informação de qualidade

Econômica

Oportunidades de renda digna e inserção no mercado Padrões dignos de qualidade de vida Benefícios compartilhados de ações coletivas Prioridades nas estratégias locais de desenvolvimento Acesso aos meios de crédito

Trabalho

Disponibilidade de emprego (postos de trabalho) Emprego reconhecido pela legislação Estabilidade nos postos de trabalho Direito à educação como meio de inserção cidadã e no mercado de trabalho Acesso aos meios de crédito Satisfação no trabalho Qualidade do ambiente de trabalho

Cultural

Reconhecimento, valorização e fortalecimento das tradições e costumes culturais locais Garantias de proteção e conservação do patrimônio histórico-artísticocultural Acesso a intercâmbio Reconhecimento e afirmação da diversidade cultural do grupo social Acesso a lazer de qualidade Direito à expressão de religiosidade e espiritualidade em todas as suas formas

Ambiental

Garantia de conservação dos recursos renováveis Acesso à visão (noção) coletiva de patrimônio natural Garantia de adoção e internalização de práticas sustentáveis de uso dos recursos não renováveis Garantia de acesso a um ambiente natural saudável

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Social

Fortalecimento/Melhoria das relações sociais Prevenção/Combate aos problemas sociais (violência, tráfico de drogas, prostituição, exploração sexual infantil, etc.) Prevenção contra a exploração em qualquer situação Acesso a oportunidades de educação de qualidade Coesão e fortalecimento de laços sociais no grupo

Simbólica/ Imaterial

Sentimento de pertencimento ao grupo social Sentimento de bem-estar Consciência de valores de ancestralidade e cosmologias do grupo Sentimento de cidadania planetária (comunidade de destino)

Fonte: Matriz adaptada e reconstruída com base em Escorel(1996); Sancho (2007) e Sancho e Irving (no prelo)

Desse modo, a promoção de inclusão social está diretamente ligada à formação de uma consciência crítica e cidadã na sociedade que contemple aspectos relacionados à educação, à ética, à solidariedade, à responsabilidade nas ações e no compromisso com os direitos e interesses coletivos, de forma que o cidadão passe a assumir um papel central e decisivo, ao lado do poder público, no processo de desenvolvimento do país. Nessa lógica, o compromisso de inclusão social pressupõe a articulação de políticas econômicas, sociais e também ambientais, integrando questões relacionadas à inserção (ou reinserção) no mercado e ao fortalecimento da noção de cidadania e dos espaços de participação social, de maneira a possibilitar a minimização dos processos que levam à desigualdade social. E para tal, o ponto de partida parece ser o reconhecimento de que o conflito faz parte das sociedades humanas e que, se este não for explicitado, radiografado e discutido, não será possível uma construção de políticas públicas consistentes, baseadas na realidade e nas dinâmicas sociais a ela associadas. Para Demo (2005), os consensos democráticos não eliminam os conflitos. Ao contrário, sua explicitação permite criatividade e inovação. Para o autor, “(...) mais que resolver conflitos, os consensos os acalmam, disciplinam, organizam, de tal forma que o bem comum possa prevalecer”. Assim, esta se constitui em uma leitura bem mais complexa e não linear da convivência humana, que inclui a aceitação de que o ser humano não é “solucionável” no plano evolucionário e histórico. E assim, segundo este ponto de vista, “nem todos os conflitos

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podem, devem ou merecem ser solucionados, já que são parte endógena da dialética da natureza”. Assim, parece claro que políticas públicas de proteção da natureza tenderão a avançar, a partir do reconhecimento do que representam os conflitos designados como “ambientais”, entendidos por Acselrad (2004, op. cit.) como aqueles que envolvem (...) grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis – transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos – decorrentes do exercício das práticas de outros grupos. (ACSELRAD, 2004, p. 26)

O PASSIVO DE CONFLITOS NO PROCESSO DE PROTEÇÃO DA NATUREZA NO BRASIL Como anteriormente discutido, refletir sobre a gestão de áreas protegidas requer um exercício de desconstrução de mitos históricos, consolidados na sociedade contemporânea, a partir de um olhar fragmentado e distorcido sobre a cisão sociedade e natureza. Neste caso, Morin (1973) afirma que, embora inúmeras tentativas teóricas tenham sido propostas para ancorar a ciência do homem sobre uma base naturalista, a biologia se fechou historicamente no biologismo, e a antropologia, no antropologismo, que traduz uma concepção insular do homem. Mas, na contemporaneidade, estas fronteiras perderam o sentido. E brechas políticas e resistências operam, permanentemente, no centro deste paradigma e, com elas, aberturas a outros domínios, até então interditados. Assim, o “mito moderno da natureza intocada” (DIEGUES, 1996, op. cit.), que orientou, historicamente, as políticas de proteção da natureza no país, adquire recentemente uma nova leitura, e, neste novo enfoque, o ser natural é também um ser social. Natureza e sociedade são então interpretadas como partes inseparáveis de um mesmo universo. Ocorre que, apesar destas novas percepções sobre o tema, um passivo elevado de conflitos resultou deste processo histórico e tem afeta-

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do, de forma marcante, a implementação das políticas nacionais mais recentes de proteção da natureza (com foco específico nas áreas protegidas), nitidamente associadas ao compromisso de inclusão social. Seria praticamente impossível mapear todos os efeitos deste processo, mas alguns impactos decorrentes da existência de áreas protegidas e de toda a dinâmica, até então adotada, para a sua criação e gestão (que até recentemente se baseava nas noções do “homem degradador” ou da simples perspectiva utilitária e mercantilizada de natureza), parecem ser recorrentes e persistentes, no caso brasileiro. A origem de muitos conflitos sociais tem se configurado no próprio processo de criação de Unidades de Conservação3. Este processo, salvo raras exceções, tem sido conduzido de forma centralizada, burocrática e com base em argumentos ecológicos, mas não a partir de uma leitura realista do contexto socioeconômico de uma área potencial para a conservação da biodiversidade. Embora os argumentos ecológicos sejam essenciais e algumas áreas exijam efetivamente um nível de proteção elevado por sua vulnerabilidade e riqueza biológica, não se pode imaginar que estes “espaços privilegiados de natureza intocada” estejam dissociados de uma complexa dinâmica sociocultural e política. E por este equívoco de interpretação, estas áreas impostas por um ator social exógeno à realidade local não costumam ser internalizadas pelas populações que ali habitam como patrimônio coletivo, de valor para a sua própria sobrevivência. Ao contrário, são interpretadas como obstáculos ao seu direito de existir e sobreviver. E, o que é pior, são entendidas com grande desconfiança como bens públicos distantes, sem qualquer relevância em seu cotidiano, expressão de interesses e intenções exógenas desconhecidas. No entanto, frequentemente, no momento em que os atores locais são convidados a participar do processo, esta dinâmica tende a ser alterada (e, em alguns casos, invertida) e novos elementos surgem no processo de gestão. Neste caso, muitas vezes, a necessidade de 3

Unidades de Conservação são definidas no Snuc (BRASIL, 2000) como “espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção”.

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mobilização social para a solução de problemas comuns potencializa o nível de organização comunitária e o empoderamento local, com a consequente internalização da noção de valor deste patrimônio coletivo. Em outros, o acirramento dos conflitos existentes pode levar ao rompimento e/ou degradação dos laços sociais. Mas este quadro tende também a se modificar no momento em que novos atores externos passam a atuar no local, e a possibilidade de captação de recursos, induzida pela própria existência da UC, passa a interferir na dinâmica social. Por outro lado, a falta de informações sobre a área protegida e a indefinição sobre o destino dos grupos humanos em seu interior ou entorno (principalmente no caso daquelas associadas à maior restrição de uso dos recursos naturais) potencializa a insegurança, a rejeição à área e as diferentes formas de conflito. E este tem sido o caso da maioria das UCs brasileiras (principalmente as de proteção integral), à exceção daquelas criadas a partir do próprio movimento social e das demandas locais. Uma outra fonte de conflitos históricos tem sido a fragmentação de políticas públicas (ou a “esquizofrenia” de políticas públicas) e a dificuldade de planejamento estratégico nas próprias esferas envolvidas, conforme discutido por Irving et al. (2007, op. cit.). Este fato tem gerado problemas graves como a criação de UCs em sobreposição às Terras Indígenas (fato marcante no caso amazônico), o mesmo território sendo priorizado, simultaneamente, pelas políticas vinculadas à proteção da natureza, à reforma agrária, ao agronegócio, à energia e à infraestrutura. E ainda mais problemático, o confronto direto entre as prioridades de proteção da natureza e as estratégias desenvolvimentistas consolidadas em investimentos governamentais, claramente ilustradas pelo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Assim, o mesmo território é priorizado em políticas públicas para fins contraditórios. E em um contexto no qual as informações sobre estas iniciativas não são democratizadas, resta um passivo de conflito, insatisfação e frustração coletiva. Estas práticas governamentais estão no cerne das principais tensões sociais locais e também na dificuldade de entendimento do real papel das áreas protegidas para o país. Além disso, é também importante ressaltar que o processo de transformação social resultante da existência de uma área protegida tende a ser irreversível.

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Mas como avaliar as reais mudanças sociais decorrentes deste processo e até que ponto elas são benéficas ou prejudiciais? Esta tem sido uma pergunta sem resposta na história recente das políticas de proteção da natureza no Brasil. Isto porque são raras as informações sistematizadas sobre as áreas protegidas (e, em especial, Terras Indígenas e Unidades de Conservação) que possam caracterizar uma linha de base para a própria avaliação de políticas públicas. Da mesma forma, a cultura pública no país não privilegia um planejamento estratégico por resultados, com base em indicadores claros. Por outro lado, transformação social não se mede apenas por indicadores quantitativos, usualmente empregados nos levantamentos socioeconômicos convencionais. Muito pelo contrário, avaliar transformação social (pela ótica de inclusão social, conforme discutido anteriormente) requer um esforço de interpretação de subjetividades, de imaginários e cosmologias que as pesquisas em áreas protegidas não costumam considerar. Também por esta razão, novos caminhos necessitam ser trilhados para que as políticas com este objetivo tenham êxito, no futuro. PRÓXIMO PASSO: OUSANDO CAMINHOS DEMOCRÁTICOS PARA A GESTÃO DE ÁREAS PROTEGIDAS NO BRASIL Nesta direção, como anteriormente mencionado, no caso brasileiro, a perspectiva da integração entre sociedade-natureza, nos últimos anos, tende a ser uma das premissas centrais de políticas públicas de proteção da natureza. No entanto, e ironicamente, estas se expressam de modo ainda paradoxal, uma vez que a lógica prevalecente no estabelecimento de uma Unidade de Conservação (UC) se inspira ainda na noção do “mito moderno da natureza intocada” (DIEGUES, 1996 op. cit.) e parte do pressuposto da necessidade de se “defender” um determinado ecossistema natural (considerado ecologicamente relevante sob a ótica local e/ou global) da ação humana, potencialmente predatória. Na prática, o processo busca “isolar” a área a ser protegida do seu entorno, considerado como a sua principal ameaça4. 4

Uma situação emblemática e ilustrativa desta afirmação, neste caso, se refere aos “parques” (categoria de manejo de proteção integral), que tipificam como nenhuma outra categoria de manejo a cisão sociedade-natureza, conforme discutido por Irving e Matos (2006), o que evidentemente resulta em conflito.

