Revista Sinais Sociais

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ISSN 1809-9815 ano 3 | maio > agosto | 2008

SESC | Serviço Social do Comércio

CUIDADOS DE LONGA DURAÇÃO PARA A POPULAÇÃO IDOSA FAMÍLIA OU INSTITUIÇÃO DE LONGA PERMANÊNCIA?

Ana Amélia Camarano

FATORES QUE INFLUENCIAM O AMBIENTE DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE NO BRASIL MODELO ATUAL E NOVAS PERSPECTIVAS

Flavia Poppe

SIMULACRO, SHOPPING CENTER E EDUCAÇÃO SUPERIOR José Rodrigues

POLÍTICAS PASSIVAS DE EMPREGO

CARACTERÍSTICAS, DESPESAS, FOCALIZAÇÃO E IMPACTO SOBRE A POBREZA

Luís Henrique Paiva

PREVIDÊNCIA NO BRASIL DEBATES E DESAFIOS

Paulo Tafner

07


v.3 nº7 maio > agosto | 2008 SESC | Serviço Social do Comércio Administração Nacional

issn 1809-9815 Sinais Sociais | RIO DE JANEIRO | v.3 nº7 | p. 1-178 | maio > agosto 2008


ISSN 1809-9815 ano 3 | maio > agosto | 2008

SESC | Serviço Social do Comércio

CUIDADOS DE LONGA DURAÇÃO PARA A POPULAÇÃO IDOSA FAMÍLIA OU INSTITUIÇÃO DE LONGA PERMANÊNCIA?

Ana Amélia Camarano

FATORES QUE INFLUENCIAM O AMBIENTE DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE NO BRASIL MODELO ATUAL E NOVAS PERSPECTIVAS

Flavia Poppe

SIMULACRO, SHOPPING CENTER E EDUCAÇÃO SUPERIOR José Rodrigues

POLÍTICAS PASSIVAS DE EMPREGO

CARACTERÍSTICAS, DESPESAS, FOCALIZAÇÃO E IMPACTO SOBRE A POBREZA

Luís Henrique Paiva

PREVIDÊNCIA NO BRASIL DEBATES E DESAFIOS

Paulo Tafner

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SESC | Serviço Social do Comércio | Administração Nacional PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DO SESC Antonio Oliveira Santos DIRETOR-GERAL DO DEPARTAMENTO NACIONAL DO SESC Maron Emile Abi-Abib COORDENAÇÃO EDITORIAL Gerência de Estudos e Pesquisas / Divisão de Planejamento e Desenvolvimento Sebastião Henriques Chaves CONSELHO EDITORIAL Álvaro de Melo Salmito Luis Fernando de Mello Costa Mauricio Blanco Raimundo Vóssio Brígido Filho secretário executivo

Sebastião Henriques Chaves assessoria editorial

Andréa Reza EDIÇÃO Assessoria de Divulgação e Promoção / Direção-Geral Christiane Caetano projeto gráfico

Vinicius Borges assistência editorial

Rosane Carneiro revisão

Elaine Bayma

Sinais Sociais / Serviço Social do Comércio. Departamento Nacional - vol.3, n.7 (maio/ agosto) - Rio de Janeiro, 2008 v. ; 29,5x20,7 cm. Quadrimestral ISSN 1809-9815 1. Pensamento social. 2. Contemporaneidade. 3. Brasil. I. Serviço Social do Comércio. Departamento Nacional As opiniões expressas nesta revista são de inteira responsabilidade dos autores. As edições podem ser acessadas eletronicamente em www.sesc.com.br.


SUMÁRIO APRESENTAÇÃO5 EDITORIAL7 SOBRE OS AUTORES8 Cuidados de longa duração para a população idosa10 família ou instituição de longa permanência? Ana Amélia Camarano

Fatores que influenciam o ambiente da assistência à saúde no Brasil40 modelo atual e novas perspectivas Flavia Poppe

Simulacro, Shopping Center e Educação Superior68 José Rodrigues

Políticas Passivas de Emprego96 características, despesas, focalização e impacto sobre a pobreza Luís Henrique Paiva

Previdência no Brasil122 debates e desafios Paulo Tafner

NÚMEROS ANTERIORES176



APRESENTAÇÃO A revista Sinais Sociais tem como finalidade precípua tornar-se um espaço de debate sobre questões da contemporaneidade brasileira. Pluralidade e liberdade de expressão são os pilares desta publicação. Pluralidade no sentido de que a revista Sinais Sociais é aberta para a publicação de todas as tendências marcantes do pensamento social no Brasil hoje. A diversidade dos campos do conhecimento tem, em suas páginas, um locus no qual aqueles que têm a reflexão como seu ofício poder-se-ão manifestar. Como espaço de debate, a liberdade de expressão dos articulistas da Sinais Sociais é garantida. O fundamento deste pressuposto está nas Diretrizes Gerais de Ação do SESC, como princípio essencial da entidade: “valores maiores que orientam sua ação, tais como o estímulo ao exercício da cidadania, o amor à liberdade e à democracia como principais caminhos da busca do bem-estar social e coletivo”. Igualmente é respeitada a forma como os artigos são expostos – de acordo com os cânones das academias ou seguindo expressão mais heterodoxa, sem ajustes aos padrões estabelecidos. Importa para a revista Sinais Sociais artigos em que a fundamentação teórica, a consistência, a lógica da argumentação e a organização das idéias tragam contribuições além das formulações do senso comum. Análises que acrescentem, que forneçam elementos para fortalecer as convicções dos leitores ou lhes tragam um novo olhar sobre os objetos em estudo. O que move o SESC é a consciência da raridade de revistas semelhantes, de amplo alcance, tanto para os que procuram contribuir com suas reflexões como para segmentos do grande público interessados em se informar e se qualificar para uma melhor compreensão do país. Disseminar idéias que vicejam no Brasil, restritas normalmente ao mundo acadêmico, e, com isso, ampliar as bases sociais deste debate, é a intenção do SESC com a revista Sinais Sociais. Antonio Oliveira Santos Presidente do Conselho Nacional do SESC



EDITORIAL Um fato a se saudar nos dias de hoje é que a academia vem, no decorrer do tempo, contribuindo de forma significativa e expressiva à expectativa de que seja agente especial na compreensão da realidade brasileira, ao propor caminhos ao país para superar os entraves impeditivos de sua decolagem para estágios superiores de desenvolvimento econômico e social. Um olhar retrovisor para os seis números iniciais da revista Sinais Sociais e um olhar hoje para o sétimo número da publicação, trazida a público neste momento, mostra de forma cabal que os distintos segmentos constituintes do pensar brasileiro apresentam o vigor intelectual necessário para enfrentar os desafios exigidos pelo momento de transição àqueles que escolheram o pensamento científico ou filosófico como ofício. Temos hoje, mais do que nunca, a convicção do acerto na criação da revista como espaço para publicação e divulgação da produção intelectual brasileira, permitindo, assim, que estudos e pesquisas chegassem a um público qualificado, entretanto com pouco acesso aos nichos acadêmicos onde vicejavam. Os articulistas da Sinais Sociais têm, através dela, a possibilidade de fortalecerem sua presença na cena intelectual brasileira e a oportunidade de participarem do bom combate na busca de caminhos para um Brasil melhor para todos. Este sétimo número, em conformidade com as diretrizes de sua linha editorial, traz ao público tópicos presentes, de um modo geral, na mídia e na academia. Temas como previdência social, políticas de emprego, assistência à saúde no Brasil, cuidados para a população idosa e as novas configurações da educação em face das transformações sociais. Sobre análises bem estruturadas e aprofundadas, os artigos encaminham propostas que, a nosso juízo, devem ser pensadas pelo o que oferecem para um adequado equacionamento das questões abordadas. Dados os diagnósticos e prognósticos dos objetos de reflexão abordados pelos autores, cabe a nós, como leitores, exercermos o papel que nos diz respeito – dialogarmos com os textos publicados e tirarmos deles o melhor proveito.

Maron Emile Abi-Abib Diretor-Geral do Departamento Nacional do SESC


SOBRE OS AUTORES Ana Amélia Camarano Doutora em Estudos Populacionais pela London School of Economics da Universidade de Londres, em 1996. Possui pós-doutorado do Núcleo de Pesquisa em População, Nihon Universit, título que obteve com um estudo comparativo entre as formas de apoio à população idosa no Japão e no Brasil. Atualmente é coordenadora do grupo técnico de População e Cidadania do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Professora do Curso de Gerontologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Vice-Presidente do Conselho Nacional dos Direitos dos Idosos. Flavia Poppe MSc, especialista em Planejamento e Gestão de Saúde. Economista, MSc em Planejamento Social na London School of Economics (LSE), Curso de Doutorado em Administração Pública na Universidade de Buenos Aires. Trabalhou como consultora internacional em órgãos das Nações Unidas e para o Banco Mundial, como técnica de planejamento no Ministério da Saúde em Brasília (Divisão de DST/Aids). Foi Vice-Presidente Executiva do Semic, Operadora de Planos de Saúde com 100 mil vidas no Rio de Janeiro. Atualmente é associada ao Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets) e desenvolve consultorias em modelos de gestão de saúde. José Rodrigues Doutor em Educação (Universidade de Campinas, 1997), com pós-doutorado em Ciência Política (Universidade de Campinas, 2007). Professor Associado da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense. Membro do Núcleo de Estudos, Documentação e Dados sobre Trabalho e Educação (Neddate-UFF). Pesquisador do CNPq. Autor de A educação politécnica no Brasil (Niterói, EdUFF, 1997), de O moderno príncipe industrial: o pensamento pedagógico da Confederação Nacional da Indústria (Campinas, Autores Associados, 1997) e de Os empresários e a educação superior (Campinas, Autores Associados, 2007).


Luís Henrique Paiva Sociólogo, membro da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Fez mestrado em Sociologia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas (IFCH/Unicamp) e doutorado em Sociologia e Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foi assessor técnico do Departamento de Emprego e Salários do Ministério do Trabalho e Emprego por quatro anos (1999-2003) e assessor da Subchefia de Articulação e Monitoramento da Casa Civil (2005-2007). Atuou como coordenador de políticas previdenciárias do Ministério da Previdência Social entre 2003 e 2005 e atualmente é o Coordenador Geral de Estudos Previdenciários do mesmo Ministério. Publicou o livro Weber e Popper – filosofia das ciências sociais (Editora da Unimep, 1997) e cerca de duas dezenas de artigos acadêmicos voltados para políticas públicas de emprego e políticas previdenciárias. Paulo Tafner Economista, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor da Universidade Cândido Mendes. Fez mestrado em Economia pelo IPE/USP e doutorado em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e UCSD. Foi Assessor-Chefe da Secretaria das Finanças do Município de São Paulo, Assessor do Ministro do Planejamento, Diretor do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) e Coordenador de Previdência do Ipea. Foi editor da publicação Brasil: o estado de uma nação, produzido pelo Ipea, nas edições de 2005 e 2006. Foi editor e autor do livro Previdência no Brasil: debates e desafios, produzido pelo Ipea, e que contou com uma dezena de autores. Tem diversas dezenas de artigos publicados em revistas científicas da área de Economia e de Ciências Sociais.


CUIDADOS DE LONGA DURAÇÃO PARA A POPULAÇÃO IDOSA

Família ou Instituição de Longa Permanência? Ana Amélia Camarano

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O objetivo do trabalho é tentar inferir sobre como idosos brasileiros frágeis estão sendo cuidados e quais as perspectivas para o futuro próximo. Consideram-se idosos os indivíduos com 70 anos e mais, apesar de a Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso definirem como tal os indivíduos de 60 anos e mais. Assumiu-se que idoso frágil, demandante de cuidado de longa duração, é aquele que experimenta dificuldades para a realização das atividades básicas da vida diária (AVD), ou seja, comer, ir ao banheiro e tomar banho sozinho. Essa demanda cresce com a idade e passa a ser mais expressiva a partir dos 70 anos. A pergunta central do trabalho é: as famílias brasileiras poderão continuar assumindo o papel preponderante no cuidado com a população idosa dependente ou as instituições de longa permanência ganharão importância no desempenho desta tarefa? Na busca de algumas respostas, apresenta uma breve caracterização das instituições brasileiras e de como são percebidas por idosos e não-idosos, traça um perfil dos potenciais demandantes de cuidados de longa duração e apresenta algumas especulações sobre as possibilidades de a família continuar mantendo o seu principal papel de cuidadora. Conclui pela redução da capacidade de a família cuidar, em função das mudanças nos arranjos familiares. Utilizam-se os dados coletados pelo suplemento especial de saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), de 1998 e 2003, e da pesquisa realizada pelo Ipea pela Secretaria Especial de Direitos Humanos sobre Condições de Funcionamento e Infra-Estrutura das Instituições de Longa Permanência Brasileiras. The objective of this paper is to investigate how fragile elderly Brazilians are being cared of and to speculate about the perspectives for the next future. By elderly population is considered those aged 70 years and plus and by fragile elderly those who experience difficulties for the most basic daily life activities such as to go to the toilet, to eat and to bath by themselves. It is assumed that these difficulties increase as age does and began to be more marked after the age of 70 years. The central question of this paper is: will Brazilian families be able to keep their traditional role of looking after the fragile aged population or the long term care institutions will gain importance in the performance of this task? Looking for some answers, it presents a brief characterization of the Brazilian institutions and how are they perceived by the aged and no aged population and discusses the possibilities of the family to keep their traditional role of caring for their dependent members. It uses the data from the Brazilian General Household Survey (Pnad) of 1998 and 2003, health supplements, and from the research carried out by Ipea about Infrastructure and Conditions of the Brazilian Long Term Care Institutions.

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1. Introdução É reconhecido que o envelhecimento da população brasileira tem sido acompanhado pelo envelhecimento da própria população idosa e por transformações acentuadas nos arranjos familiares e no papel social da mulher. Desde a segunda metade dos anos 1970, a população brasileira passou a experimentar uma redução no seu ritmo de crescimento, dada a queda acentuada nos níveis de fecundidade. As projeções apontam para uma continuação dessa redução no futuro próximo. No entanto, a população nas idades mais avançadas tem crescido e tenderá a crescer a taxas elevadas pela entrada da coorte dos baby boomers na última fase de vida (elderly boomers) e pela diminuição da mortalidade nestas idades. Já foi visto que ainda há um grande espaço para a continuação da diminuição da mortalidade e o conseqüente aumento da esperança de vida. Por exemplo, se todas as causas de morte da população idosa consideradas evitáveis forem eliminadas, a esperança de vida aos 60 anos aumentaria em aproximadamente 10 anos. Ou seja, aos 60 anos, um indivíduo do sexo masculino poderia viver mais 29,2 anos e, se do feminino, mais 32,5. Apesar de esse crescimento estar acompanhado por uma melhora das condições de saúde desse grupo etário, o número de idosos com fragilidades físicas e/ou mentais tende a aumentar. O envelhecimento da população implica uma maior exposição da população a doenças crônicas degenerativas com conseqüente perda de autonomia e independência para um contingente populacional crescente. Em outras palavras, a demanda por cuidados tende a aumentar. Por outro lado, mudanças na estrutura dos arranjos familiares e no padrão de nupcialidade estão, também, em curso na sociedade brasileira desde os anos 1970. Isto ocorre paralelamente ao aumento generalizado da escolaridade feminina, à inserção maciça das mulheres no mercado de trabalho e a modificações no sistema de valores. Por novos valores, está se entendendo o aumento do individualismo e da valorização da vida independente, o que resulta, dentre outros fato

Ver Ipea (2006).   Ver Camarano, Kanso e Mello (2004).

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res, em um maior número de pessoas vivendo sós. Ressalta-se, também, o fato de que a queda da fecundidade implica menos filhos nas famílias brasileiras. Essas modificações podem enfraquecer os laços de solidariedade intergeracionais e já repercutem nas formas de cuidado à população idosa. Em síntese, espera-se que aumente o número de idosos demandantes de cuidados e a oferta de cuidadores familiares se reduza. Isso levanta a questão de quem oferecerá cuidados para esses idosos: família ou instituições? Essa questão não é específica do caso brasileiro. Ao longo da História, em quase todo o mundo, o cuidado com a geração mais velha tem sido atribuído aos descendentes, norma social reforçada pela legislação vigente. Além disso, as normas sociais e familiares estabelecem que o papel de cuidar seja uma especificidade feminina. As jovens devem cuidar dos filhos e, na meia-idade ou na velhice, dos maridos doentes, pais e sogros idosos fragilizados (Neri, 2006). A legislação brasileira estabelece que a família é a principal responsável pelo cuidado do idoso. É o que se encontra na Constituição Federal de 1988, na Política Nacional do Idoso de 1994 e no Estatuto do Idoso de 2003. Essa legislação é resultado dos valores e preconceitos dominantes quanto ao cuidado institucional e os reforça. Conseqüentemente, a residência em instituições de longa permanência para idosos (ILPIs) não é uma prática comum no Brasil. A responsabilização da família quanto ao cuidado do idoso dependente se dá, no Brasil, concomitantemente ao avanço da cobertura da Seguridade Social, estabelecido pela Constituição Federal de 1988. Esta universalizou o acesso a uma renda mínima para os idosos brasileiros. Para EspingAndersen (2002), isso significa uma “desfamiliarização”, ou seja, uma redução da dependência dos indivíduos em relação ao apoio financeiro provido pela família, mas, por outro lado, estabelece que os idosos fragilizados continuem a depender do apoio físico e emocional dos seus familiares. No entanto, a despeito dessas recomendações e do consenso entre especialistas de que a manutenção do idoso em ambientes familiares é mais adequada para o seu bem-estar, reconhece-se a necessidade de políticas públicas que ofereçam o atendimento institucional a determinados idosos (Camarano e Pasinato, 2004). Em geral, encontram-se entre o público-alvo dessa modalidade de cuidado indivíduos

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em idade mais avançada, com reduzida autonomia para as atividades da vida diária, com situação financeira precária, sem família e/ou em condições de maus-tratos familiares. O objetivo do trabalho é tentar inferir sobre onde os idosos brasileiros frágeis estão sendo cuidados e quais as perspectivas para o futuro próximo. Consideram-se idosos os indivíduos com 70 anos e mais, apesar de a Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso definirem como tal os indivíduos de 60 anos e mais. Assumiu-se que idoso demandante de cuidado de longa duração (frágil) é aquele que experimenta alguma dificuldade para a realização das atividades básicas da vida diária (AVD), ou seja, comer, ir ao banheiro e tomar banho sozinho. Essa demanda cresce com a idade e passa a ser mais expressiva a partir dos 70 anos. Assume-se que não ter rendimento é, também, um fator gerador de dependência/fragilidade, mas esta não foi considerada neste trabalho. Utilizam-se os dados coletados pelo suplemento especial de saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), de 1998 e 2003, e da pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) sobre Condições de Funcionamento e Infra-estrutura das Instituições de Longa Permanência Brasileiras. A pergunta central que norteia este trabalho é a seguinte: as famílias brasileiras poderão continuar assumindo o papel mais importante no cuidado com a população idosa dependente ou as instituições de longa permanência ganharão importância no desempenho desta tarefa? Na busca de algumas respostas, o trabalho foi dividido em seis seções, sendo a primeira esta introdução. A segunda faz uma breve revisão da legislação brasileira e da literatura sobre a quem cabe a responsabilidade do cuidado para com o idoso dependente. Na terceira, encontra-se uma breve caracterização das instituições brasileiras e de como são percebidas por idosos e nãoidosos. Um perfil dos potenciais demandantes de cuidados de longa duração, ou seja, dos idosos dependentes é apresentado na quarta seção. A quinta apresenta algumas especulações sobre as possibilidades de a família brasileira continuar mantendo o seu papel de principal cuidadora dos idosos dependentes. Finalmente, na sexta seção são apresentados os comentários finais.

Para maiores detalhes da pesquisa, consulte Ipea/SEDH, 2007 e 2008.

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2. O cuidado com idosos dependentes: a legislação e as percepções A Organização Mundial de Saúde define como cuidados de longa duração o conjunto de atividades desenvolvidas pelos cuidadores informais (família, amigos, vizinhos) e/ou institucionais (serviços de saúde e sociais) para assegurar que uma pessoa que perdeu a autonomia possa levar uma vida com qualidade, com o maior grau possível de independência, autonomia, participação, realização pessoal e dignidade humana, respeitando as suas preferências individuais. Os cuidados familiares são os predominantes em quase todo o mundo. Por exemplo, Jacobzone et al. (2000) estimam que para os países membros da Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE), esses correspondem a aproximadamente 80% dos cuidados demandados pelos idosos com perda de capacidade funcional e/ou instrumental para a realização das AVD. No Brasil, os cuidados de longa duração fazem parte das ações da política assistencial no programa de atenção a idosos. São previstas as seguintes modalidades de cuidado: família natural, atendimento domiciliar, família acolhedora, casa-lar, república, centro de convivência, centro-dia, residência temporária e instituições de longa permanência. Os programas são formulados em nível federal, mas executados de forma descentralizada em parcerias que envolvem os estados, os municípios e a sociedade civil. O papel do Estado consiste tanto em prover serviços para idosos carentes quanto regular e fiscalizar as instituições privadas que prestam estes serviços. A legislação brasileira é bastante clara e enfática no que diz respeito à responsabilidade pelo cuidado do idoso. A Constituição Federal de 1988 estabelece que a família é a principal responsável por ele. A Política Nacional do Idoso de 1994 e o Estatuto do Idoso de 2003 reforçam isto. Essa legislação é resultado dos valores e preconceitos dominantes quanto ao cuidado institucional e os reforça. Uma das razões para que se priorize o atendimento dos idosos em seus próprios domicílios e/ou comunidades em detrimento do cuidado institucional refere-se aos seus custos elevados. Goldani (2004) sugere que essa responsabilização das famílias se deve, em grande parte, à suposição que estas, especialmente as mulheres, não incorrem em custos financeiros ou emocionais para o provimento de cuidados. No entanto, o

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aumento da participação feminina no mercado de trabalho, a redução da fecundidade, as mudanças na nupcialidade, a inexistência de um sistema formal de suporte incorporando a família e a comunidade, entre outros aspectos da vida moderna, fazem dos cuidados familiares informais um recurso cada vez mais escasso. Geralmente, à medida que aumenta a participação das mulheres no mercado de trabalho aumenta também a demanda pela provisão dos cuidados não-familiares. Ou seja, a mulher pode ter mais recurso financeiro para pagar pelo cuidado de seus membros dependentes, mas, com certeza, tem menos tempo para despender com ele. Dessa forma, a transferência do cuidado do idoso dependente da família para o Estado ou o mercado privado pode ser vista como necessária. Ressalta-se o reconhecimento da existência de pessoas que envelhecem sem familiares próximos e que, como apontado por Debert (1999), viver com os filhos não é garantia de respeito, cuidado adequado e ausência de maus-tratos. A autora cita exemplos de denúncias de violência física contra idosos que são mais freqüentes quando diferentes gerações convivem no mesmo domicílio. Sumarizando, não se pode deixar de reconhecer a necessidade de políticas públicas que possibilitem a modalidade de atendimento institucional a determinados idosos (Camarano e Pasinato, 2004). Não se tem informações de caráter mais geral sobre a aceitação (ou não) da população brasileira, em particular dos idosos, de uma possível residência em uma instituição. Historicamente, as instituições têm sido vistas com resistência e preconceito, como “depósito de idosos”, lugar de exclusão, dominação e isolamento ou, simplesmente, “um lugar para morrer” (Novaes, 2003). Isto pode ser resultado do fato, dentre outros, de que a história da institucionalização da velhice começou como uma prática assistencialista, predominando na sua implantação a caridade cristã. As instituições abrigavam as pessoas abandonadas e/ou não desejadas pela sociedade: loucos, crianças, mendigos, vagabundos e idosos. A residência em instituições era resultado da pobreza individual e familiar e o termo asilo era sinônimo de residência para idosos pobres. Apenas no início do século XX, as instituições tiveram seus espaços ordenados: as crianças em orfanatos, os loucos em hospícios e os velhos em asilos. Além disso, a velhice era percebida como um problema social, (Camarano, 2007). Os dados da pesquisa empreendida pela Fundação Perseu Abramo e SESC sobre “Idosos Brasileiros: Vivências, desafios e expectativas na

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3a idade” permitem alguma inferência sobre o grau de aceitação de residência em instituições. O Gráfico 1 mostra a proporção de respondentes que declararam que aceitariam morar em uma ILPI. A aceitação foi maior por parte dos não-idosos comparada aos idosos (76% e 67%). Essa proporção diminuiu de forma não-monotônica com a idade e mais intensamente entre os homens. Isso pode sugerir que as gerações mais novas teriam uma visão mais favorável à residência numa ILPI que as anteriores, o que pode, por um lado, ser interpretado como uma mudança de percepção. Por outro, esses indivíduos encontram-se mais distantes da possibilidade de necessitarem de cuidados permanentes. Embora a diferença por sexos não seja grande, o resultado aponta para uma maior aceitação por parte dos homens, mas variando entre os subgrupos etários. Entre o de 60 a 69 anos, as mulheres se declararam mais receptivas. O inverso ocorreu nos grupos mais velhos. Este é um resultado curioso, pois, em geral, as mulheres mais velhas predominam nas ILPIs, especialmente, nas idades mais avançadas (Camarano, 2007). Do total de pessoas entrevistadas, idosas e não-idosas entrevistadas pela pesquisa, 26% reportaram que não morariam em uma instituição. GRÁFICO 1 - PROPORÇÃO DE ENTREVISTADOS QUE ACEITARAM RESIDIR NUMA INSTITUIÇÃO DE LONGA PERMANÊNCIA POR GRUPOS DE IDADE E SEXO - BRASIL 2006 80

60

40

20

0

16-24

25-44

45-49

60-69

70 -79 Homens

80 ou mais Mulheres

Nota.: Não-Idosos Homens = 764; Não-Idosas Mulheres = 844; Idosos Homens = 396; Idosas Mulheres = 669. Fonte: Fundação Perseu Abramo/SESC (2006) - Idosos no Brasil. Extraído de Camarano (2007), p. 179.

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Assumindo que as pessoas que buscam uma instituição são pessoas que perderam ou nunca tiveram familiares próximos, ou vivem uma situação familiar conflituosa, não têm autonomia física e mental para administrarem a sua vida ou não têm condições financeiras de se sustentar, o pertencimento a uma instituição pode representar uma alternativa de amparo, proteção e segurança. A dissociação entre os laços de família e a residência conjunta entre pais idosos e filhos em idade adulta não significa, necessariamente, uma redução da importância da família para o apoio e cuidado de seus membros. Pode significar uma nova organização e divisão da responsabilidade pelo cuidado dos membros entre a família, o Estado e o mercado. À medida que a família se torna cada vez menos disponível para desempenhar o papel de cuidadora de seus membros dependentes, crescem as demandas para que o Estado e o mercado ampliem o seu escopo de atuação (Camarano, 2007). 3. As Instituições Brasileiras: o que são e como são percebidas Não há consenso no Brasil sobre o que seja uma Instituição de Longa Permanência para Idosos. Os asilos constituem a modalidade mais antiga de atendimento ao idoso fora do convívio familiar. Em geral, surgem, espontaneamente, em razão das necessidades da comunidade, e, por isso, podem apresentar problemas na qualidade dos serviços oferecidos, o que afeta as condições de vida dos residentes. Na maioria deles, predomina o caráter assistencial (Born e Boechat, 2006). O envelhecimento da população e o aumento da sobrevivência de pessoas com redução da capacidade física, cognitiva e mental estão requerendo que os asilos deixem de fazer parte apenas da rede de assistência social e integrem a rede de assistência à saúde. Salienta-se que esses são constituídos por domicílios coletivos e devem, portanto, fazer parte de uma política de habitação. Para expressar a nova função híbrida dessas instituições, a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia sugeriu a adoção da denominação “Instituição de Longa Permanência para Idoso (ILPI)”. Trata-se de uma adaptação do termo utilizado pela Organização Mundial de Saúde (Long-Term Care Institu-

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tion) (Costa, 2004). No entanto, na literatura e na legislação, encontram-se referências indiscriminadas a ILPIs, casas de repouso e asilos (Camarano, 2007). Pode-se falar que, de uma maneira geral, as instituições brasileiras oferecem basicamente residência e algum serviço de saúde. Por exemplo, os dados da pesquisa nacional realizada pelo Ipea sobre “Condições de Funcionamento e Infra-estrutura das Instituições de Longa Permanência” apontam que 71,6% das instituições localizadas nas regiões Norte, Centro-Oeste e Sul oferecem serviços de saúde e apenas 4,7% treinamento em atividades que gerem renda. Bibliotecas e/ou sala de leitura são encontradas em apenas 17,9% delas. Por outro lado, apenas 33,1% dos idosos são dependentes, ou seja, não conseguem realizar as atividades básicas da vida diária sozinhos e 30,2% são semidependentes. Reconhece-se que mesmo no caso de idosos independentes, estes necessitam de algum tipo de serviço de saúde. No entanto, uma parcela expressiva dos residentes é independente, aproximadamente 37%, o que requer que as instituições disponibilizem outros tipos de serviços e atividades que propiciem alguma integração dos mesmos com a sociedade e entre eles próprios. Não se conhece o número de instituições existentes no país. Estima-se que esteja em torno de 5.000, concentradas nas capitais estaduais e nas grandes cidades. Nas três regiões onde a pesquisa foi concluída, foram identificadas 991. É grande o número de municípios que não contam com instituições, conforme se pode ver pelo mapa a seguir. Isto pode ser um reflexo da legislação vigente e dos preconceitos a ela associados. Conseqüentemente, é baixa a sua utilização. Por exemplo, em 2003, existiam no País aproximadamente 2,2 milhões de idosos com dificuldades para a realização das atividades da vida diária e, aproximadamente, 100 mil residiam em instituições, sendo que nem todos os residentes tinham a sua autonomia comprometida (Camarano, 2006). Isso significa que pelo menos, 2,1 milhões de idosos frágeis estavam sendo cuidados ou “descuidados” pela família. Este dado aponta para a importância da família como a instância cuidadora ou “negligenciadora” dos idosos dependentes (Camarano, 2007).

Foram as regiões onde a pesquisa já foi concluída.

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Localização espacial das Instituições de Longa Permanência para idosos (ILPI) por município Região Norte, 2006/2007

Localização das Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI) por municípios Centro-Oeste, 2006/2007

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Localização das Instituições de Longa Permanência para Idosos por município Região Sul, 2007/2008

A maioria das instituições identificadas pela pesquisa é filantrópica, 56,1%, incluindo aí as religiosas e as leigas. Destaca-se a importância da Sociedade São Vicente de Paulo (SSVP), que é responsável por aproximadamente 700 instituições no País. Em segundo lugar, colocam-se as instituições privadas com fins lucrativos; constituem um terço do total. É baixa a proporção de públicas, 10,6%. Os motivos mais freqüentes apontados na literatura para a internação dos idosos são baixas condições financeiras, falta de moradia, relações familiares conflituosas, morte de familiares próximos ou amigos, reduzidas atividades de lazer, saúde precária, falta de cuidador, atendimento médico e de enfermagem reduzido e ausência de planos privados de saúde (Davim et alii, 2004; Born e Boechat, 2006). A pesquisa mencionada feita pela Perseu Abramo indagou também às pessoas que admitiram morar em uma instituição as razões que as levariam a isso. Do total de respondentes, 46% declararam que aceitariam morar numa ILPI e 24%, que talvez o fizessem. Foram considerados os dois grupos em conjunto. Foi oferecida a esses respondentes uma relação de possibilidades de respostas, agrupadas em seis blocos: falta de opção/opção de terceiros, razões familiares, dependência, tratamento

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adequado, companhia e ambiente. A Tabela 1 apresenta a distribuição percentual das razões alegadas por idosos e não-idosos, desagregada por sexo. Pelo fato de ser permitido responder a mais de uma opção, a soma ultrapassa os 100% (Camarano, 2007). Tabela 1 - Distribuição proporcional dos entrevistados que declararam aceitar morar numa instituição segundo a razão e sexo Razão Total Falta de opção / opção de terceiros 39,7 Se precisar 12,7 Se não tiver outra opção de moradia 7,9 Se houver ausência de familiares/parentes 4,8 Se não tiver condições físicas de saúde (física/mental) 4,8 Para não ficar na rua 4,8 Se me colocarem lá 3,2 Por necessidade financeira 3,2 Família 30,2 Se minha mãe não puder/não quiser cuidar de mim 15,9 Para não incomodar filhos / família 14,3 Dependência 19,0 Se não houver quem cuide de mim 17,5 Para não depender de ninguém 1,6 Tratamento adequado 15,9 Idosos são bem-tratados / respeito 9,5 Presença de pessoas especializadas para cuidar de idosos 4,8 Presença de pessoas que dão remédios nas horas certas 3,2 Idosos são tratados com amor / carinho / dedicação 1,6 Companhia 14,3 Para ter companhia / não ficar sozinho(a) 9,5 Encontrar pessoas da mesma idade 4,8 Ambiente 6,3 Oferece alimentação / refeição 3,2 Tem higiene (os asilos são limpos) 1,6

Não-idosos Idosos Homens Mulheres Homens Mulheres 44,4 37,5 40,4 29,1 14,3 10,9 14,0 10,9 7,9 9,4 3,5 3,6 4,8 4,7 10,5 5,5 4,8 3,1 7,0 3,6 4,8 6,3 1,8 3,2 3,1 3,5 1,8 3,2 1,6 1,8 1,8 30,2 31,3 22,8 32,7 15,9 15,6 12,3 16,4 14,3 14,1 10,5 16,4 17,5 20,3 24,6 20,0 15,9 17,2 24,6 20,0 1,6 1,6 - 3,6 15,9 17,2 14,0 14,5 9,5 10,9 7,0 7,3 4,8 4,7 7,0 5,5 3,2 4,7 3,5 3,6 1,6 1,6 - 12,7 15,6 14,0 20,0 9,5 10,9 12,3 16,4 4,8 6,3 1,8 3,6 4,8 6,3 3,5 5,3 3,2 4,7 1,8 1,8 1,6 1,6 1,8 1,8

N 2.673 764 844 Nota: Foram permitidas respostas múltiplas, por isso o somatório ultrapassa 100%. Fonte: Fundação Perseu Abramo / SESC (2006) - Idosos no Brasil.

396

669

Todas as alternativas nos três primeiros blocos dizem respeito, principalmente, à ausência de cuidador e à carência de renda e/ou moradia. A grande maioria dos respondentes (40%), independente do sexo

Este restante de seção está fortemente baseado em Camarano (2007).

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ou da idade, respondeu que moraria em uma instituição por falta de opção ou como opção de terceiros. Nesta categoria, encontram-se os que alegaram falta de moradia e necessidades financeiras, ausência de família e dependência física ou mental. Estes são os motivos clássicos encontrados na literatura para a residência em uma instituição. Essa proporção é mais elevada entre homens que entre mulheres e entre não idosos comparativamente a idosos. Em segundo lugar, destacam-se as razões ligadas a dificuldades da família de cuidar e a preocupação em não incomodá-la. Essa proporção é mais elevada entre as mulheres, independente da idade. Os homens idosos apresentaram a mais baixa proporção de adeptos dessa categoria relacionada a dificuldades da família. Não se observaram diferenças expressivas dentre os dois motivos que compõem essa categoria nem quando se considera a desagregação por idade e nem por sexo. A preocupação dos idosos em não constituir um incômodo para os filhos foi percebida, também, por Alcântara (2004), em uma pesquisa realizada num asilo em Fortaleza. Essa percepção de se sentir um peso para a família, segundo a autora, na maioria das vezes, coincide com o momento em que pais e filhos passam a experimentar uma inversão na relação. Outro grupo de razões, também expressivo, diz respeito à dependência, o que, de alguma forma, está ligado aos dois primeiros, pois a questão ressaltada não é a dependência em si, mas a ausência de cuidador e a necessidade de não depender de ninguém. Essas razões foram mais importantes para os homens idosos e depois para as mulheres de ambos os grupos de idade. Nesse bloco, encontram-se duas alternativas de respostas, mas aproximadamente 90% optaram apenas pela primeira, que é a ausência de cuidador (ver Tabela 1). Os três blocos seguintes consideram os aspectos positivos ou atrativos de morar nesse tipo de residência. No entanto, aí se encontram apenas 36,5% dos entrevistados que aceitariam morar em ILPIs, sendo esta proporção mais elevada entre as mulheres, como mostra a Tabela 1. Essa proporção contrapõe-se aos 88,9% que declararam aceitação por falta de opção ou dependência. Dos três blocos de razões que compõem os “fatores de atração”, o mais aceito foi o que diz respeito a tratamento adequado nas ILPIs, destacando-se a percepção de que os idosos são bem-tratados, tratados com respeito. Esta percepção foi mais freqüente entre os não-idosos, em especial entre as mulheres.

