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v.7 nº19 maio > agosto | 2012 SESC | Serviço Social do Comércio Administração Nacional
ISSN 1809-9815 Sinais Sociais | RIO DE JANEIRO | v.7 nº19 | p. 1-128 | maio > agosto 2012
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SESC | Serviço Social do Comércio | Administração Nacional PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL Antonio Oliveira Santos DIRETOR-GERAL DO DEPARTAMENTO NACIONAL Maron Emile Abi-Abib COORDENAÇÃO EDITORIAL Gerência de Estudos e Pesquisas / Divisão de Planejamento e Desenvolvimento Mauro Lopez Rego CONSELHO EDITORIAL Álvaro de Melo Salmito Mauricio Blanco Nivaldo da Costa Pereira secretário executivo
Mauro Lopez Rego assessoria editorial
Andréa Reza EDIÇÃO Assessoria de Divulgação e Promoção / Direção-Geral Christiane Caetano projeto gráfico
Vinicius Borges supervisão editorial
Jane Muniz produção editorial
Duas Águas| Ieda Magri revisão
Elaine Bayma revisão do inglês
Idiomas & cia diagramação
Livros & Livros | Susan Johnson produção gráfica
Celso Clapp
Sinais Sociais / SESC, Departamento Nacional - Vol. 1, n. 1 (maio/ ago. 2006)- . – Rio de Janeiro : SESC, Departamento Nacional, 2006 - . v.; 30 cm. Quadrimestral. ISSN 1809-9815 1. Pensamento social. 2. Contemporaneidade. 3. Brasil. I. Serviço Social do Comércio. Departamento Nacional, 2006 - . As opiniões expressas nesta revista são de inteira responsabilidade dos autores. As edições podem ser acessadas eletronicamente em www.sesc.com.br.
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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO5 EDITORIAL7 SOBRE OS AUTORES8 UM CONVITE À LEITURA10 Gabriel Cohn
CAIO PRADO JR. COMO INTÉRPRETE DO BRASIL14 Bernardo Ricupero
AS RAÍZES DO BRASIL E A DEMOCRACIA40 Brasilio Sallum Jr.
GILBERTO FREYRE E SEU TEMPO: CONTEXTO INTELECTUAL E QUESTÕES DA ÉPOCA60 Elide Rugai Bastos
ENTRE A ECONOMIA E A POLÍTICA – OS CONCEITOS DE PERIFERIA E DEMOCRACIA NO DESENVOLVIMENTISMO DE CELSO FURTADO88 Vera Alves Cepêda
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APRESENTAÇÃO A revista Sinais Sociais tem como finalidade precípua tornar-se um espaço de debate sobre questões da contemporaneidade brasileira. Pluralidade e liberdade de expressão são os pilares desta publicação. Pluralidade no sentido de que a revista Sinais Sociais é aberta para a publicação de todas as tendências marcantes do pensamento social no Brasil hoje. A diversidade dos campos do conhecimento tem, em suas páginas, um locus no qual aqueles que têm a reflexão como seu ofício poder-se-ão manifestar. Como espaço de debate, a liberdade de expressão dos articulistas da Sinais Sociais é garantida. O fundamento desse pressuposto está nas Diretrizes Gerais de Ação do SESC, como princípio essencial da entidade: “Valores maiores que orientam sua ação, tais como o estímulo ao exercício da cidadania, o amor à liberdade e à democracia como principais caminhos da busca do bem-estar social e coletivo.” Igualmente, é respeitada a forma como os artigos são expostos – de acordo com os cânones das academias ou seguindo expressão mais heterodoxa, sem ajustes aos padrões estabelecidos. Importa para a revista Sinais Sociais artigos cujas fundamentação teórica, consistência, lógica da argumentação e organização das ideias tragam contribuições além das formulações do senso comum. Análises que forneçam elementos para fortalecer as convicções dos leitores ou lhes apresentem um novo olhar sobre os objetos em estudo. O que move o SESC é a consciência da raridade de revistas semelhantes, de amplo alcance, tanto para os que procuram contribuir com suas reflexões como para segmentos do grande público interessados em se informar e se qualificar para uma melhor compreensão do país. Disseminar ideias que vicejam no Brasil, restritas normalmente ao mundo acadêmico, e, com isso, ampliar as bases sociais desse debate é a intenção do SESC com a revista Sinais Sociais. Antonio Oliveira Santos Presidente do Conselho Nacional do SESC
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EDITORIAL Esta edição da revista Sinais Sociais enfoca os clássicos do pensamento social brasileiro, dando destaque a Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior e Celso Furtado – pensadores cujas interpretações paradigmáticas foram revisitadas no curso “Sociedade brasileira interpretada por seus clássicos”, promovido pelo SESC com o propósito de qualificar permanentemente seus quadros gestores. Com tal escolha temática, pretende-se estender aos leitores da Sinais Sociais a experiência de aproximação às abordagens distintas e traduções variadas trazidas pelos professores-pesquisadores participantes daquela iniciativa de formação, no esforço de elucidar os condicionamentos de temas e problemas colocados na agenda pública em diferentes contextos da história nacional. Nesse espírito, a revista se abre com texto de Gabriel Cohn, que traz uma perspectiva dialógica entre interpretações, teses, e conceitos, e faz um convite provocador ao assinalar o gosto que se anuncia na leitura dos artigos assinados por Bernardo Ricupero, Brasilio Sallum Jr., Elide Rugai Bastos e Vera Alves Cepêda. Se, por um lado, as singulares apropriações dos clássicos aqui reunidas apresentam recursos intelectuais para a compreensão da realidade, por outro, apontam o sentido maior para a (re)leitura de tais obras: a abertura a sucessivas e novas questões do presente.
Maron Emile Abi-Abib Diretor-Geral do Departamento Nacional do SESC
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SOBRE OS AUTORES Bernardo Ricupero Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Professor doutor da Universidade de São Paulo, e pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisa (bolsa de produtividade em pesquisa 2) e do Centro de Estudos da Cultura Contemporânea. É também pesquisador principal do projeto temático da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Linhagens do Pensamento Político-Social Brasileiro. É autor de Caio Prado Jr. e a nacionalização do marxismo no Brasil, O romantismo e a ideia de nação no Brasil e Sete lições sobre as interpretações do Brasil. Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em História do Pensamento Político, atuando principalmente nos seguintes temas: pensamento político brasileiro, pensamento político latino-americano, marxismo, nacionalismo e romantismo.
Brasilio Sallum Jr. Graduado em Ciências Sociais (1970) e doutor em Sociologia (1980) pela Universidade de São Paulo (USP). É docente do Departamento de Sociologia e professor titular da USP, participa dos conselhos editoriais de Lua Nova – revista de Cultura e Política, Tempo Social – revista de Sociologia da USP, Sociologia & Política – da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Sociologia e Antropologia – da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É assessor do CNPq, da Capes e da Fapesp, coordena o Consórcio de Informações Sociais (CIS), projeto da USP/Anpocs, e desenvolve pesquisa sobre Movimentos Sociais, Crise Política e Impeachment. Seus trabalhos se concentram nas áreas de Estratificação Social e Sociologia Política.
Elide Rugai Bastos Mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), livre-docente em Pensamento Social e titular em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi editora da Revista Brasileira de Ciências Sociais (Anpocs) de 2001 a 2005 e atualmente é editora da revista Lua Nova (Cedec). É autora dos livros Ligas camponesas (Vozes), Gilberto Freyre e o pensamento hispânico (Edusc), As criaturas de Prometeu (Global), entre outros.
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Gabriel Cohn Graduado em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/ Universidade de São Paulo (FFLCH/USP, 1964), mestre em Ciências Sociais (1967) e doutor em Sociologia (1971) pela mesma universidade, foi livre-docente em Sociologia (1977), professor adjunto (1982), professor titular (1985) e professor emérito (2011) na FFLCH/USP. Foi presidente da Associação dos Sociólogos do Estado de São Paulo (1983-85), da Sociedade Brasileira de Sociologia (1985-87) e da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs, 2005-2006). Foi diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras/USP (2006-2008) e editor da revista Lua Nova do Cedec (1991-2003). Em sua trajetória intelectual destacam-se os temas: sociologia do desenvolvimento; sociologia da comunicação e cultura; teoria social com ênfase em teoria da ação (Max Weber) e em teoria crítica da sociedade (em especial Adorno).
Vera Alves Cepêda Graduada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP, 1992), mestre (1998) e doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (2004). Atualmente é professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos/UFSCar na graduação e no programa de pós-graduação em Ciência Política. Tem trabalhos e desenvolve pesquisas no campo do pensamento político e social brasileiro, mais especificamente ligados às teorias do subdesenvolvimento, ao nacional-desenvolvimentismo e às metamorfoses do processo de modernização ocorrido no Brasil durante o século XX, com ênfase no binômio desenvolvimento-democracia. Publicou vários textos sobre a obra de Celso Furtado, Roberto Simonsen, sobre a questão do liberalismo no Brasil e o balanço entre o velho e o novo-desenvolvimentismo.
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UM CONVITE À LEITURA A revista Sinais Sociais reserva, neste número, uma experiência intelectual suculenta aos seus fiéis leitores. São artigos, escritos por estudiosos altamente qualificados, sobre algumas das contribuições fundamentais do pensamento social, político e econômico brasileiro no século passado. Que ninguém veja nisso mero ato rotineiro de organização editorial. Duas coisas estão no fundo dessa decisão. Primeiro, a percepção, no interior do SESC, de que o estudo e a reflexão sobre o pensamento social brasileiro vêm ganhando espaço nos anos recentes. E isso ocorre com base na constatação de que temos aí muito mais do que matéria para a curiosidade e o deleite intelectual (o que já não seria pouco, convenhamos). Acontece que se acumulam as evidências de que o conhecimento de como mentes brilhantes pensaram a constituição histórica, a configuração contemporânea e as tendências futuras da nossa sociedade tem sentido próprio. É da maior importância para quem se prepara para intervir aqui e agora nessa realidade, mediante políticas de todo tipo, a começar por aquelas na área mais funda de todas, a da cultura. A segunda, mais específica e altamente significativa, é que os artigos aqui apresentados resultam de intervenções dos seus autores em um ciclo de palestras com objetivo bem definido: o aprimoramento da formação de quadros profissionais do próprio SESC. Essa referência institucional não é ociosa, porque indica aquilo que orientava a redação dos textos e aquilo que se espera dos seus leitores: a busca de ângulos insuspeitados no entendimento do Brasil e o exercício da capacidade de “ver o mundo com outros olhos” (para usar o título de memorável série dirigida por Fernando Jordão na TV Cultura nos anos 1970, quando a Fundação Padre Anchieta tinha o vigor da juventude em tempos difíceis e ainda não estava corroída pelo descaso oficial). Os artigos que leremos em seguida discutem obras clássicas. De imediato surge a questão: o que significa chamá-las de clássicas? Para além da inclusão em um panteão restrito e privilegiado – que pode-
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ria ser mero capricho de quem tivesse poder para isso –, essas obras exibem características próprias. Talvez elas não sejam discerníveis ao olho nu, e às vezes ficam ocultas por longo tempo, mas certamente o olhar bem formado as percebe e sabe apreciar – e é por isso que a exposição ajuda muito. Delas, a principal característica consiste naquilo que gosto de formular em uma imagem espacial, com base em um desafio de salão. Suponhamos que você disponha de seis palitos e queira construir com eles quatro triângulos. Se você simplesmente tentar dispor os palitos na superfície de uma mesa não vai conseguir. Mas se construir um triângulo plano sobre a mesa com três palitos e erguer os outros três apoiados nos vértices do anterior, dará certo. Só que algo ocorreu na passagem dos triângulos bidimensionais para a pirâmide. Houve uma mudança de perspectiva, uma espécie de salto dimensional que muda tudo. Onde antes mal tínhamos uma lente, temos um prisma. É exatamente a capacidade de fazer isso no plano das ideias que caracteriza a obra clássica e singulariza sua autoria. Veja-se o modo como Celso Furtado põe em operação a ideia de “socialização das perdas” no exame dos mecanismos de resposta à repercussão no Brasil da crise econômica dos anos 1930. A descrição da coisa nem era invenção dele: outros já haviam assinalado isso. O que ele fez foi integrar esse aspecto em uma explicação abrangente e coerente que permite mostrar o exato lugar que esse processo ocupava em um conjunto maior, descrever o como e o porquê da sua eficácia e, de passagem, abrir a estudiosos futuros a percepção de que temos aí um processo que não se esgota nos efeitos de medidas econômicas conjunturais, mas deita raízes no que há de mais fundo nessa sociedade até o plano daquilo que eu sem hesitar chamaria de cultura política – vale dizer, o modo como os cidadãos percebem e se relacionam com a dimensão pública das suas vidas. A lógica da “socialização das perdas” está presente até hoje em dimensões da vida social que à primeira vista em nada se parecem ao grande processo de gestão dos custos das perdas cafeeiras há mais de 80 anos. Por exemplo, no ato do sujeito que para – supostamente – facilitar sua vida espalha entulho na rua para que os veículos o espalhem pelo mundo na forma de
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pó. A descrição de um fenômeno singular na época e no lugar ganha essa amplitude e esse alcance ao ser tratado como mais do que mera exposição, mas como ferramenta de conhecimento, como conceito. Só um autor de primeira ordem sabe fazer isso sem cair no palavrório oco, na criação de rótulos vazios para as coisas. A referência a Celso Furtado permite assinalar uma raiz dessa capaci dade singular dos grandes autores. É a sua versatilidade, sua capacidade para examinar o mundo por diversos ângulos e converter esse exame diferenciado e ágil naquilo que importa: a formulação de problemas relevantes. Ser colônia significa ser arcaico? Construir instituições democráticas significa ser democrata? É possível modernizar-se com baixa industrialização? Um mundo social amarrado pelos finos fios de relações face a face tem como resistir à mudança? Tantas questões que, se não feitas e não examinadas, nos deixam desamparados na busca da compreensão do mundo em que vivemos agora e parali sados na tentativa de intervir nele. Essa versatilidade está presente em todos os autores estudados neste número da Sinais Sociais. (De passagem, em Celso Furtado ela é literal. Afinal, quantos casos se conhecem de alguém que ocupa o Ministério do Planejamento em um momento e o Ministério da Cultura em outro?) Caio Prado Jr. fazia historiografia, fazia geografia, examinava a economia, conhecia jurisprudência e conseguiu juntar tudo isso em uma decisão corajosa sob todos os pontos de vista: a adoção de uma perspectiva de análise contestada quando não ignorada que, no seu entender, oferecia elementos para pensar as questões da constituição histórica e das tendências da sociedade brasileira de modo integrado. De certo modo, Gilberto Freyre, antropólogo e sociólogo visceral, faz o caminho inverso: pulveriza tudo em microrredes de relações, examina com genuíno afeto temperado com boa disciplina do método os menores desvãos daquilo que, para ele, era o lugar onde tudo tomava forma. Legou-nos não poucas questões perturbadoras. Sérgio Buarque é examinado aqui por um ângulo de importância e atualidade centrais: a da democracia. E, neste ponto, vale a pena ficar atento para um aspecto da análise aqui apresentada, feita por quem é mestre nes-
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sa perspectiva: o caráter multidimensional dos conceitos, em especial quando manejados por autores de peso. Isso vale para o tratamento que Sérgio Buarque reserva à democracia e igualmente vale para todos os demais autores. Temos, então, pela frente boa leitura, agradável leitura, proveitosa leitura. Gabriel Cohn Professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/USP
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O artigo relaciona a obra de Caio Prado Jr. com a de outros “intérpretes do Brasil”. Destaca a sua relação com o marxismo, que Caio Prado Jr. entendeu, sobretudo, como um método capaz de chamar a atenção para as particularidades constitutivas da formação social brasileira. Nessa referência, inaugura, ao apontar para o que chamou de “sentido da colonização”, uma nova maneira de entender o país, que enfatiza sua relação com o resto do mundo e insiste na dificuldade da superação da orientação colonial, formulando uma visão da história brasileira que ressalta suas permanências. Embora tal perspectiva dificulte a apreciação de mudanças como a industrialização, passa a adquirir surpreendente atualidade em um momento em que o crescimento econômico do país volta a depender pesada e crescentemente da exportação de produtos agrícolas e de matérias-primas. Palavras-chave: Caio Prado Jr.; marxismo; formação social brasileira The article associates Caio Prado Jr.’s work with the work of other “interpreters of Brazil” and emphasizes his association with Marxism, seen by Caio Prado Jr. as a method capable of drawing attention to the constituent characteristics of Brazilian social formation. Prado Jr. introduced a new approach to understanding Brazil, mostly focused on the country´s relation to the rest of the world, which he called the “sense of colonization.” He insists on the difficulties of overcoming the colonial orientation, thus creating a view of Brazilian History that stresses its permanencies. Though such an outlook might underestimate changes such as industrialization, on the other hand, it is surprisingly relevant in the current phase, when Brazil’s economic growth has again become increasingly dependent on agricultural and raw materials exports. Keywords: Caio Prado Jr.; Marxism; Brazilian social formation
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INTRODUÇÃO: O ENSAIO DE INTERPRETAÇÃO DO BRASIL Quando se fala em Caio Prado Jr. como um “intérprete do Brasil”, parte-se, mesmo sem ter consciência disso, do prefácio de Antonio Candido (1963) à quinta edição de Raízes do Brasil. Nele, o crítico indica os livros que mais marcaram sua geração – os moços e as moças que, entre os anos 1930 e 1940, saíam do colégio e entravam na universidade. Além do ensaio de estreia de Sérgio Buarque de Holanda, teriam tido grande impacto sobre eles Casa-grande & senzala, de Gilberto Freyre, e Formação do Brasil contemporâneo: colônia, de Caio Prado Jr. O texto de Candido ajudou a criar uma espécie de cânone das “interpretações do Brasil”, segundo o qual, Freyre, Holanda e Prado Jr. como que se converteram em pais fundadores do pensamento social brasileiro. Vale notar que essa operação, que chega até aos dias de hoje, foi além das intenções originais do prefácio que consiste, em grande parte, em um relato pessoal e, se tanto, geracional. Não é, porém, mero acaso que esse cânone tenha se formado a partir das pouco mais de dez páginas do escrito de Candido. Sugestiva, antes de tudo, é a vinculação dos livros dos anos 1930 e 1940 de Freyre, Holanda e Prado à história recente do Brasil. Ou melhor, o prefácio indica que Casa-grande & senzala, Raízes do Brasil e Formação do Brasil contemporâneo: colônia surgem dos ventos renovadores que passam a soprar na década de 1920 e se tornam irreversíveis com a Revolução de 1930. Nessa referência, é mais do que coincidência que os autores dos três livros tenham estado antes vinculados, cada um a seu modo, ao Modernismo1. Melhor, assim como a Revolução de 1930 funcionaria como um marco na vida social e política do Brasil, delimitando o início do “país moderno”, os livros de Freyre, Holanda e Prado Jr. indicariam uma Freyre foi um dos principais animadores do Movimento Regionalista do Nordeste, vertente mais tradicionalista do Modernismo, ao passo que Holanda foi uma espécie de “embaixador” no Rio de Janeiro do modernismo paulista. Prado Jr. pertenceu, por sua vez, ao Clube dos Artistas Modernos (CAM), tendo proferido palestras, depois do seu retorno do “país dos sovietes” no CAM, que foram posteriormente publicadas no livro URSS, um novo mundo.
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nova maneira de entender nossa sociedade. Mais especificamente, para além de análises naturalistas, que enfatizariam o peso do meio natural e da raça, as novas obras procurariam chamar a atenção para a importância dos fatores históricos e sociais na formação do que somos. No entanto, montou-se também, a partir do prefácio de Candido, uma imagem sobre os membros da “geração de 1930” que sugere a existência de uma espécie de “divisão intelectual do trabalho” entre eles. Segundo esta imagem, Freyre, influenciado pela antropologia cultural norte-americana, teria chamado a atenção para a importância da cultura negra. Já Holanda, nutrido pela sociologia e a historiografia alemãs, teria destacado a dificuldade de estabelecer a democracia em um ambiente no qual prevalecem relações primárias. Finalmente, a partir do marxismo, Prado Jr. teria aberto caminho para a emergência das classes nas explicações do Brasil2. Essa quase representação a respeito dos autores de Casa-grande & senzala, Raízes do Brasil e Formação do Brasil contemporâneo: colônia é, em boa medida, simplificadora. Já se comentou, nesse sentido, que Freyre continuava, em 1933, a encarar como decisivos o ambiente e a raça, em uma perspectiva teórica que seria, em pontos decisivos, neolamarckiana. Por seu lado, a postura favorecida por Holanda diante da democracia, em 1936, tem sido percebida como mais ambígua do que se imaginara. Da mesma forma, observou-se que Caio Prado Jr. não deixa de ser influenciado em aspectos decisivos de sua interpretação por Oliveira Vianna, um dos autores mais identificados com o tipo de análise que teria desaparecido a partir de 1930 (LIMA, 1989; RICUPERO, 2007; WAIZBORT, 2011). Em uma referência mais ampla, é possível relacionar os livros de Freyre, Holanda e Prado Jr. a um “quase gênero” que proliferou na América Latina na primeira metade do século XX: o “ensaio de interpretação nacional”. Mais ou menos na mesma época dos trabalhos citados, aparecem Siete ensayos de interpretación de la realidad peruana (1928), de José Carlos Mariátegui, Radiografía de la pampa (1933), de Ezequiel Martínez Estrada, El perfil del hombre y la cultura en México Não há propriamente uma interpretação desse tipo formulada de modo explícito e claro, mas uma certa sensibilidade, presente em, por exemplo, Cardoso (1993) e Morse (1990).
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(1934), de Samuel Ramos, Contrapunteo cubano del tabaco y el azúcar (1940), de Fernando Ortiz, e, um pouco mais tarde, El laberinto de la soledad (1950), de Octavio Paz. Em uma atitude diferente da que havia, até então, prevalecido na região e, em certo ponto, ligados ao que pode ser vagamente chamado de modernismo, muitos desses ensaios não buscam tanto soluções para os males de suas sociedades, mas visam entender os dilemas que elas enfrentam (MORSE, 1996)3. Talvez se pudesse até sugerir que o ensaio, “forma entre a poesia e a ciência”, tenha sido o principal meio utilizado por intelectuais latinoamericanos para expressarem os problemas de suas sociedades em um momento de consolidação, ainda precário, do campo intelectual. Em outras palavras, o intelectual já não era literato, mas ainda não tinha se convertido em especialista. Nesse sentido, o ensaio ocupa, por definição, uma posição ambígua. Resiste à especialização, mas ao mesmo tempo a pressupõe, na perspectiva integradora que pretende assumir. É também, em certa medida, expressão da emergência de um mercado editorial, em que já há espaço para esse tipo de livro (RAMOS, 2003). Em outra orientação, o ensaio de interpretação do Brasil assume, para alguns, um significado bastante específico. De acordo com Bolívar Lamounier, por exemplo, os livros do pensamento autoritário, que se popularizaram nos primeiros anos do século XX com a crítica ao novo regime republicano, seguiriam um quase padrão narrativo: “Invariavelmente se inicia[m] com amplas reflexões histórico-sociológicas sobre a formação colonial do país, estende[m]-se no diagnóstico do presente (...) e culmina[m] na proposição de algum modelo alternativo de organização político-institucional” (LAMOUNIER, 1990, p. 345, grifos do autor). Outros destacam como Freyre, Holanda e Prado Jr. escreveram seus primeiros livros em um momento em que ainda não se tinham conso É verdade que Martinez Estrada, nas últimas linhas de Radiografia de la pampa, não deixa de sugerir uma certa terapêutica: “Conforme esta obra e esta vida imensas vão caindo no esquecimento, nos volta a realidade profunda. Temos que aceitá-la corajosamente, para que nos deixe de perturbar: termos consciência dela, para que se esfume e possamos viver unidos com saúde” (MARTINEZ ESTRADA, 1996, p. 256). Também Paz reconhece que “a crítica do México e de sua história (é) uma crítica que se assemelha à terapêutica dos psicanalistas” (PAZ, 2004, p. 403). 3
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lidado no Brasil a universidade e o tipo de trabalho que ela favorece, a monografia, com objeto mais bem delimitado. Segundo Sérgio Miceli, “os autores de Evolução política do Brasil, Raízes do Brasil e Casa-grande & senzala trabalhavam por conta própria, não tendo então quaisquer laços com a instituição universitária, empresários de suas obras na acepção literária do termo, e ainda bastante marcados pelos procedimentos da fatura ensaística. Os três desenvolveram sua carreira intelectual valendose basicamente de seu patrimônio material e social, devendo quase nada a mentores políticos, partidários ou acadêmicos. Seriam, em outras palavras, “livres atiradores isolados (...) últimos representantes de uma categoria de grandes intelectuais autodidatas” (MICELI, 1989, p. 102). Não é difícil perceber que os trabalhos de Freyre, Holanda e Prado Jr. não correspondem inteiramente às caracterizações anteriores. Seus autores estiveram ligados, em momentos variados, à universidade, o que se percebe na própria forma que seus livros assumem. Casa-grande & senzala foi escrito, em grande parte, a partir da experiência do autor como estudante nos Estados Unidos, tendo especial peso a pósgraduação cursada na Universidade de Columbia. A própria utilização de fontes então bastante originais – como livros de receitas, livros de etiqueta e romances – se relaciona a novas investigações acadêmicas com as quais entrou em contato no seu período norte-americano. Entre os livros que merecem nossa atenção, Raízes do Brasil é talvez o que mais se assemelha à suposta estrutura narrativa dos ensaios de interpretação do Brasil, fechando-se inclusive com os capítulos mais políticos “Novos tempos” e “Nossa revolução”. No entanto, é notável a ambiguidade de Holanda quanto às transformações pelas quais passava o país. Além do mais, seu trabalho seguinte, Monções, de 1945, escrito depois de uma curta experiência na Universidade do Distrito Federal (UDF), pauta-se mais claramente pelos parâmetros da pesquisa historiográfica. No caso que mais me interessa aqui, Caio Prado Jr., também não é difícil perceber a diferença entre seus primeiros livros. Ou melhor, Evolução política do Brasil é um trabalho bem mais próximo do que se chamou ensaísmo do que Formação do Brasil contemporâneo: colônia. O próprio escopo das duas análises é diferente: o primeiro procura abarcar toda história da colônia e do Império, ao passo que o segundo tem uma delimitação mais precisa, concentrando a análise no início do século XIX.