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No entanto, a Lei no 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (BRASIL, 2000 e 2002), associada e fortalecida pelo Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas – Pnap – Lei nº 5.758/2006 (BRASIL, 2006), responde também, de maneira inovadora e democrática, aos compromissos assumidos pelo país no contexto da Convenção da Diversidade Biológica, ao instituir a obrigatoriedade da gestão participativa das Unidades de Conservação (a partir de conselhos deliberativos e/ou consultivos), envolvendo Estado e sociedade. E desta decisão emerge a possibilidade de superação de uma série de impasses e conflitos que têm caracterizado os processos de criação e gestão destas áreas e que tem colocado em risco a própria consolidação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Nesse sentido, um dos objetivos expressos do Snuc se refere à promoção do desenvolvimento sustentável, a partir dos recursos naturais (Objetivo IV), o que é complementado pelo objetivo seguinte, de promover a utilização dos princípios e práticas de conservação da natureza no processo de desenvolvimento (Objetivo V). Estes dois objetivos se articulam e se tornam ainda mais complexos pela reconhecida importância da valorização econômica e social da diversidade biológica (Objetivo XI). Dessa forma, o Snuc expressa, de maneira clara em seus objetivos, as articulações necessárias, sob a ótica de planejamento, entre políticas de proteção da natureza e aquelas vinculadas à promoção do desenvolvimento econômico e social. É evidente, portanto, que um Conselho de Unidades de Conservação não pode apenas operar na lógica “intralimites” da natureza protegida, dissociada da dinâmica regional de desenvolvimento, ou correrá o risco de permanecer, na perspectiva de gestão, apenas como instância formal e protocolar, sem qualquer capacidade real de influenciar decisões políticas estratégicas. Ainda refletindo sobre as inovações trazidas pelo Snuc, os objetivos mencionados são articulados em três diretrizes centrais: a) mecanismos e procedimentos devem ser assegurados para o envolvimento da sociedade no estabelecimento e na revisão da Política Nacional de Unidades de Conservação (Diretriz II); b) a participação efetiva das populações locais deve ser assegurada na criação, implantação e gestão de Unidades de Conservação (Diretriz III);

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c) as necessidades das populações locais devem ser consideradas no desenvolvimento e adaptação de métodos e técnicas de uso sustentável de recursos naturais, independentemente das diferentes categorias de manejo previstas (Uso Sustentável ou Proteção Integral) (Diretriz XIX). Em algumas de suas diretrizes, o Snuc enfatiza, portanto, a questão da participação social e o compartilhamento de benefícios decorrentes da existência da própria UC como temas centrais e garantia de efetividade da própria política de proteção da natureza. Assim, enquanto no primeiro momento de criação de UCs prevalece no Snuc a “defesa” da Unidade de Conservação da ameaça da ação humana (embora a sistemática de consultas públicas seja prevista), no processo de gestão o compromisso de participação social ilustra a possibilidade de uma nova percepção: a de que o êxito desta política de proteção da natureza depende do efetivo engajamento das populações locais e dos diferentes atores sociais no processo de gestão e decisão política, a partir da internalização da natureza como patrimônio coletivo e da integração da área protegida com a dinâmica socioeconômica do entorno. O Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas – Pnap – (BRASIL, 2006) resulta, na sequência, de uma ampla discussão com a sociedade brasileira, no sentido de avançar nos compromissos assumidos pelo Brasil no âmbito da Convenção da Diversidade Biológica, apoiando a implantação/consolidação de um sistema abrangente de áreas protegidas ecologicamente representativo, efetivamente manejado, integrando as áreas terrestres e marinhas, até 2015. O Pnap estabelece diversos princípios e diretrizes, alguns dos quais reforçam esta nova perspectiva de integração sociedade e natureza, também no âmbito das políticas públicas, entre os quais: • valorização dos aspectos éticos, étnicos, culturais, estéticos e simbólicos da conservação da natureza (Princípio III); • valorização do patrimônio natural e do bem difuso, garantindo os direitos das gerações atuais e futuras (Princípio IV); • reconhecimento das áreas protegidas como um dos instrumentos eficazes para a diversidade biológica e sociocultural (Princípio VII); • repartição justa e equitativa dos custos e benefícios advindos da conservação da natureza, contribuindo para a melhoria de quali-

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dade de vida, erradicação da pobreza e redução das desigualdades regionais (Princípio XII); • desenvolvimento de potencialidades de uso sustentável das áreas protegidas (Princípio XIII); • reconhecimento e fomento às diferentes formas de conhecimento e práticas de manejo sustentável dos recursos naturais (Princípio XIV); • harmonização com as políticas públicas de ordenamento territorial e desenvolvimento regional sustentável (Princípio XVII); • pactuação e articulação das ações de estabelecimento e gestão das áreas protegidas com os diferentes segmentos da sociedade (Princípio XVIII); • promoção da participação, da inclusão social e do exercício de cidadania na gestão das áreas protegidas, buscando permanentemente o desenvolvimento social, especialmente para as populações do interior e do entorno das áreas protegidas (Princípio XX); • consideração do equilíbrio de gênero, geração, cultura e etnia na gestão das áreas protegidas (Princípio XXI); • garantia de ampla divulgação e acesso público às informações relacionadas às áreas protegidas (Princípio XXIV). Estes princípios trazem à tona e ilustram, neste texto oficial de políticas públicas, uma nova forma de se pensar a proteção da natureza, na qual elementos éticos, culturais e relativos aos compromissos de inclusão social ganham relevância e são expressos como norteadores dos movimentos futuros. Neste sentido, a hipótese de conselhos como instâncias apenas formais na prática operacional do manejo de Unidades de Conservação parece definitivamente descartada, ou o Snuc e o Pnap deixam de ter sentido real. Esta afirmação ganha ainda maior consistência quando são consideradas as tendências de alcance global, claramente estabelecidas pelo Acordo de Durban (ACUERDO, 2003) e pela Declaração de Bariloche (DECLARAÇÃO, 2007). O Acordo de Durban desmistifica o modelo tradicional de interpretação e de gestão de áreas protegidas, introduzindo a discussão sobre governança e o compromisso de participação social nas estratégias de gestão para além das fronteiras formais das áreas protegidas. A Declaração de Bariloche, na continuida-

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de do processo, identifica as prioridades latino-americanas, com forte enfoque social. Ela reafirma o compromisso dos países latino-americanos com o Plano de Trabalho para áreas protegidas, estabelecido pela CDB, mas reconhece também que as áreas protegidas da região constituem parte da herança natural e cultural e são instrumentos indispensáveis para que sejam alcançados os objetivos de desenvolvimento sustentável e melhoria do bem-estar das populações da região, ao mesmo tempo em que podem gerar soluções às problemáticas ambientais globais. Ainda segundo esta Declaração, alcançar este reconhecimento constitui uma necessidade urgente e um desafio para todos. O documento estabelece ainda ser fundamental a ampla participação da sociedade para a gestão includente de áreas protegidas, considerando os seus valores tangíveis e intangíveis. Para tal, é recomendada a ampliação dos processos de planificação participativa das áreas protegidas e a aplicação dos princípios de boa governança (transparência, equidade, prestação de contas e gerenciamento de conflitos) como mecanismo efetivo para o engajamento dos diferentes atores, a partir de espaços de diálogo. Nestes espaços devem ser consideradas as preocupações e expectativas dos diferentes atores sociais e estabelecidos compromissos e responsabilidades para a ação conjunta e coordenada entre diferentes instituições da esfera pública e representativa da sociedade civil, envolvendo comunidades locais (tradicionais ou não), povos indígenas, academia e também o setor privado, em apoio ao manejo efetivo e participativo das áreas protegidas. Importante enfatizar também que, no mesmo ano da Declaração de Bariloche, foi instituída, no Brasil, a Política de Povos e Populações Tradicionais, com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e valorização à sua identidade, suas formas de organização e suas instituições. Constituem objetivos específicos desta política: a) garantir aos povos e comunidades tradicionais seus territórios e o acesso aos recursos naturais que tradicionalmente utilizam para sua reprodução física, cultural e econômica;

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b) solucionar e/ou minimizar os conflitos gerados pela implantação de Unidades de Conservação de Proteção Integral em territórios tradicionais e estimular a criação de Unidades de Conservação de Uso Sustentável; c) implantar infraestrutura adequada às realidades socioculturais e demandas dos povos e comunidades tradicionais; d) garantir os direitos dos povos e das comunidades tradicionais afetados direta ou indiretamente por projetos, obras e empreendimentos; e) garantir e valorizar as formas tradicionais de educação e fortalecer processos dialógicos como contribuição ao desenvolvimento próprio de cada povo e comunidade, garantindo a participação e controle social tanto nos processos de formação educativos formais quanto nos não formais; f ) reconhecer, com celeridade, a autoidentificação dos povos e comunidades tradicionais, de modo que possam ter acesso pleno aos seus direitos civis individuais e coletivos; g) garantir aos povos e comunidades tradicionais o acesso aos serviços de saúde de qualidade e adequados às suas características socioculturais, suas necessidades e demandas, com ênfase nas concepções e práticas da medicina tradicional; h) garantir no sistema público previdenciário a adequação às especificidades dos povos e comunidades tradicionais, no que diz respeito às suas atividades ocupacionais e religiosas e às doenças decorrentes destas atividades; i) criar e implementar, urgentemente, uma política pública de saúde voltada aos povos e comunidades tradicionais; j) garantir o acesso às políticas públicas sociais e a participação de representantes dos povos e comunidades tradicionais nas instâncias de controle social; k) garantir nos programas e ações de inclusão social recortes diferenciados voltados especificamente para os povos e comunidades tradicionais; l) implementar e fortalecer programas e ações voltados às relações de gênero nos povos e comunidades tradicionais, assegurando a visão e a participação feminina nas ações governamentais, valorizando a importância histórica das mulheres e sua liderança ética e social; m) garantir aos povos e comunidades tradicionais acesso e gestão facilitados aos recursos financeiros provenientes dos diferentes órgãos de governo;

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n) assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e coletivos concernentes aos povos e comunidades tradicionais, sobretudo nas situações de conflito ou ameaça à sua integridade; o) reconhecer, proteger e promover os direitos dos povos e comunidades tradicionais sobre os seus conhecimentos, práticas e usos tradicionais; p) apoiar e garantir o processo de formalização institucional, quando necessário, considerando as formas tradicionais de organização e representação locais; e q) apoiar e garantir a inclusão produtiva com a promoção de tecnologias sustentáveis, respeitando o sistema de organização social dos povos e comunidades tradicionais, valorizando os recursos naturais locais e práticas, saberes e tecnologias tradicionais. Esta política inova e traz com ela a clara noção de integração sociedade e natureza e a exigência de transversalidade nas ações do governo brasileiro. Ela chama também a atenção para a necessidade de reconhecimento das formas tradicionais de uso dos recursos naturais e das subjetividades envolvidas no processo. E com ela, a primeira iniciativa de integração do Snuc com a política indígena e de resgate da cultura negra. E se no caso brasileiro estas noções são progressivamente internalizadas, nos planos regional e global parece haver um evidente consenso de que a gestão de áreas protegidas deve considerar o diálogo social e as demandas dos diferentes segmentos da sociedade, em uma perspectiva sistemática e também estratégica. Mas, neste caso, como tornar possível este percurso? Parece claro que estes avanços só poderão ser consolidados quando for possível a avaliação de processo de gestão de áreas protegidas com base nos princípios de governança democrática. Segundo o Acordo de Durban (ACUERDO, 2003, op. cit.), (...) governança engloba a interação entre as estruturas, os processos, as tradições e os sistemas de conhecimento, que determinam a forma pela qual se exerce o poder, a responsabilidade e as tomadas de decisão, e na qual os cidadãos e outros interessados diretos expressam sua opinião5.

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Livre tradução do Acuerdo de Durban. Durban (IUCN, 2003).