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A proporção de pessoas que respondeu ao outro grupo de razões, companhia, é similar à anterior, 14,3%, e, também, mais alta entre as mulheres (ver Tabela 1). É mais elevada entre os idosos. Nesse grupo, ressalta-se ter companhia em geral e, não necessariamente, pessoas da mesma idade como a preferência generalizada. O último grupo de razões diz respeito ao ambiente, ou seja, alimentação e higiene. Essas razões foram mais importantes para os não-idosos e as mulheres. Nesse grupo, sobressai, entre os não-idosos, a disponibilidade de alimentação, considerada mais importante que a higiene como elemento de atração. Por outro lado, 26% dos entrevistados informaram que não morariam de nenhuma forma numa ILPI. Destes, mais da metade, 51,7%, declarou que não aceitaria por razões familiares. Essa proporção cresce para aproximadamente 63% quando se consideram apenas os idosos. Nesse bloco, um terço alegou que o cuidado com o idoso é obrigação da família. Além disso, 10,3% afirmaram que as famílias não permitiriam a sua ida. O que foi visto reforça o papel atribuído à família no cuidado de seus idosos dependentes. 4. A demanda por cuidados de longa duração Uma das dificuldades que se coloca é definir o segmento populacional que demanda cuidados de longa duração. A literatura aponta que esse é formado pelo subgrupo dos idosos muito idosos, que perderam sua independência e/ou autonomia instrumental ou funcional para realizar as atividades da vida diária. Aponta, também, que essa demanda cresce com a idade. Já se constatou que uma parcela expressiva dos residentes em ILPIs é independente do ponto de vista físico/mental/ cognitivo. Ou seja, esse não é o único grupo a buscar residência em instituições. Um outro grupo é o que experimenta uma dependência financeira. Além disso, são encontrados residentes que não se acham em nenhuma dessas duas categorias de dependência. Assumiu-se que uma parcela da demanda é constituída por pessoas que têm necessidade de auxílio para a realização das atividades mais básicas do cotidiano, a saber tomar banho, comer e/ou ir ao banheiro sozinhos (AVD). Essas limitações funcionais representam perda concreta da independência e autonomia e implicam a necessidade de um cuidador permanente. Outra parcela é constituída por pessoas

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que não têm capacidade financeira de se sustentarem. Isso poderia explicar por que nas instituições públicas ou filantrópicas das três regiões pesquisadas encontra-se uma proporção mais elevada de idosos independentes que nas privadas. O inverso vale para os dependentes, cuja proporção mais elevada é encontrada nas instituições privadas, conforme se pode ver no Gráfico 2. Gráfico 2 - Distribuição proporcional dos residentes nas instituições de longa permanência por grau de dependência segundo a natureza jurídica. REgiões Norte, Centro-Oeste e Sul – 2006/2008 50%

40%

30%

20%

10%

0%

Filantrópica

Fonte: Pesquisa Ipea /CNDI /SED4

Pública e Mista Independentes

Privada Semidependentes

Dependentes

Considerou-se como uma proxy do primeiro grupo de possíveis demandantes de residência em ILPIs, as pessoas com 70 anos ou mais que declararam experimentar dificuldades para as AVD. O Gráfico 3 deixa claro que essa demanda cresce com a idade, é maior entre as mulheres e diminuiu entre 1998 e 2003. Neste ano, encontravamse nessa condição 1.543,1 pessoas, sendo 964 mil (62,8%) mulheres. Desses idosos, 87,7% declararam experimentar pelo menos uma doença crônica das 12 investigadas pela Pnad. Esta proporção variou de 85,6% entre os homens a 89,0% entre as mulheres. Entre as principais doenças reportadas, as mais importantes foram hipertensão, que afetava 63,6% dos idosos e 70,4% das idosas, artrite ou reumatismo, problemas de coluna ou costas, e doenças de coração. Além disso,

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29,3% informaram que estiveram acamados nas duas últimas semanas anteriores à realização da pesquisa e 20,2% eram pobres, ou seja, residiam em domicílios cuja renda mensal per capita era inferior à linha de pobreza estimada por Ricardo Paes de Barros. Gráfico 3 - Porcentagem da população brasileira com algum grau de dificuldade para a realização das atividades da vida diária por sexo e idade 40% Homens 1998 Homens 2003

Mulheres 1998 Mulheres 2003

30%

20%

10%

0%

15 a 19 20 a 24 25 a29 30 a34 35 a39 40 a 44 45 a 49 50 a54 55 a 59 60 a 64 65 a 69 70 a 74 75a79 80 e +

Fonte dos dados brutos: IBGE /Pnad 1998 e 2003.

Os dados mostrados acima referem-se a pessoas demandantes de auxílio residentes em domicílios particulares. A Pnad não inclui na sua amostra os domicílios coletivos, ou sejam, as instituições. Isto significa que as famílias estão cuidando ou descuidando dos 1.543,1 mil idosos considerados como experimentando dificuldades para as atividades mais básicas da vida diária. Os Gráficos 4 e 5 mostram a inserção do idoso com dificuldades para a vida diária nas famílias. Ambos revelam que essa inserção é bastante diferenciada por sexo. Como já salientado por Lyod-Sherlock (2004), a velhice tem um forte componente de gênero. Isso se dá não só porque as mulheres predominam entre os idosos, mas por serem as prin  Essas linhas são regionalizadas e por isso não há um valor único para o Brasil. A média para 2003 foi obtida a partir da regionalização e o valor encontrado para o Brasil foi de R$ 140,34.

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cipais cuidadoras e as que mais demandam cuidados. Pode se observar no Gráfico 4 que enquanto 75,2% dos homens eram chefes do domicílio onde residiam, apenas 42,2% das mulheres encontravam-se nesta categoria e 18,0% eram cônjuges. Por outro lado, enquanto 38,2% das idosas viviam na casa de filhos, genros e/ou outros parentes, a proporção correspondente para os homens foi de 18,1%. Esse é um dos grupos mais propensos a experimentar violência doméstica e/ou a residir numa ILPI. Além da grande maioria dos homens, mesmo na condição de “dependentes”, terem continuado chefiando as suas famílias, eles contavam com uma parceira, que provavelmente se encarregava do seu cuidado. Era a situação vivida por 73,6% dos homens brasileiros. Como as mulheres vivem mais que eles, ficam mais viúvas, ou seja, apenas 40,9% das mulheres contavam com cônjuges. Já quanto a contar com filhos, a situação de homens e mulheres não se diferenciava muito. Quase a metade residia com eles; 49,2% das mulheres e 44,5% dos homens (ver Gráfico 5). Dessas mulheres, 88,7% tiveram filhos nascidos vivos. Gráfico 4 - Distribuição proporcional da população de 70 anos e mais que tem dificuldades para as atividades da vida diária por posição no domicílio segundo sexo - Brasil, 2003 80

60

40

20

0

Chefe

Cônjuge

Outro parente Homens

Outros membros Mulheres

Fonte: Pesquisa Ipea /CNDI /SED4.

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Gráfico 5 - Com quem vivem as pessoas com 70 anos e mais que tÊm dificuldades para as atividades da vida diária? - Brasil, 2003 40

30

20

10

0

Com cônjuge sem filhos

Com cônjuge com filhos

Fonte: IBGE /Pnad de 2003.

Com filhos sem cônjuge

Sós

Outros Homens

Mulheres

Sumarizando, pode-se inferir que os homens com dificuldades para a vida diária podiam contar com as suas cônjuges e as mulheres com filhos, sendo que tal fato se observava apenas para a metade das mulheres. Isso é um dos fatores que ajudam a explicar por que, de uma maneira geral, as mulheres predominam nas instituições. Dentre o conjunto de residentes nas ILPIs das três regiões consideradas pela pesquisa mencionada, 54,7% são mulheres. Essa predominância foi verificada claramente na região Sul, onde 60,4% dos residentes são mulheres. Por outro lado, na regiões Norte e Centro-Oeste, as proporções de mulheres residentes são 39,5% e 42,0%, respectivamente. No entanto, a redução da fecundidade já mencionada neste trabalho tem levado a uma diminuição do número de filhos tidos por mulher. Numa projeção para 2025, Carvalho e Wong (2008) mostraram que o número de filhos sobreviventes com que as idosas poderão contar tende a diminuir de uma média de cinco para aproximadamente três, mantendo os atuais níveis de fecundidade e mortalidade. Isso reforça a preocupação com o cuidado dos idosos dependentes. Além disso, reconhece-se que um número grande de filhos não é garantia de cui-

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dados na velhice, pois segundo Goldani (1999), as trocas de apoio entre pais e filhos nem sempre são seguidas por normas de reciprocidade e eqüidade. Ressalta-se, também, que nem sempre os filhos adquirem independência financeira, ficando dependentes dos pais idosos. Alguns trabalhos mostraram que os jovens brasileiros têm experimentado grandes dificuldades no seu processo de transição para a vida adulta, o que tem levado a que os pais idosos estejam invertendo a esperada relação de dependência. Ou seja, passam de dependentes para provedores. Outro recurso importante e necessário para o cuidado do idoso dependente é a renda. Desses idosos, 96,9% dos homens e 90,3% das mulheres recebiam algum benefício da Seguridade Social (aposentadoria, pensões ou benefício assistencial). Como conseqüência, aproximadamente 90% da renda desses indivíduos eram provenientes da Seguridade Social (ver Gráfico 6). Esta proporção é maior entre as mulheres (94,8%) do que entre os homens (84,7%), pela importância das pensões por morte e da baixa proporção da renda do trabalho. É bastante baixa a contribuição de doações de outros membros da família; não alcançou 2,0% da renda das mulheres e 1,0% da dos homens. Já foi sugerido que o fato de o indivíduo com necessidades de ajuda para as atividades da vida diária poder contar com uma renda originária de benefícios sociais pode contribuir para que ele possa receber apoio de outros membros da família, ou seja, incentiva uma forma de cooperação intergeracional de duas direções. Por exemplo, as mulheres com dificuldades para a vida diária que moravam com outros parentes contribuíam com quase um terço da renda desses domicílios. Eram pessoas que necessitavam de ajuda, mas, também, prestavam ajuda (Camarano, 2006).

Ver, por exemplo, Delgado e Simões (2004), Camarano e El-Ghouri (1999), Camarano e El-Ghouri (2003), Camarano et allii (2004), Camarano (2006), etc.

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Gráfico 6 - Composição percentual de renda das pessoas com 70 anos e mais que tÊm dificuldades para as atividades da vida diária por sexo - Brasil, 2003 100%

75%

50%

25%

0%

Homens Trabalho

Mulheres Aposentadoria

Pensão

Doação

Outros

Fonte: IBGE /Pnad de 1983 e 2003.

Não se pode deixar de especular, também, sobre a possibilidade de manutenção dessa situação de renda para os idosos do futuro. As perspectivas não são promissoras, pois o financiamento do sistema previdenciário brasileiro é uma questão não equacionada. As duas últimas reformas, além de não terem sido muito eficazes na solução do financiamento, atrelaram ainda mais o recebimento do benefício ao pagamento da contribuição. As mudanças no mundo do trabalho têm implicado uma informalização das relações de trabalho, ou seja, uma proporção elevada de trabalhadores que não contribuem para a Seguridade Social. Por exemplo, de acordo com Neri (2007), a mais elevada proporção de contribuintes para a previdência pública foi verificada, em 2002, no grupo etário de 35 a 40 anos, 41,6%, e para a privada, no de 45 a 49 anos, 4,4%. Ou seja, mesmo que essas proporções se verificassem para os demais grupos etários e se mantivessem constantes ao longo da vida ativa, pode-se esperar que mais da metade dos atuais trabalhadores não conseguirá manter um histórico de contribuições suficientes para garantir o recebimento do benefício previdenciário. Embora a legis-

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lação brasileira assegure um benefício de um salário mínimo para os idosos de 65 anos ou mais que não conseguiram um histórico de contribuição, este se destina apenas para aqueles que residem numa família cuja renda mensal per capita é inferior a um quarto do salário mínimo (indigentes). 5. A família poderá continuar cuidando? Parece claro que é grande a responsabilidade atribuída à família pelo cuidado de seus idosos dependentes. Isso está explícito na legislação e no desejo (percepção) das pessoas. Como foi visto, dentre os entrevistados pela pesquisa da Fundação Perseu Abramo, que declararam aceitar morar numa ILPI, a proporção mais elevada foi dos que iriam apenas no caso de a família não ter condições de cuidar. Por outro lado, dentre os que declararam que não iriam, a razão alegada por 51,7% foi familiar. Um terço desses entrevistados reportou que o cuidado com o idoso é obrigação da família. Ou seja, a ILPI é vista pela maioria como uma falta de opção. No entanto, as mudanças nos arranjos familiares já parecem estar sendo percebidas pelos entrevistados e estão, de alguma forma, refletidas nas preferências. Dentre as mulheres idosas, encontrou-se uma disposição maior de aceitação da residência numa ILPI para não incomodar a família. Dado que, atualmente, as taxas de crescimento são mais elevadas nos grupos populacionais com idades mais avançadas, idades essas em que as vulnerabilidades físicas, mentais e cognitivas são mais acentuadas, pode-se esperar um crescimento da demanda por cuidados. É bastante provável que permanecer com a família seja a melhor opção para o idoso frágil. Mas a família pode assumir essa responsabilidade, dadas as suas mudanças e o novo papel social da mulher? Para que a família possa continuar desempenhando o papel de cuidadora, acredita-se que pelo menos dois requisitos sejam importantes: renda da pessoa que será cuidada (benefício social) e existência de núcleo familiar. Assumindo que as pessoas que tinham entre 50 a 59 anos, em 2003, serão as pessoas que terão de 70 a 79 anos, em 2023, e que, provavelmente, um grande número experimentará dificuldades para desempe-

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nhar as atividades da vida diária, um exercício é apresentado a seguir objetivando especular sobre as perspectivas de cuidado familiar para esses idosos. Uma estimativa preliminar aponta que se pode esperar em torno de 1,6 milhão de pessoas nessa faixa etária e nessa condição em 2023. Destas, 61% serão mulheres. Esse contingente deverá representar o dobro do estimado para 2003. O Gráfico 7 apresenta uma breve comparação da situação dos homens brasileiros que tinham entre 50 a 59 anos, em 1983, e entre 70 a 79 anos, em 2003, e entre os que tinham 50 a 59 anos, em 2003. Por constituição de núcleo familiar, consideraram-se os indivíduos que moram com cônjuges e filhos e por garantia de renda a contribuição para a Seguridade Social e/ou o recebimento do benefício. Gráfico 7 - Proporção de homens brasileiros que tinham 50 a 59 anos em 1983 e em 2003 segundo algumas características 100%

75%

50%

25%

0% Mora com cônjuges

Mora com filhos 50-59 em 1983

Contribui/Recebe SS 70-79 em 2003

50-59 em 2003

Fonte: IBGE /Pnad de 1983 e 2003.

Embora se espere que as condições de saúde da população idosa continuem melhorando, provavelmente um número elevado de pessoas experimentará dificuldades para as atividades da vida diária.   Projeções da autora.

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Como já mencionado, a maioria dos homens idosos contam com uma cônjuge, que, provavelmente, assume o seu cuidado. Muito embora, aos 50-59 anos, em 1983, aproximadamente 90% deles residiam com parceiras e esta proporção tenha decrescido nos 20 anos, 79,6% encontravam-se nesta condição em 2003. Nesse ano, já estavam com 70-79 anos. A proporção dos que moravam com filhos também decresceu, mas numa velocidade maior: à quase a metade. Isso é esperado, pois o aumento da idade dos pais coincide com a saída de casa dos filhos. Aos 70-79 anos, menos da metade residia com filhos. Ou seja, a idade leva a uma redução dos laços familiares pelo menos com relação à moradia. Por outro lado, apenas 20,4% dos homens não residia com o seu núcleo familiar. Ou moravam com parentes ou viviam sós, o que os torna mais expostos à residência em uma ILPI. Como, também mencionado, o recebimento do benefício da seguridade social é universal entre os idosos de hoje. Enquanto 65,8% dos homens de 50 a 59 anos contribuíram para a Seguridade Social10, em 1983, 96,0% recebiam algum benefício, quando passaram a 70-79 anos em 2003. Uma das formas encontradas para pensar em perspectivas para os próximos 20 anos foi comparar a situação de quem tinha entre 50 a 59 anos em 1983 e em 2003, o que, também, está mostrado no Gráfico 7. Essa comparação sugere uma pequena redução da capacidade de a família cuidar. A maior redução observada foi na proporção de homens que moravam com filhos. As separações conjugais devem ter desempenhado um papel importante nessa redução, pois os filhos tendem a ficar com as mães. A proporção de contribuintes e beneficiários também diminuiu, mas em menor proporção que as demais. Como já salientado, as mudanças recentes na legislação previdenciária estão atrelando cada vez mais o recebimento do benefício à contribuição. Neste caso, não se pode esperar que a relação contribuintes/beneficiários observada para a primeira coorte (50 a 59 anos em 1983) se verifique para a segunda (50 a 59 anos em 2003). O impacto das mudanças na nupcialidade parece ter sido maior para as mulheres, como mostra o Gráfico 8. De fato, o gráfico mencionado reforça o que já se viu anteriormente, ou seja, a mulher idosa   Aí foram incluídas, também, as pessoas que já recebiam o benefício da seguridade social. 10

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tende a contar mais com filhos que com cônjuge pelo fato de ficar mais viúva e experimentar menores possibilidades de novo casamento quando da morte do parceiro ou das separações conjugais. Mesmo contando mais com filhos, esta possibilidade diminuiu nos 20 anos. Pode-se observar que aos 50-59 anos, em 1983, 75,6% moravam com eles e aos 70-79 anos, em 2003, apenas 46,1% o faziam. A proporção que morava com cônjuge, em 2003, era ainda menor, 43,6%, muito menor do que quando tinham de 50 a 59 anos em 1983, 71,0%. Isso resulta em que mais de 50% das mulheres de 70 a 79 anos morassem sozinhas ou na casa de parentes, o que as torna mais expostas à violência familiar e à residência numa ILPI. As perspectivas para o futuro quanto à moradia com filhos não parecem se alterar, embora as mulheres da coorte mais jovem tenham tido menos filhos.11 A grande mudança parece ser quanto à moradia com cônjuge. Em 1983, 71,0% das mulheres de 50 a 59 anos moravam com cônjuges. Esta proporção se reduziu para 39,7% entre as mulheres desta faixa etária em 2003. Mantendo a mesma relação observada para a primeira coorte, pode-se esperar que aproximadamente 25% das mulheres de 70 a 79 anos estarão residindo com um cônjuge em 2023. Quanto à renda, as mulheres também se beneficiaram da universalização da seguridade social no passado recente, 86,5% das que tinham 70 a 79 anos, em 2003, recebiam algum benefício, proporção 2,7 vezes mais elevada que a de contribuintes em 1983.12 Ao contrário do que se verificou para os homens, a proporção de mulheres contribuintes cresceu, devido, provavelmente, à sua maior inserção no mercado de trabalho. No entanto, nessa condição ou na de recebedoras encontravam-se, em 2003, 51,8% das mulheres de 50 a 59 anos. Estas estão, também, sujeitas às novas restrições da legislação previdenciária que os homens, o que significa que em torno de 42% das mulheres dessas idades não estão cobertas pela Seguridade Social a menos que tenham um cônjuge que esteja coberto. Isto coloca um problema de renda no futuro para essas mulheres.   As mulheres da primeira coorte chegaram ao final do período reprodutivo com 6,1 filhos e as da segunda com 4,3. 12   No caso das mulheres, o recebimento do benefício não está, necessariamente, atrelado à sua contribuição. Ele pode ser um benefício por viuvez, dependente, então, da contribuição do marido. 11

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Gráfico 8 - Proporção de mulheres brasileiras que tinham 50 a 59 anos em 1983 e em 2003, segundo algumas características 100%

75%

50%

25%

0%

Mora com cônjuges

Mora com filhos 50-59 em 1983

Contribui/Recebe SS 70-79 em 2003

50-59 em 2003

Fonte: IBGE /Pnad de 1983 e 2003.

6. Comentários finais Sintetizando, parece que a capacidade de a família brasileira cuidar de seus membros idosos está se reduzindo. Parece, também, que o impacto maior é dado pelas mudanças na nupcialidade, muito embora a queda da fecundidade também já esteja reduzindo o número de filhos disponíveis. Salienta-se que embora parte das mudanças mencionadas se traduz em múltiplos casamentos, estes produzem vínculos mais frágeis e menor comprometimento com o cuidado dos parceiros e de seus ascendentes. Da mesma forma, ter filhos por si só não é garantia de cuidados na velhice. Isso ocorre num contexto de crescimento da demanda da população que requer cuidados. Não se discutiu aqui o impacto da maior participação da mulher no mercado de trabalho na oferta de cuidados. É importante, então, que se ajude a família a cuidar do idoso. A existência de um sistema formal de suporte incorporando a família e a comunidade pode levar a que o idoso tenha um atendimento mais qualificado, o que pode reduzir o seu grau de dependência e com isso

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diminuir as pressões sobre a família e a necessidade de cuidados mais prolongados (Camarano, 2007). Sugere-se a criação de uma rede de assistência, formada por centros de convivência, centros dia, atendimento domiciliar, em suma, de outras formas de atenção que promovam a integração do idoso na família e na sociedade. No entanto, cada uma dessas modalidades vai atender a necessidades diferenciadas e não vai eliminar totalmente a demanda por instituições residenciais. Sempre vão existir idosos totalmente dependentes, com carência de renda, que não constituíram família ou vivem uma situação familiar conflituosa, ou seja, que precisarão de um abrigo e cuidados nãofamiliares. O pertencimento a uma instituição pode representar uma alternativa de amparo, proteção e segurança Portanto, é importante que, dentre outros fatores, haja uma mudança de percepção e que as ILPIs sejam vistas como uma opção para determinadas situações. Além disso, que o Estado e o mercado privado se organizem para atender a essa demanda. Para finalizar, ressalta-se que a residência numa instituição não significa, necessariamente, uma redução da importância da família para o apoio e cuidado de seus membros. A manutenção dos vínculos familiares pode e deve ser mantida e, neste caso, a família ainda pode exercer o papel de fiscalização. A residência numa instituição pode significar uma nova organização e divisão da responsabilidade pelo cuidado dos membros idosos dependentes entre a família, o Estado e o mercado. Ou seja, a resposta deveria ser: instituições e famílias contribuem para o cuidado com os idosos dependentes.

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Fatores que influenciam o ambiente da assistência à saúde no Brasil modelo atual e novas perspectivas Flavia Poppe

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Os sistemas de saúde são de natureza complexa e pouco determinística devido à multiplicidade de influências e interações entre fatores de difícil mensuração. Este artigo se concentra na análise da organização dos serviços de assistência à saúde do Brasil. Utiliza, para tal, um modelo simplificado desenvolvido por Duru & Beresniak para tornar explícitas as relações entre a oferta, demanda e financiamento dos serviços de assistência à saúde. Conclui-se que a forma como o sistema de saúde está organizado influencia a eficiência do setor e, em última instância, os resultados de saúde da população. Sob a base do modelo proposto são apresentadas propostas para o financiamento do setor, um desenho para a estrutura de oferta de serviços com portas de entrada mais bem definidas e maior integração e articulações entre as três esferas de Governo com o setor privado. The health systems are by nature complex and somewhat deterministic due to the multiplicity of influences and interactions among factors that are difficult to measure. This article focuses on organisation analysis of health care services in Brazil. A simplified model developed by Duru & Beresniak to relate supply, demand and financing of health care services is used. It follows that the way the health system is organized influence the efficiency of the sector and, ultimately, the results of health of the population. On the basis of the proposed model alternatives are presented for financing the sector, for the structure and organization of providers services and more integration and linkages between the three levels of government with the private sector.

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INTRODUÇÃO E DESCRIÇÃO DO MODELO Os sistemas de saúde são de natureza complexa e pouco determinística devido à multiplicidade de influências e interações entre fatores de difícil mensuração. O estado de saúde de uma população pode ser influenciado pelo meio ambiente, pela cobertura de saneamento e esgoto, acesso à água potável, nível de educação dos indivíduos, seus estilos de vida individuais, heranças genéticas, entre outros fatores. Existe uma grande “indústria” de serviços de saúde, sujeita a todas essas influências, que configura um modelo para a assistência à população dentro de uma lógica organizacional. Costuma-se comparar os modelos adotados em diferentes países relacionando a proporção de gastos com saúde (total, público e privado) com resultados medidos através de indicadores vitais. Embora saibamos que a taxa de mortalidade infantil e a de esperança de vida sejam indicadores mais sensíveis ao grau de desenvolvimento econômico e social do que propriamente ao modelo de organização do sistema, esta observação é o ponto de partida para compararmos o nível de eficiência do nosso modelo com outros. O quadro a seguir indica resultados melhores para países que gastam menos que o Brasil.

Taxa de mortalidade infantil por 1.000 nascidos vivos

Taxa de mortalidade materna por 100 mil habitantes

Esperança de vida saudável (ao nascer em anos)

Gasto total em saúde como % do PIB

Argentina

17

82

65,3

8,6

Brasil

32

260

59,8

8,3

Chile

10

31

67,3

7,3

Costa Rica

10

43

67,2

6,8

México

29

83

65,4

5,3

Uruguai

14

27

66,2

10,9

Fonte: Informe de Saúde Mundial – OMS – 2003, Nota Técnica 03/2005, BID, Medici A.

Guy Carrin (1984) – Economic Evaluation of Health Care in Developing Countries.

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O presente artigo se concentra no modelo de organização da área de assistência à saúde para tornar explícitas certas relações e articulações entre partes do sistema que podem ser revistas à luz de um olhar sistêmico, holístico, com a intenção de ressaltar gargalos estruturais. O sistema de saúde é composto pelas seguintes partes com suas respectivas características e funções: a)  Grupo de ações preventivas que interfere positivamente no estado de saúde: São pouco percebidas pela população (em geral constituem externalidades positivas), a não ser quando o efeito da sua ausência leva a um quadro de doença (exemplo típico e atual: dengue e todas as chamadas doenças endêmicas). b)  Grupo de ações curativas da saúde (os serviços médico hospitalares): Têm maior visibilidade e, por isso, são mais suscetíveis a percepções e críticas. Muitas vezes representam o último recurso de uma seqüência de ações que poderiam ter evitado aquela doença. Falhas no processo de promoção de saúde para a população fazem com que os serviços médico-curativos consumam a maior parte dos recursos destinados à saúde. c)  A demanda pelos serviços de saúde que é definida pelas características do estado de saúde da população: O Brasil inclui problemas típicos dos países mais pobres do mundo (doenças infecto-contagiosas, infecções respiratórias agudas decorrentes de desnutrição e pobreza, entre outras) convivendo com problemas típicos de sociedades ricas (neoplasias, doenças cardiovasculares, entre outras). Este tipo de disparidade tende a tornar os temas relacionados à saúde fortemente politizados. d)  Os mecanismos de financiamento das ações de saúde bem como as modalidades de pagamento dos serviços de saúde: Têm impacto direto sobre a eficiência do sistema, podendo provocar mais ou menos eqüidade e estimular/alinhar ou não a prática médica para resultados de saúde.

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Esquemas permitem que sistemas complexos como o da saúde sejam visualizados com mais facilidade. Para mostrar a implicação dos diferentes tipos de ações de saúde, adotaremos o conceito de gestão de risco num esquema que ressalta a maior ou menor eficácia de tipos específicos de ações de saúde em relação ao maior ou menor número de anos de vida potencialmente perdidos (AVPP) da população. GESTÃO DE RISCO E RESULTADOS DE SAÚDE

GR GR GR

GR

Saldo

Doente assintomático

Doente sintomático

Incapacidade

Prevenção

Risco específico conhecido

Casos sem comprometimento

Casos com comprometimento

Promove hábitos

Pesquisa / análise

Diagnóstico e tratamento adequado

Linha da vida

Morte

Reabilitação

Onde GR = Gestão de Risco

A combinação ideal de políticas de saúde observadas sob as óticas demográfica e de maximização da capacidade de gerir risco resulta num equilíbrio de ações de diferentes naturezas (como mostra o esquema anterior) e, provavelmente, garantem resultados mais eficientes com menores gastos. Para tanto, é preciso que se construa uma visão integrada para tornar explícitas as articulações que configuram o MODELO adotado. A fragmentação das ações de saúde e dos sistemas de informação dificulta as análises de impacto de políticas e do sistema como um todo. Não conseguimos visualizar as relações entre demanda, oferta e seus mecanismos de financiamento e, por conseguinte,

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as avaliações necessárias para planejar e priorizar determinadas ações dão lugar a uma gestão passiva ou orientada por crises. Mesmo reconhecendo a complexidade de sistemas de saúde, é preciso traçar as “macroligações” entre a oferta, demanda e financiamento, mesmo que sob a forma de modelos muito simplificados. Como simplificação extrema, Duru & Beresniak utilizaram o conceito do jogo de Lego e, com quatro caixas de peças, montaram a organização de sistemas de saúde para comparar 15 países da Europa. A primeira caixa - oferta de serviços - contém várias peças que podem ser combinadas entre si (setor público, privado, médicos generalistas, etc.). A segunda “caixa” – financiamento – contém outras peças do tipo governo, seguros privados, associações médicas, etc. A terceira – demanda por serviços – contém a população, as empresas que demandam serviços para seus empregados, etc. E, finalmente, a quarta caixa contém as peças de conexão que permitem ligar as três caixas anteriores. O principal objetivo deste tipo de simplificação é destacar e tornar explícitas as escolhas sobre certo número de condições definidas pela sociedade para cada tipo de “montagem” possível destas “peças” . Este assunto teve relevância e prioridade especialmente no final da década de 80 e durante a de 90 quando ocorreram reformas do setor saúde em vários países simultaneamente, inclusive na América Latina. Os desafios eram comuns e se concentravam em questões relativas aos custos crescentes e superiores aos indicadores clássicos de variação de preços, ao aumento do número de pessoas com efetivo acesso aos serviços, à revisão da relação entre financiadores e provedores sob a ótica do compartilhamento de risco e às questões relativas à introdução de novas tecnologias e aos efeitos de “demanda induzida” .   Duru & Beresniak – Economie de la Santé, 2000.   Satisfação das necessidades básicas, acesso aos serviços, respeito ao equilíbrio financeiro, financiamento mais ou menos solidário, eqüidade, entre outras condições.   Entende-se por “demanda induzida” a influência que a oferta de recursos pode exercer sobre a demanda.

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Visões e intervenções em partes do sistema alteram e afetam outras partes de forma imprevisível ao logo do tempo. É preciso uma visão de longo prazo, com nexos e articulações que permitam revelar certos relacionamentos invisíveis, mas totalmente influenciáveis, para aprimorar o processo decisório no campo das políticas de saúde. De um modo geral, sistemas são complexos. O sistema de saúde é um luxo de complexidade porque trafega em diferentes níveis de observação – coletivo e individualizado – com variantes múltiplas entre as intenções e as reais possibilidades, além da convivência entre interesses divergentes com estrutura corporativa. Aplicando o modelo de “jogo de Lego” de Duru & Beresniak, desenhamos uma versão para o sistema brasileiro que vamos utilizar como referência para caracterizar a atual organização do sistema e, sobre esta base, vislumbrar novas perspectivas.

MODELO DO SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIRO

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Nesse esquema podemos visualizar as múltiplas fontes de financiamento que recaem sobre a população, a rede de oferta de serviços públicos e privados duplicando recursos e as portas de entrada para a demanda. Do ponto de vista do financiamento, a população contribui com impostos diretos e indiretos, com contribuições salariais para o seguro social (que, indiretamente, também participa com atendimentos na rede do Sistema Único de Saúde para perícias e assuntos relacionados aos afastamentos laborais), com pagamento aos seguros e planos de saúde privados (quando podem) e com pagamentos diretos (out of pocket) especialmente para comprar medicamentos . A influência do setor privado na saúde não é desprezível e a falta de visão integrada favorece ainda mais a desigualdade entre os que possuem e os que não possuem recursos. Como eixos do sistema encontram-se os profissionais de saúde, especialmente os médicos, que se sentem cada vez mais alienados à (des) organização do sistema. Trabalham num ambiente irreconhecível vis-là-vis sua formação acadêmica quase sempre orientada à hiperespecialização para a prática liberal. Não são preparados para atender em condições precárias e ficam impotentes diante de doenças “sociais”, freqüentes na realidade brasileira, porque o sistema não oferece vazão (serviços estruturados para encaminhamentos especializados ou assistência social). Como revela Robert Zittoun em seu livro Penser la Médecine (2002), “o modelo médico predominante atualmente corresponde a um status econômico elevado e é, sobretudo, valorizado em situações de estabilidade política relativa, sem maior penúria nem crise social”. Esse formato de atuação médica é pouco adequado para uma cidade partida que con  “Assim, enquanto para o primeiro decil da população, ordenada por sua renda familiar per capita, a saúde absorve mais de dez por cento (10,6%) da mesma, no que se refere ao último décimo populacional este percentual diminui para 9,1%. Chama a atenção, ainda, o peso do gasto privado direto sobre as famílias mais pobres: este gasto – que, por definição, é catastrófico, ou seja, não decorre de uma escolha e sim de uma necessidade – representa nada menos que 6,8% da renda das famílias do primeiro decil e sua participação é inversamente proporcional à renda, diminuindo nos decis superiores, representando apenas 3,1% da renda do último decil.” (UGÁ, M.A.D. e SANTOS, Isabela Soares, Uma análise da eqüidade do financiamento do sistema de saúde brasileiro, 2005, Relatório de Cooperação Técnica Brasil – Reino Unido. p. 45).

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vive com padrões europeus e africanos separados por esquinas, como é o caso do Rio de Janeiro. POR QUE MELHORAR O SISTEMA ATUAL? Porque vemos os reflexos das desigualdades sociais retratados passivamente na organização da oferta de serviços, na quantidade de recursos financeiros e físicos, no perfil epidemiológico da população, nos indicadores vitais e, principalmente, porque o modelo de financiamento parece – no esquema – no mínimo, confuso. Os gráficos a seguir ilustram algumas dessas desigualdades. Esperança de vida ao nascer Alagoas Pernambuco Paraíba Roraima Rio Grande do Norte Sergipe Tocantins Região Norte Pará Brasil Mato Grosso Espírito Santo Região Centro-Oeste Paraná Minas Gerais Rio Grande do Sul Distrito Federal

60

62

64

66

68

70

72

74

Fonte: Datasus.

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Números de médicos por 1.000 habitantes Maranhão Pará Piauí Rondônia Acre Amapá Ceará Amazonas Bahia Tocantins Roraima Mato Grosso Sergipe Alagoas Paraíba Rio Grande do Norte Pernambuco Mato Grosso do Sul Goiás Santa Catarina Paraná Minas Gerais Espírito Santo Rio Grande do Sul São Paulo Rio de Janeiro Distrito Federal

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

Fonte: Datasus.

Números de leitos por 1.000 habitantes Amapá Roraima Amazonas Sergipe Pará Alagoas Rondônia Tocantins Distrito Federal Ceará Bahia Espírito Santo Maranhão São Paulo Acre Mato Grosso Rio Grande do Norte Minas Gerais Piauí Paraíba Pernambuco Santa Catarina Mato Grosso do Sul Paraná Rio Grande do Sul Goiás Rio de Janeiro 0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

Fonte: Datasus.

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Outros níveis de análise que estimulam rever o modelo atual têm a ver com gestão. O tempo médio de permanência (TMP) hospitalar, por exemplo, é um indicador que aponta para problemas de gestão, especialmente quando analisados comparativamente. Embora nem sempre permanências curtas representem eficiência, taxas menores reduzem os custos por caso. Não é à toa que o estudo de processos organizacionais e a introdução de novas tecnologias se refletem neste tipo de indicador. Para ilustrar os reflexos de problemas de gestão, utilizamos dados relativos ao custo médio de internação do SUS em diferentes municípios do Estado do Rio de Janeiro e as taxas médias de permanência por tipo de internação. Basta olharmos as diferenças para constatarmos a existência de problemas de gestão. O TMP costuma ser comparado internacionalmente como medida de eficiência em hospitais. Embora as estatísticas internacionais sejam classificadas de forma diferente, o gráfico a seguir demonstra a variação deste indicador em vinte e oito países num período de quinze anos. Internações hospitalares do SUS - por local de internação – RJ Valor médio internação e média permanência por município, período 01/05 a 09/07 Internações

Valor médio

TMP Geral

TMP Clínica

TMP Pediatria

TMP Cirurgia

Cabo Frio

25.510

1.100,19

3,8

5,4

6,7

3,5

Nova Friburgo

27.302

985,42

12,3

8,7

7,0

6,6

Queimados

28.427

332,07

2,7

2,6

3,2

1,8

Magé

29.008

456,99

7,0

5,0

5,3

3,1

Teresópolis

30.800

743,10

7,9

9,8

5,6

6,2

Municípios

Itaboraí

30.827

387,25

4,9

6,0

4,6

5,0

Belford Roxo

42.827

348,57

2,9

4,8

3,2

2,2

Volta Redonda

43.208

562,48

6,1

6,6

6,5

4,6

Petrópolis

49.217

1.172,16

20,2

12,1

7,2

4,6

São João de Meriti

49.527

634,88

10,5

6,9

3,7

2,4

Duque de Caxias

59.837

460,94

9,6

8,6

7,9

8,3

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Niterói

85.764

729,56

13,0

12,2

9,5

5,8

Campos dos Goytacazes

85.993

884,68

8,5

7,9

8,1

3,8

Nova Iguaçu

98.906

417,24

4,7

7,8

4,9

5,3

São Gonçalo

135.980

588,57

8,4

5,3

4,3

2,1

9,2

7,3

Rio de Janeiro 687.606 Fonte: Datasus.