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Verdade que seu autor não deixa de esclarecer as possibilidades mais amplas que o período poderia indicar: O momento é decisivo sobretudo por duas circunstâncias: de um lado, ele nos fornece, em balanço final, a obra realizada por três séculos de colonização e nos apresenta o que nela se encontra de mais característico e fundamental. (...) É uma síntese deles. Doutro lado, constitui uma chave e chave preciosa e insubstituível para se acompanhar e interpretar o processo histórico posterior e resultante dele que é o Brasil de hoje (PRADO JR., 1942, p. 5).
De qualquer maneira, é provável que os anos em que Caio Prado Jr. foi aluno de professores franceses, como Fernand Braudel, Pierre Desfontaines, Pierre Monbeig, na recém-criada Universidade de São Paulo (USP), tenham influenciado algumas mudanças entre seu primeiro e terceiro livro (MARTINEZ, 2008). Mais importante, apesar de nunca ter sido aproveitado na universidade, o historiador fez parte, durante a maior parte de sua vida, de uma instituição que exigia um comprometimento talvez até maior do que ela: o Partido Comunista do Brasil (PCB)4. 1 A INTERPRETAÇÃO DO BRASIL Quando Caio Prado Jr. adere, aos 24 anos, ao PCB, o partido não tem mais de dez anos de existência. No caso específico do jovem de família aristocrática, é a decepção com a Revolução de 1930 que o conduz à radicalização política (PRADO JR., 1981). O marxismo com o qual Caio Prado Jr. se depara é, entretanto, bastante incipiente, praticamente coincidindo com a fundação, em 1922, do partido ao qual aderiu. Sinal disso é que mesmo um texto de ampla divulgação, como O manifesto comunista, foi publicado no Brasil apenas na década de 1920. Logo, contudo, aparecem tentativas de explicação marxista do país. Já em 1926, um dos principais dirigentes comunistas, Octavio Brandão, escondido sob o pseudônimo de Fritz Buscando a legalização, o Partido Comunista do Brasil, em 1960, muda de nome para Partido Comunista Brasileiro.
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Mayer, tenta precisamente realizar esse tipo de trabalho em Agrarismo e industrialismo: ensaio marxista-leninista sobre a revolta de São Paulo e a guerra de classes no Brasil (MAYER, 1926). Apesar do mérito pioneiro de Brandão, sua realização nos parece hoje, no mínimo, datada. Tal sensação deriva, entre outros pontos, da tentativa de aplicar a dialética – equiparada à tríade tese, antítese e síntese – à análise da revolta tenentista do general Isidoro Dias Lopes, de 1924. Identifica, assim, o presidente Arthur Bernardes com a tese (o agrarismo feudal), Isidoro Dias Lopes com a antítese (a pequeno-burguesia rebe lada, por trás da qual estaria o capital industrial), e a revolução proletária, ainda por vir, com a síntese5. A “dialética” é então usada para explicar a história do movimento operário brasileiro, a história do Brasil (dividida em dez ciclos) e a história de Roma (dividida em oito ciclos)... Mas se Agrarismo e industrialismo nos parece hoje datado, as condições para explicações marxistas de experiências nacionais se tornam ainda mais difíceis depois da realização, em 1928, do VI Congresso da Internacional Comunista (KONDER, 1982). As chamadas teses sobre os “países coloniais, semicoloniais e dependentes” passam a não deixar espaço nem mesmo para tímidas interpretações como as de Brandão. As variadas sociedades latino-americanas, africanas e asiáticas são todas etiquetadas sob uma mesma rubrica: a de que deveriam todas repetir a experiência europeia das revoluções burguesas, supostamente destinadas a primeiro instalar o capitalismo, abrindo caminho, futuramente, para o socialismo. Todavia, é possível considerar que Caio Prado Jr. se encontrava em melhor situação do que a da maior parte dos comunistas desses países para interpretar o Brasil de maneira original. Para começar, os recursos financeiros de um rico herdeiro lhe possibilitavam encomendar da Europa livros marxistas aos quais outros não teriam acesso6. Brandão sugere, a partir da sua análise, a aliança do PCB com a pequeno-burguesia rebelada, supostamente identificada com o tenentismo. Tal linha de atuação é, por sua vez, inspirada na política então levada a cabo pelos comunistas chineses que participavam do Kuomitang, Partido Nacionalista. Ver Roio, 1990. 6 Um sinal disso é a correspondência de Caio Prado Jr., já em maio de 1932, com o Bureau d’Éditions da França, em que indaga sobre a possibilidade de adquirir as obras completas de Marx e Lênin.Ver Prontuário de Caio Prado Jr. no DEOPS, 30-k-33. 5
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Por outro lado, a cultura marxista de nosso autor não ia muito além da que prevalecia no seu ambiente político. Em poucas palavras, apesar de ter formulado algumas das principais hipóteses exploradas posteriormente pelo marxismo uspiano, experiência que foi caracterizada como “capítulo brasileiro do marxismo ocidental”, nunca deixou de estar fundamentalmente identificado com o “marxismo soviético”7. Em outros termos, o mais proveitoso não é tanto saber o quanto de marxismo Caio Prado Jr. conhecia, mas o que foi capaz de fazer com o marxismo que conhecia. Nesse sentido, é especialmente sugestivo acompanhar como, ao longo de sua obra, procura aproximar o marxismo, entendido como método, da experiência social brasileira (RICUPERO, 2000). Esse esforço continuou a acompanhar o autor até o final de sua produção embora ganhe contornos específicos de acordo com as diferentes condições históricas que enfrenta. Já no seu primeiro livro, busca utilizar “um método relativamente novo”, (PRADO JR., 1933, p. 7) o materialismo-histórico, para interpretar a história brasileira. Para tanto, mostra-se também disposto a recorrer a fontes não muito evidentes. Uma das grandes inovações de Evolução política do Brasil na historiografia brasileira – a atenção às chamadas revoltas da Regência, movimentos frequentemente ocorridos em províncias afastadas do centro econômico e político do país, muitas vezes com participação popular – pode ser vista como inspirada no prefaciador de História geral do socialismo, de Max Beer. Com efeito, esse prefaciador, cujo nome não cita, insiste em que a história não seja simplesmente encarada como uma A expressão “capítulo brasileiro do marxismo ocidental” é de Paulo Arantes (1994). Sinal, por sua vez, da vinculação de Caio Prado Jr. com o marxismo soviético é sua resposta, em 1935, à enquete da Revista Acadêmica sobre “quais os livros necessários à formação de uma cultura socialista”. Dos seis livros selecionados, cinco são de autores russos: Nikolai Bukharin, Teoria do materialismo histórico, trad. Caio Prado Jr.; Lapidus e Ostroveittanov, Précis d’économie politique; Georg Plekhanov, Questions fondamentales du marxisme; Vladimir I. Lênin, O imperialismo, última etapa do capitalismo e O Estado e a Revolução; Anton Merger, L’État socialiste. Ver Prado Jr. (1935). Mesmo posteriormente o marxismo soviético continuará a ser a grande referência política e intelectual de Caio Prado Jr. 7
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história de “heróis e (...) grandes feitos” (PRADO JR., 1933, p. 9). Ou seja, é possível dizer que o início no Brasil de uma historiografia que presta atenção também aos anônimos, a grande maioria da população, se deve não muito mais do que à advertência de um prefaciador anônimo. De maneira mais polêmica, já em 1933, Caio Prado Jr. considera que “podemos falar em um feudalismo brasileiro apenas como figura de retórica, mas absolutamente para exprimir um paralelismo que não existe, entre nossa economia e a economia da Europa medieval”. O jovem historiador demonstra, dessa forma, grande independência, não aplicando simplesmente as teses da Internacional Comunista ao seu país. Coloca-se, além do mais, em uma posição pioneira no que foi uma das principais controvérsias do marxismo latino-americano: a existência ou não de feudalismo na região (LOVE, 1990; LOWY, 1980). Caio Prado Jr. aprofunda essa intuição nove anos depois, em Formação do Brasil contemporâneo: colônia, ao tratar do que chamou de “sentido da colonização”. Já percebera antes que no Brasil não existiam propriamente latifundiários e camponeses, em razão do predomínio da empresa da grande exploração. Em 1942 destaca que o motivo de ser da colônia portuguesa foi produzir, em grandes unidades trabalhadas pelo braço escravo, bens demandados pelo mercado externo. Ao enfatizar a ligação do Brasil com o resto do mundo, Caio Prado Jr. muda a própria linha de reflexão sobre o país. Antes dele, a maior parte dos intérpretes do Brasil se preocupava principalmente com as características internas da nossa sociedade. Mesmo autores como Freyre e Holanda chamavam a atenção em especial para a presença do latifúndio pretensamente autossuficiente e, a partir dele, a formação da família patriarcal, com sua orientação particularista. Depois de Formação do Brasil contemporâneo: colônia, outros trabalhos também destacam a ligação do Brasil e da América Latina com o resto do mundo e, em especial, com o mercado capitalista internacional. Esse é o tipo de análise levado a cabo pelo argentino Sérgio Bagú, pela Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) da ONU, por Celso Furtado, pela Teoria da Dependência etc. Nesse sentido, a própria inovação de Caio Prado Jr. pode ser relativizada, já
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que ela se relaciona com um novo clima de opinião surgido no Brasil e na América Latina depois da Crise de 1929 e da II Guerra Mundial8. Caio Prado Jr. indica, além do mais, que a partir da finalidade mercantil, dada pelo “sentido da colonização”, ou melhor, em função dela, se organizaria o que viria a ser a colônia brasileira. Diferentes elementos se combinariam em uma organização social original, bastante distinta da europeia, obedecendo fundamentalmente a um objetivo: fornecer produtos primários para a metrópole. Em poucas palavras, o “sentido da colonização”, além de chamar a atenção para a ligação do Brasil com a economia mundial capitalista, também serve como instrumento para reconstituir a totalidade da experiência colonial. Nessa orientação, insiste Caio Prado Jr., em que, não obstante a história ser feita de um “cipoal de incidentes secundários”, capaz de confundir o observador, há um certo “sentido” que lhe confere inteligibilidade. Isso reflete o fato de que “todos os momentos e aspectos não são apenas partes, por si só incompletas, de um todo que deve ser sempre o objetivo último do historiador” (PRADO JR., 1942, p. 13, grifo do autor). Na preocupação com a totalidade se revela especialmente a vinculação do autor com o marxismo, visto principalmente como um método para interpretar e transformar a realidade9. O ponto de vista da totalidade inclusive oferece vantagens para a interpretação de Caio Prado Jr. da colônia em relação a outras análises do período. Por exemplo, seus “companheiros de geração”, Freyre e Holanda, destacam aspectos muito relevantes da vida colonial – em especial, a formação da família patriarcal e a atuação do ethos do aventureiro no Brasil – mas são incapazes de explicar como essas características se articulam. Quer dizer, não é possível, partindo da família patriarcal ou do ethos do aventureiro, perceber como se esta Refletindo o que Antonio Candido (1965) chamou de dialética entre o localismo e o cosmopolitismo na vida espiritual brasileira, a perspectiva do “sentido da colonização” foi posteriormente criticada por não dar a devida atenção às características internas da sociedade brasileira. 9 Como insiste George Lukacs, “a categoria da totalidade, a supremacia do todo sobre as partes, é a essência do método que Marx herdou de Hegel e brilhantemente transformou na fundação de uma ciência completamente nova” (LUKACS, 1990, p. 27). 8
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beleceu o “sentido da colonização”. Em orientação inversa, pode-se, a partir do “sentido da colonização”, entender a criação da família patriarcal e a atuação do ethos aventureiro no Brasil. No todo que é o sistema colonial brasileiro, o seu elemento mais importante seria a grande unidade produtora. A grande exploração, agrícola, mineradora ou extrativa, se caracterizaria pela “reunião numa mesma unidade produtora de grande número de indivíduos” (PRADO JR., 1942, p. 117). A grande exploração seria, portanto, a exemplo do sistema colonial, uma totalidade. Três seriam os elementos constitutivos desse todo que é a grande exploração: 1) a produção de bens de alto valor no mercado externo; 2) em grandes unidades produtivas; 3) trabalhadas pelo braço escravo. A importância da grande exploração no quadro da colônia é bastante natural, já que esse empreendimento mercantil se organiza para fornecer produtos primários para o mercado externo, o que, segundo Caio Prado Jr., constitui precisamente o sentido da obra de colonização do Brasil. Assim, ainda nos limites da linguagem biológica, considera que apenas o que está ligado à grande exploração teria vida orgânica na colônia. Contudo, se havia no sistema colonial brasileiro uma articulação entre seus elementos constitutivos, criando um todo social orgânico, existiria também uma desarticulação entre a produção, voltada para fora, e o consumo da maior parte da população, o que se caracteriza como o aspecto inorgânico do sistema. Na colônia, o inorgânico seria, portanto, principalmente o que não pertence à grande exploração. Ou melhor, como na situação colonial a grande exploração representa realidade impossível de ser ignorada, seriam inorgânicos os elementos que nela ocupam papel subalterno. Esse setor inorgânico viveria, porém, uma situação caótica. Nessa condição se encontrariam tanto atividades econômicas voltadas para o mercado interno, como a pecuária e a produção de determinados gêneros agrícolas (a mandioca, por exemplo), como toda uma multi dão de situações de difícil classificação ou inclassificáveis. Os dois tipos de atividade teriam, entretanto, um mesmo papel básico: seriam meros apêndices da grande exploração. Refletindo a crescente importância do setor inorgânico, Caio Prado Jr. não deixa de assinalar que entre “a pequena minoria [de senhores]
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e a multidão [de escravos]”, grupos que não oferecem maiores dificuldades para a análise, “comprime-se o número, que vai avultando com o tempo, dos desclassificados, dos inúteis e inadaptados; indivíduos de ocupações mais ou menos incertas ou aleatórias ou sem ocupação alguma” (PRADO JR., 1942, p. 279). Ou seja, o setor inorgânico teria mesmo reflexos sociais. Formação do Brasil contemporâneo: colônia é bastante reticente quanto ao setor inorgânico. Ao tratar dele, Caio Prado Jr. considera que, a rigor, “não se pode nem ao menos falar em ‘estrutura social’, porque é a instabilidade e a incoerência que a caracterizam, tendendo em todos os casos para estas formas extremas de desagregação social, tão salientes e características da vida brasileira (...): a vadiagem e a caboclização” (p. 343). Isso se refletiria na dificuldade que enfrentam os grupos subalternos para agirem politicamente, como se pode notar nas chamadas revoltas da Regência, movimentos para os quais nosso autor foi dos primeiros a chamar a atenção, em Evolução política do Brasil (CRUZ, 2010). Nessa referência, é bastante adequado falar nos “impasses do inorgânico” (DIAS in D’INCAO, 1989). No que se refere ao Brasil de sua época, Caio Prado Jr., com base na análise que desenvolveu em trabalhos historiográficos, ressalta acima de tudo as permanências do passado. Apesar de reconhecer mudanças significativas ocorridas ao longo da história, especialmente a tentativa de se formar um Estado Nacional, avalia que o país “ainda assenta, em última instância, nos velhos quadros econômicos da colônia” (PRADO JR., 1979, p. 49). Isto é, a economia brasileira continuaria a se basear fundamentalmente na produção de matérias-primas e gêneros alimentares para o mercado externo. Esse é um dos pontos mais importantes da interpretação do historiador. Por um lado, reflete uma arguta percepção sobre as continuidades na história do país, mas, por outro lado, contribui para a sua dificuldade de valorizar transformações importantes como a industrialização. Pode-se dizer que a visão de Caio Prado Jr. a respeito da experiência histórica brasileira é de um todo quase indiferenciado. De tal modo percebeu os elementos de permanência entre o passado e o presente brasileiro que acabou por subestimar as mudanças – mesmo que de difícil apreensão – de que também é feita nossa história. Ou melhor, por ter percebido como permanece o fundamental do sistema
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colonial – seu “sentido”, fator que dirige para fora a produção e a vida brasileira – terminou por subestimar as modificações que ocorrem no interior desse sistema e podem mesmo diminuir o peso das permanências coloniais. Essa perspectiva aparece especialmente quando Caio Prado Jr. trata da industrialização. Chega a afirmar que não ocorreu no Brasil “nada (...) que se assemelhe a um processo de industrialização digno desse nome” (PRADO JR., 1987, p. 243). Essa conclusão reflete a vinculação que vê entre industrialização e imperialismo, uma vez que boa parte das indústrias do país era subsidiária de grupos estrangeiros. Considera, além do mais, que as indústrias instaladas no país visariam à satisfação da demanda por bens de consumo de luxo de setores reduzidos da população brasileira. Faltaria, portanto, às indústrias o mais importante: mercado. Para piorar o quadro, os industriais brasileiros não possuiriam verdadeiro espírito capitalista. O retrato que Caio Prado Jr. fornece de nossa industrialização é, porém, ambíguo. Por um lado, reconhece que “efetivamente, o progresso industrial observado no Brasil (...) se apresenta como um grande passo no sentido da transformação de nossa estrutura econômica” em termos de formar efetivamente uma nação. Por outro lado, ressalta que essa industrialização “ainda se insere nesse sistema, alimenta-se de suas contradições e assim lhe sofre as contingências” (PRADO JR., 1985, p. 322-323). Não se pode dizer que Caio Prado Jr. erre ao afirmar que a industrialização brasileira depende de saldos positivos da balança comercial, garantidos pela exportação dos produtos primários de sempre. Nem tampouco está incorreta a afirmação de que a produção local de manufaturas, de início principalmente, vise a substituir a importação de bens de consumo de luxo. Mas não nota, ou melhor, percebe sem lhe conferir a devida atenção, o fato de que essa primeira fase da industrialização brasileira traz consigo os gérmens de uma transformação mais profunda do país. Assim, refletindo essas mudanças, por volta de 1960, a população urbana ultrapassa no Brasil a população rural, atingindo-se o apogeu do processo com a instalação no país, entre os governos Juscelino Kubitschek e Ernesto Geisel, de uma indústria de bens de capital que hoje se encontra seriamente ameaçada.
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2 O PROGRAMA POLÍTICO As teses de Caio Prado Jr. foram recebidas com bastante hostilidade no interior de seu partido. Em pleno período stalinista, um artigo escrito para o IV Congresso do PCB, programado para 1948, e que basicamente repete a análise apresentada nos seus livros de história a respeito da economia e da sociedade brasileira, mereceu do secretário político da célula “Gávea Vermelha”, Ivan Pedro Martins, o vaticínio: “negar, sem provar, a existência de restos feudais em nossa economia (...) é clara manifestação do que se pode chamar de ideologia estranha ao proletariado, infiltrada no partido” (MARTINS, 1947, p. 3)10. A relação de Caio Prado Jr. com o PCB é, em outras palavras, marcada pela controvérsia. O ápice da tensão é atingido, em 1966, com a publi cação de A revolução brasileira. Escrito sob o forte impacto do golpe militar de dois anos antes, o livro procura entender a derrota, tendo como alvo principal o que chama de “teoria ortodoxa da revolução”, que equipara fundamentalmente às formulações desenvolvidas a partir do PCB. O historiador mostra que essa teoria corresponde, no principal, à aplicação das teses da Internacional Comunista ao Brasil. Ou seja, de acordo com tais formulações, um país na situação do Brasil deveria necessariamente realizar uma Revolução Burguesa, a fim de pôr fim a supostos resíduos feudais, abrindo caminho para a instalação de fato do capitalismo. Para tanto, seria indispensável promover uma aliança do proletariado com o campesinato e a chamada burguesia nacional, com vistas a enfrentar os defensores da antiga ordem, identificados com os latifundiários, o imperialismo e um setor capitalista a ele ligado, a burguesia compradora11. De forma dura, A revolução brasileira avalia que “o desconhecimento e mesmo o desprezo completo dos fatos reais brasileiros (…) presidem” a elaboração da teoria ortodoxa da revolução brasileira, “como se tais 10 O artigo de Caio Prado Jr. é, por sua vez, sugestivamente intitulado: “Fundamentos econômicos da revolução brasileira” e apareceu em A classe operária em 19/4/1947. O IV Congresso do PCB não chegou a ser realizado em 1948 devido à decretação da ilegalidade do partido no ano anterior. 11 O termo burguesia compradora apareceu durante a Revolução Chinesa e se refere ao setor capitalista envolvido com exportação e importação.