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Para Graham et al. (2003), governança se refere “à interação entre estruturas, processos e tradições, que determina como o poder e as responsabilidades são exercidos, como decisões são tomadas e como os cidadãos e outros parceiros envolvidos (stakeholders) são ouvidos”. Segundo os mesmos autores, constituem princípios norteadores para a construção de governança democrática na gestão de áreas protegidas: a) Legitimidade e Voz: envolve o direito à voz de todos os implicados, um contexto favorável ao ambiente democrático e de direitos humanos e um grau apropriado de descentralização e gestão participativa no processo de tomada de decisão, apoiado pela existência de associações civis e mídia independentes, além de alto nível de confiança entre os vários atores envolvidos. b) Direcionamento: envolve visão estratégica; conformidade com o direcionamento internacional relativo às UCs, existência de fundamento legal (formal e de regras tradicionais), definição de sistemas nacionais de UCs, com planejamento efetivo; existência de planos de gestão individualizados para as UCs e expressão de liderança efetiva no processo. c) Desempenho: considera a eficiência em atingir objetivos, capacidade de execução das funções requeridas, coordenação e difusão de informações ao público, responsividade e capacidade de lidar com as críticas da sociedade; processo de monitoramento e avaliação efetivos, gestão adaptativa e dinâmica, gerenciamento de risco. d) Responsabilidade/Credibilidade na prestação de contas: envolve a clareza na definição de responsabilidades e autoridade (quem presta contas de que e a quem); coerência das ações, existência de instituições públicas responsáveis e uma sociedade civil e mídia capazes de mobilizar demandas com este objetivo, além da transparência do processo. e) Equidade/Imparcialidade: considera a existência de um contexto jurídico de apoio ao processo, imparcialidade, correção e eficácia na aplicação das normas relativas à UC; equidade no processo de criação e gestão de UCs. Assim, um passo importante para se iniciar esta nova construção parte da necessidade de se pensar e discutir o significado dos conse-

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lhos de Unidades de Conservação como “espaços” possíveis de construção de governança democrática. Para tal, é fundamental a desconstrução de clichês, cronicamente delineados e internalizados, a partir da perspectiva tecnocrática, frequentemente associada ao discurso de políticas públicas. Esta reflexão demanda também a neutralização de uma versão simplista e estereotipada de gestão, que transforma a “arena social complexa”, representada pela figura do Conselho de Unidades de Conservação, em mera instância formal, prevista pelo arcabouço legal vigente, para apoiar e legitimar, operacionalmente, as ações de manejo. Mas o primeiro passo nesse sentido parece ser entender o efetivo alcance do Conselho como instância política e de cidadania. O segundo passo tende a ser a decodificação do real alcance dos conselhos de UCs, tendo em vista o seu significado como “campo de forças e arena de poder”, em uma perspectiva estratégica de cenários possíveis, considerando a UC e a dinâmica sociocultural e política de sua região de inserção, tendo em vista os desafios para a gestão de áreas protegidas, no caso brasileiro. Mas para avançar nesta direção, é importante que se contextualize também o momento atual e os desafios destas políticas, no plano internacional. Neste sentido, não se pode ignorar que 2010 foi designado como o Ano Internacional da Biodiversidade e, no Japão, em outubro deste ano, será realizada a 10ª Conferência das Partes (COP 10) da Convenção da Diversidade Biológica, na qual um dos temas centrais tende a ser a repartição justa dos benefícios decorrentes do uso da biodiversidade. Da mesma forma, não se pode negligenciar o compromisso global com as Metas do Milênio. Evidentemente que são inúmeras as expectativas sobre a COP 10, com relação às prioridades que serão estabelecidas para tornar possível a leitura da conservação da biodiversidade não mais como um problema a ser enfrentado, mas como uma oportunidade ímpar para se pensar em novos caminhos para a redução da pobreza e a construção de uma sociedade mais igualitária. Assim, insistir no “mito moderno da natureza intocada” tende a ser um erro histórico.

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DESENVOLVIMENTO INFANTIL UMA ANÁLISE DE EFICIÊNCIA Vívian Vicente de Almeida

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Combater a pobreza já pode, em grande medida, ser considerado uma meta em vários países ao redor do globo. A literatura que trata da pobreza e seu impacto socioeconômico é bem ampla. Numerosas, também, são as sugestões de como erradicá-la. Com base nesse reconhecimento, o investimento em capital humano com vistas à promoção do desenvolvimento humano e ao aumento do bem-estar social tornou-se o objetivo de várias sociedades. É nesse contexto que o investimento em desenvolvimento infantil ganha força. Isso porque a relevância desse tipo de investimento vem se destacando, principalmente, quando este é entendido como uma etapa necessária para a efetividade dos investimentos em capital humano. Estudos científicos vêm mostrando ao mundo que investimentos em desenvolvimento infantil, ao longo do tempo, são uma boa estratégia para promover desenvolvimento humano e aumentar o bem-estar social. Entender que esse tipo de investimento traz inúmeros benefícios à sociedade demanda, portanto, uma importante tarefa, qual seja, entender o processo de desenvolvimento infantil. A proposta deste trabalho é fazer uma comparação internacional, avaliando como alguns países estão promovendo desenvolvimento infantil, por meio da análise de indicadores que revelam o estado de saúde das crianças. Palavras-chave: desenvolvimento infantil; criança; saúde; eficiência técnica

Fighting poverty can already, in great measures, be considered a goal in many countries around the globe. The literature which treats poverty and its socioeconomic is pretty. Numerous are also the suggestion to erradicate it. Based in this recognition, the investment in human capital visioning promotion to human development a welfare state raising has become the goal in many societies. It is in this context that investment for children’s development gains power. And that is because the relevance in this kind of investment has been highlighted, mainly, when it is understood as a necessary step to the effectiveness from the investments in human capital. Scientific studies have been showing to the world that the investments in children’s development, long wise, are a good strategy to promote human development and social welfare. Understanding that these kind of investment brings lots of benefits to society demands, therefore, an import task, whichever, understanding the process of children’s development. The objective of this work is evaluate how the countries are promoting child development. Keywords: child development; children; health; technical efficiency

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INTRODUÇÃO Entender o processo de desenvolvimento humano e considerá-lo como um aspecto relevante para o progresso social e econômico da humanidade pode ser considerado um dos grandes avanços das Ciências Econômicas. Ao longo dos anos, notáveis contribuições têm sido feitas com vistas à promoção do desenvolvimento humano e ao aumento do bem-estar social. Só para citar alguns exemplos, Theodore Schultz (ganhador do Prêmio Nobel em 1979, em conjunto com Arthur Lewis) mostrou a relevância dos investimentos em capital humano como forma de aumentar a produtividade do indivíduo. Este fato iniciaria uma cadeia de acontecimentos em que, resumidamente, indivíduos mais educados se tornariam mais produtivos e aufeririam rendas mais altas e, portanto, conquistariam melhores condições de vida. Amartya Sen (ganhador do Prêmio Nobel em 1998) destacou a importância de aspectos não monetários para o aumento do bem-estar e a promoção do desenvolvimento humano, criando o conceito de desenvolvimento como liberdade (VAN DER GAAG, 2002). Essa evolução no pensamento econômico vem possibilitando o entendimento de que o processo de desenvolvimento humano pressupõe algumas etapas necessárias para ser efetivo. É nesse contexto que a importância dos investimentos em desenvolvimento infantil vem ganhando cada vez mais destaque e se tornando a agenda de vários países com vistas ao aumento do bem-estar social. A relação do desenvolvimento infantil com o desenvolvimento humano, por si só, já se configura em uma motivação teórica para o estudo do tema. É amplamente debatida na literatura a existência e quais são os benefícios trazidos para a sociedade em função do investimento nos primeiros anos de vida de um indivíduo1. O investimento na infância potencializando investimentos futuros em capital humano também se reflete em uma justificativa para o investimento em desenvolvimento infantil. Por essas razões, estudar e compreender como se dá o processo de desenvolvimento infantil se torna uma tarefa tão 1

A próxima seção se ocupa, exatamente, de mostrar algumas evidências empíricas encontradas na literatura sobre a importância dos investimentos em desenvolvimento infantil.

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relevante. A opção deste trabalho foi a realização de comparações internacionais com o objetivo de estimar a eficiência técnica dos países em promover desenvolvimento infantil. Para cumprir o referido objetivo, a avaliação do desenvolvimento infantil será feita de acordo com a seguinte estratégia. Primeiramente, serão apresentadas algumas evidências na literatura acerca de por que investir em desenvolvimento infantil se revela como uma boa estratégia para o desenvolvimento humano e econômico. Ainda neste tópico, será explicado por que a saúde da criança é um aspecto fundamental para a efetivação dos investimentos em desenvolvimento infantil. Em função do caráter multidisciplinar do tema, na parte 2 será elaborada uma tentativa de sintetizar o que é desenvolvimento infantil e por que o crescimento da criança é extremamente relevante para esse processo. Após, será feita uma exposição das variáveis selecionadas, bem como a construção da amostra, e a justificativa para a utilização de cada uma delas para medir o desenvolvimento infantil. Como mencionado, o objetivo deste trabalho é avaliar como os países estão promovendo o desenvolvimento infantil de maneira eficiente. Assim, para realizar esse exercício será utilizado o método de Fronteira de Eficiência Estocástica, que será explicado posteriormente. Também será exposto um modelo que objetiva analisar como os países estão promovendo o desenvolvimento infantil e será analisado o investimento, em termos monetários, dos países que compõem a amostra selecionada em desenvolvimento infantil. Além disso, serão realizadas simulações acerca desse investimento. E, por fim, serão expostas as principais conclusões. 1 IMPORTÂNCIA DOS INVESTIMENTOS EM DESENVOLVIMENTO INFANTIL Vários estudos científicos vêm mostrando ao mundo que investimentos em desenvolvimento infantil são uma boa estratégia para promover desenvolvimento humano e aumentar o bem-estar social. A

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obsolescência do debate genética versus nutrição2,3 e a percepção da complementaridade desses fatores no processo de desenvolvimento das crianças reforçam a relevância dos investimentos em desenvolvimento infantil e encontra justificativa nas mais variadas áreas da ciência. Do ponto de vista econômico, por exemplo, investir em capital humano logo nos primeiros anos de vida se justifica pelo fato de que o retorno desse investimento apresenta uma tendência declinante ao longo do ciclo de vida, concentrando um maior retorno logo nos primeiros anos. Melhor explicando, os investimentos em capital humano apresentam retornos diferenciados ao longo do ciclo de vida4. Incrementos no QI, por exemplo, são muito mais difíceis na hipótese de investimentos tardios em educação. Existem, também, potenciais complementaridades entre os diferentes tipos de investimento, com os investimentos realizados no início do ciclo de vida potencializando aqueles realizados posteriormente. Além disso, dado que o tempo de vida de um indivíduo é finito, quanto mais cedo ocorrerem os investimentos em capital humano maior será o tempo em que esse indivíduo, e por que não dizer a sociedade, irá desfrutar desse retorno (BECKER, 1975). Portanto, embora os investimentos em capital humano possam e devam ser realizados ao longo de todo o ciclo de vida, aqueles realizados durante a primeira infância constituem a base necessária para os investimentos futuros. Além das razões mencionadas anteriormente, existem muitas outras que justificam os investimentos na primeira infância. O fato, por exemplo, de as crianças apresentarem características bem semelhantes e ainda se encontrarem no início de seu processo de formação indica que as disparidades nessa etapa da vida são mínimas, o que extinguiria o trade-off eficiência versus equidade em investimentos em capital humano com o objetivo de reduzir desigualdades socio2

Em inglês, esse debate é conhecido como nature versus nurture, ou seja, a genética em contraponto à nutrição, e é amplamente debatido na literatura sobre desenvolvimento infantil. 3 Duflo (2000) revela evidências de que, em países subdesenvolvidos, o desenvolvimento infantil é influenciado, em sua maioria, pela alimentação e incidência, ou não, de infecções, fazendo com que, apenas na adolescência, a genética exerça um papel relevante. 4 Ver, por exemplo, Carneiro e Heckman (2003).