804,30

12,4 13,1

Taxa Média de Permanência, países da OCDE, 1990 e 2005 Days 25

2005

12,5

3,5

6,4

6,5

7,0 4,8

5

4,6 4,2 4,0

7,8 5,2 6,0 5,2

5,4

7,0 5,4

France

Iceland

7,0

5,6

United States

7,3

6,0

5,9

Austria

8,0 6,1

Greece

United Kingdom

7,5

9,3

9,9 6,3

6,1

Hungary

Australia

6,5

6,7 6,6

Ireland

6,3

6,7

Spain

OECD

6,8

Netherlands

Poland

7,1

6,8

Italy

7,2

8,7

10,0

9,6

9,5

9,8 8,4

Portugal

7,3

7,1

Belgium

7,3

Luxembourg

Slovak Republic

8,0 7,4 7,3

8,6

8,5

Germany

Switzerland

10

12,0

14,0 12,0 10,6

15

13,4

19,8

1990 20

Mexico

Denmark

Finland

Sweden

Turkey

Norway

Canada

Czech Republic

Korea

Japan

0

Fonte: OECD Health Statistics, 2003.

Em primeiro lugar, fica evidente a tendência à queda do tempo médio de permanência dos hospitais devido a novos processos e tecnologias. Em segundo lugar, se compararmos os dados internacionais com os de alguns municípios do Estado do Rio se observa que os nossos são bem superiores. Esse comentário tem por objetivo chamar a atenção para a relevância dos problemas de gestão e para aprimorarmos nossas estatísticas de organização e processos para que as análises comparativas sejam mais confiáveis.

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Também podemos medir o grau de ineficiência dos serviços pelos dias de espera por cirurgias, exames, pelas longas filas para conseguir atendimento, entre outras medidas. As chamadas “portas de entrada” para o sistema devem ser ordenadas de maneira que as emergências dos hospitais sejam utilizadas, de fato, para emergências. Algumas ações para alterar este quadro de desordem estão em curso, mas precisam de mais rapidez e agilidade. O cartão SUS, os postos de saúde com nível médio de complexidade funcionando 24h, a nova política para modelos de gestão privada dos hospitais são algumas destas ações. De todas as iniciativas, o Programa de Saúde da Família (PSF) é um dos que mais influi na estrutura do sistema porque, justamente, organiza a “porta de entrada” de forma proativa através das visitas dos agentes nos domicílios e atua fortemente no campo da prevenção, promoção de saúde e detecção precoce de doenças curáveis. O caminho está correto, mas o ritmo das mudanças é lento. Em 2003, segundo dados do Suplemento Especial de Saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), 239.334 pessoas deixaram de procurar serviços de saúde pelos seguintes motivos: Não tinha dinheiro

Local distante ou de difícil acesso

Dificuldade de transporte

Horário incompatível

O atendimento é muito demorado

23%

7%

3%

10%

20%

Inexistência de especialista procurado

Não tinha quem o (a) acompanhasse

Não gostava dos profissionais

Outro motivo

5%

4%

5%

23%

É preciso que os processos de gestão sejam sistematicamente monitorados com o registro de informações que indiquem o quanto a população está, de fato, recebendo atendimento adequado. Estatísticas vitais são muito importantes para medirmos os resultados gerais de saúde da população, mas não são suficientes para fiscalizar e garantir a organização do sistema.

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Outro aspecto da gestão que compromete a organização e, portanto, a eficiência do sistema é a execução orçamentária. De um modo geral, os orçamentos não se relacionam com objetivos; funcionam como uma atividade separada das demais; funcionam como controle de gastos; quase sempre obedecem a alocações históricas e aumentam ou diminuem sem qualquer vínculo com o nível da eficiência; obedecem a códigos contábeis sobre a natureza do gasto desvinculando ação, meta e indicadores de sucesso. Tudo isso impede que se reconheça a efetiva alocação dos recursos e tende a gerar deformação e hipertrofia organizacional. NOVAS PERSPECTIVAS Sobre a base do modelo descrito, projetamos o desenho de uma nova organização do sistema para o ano de 2020 com modificações bastante realistas. Para facilitar a comparação, replicamos o atual modelo na mesma página de forma que as mudanças sugeridas sejam visíveis.

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Seguindo a estrutura do esquema apresentado, a seguir descreveremos com mais detalhes o conteúdo de cada “caixa”, as relações implícitas e as modificações para que a organização do sistema seja mais “arrumada”. Oferta de Serviços O esquema desenhado para a oferta de serviços em 2020 sugere um fluxo mais ordenado para a demanda a partir da referência de uma “porta de entrada” para o sistema que, atualmente, é quase invisível devido à cultura da “livre escolha” para os que usam serviços privados e ao uso indevido das emergências hospitalares no serviço público. Para se definir uma “porta de entrada”, algumas mudanças são exigidas como pré-requisito e outras decorrerão naturalmente. O primeiro pré-requisito é a mudança de currículo dos profissionais de saúde, especialmente o de médicos e do corpo de enfermagem. A mudança de postura técnica do profissional de saúde pode gerar mudanças de grande impacto e, concomitantemente, evitar que os usuários se sintam cerceados de seus direitos. Em medicina, a especialidade de Clínica Geral deverá ser amplamente fortalecida para que seja resoluta. Atualmente, os médicos clínicos funcionam como “encaminhadores” para outras especialidades. Poucos retêm seus doentes transmitindo-lhes a segurança de sua capacidade para atuar como principal referência médica, valendo-se de um eficaz mecanismo de referência e contra-referência. Este mecanismo funciona entre os níveis de atenção primária com médicos generalistas e os especialistas e centros especializados. O nível primário pede pareceres a especialistas que são devolvidos para seu lugar de origem que, então, decide se o mesmo é elegível para continuar o tratamento naquele nível ou deve ser definitivamente encaminhado para centros especializados. Neste caso, o paciente passa a “pertencer” (marcar consultas diretamente) a estes centros. Doenças como diabetes tipo II, hipertensão primária, por exemplo, podem ser controladas por especialistas em Clínica Geral e somente referenciados para centros especializados em Endocrinologia e Cardiologia em caso

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de necessidade. Ou seja, a especialidade volta a ser, como o nome bem define, uma especialidade. Contrariamente à cultura da especialidade de Clínica Geral, a falta de visão holística combinada, como a hiperespecialização dentro de especialidades, impede a disseminação da cultura de medicina preventiva e mais humanista. Os procedimentos acabam obedecendo a regras e estímulos comerciais e, embora o avanço da tecnologia seja positivo para salvar vidas, de um modo geral são supra-utilizados sem justificativa técnica. Geram uma falsa impressão de qualidade que serve, principalmente, para aumentar custos sem contrapartida de resultados. É a cultura de que quantidade de exames feitos é sinal de medicina de qualidade. Em sistemas de assistência à saúde, o ideal é o justo e o necessário para diagnóstico, recuperação e tratamento de doenças de maneira que os recursos possam alcançar o maior número de pessoas. Gastar com desperdício é um defeito que nasce com o tipo de formação médica e, ipsu facto, do modelo de atenção à saúde. Neste sentido, cabe estimular a incorporação de uma prática internacional chamada “medicina baseada em evidência” que recomenda que a prática clínica esteja integrada à experiência profissional tífico existente sobre a eficácia dos procedimentos diagnósticos e terapêuticos. Essa concepção de prática contém elementos para evitar o uso inadequado e excessivo de procedimentos diagnósticos e terapêuticos. Com a formação do (a) enfermeiro (a) ocorre o mesmo. Em países como a Inglaterra, o corpo de enfermagem tem um papel fundamental na atenção ao paciente. As enfermeiras fazem a primeira consulta e usam com propriedade o discernimento necessário para resolver problemas de baixa complexidade. Trabalham de forma bastante integrada com os médicos e dedicam parte da consulta a transmitir informações sobre saúde que afetam os hábitos necessários para evitar doenças. No Brasil, este recurso ainda é mal-aproveitado. É preciso que o currículo de enfermagem seja revisto à luz de novas funções e responsabilidades que auxiliem a “desafogar” o sistema e, principalmente, para ajudar ao público a perceber a importância deste profissional como suporte à estrutura do modelo de atenção. Para isso,

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sua formação precisa ser de alta qualidade e, mais uma vez, integrada e articulada. Uma das mudanças que decorrerá, naturalmente, com uma “porta de entrada” organizada será a retomada do verdadeiro espaço dos especialistas. Como dito anteriormente, a hiperespecialização foi, pouco a pouco, convertendo os profissionais em mosaicos. Ao persistir, reforça-se uma avaliação técnica equivocada por parte dos usuários de que o sistema é tão melhor quanto mais rapidamente ele acessar o especialista. O resultado é a banalização da especialidade com neurologistas tratando enxaquecas, endocrinologistas fazendo dietas, cardiologistas tratando de estresse, reumatologistas cuidando das dorsalgias muitas vezes associadas ao sedentarismo e idade. Estas e outras especialidades são muito importantes para resolver problemas sérios e doenças específicas (muitas vezes incomuns), mas devem ser discriminadas pela organização e fluxo do sistema para o bem da saúde das pessoas e para a devida valorização do médico. A questão da formação do profissional de saúde não esgota as mudanças necessárias para o aprimoramento do sistema atual. Também é preciso introduzir medidas para avaliação da qualidade dos serviços, criar políticas para o uso de tecnologias, rever a relação entre os provedores de serviços e os que financiam, além de garantir abrangência para assegurar o acesso a toda a população. Mas a mudança de maior impacto para que o sistema evolua de forma desejada e planejada está centrada no modelo de formação do profissional. Seguro de Saúde Suplementar No esquema apresentado para 2020, a “caixinha” Seguro de Saúde Suplementar deveria, de fato, corresponder à definição concebida na Constituição de 1988 quando, no mesmo ano, com a 8ª Conferência Nacional de Saúde, criou-se o SUS – Sistema Único de Saúde. Pensou-se que o setor privado poderia atuar de forma suplementar, uma vez que o SUS garantiria os princípios de univer-

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salidade, eqüidade, gratuidade e integralidade. Como esclarece o estudo do IESS , ...em muitos países da Europa, a saúde privada tem função suplementar para financiar bens e serviços que são excluídos da cobertura pública. No Canadá, 65% da população possuem algum plano suplementar de saúde privada, nas províncias onde é permitida a comercialização desse produto. Na Holanda, quase toda a população coberta pelo seguro social possui um plano privado suplementar. Na Suíça, 80% da população suplementam o plano mandatário com um plano privado voluntário.

Tal como funcionam atualmente, os seguros e planos de saúde privados no Brasil são uma alternativa para o acesso aos serviços, em tempo e hora, para os que podem pagar. Não podemos afirmar que a qualidade seja superior ao SUS em todos os casos, mas a idéia de ter tantos serviços credenciados e disponíveis (especialmente os hospitais renomadamente de “primeira linha”) dá uma impressão de segurança que é básica para quem já precisou ou imagina precisar de serviços médicos em casos de doenças graves. Ou seja, os planos de saúde, longe de serem suplementar, tornaram-se uma necessidade básica e hoje contam com cerca de 40 milhões de associados concentrados em grandes centros urbanos. Quem tem condições, geralmente, compra um plano de saúde. O modelo dos planos e seguros privados reforça alguns defeitos inerentes ao atual sistema de saúde, especialmente aqueles relacionados às modalidades de pagamento e financiamento através do fee-for-service. Também contribuem negativamente para o desordenamento da hierarquia por nível de complexidade e boa parte da utilização por parte dos associados se transforma em “consumo de griffe” – desnecessário e, no caso da saúde, injusto. A uniformização das modalidades de pagamento, tanto por parte dos pagadores público ou privado, pode equilibrar a distribuição   Saúde suplementar frente às demandas de um mundo em transformação, José Cechin et al., 2006, IESS – Instituto de Estudos em Saúde Suplementar, www.iess.org.br/biblioteca.

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de serviços e permitir ganhos de escala. A Divisão de Revisão de Custos de Serviços de Saúde da Agência Reguladora de Maryland, por exemplo, propôs um novo modelo de pagamento único para os hospitais, independente do tipo de “pagante” (Medicare, Medicaid ou as seguradoras e HMO’s). No nosso caso, seriam o SUS (a tabela SUS), as AIHS, as tabelas da AMB e outras (recentemente os médicos aprovaram a CBHPM como nova referência para preços). Os objetivos eram: o controle do crescimento dos custos, a melhora do acesso aos serviços, garantir estabilidade financeira para os hospitais, e aumentar a transparência e a qualidade do relacionamento entre os agentes do sistema. O novo modelo começou a ser implantado em 1977 e, no período 1976-2005, foi o Estado com menor índice de crescimento dos custos hospitalares dos EUA. Também obtiveram melhor acesso para a população sem seguro médico, equilibraram os ganhos dos hospitais com mais transparência através da forma única e, sobretudo, estabeleceram metas de qualidade que influíam no pagamento (pay for performance). A Agência Nacional de Saúde vem atuando positivamente no processo de regulação do setor privado, mas o sistema deve ser visto na sua totalidade porque os defeitos de um interferem na performance do outro. O setor de saúde suplementar poderia, até 2020, ampliar sua relevância na política social do país. Como 71% dos contratos com planos e seguros de saúde são com empresas, seria importante que estes serviços fossem analisados e criticados como benefício coletivo, mais além da lógica, também importante, de consumidores. É possível vislumbrar potenciais muito positivos para este mercado que pode cumprir uma função social mais ampla do que a atual, através da articulação com os programas de saúde ocupacional das empresas. De acordo com as Normas Regulamentadoras nº. 7 e nº. 9 do Ministério do Trabalho, as empresas devem implementar o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) e Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) com o objetivo de promover e preservar a saúde e a integridade do conjunto de seus trabalhadores. É uma forma de co-responsabilizar os empresários pela escolha

Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos.

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de modelos produtivos que sejam o menos nocivo possível à saúde de seus trabalhadores. Enquanto o PPRA avalia, por exemplo, aspectos relacionados ao ambiente de trabalho ou ao processo de produção que possam gerar riscos à saúde dos trabalhadores, o PCMSO executa exames médicos periódicos, gerais e específicos para o tipo de atividade econômica, com o objetivo de detectar precocemente as conseqüências nocivas decorrentes do trabalho. Assim, atividades que demandem grande esforço físico devem ser cuidadas para evitar, por exemplo, hérnias de disco, varizes de membros inferiores, entre outros problemas de saúde. Da mesma forma, processos de trabalho com alta freqüência de movimentos repetitivos que vem causando novas doenças como as Lesões por Esforço Repetitivo (L.E.R) e os Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (D.O.R.T.S) devem ser avaliados conjuntamente – médicos do trabalho e gestores de planos de saúde, pois o problema se reflete no custo de benefício como um todo. A desarticulação entre os gestores das normas impostas pelo Ministério do Trabalho e o benefício concedido aos trabalhadores através dos planos de saúde torna muitas vezes o PCMSO e o PPRA num mero cumprimento burocrático para atender à fiscalização. Na verdade, os exames periódicos são um valioso instrumento para a detecção precoce de casos que podem ser gerenciados, além de cumprirem funções preventivas. Atualmente poucas empresas e operadoras de planos de saúde integram as informações geradas por estes programas com o objetivo, de fato, de provocar ajustes nas empresas para assegurar melhores condições de saúde aos trabalhadores. Ë comum encontrar relatórios tecnicamente bem-feitos para o PPRA que sinalizam problemas que podem ser confirmados nas estatísticas de utilização do plano de saúde. Mas é preciso transformar o dado em informação para os que tomam decisões. Muitos empresários não compreendem o alcance destes benefícios e os consideram tarefas burocráticas ou contabilizam como gastos com salário indireto. Não percebem qualquer forma de valor agregado. Se não existe uma gestão voltada para estes objetivos, é muito provável que as empresas gerenciem ilhas e que os fornecedores de serviços não consigam maximizar resultados. Alguns trabalhos desenvolvidos

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em uma operadora de planos de saúde do Rio de Janeiro mostraram o potencial deste tipo de abordagem. Um destes trabalhos, numa indústria de grande porte do Rio de Janeiro em 2005, mediu a redução do absenteísmo na fábrica em 14% combinado com um aumento de produtividade de cerca de 9% durante o período de um ano de aplicação deste modelo de gestão da saúde dos trabalhadores. Atualmente os seguros e planos de saúde privados comercializam produtos para a Saúde Ocupacional e para Planos de Saúde separadamente, deixando de aproveitar a conexão lógica que existe entre uma atividade e outra. A integração das informações dos dois “produtos” estabelece um processo que permite atuar fortemente em prevenção e amplia a função social do benefício já concedido pelos empresários. Daí incluir as políticas públicas de promoção à saúde nos programas das Operadoras e empresas é um passo. O governo teria uma boa parte do parque industrial já instalado do setor privado como reforço para a implementação de políticas públicas de saúde. Governo O Governo pode cumprir diferentes funções, dependendo da política e modelo que seguir. De um modo geral cabe somente aos governos a função regulatória e esta pode adotar diferentes graus e abrangência. No Brasil, a Agência Nacional de Saúde Suplementar foi criada em 1998 e a partir de 2000 começou a regular o setor privado através da Lei 9656/98, impondo uma série de medidas visando à segurança dos associados e a uniformização de coberturas. Projetando a organização de nosso atual sistema para 2020, espera-se que estas funções sejam aprimoradas no sentido de promover uma real articulação entre os setores privado e público. Como indica o gráfico elaborado por Ugá e

Serviços Médicos à Indústria e Comércio (Semic), casos de gestão integrada em indústria de grande porte e dados gerenciais do Serviço de Monitoramento de Casos (SMC). O modelo desenvolvido recebeu o Prêmio da Associação Brasileira de Marketing e Negócios em 2006. Em 2007, a Operadora foi comprada pela DIX-Saúde, empresa do Grupo AMIL.

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Santos , a participação do setor privado no Brasil é relevante e, além de atuar livremente pelas regras de mercado, este setor poderia contribuir com a política de desenvolvimento social do país através de parceria público-privada (PPP’s). Hoje, os sistemas público e privado atendem a um país partido em dois: os que podem e têm recursos compram um seguro ou plano de saúde, e os demais recorrem ao SUS. Sabendo que a tendência mundial sobre os custos de atenção à saúde é de alta, não faz sentido duplicar os serviços e, pior, garantir mais acesso e, talvez, qualidade para os que podem pagar, acentuando as desigualdades. Gráfico 1 – Composição do gasto em saúde. Alguns países da OCDE e Brasil EUA Reino Unido Suécia Espanha Portugal Itália Alemanha França Dinamarca Brasil (2002) 0,0%

10,0%

20,0%

30,0 Público

40,0%

50,0%

Seguro privado

60,0%

70,0%

80,0%

90,0%

100,0%

Pagam. direitos

Fonte: Países da OCDE: OMS, World Health Report, 2000.

Projeto “Justiça no Financiamento do Setor Saúde”, Escola Nacional de Saúde Pública, ENSP / Fiocruz – Uma Análise da Eqüidade do Sistema de Saúde Brasileiro, Maria Alicia Dominguez Ugá e Isabela Soares Santos, http://www. ans.gov.br/portal/upload/biblioteca.

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A organização do sistema também pode ser vista através do modelo e das fontes de financiamento. O desenho atual permite visualizar situações onde o cidadão pode estar pagando duas ou três vezes pelos serviços, pois paga imposto, compra seu plano de saúde e ainda precisa fazer pagamentos diretos do próprio bolso para custear medicamentos e/ou serviço não cobertos. No geral, o esquema demonstra que o sistema se financia através do Tesouro Nacional com fundos arrecadados através dos impostos e distribuídos através de repasses federais a estados e municípios. A proporção da contribuição federal (no total do gasto público) atualmente corresponde a mais da metade do total, porém, a Emenda Constitucional 29 de 2000 estabelece que estados e municípios passem a vincular 12% e 15%, respectivamente, de suas receitas para gastos com saúde, ajustando e equilibrando melhor esta tendência. Entretanto, é preciso que esta fonte de arrecadação seja simplificada para facilitar o controle e possibilitar uma gestão mais transparente sobre a avaliação dos impactos progressivo ou regressivo sobre a população. Um minucioso estudo levado a cabo pela Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz10 utiliza uma tabela detalhada com as múltiplas fontes tributárias que compõem os gastos públicos com o objetivo de analisar o grau de eqüidade do modelo de financiamento brasileiro. Quadro 1 - Composição da base vinculável das receitas de Estados e Municípios, para cumprimento da EC 29-2000 Receitas de impostos estaduais ICMS6, IPVA7, ITCMD8 Receitas de impostos municipais IPTU9, ISS10, ITBI11 Receitas de Impostos Transferidos FPE12, IRRF13, IPI Exportação14, pela União aos Estados ICMS Exportação (Lei Kandir)15 Receitas de impostos transferidos FPM, ITR16, IRRF, ICMS, IPVA, IPI Exportacão pela União aos municípios ICMS Exportação (Lei Kandir) Transferências financeiras constitucionais ICMS (25%), IPVA (50%), IPI Exportação (25%), e legais dos Estados aos Municípios ICMS Exportação - Lei Kandir (25%) Receita de dívida ativa tributária de impostos Fonte: Nota Técnica com discussões e recomendações elaboradas por Grupo Técnico formado por representantes governamentais: “Parâmetros consensuais sobre a implementação e regulamentação da Emenda Constitucional 29”, de 2002. 10

Nota 4 – op.cit, p. 13.

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É, no mínimo, confuso. No esquema apresentado para 2020, a redução de setas que figuram como as diversas formas de financiamento utilizadas atualmente representam as mudanças sugeridas para os próximos anos. É preciso que haja uma simplificação na tributação de forma que os contribuintes conheçam a forma como os mesmos estão sendo utilizados pelo governo com maior transparência. População É muito importante que se conheça a tendência demográfica para planejar a infra-estrutura e os tipos de serviços necessários. Prosseguindo com o exercício de projetarmos um desenho organizacional para o ano de 2020, o envelhecimento da população devido à redução das taxas e fecundidade (entre 1960 e 2000 caiu de 6,2 filhos para 2,4) e o aumento da expectativa de vida elevarão a proporção de pessoas idosas no Brasil. De acordo com as projeções do Fundo de População das Nações Unidas (FNUAP), os idosos de 65 anos e mais deverão passar de 10 milhões para 50 milhões entre 2000 e 2050 e os idosos de 80 anos e mais deverão passar de 1,7 milhão para quase 14 milhões no mesmo período. Além desta realidade, existe o problema da chamada transição epidemiológica prolongada em que problemas de saúde típicos de sociedades mais avançadas (neoplasias, doenças cardiovasculares e crônico-degenerativas) coexistem com doenças infecto-contagiosas. O recrudescimento de doenças como a malária, hanseníase e leishmanioses sinalizam a polarização que os serviços de saúde terão que lidar no futuro se estes não forem eliminados definitivamente. O esforço que se requer para atender aos dois pólos é grande e por isso exigirá, possivelmente, um grande debate com a sociedade. A saúde coletiva é um reflexo, um retrato do tipo de organização social que adotamos. É, em boa parte, responsabilidade dos governantes, mas não exclusivamente. A população tem o seu papel a cumprir. Se as pessoas conseguissem discernir com mais clareza o mundo de influências que se reflete em seu estado de saúde, soluções alternativas surgiriam fora do escopo da medicina e de tratamentos cura-

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tivos. Mudanças de hábitos alimentares nocivos e de comportamentos de risco são poderes que temos como indivíduos para mudar a sociedade e que, cada vez mais, são apoiados e estimulados. Nos EUA, por exemplo, as apólices de seguro saúde caem muito para os que se comprometem a adotar hábitos saudáveis. Anne Mills11 também indica a necessidade de adotar medidas para influenciar consumidores a usar os serviços privados de forma adequada nos países pobres: ... consumidores são, de um modo geral, incapazes de avaliar a qualidade técnica de serviços de saúde e costumam colocar mais peso em aspectos de percepção subjetiva do tipo habilidade de relacionamento pessoal dos provedores e o conforto do ambiente onde o tratamento ocorre, ambos não necessariamente relacionados à competência técnica.12

As observações anteriores em muito se aplicam à população que tem acesso aos serviços privados aqui no Brasil também. A predominância de percepções de “fachada” em detrimento da competência técnica encarece o sistema e alarga a brecha entre os que possuem melhores condições de vida e os que não possuem. Em parte, a disseminação de informação para dar menos peso ao supérfluo e mais elementos para avaliar a competência técnica dos serviços é responsabilidade de governos e, atualmente, das agências reguladoras. Mas é, também, um processo de conscientização individual que traz à tona um elenco de valores sociais com os quais, nos próximos anos, nossa sociedade provavelmente se enfrentará.

Anne Mills et al. – What can be done about the private health sector in low-income countries? – Public Health Reviews, Bulletin of the World Health Organization 2002, 80 (4). 12   Idem, op.cit. p. 326. 11

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Conclusão Embora os sistemas de saúde adotem diferentes modelos em diferentes países, de um modo geral, os desafios a serem enfrentados nos próximos anos são mais ou menos semelhantes. A escalada dos custos versus aumento da demanda em termos absolutos e relativos à complexidade de uma espécie de “dívida epidemiológica” de sociedades desiguais atinge muitos países. Três dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que deverão ser cumpridos até 2015, são relacionados à saúde: reduzir a mortalidade na infância; melhorar a saúde materna e deter a propagação do HIV/AIDS, malária, tuberculose e outras doenças transmissíveis. Se as metas estabelecidas não fossem calculadas através de média estatística, o Brasil teria muitas dificuldades para chegar a 2015 com os ODM cumpridos devido à enorme desigualdade existente. Uma pesquisa de opinião citada num recente estudo, publicado pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal),13 indicou que a desigualdade surge como a maior preocupação dos países latino-americanos, superando a pobreza. O estudo também analisou e comparou políticas públicas de vários países e, entre outras conclusões, afirmou que o impacto redistributivo destas é maior quando o gasto social é predominante em saúde e educação. Dito de outra forma, investimentos em saúde e educação “cortam o caminho” e aceleram o progresso social que, naturalmente, acompanha o desenvolvimento econômico. Políticas de Saúde Pública podem ser redistributivas. Porém, a forma como o sistema de saúde está organizado influencia a eficiência do setor e, em última instância, os resultados de saúde da população. A intenção de utilizar um modelo exageradamente simplificado foi para dar destaque às articulações, ligação e influências entre as partes do sistema de forma que sua estrutura se tornasse visível e aparente. Tem-se a impressão de que conceitos organizacionais são temas pouco tangíveis sendo, portanto, utilizados en passant quando se estudam os problemas e propõem-se soluções. Estrutura organizacional, processos, cultura, gestão de pessoas, entre outros aspectos sus  Una Decada de Desarrollo en America Latina – 1990-1999, CEPAL, 2004.

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tentam os pilares do sistema de saúde. Dependendo da força destes pilares as políticas podem ser mais ou menos eficazes, os especialistas podem ser mais ou menos aproveitados, o desenvolvimento científico pode ser mais ou menos aplicado para o desenvolvimento da sociedade e, possivelmente, os resultados de saúde podem ser gerados com mais eficiência.

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REFERÊNCIAS BERESNIAK, Ariel; DURU, Gérard. Economie de la santé. 5e éd. Paris: Masson, 2001. CARRIN, Guy. Economic evaluation of health care in developing countries: theory and application. London: C. Helm; New York: St. Martin’s Press, 1984. CECHIN, Jose et al. Saúde suplementar frente às demandas de um mundo em transformação. São Paulo: Instituto de Estudos em Saúde Suplementar, 2006. (Série IESS, 001/2006). Disponível em: <http:// www.iess.org.br/biblioteca>. KERVASDOUÉ, Jean de. La crise des professions de santé. Paris: Dunod, La Mutualité Française, 2003. MEDICI, André. Informe de saúde mundial – OMS/2003. [S.l.: s.n.], 2005. (Nota técnica, 3/2005). MILLS, Anne et al. What can be done about the private health sector in lowincome countries? Bulletin of the World Health Organization, Genebra, v. 80, n. 4, 2002. ROBINSON, James C. Theory and practice in the design of physician payment incentives. The Milbank Quarterly, New York, v. 79, n. 2, 2001. ______. The corporate practice of medicine. Berkeley, Calif.: Univ. of California Press, 1999. Semic Assistência Médica. Relatórios de trabalhos 2005-2006. Rio de Janeiro, 2006. Sistema Único de Saúde. Estatísticas do DATASUS. Brasília: SUS, Dep. de Informática. UGÁ, Maria Alicia Dominguez; SANTOS, Isabela Soares. Uma análise da eqüidade do sistema de saúde brasileiro. São Paulo: ENSP; Rio de Janeiro: FIOCRUZ. Disponível em: <http://www.ans.gov.br/portal/upload/biblioteca>. UNA década de desarrollo social en América Latina - 1990/1999. Santiago, Chile: ECLAC, 2004. (Libros de la CEPAL, 77). ZITTOUN, Robert; DUPONT, Bernard-Marie. Penser la médecine: essais philosophiques. Paris: Ellipses, 2002. (Sciences humaines en médecine).

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Simulacro, Shopping Center e Educação Superior

José Rodrigues

Agradeço a Ronaldo Rosas Reis a inestimável contribuição durante toda a investigação Rumo à Nova América. Esta pesquisa foi financiada pelo CNPq e pela Faperj.

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O objeto empírico referência deste ensaio é o espaço Nova América, território ocupado entre 1925 e 1991 pela Companhia Nacional de Tecidos Nova América (CNTNA), em Del Castilho, antigo bairro industrial na cidade do Rio de Janeiro, e em seguida pelo Shopping Nova América (SNA). A CNTNA configura-se como função e símbolo da industrialização tardia brasileira. O SNA é um signo da economia globalizada onde se comercializam os mais variados produtos – de sanduíches a cursos de graduação, especialização, mestrado e doutorado. Nesse sentido, o espaço Nova América representa o microcosmo das transformações sociais do Modo de Produção Capitalista do século XX: um espaço que expõe os movimentos contraditórios das transformações econômicas, urbanas, culturais; que simboliza o movimento da industrialização tardia ao ingresso do país na Acumulação Flexível; enfim, que sintetiza a condição pós-moderna do Capitalismo Tardio. O presente ensaio pretende refletir sobre as transformações sociais, em particular as educacionais, a partir precisamente do espaço Nova América, posto que, não por acaso, constitui-se a principal “loja-âncora” deste empreendimento imobiliário-comercial um campus da maior universidade do Brasil, em número de estudantes matriculados: a Universidade Estácio de Sá.

The empirical subject of this essay is the Nova America Space, a territory occupied from 1925 to 1991 by the Nova America National Textile Company (CNTNA, in its Portuguese acronym), located in Del Castilho, a former industrial district, Rio de Janeiro City, and succeeded by the Nova America Shopping Center (SNA, in its Portuguese acronym). The CNTNA represents their late Brazilian industrialization, as its symbol and function. The SNA is a sign of the globalized economy in which a large range of products are commercialized – from sandwiches to undergraduate, specialization, master and doctorate programs. In this sense, the Nova America Space represents the social changes microcosms within the twentieth century Capitalism mode of production: a space that shows the economic, urban, cultural changes’ contradictory movements; that symbolizes the country move from the late industrialization toward the flexible accumulation; in summary, that synthesizes Late Capitalism post modern condition. The current essay aim to think about social changes, primarily the educational ones, starting precisely from the Nova America Space, considering that not by chance, it is the main “anchor store” of this real state-commercial enterprise, a campus from the largest Brazilian university, regarding student enrolment: the Estácio de Sá University.

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1. Introdução: Rumo à Nova América? A América é potente e original, a América é violenta e abominável – não se deve procurar apagar uma ou outra, nem reconciliar as duas. [...] Em suma: o Novo Mundo cumpriu suas promessas? Foi até o fim dos benefícios da liberdade, ou terá ido somente até o fim dos malefícios? J. Baudrillard (1986)

Observada de longe, ainda na Linha Amarela – via expressa que liga a Zona Norte à Zona Oeste do Rio de Janeiro –, a coluna avermelhada da chaminé de cerca de 50 metros de altura, típica das construções fabris inglesas do século XIX, mantém inalterada a imagem de Del Castilho, um antigo e tradicional bairro industrial carioca, que guardamos na memória. Aparentemente, a magnífica fábrica Nova América continua lá. Trafegamos pela via expressa, ladeada por favelas, que tem em uma de suas extremidades a Ilha do Fundão, ou seja, a Cidade Universitária, campus modernista da maior universidade federal brasileira, a UFRJ, e na outra extremidade, o bairro Barra da Tijuca, considerado por muitos como um simulacro de Miami. Ao tomarmos uma das alças de saída da Linha Amarela conduzimo-nos diretamente às novas cancelas da velha fábrica, hoje transformada num grande shopping center de compras a varejo. Ao se apertar um botão, um ticket é cuspido de uma máquina e a cancela automaticamente se levanta dando passagem ao automóvel. Sobressaindo no imenso estacionamento, a imponente arquitetura de tijolos aparentes da velha fábrica de tecidos apresenta, contudo, grandes pórticos de aço e alumínio pintados em azul que evidenciam a sua mudança de status: ocupando o lugar dos operários, das máquinas a vapor, dos antigos teares e dos tecidos macios, outrora produzidos, utilizados pelas mães para a confecção das fraldas de seus filhos, encontramos, agora, consumidores e novas mercadorias – materiais e imateriais. No pátio, lotado de automóveis, estacionamos numa das entradas laterais da ex-fábrica e atual shopping center. Vislumbra-se uma passarela de aço e policarbonato ligando dois blocos de edifícios perpendiculares ao conjunto principal da construção que emoldura um quiosque que exala o inconfundível aroma McWorld, como um “cartão de boasvindas” aos potenciais consumidores.

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Os potenciais consumidores espalham-se pelos amplos corredores e lojas de todos os tipos: lanchonetes, restaurantes, livraria, cinemas, lojas de vestuário (em sua maioria), agências bancárias, lojas lotéricas, agência de automóvel, 150 salas comerciais (como consultórios), lojas de eletrodomésticos, cabeleireiro e um empreendimento especialíssimo, ainda incomum no mix dos shoppings centers brasileiros. Pacífica e alegremente, jovens consumidores ocupam as mesinhas próximas ao quiosque com suas risadas, sorvetes, cigarros e cadernos, enquanto um guarda privado armado zela pela segurança patrimonial de uma grande empresa de venda de mercadorias imateriais. No corredor formado por dois prédios paralelos, um enorme display exibindo a logomarca da empresa se destaca dos cartazes dos bancos eletrônicos, do cabeleireiro, do jornaleiro, da tabacaria. Trata-se da Unesa, Universidade Estácio de Sá, anunciando serviços educacionais de nível superior no seu campus universitário no Shopping Nova América. Estamos no espaço-tempo pós-moderno do capitalismo tardio, em pleno subúrbio favelizado da “cidade maravilhosa”; a sensação só pode ser de vertigem: estaríamos ingressando numa Nova América? De fato, ingressamos no espaço Nova América, território ocupado entre 1925 e 1991 pela Companhia Nacional de Tecidos Nova América (CNTNA), e em seguida pelo Shopping Nova América (SNA). A primeira empresa a ocupar e delimitar aquele território foi uma indústria têxtil – anunciada pela imprensa, no início da década de 1920, como uma “poderosa organização industrial” que nascia, função e símbolo da industrialização tardia brasileira . A segunda, um   Num futuro trabalho, apresentaremos a história do espaço Nova América, no momento, adiantamos apenas que a CNTNA teve a falência decretada, durante a ditadura militar. Em seguida, através da luta dos trabalhadores, a Companhia passou ao controle do BNDES, no governo do general João Baptista Figueiredo. Após alguns anos, a empresa foi reprivatizada e permanece operando, até hoje, na unidade Fonte Limpa, no município fluminense de Duque de Caxias. O processo de reestruturação levou à desativação da unidade Del Castilho. Após anos totalmente desativadas, as instalações fabris foram finalmente vendidas e transformadas no Nova América Outlet Shopping. Atualmente denominado Shopping Nova América, o empreendimento é administrado pela Ancar, responsável pela gestão de outros 10 shoppings centers no Brasil, dentre eles o Shopping Eldorado, em São Paulo.