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fatos pouco importassem uma vez que a teoria a ser aplicada já se impunha por si própria e independentemente de maior indagação” (PRADO JR., 1966, p. 49). Em outras palavras, seria basicamente o “prestígio dos modelos” (p. 36) que explicaria a persistência de tal teoria. Caio Prado Jr. sustenta, com base em seus trabalhos anteriores, que não fazem muito sentido a análise do Brasil efetuada pela maior parte da esquerda e a política dela derivada. Não haveria razão de falar em burguesia nacional, já que os capitalistas brasileiros estariam vinculados ao imperialismo. A verdadeira oposição no interior da burguesia diria respeito ao papel desempenhado pelo Estado na economia, que oporia um setor tradicional contrário à ação estatal aos integrantes do setor que, em países como o Brasil, constituiriam um “capitalismo burocrático”. Não existiria, em outra dimensão, oposição entre burguesia e latifundiários, pois o que prevaleceria no campo seriam relações de produção de cunho capitalista. Consequentemente, a maior parte da população envolvida com a agricultura não seria de camponeses, mas de trabalhadores rurais. Assim, a partir de sua interpretação do Brasil, o historiador defende uma política alternativa de alianças à promovida pelo PCB. Trabalhadores do campo e da cidade deveriam agir conjuntamente, buscando constituir efetivamente uma nação no Brasil. Para tanto, seria necessário melhorar as condições de vida da maior parte da população brasileira, especialmente dos trabalhadores rurais. Diferentemente da orientação comunista, não acredita que o sentido principal da reforma agrária devesse ser o de parcelar a terra, mas o de estender a legislação trabalhista ao campo, levando avante “uma verdadeira complementação da lei que aboliu a escravidão em 1888” (PRADO JR., 1979, p. 143). Avalia que o principal efeito da subdivisão da terra seria “modificar o equilíbrio do mercado de trabalho rural” (p. 106), criando um quadro mais favorável para os trabalhadores diante de seus patrões. Caio Prado Jr. sugere, de forma bastante original, que o “setor inorgânico” da colônia deveria ter um papel decisivo na nação brasileira a ser criada. Em uma perspectiva pouco comum para um marxista, não pensa o fim de uma ordem social somente a partir da ação de grupos ligados aos seus setores mais avançados, como deveria ocorrer com o operariado na transição do capitalismo para o socialismo. Em termos próprios, imagina que, no Brasil, os “desclassificados” teriam papel
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importante para instituir uma autêntica nação. Se o passado (colonial) do país esteve voltado para fora, para o mercado externo, o futuro deveria estar voltado para dentro, com vistas a constituir uma nação. Ora, por escolha ou falta dela, os grupos ligados ao setor inorgânico agiriam voltados para o mercado interno. A revolução brasileira teve um enorme impacto. Por conta do livro, Caio Prado Jr. recebeu o prêmio Juca Pato de intelectual do ano. A maior repercussão de A revolução brasileira foi entre a juventude radicalizada pela Revolução Cubana e o golpe de 1964, que pensava encontrar no livro argumentos que justificassem a luta armada e a revolução socialista. Apesar de esta não ser a posição do autor, ele seria preso por conta do livro12. Na verdade, se, por um lado, Caio Prado Jr. faz uma feroz crítica à “teoria” do PCB, por outro lado, o programa político que defende não é muito diferente do seu partido. Assim como outros comunistas, quer basicamente que a cidadania seja estendida à maioria da população brasileira, independentemente de alguns identificarem esse programa com a Revolução Burguesa e o autor de A revolução brasileira criticar uma política baseada em abstrações. No entanto, como quase toda a esquerda da época, não dá grande importância à democracia política, subordinando-a à democracia social. Além de tudo, é questionável que o PCB, em condição de ilegalidade, pudesse promover a ação autônoma da classe trabalhadora, como defende A revolução brasileira. Nesse sentido, o dirigente comunista Marco Antônio Coelho, escondido sob o pseudônimo Assis Tavares, coloca o dedo na ferida, ao perguntar: “Seria justo que as correntes progressistas se isolassem inteiramente da ‘política impura’?” (TAVARES, 1966/1967, p. 51). Em um sentido mais profundo, é possível afirmar que as divergências de Caio Prado Jr. com o PCB dizem respeito a maneiras diferentes de interpretar a história brasileira, em especial o caráter que teria Em 1967, depois de uma entrevista ao Revisão, órgão do Centro Acadêmico de Ciências Sociais da USP, Caio Prado Jr. foi preso pela ditadura militar. Ironicamente, o historiador criticava nessa entrevista o foquismo propagado a partir da Revolução Cubana. Os funcionários da ditadura provavelmente não entenderam seus argumentos. 12
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assumido a Revolução Burguesa no país. Enquanto a maior parte dos comunistas ainda pensa em termos do “modelo clássico” de Revolução Burguesa, como a Guerra Civil Inglesa e a Revolução Francesa, o historiador sugere que a experiência brasileira se aproxima de uma revolução “pelo alto”, como teriam sido as unificações da Itália e da Alemanha e a Revolução Meiji no Japão. Isto é, não teria ocorrido no país uma ruptura com o passado que produzisse, no final do caminho, a combinação de capitalismo na economia e democracia na política13. Ao contrário, o mais forte na história brasileira seriam as permanências. Segundo Caio Prado Jr. haveria, em especial, uma grande continuidade com o passado colonial, o que se perceberia particularmente na persistência da grande exploração agrária (COUTINHO in D’INCAO, 1989; REGO, 2001). Entende-se, assim, a referência à observação que o autor certa vez ouviu de um professor estrangeiro de que “invejava os historiadores brasileiros que podiam assistir pessoalmente às cenas mais vivas do seu passado”14. Daí também Ver Moore, 1993. É notável como muitos dos temas de Caio Prado Jr. são retomados por Florestan Fernandes (1987), especialmente em A revolução burguesa no Brasil. 14 O mais interessante é que diversos professores estrangeiros notaram coisa parecida, Claude Lévi-Strauss tendo assinalado que “após os Nambiquara da idade da pedra, já não era mais o século XVI, para onde os Tupi-Carvaíba me fizeram recuar, mas certamente, ainda, o século XVIII, tal como se pode imaginá-lo nos pequenos portos das Antilhas, ou no litoral. Eu atravessara um continente. Mas o término bem próximo de minha viagem tornara-se sensível para mim, antes de mais nada, por esse mergulho ao fundo dos tempos” (LÉVI-STRAUSS, 1996, p. 351). Emília Viotti da Costa, por sua vez, atribui a Lucien Febvre afirmação similar, quando, em viagem pelo país, já depois da publicação de Formação do Brasil contemporâneo: colônia, “discorreu sobre a alegria de ver homens vivendo lado a lado em diferentes períodos históricos. O Brasil era como um museu de coisas vivas, no qual o passado mantinha-se intacto” (COSTA, 1978). Pode-se mesmo imaginar que o discípulo de Febvre, Fernand Braudel, que como Lévi-Strauss foi professor da USP e afirmou ter ficado inteligente no Brasil, tenha encontrado aqui o fio condutor de sua obra: o convívio entre diferentes tempos históricos. Ou melhor, talvez tenha se revelado para o autor de O mediterrâneo, neste lugar, onde são tão pouco comuns as rupturas com o passado, a presença de uma história de curta duração, feita de eventos ruidosos, junto a uma história mais discreta, de média duração, formada por acontecimentos que se combinam em conjunturas, e, subjacente a elas, uma história quase imperceptível, de longa duração. Sobre Braudel no Brasil, ver Aguirre Rojas, 1997. 13
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ter percebido que, em um país onde a história como que se projeta no espaço, estava aberto para o historiador um método bastante original, que não deixou de levar adiante, em que é “muitas vezes preferível uma viagem pelas nossas diferentes regiões à compulsa de documentos e textos” (PRADO JR., 1954, p. 30). A continuidade na história brasileira se dá principalmente, de acordo com Caio Prado Jr., devido à dificuldade de superar a colônia e instalar definitivamente uma nação. Esse é o grande tema de Formação do Brasil contemporâneo: colônia que, de certa maneira, inicia um “quase gênero” nas ciências sociais brasileiras, o da “formação”. Como indica Paulo Arantes (1997), são diversos os livros sobre o país com a palavra “formação” no título. Esse é o caso do livro de nosso autor de 1942, mas também de Formação econômica do Brasil, de Celso Furtado, de Formação da literatura brasileira, de Antonio Candido, ambos de 1959, assim como de Formação política do Brasil, de Paula Beiguelman, de 196715. Mais importante, Formação do Brasil contemporâneo aponta para uma ordem de preocupações que orienta boa parte desses trabalhos, inquietos com a superação da subordinação colonial por meio do estabelecimento de uma organização mais autônoma, uma nação. É significativo que por trás do caminho próprio indicado por Caio Prado Jr. para entender a história brasileira se encontre também certa maneira de se relacionar com o marxismo. O historiador não equipara o materialismo-histórico a um conjunto de fórmulas com pretenso valor universal, mas como um método para interpretar a realidade com a qual se defronta. Ligado a isso, não procura feudalismo onde não há, mas chama a atenção para as particularidades da experiência brasileira. Nesse sentido, sua obra representa um caso bem-sucedido de “nacionalização do marxismo”. Arantes também assinala que o subtítulo de Casa-grande & senzala (1933), de Gilberto Freyre, é Formação da família brasileira e o de Os donos do poder (1958), de Raymundo Faoro, é Formação do patronato político brasileiro. Igualmente o título de Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda, indica certo “ar de família”, que aproxima o livro do “quase gênero”. 15
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Tal postura afasta Caio Prado Jr. do marxismo predominante na América Latina, que se confundiu com o simplificador marxismoleninismo, especialmente na sua versão cominteriana. Isto é, foram poucos os latino-americanos que, como o historiador brasileiro e, antes dele, o peruano José Carlos Mariátegui, ousaram fazer uso do materialismo-histórico para interpretar, de maneira original, suas formações sociais. Ou melhor, como sugere Fernando Novais (1986), é só posteriormente, com a “crítica da economia politica” da Cepal, levada a cabo pela teoria da dependência, que aparece um marxismo mais preocupado com as particularidades latino-americanas (CRUZ, 2010). Não eram, contudo, evidentes para o marxismo, assim como para as demais teorias sociais e políticas europeias, as particularidades latinoamericanas. Até porque, ao tratar da Europa e da Ásia, encontravam referências histórico-sociais bastante claras, que contribuíam para criar a imagem de espaços culturais minimamente delimitados. O mesmo não se dá com a América Latina, região cujo lugar não é evidente na oposição Ocidente e Oriente, presença constante na consciência europeia desde a Idade Média. Ao lidarem com suas realidades nacionais, Mariátegui e Caio Prado Jr. tiveram que procurar um caminho próprio para o marxismo, assim como fez Antonio Gramsci com a Itália. Buscaram traduzir o marxismo para suas condições nacionais. Ao mesmo tempo em que perceberam a debilidade de suas nações – fruto de revoluções que não chegaram a se completar, o Risorgimento italiano e as independências peruana e brasileira – tiveram como objetivo final o socialismo. Acreditavam, entretanto, que o socialismo não poderia surgir abstratamente do nada, mas das situações concretas das nações italiana, peruana e brasileira. CONSIDERAÇÕES FINAIS O mundo a partir do qual Caio Prado Jr. escreveu sua obra não existe mais. Afinal, a URSS desapareceu há quase vinte anos; os grupos que
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hoje reivindicam a herança do PCB pouca relação têm com o partido no qual ele militou; o próprio vocabulário com o qual travou suas polêmicas – em que apareciam termos como “revolução”, “feudalismo”, “burguesia”, “imperialismo” – soa, em grande parte, antiquado. A própria preocupação com a formação da nação, que orientou o pensamento do autor, já não pode mais ser entendida da mesma maneira de quando escreveu sua obra16. Além de tudo, há muito o Brasil deixou de ser o país agrário e atrasado que o historiador conheceu e estudou. Nessa referência, não se pode esquecer que um dos seus principais equívocos foi subestimar o significado da industrialização do país. Mesmo assim, a obra de Caio Prado Jr. conserva uma surpreendente atualidade. Entre outros motivos, porque problemas centrais para os quais chamou a atenção, como a questão agrária, estão longe de terem sido resolvidos no Brasil. Desse modo, não é difícil perceber que alguns dos principais temas que agitam o atual debate brasileiro guardam relação direta com as questões levantadas pela análise de Caio Prado Jr. Ironicamente, é provável até que essa atualidade se revele mais nos dias que correm do que há trinta anos, quando o país “completava” sua industrialização com a instalação de uma indústria de bens de capital. Hoje, em contraste, boa parcela da taxa de crescimento brasileira depende da exportação dos produtos primários de sempre, apesar de serem novos os seus destinos. Nesse contexto, há mesmo quem fale de reprimarização da economia brasileira. Persiste, além de tudo, a exclusão de boa parte da população do mercado de produção e consumo, perpetuando, de certa maneira, a condição dos “desclassificados”. Essas condições fazem com que as reticências de nosso autor quanto às mudanças na história brasileira não pareçam tão descabidas. Quem sabe se deveria perguntar até que ponto o “sentido” de parcela significativa da realidade brasileira deixou de corresponder à situação Roberto Schwarz (1999) indica que a questão da formação se recoloca em novos termos, até porque nos países que nos serviam de modelo, que antes nos pareciam tão bem integrados, há sinais crescentes de desagregação social, falando-se a propósito deles até em brasilianização. 16
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de uma economia que produz em grandes unidades, com condições insatisfatórias de trabalho, bens demandados pelo mercado externo. Nessa perspectiva, não seria talvez exagero sugerir que a atualidade de Caio Prado Jr. decorre de continuar presente no Brasil de nossos dias boa parte dos problemas para os quais chamou a atenção.
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WAIZBORT, Leopoldo. O mal-entendido da democracia em Raízes do Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 26, n. 76, 2011. Documento: PRONTUÁRIO de Caio Prado JR. no Departamento Especial de Ordem Política e Social (DEOPS), 30-K-33.
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AS RAÍZES DO BRASIL E A DEMOCRACIA1 Brasilio Sallum Jr.
Sou grato ao parecerista anônimo que examinou a primeira versão deste artigo pelas observações críticas que me permitiram aperfeiçoá-lo.
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Este artigo examina a noção de democracia tal como é empregada no livro clássico de Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, e os obstáculos para a efetivação do processo de democratização. O principal ponto sublinhado é a complexidade analítica da noção. Buarque de Holanda explora duas das suas dimensões, a da cultura política e a sociopolítica, que são estudadas no contexto das transformações socioeconômicas que vêm ocorrendo no Brasil desde a segunda metade do século XIX. O artigo discute as tensões identificadas por Buarque de Holanda entre as dimensões cultural e sociopolítica da democracia, que decorreriam principalmente da falta de sintonia entre a cultura ibérica e o igualitarismo inerente à democracia. Abordamos alguns limites da reflexão de Sérgio Buarque de Holanda e as dificuldades inerentes ao processo da democratização do país à luz dos dilemas e problemas que ele mesmo vislumbra na obra em questão. Palavras-chave: democracia; Sérgio Buarque de Holanda; cultura; sociopolítica The article addresses the concept of “democracy” as applied in Sérgio Buarque de Holanda’s classic book Raízes do Brasil. It also addresses the obstacles for democratization identified by Holanda. The main article’s argument is the analytical complexity of the democracy concept. Buarque de Holanda explores two dimensions of democracy, the political culture and the sociopolitical dimensions and examines them in the context of socioeconomic changes that have taken place in Brazil since the second half of the XIX century. The article also examines the tensions identified by Buarque de Holanda between the cultural and sociopolitical dimensions of democracy, deriving from the lack of connection between the Iberian culture and democratic equalitarianism. Finally, the article points to some limitations in Holanda’s reflection and inquires about the difficulties for the country’s democratization based on the author’s perspective presented in Raízes do Brasil. Keywords: democracy; Sérgio Buarque de Holanda; culture; sociopolitical
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INTRODUÇÃO A noção de democracia, tal como usada por Sérgio Buarque de Holanda, tem grande complexidade, o que permite ao analista que dela se utiliza evitar enganos advindos, por vezes, do uso de viseiras conceituais estreitas, tendentes a produzir conhecimentos claros, mas simplórios. Essa complexidade, porém, oferece suas próprias dificuldades, pois o termo diz respeito a distintas dimensões da vida social, elas próprias dependentes da estrutura e dinâmica da vida social subjacente. Com efeito, em Raízes do Brasil, o termo democracia se refere, às vezes, a um padrão de relações de poder entre distintas camadas e grupos sociais apontando, portanto, para a dimensão sociopolítica da sociedade. Neste sentido, ela designaria realidades existentes talvez em outras partes, mas não no Brasil daqueles tempos. No momento em que o livro foi publicado, ela estaria, apenas, em gestação. Portanto, democracia neste sentido é um contraponto à relação oligárquica e pode designar um modo de organizar a vida política que o analista identifica como futuro provável decorrente das tendências de transformação social em operação em determinada sociedade. Outras vezes, o termo democracia remete ao plano cultural – da cultura política. Ela designa aí ideologia, uma representação social que adorna, que ornamenta, relações não democráticas de poder. Ainda no plano da cultura política, ela pode designar, ao contrário, valores e modos de organização política não prevalecentes no país, sintonizados com relações sociopolíticas democráticas, contrapostos aos predominantes, ancorados em nossa tradição ibérica. Neste sentido, ela designa aspiração coletiva e não apenas uma forma de organização política que o analista identifica como tendente a se realizar. A discussão que aqui se fará da noção de democracia tal como utilizada em Raízes do Brasil tem relevância não só do ponto de vista da interpretação de um dos clássicos do pensamento social brasileiro. Creio que o modo como Sérgio Buarque reflete sobre a noção em pauta pode ser iluminador no exame do presente histórico.
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Como em Raízes do Brasil a noção de democracia aparece em contraponto à tradição ibérica, começarei pelo exame desta tradição. Discutirei, depois, a noção de democracia e as relações complexas que mantêm com a sociedade como um todo; por último, examinarei as dificuldades para sua implantação nos países da tradição ibérica, como o Brasil. 1 PERSONALISMO, OLIGARQUIA E PATRIMONIALISMO A dupla referência que fiz ao futuro – sublinhando que a democracia em Raízes do Brasil aparece como aspiração social ou como realidade em gestação que o analista identifica – mostra bem o problema que Sérgio Buarque tinha em vista ao elaborar seu ensaio. Com efeito, o problema central do livro não é reconstituir o passado do Brasil, nossas raízes enquanto tais; é desvendar o processo de transição sociopolítica experimentado pela sociedade brasileira. É no último capítulo, como atesta o seu título – “Nossa revolução” – que o cerne do livro vem à tona plenamente. Mas a questão percorre toda a obra, mesmo quando o texto parece só ter em vista o passado. Ao examinar as concepções, instituições e formas de vida gestadas por nossos antepassados, Sérgio Buarque o faz tendo em vista que elas ainda oprimem – como diria Marx – o cérebro dos vivos. O que se quer identificar no livro é qual passado estava então para ser superado e qual futuro embrionário estava contido naquele presente histórico. É claro que os episódios e formas de sociabilidade examinados no livro podem decerto ser situados no tempo, mas sua intenção não é reconstituí-los como passado encapsulado e desconectado do presente. Seu objetivo, ao contrário, é reconstruir fragmentos de formas de vida social, de instituições e de mentalidades, nascidas no passado, é certo, mas que tomavam parte da constituição da identidade nacional que Sérgio Buarque acreditava estar em curso. Raízes do Brasil não é, assim, um livro de história. Ele usa a matéria legada pela história para identificar as amarras que bloqueiam no presente o nascimento de um futuro melhor.
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Há, pois, que se ter cautela com a interpretação que entende ser o objetivo de Raízes do Brasil reconstituir a identidade nacional brasileira, aquilo que nos singularizaria como sociedade2. Cautela, porque se trata, em Raízes do Brasil, de reconstituir a identidade brasileira “tradicional” apenas como um dos componentes do presente, como o elemento do passado que ainda conforma parcialmente o presente, mas que, no entender de Sérgio Buarque, tendia a ser superado pelo processo de transformação social que perpassava a sociedade brasileira. Assim, para Sérgio, a identidade brasileira estava em devir, em construção. No entanto, em Raízes do Brasil a tensão inerente à práxis histórica não derivava apenas da “nossa revolução”. Antes mesmo de que iniciasse a história nacional brasileira, ainda no início da aventura portuguesa na América, sublinha-se a tensão entre passado e presente, entre legado institucional e condições sociais e materiais. Essa tensão é entendida como característica dos fenômenos examinados. Assim, no momento mesmo de colonização portuguesa, Sérgio Buarque sublinha a ambiguidade da experiência decorrente da nova sociedade ser fruto da colonização europeia e não se amoldar bem à sua herança social. Esse é o tema das primeiras frases do livro: “A tentativa de implantação da cultura europeia em extenso território, dotado de condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à sua tradição milenar, é, nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante” (HOLANDA, 1993, p. 3). Parece, assim, que as transformações iniciadas no século XIX, que tiveram na Abolição o seu epicentro, reinstauraram na sociedade brasileira um descompasso que Sérgio Buarque sublinha ter havido nos albores da colonização, quando os portadores das instituições transplantadas tiveram que enfrentar o desafio de condições naturais e sociais diferentes das existentes no mundo ibérico. Em meados dos anos 1930, Sérgio Buarque sublinha, mais uma vez, o descompasso; mas, agora, com sinal contrário. Já não é a rusticidade Refiro-me aqui à afirmação feita por Fernando Novais, em debate sobre Raízes do Brasil, de que a questão da identidade nacional é a problemática central da obra de Sérgio Buarque. Novais, porém, não avança na reconstrução do modo como Sérgio Buarque de Holanda a interpreta. Ver Francisco Iglesias et al. (1992, p. 79).
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da matéria que resiste às formas institucionais do legado ibérico; é a tradição ibérica e sua encarnação institucional que constrangem a construção de uma nova sociedade, divergente em relação à tradição herdada. Que tradição ibérica é esta a que Sérgio Buarque se referia? Trata-se do personalismo. No seu cerne estava uma concepção da natureza humana que portugueses e espanhóis compartilhavam antes e ao longo do processo de colonização da América. Com efeito, predominava na Península Ibérica – por oposição às concepções reinantes na Europa de além Pireneus – a cultura da personalidade, a valorização extremada da pessoa, de sua autonomia em relação aos seus semelhantes. Em lugar da subordinação aos valores e normas das coletividades estamentais, para os ibéricos, sublinha Sérgio, o índice do valor de um homem pode ser inferido da extensão em que não dependa dos demais. Esse sentimento da dignidade própria a cada indivíduo, mesmo tendo se universalizado, inclusive entre os plebeus, nasceu da nobreza, como ética de fidalgos. A burguesia ascendente, em lugar de contrapor-se a ela, assimilou-a. De fato, a frouxidão da estrutura social, a permeabilidade das hierarquias – em contraste com as barreiras existentes onde o feudalismo imperava – permitira que artesãos e mercadores citadinos ascendessem socialmente em Portugal, sem grandes obstáculos, já na época da Revolução de Avis, no século XIII. Essas facilidades explicam, segundo Sérgio, porque a burguesia mercantil não precisou adotar em Portugal um modo de viver e pensar absolutamente novo, que marcasse permanentemente o seu predomínio. Ao contrário, procurou associar-se às antigas classes dirigentes e assimilar muitos dos seus princípios, “guiar-se pela tradição, mais do que pela razão fria e calculista” (HOLANDA, 1993, p. 8). Em suma, no mundo Ibérico a cultura da personalidade associava-se a certa frouxidão da estrutura social, a uma falta de hierarquia organizada, em que os privilégios hereditários jamais tiveram influência muito decisiva, importando menos o nome herdado que o prestígio pessoal, relacionado com “a abundância dos bens de fortuna, os altos feitos e as altas virtudes” (HOLANDA, 1993, p. 9). Não se reconhecia essa autonomia aos que dependiam (filhos, mulheres etc.) dos que portavam na sua plenitude a condição de pessoas. O mesmo ocorria com os que viviam de trabalhos mecânicos... O personalismo ibérico, fazendo a apologia da autonomia da pessoa,
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concebia a ação sobre as coisas, sobre objetos exteriores, como aceitação de uma lei estranha ao indivíduo, que aviltaria e prejudicaria a própria dignidade. É por isso, escreve o nosso autor, que é compreensível que jamais se tenha naturalizado entre gente hispânica a moderna religião do trabalho e o apreço à atividade utilitária. (...) E assim, enquanto os povos protestantes preconizam e exaltam o esforço manual, as nações ibéricas colocam-se largamente no ponto de vista da antiguidade clássica (...) de que o ócio importa mais que o negócio e de que a atividade produtora é, em si, menos valiosa que a contemplação e o amor (HOLANDA, 1993, p. 10).