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econômicas nessa fase (CUNHA et al., 2005). Além disso, os impactos positivos desse investimento são também refletidos em melhor desempenho na escola, reduzindo o tempo que a criança leva para concluir as várias etapas do ensino básico e, portanto, reduzindo os custos sociais. Uma vez que essas crianças atingem níveis mais elevados de capital humano, diminui a probabilidade de que se adentrem no mundo do crime, ou de uma gravidez precoce, entre outros resultados. Além disso, como já foi mencionado anteriormente, aumentam suas chances de auferir maior renda no futuro (CUNHA et al., 2005). O investimento em crianças também reduziria os custos econômicos a longo prazo, na medida em que reduziriam gastos compensatórios no futuro. Melhor especificando, uma sociedade que despendesse cuidados e atenção básica adequados com as crianças, como serviços de saúde e educação de boa qualidade, estaria atuando no sentido de garantir igualdade de oportunidades. Esses indivíduos estariam mais bem preparados, por exemplo, para competir no mercado de trabalho por melhores postos de trabalho, reduzindo sua probabilidade de dependerem de políticas de transferência de renda no futuro (VAN DER GAAG, 2002, op. cit.). Por outro lado, na ausência de investimentos adequados em crianças, ações compensatórias no futuro não são tão eficazes em reduzir desigualdades. A ideia de propagação das desigualdades na geração de renda, em função de ineficiências na promoção do desenvolvimento infantil, reside no fato de que com menos acessos à educação e com condições de saúde mais precárias os futuros adultos teriam menos condições de almejar postos de trabalho com maiores remunerações. A hipótese é a de um ciclo que seria assim descrito: com a saúde debilitada, a criança tem mais dificuldades de aprendizado, o que compromete o seu desempenho escolar e, por isso mesmo, sua manutenção na escola. Ao prejudicar sua caminhada escolar, as possibilidades de chegar à universidade e almejar postos de trabalho com maiores remunerações tornam-se bem menores. Com isso, esta criança inicialmente sem acesso a melhores condições de vida mantém-se na sua condição inicial, perpetuando o ciclo de pobreza. Em outras palavras, investimentos insuficientes logo no início da vida do indivíduo podem acarretar baixos rendimentos e empregos

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precários, o que acaba impactando, diretamente, a dinâmica de distribuição de renda (ESPING-ANDERSEN, 2007). Enfim, vários são os argumentos na direção de investir nas crianças, seja pelo desenvolvimento humano, seja por uma visão estritamente economicista. O fato é que a atenção inadequada à criança em sua fase inicial de vida pode acarretar impactos graves e definitivos sobre o seu desenvolvimento, quase impossíveis de serem reparados posteriormente. Em função dos impactos positivos e significativos gerados pelo investimento em desenvolvimento das crianças, a preocupação com o desenvolvimento infantil vem fazendo parte da agenda mundial há várias décadas. O Banco Mundial, por exemplo, já incluiu em sua agenda a preocupação com o desenvolvimento infantil, financiando programas voltados para o desenvolvimento da primeira infância (Early Childhood Development – ECD) em inúmeros países. A especialista sênior em saúde pública do Banco Mundial, Mary Eming Young, em 1998, já afirmava: As evidências sugerem que os programas de ECD são eficazes quando enfrentam problemas vitais ao desenvolvimento do ser humano, tais como a desnutrição entre crianças com menos de cinco anos, o desenvolvimento cognitivo deficiente e o despreparo para a educação primária... intervenções em educação infantil podem aumentar a eficiência da educação primária e secundária, podem contribuir para maior produtividade e renda futuras, bem como reduzir o custo de serviços públicos e do atendimento à saúde. As deficiências causadas nos indivíduos pela desnutrição durante os primeiros anos de vida e por cuidados inadequados podem afetar a produtividade no trabalho e o desenvolvimento econômico em toda a sociedade. Intervenções planejadas e implementadas adequadamente para a criança pequena podem acarretar benefícios multidimensionais. (p. 202-210)

Com base na declaração apresentada é possível perceber a interseção entre a abordagem econômica com outras áreas da ciência, principalmente a de saúde. Além disso, investimentos em saúde e educação na criança têm impactos importantes sobre diversas di-

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mensões das condições de vida. Nesse trabalho, a saúde é entendida como a primeira garantia de condições de sobrevivência e, em grande medida, do desenvolvimento das crianças. Portanto, para entender o processo de desenvolvimento infantil é essencial entender que a primeira etapa a ser cumprida é garantir a sobrevivência de uma criança e investir em sua saúde. Se o objetivo de uma sociedade é aumentar o bem-estar social por meio deste tipo de desenvolvimento, garantir que uma criança desfrute de uma boa saúde é garantir que ela terá, com grandes chances, por exemplo, um bom desempenho escolar (MACHADO, 2008), esperando, portanto, que adquira boas qualificações, auferindo uma renda futura mais elevada5. Assim, a saúde nos primeiros anos de vida não seria apenas uma condição de bem-estar social. Mais que isso, a criança que não desfrutasse de condições mínimas de saúde para o seu desenvolvimento estaria, com alta probabilidade, sendo prejudicada, seja com relação a sua saúde física, seja com relação ao desenvolvimento necessário para o aumento da sua capacidade em realizar funções adequadas em cada estágio do seu ciclo de vida – saúde mental. Ou seja, desse ponto de vista, investir nas crianças não somente reduziria a sua probabilidade de adquirir certas deficiências e doenças que as prejudicariam talvez de forma permanente, como facilitaria seu desenvolvimento cognitivo e psicossocial. Sabe-se, por exemplo, que crianças que apresentam deficiências graves no seu processo de formação ligadas à insuficiência alimentar – subnutrição – e falta de acesso a serviços de saúde nos primeiros anos de vida têm seu cérebro permanentemente prejudicado, como é possível observar na Figura 1, comprometendo seu aprendizado por toda sua vida.

5

A associação entre renda e saúde infantil e seus impactos positivos para a sociedade pode ser encontrada em vários textos como, por exemplo, Case, Lubotsky e Paxson (2002), Crespo e Reis (2009) e Hoffmann (1998).

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Figura 1 Cérebros de duas crianças de 3 anos de idade

Fonte: National Bureau of Economic Research – NBER Working Paper Series – retirado do texto “School, Skills, and Synapses” (HECKMAN, J. 2008, p.88).

O cérebro da esquerda é de uma criança que cresceu e se desenvolveu, até a citada idade, em condições normais, ou seja, alimentação saudável, condições de moradia e saneamento regulares, acesso a serviços de saúde. No lado direito, encontra-se o cérebro de uma criança, com a mesma idade, que sofreu negligência extrema, ou seja, não teve acesso a nenhum dos fatores dispostos anteriormente e dispostos à criança com o cérebro do lado esquerdo. Como é possível observar, os danos são bem acentuados. Além do tamanho, podem ser observadas algumas lesões no cérebro da criança que sofreu negligência extrema. Partindo do princípio de que investimentos em capital humano são de extrema importância para o desenvolvimento de qualquer sociedade, na medida em que reduzem desigualdades e diminuem a pobreza, uma forma complementar de justificar o investimento infantil é estabelecer uma relação híbrida entre os aspectos econômicos e da saúde – física e mental – e argumentar que “se o cérebro se desenvolve bem, o potencial de aprendizagem aumenta e as possibilidades de fracasso na escola ou em período posterior da vida diminuem”. (EVANS; MYERS; ILFELD, 2000, p. 7). E, ainda, que estímulos cognitivos nos primeiros anos de vida do indivíduo são determinantes para o sucesso escolar posterior (ESPING-ANDERSEN, 2007, op. cit.). Tendo visto o caráter multidisciplinar do tema e sua relevância para o processo de desenvolvimento humano e promoção do bem-estar

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social, além do desenvolvimento econômico de uma sociedade, uma questão que se coloca, naturalmente, é: o que é desenvolvimento infantil? A seguir, veremos essa questão. 2 O QUE É DESENVOLVIMENTO INFANTIL? O caráter multidisciplinar do tema não se encerra apenas nas justificativas de por que se investir em desenvolvimento infantil. Sua própria definição gera uma extensa discussão nas mais variadas áreas da ciência. Contudo, apesar de o desenvolvimento infantil caracterizar-se por um processo múltiplo, dependente de vários fatores, uma das características mais importantes, segundo os especialistas, é o crescimento da criança. O crescimento, na verdade, é um reflexo direto do estado da saúde da criança. De fato, como ressaltam Mello Romani e Lira (2004), “o crescimento infantil se constitui em um dos melhores indicadores de saúde da criança e o retardo estatural representa, atualmente, a característica antropométrica mais representativa do quadro epidemiológico da desnutrição no Brasil”. Assim, o monitoramento do crescimento “pode ser considerado como um dos mais importantes indicadores quanto à qualidade de vida de um país, ou a extensão das distorções existentes em uma mesma população em seus diferentes subgrupos” (SILVA; SILVA JÚNIOR; OLIVEIRA, 2005). É por esta razão que o crescimento deve ser uma preocupação primordial para que os investimentos em desenvolvimento infantil tenham eficácia. Em suma, antes de entender o que é o desenvolvimento infantil faz-se necessário entender o processo de crescimento, que é um aspecto relacionado à saúde física da criança6. Do ponto de vista biológico algumas importantes considerações devem ser feitas, principalmente, porque os aspectos relativos à genética e às condições de vida estão diretamente relacionados ao processo de desenvolvimento do indivíduo. Primeiramente, destaca-se o fato de que existe uma diferença entre as velocidades do crescimento de diferentes partes do corpo e, portanto, cada fase da vida de um ser humano de6

Cabe destacar que na seção anterior já foi enfatizado que um aspecto fundamental do processo de desenvolvimento infantil é a garantia de saúde à criança.

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manda cuidados diferenciados. A Figura 2 mostra que é justamente na infância7 que o cérebro atinge o seu tamanho máximo, praticamente completando o tamanho finalmente atingido. Este fato reforça o que foi mostrado na Figura 1, no sentido de revelar a extrema importância dos cuidados despendidos à criança em seus primeiros anos de vida. Observado o eixo das abscissas, que indica a idade do indivíduo, é justamente de 0 a 5 anos de idade que o crescimento do cérebro atinge seu máximo. Assim, de um modo mais amplo, o crescimento geral do indivíduo é fortemente influenciado pelo período da infância. Figura 2 Curvas de crescimento de partes do corpo 200

Tamanho atingido em % do crescimento total pós-natal

180 160 Linfoide

140 120 100

Cabeça e cérebro 80 60

Geral

40 20

Reprodutivo

0 0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

20

Idade em anos

Fonte: Ministério da Saúde – Secretaria de Políticas de Saúde (retirado do texto“Saúde da criança – acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil”. 2002, p.15).

7

Mais adiante no texto serão mostradas as várias etapas do desenvolvimento infantil. Neste ponto, está sendo considerada “infância” um período mais genérico que envolve desde a gestação até os 6 anos de idade.