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shopping center – o que arquitetonicamente preserva, realça, transforma e refuncionaliza as formas originais da fábrica – é signo da economia globalizada onde se comercializam os mais variados produtos – de sanduíches a cursos de graduação. Em outras palavras, o espaço Nova América representa o microcosmo das transformações sociais processadas na periferia do Modo de Produção Capitalista do século XX. Um espaço que expõe os movimentos contraditórios das transformações urbanas, arquitetônicas e culturais, do processo de industrialização tardia, do ingresso do país na Acumulação Flexível, das chamadas “novas universidades” (privadas) , da hipertrofia do setor terciário da economia, enfim, um espaço que sintetiza a condição pós-moderna do Capitalismo Tardio . Este breve ensaio pretende refletir sobre estas transformações, particularmente as educacionais, precisamente a partir do ainda recente e estranho movimento de ingresso das instituições de educação superior privadas nos shoppings centers, secundarizando, assim, a utilização dos tradicionais campi universitários. Como se procurará mostrar, na verdade, esta transferência espacial é apenas o corolário do processo de transformação da educação em mercadoria. Além desta introdução, o presente texto contém mais duas seções – Shopping center ou o simulacro da Nova América e Educação superior e mercadoria. Encerra o ensaio uma breve seção à guisa de conclusão. 2. Shopping Center ou o simulacro da nova América Diversos indicadores socioeconômicos têm revelado que a segmentação de mercado é uma forte característica do atual estágio de acumulação, sendo a juventude um dos segmentos para onde mais vem se expandindo o consumo. A maciça presença de jovens nos corredores dos shoppings centers, em busca de consumo, lazer, e também trabalho, tem atraído as empresas de educação superior, que   Sobre as recentes transformações na educação superior, ver Almeida (2001), Catani, org., (1998), Fonseca (1994), Silva Jr. & Sguissardi (2001), Silva Jr. (2002), Neves (org. 2002), Rodrigues (2005, 2007a , 2007b).   Sobre o pós-modernismo, ver Anderson (1999), Eagleton (1998), Harvey (1992), Jameson (1994, 1996, 1997, 2001), e Reis (2000, 2005 e 2008). Sobre o Capitalismo Tardio, ver Mandel (1982).

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têm ocupado a “área locável” dos shoppings centers como verdadeiras “lojas-âncoras”. No Shopping Nova América, a presença da maior universidade privada brasileira (em número de estudantes) – dispondo neste campus de uma capacidade de receber 10 mil estudantes – confirma a tendência apontada, embora ainda cause estranheza, inclusive na imprensa . Em 1970, durante o processo de expansão da educação superior privada, promovido pelo regime militar, nasceu, com cerca de 80 alunos, a Faculdade Estácio de Sá . No final do século XX, em plena nova expansão do setor educacional, agora incentivada pelos governos democraticamente eleitos, a partir de Fernando Collor de Melo, a Universidade Estácio de Sá (Unesa), possuía cerca de 30.000 estudantes, alcançando o segundo lugar em corpo discente – ficando atrás apenas da maior universidade federal brasileira, a UFRJ (cerca de 42.000 estudantes). Em 2002, a Unesa alcançou 60.000 matrículas, ultrapassando duas das mais tradicionais universidades brasileiras, a USP e a UFRJ, tornando-se a segunda maior universidade brasileira, em matrículas. Atualmente, a Unesa é, segundo dados oficiais, a maior instituição de educação superior do Brasil, em número de estudantes matriculados. Em 2007, a Universidade Estácio de Sá lançou-se no mercado financeiro através da Estácio Participações S. A., captando R$ 446.940.000 . A “receita” de tal crescimento já tinha sido sintetizada, anos atrás, pela revista Veja Rio (ano 9, nº 25, junho, 1999): 1. vestibular fácil; 2. grande variedade de cursos; 3. mensalidades de baixo custo; 4. cam  Com efeito, a Folha de S. Paulo noticiou, em 30 de março de 2008, sem esconder o estranhamento, a instalação de mais um campus: o Shopping Light, em São Paulo, incorporou ao seu mix a mais nova unidade da Universidade de Guarulhos. Segundo a matéria, existem atualmente, no Rio de Janeiro, nove instituições do tipo.   No dia 28 de novembro de 1988, o Relator e a Comissão Especial para Análise de Processos de Criação e Reconhecimento de Universidades e o Plenário do Conselho Federal de Educação votaram favoráveis pelo reconhecimento da Estácio de Sá como universidade.   Cf. Anúncio de encerramento da Oferta Pública de Distribuição Primária e Secundária de Units de Emissão da Estácio Participações S.A., veiculado em O Globo, p. 9, 29 de agosto de 2007.

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pi espalhados pelo Rio de Janeiro, inclusive em shoppings centers; 5. marketing que aponta para a empregabilidade . Pode-se acrescentar, a leniência do poder público, especificamente, do Ministério da Educação para com a instalação e o funcionamento de tais empresas educacionais. Com efeito, o processo de expansão da educação superior no Grande Rio tem se dado em todos os espaços possíveis — em prédios próprios, em escolas de Educação Básica, em shoppings centers e até mesmo parques de diversão. A proliferação de unidades de educação superior em espaços não tradicionais confirma a análise de Harvey (1992), que aponta para a ultrapassagem do modelo urbano de especialização espacial funcional, característica do fordismo, caminhando na direção de um processo de agregação e aglomeração espacial, característica do Padrão de Acumulação Flexível. No Rio de Janeiro, dentre os shoppings centers que abrigam unidade de instituições de educação superior, destaca-se o Shopping Nova América com o campus da Universidade Estácio de Sá, no qual são oferecidos 11 cursos de graduação , seis cursos seqüenciais (ou cursos superiores de tecnologia) e 11 cursos de pós-graduação lato sensu. O Shopping Nova América, como mencionado antes, ocupou, transformou e refuncionalizou as antigas e desativadas (em 1991) instalações da Companhia Nacional de Tecidos Nova América, dando-lhe características pós-modernas.

Sobre a noção de empregabilidade, ver Rodrigues (1996).   Cf. Sítio do campus Nova América da Unesa. <http://www.estacio.br/campus/nova_america/cursos.asp>, consulta em 4 de maio de 2008.

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Vista lateral do SNA. Observam-se o portal e as logomarcas da Unesa e, mais à direita, da C&A, além da chaminé desativada da antiga fábrica (foto de Aline Pereira, outubro, 2002).

O espaço Nova América – ontem, fábrica têxtil; hoje, shopping center – e o seu entorno representam de forma condensada uma série de transformações econômicas, industriais, urbano-geográficas e culturais, inclusive, educacionais, pelas quais as cidades e as sociedades capitalistas vêm passando, principalmente, nas formações sociais situadas na semiperiferia das economias centrais do Modo de Produção Capitalista, das quais o Brasil é um representante especial dada a rápida e dramática industrialização (1930-1980) de caráter fordista, seguida das novas transformações sociais oriundas da Acumulação Flexível (a partir de 1990)10. Nas palavras de Milton Santos: Consideramos o espaço como uma instância da sociedade, o mesmo título que a instância econômica e a instância cultural-ideológica. Isso   Oliveira (1991) realizou uma análise, no campo da geografia urbana, sobre o que poderíamos denominar, por analogia, do espaço Bangu, ou seja, a transformação de uma fazenda em fábrica têxtil e a constituição de, praticamente, uma cidade em seu entorno. 10

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significa que, como instância, ele contém e é contido pelas demais instâncias, assim como cada uma delas o contém e é por ele contida. A economia está no espaço, assim como o espaço está na economia. O mesmo se dá com o político-institucional e com o cultural-ideológico. (Santos, 1997, p.1)

Ou seja, isso quer dizer que a essência do espaço é social. Nesse caso, o espaço não pode ser apenas formado pelas coisas, os objetos geográficos, naturais e artificiais, cujo conjunto nos dá a Natureza. O espaço é tudo isso, mais a sociedade: cada fração da natureza abriga uma fração da sociedade atual. (Idem, ibidem) Portanto, o espaço Nova América se insere em uma nova dinâmica cultural que está a produzir um novo sujeito social urbano pós-moderno11. O shopping center – entendido como empreendimento imobiliário de iniciativa privada que reúne, em um ou mais edifícios contíguos, lojas alugadas para comércio varejista ou serviços, no qual a estrutura e o funcionamento do empreendimento são controlados por um setor administrativo, responsável pela reprodução do capital da empresa, onde está necessariamente presente um parque de estacionamento (Cf. Pintaudi, 1992, p.15-6) – é original dos Estados Unidos da América e nasceu sob o signo do fordismo. Com efeito, a tradição americana, iniciada por Henry Ford na indústria, de grandes empresas de administração centralizada e de aglomeração12 no ramo comercial (supermercados, magazines) relaciona-se diretamente ao surgimento e à difusão dos shoppings centers nos EUA. Isto é, a origem dos shoppings centers articula-se diretamente à penetração do grande capital no ramo comercial. Já a difusão desses empreendimentos, nos EUA, alia-se à expansão de moradias suburbanas e à generalização do uso do automóvel (Bienenstein, 2002, p. 74-5). O primeiro shopping center brasileiro, tal qual entendemos neste ensaio, surge ainda em 1966 com a inauguração, em São Paulo, do   Para uma boa discussão sobre os novos sujeitos, ver Sennett (2000) e Hall (2000). 12   A concentração de atividades econômicas no espaço é conhecida por economia de aglomeração, nesse sentido, o shopping center é exemplo “bem acabado” de atividade econômica de aglomeração (cf. Bienenstein, 2002, p.75). 11

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Shopping Center Iguatemi. O Iguatemi foi construído então com uma área bruta locável de 42.000 m2, que abrigava 295 lojas, sendo duas delas “âncoras”, e 1.817 vagas de estacionamento. Contudo, como na década de 1960 o processo de concentração do capital comercial (monopolização) ainda era incipiente, apenas na década de 1980 toma impulso a construção desse tipo de empreendimento imobiliário-comercial de marca americana (Pintaudi, 1992, pp.15-6). Com efeito, nenhum outro shopping center foi inaugurado nos anos 1960, cerca de cinco passaram a funcionar na década de 1970, enquanto que, entre 1981 e 1990, foram registrados, pelo menos, cinco dezenas desses empreendimentos em todo o país (Pintaudi, 1992, pp.18-20), tornando irreversível o processo. Segundo a Associação Brasileira de Shoppings Centers (Abrasce), existem, no Brasil, 367 SCs em funcionamento, a área construída total alcança 55 milhões de metros quadrados. Os SCs têm a capacidade de abrigar quase 490 mil automóveis, geram, mensalmente, cerca de 630 mil empregos diretos. Em 2007, o setor de shopping centers produziu um faturamento estimado de 50 bilhões de reais13. Considerados “templos do consumo” (material e imaterial), poderia parecer paradoxal a proliferação rápida dos shoppings centers, em plena “década perdida”, em um país com a mais alta concentração de renda do mundo. Mais estranho ainda se levarmos em consideração que uma parte significativa do financiamento do empreendimento foi realizada pela Caixa Econômica Federal. No entanto, tais aspectos são facetas das contradições do capitalismo, notadamente, do capitalismo tardio brasileiro. Na verdade, o Brasil chega à década de 1980 expondo suas profundas contradições. O modelo econômico nacional-desenvolvimentista, o processo de industrialização por substituição de importações, em grande parte mantido e ampliado pela ditadura militar iniciada em 1964, esgotara-se. A dívida externa contraída, em grande parte, para financiar os investimentos de maturação a longo prazo, a concentração de renda nos setores médio-superiores vis-à-vis a queda real dos salários, e a inflação – parceira na concentração de renda – que no iní  Dados disponíveis em <http://www.abrasce.com.br/gr_numeros.htm>, aces­ so em 04.05.2008. 13

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cio do processo eram funcionais ao desenvolvimento capitalista, agora tornavam-se um estorvo. Inicia-se a “década perdida”. Contudo, pode-se repetir, com Pintaudi (1992), “perdida para quem?”, já que é justamente nessa década que a indústria dos shoppings centers cresce vertiginosamente. Ora, estes empreendimentos, assim como outros setores da economia, crescem no rastro da concentração de renda e de capital (monopolização). Tal monopolização avança nos setores varejistas, destruindo, com auxílio decisivo da inflação, as pequenas lojas de bairro e abrindo caminho para a redes (eletrodomésticos, supermercados) e franquias (moda, pequenas refeições) – primeiros ocupantes dos espaços locáveis dos shopping centers. Em outras palavras, a “década exuberante” dos shopping centers representa a entrada definitiva do grande capital financeiro no ramo comercial através de um mecanismo eficaz de sua reprodução ampliada. Para que a reprodução ampliada do capital financeiro aplicado nesse empreendimento imobiliário sui generis seja garantida, o shopping center lança mão em grande escala da “gerência científica” altamente centralizada, no qual os participantes (exceto as lojas-âncora) desconhecem o processo no qual estão inseridos. Presentes no shopping, os lojistas têm sobre si uma racionalidade que transcende as iniciativas capitalistas particulares e que se sobrepõe a elas, envolvendo um estrito controle de padronização comercial, que vai do projeto de instalação até as normas de funcionamento. O contrato de locação, as normas gerais complementares e o regimento interno garantem ao empreendedor, através da administração, uma organização estritamente controlada sobre os lojistas, sobre o SC. (Gaeta, 1992, p.51).

O controle da administração do Shopping Center sobre os lojistas ultrapassa em muito o aspecto funcional da loja, ou seja, ultrapassa a subsunção formal. Com efeito, o pequeno capital comercial está subsumido de maneira real ao grande capital financeiro através do contrato de locação composto. O contrato de locação é formado por uma parte fixa, essa em função da área locável, da localização da loja, e por uma parte variável. A parte variável relaciona-se diretamente ao faturamento efetivo da loja, sobre a qual a administração do shopping center tem controle absoluto através fiscalização direta, acesso

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aos registros contábeis e auditorias. Através desse mecanismo está garantida a transferência de parte do lucro comercial auferido pelas lojas ao capital financeiro proprietário do shopping center (cf. Bienenstein, 2001, p.78). O controle gerencial (formal e real) do capital financeiro sobre o conjunto dos capitais comerciais particulares na verdade precede o funcionamento do shopping center, se dando através de um “gerenciamento absoluto do espaço”. Tal gerenciamento envolve desde a escolha do terreno à viabilização econômica propriamente dita. Nessa avaliação preliminar, leva-se em consideração as condições de acesso ao shopping center14, as características do comércio vizinho e eventualmente competidor15, da população-alvo etc. Fruto dessa ampla avaliação, a administração do shopping center arma o mix, ou seja, escolhe os tipos e tamanhos de lojas e serviços que irão compor o empreendimento, a sua distribuição no interior do complexo comercial etc. Ou seja, o objetivo principal da gerência científica nesse caso não é só pôr sobre seu controle uma atividade, que durante muito tempo tem apresentado um caráter quase artesanal e livre da racionalidade dos grandes grupos financeiros e industriais. Consiste também em impor elementos gerais de controle do mercado (geração em série de novas necessidades) e específicos (de vivência urbana e comercial), de forma a otimizar e realizar o lucro. (Gaeta, 1992, p.52)   O Shopping Nova América está instalado no centro de um polígono viário de grande importância para a cidade do Rio de Janeiro: Linha Amarela (avenida Governador Carlos Lacerda), avenida Martin Luther King, avenida Dom Hélder Câmara e, com destaque, para a linha 2 do metrô, que possui uma estação precisamente junto à lateral do Shopping. Neste caso, basta que o consumidor atravesse a curta passarela que liga a estação Del Castilho ao Nova América. Cabe ainda informar que inúmeros profissionais liberais (e correlatos) utilizam o estacionamento do SNA para guardarem seus veículos, enquanto se deslocam para o Centro e para a zona Sul do Rio, de metrô. 15   Bastante próximo ao SNA, encontra-se, na avenida Dom Hélder Câmara, um dos maiores shoppings centers do Rio de Janeiro, o Norteshopping, que conta atualmente com 330 lojas satélites, nove âncoras, 4.000 vagas de estacionamento, e 200.528 m² de área construída. (Cf. < http://www.norteshopping.com.br/>, acesso em 6 de maio de 2008) 14

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O controle do espaço ultrapassa as relações com os lojistas, atingindo fortemente o público consumidor (ou apenas freqüentador) do shopping center, alcançando, de certa forma, um caráter de “coordenação social”, já que o seu funcionamento interno se faz de maneira planejada, organizada, disciplinada, com controle de freqüência (pois a segurança encarrega-se, discretamente, de afastar dos Shoppings as pessoas consideradas indesejadas, como mendigos, menores abandonados, punks, bêbados...) e voltada exclusivamente para interesses particulares, sem que os freqüentadores sintam esse controle externo. (Gaeta, 1992, p. 55. Grifos nossos) Na obra Simulacro e simulações, Jean Baudrillard (1991) traça aquilo que seriam as “fases sucessivas da imagem”: a imagem como reflexo da realidade imediata; a imagem como deformação da realidade mais profunda; a imagem como ocultação da inexistência da realidade profunda; e, finalmente, a imagem como produção simulada do que não existe, ou seja, a emergência do “simulacro” (Baudrillard, 1991, p.13). Para o autor, a Disneylândia é modelo perfeito de todos os simulacros: “O imaginário da Disneylândia não é verdadeiro nem falso, é uma máquina de dissuasão encenada para regenerar no plano oposto a ficção do real.” (Baudrillard, 1991, p.21) Ou, em outras palavras, “A Disneylândia é colocada no imaginário a fim de fazer crer que o resto é real, quando toda Los Angeles e a América que a rodeia já não são reais, mas do domínio do hiper-real e da simulação.” (Idem, ibidem) Os shoppings centers são simulacros, já que simulam microambientes de felicidade, onde não parecem existir problemas16. Espaços hiper-reais onde se podem ver vitrines sem o perigo de ser abordado por uma criança de rua a esmolar, ou ter a bolsa levada. Nesse simulacro, o público – que efetivamente integre o seu mercado consumidor – sente-se protegido para comprar confortavelmente   Contudo, a realidade teima em invadir a hiper-realidade. Em 2003, uma cabeça humana foi encontrada no shopping center Rio Sul (cf. O Globo, 19 de janeiro de 2003, p.22). No mesmo ano, em 11 de novembro, um assaltante foi morto pela Polícia Civil no estacionamento do Shopping Nova América (cf. O Globo, 12.11.03, p.19). Freqüentemente, a Linha Amarela é manchete nos jornais cariocas em função de “arrastões”, balas perdidas e assassinatos. 16

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– já que o tempo não é percebido: não faz calor, não chove, não há sombras, não há relógios. A arquitetura desloca-se para o campo da cenografia. É o suporte do espelho da imagem. Transforma-se em elemento de linguagem visual dentro da espacialidade da persuasão. Estes elementos conjugados operam a dissolução do tempo: a iluminação artificial, as superfícies de vidro, os espelhos refletores, os jorros de água criam um universo fantasioso e atemporal. (Santos Jr., 1992, p.73)

Em outras palavras, essa cenografia arquitetônica, em geral, busca simular ruas desprovidas de histórias, imagens que não remetem a nenhuma lembrança individual dos usuários (Souza & Sabbagh apud Santos Jr., 2002, p.73). Contudo, o Shopping Nova América apresenta características particulares. Com efeito, como mostra a foto a seguir, a arquitetura cenográfica apóia-se – quase que esquizofrenicamente – sobre um arquitetura fabril atravessada de história17. Muitos dos freqüentadores do SNA efetivamente têm suas vidas relacionadas à Companhia Nacional de Tecidos Nova América (CNTNA), alguns foram consumidores de seus produtos – já que a unidade fabril fazia venda direta ao consumidor –, outros foram trabalhadores da fábrica. Moradores do entorno que viram a CNTNA fechar, que presenciaram a construção do parque de estacionamento, hoje passeiam pelos corredores do Nova América. Existem mesmo funcionários de lojas que foram empregados da CNTNA, engenheiros que permanecem em atuação imediata com o SNA.

No momento, existem obras em andamento no SNA que estão ampliando as fachadas cenográficas, como a da foto, para um dos acessos ao prédio principal, precisamente onde fica a entrada principal da Estácio de Sá. 17

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Em perspectiva, um setor interno do Shopping Nova América, denominado pela administração de Rua do Rio, no qual localizam-se cerca de 10 bares “de rua”. Em primeiro plano, a fachada cenográfica de um desses “bares de rua”; em segundo plano, a arquitetura típica fabril inglesa. Sobre essa, e cobrindo toda a “Rua do Rio”, um imenso toldo branco. (Foto de Luiza Sassi, nov. 2002)

A administração do SNA tem plena consciência dessa situação e busca utilizá-la funcionalmente. De fato, durante meses, a decoração da praça central de alimentação retratou em enormes painéis essa suposta harmônica convivência passado/presente, fábrica/shopping center, trabalho/lazer; estudo/responsabilidade social18. De qualquer forma, em geral, os shoppings centers brasileiros aspiram produzir um cenário que não tem correspondência com a realidade além das cancelas que dão acesso aos seus pátios de estacionamento. Pretender ser, ou pelo menos aparentar, um espaço fechado, protegido das intempéries naturais e sociais. Os shoppings centers intencionam produzir uma hiper-realidade, uma cidade ideal, onde habitam cidadãos-consumidores que transitam seguros em busca frenética de mercadorias materiais e imateriais – roupas, alimentos, livros, entretenimento, saúde, da educação infantil à educação superior. Cidadela ideal onde a cidadania se iguala à liberdade de consumir de tudo. Enfim, os shopping centers são simulacros de uma idealizada Nova América, mesmo que encravados em uma vasta área favelada do subúrbio do Rio de Janeiro, conhecida como Faixa de Gaza.

Cabe explicitar que o SNA mantém em suas dependências uma creche da Cruzada do Menor. Aliás, pode-se ver facilmente, no período matinal, crianças pequenas de mãos dadas visitando o interior do shopping center guiadas pelas suas professoras. 18

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3. Educação superior e mercadoria A atual trajetória e perspectiva da educação superior brasileira também tem se adequado ao quadro mais geral das transformações socioeconômicas do capitalismo tardio. As instituições de educação superior (IES) – privadas e públicas – têm buscado se moldar ao télos Economia Competitiva. Com efeito, na década de 1990, o Brasil inicia um processo de ajustamento de seu projeto político nacional à nova ordem mundial. Esse movimento, que se acentua sob a liderança de Fernando Henrique Cardoso, expressar-se-á em todas as esferas da atividade humana, em particular na educação superior, mediante a tentativa de reconfiguração desse espaço social, segundo a ótica e a racionalidade econômicas. O capital procura reconfigurar tal esfera segundo seus objetivos e a sua lógica. (Silva Jr & Sguissardi, 2001, p. 193-4)

Nesse sentido, pode ser detectada uma nítida tendência das IES privadas de se transformarem em efetivas empresas de ensino, de operarem o pensamento pedagógico empresarial no sentido de (con)formar uma força de trabalho de nível superior adequada ao télos Economia Competitiva19, além de contribuírem para a hegemonia da visão social de mundo burguesa, principalmente a de corte neoliberal. De fato, o crescimento da iniciativa privada no campo educacional, que não se vem dando pela “mão invisível” do mercado, ao contrário, é fruto de uma política relativamente clara do Governo FHC, em plena sintonia com as orientações de organismos multilaterais, como o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e, mais recentemente, a Organização Mundial do Comércio (OMC)20. Para Lima (2002, p.54-5), a política desses organismos para a educação superior na América Latina e Caribe, em que pesem sutis dife  Sobre o conceito de télos, particularmente de télos Economia Competitiva, ver Rodrigues (1997). 20   Sobre as políticas do Bird, ver De Tommasi, Warde & Haddad (orgs., 1996). Sobre a política educacional de FHC, ver Silva Jr. (2002). 19

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renças entre essas duas entidades, pode ser sintetizada em cinco aspectos. O primeiro deles é a busca de abertura do setor educacional aos investimentos privados. O segundo, que complementa o primeiro, é a “globalização dos sistemas educacionais”, isto é, o incentivo às universidades públicas e privadas para que se associem a instituições de educação superior de caráter transnacional21. O terceiro aspecto refere-se ao fortalecimento das chamadas “universidades corporativas”, isto é, de adoção institucionalizada, por parte de grandes empresas, de programas internos de qualificação e de treinamento de sua própria força de trabalho. O quarto aspecto refere-se ao incentivo à educação a distância, impulsionada pelas inovações tecnológicas e apoiada na comercialização de “pacotes educativos”. Finalmente, a quinta diretriz dos organismos multilaterais indica a transferência de recursos orçamentários da educação superior à educação básica. Como foi dito anteriormente, a “mão invisível” do mercado tem sido auxiliada pela política educacional concreta de sucessivos governos federais democraticamente eleitos (Collor/Itamar Franco, FHC e Lula da Silva). Um aspecto relevante, nesse sentido, é a atual conformação político-administrativa do Conselho Nacional de Educação que, desde a ditadura militar, vem favorecendo a multiplicação de IES privadas e a transformação de muitas delas em “universidades”. Apesar dos constrangimentos impingidos às universidades públicas, notadamente as federais, apesar de toda liberdade ofertada pelo Ministério da Educação às IES privadas, apesar do apoio e incentivo dos organismos multilaterais (Bird, Unesco, OMC), apesar de o télos Economia Competitiva guiar as ações do governo brasileiro, a mais remota possibilidade de controle estatal sobre a educação supe-

Mesmo que incipiente, já se pode perceber um processo de globalização financeira do capital investido em educação. Com efeito, o grupo Pitágoras, fundado em 1996 por Walfrido Mares Guia, está firmando acordo com o Apollo Group, maior grupo empresarial de ensino dos Estados Unidos, que fatura anualmente cerca de 770 milhões de dólares e tem um valor de mercado de US$ 7,200,000,000.00 na chamada bolsa de alta tecnologia Nasdaq (revista Exame, nº 763, abril, 2002). O recentíssimo ingresso da Estácio no mercado financeiro (ver nota 7) confirma a tendência apontada. 21

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rior privada ou a cobrança regular de impostos e tributos22 parecem ameaçar a liberdade de exploração do mercado educacional superior em expansão. Essas supostas e tênues ameaças à “liberdade de mercado” têm gerado enérgicos protestos dos empresários da educação superior e contribuído para acirrar a concorrência e a busca de diferenciação institucional (Silva Jr. & Sguissardi, 2001, p. 205). Nesse contexto, a qualificação do corpo docente e a atividade de pesquisa – até agora considerada central na instituição universitária – acabam por serem relegadas a meras formalidades quando não descartadas abertamente. Em outras palavras, a “identidade mesma da instituição universitária” está em processo de rápida mutação: A produção do conhecimento – consubstancial à idéia de universidade desde os seus primórdios – tende a ser substituída pela administração de dados e informações em um processo de assessoramento ao mercado, o que impõe a sensível perda do necessário distanciamento que essa instituição deve ter em relação à sociedade, da capacidade de reflexão crítica, característica também histórica da universidade e de qualquer outra categoria de IES. (Silva Jr. & Sguissardi, 2001, p.269)

Em síntese, e ainda nas palavras de Silva Jr. e Sguissardi, “esse processo de substituição da produção do conhecimento pela administração de dados e informações assemelharia a instituição de educação superior a empresas prestadoras de serviço” (idem, ibidem). Cleide Rita Silvério de Almeida – O brasão e o logotipo – corrobora e, de certa forma, agrava as conclusões dos autores supracitados: O jogo do conhecimento é sempre mediado por arranjos de marketing, infra-estrutura moderna, sistema informatizado, instalações físicas etc. A dinâmica da produção cultural é travestida e transformada em eficiência, num conjunto de atitudes que dilui a tradição, perdendo   Davies (2002) revela que mais importante do que a aplicação direta de verbas públicas é o financiamento indireto (via isenções fiscais de diversas ordens) que vem propiciando uma margem de lucratividade às IES privadas. Davies (2002, p. 160) também aponta uma explicação para a contradição da política governamental (incentivo ao crescimento, combinado com a tentativa de cobrança de impostos e das contribuições previdenciárias): a meta sagrada da eliminação do déficit público presente nas bulas do FMI. 22

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a aura e oferecendo, através da racionalidade administrativa do setor privado de massa, o cultivo de um conjunto de novas atitudes que visam projetar a imagem identificadora de um estilo nessa nova ordem simbólica reificada (Almeida, 2001, p. 213-4).

Nesse sentido, para os autores supracitados, um novo perfil se desenharia. As IES isoladas ou integradas dedicar-se-iam tão-somente ao ensino de graduação; os centros universitários e as universidades tenderiam a acentuar o seu caráter local/regional de prestação de serviços vagamente associados à idéia de pesquisa aplicada, e, mesmo assim, se lhes fossem garantidas verbas públicas23. Enfim, a nova configuração do mercado de serviços educacionais e a emergência de uma “nova burguesia de serviços”24, com alta de dose de competitividade, vem produzindo nos gestores do setor privado a busca permanente de introduzir nas instituições educacionais os métodos e formas gerenciais correntes no mundo empresarial não educacional, ao mesmo tempo que lutam pela manutenção do financiamento público (direto e indireto). Em poucas palavras, a lógica acadêmica de gestão universitária está sendo subsumida à teleologia do capital, através da gestão empresarial. Na linguagem de Almeida (2001), as universidades brasileiras estariam se definindo em dois grupos: “a universidade do brasão” e a “universidade do logotipo”. As universidades históricas ou tradicionais atuam no ensino complexo, que discute as várias áreas do saber, o significado, o conhecimento, a aura, a tradição: são as universidades do brasão. Brasão que fala em latim – veritas, sapientia. Latim que, como herdeiro da Idade Média, empresta ao brasão o significado da tradição histórica da verdade, da sabedoria, colocando-nos no âmbito dos grandes universais desenvol  Neves & Fernandes (2002) confirmam essa análise.   Para uma análise completa sobre os novos mercados em tempos neoliberais, ver Boito Jr. (1999), particularmente, pp. 67 e 70. Resta saber se a dinâmica capitalista no Brasil permitirá, a médio e longo prazo, a acumulação de capitais no setor educacional, ou se será sacrificado frente às demandas do capital financeiro, aliás, grande vitorioso da política econômica neoliberal (cf. Boito, 1999, p.50-2). 23 24

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vidos ao longo da história do pensamento. (Almeida, 2001, p. 215. Grifos da autora)

Enfim, a expansão da Educação Superior no Brasil tem se dado fundamentalmente a partir do crescimento de IES privadas. Instituições que têm buscado se construir como empresas prestadoras de serviços educacionais fortemente atreladas às demandas do mercado. Em outras palavras, vivenciamos um momento decisivo no processo de mercantilização (ou empresariamento) da Educação Superior. Se estas tendências se mantiverem, desponta no horizonte da educação superior brasileira a Universidade Competitiva. Com efeito, em julho de 2006, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou ao Congresso Nacional o seu projeto de reforma universitária. Na verdade, meses antes, o governo havia estabelecido um diálogo com os empresários do ensino, além de outros segmentos da sociedade, com o fito de produzir uma peça legal mais ou menos conciliatória. Nesse sentido, a seguir apresentaremos brevemente as posições dos empresários da Educação Superior, representados pelo Fórum Nacional em Defesa da Livre Iniciativa na Educação25. 3.1 Os empresários da educação superior e a atual reforma universitária Os empresários do ensino, fração da nova burguesia de serviços, embora atuantes em todos os níveis e modalidades de venda do ensino-mercadoria, atuam mais fortemente na educação superior, sendo responsáveis por mais de 70% das vagas desse nível educacional. A nova burguesia de serviços ocupa uma posição particular na estrutura econômica, social e política brasileira. Pois se, por um lado, não dispõe do poder econômico dos grandes grupos industriais e financeiros, por outro lado vem sendo favorecida pela posição estratégica que ocupa na política neoliberal, posto que é herdeira direta da destruição dos serviços públicos, promovida principalmente pelas políticas neoliberais. Dado o seu caráter subordinado na configuração da reprodução do   Para uma análise mais abrangente, ver Rodrigues (2007b).

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capital em geral, além de bastante marcada pela emergência do neoliberalismo, no Brasil, a organização centralizada dos empresários da educação, em particular da educação superior, é ainda incipiente. Dentre a grande variedade de entidades representativas dos interesses das instituições privadas de ensino destaca-se, no plano da educação superior, a Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (ABMES)26. A ABMES, fundada em 1982 sob a sigla ABM, liderou, em 2000, a constituição do Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular. É essa a origem do atual Fórum Nacional da Livre Iniciativa na Educação, (re)criado no contexto da atual reforma da educação superior, mais precisamente em reação ao estabelecimento do ProUni27. Em que pesem as diferenças de crença, de estatuto jurídico e de peso político específico, a reforma a ser encaminhada ao Congresso Nacional pelo Governo Lula da Silva logrou unificar as mais importantes entidades representativas do capital investido em educação sob a profissão de fé na “livre iniciativa”. Dentre os diversos documentos e manifestações públicas exaradas pelo Fórum, foi selecionado para ser analisado o documento Considerações e recomendações sobre a versão preliminar do anteprojeto de lei da reforma da educação superior (Fórum, 2005), divulgado em 29 de março de 2005. Após alguns parágrafos de celebração da iniciativa privada no campo educacional, além de referência explícita à contenção da expansão das IES federais, para que se fosse impedido, com isso, o crescimento   Sobre as entidades representativas da educação privada, laicas ou confessionais, ver os estudos de Neves (1994, 2000, 2002). 27   O Fórum reúne 25 entidades de diversas naturezas jurídicas, tais como associações, sindicatos, federações e confederação, além de entidades confessionais. Dentre as entidades que compõem o Fórum, destacam-se a Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas (Abesc), a Associação Brasileira de Instituições Educacionais Evangélicas (Abiee), a Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), a Associação Nacional dos Centros Universitários (Anaceu), a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub), além da própria ABMES (cf. <www.forumdeeducacao.org.br> Acesso em: 02. nov. 2005). 26

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do déficit público28, o Fórum logo anuncia, em sua Apresentação, que é contra in totum o anteprojeto, posto que “o mesmo não satisfaz o que o Brasil precisa para criar as âncoras de sustentação de um sistema coerente com os atuais desafios da educação brasileira” (Fórum, 2005, p.2). A razão fundamental dessa rejeição pode ser resumida na interpretação de que o anteprojeto possuiria um nítido “eixo intervencionista” (idem, p.3). É essa caracterização que vai efetivamente estruturar toda a análise da proposta governamental desenvolvida nesse e em outros documentos do Fórum. Nesse sentido, a entidade dos empresários do ensino entende que o anteprojeto trata em um único documento legal de assuntos de ordens bastante distintas, restringe a autonomia universitária, além de abrigar dispositivos que “transgridem princípios constitucionais”. O Fórum, fazendo jus à sua denominação, clama por “livre iniciativa”, mesmo que esta se choque frontalmente com outro princípio constitucional: “garantia de padrão de qualidade” da educação superior. Contudo, o princípio da qualidade não pode corromper o maior princípio do modo de produção capitalista: o direito à propriedade privada dos meios de produção: Mas entende que o zelo e o denodo governamentais postos no exercício dessa nobre função não devem ignorar e não podem atropelar o que estabelecem as normas que regem matérias tão díspares quanto são as da ordem educacional e as da ordem econômica pertinentes à livre atuação da iniciativa privada. (Idem, ibidem. Grifos meus.)