Dessa concepção personalista de autonomia da pessoa resultam três consequências para as relações entre os homens. Dela resulta, em primeiro lugar, segundo Sérgio, boa parte da fragilidade das formas de associação baseadas em solidariedades livremente pactuadas. A própria carência de uma moral do trabalho no mundo ibérico reforça a pouca capacidade de organização social autônoma. De fato, onde impera uma moral do trabalho, o esforço humilde, anônimo e desinteressado tende a produzir a solidariedade de interesses, a organização racional e a coesão entre os homens. Entre os hispânicos, pois, a solidariedade não emerge da compatibilização de interesses; surge mais frequentemente de vínculos sentimentais – solidariedade entre parentes ou amigos, círculos necessariamente limitados e particularistas. Segunda consequência: ao exaltar o mérito pessoal – riqueza, feitos ou virtudes – frente aos privilégios herdados, o personalismo distingue-se obviamente do universo de pensamento inerente ao feudalismo da Europa além dos Pireneus. Contra essa subordinação dos indivíduos à coletividade, o personalismo é uma forma de individualismo. Mas afasta-se também do individualismo moderno, que pressupõe uma igualdade essencial entre os homens. Para o personalismo, ao contrário, a desigualdade é o resultado inevitável da competição entre eles; alguns homens seriam mais, outros menos talentosos, uns mais outros menos dependentes dos demais. Pode-se dizer, quando muito, que o personalismo é um individualismo aristocrático, de uma aristocracia aberta ao talento. Terceira consequência: as tendências anárquicas inerentes à exaltação da personalidade e as dificuldades de gestação de formas livremente
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pactuadas de organização social convertem os governos no único princípio organizador das sociedades ibéricas. Diz-se em Raízes do Brasil: “em terra onde todos são barões não é possível acordo coletivo durável, a não ser por uma força exterior respeitável e temida” (HOLANDA, 1993, p. 4). A estabilidade política aqui só poderá surgir de uma alternativa: a renúncia à personalidade, à autonomia da pessoa, em vista de um bem maior. Renúncia conducente à obediência cega, disciplinada, a uma potência externa. Entre os povos ibéricos, “a vontade de mandar e de cumprir ordens são-lhes igualmente peculiares. As ditaduras e o Santo Ofício parecem constituir formas tão típicas de seu caráter como a inclinação à anarquia e à desordem” (HOLANDA, 1993, p. 11). Dessa forma, a instabilidade política – a oscilação entre a anarquia e a ditadura – torna-se inevitável, uma constante da vida social, um pressuposto sociopolítico do personalismo. Essa “cultura política”, centrada no personalismo, encarnou-se no Brasil-colônia na família patriarcal, centro de toda sua organização social. Seguindo as normas do antigo direito romano-canônico, preservadas na Península Ibérica, a família patriarcal incluía no seu círculo não só os parentes de sangue, mas também os agregados, os escravos domésticos e das plantações. Nela, o pátrio poder era quase ilimitado, mantendo-se quase imune às pressões ou restrições de fora. A propriedade rural como um todo estava sujeita à sua vontade. E ela própria era um organismo que, em princípio, bastava-se a si mesmo, tendia à autarquia. Tinha escola, capela, produzia sua alimentação cotidiana, os móveis e apetrechos do engenho saíam de suas serrarias. Foi esse o modelo de organização social que, ao ver de Sérgio Buarque, se projetou para toda a vida social colonial, priorizando o particularismo e os laços afetivos. Com efeito, a família patriarcal foi o elo social pelo qual a tradição personalista e aventureira herdada dos colonizadores portugueses se aclimatou entre nós e acabou por imprimir sua marca na sociedade como um todo, mesmo quando, depois da Independência, desenvolveram-se os centros urbanos e decaiu a velha lavoura. Na ausência de uma burguesia urbana independente, as principais ocupações citadinas acabaram sendo preenchidas por donos de engenhos, lavradores ou seus descendentes, que transportaram para as cidades a mentalidade, os preconceitos e, na medida do possível, o estilo de vida originário dos domínios rurais.
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Como o patriarcalismo marcou a organização política da sociedade brasileira independente? Como se acomodam o particularismo de origem patriarcal ao universalismo da forma-estado, instituído pela Independência? O processo pelo qual o universal suplanta o particular foi acompanhado de crises mais ou menos prolongadas. No caso brasileiro, assegura Sérgio Buarque, a situação seria tanto mais problemática porque a família de tipo patriarcal, aqui predominante, tende a absorver intensamente os seus membros na comunidade doméstica – marcada pelos laços de afeto e de sangue, pela reduzida autonomia e pelo senso de responsabilidade próprio de seus membros. A preocupação central de Sérgio Buarque não estava tanto nas dificuldades gerais de adaptação dos indivíduos à ordem social individualista moderna. Estava nas consequências do predomínio do patriarcalismo sobre o funcionamento das modernas instituições societárias, especialmente as atividades estatais. De fato, para ele, o indivíduo formado em um ambiente dominado pelo patriarcalismo dificilmente conseguiria distinguir entre o domínio privado e o domínio público e, portanto, a coisa particular do bem público. Tende a comportar-se como um funcionário “patrimonial”, para o qual, segundo Max Weber, a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere, relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos, como no verdadeiro Estado burocrático, em que prevalecem a especialização das funções e o esforço para se assegurarem as garantias dos cidadãos (in HOLANDA, 1993, p. 106).
Este seria o caso do Brasil – escrevia Sérgio Buarque nos anos 1930 e 1940. Aqui quase sempre teria predominado, tanto na administração pública como em outras áreas, o modelo de relações gerado na vida doméstica – a esfera dos laços afetivos e de parentesco. Vale sublinhar que essa concepção de patrimonialismo diz respeito a uma forma de domínio em que agrupamentos políticos enraizados em grupos particularistas da sociedade – desdobramentos da família – produzem um viés na esfera pública, submetem o Estado e o interesse geral. Nessa concepção, não é o Estado a potência universal que
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organiza a sociedade, mas são os particularismos desta que submetem o Estado. Oscilando entre a descentralização tendente à anarquia e à centralização tendente ao governo forte, o Estado patrimonial nada mais é do que domínio oligárquico. Assim, há uma afinidade entre a cultura política nucleada no personalismo, o domínio oligárquico e o Estado patrimonial. Essa cultura e essa ordem política ainda vigoravam no Brasil quando Sérgio Buarque escrevia Raízes do Brasil, apesar das transformações ocorridas na estru tura social brasileira, expressas na urbanização acelerada e no crescimento industrial. Vigoravam mas eram cada vez mais contraditórias com as modificações que ocorriam no plano socioeconômico. Retomemos, portanto, o tema do descompasso a que nos referimos parágrafos atrás: para Sérgio Buarque, as transformações sociais revolucionárias que perpassavam a sociedade brasileira, mesmo depois da Abolição, ainda não tinham encontrado uma boa “tradução” seja no plano das relações de poder entre agrupamentos sociais, seja no das instituições políticas. Daí a célebre passagem: a democracia no Brasil sempre foi um lamentável mal-entendido. Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodála, onde fosse possível, aos seus direitos e privilégios, os mesmos privilégios que tinham sido, no Velho Mundo, o alvo da luta da burguesia contra os aristocratas. E assim puderam incorporar à situação tradicional, ao menos como fachada ou decoração externa, alguns temas que pareciam os mais acertados para a época e eram exaltados nos livros e discursos (HOLANDA, 1993, p. 119).
Personalismo, oligarquia e democracia como adorno, decoração a ocultar os privilégios oligárquicos. Isso valia para o período da Monarquia e mais ainda para a República Liberal. Uma e outra expressavam no plano político o predomínio da grande lavoura exportadora tradicional e o poder social restrito de agrupamentos que eram desdobramentos da família patriarcal em uma época em que elas já perdiam o predomínio na economia e na sociedade. A República, neste sentido, constituía forma institucional mais anacrônica do que a Monarquia porque o processo de revolução social subjacente a ambas se acelerara depois da Abolição.
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2 INDIVIDUALISMO E LIBERAL-DEMOCRACIA Toda a argumentação anterior mostra que, em Raízes do Brasil, a noção de democracia referia-se a uma relação política inexistente no Brasil, mas que apontava para uma aspiração cujo suporte social e político estava ainda em construção; ela se definia em contraponto aos valores do personalismo e às relações sociopolíticas oligárquicas. Estas relações oligárquicas de mando se materializavam, institucionalmente, no Estado patrimonial e se assentavam no predomínio agrário, na família patriarcal e na escravidão, excluindo do corpo político uma grande parte dos indivíduos subordinados ao Estado. Democracia, pois, em Raízes do Brasil, refere-se a uma relação sociopolítica e a uma cultura política, entendida como aspiração e cuja realização dependia da superação da oligarquia no plano sociopolítico. Mas não é só: a liberal-democracia desacompanhada de uma base sociopolítica correspondente e de valores universalistas é entendida em Raízes do Brasil como ideologia, adorno conveniente, da oligarquia. Neste sentido, dizia Sérgio Buarque de Holanda, não passa de “mal-entendido”. Sublinhe-se, porém, que se a democracia era, em Raízes do Brasil, dimensão utópica que transcendia o status quo oligárquico, ela não era a única nem a mais importante das aspirações das forças políticas que disputavam a hegemonia na conjuntura política conturbada dos anos 1930. Com efeito, a democracia não era aspiração muito generalizada no Brasil e no mundo quando da primeira edição do livro, em 19363. Pelo contrário, a década de 1930 foi dominada pela reação ao que Karl Polanyi denominou “civilização liberal”, cujo apogeu ocorreu antes da Primeira Guerra Mundial (POLANYI, 1980). A década de 1920 já foi dominada por tentativas de preservação daquela ordem e O fato de as reações predominantes à civilização liberal terem sido conser vadoras ou autoritárias permite entender o uso que se faz na 1ª edição de Raízes do Brasil de certas referências e formas de expressão qualificáveis daquele modo. O fato de elas terem sido expurgadas da 2ª edição do livro pode indicar uma percepção mais clara da inconsistência que tinham em relação à mensagem democratizante do livro. Para uma interpretação contrária, consultar Waizbort (2011).
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pelas primeiras reações políticas contra ela. A crise de 1929 encerrou todas as possibilidades de preservar a “civilização liberal” e favoreceu as reações políticas a que nos referimos, em geral divergentes em relação à democracia. As instituições centrais dessa civilização liberal, cujo epicentro fora a Inglaterra, tinham tido grande capacidade de regular as relações entre Estados, as trocas internacionais e as políticas econômicas dos estados nacionais que se incluíam no seu âmbito. Foram seus pilares a política de equilíbrio de poder na Europa, o padrão-ouro como regulador do câmbio de moedas, o caráter liberal dos estados e o livre-câmbio nas trocas internacionais. Como resultado, tinha sido muito diminuto o grau de autonomia econômica dos estados, que se obrigavam a rezar pela cartilha liberal da Inglaterra, principal potência militar da época. As reações à “civilização liberal“ incluíram o nazismo, na Alemanha e na Áustria, o fascismo na Itália, o New Deal nos Estados Unidos e várias formas de nacionalismo e autoritarismo. As reações antiliberais brasileiras foram a “Revolução de 1930” e seus desdobramentos posteriores; tais reações, porém, não foram uniformes, incluindo e mesclando movimentos sociais, políticos e intelectuais muito distintos – desde o integralismo até o comunismo. Do entrechoque entre tais movimentos e os remanescentes do poder oligárquico acabou resultando o golpe de 1937 e a instituição, pelo poder central presidido por Vargas, do Estado Novo. Nesse contexto de reafirmação da nação e do Estado forte salta aos olhos o caráter invulgar da defesa feita por Sérgio Buarque de Holanda dos valores e das relações democráticas de poder. Já, quando da segunda edição, em 1948, a vitória dos aliados – embora a Rússia soviética estivesse entre eles – produziu um clima político muito favorável à democracia, reforçando a mensagem do livro. Esse novo “clima político” não reduziria, porém, a originalidade das ideias de Sérgio Buarque de Holanda sobre a democracia; mesmo como aspiração, ela não deixaria de ser pensada em seus fundamentos sociais e culturais singulares. O fundamento social mais amplo, cujo dinamismo contrariava o poder oligárquico e alimentava as esperanças de realização da utopia democrática, era a já mencionada “revolução” que transformava as relações socioeconômicas em que se assentava o poder político. Tais
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transformações mudaram o epicentro da vida social, destituindo o mundo agrário e a família patriarcal da proeminência que tinham nas primeiras décadas de vida política independente do Brasil. A monarquia dera forma política estável ao poder oligárquico que organizava a vida política nacional. Somente com o fim da escravidão, porém, Sérgio Buarque de Holanda considera que as transformações socioeconômicas tiveram impulso decisivo, acelerando o ritmo de transição histórica. A Abolição encerra uma dupla inovação, pouco explorada em Raízes do Brasil. A primeira foi ter dado impulso à liberdade de firmar contratos para os trabalhadores, ainda que isso encontrasse, de início, muitos obstáculos para se efetivar. Ampliava-se com isso a rede de troca de mercadorias, o que dava aos trabalhadores a liberdade que antes não tinham de mudar de emprego e de patrão, já não mais um “senhor”. Reciprocamente, os ramos agrícolas e industriais mais afluentes encontravam mais facilidade de contratar trabalhadores. Assim, a Abolição acabou por facilitar o desenvolvimento urbano-industrial. A segunda inovação, complementar à primeira, dizia respeito à ampliação da cidadania – do círculo de votantes, do direito de ir e vir etc. – embora tais direitos sofressem múltiplas restrições, tanto produzidas pelas leis como pelo domínio dos potentados locais. A Abolição quebrou, pois, a hierarquia social anterior e abriu espaço para avanços da cidadania, embora os diretamente beneficiados por ela, os escravos, encontrassem depois outras barreiras – inclusive a da discriminação racial – para participarem vantajosamente das transformações sociais em curso. A Abolição não foi, assim, mero acréscimo quantitativo àquilo que Sérgio Buarque de Holanda chamava de “nossa revolução”. Ela transformou a velha ordem social e acelerou a emergência de uma sociedade que entraria aos poucos em contradição com a esfera política – ainda oligárquica – e com a cultura política – dominada pelo personalismo. O surgimento de elementos novos, gerados pela expansão mercantil e especialmente pela constituição de uma sociedade urbano-industrial, tendia a acentuar o caráter limitado e excludente do arranjo oligárquico que o Brasil experimentava desde a Independência, fosse sob instituições monárquicas ou liberal-republicanas. A utopia democrática de Raízes do Brasil não era, pois, fantasia intelectual, mais uma daquelas fórmulas mágicas com que nossos intelectuais – escrevia Sérgio Buarque de Holanda – pretendiam “solucionar” de vez os nossos
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problemas; não era mero exotismo dissociado da nossa realidade, embora ajustada a sociedades que considerávamos mais avançadas. Era utopia no sentido de Karl Mannheim, ideário-aspiração que movia segmentos da sociedade no esforço de superar o status quo. A superação da contradição entre dinâmica social e política não seria encontrada, segundo Sérgio Buarque de Holanda, na substituição de governos liberais por caudilhos que salvassem o Estado das tendências anárquicas surgidas naqueles. Caudilhismo autoritário e descentralização liberal nada mais seriam do que manifestações polares, opostas, do poder oligárquico e dos valores personalistas. Só a democratização das relações de poder entre as várias camadas sociais permitiria avançar na superação almejada da contradição. Haveria que incluir na vida política as camadas sociais até então dela excluídas, rompendo o padrão oligárquico de mando4. É esta perspectiva que faz com que Sérgio Buarque de Holanda incorpore de forma entusiástica um texto antigo do naturalista norte-americano Herbert Smith que lhe parecia enunciar em forma de aspiração o que, em sua opinião, não estava longe de transformar-se em realidade. Segundo Smith, seria necessário substituir nossas “revoluções horizontais” – identificadas pelo contraponto liberalismo/caudilhismo – por “uma revolução vertical (...) que trouxesse à tona elementos mais vigorosos, destruindo para sempre os velhos e incapazes”. Uma revolução desse tipo não deveria excluir, expurgar as classes superiores, mas amalgamar a elas os elementos novos, as camadas situadas na base da pirâmide social que até então estavam marginalizadas da vida política (HOLANDA, 1993, p. 135). Sublinho que esse argumento de Sérgio Buarque de Holanda não se refere especificamente à democracia como arranjo institucional; arranjo que permitiria a inclusão na competição política das camadas dela marginalizadas. Sérgio Buarque de Holanda prefere, ao contrário, sublinhar a necessidade de esse arranjo fugir aos padrões da Antonio Candido ressalta esse ponto em seu conhecido “O significado de Raízes do Brasil, de 1967, incluído, a partir daí, nas várias edições do livro (HOLANDA, 1993, p. XLVIII). Esse e outros artigos de Candido balizam, em grandes linhas, as interpretações da obra de Sérgio Buarque, o que inclui a contida neste artigo, exceção feita a algumas divergências (como, por exemplo, a enfatizada na Nota 6 adiante).
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cultura política personalista, materializando o que ele qualifica como “democracia despersonalizada”. Claro está que aquilo que Sérgio Buarque de Holanda denomina “democracia despersonalizada” não existia como regime efetivo; era apenas aspiração socialmente existente e, creio, forma política para a qual tendia, segundo Sérgio Buarque de Holanda, o processo de transformação histórica subjacente de urbanização e industrialização. Sérgio não avança muito na delimitação dessa “democracia despersonalizada” nem do individualismo que pudesse substituir o personalismo. E nem poderia, sob pena de desdizer-se em relação às críticas reiteradas feitas às fórmulas prontas, importadas em geral, destinadas a salvar a sociedade de seus problemas. Com efeito, como poderia inferir do movimento histórico que percebia então ocorrer, da utopia democrática que parecia estar entre as possibilidades futuras, uma ordem político-institucional específica, alicerçada na estrutura sociopolítica e nos valores centrais da cultura democrática? De qualquer modo, sua reflexão sobre as dificuldades de implantação da democracia no país permite dizer algo sobre a atualidade do seu pensamento no que diz respeito à vida política brasileira atual. Para isso, porém, há que se retomar algo dos argumentos presentes na primeira seção deste texto. Recorde-se que o personalismo ibérico opunha-se ao individualismo moderno exatamente porque o primeiro era aristocrático, era uma afirmação das qualidades de pessoa apenas para parte dos membros da sociedade e tinha como pressuposto a desigualdade essencial dos indivíduos. O individualismo moderno, pelo contrário, tem como pressuposto a igualdade essencial entre os homens, desiguais apenas pelas condições em que vivem e, por consequência, pelos resultados a que chegam. Daí que o reformismo democrático mais radical não propugne a equalização dos indivíduos, mas apenas das suas condições sociais iniciais; seus lemas são a supressão da herança, a educação universal etc. Embora para Sérgio Buarque a “democracia despersonalizada” envolvesse, certamente, a superação do individualismo aristocrático para que se constituísse uma nova cultura política ajustada a uma sociedade democrática, ele hesitava em relação à natureza do individualismo que se poderia esperar em um país de tradição ibérica. Ele duvidava que com essa tradição viesse a imperar um individualismo do tipo utilitário, americano.
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Tinha razão em hesitar, pois a cultura de raiz ibérica estava incrustada fortemente nas instituições e práticas brasileiras e, mais amplamente, na América Ibérica, ao mesmo tempo em que se afastava fortemente dos padrões dominantes no Ocidente. Quarenta anos depois de ter vindo a público a edição definitiva5 de Raízes do Brasil, Richard Morse (1988) sublinhou essa distância, embora sem referir-se, surpreendentemente, ao livro de Sérgio Buarque. A Tabela 1 dispõe as características polares que os dois autores identificam nos padrões ibérico e anglo-saxão de cultura e organização social: Tabela 1 Características polares nos padrões ibérico e anglosaxão de cultura e organização social América Anglo-Saxônica (EUA)
América Ibérica
Protestantismo
Catolicismo
Razão
Sentimento
Individualismo e utilitarismo
Personalismo
Atomismo
Organicismo
Pureza racial
Mestiçagem
Disputa
Conciliação
Ética do trabalho
Ética da aventura
Esforço
Talento
Polidez
Cordialidade
Família nuclear
Família patriarcal
Contrato entre indivíduos
Pacto social entre grupos
Estado burocrático moderno
Estado patrimonial
Estado é só um meio
Estado orgânico com finalidade
Para Sérgio Buarque, a raiz da dificuldade de articular cultura ibérica e democracia estava na cordialidade contrariar o universalismo dos valores, elemento central da liberal-democracia. Diz ele: Refiro-me à 2ª edição, de 1948, que alterou significativamente o texto da primeira. As demais não apresentaram mudanças notáveis.
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Todo o pensamento liberal-democrático pode resumir-se na frase célebre de Bentham: “A maior felicidade para o maior número”. Não é difícil perceber que esta ideia está em contraste direto com qualquer forma de convívio humano baseado nos valores cordiais. Todo o afeto humano baseia-se em preferências. (...) Há aqui uma unilateralidade que entra em franca oposição com o ponto de vista jurídico e neutro em que se baseia o liberalismo. A benevolência democrática é comparável com a polidez, resulta de um comportamento social que procura orientar-se pelo equilíbrio dos egoísmos (HOLANDA, 1993, p. 139).
A dificuldade apontada seguramente existe, mas Sérgio Buarque a torna um obstáculo aparentemente intransponível porque não toma em suficiente consideração que a “nossa revolução” envolveu, com a industrialização, a imigração europeia e a absorção de um enorme contingente de trabalhadores em um proletariado industrial que restringiu o peso de alguns dos componentes da cultura ibérica6. A ética da aventura e a valorização exclusiva do talento, por exemplo, perderam relevância diante da ética do trabalho e da valorização do esforço. No momento em que Sérgio Buarque de Holanda redigia o seu célebre ensaio, a cultura ibérica já se mesclava com traços culturais que eram similares, mas não derivaram, como na Europa, do ethos protestante do empresariado; provinham da ética dos trabalhadores que vieram ao Brasil, sem eira nem beira, “fazer a América”; provinham também daqueles que viram no trabalho urbano um meio de afirmar-se como gente. A revolução vertical democratizante, a que se referia Sérgio Buarque, não significaria apenas a inclusão política dos homens novos surgidos do processo de transformação social. Com esses homens viriam também novas formas de pensar e sentir coletivas que desafiariam o império do legado ibérico e sua encarnação oli gárquica. Isso significa que não se passou diretamente de um padrão Antonio Candido (1998, p. 84) já chamou a atenção para a falta de referência explícita ao imigrante europeu na caracterização da “nossa revolução”. De minha perspectiva, essa ausência não é de pouca relevância. Ela tem consequências analíticas negativas que são detectáveis em Raízes do Brasil. A ausência do elo analítico “imigração europeia” no processo de revolução torna algo obscura – em Raízes do Brasil – a emergência societária de aspirações igualitárias essenciais à “revolução vertical” democratizante. Sua presença não resolveria o problema, mas indicaria o caminho analítico que seria preciso percorrer para isso.