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Outro aspecto relevante no processo de crescimento é o fato de que, em função da considerável vulnerabilidade da criança nos primeiros anos de vida, além do componente genético, vários são os fatores determinantes (ou limitantes) do seu crescimento. Além das condições materiais como condições de moradia, acesso a serviços de saúde, saneamento e, principalmente, alimentação adequada (em especial o aleitamento materno nos primeiros seis meses), os indivíduos em seus primeiros anos de vida são extremamente dependentes de cuidados como a atenção da mãe, o apoio da família e um ambiente estável. Nesse sentido, pode-se resumir os fatores externos que influenciam o crescimento da criança como o conjunto de fatores formados pela alimentação, imunização, cuidados de higiene e cuidados gerais com a criança. Em suma, o crescimento da criança será um reflexo dos fatores genéticos e do ambiente familiar. Em outras palavras, conhecendo as características genéticas e o ambiente familiar no qual a criança está inserida é possível saber, com elevado grau de precisão, como será o seu processo de crescimento. Portanto, o processo de desenvolvimento só será plenamente realizado e efetivo se o crescimento da criança não for prejudicado, uma vez que o crescimento é um excelente reflexo das condições passadas e presentes da criança (ROMANI; LIRA, 2004, op. cit.). Assim, nesse trabalho, o desenvolvimento infantil será entendido como um conjunto de aspectos relacionados à saúde física da criança e, portanto, será medido pelas variáveis relacionadas à subnutrição, sobrepeso e nanismo. A análise dessas variáveis é feita na seção que se segue. 3 VARIÁVEIS SELECIONADAS Entender o processo de desenvolvimento infantil transcende a necessidade, unicamente, de avaliar seus determinantes. Uma primeira barreira a ser ultrapassada é reconhecer a quem deve ser atribuída a responsabilidade pelo desenvolvimento infantil. Grande parte da literatura entende que a família é a primeira e grande responsável por este processo e que, portanto, é esta unidade a tomadora de decisões para determinar o desenvolvimento infantil (CUNHA et al., 2005). Contudo, naturalmente, pode-se observar que toda família tem uma série de obrigações e deveres imputados pela sociedade em que vive, além de

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culturas específicas e tradições que compõem o convívio social. Assim sendo, estar sob determinadas leis e que geram obrigações não torna o papel da família completamente livre para determinar os condicionantes do desenvolvimento infantil. No Brasil, por exemplo, na Constituição Federal de 1988 (vigente), no artigo 203, é dito que a assistência social, garantida a quem necessite, independente de contribuição à seguridade social, tem como um de seus objetivos garantir “proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice”. Além disso, entendendo a saúde da criança como um fator decisivo para o seu desenvolvimento, ainda na Constituição Federal do Brasil de 1988 – artigo 196 – é dito que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”. Portanto, em função da notória influência de outros agentes, em especial do Estado, na promoção do desenvolvimento infantil, fazse necessária uma tentativa de unificar as unidades tomadoras de decisão. Sabendo da importância de se definir qual será a unidade tomadora de decisão, optou-se pelo país como sendo essa unidade. De fato, o país como unidade tomadora de decisão tanto pode representar o somatório das famílias que o compõem como, por representar um conjunto de leis e diretrizes, pode revelar em que medida a sociedade como um todo influencia, ou até mesmo determina, o desenvolvimento infantil8. Com base nesse conhecimento, o próximo passo é mostrar a amostra selecionada e avaliar a importância das variáveis que serão utilizadas nesse trabalho para analisar o desenvolvimento infantil. AMOSTRA SELECIONADA As informações utilizadas neste trabalho provêm da World Health Organization Statistical Information System (Whosis), que é o sistema de informações disponibilizado pela Organização Mundial da Saúde – OMS (WHO, em inglês). A OMS é a instituição das Nações Uni8

Uma discussão sobre esse assunto seria, por exemplo, as externalidades geradas quando uma pessoa de uma comunidade pobre se educa e difunde, de alguma maneira, esse conhecimento adquirido. Esse exemplo tem respaldo no fato de que a educação gera externalidades positivas, não só para os indivíduos que se educam, mas também para aqueles que os cercam (BARROS; HENRIQUES; MENDONÇA, 2000).

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das responsável por coordenar e dirigir as autoridades de saúde nos vários países do mundo, e dentre suas atribuições estão: a) o estabelecimento de normas e padrões na agenda de saúde, b) a prestação de apoio técnico aos países, e c) o acompanhamento e a avaliação das tendências em saúde9. Portanto, as informações disponibilizadas pela WHO para os vários países do mundo podem ser consideradas informações oficiais. Nessa base de dados são encontrados diversos indicadores de saúde para todos os países que disponibilizam este tipo de informação. Entretanto, apesar de esta base de dados conter uma grande diversidade de informações para todos os países que disponibilizam indicadores de saúde, em função das variáveis de interesse para realização do exercício empírico aqui proposto, alguns destes países tiveram que ser excluídos10. Assim, a amostra final de países utilizada para analisar o desenvolvimento infantil é composta por 68 países espalhados pelos vários continentes do globo, conforme mostra a Figura 3. Figura 3 Países da amostra por continentes

9

Esta definição pode ser encontrada em www.who.int. Por exemplo, dois países que deveriam compor esse estudo pela sua representatividade tanto econômica, quanto no âmbito da saúde, os Estados Unidos e Cuba, não apresentaram informações para as variáveis selecionadas. 10

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América

África

Europa

Ásia

El Salvador

Angola

Albânia

Armênia

Guatemala

Argélia

Bielorrússia

Azerbaijão

Haiti

Botsuana

Bósnia e Herzegovina

Bangladesh

Honduras

Camarões

República Checa

Camboja

Jamaica

Chade

Romênia

Cazaquistão

Nicarágua

Egito

Turquia

China

República Dominicana

Gabão

Ucrânia

Filipinas

Trinidad e Tobago Gana

Iêmen

México

Guiné

Índia

Argentina

Guiné Equatorial

Indonésia

Bolívia

Lesoto

Iraque

Brasil

Marrocos

Jordânia

Colômbia

Namíbia

Maldivas

Guiana

Nigéria

Mongólia

Paraguai

Quênia

Nepal

Peru

Senegal

Paquistão

Suriname

Suazilândia

Quirguistão

Uruguai

Sudão

Sri Lanka

Zâmbia

Tailândia

Zimbábue

Timor-Leste Uzbequistão Vietnã

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INDICADORES RELACIONADOS À SAÚDE DA CRIANÇA O desenvolvimento infantil e, em especial, a saúde física da criança demandam um aspecto fundamental para sua promoção, a alimentação (ROTENBERG; DE VARGAS, 2004). Compondo um subconjunto das variáveis relacionadas à saúde da criança, foram escolhidas proxys para avaliar o desenvolvimento infantil que refletissem, de maneira direta, o estado nutricional da criança. Além do nanismo, que pode ser o reflexo de uma carência nutricional através do crescimento físico11, as duas outras variáveis utilizadas são diretamente relacionadas ao acesso das crianças a uma alimentação adequada, o sobrepeso e a subnutrição. O primeiro indicador escolhido foi a proporção de crianças menores que 5 anos que apresentam nanismo. Na literatura de saúde da criança é amplamente debatida a importância do processo de crescimento – em termos de altura – para a avaliação do desenvolvimento da criança. Hoffman (1995) destaca que uma elevada proporção de crianças com estatura muito baixa12, ao revelar a presença de impedimentos ao crescimento, acaba revelando, também, as condições adversas às quais a criança está submetida. De modo análogo, uma alta proporção de crianças dentro dos padrões de crescimento desejáveis também pode indicar cuidados satisfatórios nesta fase do ciclo de vida. O segundo indicador escolhido, relacionado à saúde da criança, foi a proporção de crianças menores que 5 anos que apresentam sobrepeso. O estado nutricional de uma criança revela não só o acesso desta a um determinado tipo de alimentação, como também indica o acesso ao conjunto de condições de vida ao qual uma criança está inserida, como, por exemplo, moradia, condições sanitárias, acesso a serviços de saúde, etc. (HOFFMAN, 1995, op. cit.). Portanto, a proporção de crianças menores que cinco anos que apresentam subnutrição é a terceira variável a ser estudada neste trabalho. 11

Existem vários tipos de nanismo que podem ser relacionados a fatores genéticos ou deficiências induzidas, pela carência de alimentos, no hormônio do crescimento (DeCS – Descritores em Ciências da Saúde, 2009). 12 Monteiro (1992) considera que a proporção de crianças com altura abaixo do índice para a idade não deve ultrapassar 2,3%. Este número representa a frequência de crianças geneticamente baixas.

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Um aspecto fundamental para o desenvolvimento da criança é a sua situação ao nascer. Para avaliar este fato serão utilizadas duas variáveis, quais sejam: proporção de crianças que apresentaram baixo peso ao nascer e proporção de mulheres que realizaram, ao menos, quatro exames pré-natais. O peso ao nascer do bebê é um fator de extrema relevância para determinar as condições de sobrevivência infantil (OLIVEIRA; MELO; KNUPP, 2008). Além do momento do nascimento, outro aspecto fundamental para o desenvolvimento da criança é a gestação de sua mãe. Para avaliar essas condições, a próxima variável refere-se à proporção de mulheres que realizaram, ao menos, quatro exames do tipo pré-natal durante a gestação. Com isto, tentar-se-á avaliar se foram oferecidas condições mínimas para que a criança tivesse um desenvolvimento gestacional suficiente para obter condições de se desenvolver após o nascimento13. Além disso, o acesso a um acompanhamento no período gestacional pode evitar riscos de morbimortalidade materna e melhorar os resultados perinatais, diagnosticando eventuais fatores de risco (SERRUYA; LAGO; CECATTI, 2004). INDICADORES DE INVESTIMENTO DA SOCIEDADE Uma abordagem alternativa para avaliar o desenvolvimento infantil é analisar em que medida a sociedade é capaz de financiar esse desenvolvimento. Em outras palavras, é possível avaliar a propensão de a sociedade investir em desenvolvimento infantil através da renda e do gasto com saúde14. Portanto, as próximas variáveis analisadas serão a renda per capita (US$ PPC) e o gasto com saúde per capita (US$ PPC). Crespo e Reis (2009) assinalam a importância da renda per capita na determinação da saúde infantil, bem como o fato de que existe uma relação positiva entre essas variáveis. A justificativa para analisar a renda per capita, portanto, seria o fato de que, em alguma medi13

O processo de desenvolvimento infantil tem início mesmo antes de a mulher ficar grávida. Dessa forma, analisar o período gestacional é de suma importância para a avaliação do desenvolvimento infantil. 14 A opção por utilizar, especificamente, o gasto com saúde foi feita pelo fato da análise do desenvolvimento infantil, neste trabalho, ser feita por indicadores relacionados à saúde física da criança.