Em síntese, “o Fórum é contrário a quaisquer investidas contra os princípios constitucionais que garantem a livre iniciativa na educação” (idem, p.14). Em que pese a peremptória afirmação inicial, de que o anteprojeto “não merece uma simples correção de pontos”, discorre suas sugestões. Primeiramente, o documento preocupa-se com a estrutura em si do anteprojeto governamental e com as competências institucionais do   Sitiadas pela lógica do capital financeiro, a burguesia industrial e a nova burguesia de serviços educacionais irmanam-se no declarado objetivo supremo de contenção do déficit público − obviamente, sem abrir mãos de seus subsídios. 28

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MEC. Nesse sentido, indica ao Poder Executivo que, caso a reforma seja realizada, ela deverá ser consignada através de diversos dispositivos legais. O Fórum entende que se deveria preliminarmente alterar o capítulo da LDB sobre educação superior. Em seguida, dever-se-ia aprovar uma “lei orgânica ou estatuto” das instituições federais de educação que tratasse de aspectos relacionados à autonomia, ao financiamento e à gestão. Em terceiro lugar, o governo deveria aprovar uma lei que estabelecesse um novo “marco regulatório” das relações entre o Poder Público Federal e as IES privadas. Nesse sentido, caberia a revisão do status institucional do MEC, de forma que lhe seja retirada a prerrogativa de instância reguladora do sistema educacional, atribuindo tal poder a uma “agência reguladora independente”. Em outras palavras, os empresários de ensino entendem ser nefasta a duplicidade de funções do MEC, que, simultaneamente, regula o sistema federal de educação e mantém uma grande rede de educação superior. Postas as indicações anteriores, de como o Poder Executivo deveria proceder, os empresários do ensino tecem uma série de considerações e algumas sugestões específicas quanto à reforma: melhoria da qualidade, autonomia, pluralidade de instituições, gestão democrática, avaliação, pós-graduação, interferência na livre iniciativa (aliás, já mencionada), democratização do acesso e da permanência, questão patrimonial, valorização do magistério, ingresso do capital estrangeiro no negócio da educação-mercadoria, entre outros. Com relação ao modelo de educação superior, fundamentalmente naquilo que tange à autonomia e ao modelo de universidade baseada na indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão, o Fórum Nacional da Livre Iniciativa na Educação entende que tal associação é fruto da “pressão exercida pela comunidade acadêmico-científica das grandes universidades”, isto é, as universidades públicas. Essas universidades, supostamente apoiadas em “visões idealistas” do século XX, estariam defendendo como modelo único para a educação superior a “universidade de pesquisa”. Concisamente, os empresários do ensino entendem − e nisso estão plenamente em acordo com os empresários da indústria29 − que deve existir a “pluralidade”: “O Fórum defende a pluralidade de instituições de ensino superior, com diferenciados   Cf. Rodrigues (2007b).

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graus de autonomia para o seu desenvolvimento e expansão, desde que demonstrados níveis de qualidade.” (Fórum, 2005, p.11) Isso desde que a avaliação do “nível de qualidade” não interfira na liberdade de gestão do negócio educacional, obviamente. Com efeito, o Fórum execra qualquer tentativa de que se estabeleça alguma forma de gestão democrática, seja através da eleição de dirigentes, seja a partir da instalação do chamado (na última versão do anteprojeto de reforma) conselho social de desenvolvimento. Adiante, o documento ainda ressalta que os mecanismos atuais de avaliação da qualidade ainda são muito incipientes, demandando maiores discussões, inclusive pela incorporação de representação das IES privadas nos atuais órgãos públicos que buscam aferir a qualidade educacional (Fórum, 2005, p.13). Em outras palavras, os empresários do ensino não confiam no MEC como órgão avaliador do sistema educacional, posto que, dentre outros aspectos, o Ministério simultaneamente regula, avalia e mantém instituições de educação superior. Os empresários da educação superior, partindo da compreensão de que o conhecimento (e, portanto, a pesquisa) é elemento central para o desenvolvimento das forças produtivas, reconhecem que as atividades de investigação institucionalizadas, no interior de suas instituições, são bastante débeis, inclusive considerando-se a pós-graduação e a fixação de professores-pesquisadores. Nesse sentido, os empresários do ensino acabam por demandar do governo mecanismos financeiros de apoio a essas atividades (cf. Fórum, 2005, p. 15 e 17, principalmente). Ou seja, a livre iniciativa reivindica verbas e financiamento públicos para desenvolver pesquisa e contratar pesquisadores. De uma maneira geral, as considerações e as recomendações dos empresários do ensino superior acabam por confluir àquelas oriundas dos empresários industriais30, exceto o aspecto da submissão da qualidade à liberdade. Em outras palavras e em última instância, ambas as frações do capital intencionam que a educação converta-se plenamente em uma mercadoria. Ora, a sua venda, portanto, em shoppings centers é apenas o corolário desta intenção.

Cf. Rodrigues (2007b).

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4. À guisa de conclusão As transformações ocorridas no mundo ocidental, e das quais o Brasil não escapou, têm seguido a lógica cultural do capitalismo tardio ou pós-modernismo (Jameson, 1996). Em outras palavras, a idéia de que a cultura se tornou uma “verdadeira segunda natureza”, produzida e consumida como um produto igual a qualquer outro (Jameson, 1996, pp.13-14). A psicanálise, a expansão ilimitada do conhecimento humano sobre o mundo material (os novos materiais, a decifração do DNA, clonagem terapêutica, a colisão de partículas subatômicas) e a prodigiosa contração planetária dos últimos trinta anos pela ação dos meios de comunicação e de transporte (compressão espaço-tempo, cf. Harvey, 1992) deram ao mundo no pós-modernismo um rosto mais completamente humano do que jamais visto. Em outras palavras, “resta muito pouco do que possa ser considerado irracional, no sentido mais antigo de incompreensível” (Jameson, 1996, p.275). É nesse mundo-objeto – quase que inteiramente moldado pelas idéias de ideal da burguesia – que nos debatemos para apreender o significado dos próximos passos da formação educacional, cultural e política do homem no pós-modernismo. Muitos intelectuais contemporâneos (como Jean Baudrillard, citado logo em epígrafe) têm sido implacáveis com o abandono a que foi relegado os ideais do humanismo clássico. Entretanto, em sua crítica, Baudrillard (como tantos outros) desconsidera o fato de que a renúncia pós-moderna ao pensamento fundador está inexoravelmente associada a todas as conquistas científicas, tecnológicas e artísticas do sistema capitalista e também de suas variantes históricas e (outrora) oposições mais conhecidas. Como alguém já disse antes, provavelmente, a maior vitória do neoliberalismo foi a de destruir a capacidade de imaginação política na sociedade. Somos capazes de imaginar uma hecatombe ecológica planetária, mas não somos mais capazes de imaginar um mundo que não seja (des)organizado pela lógica do hiperconsumo, dos simulacros, das ilusões, das simulações, enfim, pela lógica do capital.

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Políticas Passivas de Emprego

características, despesas, focalização e impacto sobre a pobreza Luís Henrique Paiva

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O artigo está voltado para o exame das políticas de emprego do Ministério do Trabalho e Emprego, que têm ocupado espaço crescente no orçamento do Governo Federal e nas discussões em torno das políticas sociais no País. A literatura divide as políticas de emprego em “passivas” (cujo melhor exemplo é o seguro-desemprego, voltado para garantir um mínimo de renda nos períodos de desemprego) e “ativas” (como ações de qualificação profissional e intermediação de mão-de-obra, voltadas para reduzir o desemprego e reinserir o trabalhador no mercado de trabalho). Internacionalmente, tem-se colocado ênfase no papel das políticas “ativas” de emprego – que tendem a ter maior impacto nas possibilidades de o trabalhador permanecer ocupado ou retornar à ocupação. Nos últimos anos, o comportamento das despesas das políticas “passivas” no Brasil aponta para um brutal aumento dos gastos nos últimos anos – pressionando o orçamento do Governo Federal e restringindo o espaço orçamentário das políticas “ativas”. O artigo avalia, assim, as características, a evolução das despesas, a focalização e o impacto sobre a pobreza das políticas de emprego, destacando os principais dilemas que sua execução enfrenta nos dias de hoje. This article examines the employment policies that are being executed by the Brazilian Ministry of Labor and Employment. These policies have occupied an increasing share both in the Federal Government’s budget and in the general discussion about social policies. The literature makes a distinction between ‘passive’ and ‘active’ employment policies. Unemployment insurance, intended to guarantee a minimum income during periods of unemployment, is the best example of ‘passive’ policies. Job training and job search support are considered good examples of ‘active’ employment policies. Recently, there is an international emphasis on ‘active’ policies - whose impact on unemployed worker’s capacity to return to the labor market is bigger than the impact of the ‘passive policies’. In the last few years, however, expenses in passive policies in Brazil have undergone a brutal growth - putting pressure on the Federal Government’s budget and constraining expenses in active policies. Thus, this article assesses the main features of Brazilian employment policies, as well as the behavior of their associated expenses and the degree to which they are targeted towards the poorest, emphasizing the crucial dilemmas they have been facing in recent times.

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1. Introdução As políticas sociais têm recebido grande atenção na literatura recente, tanto no País, quanto no exterior, especialmente em função da bem-sucedida expansão dos programas de transferência de renda com condicionalidades – como é o caso do Bolsa Família, no Brasil. Esse debate tem tido o mérito de não ficar circunscrito a um pequeno número de especialistas: ao contrário, tornou-se um debate social sobre a importância dessas políticas, seu impacto e sua oportunidade. Outras políticas sociais, entretanto, continuam a ser acompanhadas fundamentalmente por um público especializado – não obstante o fato de envolverem recursos muitas vezes ainda maiores do que aqueles aplicados nos programas de transferência de renda sem que questões fundamentais (como, por exemplo: qual o volume de recursos envolvidos? Como está sendo a evolução temporal dessas despesas? Que público está sendo atingido? Considerados determinados princípios, trata-se da melhor maneira de aplicar os recursos?) estejam sendo discutidas pela sociedade. Este trabalho está voltado para um conjunto específico de políticas sociais, as chamadas políticas públicas de emprego. Mais especificamente, trata-se de apresentar a evolução recente do desempenho e das despesas das políticas passivas de emprego – em comparação com as chamadas políticas ativas de emprego – e seus principais condicionantes, bem como as características que determinam seu impacto sobre os trabalhadores e seu grau de focalização nos mais pobres. Levando em conta esse objetivo, o trabalho está estruturado nas seguintes seções: • a definição feita pela literatura entre as políticas passivas e ativas de emprego será apresentada na seção 2 deste trabalho; • especial atenção será dada à evolução das despesas com essas políticas entre 1995 e 2007, que tem variado positivamente não apenas em termos reais, mas também como proporção do PIB. Esses gastos, veremos, têm ocupado espaço crescente no orçamento do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE e, dessa maneira,

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criado restrições para outros gastos – e/ou contribuído para o aumento da carga tributária. Esses dados serão rapidamente apresentados na terceira seção; • na quarta seção, a evolução das despesas será examinada, em busca dos seus principais condicionantes; • a quinta seção faz uma análise do orçamento do Ministério do Trabalho e Emprego nos últimos oito anos, comparando os valores atribuídos orçamentariamente às políticas passivas e ativas de emprego do Ministério; • a sexta seção apresenta o grau de focalização das políticas passivas de emprego. Na sétima, o leitor encontrará um exercício comparativo de impacto sobre a pobreza com o abono salarial PIS-PASEP; • finalmente, a última seção apresenta as principais conclusões a que se chega ao longo do trabalho. 2. As políticas passivas e ativas de emprego A literatura divide as políticas públicas de emprego em dois tipos. O primeiro deles é formado pelas políticas passivas, que têm como objetivo assegurar um nível mínimo de renda, especialmente para o caso de desemprego, ou reduzir o excesso de oferta de trabalho. A redução da oferta de trabalho se dá pela antecipação da aposentadoria, redução da jornada ou desincentivos a que certos grupos participem do mercado de trabalho. Mas o instrumento que historicamente foi considerado a mais importante política passiva de emprego foi o seguro-desemprego (Azeredo & Ramos, 1995). No caso brasileiro, dois programas se sobrepõem, em grande medida, na função de assegurar um mínimo de renda para o caso de desemprego. O primeiro deles é o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, criado ainda na década de 60. Trata-se de um fundo, com contas individuais, onde são depositados 8% dos rendimentos do trabalhador. Os recursos acumulados podem ser sacados em determinadas situações, entre elas o desemprego não justificado. O FGTS, dada a natureza extra-orçamentária, não será examinado neste trabalho. O segundo programa, criado na segunda metade da década de 80, é o seguro-desemprego, financiado com recursos do Fundo de Amparo

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ao Trabalhador – FAT (que, por sua vez, é mantido fundamentalmente com as contribuições PIS/PASEP). O benefício varia de um a quase dois salários mínimos (de R$ 380,00 a R$ 710,97), pagos por um período de três a cinco meses. No País, há ainda uma ação de complementação de renda que também pode ser classificada como política passiva, o abono salarial. Trata-se de um benefício no valor de um salário mínimo, em parcela única anual, devido àqueles trabalhadores com vínculo formal, inscritos no PIS (trabalhadores do setor privado) ou no Pasep (do setor público) há pelo menos cinco anos, cujo rendimento médio mensal no ano anterior não foi superior a dois salários mínimos. Por sua vez, as políticas ativas têm como objetivos aumentar a demanda por trabalho (via, por exemplo, criação de empregos públicos, frentes de trabalho, programas de apoio às micro e pequenas empresas e outras ações), reduzir o chamado desemprego friccional (por meio de ações de intermediação de mão-de-obra – IMO), combater o desemprego estrutural (utilizando ações de qualificação profissional) e facilitar a inserção ou reinserção de grupos específicos (como o subsídio ao emprego de jovens ou desempregados de longa duração). No caso do Ministério do Trabalho e Emprego, as políticas ativas de emprego são voltadas para a qualificação profissional (fundamentalmente o Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador – Planfor, entre 1996 e 2002, e o Plano Nacional de Qualificação – PNQ, entre 2003 e 2007); a intermediação de mão-de-obra (ação realizada no âmbito do Sistema Nacional de Emprego – SINE), bem como, mais recentemente, o Programa Nacional do Primeiro Emprego – PNPE e as ações de Economia Solidária. Os sistemas públicos de emprego (SPEs) combinam, via de regra, políticas ativas e passivas de emprego. Embora seja regra que as políticas   Para receber o seguro-desemprego, o trabalhador dispensado sem justa causa tem um período aquisitivo de 16 meses e precisa comprovar vínculo formal nos seis meses anteriores ao do pedido do benefício. A quantidade de parcelas (de 3 a 5) depende do número de meses com vínculo formal nos 36 meses anteriores à solicitação do benefício (tem direito a cinco parcelas quem trabalhou pelo menos 24 meses nos últimos 36; e a quatro, quem trabalhou pelo menos 12 meses nos últimos 36). O valor máximo do benefício atinge R$ 710,97 e o mínimo é o salário mínimo (R$ 380,00).

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passivas consumam mais recursos, nos últimos anos tem se chamado a atenção para a importância do investimento em políticas ativas, na medida em que elas fazem maior diferença na possibilidade de o trabalhador desempregado (ou em risco de desemprego) conseguir uma melhor situação no mercado de trabalho (European Union, 2005; Claire Harasty (ed.), 2004; Elleke Davidse, 2007). Assim, as políticas passivas, necessárias e presentes em todos os SPEs bem estruturados, devem ser articuladas com as políticas ativas, de maneira a potencializar os pesados recursos nelas investidos. Veremos, entretanto, que as despesas crescentes com as políticas passivas aqui examinadas (seguro-desemprego e abono salarial) acabam restringindo o espaço orçamentário para as políticas ativas. 3. Os gastos com as políticas passivas de emprego (1995-2007) Entre 1995 e 2007, os valores emitidos para o pagamento do seguro-desemprego aumentaram, em termos nominais, 347,5% (saltando de R$ 2.903,3 milhões para R$ 12.992,4 milhões). Por sua vez, no mesmo período, as despesas com o pagamento do abono salarial PIS-Pasep aumentaram 1.259,6% (saltando de R$ 388 milhões para R$ 5.276,6 milhões). Em 2007, portanto, as despesas com as políticas passivas de emprego superaram os R$ 18 bilhões. Como o PIB nominal variou, no período, e já de acordo com a nova série das Contas Nacionais, 263,8%, as despesas com o pagamento desses benefícios aumentaram também como proporção do Produto (Gráfico 1).

Apenas para efeito de comparação, as despesas com o programa Bolsa Família atingiram, nesse mesmo ano, aproximadamente R$ 9 bilhões – metade, portanto, do gasto com as políticas passivas de emprego.

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gRÁFiCo 1 - DESpESAS Com pAgAmENto Do SEgURo-DESEmpREgo E Do ABoNo SALARiAL Como pRopoRÇÃo Do piB 0,8% 0,71%

0,7%

0,6% 0,51%

0,5%

0,47% 0,49%

0,4%

0,41% 0,37%

0,3% 0,21%

0,2%

0,1%

0,06% 0,06%

0,0%

1995

1996

1997

1998 Seguro/PIB

1999

2000

2001 Abono/PIB

2002

2003

2004

2005

2006

2007*

Seg+Abn/PIB

* PIB de 2007 projetado a partir do desempenho dos três primeiros trimestres. Fonte: Contas Nacionais/IBGE e Ministério do Trabalho e Emprego – MTE. Elaboração do autor.

As despesas com o seguro-desemprego aumentaram o equivalente a 0,09 ponto percentual do PIB no período e aquelas envolvidas com o pagamento do abono salarial aumentaram 0,15 ponto percentual do PIB. O aumento das despesas com ambas as políticas passivas de emprego chegou a 0,25 ponto percentual do PIB. O aumento das despesas do seguro-desemprego está, fundamentalmente, concentrado na segunda metade do período 1995-2007. Em termos nominais, o aumento entre 1995 e 2001 foi de 67,1%, menor do que o do PIB (84,5%), o que permitiu que as despesas recuassem de 0,41% para 0,37% do PIB. Entre 2001 e 2007, entretanto, o aumento foi de 167,8%, substantivamente maior do que a variação do PIB no período (97,2%). Fenômeno parecido ocorreu com o abono salarial, cujo aumento nominal também se concentra na segunda metade do período 1995-

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2007. A variação das despesas com o pagamento do abono como proporção do PIB, entre 1995 e 2001, foi equivalente a apenas 0,02 ponto percentual do PIB. Entre 2001 e 2007, entretanto, a variação chegou a 0,13 ponto percentual do PIB. Na próxima seção, veremos como se comportaram os determinantes mais importantes das despesas do seguro-desemprego e do abono salarial. 4. Os determinantes do gasto das políticas passivas e sua evolução Os gastos com o pagamento do seguro-desemprego sofrem forte impacto da variação do valor do salário mínimo – impacto maior, por exemplo, do que sofrem os gastos com benefícios previdenciários. Isso ocorre porque o valor máximo do pagamento mensal do seguro-desemprego não chega a dois salários mínimos. O intervalo entre o benefício básico e o de valor mais alto é significativamente menor do que, por exemplo, o encontrado nas políticas previdenciárias: o teto dos benefícios previdenciários encontra-se acima dos sete salários mínimos, de maneira que o impacto do salário mínimo tende a ser menor no caso das políticas previdenciárias do que no caso do segurodesemprego. Assim, as variações no valor do benefício médio seguem muito proximamente as variações do próprio salário mínimo. Já o número de beneficiários depende de alguns fatores, como o número total de trabalhadores registrados do setor privado (trabalhadores com carteira de trabalho assinada – público da política). Ceteris paribus, é essa variação que determina o número de trabalhadores elegíveis. Obviamente, há fatores intervenientes entre o número de trabalhadores registrados e o número de beneficiários, especialmente a taxa de rotatividade e as demissões sem justa causa (condição para recebimento dos benefícios). Ceteris paribus, os efeitos da rotatividade sobre as despesas têm formato de “U” invertido: se a rotatividade for baixa, as despesas tendem a ser pequenas, já que há poucas demissões; na medida em que a rotatividade aumenta, as despesas também tendem   O valor médio da parcela, em número de salários mínimos, variou relativamente pouco, entre 1995 e 2007: em 1995, era de 1,54 e, em 2007, foi de 1,29.

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a aumentar; o contínuo aumento da rotatividade, entretanto, tem um efeito de fazer as despesas voltarem a cair, na medida em que passa a interferir negativamente na condição de os trabalhadores acumularem as condições de elegibilidade ao benefício. Finalmente, deve-se considerar a proporção das demissões sem justa causa em relação ao total de desligamentos do mercado de trabalho formal privado. Ceteris paribus, quanto maior a proporção das demissões sem justa causa em relação ao total de desligamentos, maiores serão as despesas com o seguro-desemprego. Os fatores determinantes do volume de gastos do abono salarial, por seu turno, são mais simples. Como o valor do benefício é de exatamente um salário mínimo, o impacto dos aumentos dados ao mínimo chega “cheio” às despesas do pagamento do abono. Os beneficiários do abono são identificados por meio da Relação Anual de Informações Sociais – RAIS, registro administrativo do MTE que cobre o mercado formal de trabalho (dos setores públicos e privados). Os identificados são aqueles que cumprem as exigências de elegibilidade: inscrição há pelo menos cinco anos no PIS ou no Pasep e renda média, no ano anterior, de até dois salários mínimos por mês. A proporção dos trabalhadores formais com renda de até dois salários mínimos, em relação ao total dos trabalhadores formais, é uma proxy suficientemente precisa da variação dos identificados como público do abono. Destaque-se, aqui, um fator interveniente entre o número de trabalhadores identificados e os gastos com o pagamento do abono, que é dado pela eficiência do MTE como administrador do programa. Essa eficiência é medida pela relação entre os trabalhadores que realmente recebem o benefício e o número de trabalhadores identificados. Ceteris paribus, quanto maior o número de trabalhadores identificados a quem o MTE consegue efetivamente pagar o benefício, maiores os gastos com o pagamento do abono. Como os fatores aqui descritos se comportam e, assim, conseguem explicar as variações das despesas das políticas passivas de emprego do Ministério do Trabalho e Emprego? O Gráfico 2, a seguir, mostra que o principal determinante da evolução das despesas com o seguro-desemprego foi, de fato, o aumento dado ao salário mínimo no período. Entre 1995 e 2006, a variação

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do salário mínimo nominal médio do ano foi de 275,0%, contra uma variação dos gastos nominais totais do seguro-desemprego, no mesmo período, de 267,7%. Por sua vez, o número de beneficiários permaneceu praticamente estável entre 1995 e 2001 (aumento de apenas 0,4%) e teve uma variação muito pequena até 2004 (aumento de 5,7% em relação a 1995). A partir de 2004, entretanto, o número de beneficiários passa a aumentar em um ritmo mais veloz: em 2007, os beneficiários eram em número 35,9% maior que o de 1995. Pode-se considerar, assim, que o número de beneficiários teve algum impacto sobre o nível geral das despesas apenas nos últimos anos da série. gRÁFiCo 2 - SEgURo-DESEmpREgo: NúmERo DE SEgURADoS E VALoRES EmitiDoS (NomiNAiS) VERSUS VARiAÇÃo Do SALÁRio míNimo NomiNAL méDio (1995 = 100) 500,0 450,0 400,0

1. Aumento das despesas é compatível com as variações do SM no período.

447,5

2. Variação no número de beneficiários só é significativa nos últimos anos da série, com impacto nas despesas.

413,9 375,0

350,0

367,7

300,0

281,5

250,0 216,7

247,6

200,0 198,1

163,6 140,7

150,0

140,9

100,0 100,0

89,4

128,1

135,9

105,7

100,4

50,0 0,0

1995

1996

1997

1998

1999

2000

Segurados

2001

2002

SD - valores

2003

2004

2005

2006

2007

SM Nominal

Fonte: MTE. Elaboração do autor.

Registre-se que a variação do número de beneficiários nos últimos anos da série é compatível com a variação do número de trabalhadores registrados do setor privado (trabalhadores com carteira). Entre 2003 e 2007, o número de beneficiários aumentou 26,3%, enquanto o número de trabalhadores formais subiu 24,4% (Gráfico 3).

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Entre 1996 e 2007, a rotatividade teve um aumento não-linear de 14,7%, mas a maior rotatividade do período ocorreu no ano de 2001, e não em 2007. Por sua vez, a participação das demissões sem justa causa no total de desligamentos ao longo do período aumentou 4,6% entre 1996 e 2007, passando de 73,8% para 77,1%. Entretanto, nos últimos anos, houve, na verdade, uma queda desse indicador, que atingiu seu maior valor no ano de 2003 (81,3%). Assim, as variações na rotatividade e na participação das demissões sem justa causa no total de desligamentos não parecem ter tido efeito maior sobre a variação do número de beneficiários. Em resumo, pode-se dizer que a variação dos gastos com o pagamento do seguro-desemprego ao longo dos últimos 13 anos é fundamentalmente compatível com a variação no valor do salário mínimo e com o aumento do número de trabalhadores registrados do setor privado. gRÁFiCo 3 - SEgURo-DESEmpREgo: NúmERo DE BENEFiCiÁRioS VERSUS tRABALHADoRES Com CARtEiRA (pNAD) (2003 = 100) 130 126,3

A variação no número de beneficiários do SD nos últimos anos da série é compatível com a variação do número de trabalhadores com carteira de trabalho assinada. 119,1

120

124,4*

117,6 112,2

110 109,8

106,6

100

100,0

98,2

90

80

2003

*Pnad 2006 + Caged 2007.

2004

2005 Segurados

2006

2007

Trab. CC

Fonte: MTE; Pnad/IBGE; Caged/MTE. Elaboração do autor.

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Para a explicação da forte variação das despesas com o abono salarial PIS-Pasep, os três fatores determinantes contribuem de maneira decisiva: a variação do salário mínimo, a variação do número de trabalhadores identificados e o aumento de eficiência do MTE. Como vimos, entre 1995 e 2007, o valor médio anual do salário mínimo nominal aumentou 313,9%. O número de trabalhadores beneficiários subiu 170,0%, em parte pelo aumento no número de trabalhadores identificados (97,1%) e em parte pelo aumento de eficiência do MTE, que em 1995 pagava o benefício para 70,4% dos trabalhadores identificados e, em 2007, pagou a 96,4% dos identificados. O aumento do número de trabalhadores identificados, por sua vez, decorre do aumento da participação, no total dos trabalhadores do mercado de trabalho formal, daqueles com renda mensal de até dois salários mínimos entre 1995 e 2006. Segundo a RAIS, essa participação subiu de 28,6% em 1995 para 54,7% em 2006. Esse fenômeno tem relação com os aumentos no valor real do salário mínimo no período (que concorreram para concentrar um maior número de trabalhadores próximos ao piso salarial), bem como com a dinâmica do processo de formalização recentemente observado no mercado de trabalho brasileiro, que tem beneficiado trabalhadores com menores níveis de rendimento (cf. Gráfico 4).

A evolução do percentual de trabalhadores formais com renda de até dois salários mínimos na RAIS/MTE é compatível com a encontrada na Pnad/IBGE. Em 2001, a RAIS apontava que 38,0% dos trabalhadores formais tinham renda de até dois salários mínimos, contra 54,7% em 2006 (variação de 16,7 pontos percentuais). Os dados da Pnad 2001 eram de que 42,7% dos trabalhadores recebiam até dois salários mínimos, contra 58,8% em 2006 (variação de 16,1 pontos percentuais). Nada parece indicar, portanto, para a possibilidade de que os números da RAIS estejam superestimando o público com esse nível de renda e, assim, inflando o número de beneficiários do abono salarial.

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gRÁFiCo 4 – VARiAÇÃo DAS DESpESAS Com o ABoNo SALARiAL VERSUS VARiAÇÃo Do SALÁRio míNimo (NomiNAL) (1995 = 100) 1600 1. Aumento no valor do salário mínimo.

1.359,6

1400 2. Aumento do trabalho com renda declarada na RAIS de até 2SM (de 28,6% do total de vínculos para 54,7%).

1200

3. Aumento de eficiência: em 1995, o MTE pagava 70,4% dos trabalhadores identificados na RAIS; em 2007, pagou 96,4%.

1000

800

600 413,9

400 270,0

200

100,0

197,1 98,8

0

1995

1996

1997

1998

Beneficiários

1999

2000

2001

Abono valores

2002

2003

SM Nominal

2004

2005

2006

2007

Identificados

Fonte: MTE. Elaboração do autor.

5. ANÁLiSE oRÇAmENtÁRiA Como o forte aumento dos gastos com as políticas passivas de emprego tem pressionado o orçamento do MTE – especialmente o orçamento das políticas ativas de emprego? Em outras palavras, que espaço orçamentário tem sobrado para as políticas ativas de emprego, dado o aumento das despesas com as políticas passivas? A resposta a essa pergunta é o objetivo desta seção. Como as despesas com as políticas passivas aumentaram seu ritmo de crescimento a partir do início dos anos 2000, a análise orçamentária compreenderá o período 2000-2007 (considerando a Lei Orçamentária Anual – LOA de cada ano). Nesse período, a variação nominal do orçamento do MTE foi de +175,2% (aumento real de 109,9%, deflacionando-se pelo IPCA, ou 107,2%, valendo-se do INPC), passando de R$ 7,2 bilhões para R$ 19,9 bilhões.

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Esse aumento foi acompanhado pelo ritmo de crescimento do espaço orçamentário destinado ao conjunto das políticas públicas de emprego (passivas e ativas), cuja previsão orçamentária variou, entre as LOAs de 2000 e de 2007, +184,7% em termos nominais e 119,3% em termos reais, deflacionando-se pelo IPCA. O aumento dos recursos para as políticas de emprego e renda, entretanto, encobre forte disparidade na distribuição dos valores. Assim, no período considerado, os valores reservados para o pagamento do seguro-desemprego aumentaram, em termos nominais, 167,7%, e os do abono salarial, também em termos nominais, 438,7%, com variação na soma dos gastos das duas políticas de 205,2%. Na LOA 2007, estavam previstos gastos superiores a R$ 15,7 bilhões com abono e seguro (R$ 11,9 bilhões para o seguro e R$ 3,8 bilhões para o abono). Note o leitor que os recursos orçamentários previstos para o pagamento do seguro-desemprego e do abono salarial em 2007 foram insuficientes para as despesas dessas duas políticas (que superaram R$ 18 bilhões). Por sua vez, também considerando o previsto nas LOAs dos anos entre 2000 e 2007, os valores orçados para a intermediação de mãode-obra variaram, em termos nominais, apenas 21,0% e os voltados para a qualificação profissional apresentaram variação negativa de 72,8%. Mesmo com a criação do Programa Primeiro Emprego e com as ações executadas pela Secretaria de Economia Solidária, o valor total destinado às políticas ativas em 2007 (intermediação, qualificação profissional, Primeiro Emprego e economia solidária) apresentou, em termos nominais, uma variação de –25,2% em relação ao orçado para intermediação e qualificação em 2000. A LOA 2007 previu recursos da ordem de R$ 375,8 milhões para as políticas ativas de emprego (R$ 97,3 milhões para IMO; R$ 114,7 milhões para qualificação; R$ 129,8 milhões para o Primeiro Emprego; R$ 34,0 milhões para Economia Solidária). Essas variações são apresentadas no Gráfico 5, a seguir. Embora tenha havido um pequeno aporte adicional de recursos entre 2000 e 2001, a trajetória de aplicação de recursos das políticas ativas foi de forte queda no período.   A variação real da previsão orçamentária para o pagamento do seguro-desemprego, com valores deflacionados pelo IPCA, foi de 102,5%; para o pagamento do abono, de 371,7%; para ambas as políticas passivas, de 139,7%.

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Gráfico 5 – Orçamento nominal do MTE – orçamento total, políticas passivas e políticas ativas. (2000 = 100) 350 305

300 272

250

200

150

100

100 75

50

0

2000

2001

2002 Orçamento total

2003

2004 Políticas passivas

2005

2006

2007

Políticas ativas

Fonte: LOAS 2000-2007. Elaboração do autor.

A trajetória ascendente do orçamento total do MTE e do orçamento das políticas passivas mostra claramente o peso dessas políticas no orçamento do órgão. Com efeito, se retirarmos do orçamento total do MTE na LOA 2007 (R$ 35,3 bilhões) a Reserva de Contingência (R$ 6,9 bilhões) e os valores transferidos automaticamente ao BNDES para programas de desenvolvimento econômico (R$ 8,5 bilhões), as políticas passivas aqui consideradas formam mais de 79,1% dos recursos do orçamento do MTE. Essa participação foi relativamente estável ao longo do período 2000-2006, mas cresceu cerca de oito pontos percentuais no último ano. Ao contrário, a participação das políticas ativas de emprego no orçamento do MTE (também retirados os valores da Reserva de Contingência e as transferências ao BNDES), que chegou, em 2001, a 7,6%, teve trajetória cadente a partir de então, chegando em 2007 a 1,9% do orçamento do órgão (cf. Gráfico 6), menor valor da série.

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gRÁFiCo 6 – pARtiCipAÇÃo DAS poLítiCAS AtiVAS (iNtERmEDiAÇÃo, QUALiFiCAÇÃo, pRimEiRo EmpREgo E ECoNomiA SoLiDÁRiA) No oRÇAmENto Do mtE (2000-2007) 10%

8%

7,6% 7,0%

6%

4,5%

4% 2,7%

2,7% 2,4% 2,0%

2%

0%

2000

2002

2002

2003

2004

2005

2006

1,9%

2007

Fonte: LOAS 2000-2007. Elaboração do autor.

Pode-se concluir, portanto, que o aumento das despesas com as políticas passivas de emprego, analisado anteriormente nas seções 3 e 4, tem (1) pressionado o orçamento do MTE, que tem crescido fortemente em termos reais, e (2) criado restrições para o orçamento voltado para as políticas ativas, justamente aquelas que têm condição de fazer maior diferença na capacidade de o trabalhador desempregado (ou em risco de desemprego) melhorar sua condição no mercado de trabalho e que, exatamente por isso, têm recebido ênfase nos SPEs mais desenvolvidos no mundo. Destaque-se, a esse respeito, que a relação entre os valores destinados para políticas passivas e para políticas ativas no orçamento do MTE (que é crescente) não encontra paralelo com os dispêndios com esses dois tipos de políticas de emprego no mundo desenvolvido. Na LOA 2007, a relação orçamento das políticas passivas / orçamento das políticas ativas atingiu o maior valor de toda a série orçamentária aqui examinada (41,9, isto é, o orçamento das políticas passivas é quase

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42 vezes maior que o destinado para as políticas ativas de emprego). Nos EUA, essa relação é de 2,3; no Canadá, 2,1; no Japão, 1,4; na Noruega, 1,0; no Reino Unido, 0,7 (OECD, 2005). Não por acaso, o desempenho da ação de intermediação de mãode-obra, crescente entre 1992 e 2002, estacionou ao redor dos 900 mil trabalhadores inseridos e reinseridos no mercado de trabalho. Por sua vez, o alcance das ações de qualificação profissional a cargo do MTE foi dramaticamente reduzido (ainda que tenhamos experimentado, ao longo dos últimos anos, um aumento da carga horária média dos cursos – cf. Gráfico 7). Gráfico 7 – Trabalhadores Qualificados (em milhões - escala da esquerda) e carga horária média da qualificação (horas - aula escala da direita). Planfor (1996-2002) E PNQ (2003-2007) / MTE 5,0

250

4,5

225 195

4,0 3,4

3,5

3,6

177

200

184

175

3,0

150

2,5

125 103 94

2,0

1,8

2,0

111

100

1,5 1,0

75 1,2

57

61

50

0,5

25 0,14

0,0

200

1996

1997

1998

1999

2000 treinados

2001

2002

2003

0,15

0,1

0,1

0,1

2004

2005

2006

2007

0

carga horária

Fonte: MTE. Elaboração do autor.

Temos no país, dessa maneira, situação oposta à que seria desejável: forte ênfase nas políticas passivas de emprego (com participação de quase 80% no orçamento do Ministério do Trabalho e Emprego); participação pequena e cadente das políticas ativas nesse orçamento

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(ficando abaixo de 2% no orçamento de 2007). Some-se a isso a desarticulação entre políticas ativas e passivas, natural em um SPE incipiente – mas dificilmente reversível com o quadro orçamentário atual. 6. A focalização das políticas passivas de emprego O quadro descrito é agravado por um fator adicional. As políticas passivas aqui consideradas – seguro-desemprego e abono salarial – são, graças ao seu desenho, voltadas apenas aos trabalhadores do mercado formal de trabalho. Com isso, elas acabam se filiando a um conjunto de políticas sociais que possuem um nível de focalização nas camadas mais pobres da população bastante pequeno. Por isso, apesar de constarem entre as mais dispendiosas políticas sociais do Governo Federal (com gastos, em 2007, superiores a R$ 18 bilhões), elas acabam atingindo uma camada “não pobre” da sociedade brasileira – e não aqueles mais necessitados (cf. Barros et alii, 2001; Passos et alii, 2002). Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Pnad/ IBGE 2006 permitem que se visualize com clareza a relativa falta de focalização das políticas passivas aqui tratadas, cf. Gráficos 8 e 9, a seguir. Esses gráficos permitem verificar que, como regra, os benefícios do abono salarial e do seguro-desemprego atingem, preferencialmente, um grupo não-pobre da população: seus beneficiários se encontram, em comparação com o total da população, concentrados entre o 4º e o 8º décimo da renda familiar per capita.