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a outro da cultura política; os processos de diferenciação social e de democratização foram gerando aos poucos uma nova cultura política, já não ibérica, mas também distinta da cultura individualista e liberal predominante no mundo anglo-saxão. Se isso é verdade, há que se dar sequência à reflexão de Raízes do Brasil, buscando fazer o esboço dessa nova cultura política e das afinidades e tensões que apresenta em relação ao processo de democratização em curso. No que diz respeito a esse processo mesmo de democratização, ele vem sendo extremamente lento e parcial. A “nossa revolução”, identificada nos anos 1930 por Sérgio Buarque, continuou se desenvolvendo; a industrialização incorporou e gerou camadas sociais novas que, por longo tempo, não foram incluídas plenamente na competição política. Seguramente, na experiência democrática limitada posterior à Segunda Guerra Mundial, a competição política incorporou de modo subalterno parte dessas camadas sociais, mas não as mais pobres e iletradas. Essa inclusão política muito parcial, promovida por parcela da elite política, foi percebida como ameaça anárquica e, de novo, o poder se concentrou em uma ditadura, não caudilhesca, mas do establishment militar. Só o processo de liberalização política dos anos 1970 e o movimento de democratização dos anos 1980 quebrariam o ciclo polarizado do poder oligárquico, oscilante entre a descentralização liberal e o autoritarismo centralizador. A democratização plasmada na Constituição de 1988 ampliou os direitos políticos (voto para os analfabetos e para os maiores de 16 anos); garantiu os direitos de associação e a liberdade de expressão; universalizou também os direitos sociais, de educação, saúde, previdência e assistência social, incluindo camadas sociais até então excluídas desses direitos; fez do concurso público a principal via de acesso ao quadro administrativo do Estado, aumentou o controle da atividade do Estado pelo fortalecimento do ministério público e instituiu uma forma democrática de governo. A onda democratizante foi seguida de um processo de liberalização econômica que reduziu o peso do Estado na vida material e franqueou o mercado nacional para empresas estrangeiras. Esse processo acabou por reorganizar e acelerar o desenvolvimento capitalista no Brasil. Os dois processos – de democratização e de liberalização econômica – se materializaram em uma nova ordem política, estruturada, desde 1995, por uma forma de Estado moderadamente liberal e democratizante. Esse esboço sumário das inovações políticas do período após a Segunda Guerra Mundial mostra a lentidão com que o processo de
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transformação econômico-social, que tornaria a sociedade mais complexa, ganhou expressão política. Lentidão talvez maior do que antecipava Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil. Mais de meio século se passou antes que o movimento de democratização dos anos 1980 quebrasse parte da resistência oligárquica, estreitasse o espaço de controle patrimonialista do Estado e universalizasse os direitos de cidadania. Mais de meio século também se passou antes que o movimento de liberalização econômica quebrasse parte da resistência do empresariado à perda dos privilégios – proteção contra a competição e subsídios públicos aos ganhos privados – que lhe concedia o Estado varguista, vigente até os anos 1980. A ênfase dada ao caráter parcial dos resultados produzidos, seja pela liberalização econômica seja pela democratização, visa chamar a atenção para o déficit de democracia existente no país. A incorporação da base da sociedade à competição política ainda tem sido parcial. Embora políticas democratizantes do Estado – aumento real do salário mínimo e transferências de renda – estejam provendo o mínimo de recursos econômicos necessários para a subsistência das camadas de pobres e miseráveis, estes ainda não têm condições de converterem-se em cidadãos com capacidade de exercer autonomamente todos os direitos que possuem. Faltam-lhes condições econômicas – ocupação regular – e culturais para exercitar os direitos que a Constituição lhes outorga. Sua participação política tem sido heterônoma, embora já não tão dependente, como antes, de agrupamentos políticos tradicionais e clientelistas. Por outro lado, uma fração do empresariado goza ainda de privilégios concedidos pelo Estado, sem desenvolver atividades econômicas que contribuam para o poder público atingir alvos de políticas universalistas. Incluem-se entre tais privilégios a remuneração elevadíssima concedida pelo Estado aos que mantém seus recursos econômicos aplicados de forma líquida – e não em atividades produtivas – as transferências de recursos de fundos de reserva dos trabalhadores para empréstimos subsidiados pelo Estado e as concessões de isenções fiscais arbitradas pelos governos sem que os beneficiados prestem contas dos resultados que produziram para o conjunto da sociedade. Tudo isso mostra que se o Brasil já não é uma sociedade oligárquica, como aquela em que Sérgio Buarque de Holanda viveu, o país ainda não se tornou, no plano sociopolítico, uma sociedade democrática, em que não há – como dizia Florestan Fernandes (1975) – cidadãos “mais iguais” que a maioria.
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Referências CANDIDO, Antonio. O significado de Raízes do Brasil (1967). In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 25. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1993. p. 39-49. CANDIDO, Antonio. A visão política de Sérgio Buarque de Holanda. In: CANDIDO, Antonio (Org.). Sérgio Buarque de Holanda e o Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 1998. FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 25. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1993. IGLESIAS, Francisco et. al. Sérgio Buarque de Holanda: 3º Colóquio UERJ. Rio de Janeiro: Imago, 1992. MORSE, Richard. O espelho de Próspero: cultura e idéias nas Américas. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens de nossa época. Tradução de Fanny Wrobel. Rio de Janeiro: Campus, 1980. WAIZBORT, Leopoldo. O mal-entendido da democracia: Sérgio Buarque de Hollanda, Raízes do Brasil, 1936. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 26, n. 76, jun. 2011.
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GILBERTO FREYRE E SEU TEMPO: CONTEXTO INTELECTUAL E QUESTÕES DA ÉPOCA1 Elide Rugai Bastos
Este artigo, compreendendo algumas mudanças, tem origem na aula pronunciada pela autora no curso “A sociedade brasileira interpretada pelos seus clássicos”, promovido pelo SESC. Agradeço ao parecerista que fez observações muito pertinentes sobre o texto e cujas sugestões acatei plenamente.
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O artigo procura recuperar o processo que permite a emergência de Gilberto Freyre como um dos mais importantes intérpretes da história da sociedade brasileira. Para tanto, busca reconstruir os cenários familiar, grupal e escolar de sua infância e juventude. Mostra a importância, em sua formação, da frequência a grandes universidades estrangeiras, dos contatos intelectuais nacionais e internacionais e da circulação das ideias que contribuíram para a construção e consolidação das teses que formula para explicar o país. Ilustrando os caminhos de sua análise, esboçam-se os pontos principais de suas propostas temáticas, a articulação entre as mesmas e sua explicitação na obra principal: a série denominada Introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil, composta pelos livros Casa-grande & senzala, Sobrados e mucambos e Ordem e progresso. Palavras-chave: Gilberto Freire; sociedade patriarcal; intérpretes do Brasil This paper traces the process from the emergence of Gilberto Freyre as one of the most important interpreters of Brazilian society’s history. Therefore, it seeks to reconstruct his family, social, childhood and youth schooling profiles. It shows the importance, education wise, of attending great overseas universities, having national and international intellectual contacts and the spreading of ideas, which contributed to the creation and consolidation of the theses he creates to explain the country. Illustrating his analysis, he introduces the main points of his thematic proposals, the articulation between them and its details in his main work. It was a series called, “Introduction to the history of patriarchal society in Brazil”, made up by the books Casa-grande & Senzala (The Masters and the Slaves), Sobrados e Mucambos (The Mansions and the Shanties) e Ordem e Progresso (Order and Progress). Keywords: Gilberto Freire; patriarchal society; interpreters of Brazil
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INTRODUÇÃO Gilberto Freyre, considerado um dos grandes intérpretes do Brasil, é um dos escritores brasileiros mais lidos no país e no exterior. Seus livros mais conhecidos estão organizados na série denominada Introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil, formada por Casagrande & senzala, publicado em 1933, Sobrados e mucambos, em 1936, e Ordem e progresso, em 1959. Não podemos esquecer outro texto que, embora não pertença a essa série, complementa sua temática. Trata-se de Nordeste, de 19372. Além das inegáveis qualidades do autor, vários fatores se combinam para conferir a Gilberto Freyre esse lugar explicativo que operará na mudança de rota das posteriores interpretações sobre a sociedade e a história brasileiras. Elementos diversos – biografia, itinerário intelectual, temas em debate no período, diálogos desenvolvidos pelo autor com pensadores nacionais e estrangeiros – desempenham papel decisivo nesse processo. Neste artigo buscarei primeiramente apontar como Gilberto Freyre chega à temática que marcará sua obra, isto é, a busca de uma formulação original sobre a formação da sociedade brasileira. Para tanto, forneço alguns dados da biografia e do itinerário intelectual do autor, comento os temas em debate no período compreendido entre 1920 e 1940 e procuro mostrar quais são os diálogos desenvolvidos por ele com outros intelectuais brasileiros nesse período. Por fim, apontarei as teses desenvolvidas por Freyre nos anos 1920 e 1930, buscando destacar as semelhanças e diferenças entre elas e as desenvolvidas até então, bem como refletir sobre suas contribuições decisivas para a modificação dos rumos das interpretações sobre o Brasil. 1 BIOGRAFIA E ITINERÁRIO INTELECTUAL Gilberto Freyre nasceu no Recife, em 15 de março de 1900 e morreu na mesma cidade em 18 de julho de 1987; portanto vivenciou a maior parte dos acontecimentos que marcaram o século XX. Des Gilberto Freyre escreveu, ao longo da vida, mais de oitenta livros. Muitos deles têm traduções para diversas línguas e, alguns, várias edições no Brasil.
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cende de famílias tradicionais de Pernambuco que no passado foram proprietárias de engenho e que entraram em decadência com a abolição da escravatura e a ascensão das usinas. Seu pai foi advogado, professor de economia na Faculdade de Direito do Recife e lecionou e exerceu cargo administrativo no Colégio Americano Batista da mesma cidade. Sua mãe, que havia estudado em colégio de freiras francesas, introduziu-o nos primeiros rudimentos de francês e incentivou seu gosto pela literatura. Vários de seus parentes ocuparam cargos na magistratura, na administração do Estado e faziam parte da elite cultural de Pernambuco. A mãe foi tia do médico Ulisses Pernambucano de Mello, que atuou na reforma da saúde e higiene e do historiador José Antônio Gonsalves de Mello, grande especialista na história do período holandês no Brasil. Alguns professores particulares prepararam Gilberto para um desempenho de destaque nos cursos regulares: em desenho, o paisagista Teles Júnior; o inglês Mr. Williams o iniciou na leitura, escritura e aritmética; Madame Meunier ensinou-lhe francês a partir dos 15 anos de idade. Em 1908 passou a frequentar o Colégio Americano Batista do Recife, no qual fez estudos que corresponderiam ao primário e secundário, terminando-os em novembro de 1917. Quando Gilberto Freyre nasceu – em 1900 – o país tinha a expe riência de onze anos de república e doze de abolição da escravatura. Assim, os primeiros anos de sua formação no Brasil transcorreram em um período de transição, quando se inauguram novas formas de administração, surgem mudanças na configuração econômica e alteram-se as relações sociais. Nesse quadro, ressalte-se a formação em colégio americano e o domínio da língua inglesa como elementos diferenciais que preparam o jovem estudante para as transformações em curso. A leitura de Spencer, Comte e Taine, escritores cuja leitura era apreciada pelos intelectuais brasileiros do período, tais como seus antecessores Euclides da Cunha e Sílvio Romero, faz parte de seus interesses3. Se a familiaridade com os estudos de Spencer o aproxima dos estudos sociais, não é por meio do industrialismo e do evolucionismo, Em 1916, portanto, com apenas 16 anos, Gilberto Freyre pronuncia, na capital da Paraíba, a conferência intitulada “Spencer e o problema da educação no Brasil”.
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mas pelo costumbrismo4 inglês e pelo ecologismo spenceriano, conforme aponta Chacon (1993, p.45)5. Continua seus estudos nos Estados Unidos, para onde foi em 1918, primeiramente no curso de bacharelado em Artes, na Universidade de Baylor, no Texas, que terminou em 1920. É importante lembrar que as mudanças decorrentes do final da Primeira Guerra Mundial (19141918) são cruciais para o novo posicionamento dos Estados Unidos no cenário internacional, o que torna o país centro importante de reflexão sobre a economia, a sociedade e a política. No novo curso, Gilberto Freyre entrou em contato com o melhor da literatura inglesa, com autores americanos do sul do país e com o ensaísmo inglês, herança cultural que marcaria fortemente sua orientação para estudos sociais e culturais sob critério regional. Terminado o bacharelado, parte para Nova York, onde faria o curso de mestrado na Faculdade de Ciências Políticas, Jurídicas e Sociais da Universidade de Columbia, recebendo o grau de mestre em 1922. Em Columbia teve professores que figuram entre os mais importantes na área de ciências sociais – Dewey, Giddings, Franz Boas – e também colegas que se destacaram nesse campo – por exemplo, Melville J. Herskovits, Ruth Benedict, Margareth Mead. Essa convivência foi de grande importância tanto para a formação quanto para a carreira de Gilberto Freyre. Nesse período aproximou-se do historiador Oliveira Lima, que tinha sido paraninfo na formatura de sua turma no Colégio Americano Batista e que vivia em Washington. A influência desse intelectual foi decisiva para a consolidação dos rumos de suas pesquisas, pois o ajudou no conhecimento do método histórico e a familiarizar-se com a pesquisa documental. Além disso, a grande biblioteca desse historiador, aberta às pesquisas do jovem estudante, permitiu-lhe a consulta do material que serviria de base para seu trabalho de mes Trata-se de um movimento estético que se caracteriza por descrever e apresentar tipos sociais, hábitos, costumes e tradições. 5 Destaco que a discussão dos antagonismos em equilíbrio, expressão central na interpretação freyriana da sociedade brasileira, é tributária da teoria spenceriana, embora Freyre a encontre na leitura de Carlyle. Remeto o leitor ao excelente livro de Maria Lúcia Pallares-Burke, Gilberto Freyre. Um vitoriano nos trópicos (2005), que desenvolve esse assunto. 4
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trado Vida social no Brasil nos meados do século XIX6. Documentos significativos para o desenvolvimento de sua obra posterior lhe foram apresentados nessa biblioteca, hoje pertencente à Universidade Católica de Washington por doação de seu proprietário. Mas não foi só a universidade com seu ambiente cosmopolita ou seus amigos intelectuais que forneceram elementos para o enriquecimento da experiência americana de Gilberto. Em carta de 17de janeiro de 1921 a Oliveira Lima, fala de seu entusiasmo pela cidade: Nova York está cheia de museus, bibliotecas, jardins, monumentos, casas velhas de eras desfeitas, cantos cheios de cor e interesse, onde a gente imagina estar em terras distantes – como o bairro árabe, com seus bazares e suas cores estridentes, o chinês, com suas lanternas e seus amarelos, de olhos oblíquos e passinhos miúdos, o judaico e outros. Sempre há novas peças nos teatros aos quais a afluência é enorme. Há lugares onde ouvir boa música (GOMES, 2005, p. 63).
Essas palavras são significativas do interesse amplo de Gilberto Freyre pelas coisas, pessoas e ideias, pelos lugares, pela arte, traço que marcaria fortemente suas pesquisas e escritos e o destacaria como estudioso da terra, do povo e da história brasileiros. Em Columbia liga-se a um grupo de estudantes de países da América Latina e assume a coeditoria do jornal dos alunos intitulado El estudiante latino-americano, no qual publica vários artigos. A aproximação aos problemas desses países permite que se preocupe com a peculiaridade ibérica que caracteriza o povo e a formação da sociedade latino-americana, temática que se reflete desde então na sua análise sobre o Brasil. Esse interesse, ainda, o leva a usar o método comparativo, estratégia analítica sempre presente em suas obras. Além dos autores cujos temas compunham suas preocupações com economia, direito, filosofia, sociologia, antropologia, componentes do curso escolhido em Columbia, Gilberto Freyre descobria novos auto res a cada dia. Diz ele em seu diário em 1920: “Santayana é minha Lembro que na tese de mestrado, Oliveira Lima é um dos autores mais citados.
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grande descoberta. É ele quem está me reconciliando com o catolicismo.” Ou ainda, a respeito de George Moore e Ángel Ganivet, este espanhol: Como que os descobri por meu próprio faro literário: sem sugestão de mestre nem de pessoa mais velha. (...) São descobertas de um gosto personalíssimo a leitura de livros que não nos foram recomendados por pessoa alguma; mas nos quais de repente se encontra um indivíduo sob a forma de ideias, de imagens, de confissões, de experiências que parecem terem sido pensadas, sentidas e vividas por uma espécie de pioneiro dele próprio (FREYRE, 1975, p. 46).
Essa busca do conhecimento por vários caminhos possibilita que Gilberto Freyre defina, desde muito jovem, suas próprias posições teórico-metodológicas. Por exemplo, no início de 1921, portanto com 21 anos, escreve no mesmo diário: “Das filosofias cujos diferentes sabores venho experimentando, as que me atraem mais são a de Santo Agostinho contra a de São Tomás, a de Pascal contra a de Descartes, a de Nietzsche contra a do próprio Kant. E agora James e Bergson contra Comte e Mill” (FREYRE, 1975, p. 47). Gilberto Freyre defende sua tese de mestrado na Universidade de Columbia em 1922 e logo a seguir parte para a Europa, chegando a Paris. Ali estabelece relações com pessoas e grupos ligados à Action Française, tendo assistido a palestras do Maurras, o que significa proxi midade a tendências tradicionalistas, influências conservadoras e encanto com o regionalismo. Tais elementos pesarão fortemente em sua reflexão posterior e marcarão sua obra. O espírito curioso e inquieto, já patente quando fala de Nova York, o leva a frequentar teatros, ouvir música, visitar museus, igrejas, a apreciar ruas e bairros da cidade, a ler jornais e revistas, conforme narra em cartas a Oliveira Lima. Relata, em 30 de agosto de 1922, os diferentes contatos que estabelece, concluindo: “E vou compreendendo, ou antes, procurando compreender os pontos de vista. Compreender – não é este o grande Sport intelectual, o jogo de xadrez que nos diverte e move as ideias durante esta noite de inverno que é a vida?” (GOMES, 2005, p. 147). Em seguida vai a Berlim e depois à Inglaterra, mais precisamente a Oxford, onde passa dois meses no final de 1922, em intensa atividade.
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Considerou Oxford como o centro de saber mais criativo que conhecera. Frequentou grupos de estudo, participou de debates, dedicou-se a atividades estudantis, adquiriu muitos livros, leu muito, ampliou seu círculo de amizades. Em carta a Oliveira Lima diz: “...estou lendo muito – quando sair daqui precisarei de umas férias. Mas quem nasceu para beneditino, há de sempre ser beneditino – principalmente onde o ambiente é congenial” (GOMES, 2005, p. 156). Comentários de suas leituras aparecem nos artigos que desde os primeiros anos no estrangeiro escreveu para o jornal Diário de Pernambuco. Aliás, sua experiência como jornalista nesse período contribuiu fortemente para definir seu estilo de pesquisa. Como afirma em artigo de 10 de abril de 1921: O simples artigo para jornal apresenta dificuldades à pessoa conscienciosa. A tentação de generalizar é forte. Raros, os que dela sabem esquivar-se. (...) Em viagem ou em estudo em terra estrangeira precisa o indivíduo guardar-se da ligeireza de opinião, trocando pelo que o americano chama earnestness e que é a vontade de ir ao fundo das coisas [à qual] junte-se o ecletismo de opiniões morais, disposição de ler os jornais da terra (...), de misturar-se com o povo, de aprender-lhe o idioma e os hábitos (FREYRE, 1979, p. 103-105).
Esses elementos, que seguirá à risca, serão a base do método de estudo do cotidiano que utilizará para reconstruir a história da formação da sociedade brasileira. Em Oxford Gilberto Freyre encontra seu mundo de afinidades eletivas. Diz novamente em seu diário: “Venho encontrando em Oxford meu ambiente como em nenhum outro lugar já meu conhecido” (FREYRE, 1975, p. 104). Sempre declarou que os meses que ali passou foram o melhor tempo de sua vida. Aprofundou-se na sua amada literatura inglesa e no modo de vida inglês. Encontrou correspondência para suas ideias, que recusam o modo de vida e a moral burguesa. Diz em seu diário, referindo-se à sua leitura de Romain Rolland: Admirável seu conceito em L’adolescent de que os que rigidamente seguem a moral burguesa “sem grandeza e sem beleza” (...) fazem os vícios parecer mais humanos que as virtudes. Isto se concilia com o que venho observando eu próprio e também o que se vê da vida
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através de grandes observadores ingleses da natureza humana como Chaucer, Defoe, Swift, Fielding, Samuel Butler. (...) E nesta Oxford de Walter Pater a Adolescência é o centro das maiores inquietações e preocupações (FREYRE, 1975, p. 109-110).
É então que lê e relê grande parte da obra de Pater “cujo esteticismo irá deixar profundas marcas em sua trajetória” (PALLARES-BURKE, 2005, p. 118). Embora lhe fosse caro permanecer em Oxford para fazer o doutorado, problemas financeiros o obrigam a apressar seu retorno ao Brasil. Volta à França para tomar o navio de regresso, parando algum tempo em Lisboa e Coimbra. Chega ao Recife em 1923. Nesta breve reconstrução da biografia e do itinerário de estudos de Gilberto Freyre no Brasil e no estrangeiro quis mostrar sua formação não convencional se comparada aos intelectuais de seu tempo. A influência da cultura francesa era muito forte entre nós e sua vivência anglo-americana o diferenciava no ambiente brasileiro. Mais ainda, quis indicar que esse autor gozava de um capital social e cultural que ao lado de outros elementos permitiu que ousasse um caminho novo de interpretação do Brasil. Seu itinerário reafirma o que disse Gabriel Cohn na conferência de abertura do curso “A sociedade brasileira interpretada pelos seus clássicos”: para decifrar o enigma Brasil foi necessária, para os autores que ousaram abraçar essa tarefa, uma base de formação sólida e multifacetária. Essa base permitiu-lhes definir a seleção do material de pesquisa – isto é, os dados da história, da sociedade, da economia e da cultura – bem como a adequada seleção dos conceitos que utilizaram – isto é, raça, organização social, cultura etc. 2 TEMAS E PROBLEMAS DO TEMPO Gilberto Freyre, ao abordar a temática que atravessa sua obra, expressa a problemática colocada pelo seu tempo marcado por conflitos internacionais, por exemplo, a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Russa de 1917, a crise econômica que teve seu momento mais representativo em 1929, além dos reflexos dos mesmos conflitos no Brasil. Na feliz expressão de De Lorenzo e Costa, nesses anos o Brasil viveu uma espécie de “aceleração histórica” (DE LORENZO; COSTA, 1997,
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p. 8). Surgem novos atores políticos – classe operária, classes médias, setores militares – e novas ideias. Alteram-se não apenas a política e a sociedade, como também ocorrem mudanças individuais e sociais na sensibilidade e no gosto. Tais transformações induzem os intelectuais a refletir sobre o conteúdo da modernidade brasileira. Nesse sentido, os anos 1920 se constituem em um período crítico, em que se gestam as profundas modificações instaladas em 1930. Pelos artigos, ensaios e livros e pelas obras de arte desse período podemos perceber que aqueles que vivenciaram esse momento o fizeram com perplexidade. Essa etapa na vida do país é marcada por várias transformações que alteram o perfil da agricultura, intensificam a urbanização, compreendendo a formação de oficinas e fábricas, e o surgimento de concentrações operárias. A Primeira Guerra Mundial e a grande crise econômica mundial de 1929 constituem conjunturas críticas que favorecem a industrialização ainda incipiente. Multiplicam-se os movimentos sociais, que se desdobram em greves rurais e urbanas, bem como na formação de associações de auxílio mútuo, sindicatos e partidos políticos. Na década de 1920, o tenentismo, a fundação do Partido Comunista e a realização da Semana de Arte Moderna revelam uma parte importante das transformações sociais, econômicas, políticas e culturais que se encontram em andamento. Entra em crise o poder do bloco agrário que predominara durante a Primeira República, simbolizado na política dos governadores e na aliança São Paulo-Minas Gerais. Ao mesmo tempo, no entanto, subsistem interesses agrários anteriores, bastante fortes. As transformações sociais põem em causa a até então supremacia do mundo agrário na sociedade nacional, mas não a superam de todo, apenas em parte. Subsistem condições passadas mescladas com as emergentes. Muitos interesses predominantes durante a Primeira República – e mesmo anteriores – não chegam a desfazer-se inteiramente. Uma parte da garantia do presente beneficia-se do recurso ao passado. É pelo estudo das tradições que se buscará estabelecer um equilíbrio entre as constantes inovações do presente e a tentativa de estruturação de alguns aspectos da vida social. Em poucas palavras, esse é o quadro mais geral do debate intelec tual que se encontrava em andamento nos anos de 1920 e 1930. Com uma peculiaridade: enquanto alguns concentravam suas reflexões sobre o Estado, outros examinavam a cultura, a identidade nacional.