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da, esta variável estaria representando a distribuição de riqueza entre seus habitantes e, portanto, dado que existe um poder de decisão dos indivíduos no que se refere ao desenvolvimento infantil, poder-se-ia inferir se a alocação de recursos em termos monetários não só seria relevante, como ótima no que tange ao desenvolvimento da criança. TRANSFORMAÇÕES DAS VARIÁVEIS Para realizar os exercícios que serão apresentados nas partes 5 e 6 com base na metodologia mostrada no próximo tópico, algumas transformações nas variáveis foram requeridas. Essas transformações foram realizadas com base na premissa de que, de um modo geral, as sociedades procuram maximizar o bem-estar social; portanto, seria desejável aumentar o número de crianças sem nanismo, sem sobrepeso, sem subnutrição e com o peso adequado ao nascer. Essas transformações são mostradas no Quadro 1, a seguir. Quadro 1

Variáveis originais e suas transformações Variáveis originais

Transformação das variáveis

Proporção de crianças menores que 5 anos que apresentam nanismo

nanismo modificado =

Proporção de crianças menores que 5 anos que apresentam sobrepeso

Sobrepeso modificado =

Proporção de crianças menores que 5 anos que apresentamsubnutrição

Subnutrição modificado =

Proporção de crianças menores que 5 anos que apresentam baixo peso ao nascer

Baixo Peso modificado =

(

Variáveis modificadas

)

Índice de crianças menores que 5 anos que não apresentam nanismo

)

Índice de crianças menores que 5 anos que não apresentam sobrepeso

100-Nanismo Nanismo

(

100-Sobrepeso Sobrepeso

(

100-Sobrepeso Sobrepeso

(

100-Baixo Peso Baixo Peso

) )

Índice de crianças menores que 5 anos que não apresentam subnutrição Índice de crianças menores que 5 anos que não apresentam baixo peso ao nascer

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Com base na seleção de variáveis e para o conjunto de países citados, serão realizados alguns exercícios empíricos para analisar se os países oferecem condições, no mínimo adequadas, para o desenvolvimento das crianças. Antes disso, o próximo tópico tem por objetivo apresentar e descrever a metodologia utilizada, qual seja, a Fronteira Estocástica de Eficiência. 4 METODOLOGIA Neste trabalho serão realizados exercícios empíricos de Microeconomia Aplicada, mais especificamente, serão utilizados conceitos da teoria da firma para, empiricamente, avaliar o desenvolvimento infantil. Como já mencionado, é entendido, aqui, que os países, representantes das famílias e do Estado15, são os responsáveis pelo desenvolvimento infantil. Fazendo uso desta hipótese, os países serão avaliados como “firmas produtoras de desenvolvimento infantil”. Assim, dois conjuntos de exercícios serão realizados. No primeiro conjunto, o país produzirá, diretamente, desenvolvimento infantil. Ou seja, serão determinadas funções de produção, em que os produtos serão as proxys selecionadas do desenvolvimento infantil. No segundo conjunto, a preocupação é com o custo do desenvolvimento infantil e, de forma análoga, os países são responsáveis por esse custo. A preocupação, tanto no caso da função de produção como no caso da função custo, será avaliar como esses países estão produzindo esse desenvolvimento. De maneira mais específica, será avaliada a eficiência técnica desses processos produtivos utilizando-se como método a Fronteira Estocástica de Eficiência16. 15

Estado, neste contexto, não é sinônimo de país. Aqui, está sendo considerado Estado como uma instituição organizada política, social e juridicamente. 16 Por critérios metodológicos e com base na literatura de saúde, o método de Fronteira Estocástica foi a escolha adotada. Essa escolha foi feita com base na realização de exercícios empíricos com os métodos de Fronteira Estocástica e Análise Envoltória de Dados (DEA). Além de resultados mais robustos, a Fronteira Estocástica foi escolhida pelo fato de, ao considerar possíveis aleatoriedades para determinar o desempenho de cada unidade, torna o estudo mais adaptável aos dados e à amostra que, como mostrados, são bastante heterogêneos.

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Uma primeira explicação com relação ao método escolhido reside na própria conceituação de eficiência utilizada. As Fronteiras Estocásticas (FE) calculam a eficiência técnica, ou seja, avaliam a utilização do potencial produtivo dado pela maximização de produtos e a minimização de desperdícios decorrente da minimização de custos (MARINHO, 2003). De acordo com Aigner, Lovell e Smith (1977) e Battese e Corra (1977), as Fronteiras Estocásticas são modelos de regressão com uma perturbação assimétrica não normal, motivados pela ideia de que desvios da fronteira de produção podem não estar inteiramente sob o controle das DMUs (Decision Unit Markers)17. A interpretação, nos modelos de FE, é que cada unidade se defronta com uma fronteira de produção, e que essa fronteira é aleatoriamente determinada pelo conjunto de todos os elementos estocásticos que entrariam no modelo, fora do controle da unidade. Assim, a fronteira não passa, necessariamente, por todos os pontos de produção mais elevados, ou de mais baixo custo. As FEs atribuem às aleatoriedades, e não somente às ineficiências, parte dos desvios em relação aos valores ótimos. A formulação geral para uma fronteira de produção, como nos modelos de regressão, é: y=βx`+ε, com ε = v-u Onde: y é o produto, x os insumos. ε é o componente estocástico; u é não negativo e v tem distribuição de probabilidades livre. Assume-se que v e u são independentes. O componente v não está sob o controle das unidades e u é um termo não negativo, que captura a ineficiência e define a que distância a unidade está da fronteira produtiva. É usual supor que v é normalmente distribuída, ou seja, v~N[0, σv2], mas não existe critério econômico para definir a escolha da distribuição de probabilidades de u. Em geral, assume-se que u tem distribuição Half-normal, Normaltruncada, Exponencial ou Gama. Em uma fronteira para custos, tem-se c = c(y,w) + ε, com ε = v + u. Nesse caso, c são os custos e w é o custo unitário (preços) de cada um dos fatores de produção18. 17

Neste trabalho as DMUs são os países. Para mais detalhes técnicos sobre as Fronteiras Estocásticas, ver Jacobs et al. (2006). 18

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Encarte 1 Como entender o método de Fronteira Estocástica Por que utilizar Fronteira Estocástica para medir o desenvolvimento infantil? As Fronteiras Estocásticas, além de estimarem as funções de produção, atribuem ineficiências técnicas às unidades no processo produtivo. Entendendo os países como firmas produtoras de desenvolvimento infantil, dados os insumos escolhidos, as Fronteiras Estocásticas podem mostrar como esses países estão produzindo desenvolvimento infantil. Pensar em uma função de produção é pensar em um processo em que determinados insumos estão sendo alocados para a produção de um (ou mais) produto (s). Assim, uma função de produção é representada por: y = f(x). Qual o conceito de eficiência utilizado? A eficiência técnica avalia a minimização de desperdícios decorrente da minimização de inputs e a utilização do potencial produtivo decorrente da maximização dos outputs. O que, afinal, representa a ineficiência técnica? Ao estimar uma função de produção e os coeficientes dos insumos requeridos no processo, a função gerada é, na verdade, a fronteira ótima de eficiência. O que o termo u está representando é a que distância a unidade produtiva está da fronteira de eficiência. Assim, a forma correta de ler o resultado de uma estimação de Fronteira Estocástica é avaliar o valor de u. Quanto maior o seu valor, mais ineficiente é a unidade. De forma análoga, quanto menor o valor de u, mais eficiente é a unidade tomadora de decisão. O que a ineficiência técnica está dizendo é a que distância a unidade tomadora de decisão está da fronteira ótima de produção e, portanto, quanto maior o termo u, mais ineficiente é a unidade. Cabe destacar que toda aplicação de Fronteira Estocástica se revela como um exercício comparativo e relativo. Todo resultado é totalmente dependente da amostra e das variáveis utilizadas. Além disso, não se deve esquecer de que, além do componente de ineficiência, existe o termo aleatório e que este influencia na produção. Logo, desvios da fronteira são atribuíveis não só à ineficiência na produção, mas também a fatores que não estão sob controle da unidade.

Com base na metodologia apresentada, a seguir serão realizados alguns exercícios empíricos com o objetivo de avaliar a eficiência técnica dos países na promoção do desenvolvimento infantil. 5 PRODUÇÃO DE CRIANÇAS SEM DESNUTRIÇÃO As variáveis utilizadas para representar o desenvolvimento infantil – nanismo, sobrepeso e subnutrição – referem-se, basicamente, ao

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crescimento e desenvolvimento físico da criança. Essas variáveis estão diretamente associadas ao acesso que as crianças têm a uma alimentação adequada (HOFFMANN, 1995, op. cit.). A justificativa para elaborar um modelo que sintetize a produção de crianças relativamente bem desenvolvidas segundo o critério adotado neste trabalho, doravante considerar o crescimento como o aspecto fundamental para o desenvolvimento das crianças, está relacionada a um forte argumento, à representatividade da variável para esse desenvolvimento. A variável escolhida será aquela relacionada à nutrição da criança. A justificativa é respaldada na composição da amostra. Por ser uma amostra composta, em grande parte, por países de renda mais baixa e já que, segundo Ortale e Rodrigo (1998), a prevalência da desnutrição é maior em países pobres e incide em indivíduos mais vulneráveis (crianças menores que 5 anos)19, optou-se por determinar a produção de desenvolvimento infantil utilizando a proxy de subnutrição. A segunda tarefa para a elaboração deste modelo é determinar as variáveis que explicarão esse indicador. Na bateria de exercícios empíricos realizados para medir a eficiência técnica dos países em produzir desenvolvimento infantil com base nos indicadores de crescimento20, as variáveis que demonstraram maior significância estatística21 foram aquelas relacionadas ao baixo peso ao nascer e incidência de exames do tipo pré-natal. Por fim, o estudo da saúde, qualquer que seja o enfoque, levanta questões que ultrapassam os indicadores estritamente relacionados à saúde. Por se tratar do estado de toda a população, uma primeira questão que se levanta é o fato de que existe uma distribuição dos serviços de saúde, ou relacionados a este fator, pelos habitantes e que, não necessariamente, é feita de maneira homogênea. Seja em função do tamanho da população, ou da extensão territorial, ou, até mesmo, da distribuição espacial dos habitantes de uma determinada região, o 19

Outro ponto que reforça a utilização da subnutrição em detrimento do nanismo, por exemplo, é que este último pode abarcar fatores genéticos quando da sua existência. 20 Esses exercícios também se encontram disponíveis na dissertação de mestrado apresentada pela autora. 21 As regressões dos modelos gerados com a orientação do produto estão disponíveis com a autora.

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fato é que o acesso à saúde dos indivíduos pode variar muito. Este fato pode não estar sob o controle das unidades tomadoras de decisão. Para mitigar esse efeito, será utilizada uma variável não discricionária, a população, que pode, em certa medida, informar a respeito da distribuição dos cuidados com o bebê e a gestante na população e sua relação com o desenvolvimento infantil. Essas informações estão resumidas no Modelo 1 que é mostrado a seguir. Modelo 1: Função de produção – Distribuição Half-normal Variável Dependente: Índice de crianças menores que 5 anos que não apresentam subnutrição. Variáveis Independentes: Índice de crianças que não apresentaram baixo peso ao nascer, proporção de mulheres que realizaram, ao menos, quatro exames prénatais, população. Tabela 1 – Regressão

Grau de ineficiência na produção de crianças sem subnutrição Insumos: Indicadores de saúde da criança e população Índice de não subnutrição

Coeficiente

Erro Padrão

Estatística z

P>|z|

Intervalo de Confiança 95%

Constante

-5,01

1,11

-3,43

0,00

-7,88 -2,15

Não Baixo Peso

0,76

0,19

3,93

0,00

0,38 1,14

Pré-Natal

1,03

0,20

5,03

0,00

0,63 1,44

População

0,02

0,05

0,46

0,65

-0,71 0,11

Fonte: Estimativas produzidas com base nos indicadores da Whosis.

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Tabela 2 Grau de ineficiência na produção de crianças sem subnutrição Insumos: Indicadores de saúde da criança e população Países

Ineficiência

Países

Ineficiência

Países

Ineficiência

Países

Ineficiência

Iêmen

2,85

Turquia

4,96

Guatemala

5,53

Colômbia

5,84

Bangladesh

3,10

Equador

5,01

Honduras

5,53

Suazilândia

5,89

Paquistão

3,40

Guiné

5,07

Zimbábue

5,53

Botsuana

5,90

Chade

3,72

Gabão

5,18

Bolívia

5,54

Jamaica

5,90

Nepal

4,04

Trinidad 5,22 eTobago

Nicarágua

5,58

Armênia

5,90

Índia

4,29

Quênia

5,23

Angola

5,58

México

5,94

Sudão

4,40

Egito

5,23

Suriname

5,60

Uzbequistão

6,03

Senegal

4,50

Sri Lanka

5,24

Brasil

5,61

Quirguistão

6,04

Camboja

4,54

Namíbia

5,25

Guiana

5,62

Mongólia

6,13

Azerbaijão

4,59

Maldivas

5,26

Tailândia

5,76

Uruguai

6,15

Haiti

4,66

Lesoto

5,27

Romênia

5,77

República Checa

6,17

Guiné Equatorial

4,67

Argélia

5,35

Peru

5,77

Argentina

6,27

Marrocos

4,69

Camarões

5,37

Jordânia

5,79

China

6,29

Timor-Leste

4,76

El Salvador

5,39

Indonésia

5,82

Bielorrússia

6,54

Vietnã

4,80

Iraque

5,39

Cazaquistão 5,82

Ucrânia

6,56

Filipinas

4,92

Zâmbia

5,48

República Dominicana

5,83

Bósnia e Herzegovina

6,74

Nigéria

4,95

Gana

5,52

Paraguai

5,84

Albânia

6,91

Fonte: Estimativas produzidas com base nos indicadores da Whosis.