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gRÁFiCo 8 - púBLiCo Do SEgURo-DESEmpREgo, SEgUNDo DéCimoS DA RENDA FAmiLiAR PER CAPITA 14

% da população ou do público do programa

12

10

8

6

4

2

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

Décimos da renda familiar per capita População

Seguro

Fonte: microdados da Pnad/IBGE, 2006. Elaboração do autor.

gRÁFiCo 9 - púBLiCo Do ABoNo SALARiAL, SEgUNDo DéCimoS DA RENDA PER CAPITA 18

% da população ou do público do programa

16 14 12 10 8 6 4 2 0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

Décimos da renda familiar per capita População

Abono 2SM

Fonte: microdados da Pnad/IBGE, 2006. Elaboração do autor.

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Muito embora as despesas com o seguro-desemprego sejam maiores que as despesas com o abono salarial, é a situação desse último programa que parece ser mais crítica em função dos dados apresentados. Primeiramente, pelo fato de que os primeiros décimos de renda são especialmente sub-representados. A chance de encontrar um cidadão que esteja no primeiro décimo de renda, entre os beneficiários do abono salarial, é 7,7 vezes menor que a chance de encontrá-lo no conjunto da população brasileira. A chance de encontrar um cidadão do segundo décimo de renda entre os beneficiários do abono é 1,5 vez menor que a de encontrá-lo no total da população. Segundo, o abono, ao contrário do seguro, não é um programa direcionado àqueles que sofreram um risco social. Os beneficiários do seguro-desemprego ficaram desempregados – o que significa que, ao menos temporariamente, eles perderam a capacidade de gerar renda. Assim, mesmo que se trate de pessoas situadas nos décimos superiores da distribuição de renda brasileira, houve um evento específico, de ruptura do vínculo empregatício, que levou à perda de renda e ao recebimento do benefício. É exatamente esse o mecanismo das políticas previdenciárias – e sua justificativa. Isso não ocorre com os beneficiários do abono salarial: eles recebem o valor do benefício a título de complementação de renda. Trata-se, portanto, de algo relativamente paradoxal: um programa de complementação de renda voltado para não pobres, ao custo de R$ 5 bilhões/ano. Por outro lado, há evidências sólidas, elaboradas a partir de dados administrativos do próprio MTE, de que as políticas ativas de emprego são muito bem focalizadas: em 2000, 65,7% dos intermediados e 50,5% dos qualificados (Planfor) estavam entre os três primeiros décimos de renda da PEA (Passos et alii, 2002). Em outras palavras, além do caráter ativo dessas políticas (que as tornaria preferíveis em relação às políticas passivas), elas também atingem os trabalhadores mais necessitados de políticas sociais.

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7. Impactos sobre a pobreza e a miséria – o caso do abono salarial Graças à má focalização, é de se esperar que o impacto do abono salarial na diminuição da pobreza e da miséria seja baixo, quando comparado com políticas mais bem focalizadas. Essa é a conclusão a que chega o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, que vê no abono um exemplo de programa social não projetado para maximizar o impacto na redução da pobreza (Inter-American Development Bank, 2004). Para avaliar comparativamente o impacto do abono salarial na diminuição da pobreza e da miséria, foram realizados dois exercícios, que buscam mensurar o impacto do abono e o impacto dos programas de transferência de renda com condicionalidades – ou programas do tipo “bolsa” (que, no âmbito do Governo Federal, foram unificadas, no início de 2004, no Programa Bolsa Família). Esses exercícios utilizaram os dados da Pnad/IBGE 2004 (que foi a campo com um complemento sobre educação e programas sociais) e consistiram na adição de um valor arbitrário (R$ 20 por mês, valor aproximado do benefício do abono salarial em 2004 (R$ 260) dividido pelo número de meses) nas famílias beneficiárias (1) do abono salarial e (2) do programas do tipo “bolsa”. O exercício, portanto, pretende mensurar o impacto que teria na pobreza e na miséria a distribuição adicional de um valor arbitrário (R$ 20/mês) aos beneficiários dos dois tipos de programa. Para o abono, foram considerados beneficiários os trabalhadores com carteira de trabalho assinada ou servidores públicos, com renda de até dois salários mínimos. Como não se tem a informação dos que estão inscritos no PIS/Pasep por um período mínimo de cinco anos, optou-se por considerar os trabalhadores com pelo menos seis anos de experiência no mercado de trabalho. Com essa característica, foram selecionados 12,9 milhões de trabalhadores que passariam a receber o abono salarial, com um custo anual (considerado o valor anual dos R$ 20/mês, isto é R$ 240) de R$ 3,1 bilhões. O exercício de acrescentar R$ 20 ao rendimento mensal desses trabalhadores fez com que, entre eles e seus familiares, cerca de 757,9 mil pessoas ultrapassassem a linha da pobreza e outras 238,9 mil deixassem a miséria. Para as “bolsas”, foram considerados os beneficiários que responderam afirmativamente às variáveis da Pnad 2004 voltadas para detec-

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tar beneficiários de programas de transferência de renda. O exercício consistiu em repassar os mesmos R$ 20 para esse público e verificar quais seriam os impactos na pobreza e miséria. Neste exercício, cerca de 5,9 milhões de famílias seriam beneficiadas, a um custo anual de R$ 1,4 bilhão. Muito embora o número de beneficiários e o custo fossem substantivamente menores (53,8% menos do que o estimado no exercício anterior, com os beneficiários do abono salarial), os resultados em termos de impacto na pobreza e na miséria seriam surpreendentes: aproximadamente 502,6 mil pessoas deixariam a linha da pobreza (número apenas 33,7% inferior ao resultado do abono), e 780,4 mil deixariam a linha da miséria (226,7% superior ao resultado do abono). Em outras palavras, no exercício aqui realizado, com apenas 46,2% dos recursos aplicados no público do abono, teríamos, com a focalização existente em 2004 nos programas do tipo “bolsa”, um impacto na redução da miséria substantivamente superior e um impacto na redução da pobreza apenas pouco inferior. Os resultados desses exercícios são apresentados nas Tabelas 1 e 2, a seguir. Tabela 1 - Exercício: Redução no número de pobres e miseráveis pela aplicação de R$ 20/mês (adicionais) para beneficiários do abono e dos programas tipo “bolsa” (2004) Impacto

Abono

“Bolsas”

“Bolsas”/Abono

Na pobreza

757.973

502.619

-33,7%

Na miséria

238.912

780.416

226,7%

Fonte: elaboração do autor sobre os microdados da Pnad 2004.

Tabela 2 – Exercícios: Custo anual Custo

Nº de beneficiários

Custo ind./ano (R$)

Custo total (R$)

Abono*

12.921.968

240

3.101.272.320

Bolsa

5.972.457

240

1.433.389.680

Fonte: elaboração do autor sobre os microdados da Pnad 2004. * No caso do abono, a estimativa feita com base nos dados da Pnad superdimensiona o número de beneficiários em relação aos números reais. No calendário que vai de julho de 2003 a junho de 2004, foram, de fato, identificados 8,3 milhões de beneficiários e pagos 7,8 milhões de benefícios.

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O quadro do abono salarial poderia ser modificado a partir de alteração nas suas regras de concessão. Trata-se de matéria politicamente difícil, na medida em que exige aprovação de Emenda Constitucional e, portanto, apresenta custo político significativo (Almeida et alii, 2006). Tecnicamente, entretanto, teríamos, a partir de determinada alteração, tanto uma melhora da focalização do programa na população mais pobre, quanto uma redução na escalada dos custos do programa. A alteração que poderia produzir tais efeitos seria a redução do valor máximo de rendimento a partir do qual o trabalhador se torna elegível ao programa. Ele, ainda assim, não apresentaria a mesma focalização nas camadas mais pobres que é encontrada em programas como o Bolsa Família, mas haveria uma mudança sensível no perfil do programa. O Gráfico 10 apresenta essa mudança no perfil do programa caso a renda mensal média máxima no ano anterior caia de dois salários mínimos para um salário mínimo. Haveria, nesse caso, um claro deslocamento do público do abono salarial na direção dos primeiros décimos de renda. gRÁFiCo 10 - púBLiCo Do ABoNo SALARiAL (AtUAL E HipotétiCo), SEgUNDo DéCimoS DA RENDA pER CApitA 18

% da população ou do público do programa

16 14 12 10 8 6 4 2 0 1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

Décimos da renda familiar per capita População

Abono 2 SM

Abono 1 SM

Fonte: microdados da Pnad/IBGE, 2006. Elaboração do autor.

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Com a redução da renda máxima admitida como critério de elegibilidade, os membros do primeiro décimo do rendimento per capita ainda continuariam sub-representados no público do programa (mais uma vez em função do fato de os 10% mais pobres terem baixa participação no mercado formal de trabalho, para os quais o abono se volta), mas o percentual dos beneficiários do abono entre os 40% mais pobres aumentaria de 28,8% para 47,3%. O abono salarial estaria cobrindo mais extensamente um público localizado entre o 2º e 6º décimos da renda per capita – hoje, como vimos, sobre-representa um público que vai do 4º ao 8º décimo. Estimativas realizadas por Paiva (2006) para o ano de 2004 indicavam a possibilidade de redução em até 75% das despesas com o abono caso o critério de elegibilidade passasse a ser rendimento médio de até um salário mínimo – o que indica que as despesas de 2007 (R$ 5,3 bilhões) poderiam ser reduzidas para R$ 1,3 bilhão. 8. Conclusões A literatura divide as políticas de emprego entre passivas (cujos principais objetivos são garantir um mínimo de renda em caso de desemprego e reduzir a oferta de trabalho em situações específicas) e ativas (cujas finalidades, via de regra, são aumentar a demanda por trabalho, reduzir o desemprego friccional e o estrutural e facilitar a inserção de grupos específicos no mercado de trabalho). As recomendações mais recentes que provêm de países com Sistemas Públicos de Emprego (SPEs) mais desenvolvidos vão na direção de aumentar os gastos com políticas ativas e restringir os gastos com políticas passivas. No Brasil, temos assistido a uma escalada nas despesas com políticas passivas de emprego (seguro-desemprego e abono salarial PIS-Pasep). Elas têm variado (entre 1995 e 2007) não apenas em termos nominais e reais, mas também como proporção do PIB. O principal determinante do comportamento das despesas do seguro-desemprego foi o aumento do valor do salário mínimo e, nos últimos anos da série, o aumento do emprego formal. No caso do abono salarial, o aumento do salário mínimo, o crescimento da proporção dos trabalhadores com renda de até dois salários mínimos no emprego formal e a melhoria da

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eficiência do MTE em pagar o abono para os trabalhadores identificados são os determinantes do aumento das despesas. A escalada das despesas com as políticas passivas de emprego tem pressionado o orçamento do MTE (cujos valores orçados também têm variado positivamente como proporção do PIB) e criado restrições para o orçamento destinado às políticas ativas de emprego. O seguro-desemprego e o abono salarial, além disso, têm desenho que os impede de chegar às camadas mais pobres da população. Enquanto essa característica é relativamente aceitável no caso do seguro-desemprego (já que não existe SPE relativamente bem desenvolvido que não conte com um programa de seguro-desemprego e esse programa precisa, necessariamente, ser voltado ao mercado formal de trabalho), adquire ar paradoxal no caso do abono salarial (que se configura um programa de complementação de renda voltado para não-pobres). Isso faz com que o abono salarial tenha capacidade de atingir a miséria e a pobreza com eficiência muito menor do que os conhecidos programas de transferência de renda com condicionalidades, unificados no Programa Bolsa Família. A mudança de desenho do abono salarial (restringindo seu público àqueles que ganham até um salário mínimo de renda média mensal no ano anterior ao pagamento) aumentaria o grau de focalização do programa nos mais pobres e reverteria a escalada das suas despesas.

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Referências ALMEIDA, Mansueto; GIAMBIAGI, Fabio; PESSOA, Samuel. Expansão e dilemas no controle do gasto público federal. Boletim de Conjuntura, Brasília, DF, n. 73, p. 89-98, jun. 2006. AZEREDO, Beatriz; RAMOS, Carlos Alberto. Políticas públicas de emprego: experiências e desafios. Planejamento e Políticas Públicas, Brasília, DF, n. 12, jun./dez. 1995. BARROS, Ricardo Paes de; CORSEUIL, Carlos Henrique; FOGUEL, Miguel Nathan. Os incentivos adversos e a focalização dos programas de proteção ao trabalhador no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, 2001. (Texto para discussão, n. 784). DAVIDSE, Elleke. The new Work and Social Assistance (WWB) – system change and initial results: discussion paper of the Mutual Learning Programme of the European Employment Strategy. The Hague. 2007. Disponível em: <http://www.mutual-learning-employment.net/stories/storyReader$211>. EUROPEAN Union Council Decision of 12 July 2005 on guidelines for the employment policies of the member states. Official Journal of the European Union, Brussels, v. 48, 6 Aug. 2005. HARASTY, Claire (Ed.). Successful employment and labour market policies in Europe and Asia and The Pacific. Geneva: ILO, 2004. (Employment strategy papers, 4). Inter-American Development Bank. Office of Evaluation and Oversight. Country Program Evaluation (CPE) – Brazil (1993-2003). Washington, D.C., 2004. OECD Employment Outlook 2005: Statistical Annex. Washington, D.C.: OECD, 2005. PAIVA, Luis Henrique. A qualidade do gasto público e a avaliação das políticas sociais: o financiamento orçamentário das políticas do Ministério do Trabalho e Emprego no período recente (2000-2006). Revista do Serviço Público, Brasília, DF, v. 57, n. 3, jul./set. 2006. PASSOS, Alessandro Ferreira dos; NEVES, Leonardo; PAIVA, Luis Henrique. A focalização das políticas de emprego e renda. Teoria & Sociedade, Belo Horizonte, n. 9, 2002.

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Previdência no Brasil debates e desafios Paulo Tafner

Esse artigo sintetiza um conjunto de pesquisas realizadas pelo autor e é resultado de apresentação feita em dezembro de 2007 no Ipea/BSB, sobre o tema “Desafios da Previdência Social brasileira”, no âmbito do seminário de Previdência realizado pelo Ipea e pela Embaixada da Inglaterra. Contou com a colaboração de Carolina Botelho, que além de lê-lo e fazer inúmeras sugestões de aprimoramento, fez cuidadoso e paciente trabalho de revisão. Márcia Marques Carvalho ajudou de forma decisiva na concepção de certos argumentos, sendo quase uma co-autora. Devo a elas meus sinceros agradecimentos. Os erros e omissões existentes permanecem de responsabilidade do autor.

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O presente artigo discute diversos aspectos da previdência social brasileira, destacando aqueles que, segundo nosso entendimento, produzem elevado gasto, iniqüidades e injustiças sociais. Na seção inicial apresenta os principais números de nossa previdência social, destacando-se o público contribuinte, o total de atendidos pelo sistema e o volume de gastos. Na segunda seção, são apresentados os debates mais visitados pela literatura em que se destacam o risco demográfico, as regras de acesso, de fixação do valor do benefício e de sua correção e o risco decorrente de comportamento social. Na seção seguinte são discutidos dois polêmicos aspectos da previdência social: a rigidez decorrente da constitucionalização do direito previdenciário e os efeitos da previdência social sobre a pobreza e a desigualdade. Na quarta seção, são apresentados dois desafios básicos da previdência social, destacando-se a necessidade de incorporação dos jovens através de incentivos específicos e de ampliação da base contributiva através da redução do custo do fator trabalho. A seção final apresenta as principais conclusões. The present paper discusses several aspects of Brazilian Social Security (SS), particularly those which, according our understanding, produce high expense, iniquities and social injustices. In the initial section it presents the most important numbers of our SS, standing out contributors, the total of beneficiaries and the global volume of expenses. In the second section the debates more visited by the literature are presented, including demographic risk, the rules of benefit access, and those related to value fixation of the benefit and its correction, and the risk due to social behavior. In the following section two controversial aspects of SS are discussed: the rigidity due to the “Constitucionalization” of the Social Security’s rights and the effects of SS on the poverty and the inequality. In the fourth section two basic challenges of SS are presented, standing out the need of the youths’ incorporation through specific incentives and of the enlargement of the contributive base through the reduction of the cost of the factor work. The final section presents the main conclusions.

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Introdução Neste artigo, procuro fugir do padrão acadêmico da discussão sobre previdência. Pareceu-me mais conveniente abordar de forma simples e direta as principais questões e desafios sobre o tema. O primeiro passo foi separar o que considero verdadeiras questões sobre previdência daquilo que, na falta de melhor vernáculo, denomino “falso debate”. Procurei restringir-me a fornecer ao leitor os elementos fundamentais para que conheça o tema e possa formar seu juízo e opinião. Com o mesmo intuito, limitei ao mínimo necessário as referências bibliográficas, visando tornar a leitura mais aprazível. Em relação à parte empírica, optei por utilizar, na maior parte das vezes, apenas os dados mais recentes disponíveis, deixando muitas vezes de lado as séries históricas. Apesar disso, sempre que a série histórica fosse necessária para esclarecer o debate, ou sempre que os dados mais recentes revelassem tendência destoante da série, rendi-me à tradição e utilizei-a. Ainda nessa mesma linha, optei por utilizar em abundância a linguagem gráfica. Ela é agradável, de fácil compreensão e, em geral, de simples memorização. Isso não significa, no entanto, que inexistam tabelas, quadros e números. Como forma adicional de facilitar a leitura, procurei estruturá-lo num modelo do tipo “perguntas e respostas”. Esta opção exigiu duas difíceis tarefas: i) selecionar as principais e mais importantes perguntas sobre o tema; e ii) respondê-las de forma exaustiva, preservados, porém, os princípios de parcimônia e simplicidade. Pareceu-me, ao final, que fui mais bem-sucedido no segundo princípio. Isso se deve, em boa medida, ao fato de que qualquer pergunta sobre previdência enseja uma gama não trivial de aspectos. Expô-los exige cuidado e isso, por vezes, contraria o princípio da parcimônia. O texto está estruturado em cinco seções. Na primeira delas, apresento um resumo sintético dos “números de nossa previdência” e faço algumas comparações internacionais. Na segunda seção, abordo diretamente os pontos mais polêmicos da questão de previdência no Brasil. Procuro apresentar os principais argumentos do debate, mas deixo claro, em cada questão, a minha posição sobre o tema. Na terceira seção, apresento o que denomino “debates mais polêmicos” sobre previdência. Na quarta seção, indico o que,

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a meu juízo, são os grandes desafios da previdência brasileira. A seção final traz algumas conclusões. Antes de encerrar essa seção introdutória, cumpre-me alertar o leitor que minha posição sobre o tema tem dois pilares básicos. O primeiro deles é que, doutrinariamente, estou convencido de que um sistema de seguro social deve ser majoritariamente – porém, não exclusivamente – estruturado sob operação da esfera privada, cabendo ao Estado somente as ações de garantia de renda mínima e de um pilar básico de previdência social (com teto bastante reduzido) sob regime de repartição simples. E isso, por duas razões: a) mudanças em condições estruturais que impõem desequilíbrios ao sistema não causam impactos sobre as contas públicas e, portanto, não exigem nem aumento da carga tributária – com deletérios impactos sobre o nível de poupança agregada e sobre o potencial de crescimento da economia (alguns estudos têm mostrado que 1% de aumento da carga tributária reduz em 0,23% o crescimento anual do PIB) – nem redução da capacidade pública de investimento em infra-estrutura, o que redundaria em redução do potencial de crescimento do país; e b) porque estando sob a esfera pública, está inexoravelmente subordinado a pressões de cunho distributivista – de fácil trânsito político e ampla aceitação social – o que exige aumentos contínuos do gasto previdenciário, com conseqüente aumento da carga e redução da capacidade de crescimento. Esse não deve ser o papel da previdência, o que não significa ausência de programas de transferência de renda – absolutamente necessários em um país como o Brasil, com elevado nível e persistente desigualdade de renda e de oportunidades. Mas esses devem ser programas explícitos e suportados por toda a sociedade. O segundo é que as regras de um seguro social devem ser o mais neutras possível em termos de mercado de trabalho e de alocação de ativos por parte de indivíduos e famílias. Regras previdenciárias que imponham alterações de custo de mão-de-obra para certos grupos de indivíduos, ou que distorçam fortemente a propensão a poupar das famílias, implicam segmentação no mercado de trabalho, no primeiro caso, e ineficiências alocativas, no segundo. No primeiro caso, os efeitos podem ser perniciosos para certos grupos sociais, por exemplo, para os jovens, pois passam a enfrentar maiores dificuldades de entrada no mercado de trabalho formal, com

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predominância da informalidade e/ou salários particularmente mais baixos, quando conseguem entrar. No segundo, significa que o esforço de poupança das famílias se reduz e isso produz impacto negativo na formação de poupança bruta do país, com efeitos deletérios no ritmo de crescimento do investimento e do produto. Feitas essas advertências iniciais, passo ao substantivo. 1. Como está nossa previdência (números)? A previdência do Brasil possui quatro regimes que funcionam sob diferentes modelos de financiamento: o regime geral de previdência social – denominado RGPS –, os regimes próprios de previdência dos servidores públicos (RPPS) e dois regimes de previdência complementar: a fechada, composta por fundos que são estruturados e suportados por empresas, predominantemente estatais e, geralmente, restritos ao conjunto de seus trabalhadores ; e a aberta, operada pelo sistema financeiro e franqueada a qualquer indivíduo. Os dois primeiros funcionam em regime de repartição simples . A previdência complementar opera em regime de capitalização. O RGPS é compulsório e abrange trabalhadores empregados do setor privado, autônomos, domésticos, rurais e os segurados facultativos. É administrado pelo INSS. Conceitualmente, é um seguro social estruturado para atender toda a PEA, com exceção dos servidores públicos que dispõem de regimes próprios. Os RPPS abrangem o funcionalismo público nos níveis federal, estadual e municipal. É administrado pelos respectivos governos e sua adesão é obrigatória ao funcionalismo público. A existência de regimes próprios para servidores, longe de ser a exceção, é a regra na grande maioria dos países, mesmo em alguns em que houve reforma privatizante . No caso brasileiro, seu gigantismo em termos de gastos   A rigor, no âmbito do RPPS, há casos que funcionam sob regime de capitalização. Apesar de se configurar como tendência, seu número é ainda amplamente minoritário.   É usual que ex-empregados possam permanecer no plano de previdência da empresa desde que assumam os encargos que são devidos ao empregador.   França, Alemanha, Canadá, Bélgica, Suécia, Holanda, Brasil, Uruguai, Peru, Colômbia e México são apenas alguns exemplos de países que contam com regimes próprios para servidores.

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ensejou preocupações e motivou as reformas de 1998 e 2003. O regime de previdência complementar é optativo e destinado àqueles que querem um benefício complementar ao obtido em algum dos regimes anteriores, embora os benefícios deste programa não estejam vinculados aos da previdência social básica. Apesar desta não vinculação para usufruto de benefício tributário das contribuições ao plano de previdência complementar, é necessário que o indivíduo esteja vinculado a um dos planos de previdência básicos (RGPS ou RPPS). Vejamos alguns números: Tabela 1: Informações consolidadas sobre a previdência no Brasil – 2006 (em R$ bi)

RGPS

RPPS

Total

(%) PIB

Despesas

165,6

78,8

244,4

11,8

Contribuições

123,5

29,2

152,7

7,40

Déficit*

42,1

49,6

91,7

4,44

Nº de benefícios (milhões)

23,7

0,7

24,4

% de idosos (60 e +)

18 milhões

9% população

% de idosos (65 e +)

11 milhões

6% população

Razão de dependência demográfica**

0,091

Fonte: MPS e IBGE. Elaboração do autor. Inclui a contribuição de servidores e contraparte de igual valor por parte do empregador

Os cálculos foram feitos com o PIB calculado pela metodologia antiga. Com a nova metodologia, as percentagens de gastos sobre o PIB caem, respectivamente, para 10,6; 7,3 e 3,2%. No entanto, a série não poderia ser utilizada para aquém de 2000. *  O conceito de déficit em sistemas com regime de caixa como o brasileiro é sempre muito polêmico. Além disso, como tentarei mostrar no texto, pode-se perfeitamente prescindir dele, para se mostrar que nosso sistema apresenta graves distorções. Por esta razão, não mais farei referência a ele ao longo do texto. **  Razão de dependência demográfica é a razão entre o total de habitantes com 65 anos ou mais e o total de habitantes entre 15 e 64 anos. Ele expressa o grau de envelhecimento médio de uma população.

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Observe que as despesas com os regimes próprios (servidores públicos) são muito elevadas, sobretudo quando se leva em consideração o público atendido. Mas desde 2003 apresentam tendência de estabilidade – que deve se repetir nos próximos anos – tendo em vista as reformas de 1998 e de 2003. O mesmo não se pode dizer da despesa do Regime Geral. Este, desde a Constituição de 1988 (CF-88), praticamente dobrou o montante de gastos. gRÁFiCo 1 – EVoLUÇÃo DAS DESpESAS DoS SiStEmAS pREViDENCiÁRioS No BRASiL 14,0

12,0

(% do PIB)

10,0

8,0

6,0

4,0

2,0

0,0 1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

Despesa Total

2000

2001

RGPS (a)

2002

2003

2004

2005

2006

RPPs (b)

Fonte: Ministério da Previdência Social e Ministério da Fazenda. (a) Inclui LOAS e RMV (b) União, estados, municípios (exceto regimes militares)

Um dos argumentos utilizados para justificar a expansão dos gastos previdenciários é que a CF-88 ampliou a cobertura de nosso sistema6. A filiação pode se dar de diversas maneiras, inclusive de forma simultânea. Apresento um panorama internacional sobre cobertura e situo o Brasil frente a ele. Em 1994, o Banco Mundial preparou o relatório Averting the Old Age Crisis: Policies to Protect the Old and Promote Growth. Nele estão disponíveis informações sobre cobertura para mais Define-se cobertura de um sistema como a percentagem de indivíduos que são a ele filiados no conjunto da população ocupada total. 6

128

SiNAiS SoCiAiS | Rio DE JANEiRo | v.3 nº7 | p. 122-173 | mAio > AgoSto 2008


de seis dezenas de países. A tabela a seguir, cuja fonte de dados é o referido texto, apresenta dados de parte desses países. Tabela 2: Cobertura previdenciária para diversos países País

Ano

Cobertura

País

Ano

Cobertura

País

Dinamarca

1990

Suécia

1990

Japão

Ano

Cobertura

100,0%

Malásia

1991

48,7%

100,0%

Panamá

1990

39,6%

Camarões

1989

13,7%

Gana

1989

13,3%

1989

100,0%

Jamaica

1991

39,3%

Bolívia

1992

11,7%

Canadá

1989

97,4%

México

Suíça

1992

97,4%

Equador

1990

37,9%

Rep. Dominicana

1988

11,5%

1989

37,8%

Indonésia

1991

10,7%

U.S.A

1989

96,9%

Reino Unido

1990

94,2%

Turquia

1990

34,6%

Índia

1990

10,6%

Venezuela

1990

34,3%

Ruanda

1989

9,3%

Taiwan

1988

86,7%

Espanha

1992

85,3%

Coréia

1991

30,0%

Senegal

1990

6,9%

Sri Lanka

1990

28,8%

Tanzânia

1990

5,1%

Uruguai

1989

68,8%

Egito

1989

62,3%

Peru

1992

25,7%

Burkina Faso

1989

3,7%

Colômbia

1989

23,9%

Paquistão

1989

3,5%

Chile

1992

55,7%

Costa Rica

1993

54,2%

Filipinas

1990

19,1%

Níger

1990

2,8%

Honduras

1990

18,7%

Nigéria

1990

2,4%

Moçambique

1986

0,2%

Argentina

1989

53,2%

Quênia

1990

14,7%

Brasil

2005

49,9%

Zâmbia

1989

13,8%

No conjunto, o Brasil situa-se no terço superior de países de mais elevada cobertura, ao compará-lo com alguns de nossos vizinhos latino-americanos, mas em patamar bem inferior àquele observado para os países desenvolvidos. Uma outra medida de cobertura pode ser feita considerando não o indivíduo, mas o núcleo familiar, o que, aliás, parece mais compatível com programas assistenciais como BPC-Loas. Assim, por exemplo, um casal com três filhos, dois dos quais com idade superior a 15 anos e tendo o pai empregado, mas a mãe desempregada, na primeira medida produziria uma taxa de cobertura de apenas 25%. Considerando, entretanto, o núcleo familiar, todos estão cobertos pelo sistema. Utilizando esse conceito ampliado de cobertura e com base nos dados da

Sinais Sociais | RIO DE JANEIRO | v.3 nº7 | p. 122-173 | maio > agosto 2008

129


Pnad 2005, obtém-se o seguinte resultado: Tabela 3: Cobertura direta e indireta do Sistema de Seguridade para indivíduos titulares com 60 anos ou mais em 2005 - Brasil (em %) Menor

De 15

De 15

De 60

De 65

De 70

De 75

De 80

de 15

anos

a 59

a 64

a 69

a 74

a 79

anos

anos

ou mais

anos

anos

anos

anos

anos

e mais

Cobertura direta (A)

0,09

45,16

39,41

69,14

83,94

88,99

90,33

92,18

33,22

Aposentado

0,00

9,95

2,94

42,30

60,09

62,20

60,36

60,69

7,31

Pensionista

0,08

3,19

1,73

8,35

10,57

13,89

16,74

20,49

2,37

Contribuinte

0,01

29,81

33,80

10,03

3,19

0,80

0,27

0,23

21,92

Apos. e Pens.

0,00

1,06

0,12

3,40

6,53

9,40

10,98

9,77

0,78

Apos. e Contrib.

0,00

0,76

0,43

4,20

3,16

2,50

1,59

0,92

0,56

Pens. e Contrib.

0,00

0,36

0,36

0,68

0,25

0,10

0,11

0,00

0,26

Faixa etária

População Total

Após., Pens. e Contrib.

0,00

0,03

0,01

0,19

0,14

0,10

0,27

0,09

0,02

COB. Indireta (B)

58,04

24,73

26,77

18,97

11,10

8,18

6,70

5,07

33,55

Dep. de Aposentado

4,83

4,26

3,95

8,72

6,60

5,27

4,69

3,23

4,42

Dep. de Pensionista

3,09

1,33

1,46

0,78

0,46

0,30

0,22

0,25

1,80

Dep. de Contribuinte

50,12

19,14

21,36

9,47

4,04

2,61

1,78

1,59

27,34

Cobertura (A + B = C)

58,13

69,89

66,18

88,11

95,04

97,17

97,02

97,25

66,78

Não Cobertura (1-C)

41,87

30,11

33,82

11,89

4,96

2,83

2,98

2,75

33,22

Fonte: Pnad/IBGE. Nota: No conjunto A, os grupos formam uma partição. Elaborada pelo autor .

O quadro revela que para a população idosa (acima de 65 anos) nosso sistema tem cobertura quase universal, uma cobertura moderada para os membros da PEA, mas deixa as crianças e os jovens desprotegidos, como se estivéssemos “investindo” no passado e deixando o futuro à míngua. Note que quatro em cada dez crianças (até 15 anos) estão desprotegidas da “rede de proteção social” que consome quase 12% de nosso produto anual. Há sérias e graves razões para isso.

130

Sinais Sociais | RIO DE JANEIRO | v.3 nº7 | p. 122-173 | maio > agosto 2008


2. Principais perguntas e questões sobre previdência Na presente seção procuro responder a quatro questões que permeiam o debate sobre previdência e que devem nortear o processo de decisão sobre possíveis ajustamentos de nosso sistema. 2.1 O que afeta o equilíbrio do sistema? A melhor forma de analisar a previdência é tratá-la como um sistema que apresenta conexões interdependentes com outros sistemas. Seu estado geral depende não apenas de suas condições próprias, mas também das condições dos sistemas que lhe são associados, ou seja, depende das variáveis que determinam as condições desses sistemas externos e conexos. No seu próprio âmbito, depende, por exemplo, das regras de elegibilidade e de concessão dos benefícios, do valor destes, das regras de contribuição e das alíquotas de contribuição – variáveis que estão dentro do sistema de previdência. Fora dele, depende do nível de emprego, do grau de formalidade (ou, inversamente, do grau de informalidade), do salário real médio e da produtividade – variáveis que são determinadas no mercado de trabalho, mas não apenas nele, pois estão sujeitas às condições macroeconômicas e institucionais. Depende ainda, da dinâmica demográfica e esta, por sua vez, das condições sanitárias, de higiene, de saúde e de hábitos da população, costumes e valores da sociedade que determinam o comportamento das famílias, que são mutáveis no tempo. Finalmente, depende da taxa de juros – pois esta determina o ritmo de crescimento da economia e o nível de demanda. É evidente que: 1) boa parte do equilíbrio de um sistema de previdência depende de variáveis alheias ao próprio sistema; 2) parte expressiva dessas variáveis está mudando e compromete o equilíbrio previdenciário, embora tais mudanças não sejam necessariamente ruins. Pelo contrário, em muitos casos são positivas e socialmente boas. Apenas um exemplo: quando as condições sanitárias e de saúde melhoram, a população vive mais e melhor. Isso é ótimo do ponto de vista individual e social, mas um problema a ser solucionado no que diz respeito ao financiamento da previdência, porque todo esse “ganho” de bem-estar, que decorre de esforço social, é apropriado

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privadamente, na medida em que as regras atuais dos sistemas de previdência não incorporam essa mudança. O ideal seria que parte desse ganho fosse apropriado pela sociedade, o que, nesse caso, significaria aumentar a idade com que os trabalhadores se aposentam. Assim, se por um lado, o equilíbrio da previdência depende de fatores que lhe são intrínsecos, como, por exemplo, a existência ou não de idade mínima para aposentadoria, o cálculo do valor do benefício, a taxa de reposição (percentagem máxima do valor do benefício vis-à-vis o valor ou salário de contribuição), as regras de pensão (por exemplo, no Brasil um beneficiário pode receber integralmente sua aposentadoria e a pensão deixada por seu cônjuge ) e as regras que regem a aposentadoria por invalidez ; por outro, dependerá em grande medida da demografia, do comportamento dos indivíduos e das famílias, do mercado de trabalho e do desempenho macroeconômico. Das variáveis externas, as duas mais importantes são: a componente demográfica e o mercado de trabalho. Como expresso no relatório da OECD, 2000:7: For many decades, demographic and labour force participation trends have provided a favourable economic environment in OECD countries. ... If existing patterns continue, the favourable trends could start to reverse in about 5 to 10 years time. The baby-boom generation will reach retirement age and the percentage in the labour force could begin to fall. There would be relatively fewer people producing the goods and services needed to support a population that includes many more retired people.

No Brasil os efeitos demográficos foram muito menos severos. Em contrapartida, nosso início de transição demográfica se deu em um período de reduzido crescimento econômico, diferentemente do que ocorrera nos países desenvolvidos. A simultaneidade do início da tran  Apenas no setor público, após a reforma de 2003, o valor do benefício de pensão ficou limitado a um percentual inferior a um, dependendo de características do pensionista e de sua família.   Há sólidas evidências de que os benefícios previdenciários por invalidez são particularmente elevados no Brasil. Esta hipertrofia é particularmente elevada no setor público, como mostraram Pessoa e Tafner, 2007.

132

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sição demográfica, expansão dos direitos sociais a partir da CF-1988, a “estaginflação” da década de 80 e as profundas alterações produtivas da década de 1990 acabaram por colocar o país em uma difícil e curiosa situação: temos ainda pela frente a complementação da transição demográfica, mas já apresentamos volume de gastos previden­ ciários anormalmente elevados. No âmbito das variáveis internas, um aspecto central, conforme apontaram Gruber & Wise (2004), são os diversos incentivos (regras institucionais) que são dados aos agentes, tanto nas regras gerais dos sistemas de aposentadoria (como por exemplo, idade de aposentadoria, acumulação de benefícios, valor do benefício etc.), quanto no mercado de trabalho – seja o custo associado ao fator trabalho, seja o grau de flexibilidade da contratação/demissão, sejam ainda as regras de acesso e de tempo de duração do seguro-desemprego, além, obviamente, de seu valor. Isso significa que não é verdade que bastaria a economia crescer para que os problemas de nossa previdência fossem resolvidos. Nem tampouco que se a economia brasileira tivesse crescido como outros países do mundo, não haveria problema em nossa previdência10. É evidente que melhores desempenhos da economia ajudam a resolver o problema da previdência no Brasil, mas certamente, essa não é a resolução do problema e é uma variável que depende de tantos outros fatores que, apostarmos nela como solução, é simplesmente impedirmos que soluções estruturais sejam debatidas e submetidas ao escrutínio público. Feitas essas considerações, apresento a seguir um diagrama esquemático de como abordar a questão da previdência.