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Mais do que todos é Gilberto Freyre que se debruça sobre a sociedade, mas tratando, ao mesmo tempo, de resolver ou incorporar os dilemas postos pela cultura, pela identidade nacional e pelo Estado. Assim, dialoga com aqueles intelectuais que, nas décadas imediatamente anteriores, buscaram apontar os problemas do país e procurar soluções para os mesmos. No sentido de mostrar esse diálogo, resgato alguns temas da produção ensaística desse período, procurando indicar os pontos comuns e os afastamentos da visão de Gilberto Freyre em relação a esses autores. Muitos desses intelectuais estavam preocupados em estabelecer as relações existentes entre o Estado e a Sociedade e nessa reflexão buscavam ampliar as bases do debate sobre a questão social. Alguns deles estavam mais preocupados em analisar as forças sociais em jogo do que as instituições políticas. Os pontos temáticos principais nesses escritores são as questões em torno da cultura e da identidade nacional. Em outros termos, os autores buscam resposta à pergunta: afinal que país é este? Seus trabalhos procuram definir a cultura nacional para fundamentar a existência de uma identidade nacional. Essa a aposta e quem conseguisse articular esses dois elementos teria decifrado o dilema e daria o salto para uma nova etapa dos estudos sociais. Levanto a hipótese de que tal proeza foi realizada por Gilberto Freyre. O gesto de apontar os elementos que dão unidade à cultura e à identidade nacional exerce o papel de símbolo de coesão social: fornece resposta à pergunta sobre a natureza do país e propõe a integração à comunidade de grupos sociais que são marginalizados na própria definição de “povo brasileiro”, isto é, os negros e os indígenas. 2.1 IMITAÇÃO Apossar-se da verdadeira cultura brasileira significa abandonar a imitação, voltar às raízes, como apontava, em 1924, o intelectual carioca Ronald de Carvalho. Confinados em nossas fronteiras, só temos olhos para ver a insidiosa Europa. (...) A nossa literatura ainda é, na generalidade, produto de enxertias. Ao revés de lermos, para escrever, urge vermos, analisarmos, palparmos os elementos ativos do meio em que obramos. Basta de
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fecundação artificial! Não tenhamos receio que nos taxem de bárbaros. Amemos a nossa barbárie. (...) Se quisermos criar uma civilização, arranquemos, desde já, as máscaras postiças que encobrem as nossas verdadeiras fisionomias (CARVALHO in CARDOSO, 1981, p. 36-38).
Paulo Prado, empresário e intelectual paulista, pinta o caráter nacional marcado pela tristeza da qual somente uma guerra ou uma revolução poderiam nos arrancar. Esse pessimismo, que pretende ser resultado de uma visão realista, é representativo in extremis de uma característica do ensaísmo dos anos 1920: sua vocação em voltar-se à realidade, por mais dura que ela seja. “Dos agrupamentos humanos de mediana importância, o nosso país é talvez o mais atrasado. O Brasil, de fato, não progride; vive e cresce, como cresce e vive uma criança doente no lento desenvolvimento de um corpo mal organizado” (PRADO, 1944, p. 176). Lamenta que uma população de “caranguejos” agarre-se ao litoral, deixando os sertões ao cangaço, entregue primitivamente a crendices e fantasmas. “O paludismo, a cachaça, a sífilis, o amarelão, a indolência desanimada, completam o quadro. E assim vegetam no nosso grande Planalto Central mais de 5 milhões dos nossos 8.500.000 quilômetros quadrados” (p. 177). Paulo Prado aponta como responsáveis por esse quadro a incompetência do poder público, a ambição dos grupos privados, a ausência de uma infraestrutura econômica, o desestímulo governamental à iniciativa privada séria, o analfabetismo, a “bacharelice” romântica da intelectualidade do país, a mania de importação das modas mais recentes. Essa imitação tem sua raiz no próprio transplante de nossa legislação, como acusa Oliveira Vianna. Dos males que nos têm afligido desde a nossa emancipação em 22, uns resultam das condições mesmas da nossa formação social, mas outros são simples translações dos males alheios em vernáculo: e os idealistas republicanos, os construtores da Constituição, infelizmente parece terem-se devotado mais aos males desta última espécie do que aos males da primeira categoria. Excelentes tradutores de males estranhos: péssimos intérpretes dos nossos próprios males (VIANNA, in CARDOSO, 1981, p. 105).
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Conforme apontam esses ensaístas, esse transplante é resultante de um processo de educação da elite dirigente que se fez fora da realidade nacional, como diz Gilberto Amado (in CARDOSO, 1981, p. 49). Ou ainda, conforme afirma Pontes de Miranda (in CARDOSO, 1981, p. 4), as instituições brasileiras são cópias resultantes de uma política marcada por um racionalismo que não é absolutamente brasileiro, que substituiu nosso empirismo inicial, marca da tradição portuguesa. A acusação da imitação levou os autores dos anos 1920 a buscar no nacionalismo uma solução política. Além disso, a crítica à imitação envolve a recusa a certo progressismo que nada tem a ver com as raízes brasileiras; e, por isso, os autores propõem um retorno às tradições. Essa denúncia envolve uma recusa ao industrialismo crescente que deixaria de lado, em nome do progresso, aspectos importantes da sociedade, como o são as tradições rurais. Poderia multiplicar os exemplos, mas parece-me já ter indicado um traço constante na produção dos autores do período: a definição da cultura e da identidade nacionais. Em sua reflexão dois elementos podem ser salientados: de um lado, a tentativa de construção de uma identidade e de uma cultura nacionais capazes de garantir o lugar do Brasil no concerto das nações; de outro, a procura de um caminho que permitisse um diagnóstico verdadeiro da sociedade, capaz de apresentar o Brasil “tal qual ele é”. 2.2 NACIONALISMO Entre os vários sentidos que pode assumir entre os autores citados anteriormente, nacionalismo corresponde à vontade de ver coincidir a realidade jurídico-política do Estado com a realidade sociológica que o grupo nacional representa, isto é, um grupo com consciência de sua própria individualidade, dotado de coesão. É compreensível que essa visão ganhe importância em um momento em que se instala a crise do pacto oligárquico, quando há o questionamento da política dos governadores, se expressa a preocupação com regionalismo e unidade nacional, e se proponha, não sempre de forma explícita, a centralização do Estado. Isto se dá a partir de uma série de procedimentos dos quais os mais importantes são: o retorno a valores históricos da sociedade e a afirmação do conteúdo universal da civilização nacional.
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Essas características surgem na obra dos ensaístas brasileiros dos anos 1920. O retorno a valores históricos é ressaltado de forma ampla a partir da revalorização da influência lusitana na formação nacional. O traço aparece em vários autores e seria retomado fortemente por Gilberto Freyre ainda na década de 1920 (FREYRE, 1977; 1979). A afirmação do valor universal da civilização nacional formula-se incisi vamente de várias formas nos autores apontados e poderia ser resumida na seguinte afirmação: no momento em que ultrapassarmos o espírito negativista da descrença nas potencialidades do país resgataremos seu poder, sua riqueza e suas ideias. Por outro lado, podemos perceber nesses autores a presença de um nacionalismo defensivo, isto é, a defesa e a preservação da unidade da sociedade nacional e de uma organização política que lhe seja adequada. Isso explica, em parte, a forte presença do debate nacionalista no período. A discussão sobre o clima de civilização que caracteriza o nacionalismo de grande parte dos escritores dos anos 1920 e início dos 30 busca mostrar que as diferentes formas que assume a cultura nacional podem ser incorporadas ao grande movimento civilizatório mundial. Gilberto Freyre, já nos trabalhos do decênio de 1920, mas principalmente no de 30, traz uma das mais ricas contribuições a essa reflexão, retomando de forma original o debate sobre a tradição e sobre a questão racial. É certo que ao ler os textos do período percebemos que, embora de inspiração diferenciada, o que caracteriza o debate nacionalista dessa época é sua marca conservadora. É claro que há articulações entre as diferentes tendências, mas poderíamos dizer que o conservadorismo se transforma no estilo de pensamento da época, marcando fortemente os encaminhamentos dados à política (LAMOUNIER, 1977, p. 343-374). As formulações em torno da centralização que propõem a necessidade de um Estado forte para viabilizar a consolidação da sociedade, ou as proposições sobre as tarefas das elites, ressoam essa tendência. Mesmo a partir de diferentes posições, os ensaístas de 1920 buscam formas de levar a sociedade brasileira a apossar-se integralmente de si mesma. Nesse processo há um retorno aos valores do passado por meio dos quais ela se definiria, se reconheceria e se distinguiria das
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outras sociedades. É nesse clima que se retoma o debate sobre raça e civilização. É esse o pano de fundo para a discussão de educação e cultura. A sociedade assumir-se tal qual é e diagnosticar os entraves que isso representa é, para esses autores, o segredo da compreensão da sociedade brasileira. Esse interesse aparece antes como uma inquietação do que em propostas concretas. A partir dos novos critérios para a análise sociológica introduzidos por Gilberto Freyre na década de 1930, esse processo tomaria corpo de modo diverso, levaria a outra direção essas sugestões e alteraria a reflexão sobre o social. Casa-grande & senzala marca definitivamente a necessidade de assumirem-se os valores culturais em torno dos quais gira o social e que levam a sociedade brasileira a se distinguir das outras. É nesse ponto de inflexão que se coloca sua obra. Freyre mostra que existem valores da cultura que vinham sendo menosprezados pelos intelectuais e que deveriam ser retomados para a manutenção do equilíbrio social. Isso marca o caráter de seu nacionalismo. Ilustração desse traço é a forma pela qual ele discute, em um de seus artigos no Diário de Pernambuco (em 9 de setembro de 1923), a extensão da alfabetização como uma resolução tensa: de um lado, como componente fundamental à passagem para uma nova etapa técnica necessária ao progresso; de outro, como elemento homogeneizador, demolindo ricas sobrevivências culturais que, destruídas, empobreceriam sobremaneira o legado da civilização universal. Neste Diário (...) defendi o ideal da alta cultura ao serviço do analfabetismo plástico e ingênuo do grande número, dos que por natureza são mais felizes obedecendo sem esforço. Meus amigos acharam muita graça nesse artigo; descobriram em mim um jeito delicioso para o paradoxo e para a malícia. (...) Do ideal de alfabetismo escrevi que o resultado era a mediania de cultura. Em vez dos desejáveis contrastes de puro branco e puro preto – tudo neutralizado em cinzento (FREYRE, 1979, p. 305).
Embora Gilberto Freyre negue a seguir no artigo a existência de paradoxo, é curioso perceber nesse conjunto de textos, de um lado
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a defesa de uma “alta e severa cultura a serviço das necessidades nacionais” e, de outro, os efeitos danosos que atribui à “democratização da cultura”. Mais dois elementos devem ser lembrados como critérios para a compreensão do nacionalismo dos anos 1920 e início dos 30: a situação histórica e a evolução econômica. O Brasil, às vésperas da Revolução de 1930, encontra-se em uma situação histórica favorável à mudança no caráter do nacionalismo. Sem estabelecermos relação mecânica, é possível constatar que existe correspondência entre as diversas etapas de desenvolvimento econômico e as diferentes formas de nacionalismo. O país encontrava-se, naquele momento, em um ponto de transição econômica, política, social e cultural que impunha a mobilização da sociedade em torno de um novo projeto político. Inaugurase, assim, um novo momento para fundar propostas político-sociais: nem o “velho” modo de organizar a sociedade, nem somente as “novas” formas de encarar o social. O que passa a ser buscada é uma nova ordem, fundamental à consolidação da “nova nação”. É nesse cenário que se desenvolve o debate sobre a questão racial, componente fundamental da questão nacional. 2.3 A QUESTÃO RACIAL A abolição da escravatura colocou a sociedade brasileira frente a um problema: como inserir o negro nos quadros sociais? No final dos anos 1950, criticando a visão sobre a questão racial da última década do século XIX e das primeiras do século XX, Florestan Fernandes viria a apontar o impasse definido pela dualidade igualdade perante a lei/desigualdade real. Mostra que à nova condição jurídicopolítica dos ex-escravos não correspondeu imediatamente o exercício das prerrogativas sociais que a situação propiciava. A manutenção de tal situação garantia-se pelo domínio, nos meios intelectuais, do chamado “racismo científico” que se apresentava como uma tentativa de conferir à discriminação racial um cunho legal, procurando-se provar, por meio de uma linguagem científica, a desigualdade entre as raças (FERNANDES, 1965). O ensaísmo dos anos 1920 herda o cenário descrito por Florestan Fernandes. A partir da aceitação das análises sobre a inferioridade física, psicológica e moral das raças “não brancas”, e sobre as conse-
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quências disso na mestiçagem, construiu-se uma visão sobre a formação nacional. Oliveira Vianna, que nesse período procurou analisar a associação entre a evolução da raça, da sociedade e das instituições políticas, é o expoente máximo da tendência. Estava convencido de que “o valor de um grupo étnico é aferido pela sua maior ou menor fecundidade em gerar tipos superiores, capazes de ultrapassar pelo talento, pelo caráter ou pela energia da vontade, o estalão médio dos homens da sua raça ou do seu tempo” (VIANNA, 1956, p. 153). Assim, lança-se à pesquisa antropossociológica para buscar as características da formação étnica do povo brasileiro e seus consequentes traços psicossociais. Seguindo o caminho da fusão das três raças originárias de nossa população – brancos, negros e índios – conclui que esse processo ainda estava em curso e que o melhor caminho seria direcionar-se ao branqueamento. O tipo antropológico do brasileiro só poderá, pois, surgir com a sua definitiva caracterização depois de uma lenta elaboração histórica, quando o trabalho de fusão das três raças originárias se tiver completado e as seleções étnicas e naturais tiverem ultimado a sua obra simplificadora e unificadora. Por enquanto, os tipos cruzados estão ainda muito próximos das suas origens. Demais, das duas raças bárbaras [o autor refere-se aos indígenas e aos africanos] ainda se conservam, no seio da massa nacional, grandes contingentes, que ainda não se fundiram inteiramente e guardam intacta a sua pureza primitiva. Ora, a absorção desses contingentes bárbaros pela massa mestiça obedece a um processo seletivo de lenta e laboriosa realização. Entretanto, podemos já analisar, nos movimentos desse caos em elaboração, uma tendência que cada vez mais se precisa e define: a tendência para a arianização progressiva dos nossos grupos regionais. Isto é, o coeficiente da raça branca eleva-se cada vez mais em nossa população (VIANNA, 1956, p. 169-170, grifos do autor).
As palavras do autor ganham caráter oficial quando se constata que o texto é parte introdutória do censo de 1920, publicado mais tarde em livro com o título Evolução do povo brasileiro. Segundo ele, o branqueamento seria a meta a que o conjunto do sistema social brasileiro deveria tender, orientado por uma política de imi-
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gração que buscasse tipos adaptáveis ao clima e ao meio geográfico brasileiros. O produto resultante do caldeamento das “raças superiores” com alguns tipos africanos aqui vindos poderia gerar “mestiços eugênicos”. A discussão sobre a raça, naquele momento, transformou-se em debate dos mais importantes porque é componente fundamental da definição do povo e das instituições que lhe são convenientes. Gilberto Amado exemplificou largamente essa tendência, analisando as instituições políticas e o meio social no Brasil, em discurso de estreia como deputado na Câmara dos Deputados em 1916, editado em 1924. Nele faz o balanço sobre a composição racial da população brasileira na qual predominam os mestiços, negros e índios sobre uma população branca que não atinge um terço do total e se pergunta, então, se seria possível termos uma população orientada por instituições políticas semelhantes àquelas das nações civilizadas (AMADO in CARDOSO, 1981, p. 49). Assim, justifica a tutela, ressalta o papel das elites, legitima o autoritarismo. Porém, o mito das três raças entra na discussão dos anos 1920 com sinais trocados se comparado ao debate correspondente da virada do século, quando se tratava apenas de buscar uma interpretação da sociedade, na medida em que a problemática da mestiçagem aliada ao problema do meio ambiente apresentava-se como um dilema, de certo modo, insolúvel, que levava a perspectivas pessimistas quanto à “viabilidade do Brasil como nação7”. Já no decênio de 1920 as colocações sobre a raça compreendem uma tentativa de modificação da sociedade. Assim, conforme foi dito anteriormente, a questão racial constitui-se componente fundamental da questão nacional. Gilberto Freyre, ao colocar a questão sob outra luz, permite o equacionamento da temática em outro patamar. A raça vista como um “problema”, um obstáculo à integração, perde sua força. A redefinição passaria pela discussão do regionalismo e ao papel desempenhado pelo patriarcado na gênese e na consolidação da sociedade brasileira.
7 Veja-se, por exemplo, a obra de Euclides da Cunha, principalmente Os sertões. O trabalho de Renato Ortiz, “Memória coletiva e sincretismo científico: as teorias raciais do século XIX”, de 1985, desenvolve tal questão, aprofundando-a.
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3 TEMAS DE GILBERTO FREYRE, ANOS 1920 E 1930 A temática levantada pelos intelectuais dos anos 1920 e 1930, como já afirmamos, ganharia outra direção na obra de Gilberto Freyre. Nos artigos de jornal que publica desde 1919, embora repita a temática dos autores anteriores acusando a imitação, centra-se nas reflexões sobre a perda das tradições, o que ameaçaria o equilíbrio da sociedade, conferindo novo rumo à reflexão. Por essa razão desaconselha o transplante de soluções estranhas ao meio brasileiro, tratando-se indiferentemente de costumes, normas, atitudes, concepções de vida, instituições ou legislação. Diz em 1924: “Nós brasileiros somos de uma tolerância que nos acabará comprometendo a unidade nacional. A prova é a facilidade com que nos deixamos penetrar no mais íntimo de nossa vida por elementos dos mais indesejáveis” (FREYRE, 1974, p. 381). Dois pontos complementares são largamente abordados nesses trabalhos: a denúncia à imitação, apontando os resultados desastrosos da mesma; a recusa de um progressismo sem critério que mata as tradições. Nessa direção, o tema da vida privada, dos costumes populares, passa a lhe interessar e, assim, define nova orientação metodológica aos estudos históricos. Sua tese de mestrado Vida social no Brasil nos meados do século XIX demonstra essa preocupação, embora, naquele momento não estivesse a seu alcance o material que mais tarde permitiria o desenvolvimento efetuado em Casa-grande & senzala e Sobrados e mucambos. Lembro algumas passagens desses artigos: “Há um prêmio a que o Brasil deve concorrer na próxima exposição internacional. É o de devastador do passado. Devastador das próprias tradições” (FREYRE, 1979, p. 322). “O pitoresco está a desaparecer tão depressa do Recife que já se pode falar dele como de um moribundo. É pena. Porque no pitoresco local está o caráter de uma cidade: quando ele morre é sinal de estarem a morrer valores morais muito sérios” (p. 16). Depois de seu retorno ao Recife em 1923, continua a se espantar com as mudanças que afetam a cidade destruindo as tradições, o que registra nesses artigos. Cito ainda: “Nosso paladar vai-se tristemente desnacionalizando. Das nossas mesas vão desaparecendo os pratos mais característicos: as bacalhoadas de coco, as feijoadas, os pirões, os mocotós, as buchadas” (p. 366). E:
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Nunca nossos monumentos precisaram tanto de defesa oficial. O que do Brasil antigo nos resta hoje de pé está de pé por milagre. O gosto da antiguidade parece limitar-se a alguns senhores de fraque discutindo no Instituto Arqueológico o heroísmo republicano de Bernardo Vieira de Melo. (...) Mas o que principalmente se impõe no Brasil é uma campanha que nos eduque no gosto da antiguidade. No gosto do nosso passado. Da nossa tradição (p. 341-342).
Essa discussão se desdobraria na reflexão sobre a importância do regionalismo, sobre as características das regiões tropicais. Assim, em conjunto com outros intelectuais e artistas do Nordeste, Freyre fundou em 1924 o Centro Regionalista do Recife. Em 1925, em comemoração aos 100 anos de publicação do Diário de Pernambuco organizou o Livro do Nordeste, reunindo colaboradores de variada formação: médicos, advogados, jornalistas, engenheiros, pintores, poetas, músicos. O livro, que conta também com dois trabalhos de Gilberto Freyre, busca acentuar as características da cultura regional. Nas palavras do organizador na apresentação não assinada: Com relação ao Nordeste, constitui este grupo de estudos pequeno esforço de estimativa em torno de alguns dos valores mais característicos da região; pequeno inquérito às tendências da vida nordestina; a vida de cinco ou seis estados cujos destinos se confundem num só e cujas raízes se entrelaçam durante os últimos cem anos; espécie de balanço das nossas perdas e danos nesse período (FREYRE et al., 1979, p. 3).
Comentando o sentido do Livro do Nordeste, que se explicita nessa introdução, Antonio Dimas afirma: Disposto a deixar claro que informação científica, observação apurada e graça estilística não são instâncias incompatíveis, o autor anônimo, mas não muito, desses comentários introdutórios congrega interesses diversos sobre um chão comum: o de inventariar, de modo orgânico, uma dada produção cultural em vias de extinção, porque ameaçada por conceitos apressados de modernização. Um conceito de modernização que passa, necessariamente, pela devastação da urbs, sôfrega para se livrar da herança arquitetônica passada, que atravanca o fluxo livre e desemba-
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raçado de máquinas modernas e velozes. (...) No fundo, o que Gilberto queria evitar a todo custo é que se desse no Recife o que se dera no Rio, sob a administração de Pereira Passos, a partir de 1904: o afrancesamento precipitado do traçado urbano (DIMAS, 1996, p. 26-27).
Em fevereiro de 1926, Gilberto Freyre promove o Primeiro Congres so Regionalista do Recife, quando lê o esboço do que chamaria, mais tarde, Manifesto Regionalista publicado em 1952, com sentido já alterado em função da situação nacional. Com a nomeação de Estácio Coimbra para governador de Pernambuco, Gilberto Freyre ocupa o cargo de chefe de gabinete, além de assumir a cátedra de Sociologia na Escola Normal. Os acontecimentos de 1930 põem fim à carreira política de Coimbra, que parte para o exílio em Lisboa, acompanhado de Freyre, este, logo em seguida exonerado do cargo como professor. O breve contato com a África na escala dessa viagem, a relação com vários intelectuais portugueses, a possibilidade, em Portugal, de consulta a documentos sobre o período colonial, a ida aos Estados Unidos como convidado a ministrar curso em Stanford, a retomada do diálogo com estudiosos do sul desse país, constituiu-se em conjunto de circunstâncias propícias para que Gilberto Freyre esboçasse e começasse a escrever Casa-grande & senzala (CHACON, 1993, p. 211-227). Retorna ao Brasil em 1932. No decênio de 1930, Gilberto Freyre publicou oito livros, que tiveram numerosas edições e, alguns foram, mais tarde, ampliados: Casa-grande & senzala (1933); Guia prático, histórico e sentimental da cidade do Recife (1934); Artigos de jornal (1935); Sobrados e mucambos (1936); Nordeste (1937); Conferências na Europa (1938); Assucar (1939); Olinda, 2º guia prático, histórico e sentimental de cidade brasileira (1939). Neles, vários elementos presentes nos trabalhos ante riores são retomados pelo autor, porém em Casa-grande & senzala, em Sobrados e mucambos e em Nordeste esses temas ganham novo arranjo, alcançam formulação definitiva e configuram nova interpretação do Brasil. Essa concepção histórica funda-se na articulação de três elementos: o patriarcado, a inter-relação etnias/culturas, o trópico – que estão correlacionados, de modo a que cada um encontre sua explicação na convergência com os outros dois. Dessa combinação resultam as diferentes teses explicativas da sociedade brasileira.