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As Tabelas 1 e 2 mostradas apresentam uma série de observações que merecem destaque. A primeira delas refere-se à forte contribuição dos coeficientes relacionados ao baixo peso e aos exames pré-natais na construção da fronteira. Entre os mais bem colocados, estão países que não se destacam em termos de bons indicadores de saúde física da criança. Os resultados obtidos, principalmente, no que se refere à posição dos países na fronteira de eficiência motivaram a realização de alguns exercícios que pudessem explicar, em alguma medida, por que países que apresentam indicadores relativamente ruins apresentam, em contraposição, boas colocações na fronteira de eficiência. Uma explicação pode estar no formato da fronteira e nos retornos de escala. A hipótese, aqui adotada e encontrada na literatura de saúde, é de que esses retornos são decrescentes e, portanto, à medida que os indicadores vão melhorando, estes se tornam menos sensíveis a incrementos nos insumos. Para corroborar (ou refutar) essa hipótese foi realizado um exercício de simulação que será apresentado a seguir. METAS PARA A PRODUÇÃO DE CRIANÇAS SEM SUBNUTRIÇÃO No Modelo 1, o país com a melhor colocação foi o Iêmen. Suponha que esse país queira promover desenvolvimento infantil atuando nas variáveis relacionadas às condições de nascimento das crianças. Suponha, ainda, que seja estabelecida, no Iêmen, uma meta de reduzir a proporção de crianças subnutridas para 20%.22,23 Dessa forma, para atingir a meta de reduzir a subnutrição para 20% a proporção de crianças com baixo peso ao nascer deveria ser a seguinte: 4 = 0,76

(

)

100-Baixo Peso ao Nascer Baixo Peso ao Nascer

 Baixo Peso ao Nascer = 16%

Em palavras, para alcançar a meta de reduzir a proporção de crianças subnutridas para 20%, a proporção de crianças com baixo peso 22

O indicador real desse país é 41,3. Lembrando que a variável relacionada à subnutrição sofreu uma alteração para ser calculada, a primeira etapa é transformar a meta de 20% de modo a compatibilizá-la com a variável efetivamente usada. A transformação foi a seguinte: Subnutrição = 20% => Índice de Subnutrição = (100-20)/20 = 4. 23

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ao nascer deveria passar de 32% para 16%. No caso da proporção de mulheres realizando, no mínimo, quatro exames pré-natais, a proporção deveria subir de 14% para 14,14%. Ou seja, além do retorno dos investimentos em desenvolvimento infantil nos países com indicadores não muito bons ser relativamente alto, o esforço despendido na melhora dos indicadores para a promoção do desenvolvimento infantil também se revela como factível. 6 COMO OS PAÍSES ESTÃO INVESTINDO NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL? Como foi visto no modelo apresentado anteriormente, no que se refere à produção de crianças sem subnutrição nos países analisados, foi observada uma tendência que merece destaque. Justamente naqueles países onde os indicadores brutos eram piores, foram encontrados os melhores desempenhos relativos. Esse resultado, por si só, já apresenta importantes informações no que se refere à promoção do desenvolvimento infantil. Principalmente, se é considerado relevante o fato de que países que ainda apresentam graves deficiências nesse processo apresentam, da mesma forma, um espaço considerável para investimentos nesse tipo de desenvolvimento. Para ratificar essa ideia, o objetivo desta seção é avaliar como os países estão investindo em desenvolvimento infantil, em termos monetários. Uma primeira observação com relação a esse exercício é que a variável utilizada para medir esse investimento é o gasto com saúde per capita. Apesar de ter sido escolhido pelo fato de o desenvolvimento infantil ser avaliado por meio de variáveis ligadas à saúde física da criança, não é possível inferir, e muito menos acertar, qual é a proporção desse gasto que é direcionada para os cuidados com a criança e, nem tampouco, se efetivamente existe uma divisão clara nos países selecionados sobre quais recursos são direcionados para quais grupos etários. Portanto, todo exercício aqui realizado é baseado em hipóteses e tem por objetivo apontar caminhos para a promoção desse desenvolvimento. O Modelo 2 estima uma fronteira de eficiência direcionada para a minimização de custos24. O custo, ou variável dependente, é o gasto 24

Foram utilizados os logaritmos naturais das variáveis.

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com saúde per capita (US$ PPC) e as variáveis explicativas são: índice de crianças menores que 5 anos que não apresentam nanismo, índice de crianças menores que 5 anos que não apresentam sobrepeso, índice de crianças menores que 5 anos que não apresentam subnutrição. Os resultados são mostrados nas Tabelas 3 e 4 a seguir25. Modelo 2: Função Custo – Distribuição Exponencial Variável Dependente: Gasto com saúde per capita Variáveis Independentes: Índice de crianças menores que 5 anos que não apresentam nanismo, índice de crianças menores que 5 anos que não apresentam sobrepeso, índice de crianças menores que 5 anos que não apresentam subnutrição. Tabela 3 – Regressão Grau de ineficiência do investimento em desenvolvimento infantil Insumos: não nanismo, não sobrepeso e não subnutrição Gasto Per Capita

Coeficiente

Erro Padrão

Estatística z

P>|z|

Intervalo de Confiança 95%

Constante

4,80

0,97

6,9

0

2,89

6,71

Índice não Nanismo

0,35

0,18

1,97

0,04

0,00

0,65

Índice não Sobrepeso

-0,02

0,13

-0,17

0,87

-0,27

0,23

Índice não Subnutrição

0,36

0,17

2,14

0,03

0,03

0,07

Fonte: Estimativas produzidas com base nos indicadores da Whosis.

25

Neste modelo a distribuição de probabilidades escolhida foi a Exponencial, que apresentou o menor número de iterações necessárias.

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Tabela 4 Grau de ineficiência do investimento em desenvolvimento infantil Insumos: não nanismo, não sobrepeso e não subnutrição

Países Iêmen

Ineficiência 6,34

Países

Ineficiência

Países

Inefi-

Países

ciência

Ineficiência

Filipinas

7,04

Marrocos

7,58

Uruguai

7,99

Timor-Leste 6,39

Guiné Equatorial

7,07

Argélia

7,60

Armênia

8,02

Índia

6,43

Gana

7,07

Bolívia

7,61

Cazaquistão

8,11

Nepal

6,46

Albânia

7,11

Nicarágua

7,62

Paraguai

8,13

Bangladesh

6,48

Namíbia

7,12

Iraque

7,63

Turquia

8,14

Sudão

6,54

Quênia

7,13

Equador

7,65

México

8,15

Chade

6,64

Haiti

7,16

Suriname

7,69

Brasil

8,17

Angola

6,67

Indonésia

7,17

Peru

7,69

Quirguistão

8,18

Zâmbia

6,73

Camarões

7,18

Guiana

7,70

República Dominicana

8,19

Camboja

6,74

Zimbábue

7,21

El Salvador

7,72

Romênia

8,22

Paquistão

6,74

Sri Lanka

7,26

China

7,75

Jordânia

8,23

Nigéria

6,79

Suazilândia

7,39

Egito

7,81

Trinidad e Tobago

8,46

Guatemala

6,84

Azerbaijão

7,40

Mongólia

7,84

Argentina

8,56

Guiné

6,94

Botsuana

7,43

Tailândia

7,87

Bósnia e Herzegovina

8,57

Maldivas

6,98

Senegal

7,44

Ucrânia

7,95

Jamaica

8,66

Lesoto

7,00

Honduras

7,49

Uzbequistão

7,97

Bielorrússia

8,99

Vietnã

7,02

Gabão

7,55

Colômbia

7,97

República Checa

8,99

Fonte: Estimativas produzidas com base nos indicadores da Whosis.

Nesse modelo, o que se observa é uma semelhança com a fronteira gerada que explica a variável relativa ao desenvolvimento infantil, a subnutrição. O Iêmen é o país mais eficiente da amostra e, no outro extremo, como os países mais ineficientes encontram-se Jamaica, Bielorrússia e República Checa.

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Uma conclusão, já mencionada, que pode se tirar com base nesses resultados é que o investimento em desenvolvimento infantil apresenta um retorno maior nos países onde, além da baixa renda e do baixo gasto per capita, os indicadores relacionados às crianças não são muito bons. Esses resultados também corroboram, em alguma medida, a hipótese dos retornos decrescentes de escala no que se refere à saúde. Como é possível observar pela Tabela 4, os países que ocupam a melhor e a pior posição são, respectivamente, Iêmen e República Checa. Para entender um pouco melhor esses resultados, faz-se necessária uma análise mais apurada dos indicadores desses países. No próximo tópico, então, serão realizadas simulações com o gasto com saúde e os impactos nas variáveis que indicam o desenvolvimento infantil. SIMULAÇÕES DE INVESTIMENTO EM DESENVOLVIMENTO INFANTIL O Iêmen é um país com pouco mais de 22 milhões de habitantes e uma renda per capita de US$ PPC 2.090. Seu investimento em saúde está na casa de US$ PPC 82 per capita. Esses indicadores foram utilizados como proxys para os investimentos em desenvolvimento infantil de um país que apresenta uma proporção de crianças com déficit de crescimento da ordem de 60%, quase 4% das crianças com sobrepeso e, ainda, cerca de 40% das crianças com insuficiência alimentar. Mas, apesar disso, esses mesmos indicadores conferem a esse país a melhor posição em termos de eficiência relativa no Modelo 4. No outro extremo, na República Checa, encontram-se indicadores de renda e gasto com saúde per capita de US$ PPC 20.920 e US$ PPC 1.490, respectivamente. Esses valores foram utilizados para estimar como esse país investe em desenvolvimento infantil num contexto em que cerca de 3% das crianças apresentam problemas de nanismo, 4,4% das crianças têm problemas de excesso de peso e 2% estão subnutridas. Esses indicadores, apesar de substancialmente melhores que os do Iêmen, revelam que a alocação desses recursos para a otimização destes indicadores conferiu ao país a pior colocação na fronteira de eficiência gerada. Novamente, este fato remete à hipótese de retornos decrescentes de escala no âmbito da saúde. Na amostra selecionada, uma parte considerável dos países apresenta variáveis relacionadas à saúde da criança relativamente insatisfatórios. Contudo, dada a escassez de recursos, em

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termos de alocação, esses países mostram resultados relativos satisfatórios. Como esses países não se revelam benchmarks no que se refere ao desenvolvimento infantil, o que se pode concluir é que a sensibilidade de investimentos nessa área é bem grande e, ainda melhor, o retorno aos investimentos é bem expressivo. Como foi mostrado, o desenvolvimento em crianças se mostra como uma boa estratégia para o aumento do bem-estar e a promoção do desenvolvimento humano, de uma maneira mais ampla. Esse espaço considerável para investimentos no público infantil pode se revelar como uma boa estratégia de desenvolvimento, em sua concepção mais ampla, para esses países. Para ilustrar essa hipótese fez-se um exercício de simulação utilizando os dados do Modelo 4. Como acontece nos modelos de fronteiras estocásticas, a regressão gerada nesse modelo estima coeficientes para as variáveis explicativas, quais sejam, índice de crianças menores que 5 anos que não apresentam nanismo, índice de crianças menores que 5 anos que não apresentam sobrepeso, índice de crianças menores que 5 anos que não apresentam subnutrição e estão na Tabela 3, apresentada anteriormente. Como o modelo utilizou os logaritmos naturais das variáveis, esses coeficientes gerados representam, de maneira direta, as elasticidades. Dessa forma, com base nesses coeficientes e na variável explicada – o gasto per capita – as simulações realizadas consistem em estimar o impacto de 1% de investimento a mais, em termos monetários, nessas variáveis. Os exercícios de simulação propostos são construídos da seguinte forma: Suponha que o Iêmen, país que apresentou a menor ineficiência no Modelo 2, resolva alocar todo o seu gasto com saúde no desenvolvimento infantil, para pelo menos uma das variáveis selecionadas, e, para isso, aumente em 1% esse gasto per capita. Esta medida teria os seguintes resultados26: 1) Nanismo: 0,82 = 0,35

(

100-Nanismo Nanismo

)

 Nanismo = 30

26

Como os coeficientes da variável relacionada ao sobrepeso são negativos, o exercício de simulação não faz muito sentido, logo, as simulações ficarão restritas às variáveis relacionadas ao nanismo e à subnutrição.