O que se argumenta aqui é que a taxa de crescimento da despesa com RPPS será residual, admitida a hipótese de implementação dos fundos prevista na EC 41. 10

Sinais Sociais | RIO DE JANEIRO | v.3 nº7 | p. 122-173 | maio > agosto 2008

133


2.2 Gastamos demais? Parece-me impossível discutir se gastamos demais ou não com previdência sem recorrer a comparações com o resto do mundo. Nossos gastos anuais situam-se próximos de 12% do PIB. Haverá sempre vozes argumentando que 12%, afinal, não são muita coisa e, como somos um país de gente pobre, esse montante é até pouco. Advogo que nossos gastos são anormalmente elevados dados nosso padrão demográfico e esse padrão não foi alterado, mesmo depois de termos feito três grandes reformas da previdência (duas delas constitucionais, em 1998, no governo de FHC, e 2003, no governo Lula, e uma infra-constitucional, em 1999, com a Lei do Fator, Lei 9.876, também no governo FHC). É comum que se diga que o problema da previdência no Brasil está no funcionalismo público. Isso é incorreto. Os gastos são elevados (correto), a clientela é reduzida (correto) e o valor do benefício é alto (correto). Além disso, responde por um terço do total de gastos previdenciários do país (correto) e seu déficit operacional responde pela metade do déficit total (correto). Ora, mas se todas essas alegações são corretas, por que a conclusão de que os problemas da previdência no Brasil estão no funcionalismo público está incorreta? Porque as duas reformas constitucionais11 (1998 e 2003) equacionaram a trajetória de gastos desse regime, de modo que no prazo de 40-50 anos não mais haverá pressões sobre essa despesa e, se houver, será residual12. Isso nos remete à análise do comportamento dos gastos do regime geral. É nele que residem os mais graves problemas em termos de tendência. No que se segue, a atenção estará voltada para ele. A Tabela 4, a seguir, apresenta para anos pares até 2002 e a partir daí até 2006 a evolução das despesas por regime.   Em realidade, no caso da previdência do setor público, a reforma de 2003, feita através da EC 41, foi posteriormente complementada pela EC 47 do ano seguinte. 12   Por exemplo, se a economia brasileira tivesse crescido segundo a média mundial entre 1980 e 2006 (27 anos) – e admitida a hipótese de que isso tivesse sido possível – os gastos correntes da previdência como percentagem do PIB cairiam dos atuais 11,8% do PIB para 9,1%, o que, como veremos, continuaria nos colocando entre os que mais gastam e como um “ponto fora da curva”. 11

134

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Os dois primeiros fundamentos de um regime de previdência são a reposição da renda para o indivíduo – quando, por doença ou idade avançada esteja incapacitado para o trabalho – ou para seus dependentes, quando morre. Em qualquer dos casos, há uma correlação positiva e estatisticamente relevante entre o fato gerador e a idade média da população. Países com elevada presença relativa de idosos gastam mais com previdência como proporção de seu produto. O Gráfico 2 apresenta as despesas previdenciárias (% do PIB) e as respectivas razões de dependência demográfica, para uma amostra de 77 países. Tabela 4: Evolução das despesas com previdência, segundo tipo de regime – (em % do PIB)

1988

1990

1992

1994

1996

1998

RGPS (a)

2,5

3,4

4,3

4,9

5,3

5,8

RPPS (b)

0,9

1,8

2,7

3,7

4,4

4,4

Despesa total

3,4

5,2

7,0

8,6

9,7

10,2

2000

2002

2004

2005

2006

6,0

6,2

7,1

7,5

7,6

RGPS (a) RPPS (b) Despesa total

4,4

4,7

4,3

4,2

4,2

10,4

10,9

11,4

11,7

11,8

Fonte: Ministério da Previdência Social e Ministério da Fazenda. a. Inclui LOAS e RMV. b.União, dos Estados e dos Municípios.

É bastante evidente que o Brasil, apesar de jovem, apresenta gastos equivalentes a países cuja razão de dependência é três vezes maior do que a nossa. As setas finas indicam que para a razão de dependência atual brasileira deveríamos ter gastos equivalentes a menos de 5% do PIB em termos médios (a linha preta indica que mesmo considerado um intervalo de confiança de 95%, os gastos não ultrapassariam 8,8%, portanto inferior aos 9,1% caso tivéssemos crescido nos últimos 27 anos à taxa média de crescimento do mundo, como indicado anteriormente). Por outro lado, as setas grossas indicam que nossos gastos atuais são compatíveis com razões de dependência demográfica próximas a 28-29%, enquanto a nossa é de apenas 9,1%.

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Gráfico 2 – Gastos com previdência (%PIB) observados e estimados a partir da razão de dependência de idosos – 2006 20 18 16 Itália

14

Gastos (% PIB)

12

Brasil

10

Bélgica Alemanha

Finlandia

9,1%

Suécia

8 México 6 C Rica

4 2 0

China 0,0

2,0

4,0

6,0

8,0

10,0

12,0

14,0

16,0

18,0

20,0

22,0

24,0

26,0

28,0

30,0

32,0

-2 Razão de dependência

Fonte: Banco Mundial.

2.3 O que é risco demográfico? É consenso que o mundo experimentou ao longo do século XX e, especialmente a partir da segunda metade da década de 1940, uma transição demográfica que é resultante de três forças motrizes: i) inicialmente, forte elevação da taxa de fecundidade (gerações nascidas entre 1940 e 1960); ii) pronunciada redução da taxa de mortalidade entre os segmentos mais velhos da sociedade; e iii) contínua e persistente queda na taxa de fecundidade a partir da década de 1970, o que, proporcionalmente, reduz a população jovem no conjunto da população. O resultado dessas três forças motrizes é um progressivo envelhecimento da população, posto que os segmentos mais velhos não apenas começam a se tornar numericamente mais expressivos no conjunto da população como, pelo oposto, a renovação da sociedade se torna cada vez menor. Como se constata na Tabela 5, o aumento da esperança de vida entre 1950 e 2000 (dados reais) foi de 8,1 anos para a Europa e 9,5 para a média dos países desenvolvidos, representando um aumento médio de mais de 1,5 ano de esperança de vida por década. O Japão se destaca, com elevação de 18 anos na esperança de vida ao nascer, ou 3,6 anos

136

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por década, mas esse comportamento reflete os efeitos da guerra. A América do Sul e o Brasil especialmente apresentam crescimento ainda superior. A esperança de vida ao nascer entre nós subiu 3,9 anos por década e subirá, nas próximas quatro décadas, mais outros 2,1 anos a cada década13. A combinação da elevação da esperança de vida ao nascer com a redução na taxa de fecundidade resultou no envelhecimento progressivo da população e no aumento da participação dos segmentos etários mais velhos do total da população. Além disso, como conseqüência do avanço das condições médico-hospitalares, também as esperanças de vida condicionadas apresentaram melhorias ainda mais expressivas, como pode ser constatado na Tabela 6. Enquanto a esperança de vida ao nascer, entre 1980 e 2000 cresceu 13,1% para homens e 13,4% para mulheres, para os que tinham 60 anos aumentou em 19,1% e 18,5%, respectivamente para homens e mulheres, ou seja, aumento na esperança de vida 50% mais intenso neste grupo etário. E isso é dramático para o equilíbrio do sistema previdenciário, pois mais gente está se tornando beneficiária e permanecendo por muito mais tempo nessa situação. Tabela 5: Evolução da esperança de vida ao nascer para um conjunto de países, Europa e América do Sul*

Europa

Inglaterra

Canadá

Alemanha

Itália

1950

65,6

69,2

69,1

67,5

66,0

1960

69,6

70,8

71,4

70,3

69,9

1970

71,0

72,0

73,2

71,0

72,1

1980

72,0

74,0

75,9

73,8

74,5

1990

72,6

76,4

77,9

76,2

77,3

2000

73,7

78,3

79,9

78,6

80,0

2010

75,0

79,6

81,4

80,0

81,2

2020

77,0

80,8

82,6

81,2

82,4

2030

78,5

81,9

83,7

82,3

83,5

2040

79,9

83,0

84,8

83,2

84,6

Esse resultado poderá ser ainda maior, caso tenhamos redução na mortalidade juvenil masculina, dado que sozinha reduz a esperança de vida ao nascer dos homens em 1,3 ano e de 0,6 ano no total da população. 13

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137


(2000-1950)

8,1

9,1

10,8

11,1

Japão

EUA

Am. do Sul

Brasil

1950

63,9

68,9

53,5

50,9

1960

69,0

70,0

57,7

55,7

1970

73,3

71,5

61,3

59,5

1980

76,9

74,1

65,6

63,1

1990

79,5

75,2

68,9

66,6

2000

81,9

77,3

72,2

70,3

2010

83,7

78,5

74,3

72,9

2020

85,3

79,6

76,1

75,2

2030

86,6

80,8

77,7

77,0

2040

87,8

81,9

79,0

78,6

(2000-1950)

18,0

8,4

18,6

19,4

14,0

Fonte: Population Division of the Department of Economic and Social Affairs of the United Nations Secretariat (2005). World Population Prospects: The 2004 Revision. New York: United Nations. (*) Dados reais até 2000. A partir daí projetados pela ONU.

A mudança no padrão demográfico provoca alterações significativas na estrutura atuarial de sistemas de previdência na ausência de ajustes nas variáveis de equilíbrio, como idade de obtenção do benefício, valor deste e alíquotas de contribuição. No Brasil, isso veio acompanhado de baixo desempenho macroeconômico, expressivo aumento dos direitos sociais e forte ajustamento produtivo na década de 1990. Tabela 6: Esperança de vida por sexo no Brasil: 1980–2000 1980

2000

Ganho no período

Esperança de sobrevida

Homens

Mulheres

Homens

Mulheres

Homens

Mulheres

Ao nascer

58,39

65,51

66,03

74,30

7,64

8,79

Idade óbito

58,39

65,51

66,03

74,30

13,08%

13,41%

Aos 16 anos

49,26

55,92

52,45

60,54

3,19

4,62

Idade óbito

65,26

71,92

68,45

76,54

6,48%

8,26%

Aos 60 anos

13,87

17,55

16,52

20,80

2,65

3,24

Idade óbito

73,87

77,55

76,52

80,80

19,14%

18,47%

Fonte: Extraído e adaptado de Camarano, 2006.

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2.4 Nossas regras são “generosas”? 2.4.1 Aposentadoria Há apenas seis países no mundo que se caracterizam por não colocar limites de idade na legislação que regula as aposentadorias (Caetano e Boueri, 2006). São eles: Brasil, Nigéria, Argélia, Turquia, Eslováquia e Egito. A ausência de uma idade mínima para aposentadoria por tempo de contribuição (TC) no INSS faz com que a duração esperada desse benefício seja muito maior no Brasil do que a no resto do mundo. Na amostra de 66 países, dos quais 29 da OCDE e sete da América Latina, apresentada por Rocha (2007), constata-se que no caso dos homens a aposentadoria é recebida, em média, por 23 anos nas aposentadorias por TC no Brasil, contra 16,5 anos no resto dos casos, e no caso das mulheres, esses valores são de 29 e 21, respectivamente (ver Tabela 7). O ônus fiscal associado a essa regra é, portanto, considerável. É bastante claro que concedemos benefícios em idade menor e por um número maior de anos e isso ocorre especialmente nas aposentadorias por tempo de contribuição – exatamente aquelas de maior valor e concentrada nos segmentos médios da população. Não há nenhuma razão para não fixarmos uma idade mínima de aposentadoria por tempo de contribuição, nos moldes do que já ocorre com o setor público, combinando idade (60H e 55M ano) e tempo de contribuição. Além disso, especialmente no caso das mulheres, não há sistema que se mantenha equilibrado tendo o tempo de contribuição igual ao de usufruto do benefício (30 e 29 anos, respectivamente).

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Tabela 7: Idade mínima e duração esperada da aposentadoria – Brasil x grupos de países Países/Grupos de países

Idade mínima de aposentadoria

Duração esperada

Homens

Mulheres

Homens

Mulheres

OCDE (29 países)

64

63

16

21

América Latina (7 países)

62

60

17

21

Mundo (66 países)

62

60

16

21

INSS: Tempo de Contribuição*

56

52

23

29

INSS: Idade (Rural)

60

55

19

26

INSS: Idade (Urbano)

65

60

16

22

Fonte: Rocha (2007).

2.4.2 Pensões O benefício de pensão é ainda mais flexível. O Brasil é o único país que praticamente não impõe nenhuma condição de qualificação para o recebimento do benefício de pensão por morte: não exige idade mínima do cônjuge, não exige casamento e nem dependência econômica, não requer carência contributiva, não se extingue na ocorrência de nova união e ainda permite o acúmulo com aposentadoria e/ou com a renda do trabalho, além de ser um benefício vitalício. Tafner (2006) mostrou que esse benefício, no caso brasileiro, está concentrado no público feminino (mais de 90%) e chamou a atenção para a excessiva proteção dada à mulher no nosso caso. Utilizando uma amostra de 22 países, indicou que: Doze não vinculam o valor do benefício à existência de crianças e jovens; onze não fazem restrições à idade da mulher e apenas quatro *  Os valores indicados de idade de aposentadoria são valores médios de 2005, extraídos do Ministério da Previdência Social. Como não há idade mínima para acesso a esse benefício, os valores refletem apenas a escolha da idade dos beneficiários, uma vez cumprido o requisito de tempo de contribuição (30 e 35 anos, H/M, respectivamente).

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não fazem restrição ao valor do benefício. O único, porém, que conta com essas três condições é o Brasil. Entre nós, não se limita idade, não há redução do valor do benefício14 e não vincula seu valor à existência de prole e, curiosamente, não impede acúmulo de benefício e nem que o pensionista trabalhe.

Tafner (2006) também mostrou três outras coisas muito relevantes: a) que do total de pessoas que recebem pensão, 17% recebem também aposentadoria, 22% recebem renda do trabalho e outros 5% recebem aposentadoria e trabalham; b) que apenas 16% dos que recebem pensão têm filhos menores e; c) que se fosse aplicada a regra vigente na Itália (a mais generosa da amostra, depois do Brasil) seriam economizados recursos suficientes para acabar com 18% da pobreza de nossa gente, através de um programa de transferência de renda focalizado entre os mais pobres. 2.4.3 Acumulação de benefícios O Brasil não é o único país a permitir o acúmulo de benefício, mas é o único que permite a acumulação sem qualquer restrição. A Inglaterra, por exemplo, permite que a viúva acumule o benefício de pensão com o de aposentadoria por até dois anos, quando terá que optar por um deles (o mais elevado). A Noruega permite a acumulação da pensão com aposentadoria ou de outra fonte de renda desde que seu valor seja no máximo 50% do benefício. Os Estados Unidos permite que um aposentado trabalhe, mas nesse caso, seu benefício é reduzido em até 50%. A França impõe a saída do mercado de trabalho, quando o trabalhador se aposenta. O Chile permite a volta ao mercado de trabalho quando requisitada a aposentadoria, mas essa flexibilidade é concedida a apenas algumas categorias de baixa remuneração. A permissão no Brasil de o aposentado (ou pensionista) ter outra renda sem qualquer condicionalidade produz um efeito inusitado em   A expressão redução do valor do benefício é utilizada porque quando ocorre a morte de um segurado, o valor de referência do benefício a ser pago aos dependentes é sempre calculado tomando-se por base o que ele teria direito se estivesse vivo e pudesse usufruir do benefício de aposentadoria. 14

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nosso sistema: a renda individual de indivíduos que recebem benefício é consistentemente maior do que a de indivíduos que não têm benefícios. E o que é mais inusitado ainda é que a renda familiar per capita de famílias que têm beneficiários da previdência é mais elevada do que a daquelas que não têm, em praticamente todas as idades. Só não é maior no segmento etário entre 36 e 48 anos, quando o trabalhador atinge, em média, sua renda máxima, como mostra o Gráfico 315. Gráfico 3 – Rendimento médio (R$) individual e familiar de indivíduos com e sem benefícios previdenciários, segundo idade – Brasil – 2005 2.500

2.00

1.500

1.000

500

0

20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 78 80 Individual c/ benefícios Familiar c/ benefícios

Individual s/ benefícios Familiar s/ benefícios

Fonte: Pnad.

Isso é, em boa medida, a conseqüência da acumulação de benefícios e da possibilidade de continuar a auferir renda de trabalho, mesmo sendo beneficiário da previdência social. A questão é: é possível manter um sistema no qual quem o “sustenta” tem renda média inferior a quem recebe benefício do sistema? Que incentivos o jovem trabalhador que enfrenta enormes dificuldades de entrar e permanecer no mercado de trabalho (inclusive a concorrência de beneficiários do sistema previdenciário) com renda inferior à daqueles a quem sustenta tem para aderir ao sistema? “Alguma coisa está fora da ordem”! E isso tem a ver com as regras do sistema previdenciário. 15

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2.5 As regras de correção dos benefícios e o piso previdenciário No Brasil, a partir da CF-1988, dois princípios foram consagrados: (Art. 201, § 2º) preservação do valor real do benefício previdenciário e; (Art. 201, § 5º) “Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo”. Operacionalmente, isso equivale a dizer que o piso previdenciário tem valor igual ao do salário mínimo e é a ele indexado, e os benefícios de valor mais elevado são corrigidos anualmente, segundo a variação de preços. O governo fixa anualmente um e outro. Destaque-se que à extensa lista de objetivos vinculados ao salário mínimo, acrescentou-se mais um: deveria proteger também a renda dos beneficiários do sistema de previdência. Lembremos que as diversas convenções firmadas no âmbito da OIT definem que uma política de fixação do salário mínimo tem pelo menos três objetivos principais: i) estabelecer um mínimo remuneratório para o mercado de trabalho; ii) proteger grupos de trabalhadores desprotegidos e vulneráveis; e iii) definir regras mínimas para que trabalhos iguais tenham a mesma remuneração16. É certo que a boa técnica recomenda que para cada instrumento deva-se fixar um único objetivo. Isto porque para cada objetivo adicional, há perda de potência para os k-1 outros objetivos. Assim, quanto mais objetivos tem um instrumento, menor sua potência17. A preocupação louvável e justificável de preservar o valor do bene  Esses objetivos constam de Convênios assinados pelo governo brasileiro. Ver, a respeito Convênio nº 26 de 1928, nº 99, em 1951, e nº 131, em 1970. Esse último objetivo, também explicitamente gravado em nossa legislação, tem por finalidade tácita garantir igualdade de tratamento entre homens e mulheres. 17   É razoável supor que o legislador constituinte quisesse com isso impedir que aposentados e pensionistas fossem utilizados como instrumentos de negociações políticas, além, obviamente, de dar-lhes garantia de preservação de renda mínima. É também razoável supor que essa preocupação refletisse o longo período de elevada inflação no país, com evidentes perdas do valor real dos benefícios. É desnecessário e inoportuno tecer considerações sobre a inflação no Brasil, bastando indicar que o histórico brasileiro recomendava a adoção de mecanismo de proteção da renda dos idosos. 16

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fício previdenciário não deveria, em princípio, ensejar mais do que isso, ou seja, não deveria ir além. Mas não foi isso o que ocorreu. Como decorrência do entendimento de que o salário mínimo era a menor renda que um cidadão brasileiro deveria receber, acabou-se por vincular o valor do salário mínimo ao piso previdenciário – independente de o benefício ter ou não contrapartida contributiva –, o que tornou o salário mínimo uma espécie de renda de cidadania ou renda civilizatória. Para que possamos analisar convenientemente essa questão, é necessário fazer alguns esclarecimentos. Primeiro, enquanto a economia conviveu com elevadas taxas de inflação a regra de indexação era inócua em termos de pressão fiscal: a inflação entre os reajustes corroía o valor do benefício – o que equivale a transferir renda para o governo. Segundo, como o valor real do salário mínimo era muito baixo, mesmo com a queda da inflação, os reajustes tiveram impactos pouco expressivos. Mas isso mudou. Entre o final de 1994 e o do ano passado (2007), o poder aquisitivo do SM teve um aumento real de 103%, utilizando como deflator o INPC. Isso equivale a mais do que dobrar seu valor real. Além disso, aqueles que ganham benefícios superiores ao valor do piso nunca deixaram de ter seus benefícios corrigidos anualmente em função da inflação observada entre reajustes, ainda que esses reajustes tenham sido inferiores aos do salário mínimo18. Como dois de cada três benefícios são indexados ao mínimo, para cada 10% de aumento do valor real do salário mínimo, há um aumento real de 6,5% nas despesas do INSS. Isso não seria tão dramático se a renda do trabalho tivesse crescido pelo menos no mesmo ritmo do salário mínimo e se a renda daqueles que apenas trabalham fosse, em média, superior à dos beneficiários. Mas não é isso o que ocorre, como visto antes (Gráfico 3). Além disso, como os benefícios assistenciais são fixados em valor igual ao do salário mínimo, são repassados aos beneficiários assistenciais todos os aumentos do mínimo, criando grave desincentivo contributivo para aqueles que, no mercado de trabalho, têm rendimentos próximos aos do salário mínimo.   Essa sistemática provoca um sentimento de perda entre os que recebem benefícios superiores ao piso, pois vêem seus benefícios “achatados”, quando expressos em múltiplos do salário mínimo, ainda que isso seja muito diferente de perdas reais. 18

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Tratando dessa questão, Giambiagi e Tafner (2007) elencaram seis argumentos – dos quais quatro são aqui resumidamente tratados – para que seja adotada nova regra para reajustamento dos benefícios. Em síntese: •  O primeiro é o princípio de justiça que deve claramente associar o valor da contribuição ao do benefício (isso é especialmente relevante no caso das aposentadorias). Impor perdas aos aposentados (pensionistas) é romper esse princípio, assim como conferir-lhes ganhos reais também o é. Assim, o princípio elementar de que “se alguém contribuiu sobre R$ 500, deve receber uma aposentadoria de R$ 500” deve valer em ambos os sentidos. Uma redução desse valor seria injusta, tanto quanto seria também na direção oposta. •  O segundo diz respeito ao fato de que deve ser preservado o valor real do benefício, mas sem que isso imponha ganhos/perdas e nem afete o funcionamento do mercado de trabalho. Indexar, portanto, o benefício a índices de preços, cumpre esse papel e tem sido o caminho adotado pela maioria dos países. Sempre é possível, caso se deseje que também os beneficiários se beneficiem dos ganhos econômicos, que – com previsão definida em lei – periodicamente lhes seja concedido um adicional referente à parcela do crescimento do produto per capita. •  O terceiro destaca que a adoção de um indexador ligado a preços ou produto permite que se viabilize uma política de aumento do salário mínimo em função das condições macroeconômicas, sem que haja pressões fiscais. •  O quarto refere-se à dinâmica demográfica do país. Nos próximos anos, o número de idosos deverá aumentar em torno de 4% a.a. Como está longe de ser certo que, na média de longo prazo, a economia cresça a uma taxa superior a essa, qualquer aumento real do valor médio das aposentadorias implicaria, por definição, elevar a relação entre a despesa com benefícios e o PIB, pressionando ainda mais essa relação, que vem crescendo de forma praticamente contínua desde a década de 1980, como visto anteriormente.

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Tudo isso posto, duas conclusões parecem inequívocas. A primeira é que fixar igual valor do benefício básico tanto para aqueles de origem contributiva – como aposentadorias e pensões – como para os de origem assistenciais – basicamente os benefícios oriundos da LOAS – é um erro, pois não premia aquele que, ao longo de sua vida, abriu mão de parte de sua renda ao fazer contribuições à Previdência Social, podendo mesmo funcionar – como mostraram Camargo e Reis, 2006 – como incentivo para que patrões e empregados estabeleçam um pacto de sonegação19. A segunda, é que a persistência da regra de indexação do benefício previdenciário ao salário mínimo retira graus de liberdade da ação pública e tende a comprometer cada vez mais o orçamento público, reduzindo dessa forma a capacidade de investimento do governo. Se nos últimos anos havia o argumento de que o salário mínimo tinha seu valor real muito deprimido, esse já não existe mais20. 2.6 O comportamento social é um risco previdenciário? A literatura sobre previdência tem dado especial destaque aos papéis desempenhados pelos componentes de mudanças demográficas e pelo mercado de trabalho no equilíbrio de sistemas previdenciários. Praticamente nada existe sobre as mudanças no comportamento sociocultural da sociedade. Em boa medida, isso ocorre porque as regras existentes   Essa regra é tão mais injusta, na medida em que os indivíduos que recebem benefícios (de contrapartida contributiva) equivalentes ou muito próximos do salário mínimo são, em geral, aqueles com baixa escolaridade e reduzida qualificação profissional e que, portanto, durante sua vida laboral estiveram mais sujeitos ao desemprego e à informalidade, tendo recebido baixas remune­rações. Tecnicamente falando, são indivíduos que fizeram significativo esforço de poupança, dado que a contribuição previdenciária retirada de seu rendimento representou parcela expressiva deste. 20   Além disso, o valor do salário mínimo, ainda que o mercado de trabalho comporte, terá seu valor reajustado aquém do possível, limitado que será pela pressão fiscal, produzindo uma indesejável e inaceitável perda de renda dos trabalhadores ativos para garantir ganhos de renda para os inativos, mesmo tendo esses últimos, como visto, rendas individual e média familiar, superiores às dos ativos, reforçando o efeito de transferência líquida intergeracional. 19

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na esmagadora maioria dos países estão imunes a esse tipo de variável. Não é o caso do Brasil. Como já foi dito, a origem dos sistemas de previdência remonta à pobreza a que famílias eram submetidas quando ocorria acidente de trabalho, invalidez, morte prematura ou velhice. Como à época o trabalho remunerado era realizado quase que exclusivamente por homens, o bem-estar familiar era medido por sua capacidade de auferir renda. Logo, quando este morria, se a família não fosse rica ou se a mulher não contasse com apoio familiar, ela e a prole eram condenadas à pobreza. Por essa razão o benefício da pensão foi instituído juntamente com os primeiros planos de previdência. Também no Brasil foi assim (Lei nº 217 de 29 de novembro de 1892 e Lei Eloy Chaves, de 1923 [Decreto nº 4.682]). Pela lei em vigor (à época), somente a viúva ou viúvo inválido, os filhos e os pais e irmãs, enquanto solteiras, poderiam solicitar a pensão (Art. 26, Decreto nº 4.682). Era requisito a comprovação do casamento legal. As regras e condições de elegibilidade, bem como o valor do benefício, sofreram diversas modificações desde então. A pensão é um benefício que se enquadra na modalidade de eventos imprevistos e funciona como um seguro de vida. Logo, o(s) beneficiário(s) será(ão) o(s) sobreviventes(s) e não o contribuinte. Isso significa que para efeitos de determinação do impacto deste benefício sobre as contas previdenciárias, duas coisas importam21: quem são os potenciais beneficiários e por quanto tempo o benefício será pago. A lei determina que a pensão por morte tenha caráter vitalício, que se extingue pela morte do pensionista e que seja paga ao conjunto de dependentes, respeitada a seguinte ordem22: (1) o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer situação,   Obviamente que o valor do benefício é crucial, mas o foco da análise aqui é outro. 22   Para os óbitos ocorridos a partir de 5 de abril de 1991, a Previdência Social concede o benefício de pensão por morte aos parceiros homossexuais que comprovem união estável. Tanto beneficiários homossexuais quanto heterossexuais, a documentação exigida para comprovação da união estável é a mesma, não havendo qualquer diferença de tratamento. Convém também ressaltar que em muitos países, é adicionalmente exigido que o cônjuge sobrevivente tenha uma idade mínima entre 40 e 55 anos, que seja incapaz para o trabalho ou que tenha filhos menores. Além disso, novas núpcias extinguem a pensão por morte. 21

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menor de 21 anos ou inválido; (2) os pais; e (3) o irmão, não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido. Como a quase totalidade dos benefícios de pensão é paga aos cônjuges, então o que importa para a previdência é a expectativa de vida do cônjuge. Como a expectativa de vida ao nascer e condicional da mulher são ambas superiores às dos homens, é ela, na esmagadora maioria dos casos (90% dos casos), o cônjuge sobrevivente. Dadas as regras atuais de nosso sistema, isso já seria um problema para o benefício de aposentadoria, mas é especialmente relevante para as pensões, se houver mudança significativa na estrutura etária do matrimônio. Segundo dados do Registro Civil do IBGE, em 2004, para homens entre 55 e 59 anos que contraíram matrimônio, a probabilidade de terem se casado com mulheres mais jovens (com pelo menos uma faixa de idade23 qüinqüenal), foi de 80%, o que significa que desses casamentos, as mulheres tinham no máximo 50 anos. Mas para aquele mesmo ano (2004), a expectativa de vida das mulheres dessa faixa etária era de 30 anos. Como a mulher é, em geral, o cônjuge sobrevivente, isso significa que na melhor hipótese para a previdência – mulher com apenas uma faixa etária mais jovem do que o marido – o grupo familiar receberá o benefício de pensão por morte pelos próximos 30 anos. E isso, na melhor das hipóteses. A questão só ganha relevância, no entanto, se as probabilidades de matrimônio com cônjuges mais jovens estiverem se elevando e/ou se casamentos dessa natureza forem muito freqüentes. É importante deixar claro que uniões em que a mulher é mais velha também ocorrem, mas a relevância é particularmente maior para os casos em que o cônjuge mais velho é o homem. Isto por duas razões: 1) porque a esperança de vida da mulher é em média sete anos maior do que a do homem e; 2) porque um casal em que o homem tem 50 anos ou mais e a mulher é jovem pode procriar, enquanto o inverso é improvável. Becker (1976, 1981), a partir da hipótese do agente racional demonstrou que os nubentes fazem escolhas de parceiros de modo a complementar os bens e serviços produzidos por cada um deles e, com isso, a maximizar sua utilidade. Greene (1992), usando o mesmo conjunto de hipóteses, estuda uniões formais e informais no Brasil e identifica que   Cada faixa de idade corresponde a um intervalo de cinco anos.

23

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homens jovens preferem uniões mais informais para “se protegerem dos custos e complicações de uma união mais formal” (p.203, tradução nossa). No mesmo estudo, identifica que a fecundidade feminina é diretamente afetada por atributos desejáveis do homem, a saber: “legal guarantees, a permanent father for their children, and a source of income” (p. 204). Em abordagem diferente, Vieira e Rios-Neto (1992), utilizando dados da Pnad/1984 estudam os determinantes socioeconômicos e demográficos da probabilidade de ocorrência de descasamentos e recasamentos em São Paulo e Rio de Janeiro. Os resultados indicam que para os recasamentos os “determinantes são menos coerentes com as previsões do modelo de Becker” (p.225). Mas o sinal da variável idade é consistentemente negativa para todos os períodos de duração da união, indicando que quanto mais jovem a mulher, maiores são as probabilidade de recasamento. Carvalho (2006), utilizando dados da Pnad/2004 identificou que “o fato de o homem ter mais renda no trabalho principal do que a mulher, de morar em região não urbana e de possuir mais de 60 anos de idade aumenta o incentivo ao casamento com mulheres mais jovens” (p.43). Obviamente que, se a renda masculina é um fator que eleva a probabilidade de união, podemos, sem perda de consistência, considerar não apenas a renda corrente, mas sim a renda permanente do indivíduo do sexo masculino. Neste caso, a elevada diferença de probabilidade de óbitos entre os cônjuges, aliada às regras flexíveis de acesso ao benefício de pensão e ao fato de o valor do benefício ser integral, faz com que o casamento intergeracional seja, sob certas circunstâncias, preferível entre as partes24. Tafner (2006), utilizando dados da pesquisa de registro civil do IBGE, mostrou que o casamento envolvendo cônjuge do sexo masculino com idade superior a 54 anos tem sido, entre 1980 e 2004, o que mais cresce dentre as uniões formais. Não foi apenas o que mais cresceu, como aumentou 60% mais do que o grupo etário 40 a 54 anos e 82% mais do que o grupo etário de 25 a 39 anos. Parece, portanto, que essa “modalidade” de casamento vem se consolidando na socie  Destaque-se que, como já identificado por Vieira e Rios-Neto (1992), anteriormente citado, o descasamento tem aumentado substantivamente sua ocorrência desde a década de 1960. 24

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dade brasileira, ainda que até o momento seu quantitativo, em termos absolutos, seja reduzido. Usando dados da Pnad/2004, mostrou ainda que a união entre cônjuges da mesma faixa etária é decrescente com a idade, enquanto a incidência de uniões em que o homem é mais velho é crescente com a idade (Tabela 8). Tabela 8: Distribuição de uniões segundo idade da pessoa de referência de sexo masculino e idade do cônjuge Grupos

Idade da pessoa de referência de gênero masculino = Grupos de idade do homem

de idade da mulher

15-19

20-24

25-29

30-34

35-39

40-44

45-49

50-54

55-59

60-64

mais 65

4%

30%

43%

51%

55%

58%

61%

64%

66%

69%

45%

A mesma faixa

56%

48%

39%

34%

32%

31%

29%

28%

27%

24%

55%

Mais velha

40%

22%

18%

15%

14%

11%

11%

8%

7%

7%

0%

Total

100%

100%

100%

100%

100%

100%

100%

100%

100%

100%

100%

Mais nova

Fonte: Pnad/2004.

Mas não apenas a incidência de casamento com mulheres mais jovens é crescente com a idade, como também a diferença de idade. O mesmo, no entanto, não ocorre quando a mulher é mais velha do que seu cônjuge. Isto significa que o benefício de pensão tenderá a se prolongar por muito mais tempo, tendo em vista a maior esperança de vida da mulher e ao fato de a diferença de idade crescer para os segmentos masculinos mais velhos. A questão que resta saber é qual a freqüência deste tipo de união na população. O Gráfico 4 apresenta essas informações para o ano de 2004, com base em dados da Pnad. Os quantitativos de uniões em que os homens são mais velhos do que as mulheres são expressivamente superiores aos quais ocorre o inverso. Na média, o primeiro tipo é 3,8 vezes mais freqüente do que o inverso; mas no grupo etário mais velho (de 50 anos ou mais) esse tipo de união é 6,7 vezes mais freqüente. As conseqüências desse comportamento em um sistema com regras muito flexíveis pode representar gastos anormalmente elevados. Carvalho (2006) e Tafner (2006) estimaram que poderiam ser economizados de 2,4 a 14 bilhões de reais por ano, dependendo do critério adotado. Rocha e Caetano (2008) mostraram que o Brasil se encontra completa-

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mente fora do padrão de gasto com pensões, quando o comparamos a um conjunto de sete dezenas de países. Parece evidente que a crescente inserção da mulher no mercado de trabalho e a mudança de padrão de uniões, dadas as regras vigentes em nosso sistema previdenciário, representam forte pressão para aumento exagerado da despesa. Pouco se pode fazer nessas mudanças de comportamento, mas pode-se alterar as regras de acesso aos benefícios previdenciários, de modo a eliminar ou pelo menos minimizar os impactos negativos nas contas da previdência. Gráfico 4 – Percentagem e quantitativo (em mil) de esposas mais jovens e mais velhas que os maridos – Brasil – 2004 mais 65 60-64

Faixa de idade do marido

1.671

253

55-59

2.587

343

50-54

2.048

476

45-49

3.409

690

40-44

3.001

823

35-39

3.283

994

30-34

3.036

1.048

25-29

2.261

989

20-24 15-19

3.181

351

1.055

602 94

130

-60% -50% -40%

-30% -20% -10%

0%

10%

20%

Mais velha

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Mais nova

Fonte: IBGE /Pnad 2004.