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Dois eixos analíticos definem o livro Casa-grande & senzala, explicitados no prefácio à primeira edição: de um lado, a diferenciação entre os efeitos da herança racial e os de influência social, cultural e do meio físico; de outro, o peso do sistema de produção econômica sobre a estrutura da sociedade. A partir deles Gilberto Freyre mostra que a monocultura latifundiária do açúcar e a escassez de mulheres brancas tornaram-se condicionantes fundamentais das relações entre brancos e não brancos no Brasil. Isto é, da monocultura açucareira resulta a dominação patriarcal não só sobre a família e os escravos, mas também sobre agregados e homens livres; da segunda condição resulta a mestiçagem, gerando-se filhos do senhor e escravas, situação que opera como corretora da distância social entre dominantes e dominados. Nesse sentido a família torna-se componente fundamental de sua explicação e a casa é seu símbolo – casa-grande, sobrado – mantendo elementos ou apresentando mudanças nos diversos tempos: colônia, império, república. Desse modo o patriarcado ganha centralidade não só na articulação do primeiro livro como na organização de sua obra principal, reunida na já citada série Introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil, cujo subtítulo dos livros reforça essa nuclearização8. É importante lembrar que o conjunto não foi planejado inicialmente em sua integralidade quando da escrita de Casa-grande & senzala e a unidade só foi afirmada pelo autor quando da publicação de Ordem e progresso, em 1959. A série pode ser analisada a partir de dois planos distintos: um temporal e outro temático. O plano temporal é aquele imaginado pelo autor, embora aponte limites ao mesmo9. Assim, Casa Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal; Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano; Ordem e progresso: processo de desintegração das sociedades patriarcal e semipatriarcal no Brasil sob o regime de trabalho livre: aspectos de quase meio século de transição do trabalho escravo para o trabalho livre e da monarquia para a república. 9 Na Nota bibliográfica apresentada em Ordem e progresso, Freyre diz: “O critério de dividir-se rigidamente a história de um país em épocas – épocas políticas – consideramo-lo uma arbitrariedade. Se transigimos com ele é com restrições profundas; e só no interesse da necessária sistematização de material bibliográfico” (FREYRE, 1959, p. XLVII). 8
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-grande & senzala corresponde ao estudo da formação pré-nacional do Brasil, dedicando-se à vida no período colonial; Sobrados e mucambos se restringe ao século XIX, desde a vinda da corte portuguesa em 1808 até o momento republicano; Ordem e progresso enfoca a última década do século XIX e as três primeiras do século XX. Considerado o plano temático, não conscientemente visado por Gilberto Freyre, pode-se considerar outra sequência, formada por Casa-grande & senzala, Sobrados e mucambos e Nordeste, nos quais a inter-relação etnias/culturas figura centralmente no primeiro, o patriarcalismo no segundo e o trópico no último, ainda que a articulação da tríade esteja sempre presente nos três livros. Embora a tese sobre o patriarcalismo seja central para a compreensão da obra de Freyre, o tema que constituiria o diálogo priorizado nas análises, nos anos 1930, aceitando ou não sua tese sobre a existência, no Brasil, de uma democracia étnica, é o da questão da inter-relação etnias/culturas. Em relação a argumentos sobre essa temática funda-se o debate do autor com as interpretações que o antecedem. O primeiro ponto desse embate se refere ao questionamento das afirmações feitas por intelectuais anteriores a respeito da inferioridade das raças não brancas; o segundo, à negação da cientificidade das teses sobre o determinismo geográfico. Fazendo objeção às teses racistas, Gilberto Freyre afirma que a fusão das raças confere à sociedade brasileira características específicas, mas em nada inferiores àquelas dos agrupamentos sociais formados unicamente pela raça branca. Os traços antagônicos – duas raças, duas culturas, duas concepções de vida – coloca a tensão no centro da organização social e, no Brasil, a busca de equilíbrio entre os dois polos não se faz sem conflito. No entanto, graças ao passado híbrido do colonizador ibérico10, vencem a fusão, a acomodação e a assimilação, como marcas da sociedade brasileira. A questão racial e a miscigenação são analisadas de modo amplo na obra de Gilberto Freyre, porém o ponto alto de sua argumentação se Na população portuguesa e na espanhola há uma grande miscigenação com árabes e judeus. Por essa razão Gilberto Freyre aponta o português pelo “seu passado étnico, ou antes, cultural”, como um “povo indefinido entre a Europa e a África” (FREYRE, 1933, p. 5). 10
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encontra na discussão sobre o lugar e o papel do escravo africano no processo de constituição da sociedade brasileira. Em Casa-grande & senzala, livro em que o tema aparece de forma mais desenvolvida, a refutação das teses racistas e daquelas que superestimam o papel do indígena na formação nacional está apoiada em três pontos principais. No primeiro, via resgate dos traços psicossociais do negro, o autor aponta para a não inferioridade em relação aos brancos e ressalta sua adaptabilidade ao trópico. No segundo, por meio do levantamento dos elementos culturais africanos que fazem parte da formação nacional, procura demonstrar o resultado desse processo na constituição da sociedade brasileira, marcada por antagonismos em equilíbrio. No terceiro, buscando conferir-lhe lugar central na configuração da sociedade brasileira, qualifica o africano como colonizador, dando ênfase ao papel civilizador por ele desenvolvido. Em relação a esses pontos, inquire criticamente várias das interpretações do Brasil que antecedem sua reflexão. Discutindo com os indigenistas, afirma que as raízes da população brasileira estão assentadas nas três raças – ibérica, indígena, negra – sendo que os tipos eugênicos provêm antes do africano do que do índio. Argumenta contra os racistas mostrando a anticientificidade da tese da superioridade ou inferioridade de uma raça sobre outra. Ataca diretamente a explicação de Oliveira Vianna, que teria abordado a população africana de modo homogêneo, não considerando sua proveniência diferenciada segundo as diversas regiões da África. Nessa argumentação aponta sua diferenciação interna, em termos de complexidade cultural, acen tuando a originalidade de sua própria tese: “Ideia extravagante para os meios ortodoxos e oficiais do Brasil, essa do negro superior ao indígena e até do português, em vários aspectos de cultura material e moral” (FREYRE, 1933, p. 305). A forma pela qual Gilberto Freyre aborda o avanço científico operado pela sociologia e pela antropologia é a discussão dos limites explicativos da sociobiologia, principalmente no que diz respeito à afirmação da transmissão dos caracteres adquiridos e da determinação do meio. Nessa direção, são criticadas as análises baseadas em Nina Rodrigues que consideram convergentes caracteres físicos e mentais. No sentido de construir positivamente o diálogo, lembra a plasticidade do negro, sua maior possibilidade de adaptação, pois
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suas características eugênicas conservam-se no clima tropical, enquanto as das outras raças deterioram. A melhor adaptação ao clima quente explica em parte as razões de ter sido o africano no Brasil “o maior e mais plástico colaborador do branco na obra de colonização agrária: o fato de haver desempenhado entre os indígenas uma missão civilizadora no sentido europeizante” (FREYRE, 1933, p. 310). Mais ainda: “Os escravos [africanos] foram um elemento ativo, criador, e quase que se pode acrescentar nobre na colonização do Brasil” (p. 336). Sabemos que a tese sobre a preponderância social e cultural da situação escrava em nossa sociedade é negada em inúmeros aspectos da formação sociocultural brasileira: pela dominância da língua portuguesa, pela situação quase oficial do cristianismo como religião, pela situação social subalterna de grande parte da população afrobrasileira, para citar alguns. Todavia, Gilberto Freyre, não apenas em Casa-grande & senzala, mas também em trabalhos posteriores, retoma a afirmação sobre a assimilação entre as duas culturas no Brasil como representativa da não existência de “rígidas gradações sociais” (1947, p. 114) ou do não fechamento da sociedade brasileira “à democracia social ou à igualdade política” (p. 15). Volta sempre à tese de sermos negros e brancos, “duas metades confraternizantes que se vêm mutuamente enriquecendo de valores e experiências diversas” (p. 377). Não vamos aqui retomar a polêmica que envolve essa afirmação, uma vez que são bastante conhecidas as críticas feitas a ela pelos movimentos negros e por vários intelectuais. Porém, não podemos deixar de assinalar a acuidade das contribuições de Gilberto Freyre, tão importantes para a definição do povo brasileiro, em direção da superação das afirmações que apontavam a inferioridade das raças não brancas. Nessa direção, podemos dizer que sua tese sobre igualdade racial, tendo sido elaborada nos anos 1930, pode ser pensada como a demarcação de uma agenda política retomada nos dias de hoje. Assim, pode servir de base para reivindicações que coloquem em pauta fórmulas efetivas para a realização da igualdade. Lembro, ainda, sua recusa ao determinismo do clima na definição de limites à implantação de sociedades civilizadas nos trópicos, o que possibilita a redefinição das visões assentadas na afirmação do exotismo da cultura
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brasileira. Completando minha afirmação a respeito de sua obra ter operado uma mudança de rota nas interpretações sobre a sociedade brasileira, destaco seu papel pioneiro na configuração do discurso sociológico entre nós, o que representa uma nova etapa no desenvolvimento das ciências sociais no Brasil.
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A obra de Celso Furtado cruza a economia, a história e a política estruturada na coerência de método, de argumentação e de fidelidade teórica e política. Neste artigo, analisam-se algumas contribuições conceituais fundamentais no pensamento do autor nessa interface de áreas, assinalando seu enorme potencial explicativo sobre o tema do subdesenvolvimento e a tese desenvolvimentista. Da dimensão histórica, destaca-se a questão da periferia como base do tema da interpretação do Brasil. Na dimensão da economia política, procura-se demonstrar como na tese de Furtado a questão econômica se orienta, em grande medida, pelo problema político e, de maneira inédita, torna-se parte lógico-estrutural da Teoria da Economia Política do Desenvolvimento. Palavras-chave: desenvolvimento econômico; democracia; pensamento político The work of Celso Furtado crosses the economy, history and politics, structured in the coherence of method, argument and theoretical and political allegiance. This paper analyzes some fundamental conceptual contributions in the author’s thinking in this interface of areas, noting his enormous explanatory potential on the issue of underdevelopment and developmental theory. On the historical dimension, we highlight the issue of the periphery as a theme basis of the interpretation of Brazil. In the political economy dimension, we seek to demonstrate how, in Furtado’s thesis, the economic issue is oriented, largely, by the political problem and, in an unprecedented manner, becomes part of the structural-logic theory of political economy of development. Keywords: economic development; democracy; political thought
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INTRODUÇÃO Porque no centro de minhas reflexões estavam problemas reais, a pesquisa econômica foi sempre para mim um meio de preparar a ação, minha ou de outros. Compreender melhor o mundo para agir sobre ele com mais eficácia. Isto significa que os fins últimos devem sempre estar presentes no espírito (FURTADO, 1983, p. 39).
Analisar a obra de Celso Furtado em seu conjunto é tarefa arriscada e delicada por sua extensão e complexidade, pois espelha mais de cinquenta anos de produção intelectual em meio ao processo galvânico de transformação da sociedade brasileira na passagem para o modelo urbano-industrial. A questão fica mais complicada quando lembramos do esforço de ajuste histórico que o autor se impõe para dar conta da explicação das variações cumulativas dessa mesma transformação. As primeiras produções intelectuais de Celso Furtado surgem na segunda metade da década de 1940 e somente se esgotam na virada dos anos 2000, mas entre Contos expedicionários (1946) e O longo amanhecer (1999) sua obra capturou e influenciou muitos momentos importantes da nossa histórica social e de nossas escolhas políticas. A proposta deste artigo é recortar dois aspectos específicos da constelação intelectual da obra de Celso Furtado: a correlação entre a consciência da periferia e a produção da interpretação do subdesenvolvimento e a singular interação entre a dimensão política e a questão econômica na etapa de possível superação do atraso (o projeto desenvolvimentista), com destaque para o peso da democracia e das mudanças institucionais nesse movimento. Como forma de organizar o raciocínio e situar esses temas no amplo percurso de Celso Furtado, apresento inicialmente um panorama sobre as fases da obra do autor e seu lugar (recepção e papel) no pensamento social e a conjuntura política de cada período. 1 TRÊS MOMENTOS DA RECEPÇÃO DA OBRA DE CELSO FURTADO A obra de Furtado é considerada como exponencial no grupo daqueles autores que ficaram conhecidos como intérpretes do Brasil, como clássicos do pensamento social brasileiro ou expoentes da
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intelligentsia. Os elementos que levam ao reconhecimento do destaque intelectual de Celso Furtado nesse cenário são muitos e modificaramse, também, ao longo de mais de meio século de produção acadêmica, ajustando-se ao contexto histórico e ao papel passível de ser desempenhado pela teoria de Celso Furtado em cada situação. Podemos apontar três grandes momentos da recepção da obra de Furtado1 pelo mainstream das ciências sociais brasileiras: a) O período áureo do nacional desenvolvimentismo, entre as décadas de 1950 e 1960, concomitante com a primeira fase da produção intelectual de Furtado, em que é lapidada a sua Teoria do Subdesenvolvimento e definida a estrutura teórico-política do projeto desenvolvimentista. Nesse momento, Furtado impõe-se, simultaneamente, como intérprete do Brasil e como propositor de um projeto de mudança social orientada. b) A fase crítica e revisionista, entre o final da década de 1960 até parte dos anos de 1990, concomitante ao processo de revisão argumentativa e atualização temática. Esse período pode ser caracterizado, inicialmente, pela mudança na recepção da obra de Furtado, que sofre forte crítica levada a cabo pela teoria da dependência e pelo pensamento marxista2. Em termos internos à laboração intelectual de Furtado, a expansão econômica ocorrida pós-1964 imporia a necessidade de reajuste teórico quanto à afirmação anterior de paralisia no processo de desenvolvimento nacional em situação autoritária. A evidência histórica do milagre econômico levou o autor a rever esse diagnóstico, repensando o “modelo econômico brasileiro” sob a nova perspectiva da industrialização do subdesenvolvimento periférico, centrado na proteção da renda das classes mais abastadas e efeito deletério São várias as tentativas de mapeamento das fases da produção intelectual de Furtado. Este artigo apoia-se na tentativa de organizar os momentos internos do argumento furtadiano às tensões do contexto histórico que pretende compreender e transformar. Outros recortes temporais podem ser encontrados em Mallorquim (2005) e Vieira (2007). 2 Cita-se como parte dessa produção a obra de Fernando H. Cardoso e Enzo Falleto, a revisão cepalina de Tavares e Serra, a crítica efetuada pelos intelectuais do Cebrap, pela tese de Rui Mauro Marini e pela obra de Theotônio dos Santos. 1
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no mimetismo das formas de consumo. Também coroa esse período a reflexão sobre os limites ao estilo de vida e as promessas da economia capitalista e, mais adiante, a elaboração do acervo memorial que pretende resgatar a “fantasia feita e desfeita” do nacional desenvolvimentismo3. c) A fase de recuperação e revalidação do pensamento de Celso Furtado, coincidente com a brecha desenvolvimentista recente (em especial posterior ao final dos anos 1990). Desse momento cumpre destacar a atualização e o ajuste do projeto desenvolvimentista ao cenário mundial do capitalismo globalizado da Terceira Revolução Industrial, reavaliando os limites e possibilidades de uma proposta de desenvolvimento nacional nessa nova configuração, incluindo a detecção de estratégias e focos adequados a esse cenário. Em cada um desses períodos, a circulação, a recepção e a importância da obra de Furtado foram distintas. Na primeira fase apontada, marcada pelo grande protagonismo do autor e da obra, Furtado produziria um aporte teórico fortemente afinado às demandas intelectuais de seu tempo, inclinadas à hegemonia do nacional-desenvolvimentismo. Furtado incorporou em seu trabalho um repertório e uma agenda de temas que obsediavam fortemente os intelectuais e policy makers desde a década de 1930, elegendo o tema do desenvolvimento econômico como epicentro da questão nacional, ajustando esse debate ao contexto dos anos 1950 e introduzindo melhorias concei tuais importantes. A sofisticação e o approach teórico desenvolvidos por Furtado, cruzando a história e a teoria econômica, colocaram o autor e sua obra em uma situação de liderança intelectual que anos mais tarde levou pesquisadores a afirmarem que ninguém naqueles anos pensou o Brasil a não ser em termos furtadianos (OLIVEIRA, 1983) ou pôde debater o desenvolvimento nacional sem dialogar com ela (BIELSCHOWSKY, 1988; MANTEGA, 1995; VIEIRA, 2007). No entanto, no protagonismo das formulações de Furtado aninhamse duas teses distintas, geralmente tomadas como uma concepção úni São textos fundamentais dessa fase O mito do desenvolvimento econômico (1972), A fantasia organizada (1985), A fantasia desfeita (1989) e Os ares do mundo (1991).
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ca: a Teoria do Subdesenvolvimento e o projeto de desenvolvimento, teses complementares, porém diversas. A Teoria do Subdesenvolvimento tem como eixo o exame da formação da sociedade brasileira pautado pelo método histórico-estruturalista. Debruça-se sobre a herança colonial, o passado que construiu as bases do atraso e o teto limitador do desenvolvimento nacional (econômico e/ou político) sob a batuta das restrições legadas pelo modelo primário-exportador – é um diagnóstico da formação de nossos déficits. Já a Teoria do Desenvolvimento interroga as limitações estruturais do subdesenvolvimento em situação de take off, procurando arquitetar as estratégias de sua superação sob a condição sui generis do subdesenvolvimento. É um prognóstico e, principalmente, uma teoria inédita porque se debruça sobre as peculiaridades do funcionamento do capitalismo em situação periférica. A segunda fase da recepção da obra furtadiana é marcada pela conjuntura histórica mundial após a Guerra Fria, com expansão do modelo de modernização centrado no padrão econômico norte-americano. Internamente representa o primeiro resultado histórico do contrato social urbano-industrial, definido em etapa avançada do capitalismo brasileiro. Esse é um ponto importante quando se pretende compreender o lugar e o papel desempenhado pela obra de Furtado nesse período. Em termos do processo da modernização acelerada que caracterizou a economia política brasileira posterior à década de 1940, centrada nas atividades industriais, não podemos esquecer que a condição de planejamento estatal via queima de etapas espelhou um fenômeno de racionalização e orientação consciente da transformação social. Configura, portanto, um pacto, mesmo que não declarado como tal. A adoção do tema do desenvolvimento como questão de consolidação da nação, por um lado, e a utilização do locus estatal (estrutura, recursos e legitimidade) por outro, permitem frisar seu status de contrato político. Certamente desde a Independência, a realidade política nacional encontrou outras formas de pactuação, mas o nacional-desenvolvimentismo dos anos 1950 espelhava um debate mais avançado em termos de agenda, atores e objetivos. São características desse momento: a) a valorização da questão industrial como mecanismo de superação da situação retardatária no cenário capitalista mundial, afastando-se
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da alternativa renitente da vocação agrária; b) a incorporação de atores “modernos” como trabalhadores, empresários em suas várias frações de classe, classes profissionais e ocupações de perfil urbano, funcionalismo público; c) assimilação do ethos racional-instrumental; d) arquitetura política democrática. Várias análises apontam a crise do poderio das oligarquias mercantil-exportadoras e do ultrafederalismo da Primeira República como a origem da ruptura promovida em 1930 e da subsequente resposta dada pelo modelo de Estado Leviatã (SALLUM JR., 2003; DRAIBE, 1985). Porém, o movimento de oscilação nas alianças que se forjaram a partir de 1930 revelavam a fragmentação e a ausência de hegemonia política e econômica no período, dada a ausência de supremacia por parte de qualquer ator ou setor social capaz de impor ao conjunto da sociedade um projeto acabado e com energia suficiente para ser aceito ou introjetado pelos demais segmentos, muito embora a tendência industrialista já fosse uma realidade (DINIZ, 1978; FONSECA, 1989; CEPÊDA, 2010). O nacional-desenvolvimentismo conseguiu um arranjo político-ideológico estável, um primeiro acordo social que nego ciava as formas de produção, apropriação e distribuição da economia social em situação produtiva modernizada. Organizou também um compromisso social com ampla capacidade de convencimento, embora assumindo a forma de um enorme guarda-chuva ao abrigar projetos com clivagens políticas muito diversas (BIELSCHOWSKY, 1988). A crise pré-1964 produziu uma outra configuração, depurando a heterogeneidade intrínseca ao bloco desenvolvimentista dos anos 1950 ao separar conservadores de progressistas. A opção militar delineou um contrato político específico, que arrostou as energias sociais e políticas do nacional-desenvolvimentismo em direção a um modelo autoritário. A ideologia nacionalista e da promoção do desenvolvimento permaneceu no regime militar, mas sua concepção do que desenvolver centrou-se na defesa do capital, produzindo a exclusão em todas as suas faces (econômica, social e política). Nesse cenário é que podemos entender a crítica que a intelligentsia brasileira promoveria às teorias desenvolvimentistas, cuja modelação teórica mais acurada no pensamento nacional era a de Furtado. Na crítica elaborada à teoria desenvolvimentista, e também à tese furtadiana, o argumento central apontava para a problemática e
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perigosa adoção de categorias abstratas como “povo” e “nação”. Em Furtado esses termos não apareciam como no registro forte da ideologia desenvolvimentista dos militares (mais próxima do autoritaris mo burocrático descrito por O’Donnel (1990)), mas devemos lembrar o esforço conceitual presente em trabalhos como A pré-revolução brasileira (1962) e Dialética do desenvolvimento (1964), o distanciamento da concepção marxista do conflito de classes, dado seu alto risco político para a manutenção do marco democrático. Segundo a crítica efetuada pelos marxistas e dependentistas, o não reconhecimento do problema das contradições de classe permitiu a produção de uma grande lógica social, usada abundantemente pela direita em um projeto ideológico conservador que submetia o interesse de classe ao imperativo de uma “nação por construir4”, impedindo tanto o amadurecimento da Revolução Burguesa no Brasil como sua superação. Na crítica efetuada por Cardoso e Faletto (1969), o não reconhecimento das tensões de classe e dos pactos interfrações de classe (internas e externas) criava uma leitura rasa da estrutura do atraso periférico pela oposição “simples” entre um interesse nacional etéreo e uma dominação externa homogênea, desamarrada de conexões com os interesses de grupos nacionais. Haveria assim uma despolitização na interpretação nacional-desenvolvimentista, quase um arranjo “inimigo externo”, que obscurecia o problema real da construção dos pactos ou blocos históricos no cenário interno (voltaremos a esse ponto ao final deste texto). A ideia também abstrata de uma burguesia nacional progressista impossibilitava a análise estrutural da formação dos atores nas sociedades periféricas e o desvelamento das bases econômicas do jogo político. O debate intelectual e político do final dos anos de 1960 e da década de 1970 mudou a pauta da reflexão procurando analisar tanto Aponto aqui uma consideração levantada por Ernest Gellner (1993) que em sua tipologia dos nacionalismos acusa a existência de um modelo que configura a nação como “resultado” e não causa. O tipo clássico seria aquele em que um povo, dotado de nacionalidade preexistente, almeja, luta e constrói uma forma política soberana de representação (Estado-Nação) que a exprima. Em outro modelo – penso que apropriado ao caso brasileiro – a nação faz-se em movimento, em direção a algo que seja não apenas um resultado mas o modus operandi de sua própria consubstanciação.