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2) Subnutrição: 0,82 = 0,36

(

)

100-Subnutrição Subnutrição

 Subnutrição = 31

O que esse exercício mostrou é que, no Iêmen, o impacto de aumentar o gasto com saúde per capita em 1% e direcionar todo esse investimento, ora para combater o nanismo ora para combater a subnutrição, no que se refere a essa amostra, seria uma queda de 58 para 30 na proporção de crianças menores que cinco anos com nanismo ou uma queda no indicador de 41 para 31 quando a variável é a subnutrição. O mesmo exercício pode ser realizado para o país que apresentou o pior desempenho, em termos de eficiência relativa, na fronteira gerada utilizando o gasto per capita como o custo: República Checa. Para o caso do investimento direcionado ao nanismo, 1% de gasto per capita a mais levaria a proporção de crianças com menos de 5 anos com nanismo de 2,6% para 2,3%. Já no caso da subnutrição, a variação observada seria de 2,1% para 2,4%. A princípio pode parecer completamente contraintuitivo, e até absurdo, que houvesse um aumento na proporção de crianças subnutridas na República Checa na hipótese do incremento de 1% no gasto com saúde. A primeira precaução que deve ser tomada para avaliar as fronteiras geradas nesse trabalho e, em especial, os exercícios de simulação é o fato de que todos os resultados apresentam um caráter relativo, ou seja, esses resultados mostram o desempenho dos países quando comparados aos outros países da amostra, e não seu desempenho absoluto. Esse caráter relativo se estende aos indicadores e à amostra selecionada, tornando esses resultados completamente dependentes do modelo estimado. O outro ponto refere-se aos, já citados, retornos de escala. A sensibilidade dos investimentos em desenvolvimento infantil é, notoriamente, maior nos países com desempenho relativo melhor e indicadores individuais piores. O que, em grande medida, atesta a hipótese de que os retornos de escala são decrescentes nos investimentos em saúde27. Uma outra forma de ratificar a ideia, tanto da sensibilidade dos indicadores a investimentos quanto dos retornos de escala, é aumentar a variação no gasto com saúde per capita e estimar esse efeito. Para o caso da República Checa, que está sendo avaliada, observa-se que, 27

Os resultados dos exercícios de simulação para os indicadores de nanismo e subnutrição para todos os países estão disponíveis com a autora.

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para se ter um impacto de redução do nanismo acentuado, como aquele observado para o caso do Iêmen, por exemplo, um aumento percentual do gasto desejável seria em torno de 5%, ao invés de apenas 1%. Esse incremento, se totalmente alocado e direcionado para o combate desta mazela infantil, reduziria o nanismo de 2,6% para 0,47%. Com a mesma variação e a mesma hipótese de total alocação e direcionamento para o combate, desta vez, da subnutrição, o impacto seria uma redução de 1,6 ponto percentual, passando de 2,1% da população infantil subnutrida para 0,49%, atestando, ainda mais, a questão da sensibilidade dos indicadores. 7 CONCLUSÕES O estudo do desenvolvimento infantil, realizado neste trabalho, revela uma série de conclusões que merecem destaque. Primeiramente, foi visto que o investimento em desenvolvimento infantil revela-se como uma boa estratégia para a promoção do desenvolvimento humano. Por essa razão, já seria justificada maior atenção para essa fase da vida. Entender que investimentos logo nos primeiros anos de vida conferem ao indivíduo maior probabilidade de desfrutar de melhores condições de vida, seja em termos de saúde, seja em termos educacionais, é entender, também, que essa é uma boa estratégia para a igualdade de oportunidades. Várias são as evidências que comprovam essa ideia. Do ponto de vista econômico, investir nas crianças seria uma espécie de estratégia de ruptura do ciclo da pobreza, na medida em que conferiria oportunidades semelhantes aos indivíduos, tornando-os igualmente aptos para o ingresso no mercado de trabalho futuramente. Isto é devido ao fato de que, por estarem ainda em seu processo de formação, as crianças não apresentaram muitas desigualdades e, portanto, políticas voltadas para o desenvolvimento nessa idade não enfrentariam o trade-off equidade versus eficiência. Investimento em desenvolvimento infantil, então, seria uma espécie de janela de oportunidades para efetivação dos investimentos futuros em capital humano, disparando uma cadeia de acontecimentos que, em última instância, reduziriam as desigualdades. Tendo em vista essa sucessão de eventos com impactos positivos, tanto para a sociedade quanto para o indivíduo, investir em desenvolvimen-

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to infantil revela-se como uma boa estratégia para o desenvolvimento em seu caráter mais amplo. Assim sendo, uma tarefa essencial para os pesquisadores da área é avaliar o estado do desenvolvimento infantil ao redor do globo. E esta é a tarefa para a qual este trabalho se propôs. Os resultados mostraram que a sensibilidade de investimentos em saúde é muito maior nos países onde os indicadores demandam significativas melhoras, corroborando a hipótese de que o investimento em desenvolvimento infantil é uma boa estratégia para a promoção do desenvolvimento em um caráter mais amplo. Os resultados obtidos evidenciaram que países com espaço para melhoras, ou, dito de outra forma, com maiores retornos aos investimentos, representam uma boa alternativa de investimento com vistas à promoção do desenvolvimento infantil. É notório este fato, principalmente no que se refere à amostra, dado que nesta predominam países mais pobres, em todos os indicadores. Além das hipóteses de incrementos nos investimentos, foram realizadas simulações para, com base no modelo síntese, inferir em que medida os países são capazes de reduzir indicadores indesejáveis para o desenvolvimento infantil atuando nas condições de nascimento das crianças. Como observado, para o país com a melhor colocação do modelo citado, a meta de reduzir para 20% a proporção de crianças com subnutrição demandaria uma redução de pouco mais de 15 pontos percentuais na proporção de crianças com baixo peso ao nascer. Esses resultados poderiam levar a precipitadas conclusões de que países que já apresentam indicadores relativamente bons não precisariam de mais investimentos na promoção do desenvolvimento infantil. Na verdade, esse é um estudo relativo que compara os países e, portanto, suas conclusões não devem ser levadas a cada país de uma maneira isolada. A análise individual de cada um pode levar a conclusões bem distintas, e aqueles países que em tese não precisariam de mais investimentos podem revelar uma extrema necessidade de concentrar esforços no público infantil. Além disso, o investimento nas crianças é um esforço contínuo e necessário em qualquer época, seja para melhorar os indicadores, seja para a manutenção dos bons resultados nesse processo. Uma análise mais detalhada dos indicadores de cada país, que observe a tendência e a evolução temporal dos mesmos, é um exercício extremamente necessário para a avaliação do desenvolvimento infantil.

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NÚMEROS ANTERIORES EDIÇÃO 7 CUIDADOS DE LONGA DURAÇÃO PARA A POPULAÇÃO IDOSA – Família ou instituição de longa permanência? Ana Amélia Camarano FATORES QUE INFLUENCIAM O AMBIENTE DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE NO BRASIL – Modelo atual e novas perspectivas Flávia Poppe SIMULACRO, SHOPPING CENTER E EDUCAÇÃO SUPERIOR José Rodrigues POLÍTICAS PASSIVAS DE EMPREGO – Características, despesas, focalização e impacto sobre a pobreza Luís Henrique Paiva PREVIDÊNCIA NO BRASIL – Debates e desafios Paulo Tafner EDIÇÃO 8 FATORES QUE INFLUENCIAM O AMBIENTE DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE NO BRASIL – Modelo atual e novas perspectivas Flávia Poppe AÇÃO AFIRMATIVA: POLÍTICA PÚBLICA E OPINIÃO João Feres Júnior A ARQUITETURA NA ‘ESTÉTICA’ DE LUKÁCS Juarez Duayer PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR PARA O SERVIÇO PÚBLICO NO BRASIL Marcelo Abi-Ramia Caetano

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TRANSFERÊNCIAS DE RENDA FOCALIZADAS NOS POBRES – O BPC versus o Bolsa Família Sonia Rocha

EDIÇÃO 9 INTELECTUAIS E ESTRUTURA SOCIAL: UMA PROPOSTA TEÓRICA Daniel de Pinho Barreiros CULTURAS URBANAS E EDUCAÇÃO – Experimentações da cultura na educação Ecio Salles RELAÇÕES INTERNACIONAIS – Uma introdução ao seu estudo Franklin Trein A EVOLUÇÃO FAZ SENTIDO. INCLUSIVE NA ATIVIDADE FÍSICA? Hugo Rodolfo Lovisolo ‘DESIGNERS’, SUJEITOS PROJETIVOS OU PROGRAMADOS? Marco Antonio Esquef Maciel

EDIÇÃO 10 CIÊNCIA, SAÚDE E CINEMA: TERRITÓRIOS COMUNS Alexandre Palma CONFIGURAÇÃO DO MOVIMENTO SERINGUEIRO NA AMAZÔNIA BRASILEIRA NAS DÉCADAS DE 1970-1980 – Elementos para pensar políticas públicas sustentáveis Cláudia Conceição Cunha IMAGENS OBSESSIVAS EM AUGUSTO DOS ANJOS Ivan Cavalcanti Proença

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A LONGEVIDADE E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA O MUNDO DO TRABALHO Lucia França ESCOLAS DE SAMBA: CONFORMAÇÃO E RESISTÊNCIA Máslova Teixeira Valença

EDIÇÃO 11 O SIGNIFICADO AMBIENTAL DO QUADRO JURÍDICO-INSTITUCIONAL DIANTE DA PRESENÇA DE ESPÉCIES EXÓTICAS NO BRASIL Anderson Eduardo Silva de Oliveira MUSEUS: LIMITES E POSSIBILIDADES NA PROMOÇÃO DE UMA EDUCAÇÃO EMANCIPATÓRIA Andréa F. Costa Maria das Mercês Navarro Vasconcellos PROTEÇÃO SOCIAL DOS IDOSOS NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA Graziela Ansiliero Rogério Nagamine Costanzi GLOBALIZAÇÃOECONVERGÊNCIAEDUCACIONAL-Análisecomparativa das ações recentes para a reformados sistemas educacionais no Brasil e nos Estados Unidos Rafael Parente INICIATIVAS DE PROMOÇÃO DA SAÚDE - Em busca de abordagens avaliativas e de efetividade Regina Bodstein

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Obtenção de exemplares: Assessoria de Divulgação e Promoção Departamento Nacional do SESC adpsecretaria@sesc.com.br Tel.: (21) 21365149 Fax: (21) 21365470


Esta revista foi composta nas tipologias Zapf Humanist 601 BT, em corpo 10/9/8,5, e ITC Officina Sans, em corpo 26/16/9/8, e impressa em papel off-set 90g/m2, na 52 Grรกfica e Editora Ltda.


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