3. Os debates mais polêmicos No debate sobre questões previdenciárias há alguns que, em geral, servem apenas para confundir fatos e interesses, muitas vezes com o intuito não expresso de proteger este ou aquele privilégio. Há três tipos básicos: i) aqueles que são apenas expressão de privilégios decorrentes de algum grupo de poder e que não se fundamentam em qualquer evidência; ii) aqueles que não tendo qualquer fundamento não defendem um particular interesse, mas desviam o foco do debate e criam um falso sentimento de que “antes da reforma, deve-se fazer muitas outras coisas” e;

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iii) aqueles que se apóiam em evidências parciais, em meias-verdades, mas fornecem poderosos “argumentos” para evitar a reforma do sistema e dessa forma tornar seu desequilíbrio maior com o passar do tempo. No primeiro grupo, enquadra-se o caso de algumas categorias profissionais, os professores, por exemplo, que argumentam estar sujeitos a tarefas desgastantes, razão pela qual deveriam se aposentar mais cedo frente a outras categorias profissionais. Não dedicarei a essas questões uma análise detalhada, deixando alguns comentários e informações em nota de rodapé25. No segundo grupo, enquadram-se, por exemplo, os argumentos de que bastaria acabar com a sonegação que a previdência seria equilibrada, ou que bastaria que as dívidas de devedores do INSS fossem pagas para que acabasse o “rombo” da previdência. A elas dedico poucas palavras, começando pela segunda, a título de esclarecimento. Existem contabilizados cerca de 200 bilhões de reais como “dívida” junto ao INSS. Esse montante é a coleção de anos de valores cobrados e não pagos. Logo, trata-se de um estoque. Como se sabe, exceto em casos muito especiais em que o rendimento do estoque por unidade de tempo é superior ao descasamento de fluxo na mesma unidade de tempo, estoques não financiam fluxos, ainda que os primeiros sejam maiores do que os últimos26. O segundo aspecto é que o valor contábil (ou de face) dessa dívida é muitas vezes superior ao valor de mercado. O que significa isso? Que parte dessa “dívida” não é devida, parte não é cobrável (isso porque o devedor não é líquido, nem tem garantias reais) e parte terá maturação diluída no tempo (a dívida é devida, cobrável, mas o devedor parcela seu pagamento). Apesar de não haver   Não há nenhuma evidência de que professores tenham atividade mais desgastante do que outras categorias profissionais. Nem estudos sobre mortalidade por categoria profissional que mostram, por exemplo, que professores vivem, em média, menos do que trabalhadores agrícolas, enfermeiros, médicos, lixeiros etc. Profissionais da área de saúde pública ou policiais, por exemplo, estão muito mais sujeitos a riscos do que professores. 26   Apenas a título de exemplo pictórico, porém didático, o caso do famoso milionário Jorge Guinle é exemplar. Sua fortuna era muitas vezes superior a seus gastos anuais. Era sua poupança previdenciária. Entretanto, mesmo tendo uma fortuna dessa magnitude, acabou seus anos sem recursos. Como o próprio disse em entrevista bem-humorada: “Vivi mais do que havia planejado.” 25

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estudos detalhados sobre a questão, analistas indicam que apenas 1/3 dessa dívida é realizável e isso, diluído no tempo. Ninguém sabe ao certo qual a sonegação existente em nosso sistema. Sabe-se que pouco menos da metade das ocupações é informal. Alguns argumentam que se fossem formalizadas essas relações de trabalho a arrecadação dobraria. Ledo engano. Relações informais de trabalho estão intrinsecamente relacionadas a firmas e negócios informais (alguns dos quais ilegais). A mão-de-obra é informal, porque, em grande medida, a empresa é informal. E, na grande maioria dos casos, empresas informais são minúsculas, com baixo faturamento, baixa produtividade e não sobreviveriam se formais, dada a carga tributária e a complexidade da mesma. Monteiro e Assunção (2006), usando dados da ECINF (pesquisa do IBGE sobre economia informal), mostraram que a adoção do Sistema Integrado de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte27 – Simples – estimulou a formalização de micro e pequenas empresas e, por conseqüência, a formalização da relação de trabalho, porém a eficácia do instrumento não foi alta. Assim, ainda que algumas viessem a se formalizar em decorrência da ação pública, os resultados seriam pequenos. Isso, por certo, não significa que a ação fiscalizatória é inócua e que esforços nessa direção não devam ser feitos. Os resultados dos últimos dois anos bem comprovam que o aumento da fiscalização produz resultados. Mas mesmo esses bons resultados, combinados com um crescimento da economia mais elevado, não resolvem o problema estrutural de descasamento atuarial da previdência. A Constituição como ‘verdade revelada’ e o ‘déficit’ previdenciário Alguns autores28 têm defendido a idéia de que nosso sistema previdenciário não pode ser analisado isoladamente, posto que está inserido no sistema de seguridade social, inscrito no capítulo II (Da Seguridade   O Simples foi estabelecido pela Lei nº 9.317, de 5/12/1996, e determina tratamento diferenciado, simplificado e favorecido no recolhimento de impostos federais para as micro e pequenas empresas. 28   Ver a propósito, por exemplo, Gentil (2007), Passarinho (2007), Sicsú (2007). 27

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Social), do Título VIII (Da Ordem Social) da Constituição de 1988. Se tomássemos o total de arrecadação desse sistema e o cotejássemos com o total de gastos, ao invés de déficits, teríamos superávits. O resultado, segundo eles, seria ainda mais positivo (maior superávit), caso “fosse respeitada a Constituição” e os recursos subtraídos ao sistema através da DRU (Desvinculação de Receitas da União), retornassem ao sistema. Há quatro confusões no argumento. Do ponto de vista lógico, a CF1988 é um pacto legitimamente firmado pelas forças políticas e sociais no momento de sua aprovação. Mas é um pacto que reflete interesses e preferências daquele momento, dadas suas condições específicas. Não se pode entender a CF-1988 como “uma verdade revelada” por Deus e, portanto, inquestionável. As dezenas de mudanças já realizadas na CF-1988 mostram exatamente isso. Ainda nesse argumento, devemos lembrar que a própria CF-1988, mais sábia do que seus defensores atuais, previu sua revisão no prazo de cinco anos, o que nunca foi feito. A forma de fazer essa revisão tem sido as dezenas de Emendas Constitucionais. Portanto, discutir eventuais mudanças no texto constitucional, longe de se “atacar” a CF-1988, é realizar o que ela mesma previu. No plano doutrinário, uma Emenda Constitucional (como foi a DRU) aprovada segundo as normas previstas na própria Constituição para reformá-la é tão legítima quanto a própria Constituição. Logo, atacar a DRU é atacar a própria Constituição que julgam defender. No plano normativo, se de um lado a Constituição estabelece o Sistema de Seguridade Social, de outro ela também define, no caput do Art. 201 que “Os planos de previdência social, mediante contribuição...” e, no parágrafo primeiro desse mesmo que “Qualquer pessoa poderá participar dos benefícios da previdência social, mediante contribuição na forma dos planos previdenciários”. Isso significa que a previdência no Brasil, segundo a Constituição, está indissoluvelmente associada à contribuição. É, portanto, um seguro social. Sendo um seguro, seu equilíbrio financeiro (diferente do atuarial) dependerá dos fluxos de recebimentos (contribuições previdenciárias de empregados e empregadores) e de pagamentos (de benefícios previdenciários). Assim como se deve isolar o que é benefício assistencial da previdência social (como fez acertadamente o ex-Ministro da Previdência, Nelson Machado), o mesmo deve ser feito no que se refere à arrecadação.

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A última confusão é de natureza econômica. Do ponto de vista econômico, a noção de déficit ou superávit deve ser analisada cuidadosamente quando utilizada isoladamente em programas e sistemas – e outras divisões orçamentárias. Se, por exemplo, n–1 programas governamentais apresentam déficits em montante total equivalente a 100 e o enésimo programa apresenta superávit de, digamos, 130, então o governo terá superávit de 30 e poderá utilizar o excedente para fazer novos investimentos, quitar dívidas anteriores ou fazer reservas; se os valores forem o contrário, o governo terá déficit de 30, e terá de financiar esse déficit deixando alguém sem receber, contraindo dívidas, cobrando mais impostos (aumento da carga tributária), emitindo moeda (fazendo inflação), ou uma combinação qualquer dessas opções. Suponha agora que tomando o Sistema de Seguridade tivéssemos uma situação na qual o subsistema de previdência (recebimento de contribuições previdenciárias e pagamento de benefícios previdenciários) esteja em equilíbrio e os demais sistemas também. O governo resolve, por prioridades alocativas, dobrar os gastos com saúde. Tomado pelo todo, a Seguridade Social apresentaria déficit e teria de ser financiada por uma das formas anteriores indicadas. Nessa situação, alguém poderia propor que fosse elevada a contribuição previdenciária para reequilibrar a Seguridade, ainda, repito, que o subsistema previdenciário estivesse perfeitamente equilibrado. Não faz o menor sentido! No caso de nossa previdência, a situação é o inverso da narrada. O volume de arrecadação é inferior ao de gastos, ainda que o montante de recursos do Sistema de Seguridade Social seja suficiente para cobrir esse descasamento financeiro. Mas isso significa que recursos que poderiam – e deveriam – ser alocados a outras atividades estão sendo deslocados para a previdência social. Para manter o volume de gastos com saúdes e outras atividades, o governo tem recorrido à elevação da carga tributária, concentrada especialmente em Contribuições, dadas as características especiais dessa espécie tributária. A CF-1988 é o ponto culminante da longa trajetória de universalização da cobertura e uniformidade de tratamento, ainda que parte desses direitos tenha sido implementada ao longo da década de 1990. Dentre as principais inovações da Constituição de 1988 destacam-se: •  c riação do plano de benefícios unificado, no qual os benefícios

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foram equiparados para todos os trabalhadores; •  fixação de um piso de benefícios fixado em um salário mínimo (1991); •  autorização para aposentadoria antecipada em cinco anos dos trabalhadores rurais (1991); •  preservação do direito de as mulheres se aposentarem cinco anos mais cedo e com cinco anos menos de tempo de contribuição do que os homens, tanto na aposentadoria por idade quanto por tempo de contribuição (1998); •  separação do orçamento da seguridade social (OSS) do fiscal com múltiplas fontes de financiamento – sobretudo as contribuições sociais – e destinação de recursos determinada. Esse conjunto de medidas, se por um lado ampliou muito a cobertura da seguridade social, por outro trouxe duas graves conseqüências: a) elevou de forma acentuada os gastos públicos; e b) ajudou a deteriorar a qualidade tributária e orçamentária do país. Parte disso decorre da inconsistência da CF-1988, ou como afirma o Ipea (2005:263): “Tratados separadamente (capítulos do sistema tributário nacional [Título VI, Cap. I] e da ordem social, no capítulo específico da Seguridade Social [Título VIII, Cap. II]), esses temas ressentiram-se da ausência de elos que lhes dessem organicidade e consistência.” O primeiro efeito – aumento dos gastos com a previdência – já foi apresentado. O segundo ocorre por conta da estrutura de financiamento da seguridade social. A Constituição Federal definiu no artigo 195 que a seguridade social seria custeada pela sociedade com “recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”, além das contribuições sociais incidentes sobre a folha de salários, o faturamento, o lucro, as remunerações dos trabalhadores e ainda sobre a receita de loterias e concursos.29   Ao mesmo tempo e desde então, criou-se um orçamento separado para a Seguridade Social suportado por essas receitas. Destaque-se que as receitas não eram destinadas a financiar uma despesa específica, mas o conjunto de gastos sob responsabilidades da Seguridade. Por outro lado, a CF-1988 define que os demais serviços da área de Seguridade deverão ser prestados de forma universal e suportados por recursos gerais do orçamento fiscal. Para maiores detalhes, ver Rezende & Cunha, 2003. 29

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Como indicam Resende e Tafner (2005:266): Contava-se, assim, para o financiamento da Seguridade, não apenas com os recursos das contribuições sociais previstos no artigo 195, mas também com dotações orçamentárias dos demais membros da Federação propiciadas pela ampliação de suas bases tributárias. Todavia, a impossibilidade de regulamentar a proposta do orçamento da Seguridade Social, que dependia da adesão voluntária de estados, Distrito Federal e municípios, acarretou dificuldades para que o Estado atendesse às novas responsabilidades sociais determinadas pela Constituição.

Para fazer frente à despesa crescente sob sua responsabilidade, a União comprimiu os demais gastos e elevou a carga através da criação de novas e ampliação das contribuições sociais existentes (ver Tabela 9) que têm vantagens de facilidade de cobrança. A participação dessas contribuições para financiamento da seguridade passou de 5,6% do PIB, em 1994, para 7,9%, em 2005, com aumento de 2,3 pontos percentuais ou 41% em onze anos, um aumento médio anual de 3,18%, como fração do PIB. Tabela 9: Fontes de financiamento da Seguridade Social (em % PIB): diversos anos Fontes

1994

1995

1996

1997

1998

1999

Cont. empregadores e empregados

3,8

3,9

4,2

4,2

4,2

5,0

COFINS

0,3

0,3

0,3

0,9

1,2

0,5

CSLL

0,2

0,1

0,0

0,1

0,5

0,2

CPMF

0,0

0,0

0,0

0,0

0,0

0,4

Recursos do FSE

0,8

1,0

1,2

0,6

0,2

0,2

Outras

0,5

0,5

0,3

0,1

0,4

0,4

Total

5,6

5,8

6,0

5,9

6,6

6,7

Fonte: MPS.

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Fontes

2000

2001

2002

2003

2004

2005

Cont. empregadores e empregados

5,1

5,3

5,3

5,2

5,3

5,3

COFINS

0,8

1,1

1,3

1,3

1,9

1,8

CSLL

0,2

0,0

0,2

0,3

0,1

0,2

CPMF

0,4

0,3

0,2

0,3

0,3

0,3

Recursos do FSE

0,0

0,0

0,0

0,0

0,0

0,0

Outras

0,2

0,4

0,4

0,6

0,2

0,3

Total

6,7

7,1

7,3

7,7

7,8

7,9

Fonte: MPS.

Não apenas por sua magnitude, mas, sobretudo, por suas características de cobrança em cascata, a ampliação das contribuições provocou sérias distorções alocativas comprometendo a geração de empregos e a competitividade da economia. Compondo-se os dados dos gastos do INSS, da arrecadação com contribuições sociais, da dívida pública e da carga tributária no período pós-Constituição, observa-se que as séries são todas ascendentes. Inicialmente crescem os gastos com INSS, para em seguida crescerem, na ordem, a dívida pública, as contribuições e a carga tributária. Com o intuito de convencer o leitor da gravidade para as finanças públicas do desequilíbrio do sistema previdenciário, na Tabela 10 consta uma matriz de correlação dessas variáveis. As correlações são positivas, elevadas e significativas estatisticamente. E entre gastos de INSS e contribuições (e carga tributária), e entre essas e a carga tributária as correlações são superiores a 0,95, com nível de significância de 1%. Tabela 10: Matriz de Correlação

Carga Tributária (% PIB)

Carga Tributária

Dívida Pública

Contribuições

Gastos INSS

(% PIB)

(% PIB)

(% PIB)

(% PIB)

1

Dívida Pública (% PIB)

0,8356

1

Contribuições (% PIB)

0,9407

0,7150

1

Gastos INSS (% PIB)

0,9609

0,7742

0,9517

1

Fonte: Tesouro e MPS. Elaboração do autor.

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A Previdência como mecanismo de redução de pobreza e desigualdade Alguns analistas vêem a previdência como um programa social destinado a garantir a todos os inativos um benefício mínimo de forma não contributiva. Essa idéia é algumas vezes complementada pelo entendimento de que a previdência é um sistema assistencial e redistributivo, em que as contribuições devem ser pagas conforme disponibilidade de cada indivíduo e os benefícios recebidos conforme a necessidade (Delgado e Cardoso Jr., 2000; Delgado, 2005; Lavinas, 2006). Dois dos argumentos mais freqüentemente utilizados para a defesa da previdência como uma “renda mínima”, ou como programa sem correspondência contributiva são seu caráter de redução da pobreza e da desigualdade social, tanto no âmbito individual quanto no âmbito familiar, e como garantia e defesa de renda contra a informalidade e precarização das relações de trabalho presentes em nossa economia. Ambos os argumentos são verdadeiros. Mas apenas parcialmente verdadeiros30. Parece consenso entre os analistas que a previdência social – aí incluída a componente assistencial – atua fortemente na redução da pobreza individual e familiar e também da desigualdade31, ainda que essa última possa incentivar a informalidade32. De fato, após o pagamento de aposentadorias e pensões para as famílias, a pobreza é reduzida (Gráfico 5). A eficácia do instrumento como redutor da pobreza se acelerou até 2002, mas deixou de crescer e caiu ligeiramente a partir de então. Enquanto, em 1982, a previdência reduzia a incidência de pobreza   Uma terceira vertente procura associar a redução de desigualdade com ganhos de crescimento econômico. Silva e Pires (2006:19) afirmam que: “Em que medida essa expansão (dos gastos) é maléfica ao crescimento econômico? Imaginamos que a resposta a essa pergunta não é tão simples como propalado entre esses especialistas, porém alguns insights podem ser obtidos. Por exemplo: existem evidências empíricas que relacionam menor desigualdade de renda a maior taxa de crescimento econômico.” Obviamente que também nesse caso a pergunta é: existe alguma ferramenta que permita o mesmo ganho em termos de distribuição de renda a um custo menor? E a resposta é: sim, existe. 31   Ver entre outros, Delgado & Cardoso Jr. 2000, Delgado, 2005, Barros & Carvalho, 2005; Barros, Henriques & Mendonça, 2000, Moura, Tafner & Jesus Filho, 2006. 32   Ver a respeito Camargo e Reis, 2007. 30

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em 7,5 pontos percentuais (de 50,4% para 43,9% ou redução de percentual de 15%), em 2003, a redução foi de 11,9 pontos percentuais (de 43,5% para 31,7% ou queda percentual de 27%). Mas em 2005 a redução da pobreza foi de 10,5 pontos percentuais, correspondentes a uma queda de 25%. O aumento observado se deve a dois fatores simultâneos: de um lado, a oferta, ou concessão de benefícios, continuou a crescer em ritmo acelerado, sobretudo aqueles cujo valor é o piso, e, de outro, o valor real do benefício básico tem crescido a partir da segunda metade da década de 90. Mas a redução recente revela o esgotamento do instrumento, como será mostrado à frente. Gráfico 5 – Pobreza familiar antes e depois do pagamento de aposentadorias e pensões (em %) 60

50

50,4

50,1

42,9

42,1

41,4

41,0

33,0

32,7

43,0

41,5

41,1

40

32,6

32,0

33,0

43,6

43,5

42,7

32,5

32,5

42,1

31,7

41,4

31,2

30,9

30

20

10

0

1992

1993

Fonte: Pnad /IBGE.

1995

1996

1997

1998

1999 Antes

2001

2002

2003

2004

2005

Depois

O fato de a previdência atuar como redutor da pobreza não implica que o instrumento seja eficientemente utilizado e nem que esteja atuando sobre os mais pobres. Para tanto, basta indicar que se houver dois indivíduos pobres, sendo um deles mais pobre do que o outro, se a política pública dedicar recursos ao menos pobre, certamente diminuirá a pobreza, mas não atingirá o mais pobre, nem tampouco atingirá sua potência máxima. Por isso, reduzir a pobreza não significa necessariamente atender aos mais pobres, mas apenas aos pobres. De

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fato, Barros et alii (2006) mostrou que: primeiro, apenas três de cada dez beneficiários da previdência que recebem o piso salarial vivem em família pobre (os demais estão fora da pobreza); segundo, que o salário mínimo é entre três e quatro vezes menos eficiente para reduzir pobreza do que um programa focalizado (como o Bolsa Família, por exemplo) e, por conseqüência, é quatro vezes mais caro do que esse programa para atingir o mesmo objetivo. Ora, se o objetivo bastante desejável de reduzir pobreza entre nós é o que se quer, então, definitivamente, a previdência não é o instrumento, pois tal como está desenhado é caro, desestimula a contribuição e provoca efeitos negativos sobre o mercado de trabalho, além de doutrinariamente subverter o conceito de seguro social. Apenas como exercício, seria possível idealizar um programa de transferência de renda focalizado nos mais pobres, nos moldes do Bolsa Família. Para efeitos de comparação, o exercício é feito mantendo-se constante o montante de recursos transferidos pela previdência. Os resultados são alvissareiros. Caso o programa fosse focalizado nos segmentos mais desprovidos de renda, o impacto sobre a pobreza (redução da mesma) seria muito mais intenso do que a previdência, como mostra o Gráfico 6. Gráfico 6 – Pobreza familiar antes e depois do pagamento de aposentadorias e pensões e simulação de programa focalizado entre os mais pobres (em %) 60

50

50,4

50,1

42,9

42,1

41,4

43,0

41,5

41,1

41,0

43,6

43,5

42,7

42,1

41,4

40 36,5

35,4 33,0

32,7

32,6

33,0

32,0

32,5

32,5

31,7

31,2

30 26,3

26,1

25,9

24,7

25,3

24,7

24,3

30,9

23,0 21,4 19,4

20

10

0

1992

1993

Fonte: Pnad /IBGE.

1995

1996

1997

1998

1999 Antes

2001 Depois

2002

2003

2004

2005

Focalizado

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Um segundo aspecto da questão diz respeito à capacidade da previdência em reduzir a pobreza familiar. Um argumento muito utilizado por defensores dessa posição é que o idoso ao receber uma renda do sistema previdenciário a compartilha com seu núcleo familiar. Em sendo verdadeira essa assertiva, isto implicaria que a incidência de pobreza seria invariante com a idade e, mais especificamente, a incidência de pobreza entre crianças e jovens não poderia ser superior à pobreza entre idosos e, se o fosse, seria em magnitude negligenciável, devido a fatores demográficos e, de composição de famílias. Não é isso, todavia, o que ocorre entre nós. No Brasil, a incidência de pobreza entre crianças e jovens (até 18 anos) é mais de três vezes maior do que a entre idosos (pessoas com 65 anos e mais). Isso implica que o compartilhamento de renda entre gerações está muito aquém daquele imaginado pelos defensores dessa idéia33. Como já mencionado, o fato de a previdência reduzir a pobreza no país não significa que esse instrumento esteja atuando sobre os mais pobres. Como acabamos de mostrar, os recursos da previdência não fluem entre as gerações de modo a equilibrar a pobreza para todas as idades. Se quiséssemos que a previdência fosse entendida como um programa redistributivo, poderíamos redesenhá-la de modo a, mantido o volume de recursos, deslocar parte deles para os mais pobres – os jovens e as crianças – e, com isso, reduzir o grau de pobreza (e desigualdade) na sociedade. Barros e Carvalho (2005) mostraram que se fossem transferidos 20% da parcela transferida aos idosos para os mais jovens, isso reduziria a pobreza em praticamente 10% pontos percentuais – e 13% entre as crianças – e teria como contrapartida um aumento de apenas 3% na pobreza entre idosos. Em termos agregados, essa medida reduziria a pobreza no Brasil em quatro pontos percentuais34.   Em termos comparativos, somos um caso especial. Tafner (2006) mostrou que de 16 países analisados, onze apresentaram taxas de pobrezas entre idosos em magnitude que é pelo menos o dobro daquelas encontradas entre crianças e jovens; em um, a incidência é igual; e, em apenas 4, a incidência de pobreza entre crianças e jovens (indivíduos com menos de 18 anos) é maior do que entre idosos. 34   Para que o leitor tenha uma idéia da potência desta medida, a redução do grau de pobreza a ela associada é 60% da obtida durante toda a década de 1990. 33

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Por isso tudo, o argumento de que a previdência deve ser mantida como está porque é um mecanismo de transferência de renda é falho. Seja porque o fundamento da previdência no Brasil, assim como em diversos países, é o seguro social, seja porque, cada vez mais, quem está na previdência não é pobre. É, assim, mais adequado corrigirmos os problemas da previdência e aprimorarmos os programas sociais, concentrando recursos e atenção nos pobres, com atendimento prioritário dos mais pobres. 5. Os desafios da previdência Dois aspectos particularmente intrigantes de nossa previdência dizem respeito às alíquotas incidentes sobre o trabalhador e a empresa e a cobertura da previdência. Iniciamos com as alíquotas. Num rol de 31 países, o Brasil tem a sexta maior alíquota previdenciária total (a quinta maior para empresas e a 14ª maior para trabalhadores) e a maior do continente americano. Dentre o grupo de países com alíquota total superior a 20%, o Brasil figura na mesma posição, e suas alíquotas – tanto para o trabalhador quanto o empregador – são maiores do que a média do grupo, como mostra a Tabela 11. Destaque-se o fato de que todos os países com alíquotas totais superiores à do Brasil são países com pelo menos o dobro da razão de dependência demográfica brasileira. Isso significa que, em futuro próximo, serão severas as pressões no sentido de elevar ainda mais nossas alíquotas, encarecendo o custo de nossa mão-de-obra, quando deveríamos estar agindo no sentido oposto.

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Tabela 11: Alíquotas incidentes sobre trabalhador e empresas - Países com alíquota total > 20%

Alíquota Alíquota País segurado empregador Alíquota total

Razão de dependência demográfica

Ucrânia

3,0

32,3

35,3

23,0

Portugal

11,0

23,8

34,8

25,1

Letônia

9,0

24,1

33,1

24,2

Itália

8,9

23,8

32,7

29,7

Polônia

16,3

16,3

32,6

18,2

Brasil

10,0

20,0

30,0

9,1

Índia

12,0

17,6

29,6

n.d.

Espanha

4,7

23,6

28,3

23,8

Rep. Tcheca

6,5

21,5

28,0

19,9

Uruguai

15,0

12,5

27,5

21,2

Finlândia

4,6

22,8

27,4

23,5

Albânia

8,0

19,1

27,1

12,6

Irã

7,0

20,0

27,0

6,8

Hungria

8,5

18,0

26,5

21,9

Eslovênia

15,5

8,9

24,4

21,9

Suíça

11,9

11,9

23,8

23,2

Bulgária

8,1

15,0

23,1

24,3

Paraguai

9,0

14,0

23,0

6,3

Áustria

10,3

12,6

22,8

24,2

Síria

7,0

14,0

21,0

5,2

Média aritmética

8,99

19,09

28,08

Fonte: Social Security Programs Through the World. (SSA-2006)

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O segundo aspecto diz respeito à cobertura previdenciária. Como visto anteriormente, a taxa de cobertura previdenciária ampliada é de aproximadamente 71% da população brasileira, o que, segundo diversos analistas, é baixa e seria menor, caso não tivesse sido ampliada a concessão de benefícios pós-CF-1988. Pois bem, utilizando dados da Pnad de 1979 e aplicando os mesmos critérios que produziram a Tabela 3 (p.130), encontra-se surpreendentemente o mesmo resultado: 71% da população coberta pelo sistema previdenciário pré-CF1988. O que muda, e muda muito, é a composição da cobertura. Em poucas palavras: praticamente universalizamos a cobertura (através da concessão de benefícios) para indivíduos com mais de 60 anos e reduzimos a cobertura para crianças e jovens (Tabela 12). Tabela 12: Cobertura direta e indireta do sistema de Seguridade para indivíduos titulares com 60 anos ou mais em 1979 - Brasil (em %)

Menor de

Faixa etária

15 anos a 59 anos 64 anos 69 anos 74 anos 79 anos e mais

De 15

60 a

65 a

70 a

75 a

80 anos População Total

Cobertura direta (A)

0,40

37,37

47,97

60.80

74,99

80,21

80.01

Aposentado  (1)

0,10

2,17

22,63

43,87

61,00

66,40

67,23

24,49 3,82

Pensionista  (2)

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00 19,17

Contribuinte  (3)

0,30

33,66

16,13

6,29

2,35

1,07

0,83

Apos. e Pens.  (4)

0,00

0,88

6,06

7,09

8,56

10,89

11,36

0,96

Apos. e Contrib.  (5)

0,00

0,66

3,14

3,54

3,08

1,84

0,60

0,54

Pens. e Contrib.  (6)

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00

0,00

47,11

Apos., Pens. e Contrib.  (7) Cobertura indireta (B)

64,63

37,33

29,19

25,27

17,60

13,57

13,38

Dep. de Aposentado

5,94

5,26

10,50

11,81

9,00

6,02

4,02

5,78

Dep. de Pens.

0,96

0,65

0,57

0,46

0,44

0,36

0,56

0,76

Dep. de Contrib.

57,74

31,43

18,12

13,00

8,16

7,19

8,80

40,57

Cobertura (A+B=C)

65,03

74,70

77,16

86,07

92,59

93,78

93,39

71,60

Não-cobertura (1-C) 34,97

25,30

22,84

13,94

7,41

6,22

6,61

28,40

Fonte: Pnad/IBGE. Nota: No conjunto A, os grupos formam uma partição.

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Ao calcular o simétrico da taxa de cobertura por idade (e não para faixa etária), verifica-se que a “não cobertura” previdenciária entre crianças e jovens é até cinco vezes maior do que entre idosos (acima de 60 anos). E o que é mais grave: entre 1979 e 2006 reduzimos o grau de proteção de crianças e jovens e, entre os primeiros, a “nãocobertura” chegou a se elevar em 10 pp no período (Gráfico 7). Mas crianças e adolescentes são, em geral, filhos de jovens adultos. O que significa dizer que é necessária uma política que incorpore jovens e adultos jovens ao mercado formal de trabalho para que suas proles tenham cobertura previdenciária. A melhor forma de elevar a cobertura é formalizar relações de trabalho. Em estudo realizado pelo Ipea (2005) sobre jovens, mostrou-se que os jovens e adultos jovens têm enorme dificuldade de inserção e de permanência no mercado formal, mas o fato de já ter entrado no mercado formal eleva a probabilidade de sua permanência nele. Gráfico 7 – Taxa de “não-cobertura” previdenciária por idade – Brasil – 1979 e 2006 55% 50% 45%

2006

1979

40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0%

0

2

4

6

8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 78 80 e + Idade

Fonte: Pnad/IBGE.

Excessivos gastos e reduzida participação no mercado formal, especialmente de jovens e adultos jovens, é uma combinação inadequada para sistemas previdenciários, sobretudo quando ainda há pela frente uma transição demográfica. Isso impõe desafios para nossa previdência

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e medidas devem ser tomadas para que se garanta a sustentabilidade da previdência. Impõe-se, de um lado, postergar a concessão de benefícios e, de outro, elevar a participação formal no mercado de trabalho. Como fazer isso? Através de reformas no sistema e redução do custo do fator trabalho. Alguns pesquisadores têm feito sugestões de ajustes no sistema de previdência (Tafner e Giambiagi, 2007; Zylberstajn et alii, 2006, Matjascic, 2006; Rocha e Caetano, 2008). Outros têm indicado a necessidade de reduzir o custo do trabalho (Ipea, 2006; Camargo e Reis, 2007 dentre outros). A seguir, arrolo um pequeno conjunto de propostas que sintetiza ambas as preocupações e incorpora como inovação algumas medidas voltadas para a juventude. São elas: •  Reduzir o custo do fator trabalho para elevar a formalização, por via de: i.  Redução lenta, mas progressiva da alíquota de empresas e trabalhadores (16% e 7%); ii.  Alíquotas especiais (menores) para remunerações iguais ou próximas do salário mínimo; iii.  Em conjunto com (ii), admitir contribuição sobre ½ salário mínimo de empregado e do empregador para jovens trabalhadores de 21 anos; e iv.  Ultrapassada essa idade, alíquota especial e progressiva em função da idade para jovens até 29 anos (3 a 5%) com limite de salário de até três SM. •  R eduzir ritmo de crescimento da despesa, por via de reforma que contemple:   i.  Estabelecimento de idade mínima 60/55 (tal como no setor público); ii.  Eliminação de tempo especial para categorias que dispõem dessa regalia; iii.  Progressiva redução para dois anos da diferença de idade entre homens e mulheres para obtenção dos benefícios; iv.  Redução progressiva da possibilidade de acumulação de benefícios; v.  Fixação de valor de benefício assistencial menor que o previdenciário e em idade mais elevada do que a fixada para aposentadoria por idade; vi.  Inclusão da renda assistencial no cálculo da renda per ca-

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pita para concessão do 2º benefício assistencial. vii.  Revisão das regras de pensão contemplando: •  Vinculação do valor do benefício à existência de prole menor (60% base + 20% filho até 21 anos e até o limite de 100% do valor do benefício); •  Limitação da acumulação de benefício (algo como se aposentado: 30% da pensão); e •  Na ausência de prole menor, vincular valor do benefício ao tempo da união e à diferença de idade dos cônjuges. Síntese e conclusões

Nas três últimas décadas, diversos países reformaram seus sistemas previdenciários. Essas reformas foram respostas à inadequação desses sistemas que não acompanharam as mudanças demográficas, econômicas e sociais que ocorreram nas sociedades, fazendo elevar as despesas e corroer suas bases de financiamento. Também o Brasil, há praticamente uma década, empreendeu uma reforma (posteriormente complementada em 2003) que necessitará de nova rodada de ajustamentos. É certo que uma nova reforma suscita no cidadão uma sensação de permanente mudança de regras. E de fato é. Mas esse processo reflete em boa medida, as poderosas resistências sociais, muitas vezes frutos de ausência de informação adequada e correta para que possam formar idéias desprovidas de preconceitos. Isso, longe de ser uma particularidade brasileira, é a norma da grande maioria de países. Trata-se de um processo que se poderia chamar de “aproximações sucessivas”. Assim foi na Espanha, na Itália, na Suécia, na Alemanha, na Bélgica, no Japão e em nosso vizinho próximo, o Uruguai. Em boa medida isso ocorre porque fazer reforma na previdência envolve muitos aspectos técnicos, diversificados atores sociais e políticos e diferentes custos e penalidades segundo atributos de idade, gênero, atividade econômica e planos de vida. E, em geral, para todos os grupos sociais, mudar a previdência significa assumir perdas – ainda que na maioria das reformas aqueles que já usufruem do benefício tenham sido freqüentemente poupados. Outro aspecto importante é que, como as reformas envolvem, por definição, vários pequenos ajustes operacionais – como alterar idade

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de acesso ao benefício, tempo de contribuição, valor do benefício, condições de cessação etc. –, uma particular mudança pode provocar perda para alguns, mas ser neutra para outros. Os vetos parciais são vetos com forte preferência, cuja conseqüência é gerar várias minorias com forte oposição. O resultado agregado é, em geral, elevado grau de resistência a mudanças, normalmente acompanhado de intensa mobilização popular. Dobrar resistências e produzir parâmetros mínimos de aceitação demanda tempo. Mas tempo somente não basta. É necessário que haja farta informação técnica de modo a orientar o debate nas questões substantivas. Informações técnicas são importantes porque permitem que propostas sejam apresentadas, as partes envolvidas percebam e “calculem” os custos envolvidos não apenas das reformas, mas, sobretudo, da ausência de reformas. A explicitação dos trade-offs é fundamental para que se avance. E isso demanda tempo. Tempo para explicitação exaustiva; tempo para o aprendizado. Mas não basta mudar a previdência. É igualmente necessário que nossa força de trabalho se torne um fator competitivo. E para tanto, é necessário que seu custo seja reduzido para quem a contrata. Alguns, por ingenuidade, desconhecimento ou má-fé julgam que reduzir o custo do trabalho é sinônimo de redução salarial. Puro engano! Reduzir o custo do trabalho é retirar desse fator de produção a elevada cunha fiscal. É reduzir a diferença entre o que o trabalho recebe e o que custa para o empregador. O intuito principal desse artigo foi contribuir para alargar o conhecimento sobre a questão e fornecer argumentos técnicos para que possamos nos dirigir para o debate sobre o que fazer com nosso sistema previdenciário que vem acumulando sérios desequilíbrios e progressivamente pressionando as contas do governo com impactos negativos sobre as possibilidades de crescimento de longo prazo.

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NÚMEROS ANTERIORES

EDIÇÃO 4 Cotas nas universidades brasileiras - A contribuição das teorias de justiça distributiva ao debate Fábio D. Waltenberg Desenvolvimento local e responsabilidade social - As ações de responsabilidade social como um instrumento de interlocução entre as empresas e a sociedade Leonardo Marco Muls e Ana Paula Fleury de Macedo Soares Filosofia e dança contemporânea Do movimento ilusório ao movimento total Maria Cristina Franco Ferraz O político contra a política - Uma agenda de pesquisa em forma de manifesto Thamy Pogrebinschi Uma releitura preliminar sobre a relação entre democracia, esfera pública e desigualdade na segunda metade do século XX na América Latina Érica Pereira Amorim


EDIÇÃO 5 A insuportável leveza do capital - Excertos a partir de Baudrillard André Queiroz Mudanças societárias e crise do emprego - Mistificações, limites e possibilidades da formação profissional Gaudêncio Frigotto Confusões em torno da noção de público - O caso da educação superior (provida por quem, para quem?) Ricardo Paes de Barros, Mirela de Carvalho, Samuel Franco, Rosane Mendonça e Paulo Tafner Entre a esperança e a realidade sobre a arte e o seu ensino Ronaldo Rosas Reis Sobre o relativismo estético pós-moderno e seu impacto extra-estético Walzi C. S. da Silva


EDIÇÃO 6 O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E AS CONDICIONALIDADES DE SAÚDE EM NÍVEL MUNICIPAL – Um programa populista ou estrutural? Juliana Estrella Leandro Molhano Ribeiro HUMOR NA LITERATURA BRASILEIRA – No início do século XX Leandro Konder A CIDADE-OBRA OU ‘OS OLHOS DA CIDADE SÃO DELES’ Luizan Pinheiro POBREZA E SAÚDE INFANTIL – Uma análise a partir dos dados da POF e da Pnad Maurício Reis e Anna Crespo A SOCIEDADE INDUSTRIAL E SUAS VULNERABILIDADES Sergio Elias Couri

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