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os arranjos dos anéis burocráticos quanto os resultados desse novo modelo de desenvolvimento, centrado na produção e não na distribuição, focado na modernização econômica e na subalternização da dimensão política. No projeto desenvolvimentista militar o mote “crescer primeiro para dividir depois” gerou um processo aberto de concentração de riqueza, mesmo em meio a um poderoso surto de mobilidade social, que não podia ser enfrentado política e intelectualmente pelas categorias difusas de povo/nação usuais na produção pré1964. Parte dos intelectuais e institutos de pesquisa, como a Cepal e o Cebrap, avançam na interpretação desse modelo “burocráticoautoritário” adotando como chave analítica a questão das contradições entre classes e as categorias derivadas do método marxista. Esse é o pano de fundo da crítica que se faz ao limite (ou singeleza) da tese de Furtado sobre o subdesenvolvimento e seu projeto de desenvolvimento com base nacional e equitativa. No segundo período (crítico e revisionista) a obra furtadiana perde, significativamente, capacidade diretiva. Ficam intactos, no entanto, o poder heurístico da interpretação histórica tanto do passado colonial em Formação econômica do Brasil, como da descrição das obstruções estruturais à superação do subdesenvolvimento no momento industrial da substituição de importações. O modelo de industrialização com concentração de riqueza e promoção da desigualdade também é o combustível da revisão que o autor faz de suas próprias teses, em especial em textos como Análise do “modelo” brasileiro (1972), O mito do desenvolvimento econômico (1974) Pequena introdução ao desenvolvimento (1980) e O Brasil pós”milagre” (1981). Na terceira fase, posterior à virada da década de 1980/1990, os textos e teses de Furtado retomam força no cenário intelectual e político em momento de crítica ao modelo de desenvolvimento do Regime Militar e reconstrução do marco democrático. Desembocam nesse período quatro grandes confluências históricas coetâneas: a crise do Estado Leviatã, o novo pacto social que dá base à Constituição Federal de 1988, o projeto da Reforma do Estado e o movimento da sociedade civil na disputa pela repartição da riqueza social produzida e concentrada durante o milagre econômico. Nos anos 1990 (se pela aceitação do receituário de políticas neoliberais ou pela prioridade
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dada ao problema da moeda), não se avança para além do tema da estabilidade econômica, mantendo o problemático quadro da desigualdade econômica e social. Nos últimos anos, sob o imperativo de uma exclusão social perigosa e persistente (renitente na vida brasileira em variadas fases: na colonial, na da dominação oligárquica, na da utopia desenvolvimentista ou do controle ditatorial), torna-se necessário um esforço de avaliação dos resultados alcançados pelo modelo de modernização que se impôs como projeto social, político e econômico nos últimos cinquenta anos. Mais que uma mera referência à famosa década perdida ou ao ajuste de cunho neoliberal que acompanhou as políticas governamentais dos anos 1990, trata-se de aprofundar o balanço sobre a escolha do modelo de desenvolvimento que desenhou e sedimentou nossa modernidade pela via do binômio crescimento/exclusão e que, de maneira alguma, constituía a única via de superação do atraso à disposição do país no momento de sua adoção. O colapso da agenda neoliberal permitiu atualizar o debate sobre o desenvolvimento, entendendo-o como um processo com várias faces e vários projetos. Talvez somente na observação retrospectiva possa-se compreender que se distribuíram ao longo do século XX duas formas de atraso: aquela gerada pela herança colonial, que produziu os empecilhos à passagem para etapas mais sofisticadas de desenvolvimento econômico pelo predomínio do modelo primário-exportador, e a desigualdade gerada no seio de uma economia industrial e urbana. A primeira nos foi imputada como um legado histórico, um fardo da nossa situação de colônia. A segunda é uma forma moderna de exclusão, construída em solo nacional e com base em acordos nacionais, como fruto de nossas escolhas e com base na nossa autonomia. Nesse cenário de checagem sobre as escolhas feitas é que a obra de Furtado ressurge com força, exatamente por analisar elementos ainda presentes na realidade social (como a desigualdade) e por manter-se atual enquanto baliza para um projeto político de desenvolvimento com equidade. Fecha-se assim um ciclo em torno da vida e da obra de Furtado: da elaboração de sua tese original dos anos 1950/60 à retomada de seus temas e perspectivas nos anos 2000. Curiosamente, em todo esse movimento, a argumentação e os pressupostos teóricos perma-
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neceram constantes. Mudou o encaixe entre texto e contexto, especialmente significativo em uma obra que foi construída para a explicação e a transformação, com caráter intrinsecamente pragmático. Para o atordoado pesquisador da obra de Celso Furtado há apenas uma zona de conforto em sua árdua missão analítica: a coerência de método, de argumentação, de fidelidade teórica e política que atravessam, sem variação alguma, todos os textos de Furtado, malgrado período, foco ou agenda temática. As constâncias mais significativas, e que gostaria que servissem de base para uma análise parcial da obra do pensador brasileiro, são o tema da periferia (eixo de toda produção sobre a interpretação/formação da sociedade brasileira) e a dimensão política da equidade (base singular de sua Teoria do Desenvolvimento e ponto mais importante na atual retomada de seu pensamento). A seguir adentramos ao lugar ocupado pela produção furtadiana no conjunto dos clássicos do pensamento social brasileiro recortando, dentre a variada temática e os muitos momentos de sua produção, os dois pontos já citados: a periferia e o lugar da política. 2 A QUESTÃO DA INTERPRETAÇÃO E O PROBLEMA DA PERIFERIA PÓS-COLONIAL Os estudiosos sobre a formação da nossa sociedade, que trabalham com a produção intelectual originada na área denominada pensamento social brasileiro, perpassam em suas investigações, obrigatoriamente, um conjunto significativo de autores e obras concentrado em pouco mais que um século de vida intelectual, orbitando, com certa elasticidade, em um período que vai da segunda metade do século XIX até meados da década de 1970. Fazem parte desse panteão autores como Tavares Bastos, Euclides da Cunha, Manoel Bomfim, Alberto Torres, Oliveira Vianna, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr., Florestan Fernandes e Celso Furtado, espraiando-se por um longo processo de transformação social, política e intelectual. Nessa grande constelação, o tema da interrogação do passado e o desafio da construção do futuro parecem ter capturado o básico da energia teórica da intelligentsia brasileira. Em muitas análises é apontada a forte presença dos intelectuais e seu protagonismo na vida pública
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brasileira5 e essa afirmação, normalmente aceita como um fato, implica o questionamento sobre as condições que geraram essa peculiar dinâmica social. Afinal, nem todas as sociedades presenciaram em seu processo de constituição do Estado Nacional a forte conexão entre pensamento e ação política, como encontramos no caso brasileiro. Então como esse processo deu-se aqui? Essa pergunta é pertinente porque é no protagonismo das ideias e dos intelectuais com ação pública que reside grande parte da importância e da contribuição do pensamento de Celso Furtado – autor que espelha com força esse paradigma. Creio que o ponto de partida para compreendermos o papel proeminente dos pensadores no espaço da vida pública nacional no período indicado passa pela condição específica da periferia colonial, dotada de racionalidade e características distintas daquele movimento de modernização que marca a passagem das sociedades tradicionais para o modelo capitalista urbano-industrial, cuja mais sintética repre sentação mental é dada pelo paradigma da Revolução Burguesa. Furtado debruçou-se minuciosamente sobre esse problema em três obras importantes: Formação econômica do Brasil (1959), Formação econômica da América Latina (1969) e Teoria e política do desenvolvimento econômico (1967). O argumento significativo para confrontar esse paradigma constata que nos países que se modernizaram em situação de capitalismo genético (primeira geração), a transição do Ancien Régime para a formação liberal-burguesa teve como característica política basilar uma dinâmica em que mudanças oriundas da sociedade (decorrentes de novas relações de produção, de novos interesses econômicos, demandas políticas e outra visão de mundo) produziram instituições políticas inéditas, mais coerentes com os novos atores e com nova racionalidade. Nas sociedades de tipo “tardio-periférico”, ao contrário, a introdução das instituições e valores modernos não resultou da ação da sociedade em direção à redefinição da dimensão política já que, em grande medida, tanto a orientação da produção quanto de As formulações sobre intelectuais e vida pública são variadas, mas podemos citar como referência desse apontamento autores como Pécaut (1990), Ianni (1992), Bastos & Rego (1999) e Brandão (2007).
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seu ordenamento político foram transplantados, fortemente marcadas pela racionalidade econômica dos agentes/mercados centrais e como reflexo das necessidades metropolitanas. Nesse caso, a origem da modernização não é endógena, e grande parte de seu grau de arbítrio interno fica condicionada às exigências externas6. Essa percepção aparece na análise que Furtado faz dos movimentos de expansão do capitalismo mercantilista europeu que, direcionados de maneira diversa no grande boom da expansão ultramarina, produziriam pelo menos três tipos diferentes de formação social: o translado das práticas e lógica modernas, absorvidas na sociedade colonial (caso dos EUA, como tipo de colonização de povoamento); a da colonização geradora de enclave ou exploração primário-exportadora; e os territórios que ficaram imunes ou intocados por essa onda da modernização (configurando o tipo mais radical de pobreza)7. Nessa parte mais oriental das Américas, a expansão comercial europeia assume a forma de implantação do homem alienígena como produtor de riquezas utilizando os recursos renováveis, à diferença do que ocorria alhures. Um povo de comerciantes criava a primeira organização agrícola do hemisfério ocidental vinculada ao mercado europeu (...). Estava lançada uma operação transcontinental de grande envergadura, com o objetivo de criar um fluxo de exportação para um mercado situado a milhares de quilômetros. Dessa forma, os critérios econômicos se sobrepõem a tudo. Poucas vezes na história humana uma formação social terá sido condicionada em sua gênese de forma tão cabal por fatores econômicos (FURTADO, 1989, p. 15, grifo meu).
É importante destacar aqui o alcance dessa perspectiva de análise: as condições particulares, distintas em tempo, movimentos e elementos entre o processo de modernização das metrópoles e o processo ocorrido na periferia colonial, gestariam mais de uma forma de passagem Furtado assinala em vários momentos, analisando o quadro dos anos 1950, a importância da internalização dos centros de decisão. Essa seria uma situação especial, que escapa dessa amarração herdada da ossatura mercantil/colonial. 7 Cf. tese completa em Teoria e política do desenvolvimento econômico (1967). 6
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à modernidade. A periferia, submetida e modelada pelas demandas metropolitanas, deitaria por terra a ideia de uma História Universal, de um capitalismo ou modernidade únicos, comuns a todos os sistemas que incorporassem a dinâmica da economia complexa (a divisão de trabalho peculiar à sociedade) em contraposição à comunidade tradicional. Torna-se, dessa maneira, mais complexa a tarefa de analisar a configuração das várias modernidades possíveis e/ou concorrentes entre si8, sua natureza, seus limites e possibilidades. Por extensão, na aceitação desse raciocínio – da condição sui generis da periferia colonial – emergirão três consequências importantes: a) Esses diferentes arranjos estruturam-se a partir de um lugar diverso da produção econômica (definida pela dicotomia centro versus periferia), que engendra a constituição de feições sociais também díspares, ajustada a esse formato. b) Se as condições sociais são particulares, o método também precisa ser específico e apropriado a essa particularidade; c) Teorias da interpretação distintas terão que emergir como expressão científica sobre essas realidades históricas, recusando o transplante de teorias e apostando na formulação de um corpus teórico autóctone; O conjunto desses aspectos só pode ser conciliado pelo método histórico-estrutural, no qual às condições de organização da produção, entendidas em seu complexo panorama da divisão internacional do trabalho, somam-se características sociais e o momento histórico particular, promovendo uma configuração social flexível, dinâmica, politicamente orquestrada, simultaneamente articulada em seu desenho interno e à lógica do capitalismo internacional. Furtado assinala essa questão ao questionar o transplante acrítico e sem mediações da teoria econômica liberal ao quadro histórico da periferia subdesenvolvida: A economia ensinada em nosso país tem sua raiz em que as teorias correntes, pela sua generalidade, foram formuladas para explicar o comportamento de estruturas distintas da nossa. As diferenças entre as estruturas desenvolvidas e subdesenvolvidas parecem ser suficientemente As “vias de desenvolvimento”, como analisadas por Barrington Moore (1975).
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grandes para retirar parte substancial da eficácia explicativa de muitas teorias econômicas de maior aceitação (FURTADO, 1964, p. 97).
O modelo teórico-metodológico da Cepal e de Celso Furtado, as correntes marxistas brasileiras, a assimilação dos postulados keynesianos e a aplicação do modelo de sociologia do desenvolvimento de base mannheimiana (sociologia sistemática) são expressões de um momento da produção científica brasileira e latino-americana em que o problema da formação só podia ser alcançado por uma história que se debruçasse sobre cenários, alternativas e escolhas políticas especiais para o contexto periférico. Tanto a experiência histórica quanto a interpretação teórica (quer seja originada no campo da economia, da sociologia ou da política) não podiam ser replicadas nessas condições. Para Furtado esse era um problema de distinção entre o dogma explicativo e a compreensão científica jamais apartada de seus condicionantes históricos: A doutrina refere-se a um protótipo ideal, criado em nosso espírito, ao passo que a teoria científica diz respeito a um dado do mundo real. O que tem ocorrido em Economia é que uma teoria, formulada para explicar determinada realidade com limites no tempo e no espaço, é correntemente transformada em doutrina de validez universal. Assim, uma teoria formulada para explicar o comportamento da balança de pagamentos de um país como os Estados Unidos, quando universalizada, transforma-se em mera doutrina, que pode servir para justificar determinadas políticas, mas não para explicar indiscriminadamente a realidade de um país qualquer (FURTADO, 1962, p. 96).
O entendimento da situação periférica demandava uma outra forma e ordem de saber. Desse deslocamento epistemológico e de teoria social é que brotaram as várias formas de interpretação e, dentre elas, a blindagem conceitual da Teoria do Subdesenvolvimento – produzida, ajustada e orientada para os problemas sociais das sociedades não centrais. Em Furtado, o acompanhamento de seus temas de pesquisa auxilia a ilustrar como em sua obra podemos observar esse andamento teórico: os estudos iniciais sobre economia colonial (o capitalismo mercantil
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na periferia), resultado de seu doutorado na França com Maurice Byé em 1948 (com a obra L’economie Coloniale Brésilienne); a pauta de pesquisas que orientava os trabalhos do grupo da Cepal9; a primeira incursão sobre a interpretação histórico-econômica global da economia brasileira no livro A economia brasileira (1954); o mapeamento regional e sua catalogação de indicadores de modernização em Operação Nordeste (1958); e, finalmente, a lapidar contribuição de Formação econômica brasileira (1959) – um balanço de toda a história econômica e social do Brasil, capturada no registro da formação (enquanto modelagem socioeconômica de uma estrutura nacional, longe da concepção de naturalismo). Toda essa sequência, que assimilará a importância crucial da história e da determinação das relações econômicas e políticas produzidas na colonização, originou-se na percepção da ideia de periferia. Mas como podemos definir a periferia enquanto fato e problema intelectual e explicar como promoveu a forte capacidade de intervenção política das interpretações do Brasil? Creio que podemos iniciar este passo da investigação tomando como ponto nuclear o debate sobre a questão nacional e sua conexão com o tema da identidade nacional. Como apontam Caio Prado Jr. em Formação do Brasil contemporâneo (1942) e Furtado em Formação econômica do Brasil (1959), a expansão do mercantilismo europeu produziu uma anexação de territórios, culturas e sistemas sociais autóctones ao movimento inovador das formas capitalistas de produção. Mas o fez segundo suas necessidades e submetendo, em grande medida, toda a estrutura colonial aos imperativos da acumulação e interesses metropolitanos, criando um paradigma em que a forma mais comum seria a de colônias de exploração (em oposição às colônias de povoamento). A ocupação do território e sua transformação produtiva modelaram uma série de formatos sociais, culturais e políticos específicos que implicaram uma arquitetura social muito distinta da metropolitana – à qual as colônias estavam indissoluvelmente ligadas – e ao mesmo tem Instituição criada em 1948 (na qual Furtado passa a trabalhar em 1949) cujo marco teórico foi deflagrado pela publicação do Manifesto dos periféricos, que definiria como base do subdesenvolvimento a estrutura produtiva do modelo primário-exportador.
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po forjaram uma espécie de “dobra” da modernidade, já que esse vínculo e essa influência externa impossibilitava o surgimento dos elementos fundamentais de uma cultura moderna10. A periferia orbitava em torno do centro, que retinha o poder decisório, em uma situação que combinava elementos modernos, como a adoção da racionalidade produtiva, de escala, intensiva e de acumulação (portanto de economia complexa) com mecanismos não especificamente modernos, como a escravidão, o foco primário-exportador, a manutenção de racionalidade tradicional ou senhorial. O resultado desse processo, que alcançou grande parcela do globo entre os séculos XIV e XIX, incluindo a colonização brasileira, implicou uma fórmula particular de formação e construção de sistemas sociais. Tomando o Brasil como exemplo exclusivo da nossa análise, o desenho das estruturas sociais, que estariam no solo da construção nacional no período da Independência (momento no qual podemos falar da autonomia decisória que sustenta o Estado-Nação), havia herdado uma funcionalidade intrínseca somente compreensível à luz do momento histórico da expansão mercantil e da herança colonial. Em grande medida as instituições, a economia, os papéis sociais e a racionalidade aqui vigentes deviam sua origem ao processo de construção do “lugar da colônia” na expansão ultramarina e não poderiam dela ser desconectados. O latifúndio e a forma de ocupação territorial e regional, a introdução da escravidão, a criação de um novo modelo de ruralidade (produtiva e altamente híbrida, como na análise do dual-estruturalismo em Furtado e na dupla racionalidade interno-subsistência/externo-acumulação capitalista proposto por Ignácio Rangel), o formato das instituições, o legado histórico e a herança do ethos cultural foram produtos específicos da situação periférica, sem comparação com outros modelos prontos e impossíveis de serem compreendidos fora de sua própria especificidade. 10 Os pontos nucleares da transição dos países centrais da Revolução Burguesa foram a formação dos Estados Nacionais, o movimento ascendente de acumulação mercantil e sua passagem para acumulação industrial (manufatura e depois indústria de base), a racionalidade instrumental, o trabalho livre assalariado (posteriormente a presença das classes sociais) e o universo desencantado que cinzelaria a economia política do self liberal.
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Creio que a pauta e o repertório intelectual que se construíram no Brasil a partir da Independência e principalmente no decorrer da segunda metade do século XIX, elegeram o tema da identidade nacional como um movimento compreensível e lógico, dada a tarefa de constituição do Estado nacional brasileiro. Esse é o nexo que alinha, em uma mesma reflexão, questões como a detecção do povo (e sua composição étnica e variação regional), do meio geográfico, da mentalidade, das práticas sociais, das relações de afinidade e instituições políticas e econômicas com o problema da questão nacional. Há duas derivações desse raciocínio que gostaria de frisar exatamente porque explicam a capacidade hegemônica da obra furtadiana, em especial no período nacional-desenvolvimentista: a primeira questão versa sobre o alcance dos termos interpretação e formação, palavras-chave quando falamos de pensamento social brasileiro clássico; a segunda aponta para o papel que as teses explicativas assumiram no processo de construção racional e orientação de futuro pela ação política. A injunção entre esses dois aspectos – formação e construção nacional – são a base para a compreensão do protagonismo intelectual do qual os clássicos do pensamento social brasileiro são exemplares. Somente quando a interpretação do passado é chave do esclarecimento sobre o presente é que o intelectual assume a tarefa geracional da intelligentsia, aquela que alia indissoluvelmente a síntese histórica com a práxis da transformação social11. Os dois conceitos permitem entender como um exercício de análise teórica (ontologia social) pode converter-se em protagonismo social ou como é possível transformar intelectuais em state makers, como no caso brasileiro. Na obra de Furtado, a situação peculiar da fase de substituição de importações havia gerado um campo potencial para o mix diagnóstico/ prognóstico: Desta forma, a diferenciação estrutural obtida pela industrialização substitutiva de importações é causa necessária mas não suficiente para 11 O foco aqui ressaltado é tomado de empréstimo da tese das tarefas da intelligentsia de Karl Mannheim, tanto na direção da questão da geração (que conforma um campo e a pauta do debate intelectual) quanto da ação política do pensamento e dos intelectuais (como ideologia ou utopia).
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alcançar um desenvolvimento estável. Reencontramos, assim, o problema fundamental já referido: o comportamento das economias subdesenvolvidas não pode ser explicado sem que se tenham em conta as normas que regem sua inserção no sistema econômico internacional. Em conclusão: a teoria do subdesenvolvimento pressupõe algumas hipóteses explicativas do fenômeno da dependência externa (FURTADO, 1967, p. 245).
A abertura ocasionada pela acumulação industrial na etapa de substituição de importações e a perspectiva de escape das amarras da herança mercantil-exportadora impulsionaram a formação de uma consciência política que desejava transformar a potência (brecha no subdesenvolvimento) em ato (desenvolvimento). As ferramentas desse movimento necessitavam do entendimento racional e científico desse processo e a consequente configuração de um projeto de mudança política sólido e dotado de intencionalidade. Segundo Furtado: As transformações estruturais da economia brasileira, ocorridas no último quarto de século e intensificadas no decênio mais recente, abrem perspectivas que apontam para um dos grandes desafios lançados ao homem do século XX: a pequena nação patriarcal que, nos albores do século, apenas emergia de um rudimentar sistema social escravista, poderá vir a ser uma das primeiras nações pela magnitude de sua população (....). Mas não se trata de fatalidade histórica e sim de desafio: de uma oportunidade que poderá ou não se realizar, poderá ou não se incorporar a nosso destino de povo (....). Abriremos uma nova fase de transformações qualitativas em nossa formação de nação continental, ou caminharemos para uma cristalização da estrutura estabelecida? (FURTADO, 1962, p. 107).
Na direção da laboração intelectual Furtado propôs-se, como outros pesquisadores do período12, ao desvendamento da ratio do subdesenvolvimento pela produção de um saber apropriado e autônomo às especificidades nacionais: 12 Como Hélio Jaguaribe e demais pesquisadores do Iseb, Ignácio Rangel, entre outros.
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Convenci-me desde então de que o atual subdesenvolvimento é a resultante de um processo de dependência e que para compreender este fenômeno era necessário estudar a estrutura global do sistema: identificar as invariâncias no quadro de sua história. Mas o objetivo final era compreender as razões do atraso de um país que reunia as potencialidades do Brasil (FURTADO, 1983, p. 38).
Apenas enquanto teoria a tese do subdesenvolvimento assumiria uma dupla função política: de negação de um modelo e da afirmação de outro. No espaço da disputa simbólico-cognitiva, o conceito de subdesenvolvimento recusou a formulação naturalista do liberalismo econômico que preconizava um único formato para a moderna divisão do trabalho internacional, hierarquizada pela tese do valor trabalho e pelo timing etapista das vantagens competitivas ricardianas. Na acepção de subdesenvolvimento, ao contrário, a expansão capitalista é desigual e perversa na distribuição dos frutos do progresso técnico e da riqueza socialmente produzida, drenando, sistematicamente, recursos das economias satelizadas por meio da deterioração dos termos de troca, da dinâmica de enclave ou dual-estruturalismo e pelo aprofundamento do alargamento do fosso nos aportes necessários do incremento tecnológico. Segundo Furtado, esse processo de distanciamento nos padrões de competitividade e produtividade tenderia a aumentar dada a acele ração do ritmo de desenvolvimento capitalista deflagrado com a II Revolução Industrial. A queima de etapas e a racionalização da cadeia produtiva, via superação de gargalos estruturais com fortes investimentos públicos (fora da lógica aparentemente autorreprodutiva dos mercados privados), representavam uma fórmula heterodoxa e original – tal qual o próprio contexto do atraso: Os que ficaram para trás, no desenvolvimento do capitalismo, quaisquer que sejam as razões históricas, passaram a ser estruturalmente diversos, dependentes tecnologicamente. Daí que lhes seja tão difícil recuperar o atraso. Para modificar essa situação é necessário romper o círculo vicioso engendrado pelas “regras do jogo”, o que requer alguma forma de voluntarismo político (FURTADO, 1985, p. 177).
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A dimensão política aparece aqui nitidamente desenhada no processo de produção de uma vontade coletiva de transformação, ao mesmo tempo em que se invocam investimentos e ações que tomam como protagonista, como Sujeito, o Estado. Nesse sentido, somente pela ação política orientada pela técnica do planejamento é que a superação do subdesenvolvimento seria possível. Muito embora nasça de uma abordagem que eleja no primeiro lance de análise o tema econômico, a lógica interna da argumentação do desenvolvimentismo é fundamentalmente política: o atraso econômico impede a realização da nação e para realizá-la é necessário transformar a economia. A industrialização não era apenas um meio de utilizar mão-de-obra redundante, mas essencialmente o instrumento que estava cimentando a nacionalidade. Já não se tratava de discutir sua oportunidade ou conveniência, e sim de partir dela para liberar o país dos resquícios do passado colonial. Ia assim, preparando uma nova agenda de debate, que nos permitiria assumir a iniciativa de confrontação com as forças reacionárias. Nenhuma fatalidade respondia pelo atraso do país. Devíamos procurar suas causas na História, assinalar as motivações dos que, ocupando posições de mando, tomavam decisões (FURTADO, 1985, p. 71).
Em Furtado a economia é o locus que sustenta o objetivo do desenvolvimento com a repartição da riqueza social, do bem-estar e dos capitais econômicos e sociais estratégicos como renda, participação e controle político, educação, autonomia decisória nacional e individual – portanto um pacto cuja base é o projeto de nação: O desenvolvimento econômico é, em sentido estrito, um meio. Contudo constitui um fim em si mesmo, um elemento irredutível da forma de pensar da nova geração, a confiança de que o alargamento das bases materiais da vida social e individual é condição essencial para a plenitude do desenvolvimento humano (FURTADO, 1962, p. 20).
A leitura sobre o lugar da política na interpretação do subdesenvolvimento e no projeto do planejamento desenvolvimentista é bastante visível na perspectiva que toma a política (nação) como um resultado a ser alcançado pela via de alteração dos processos econômicos.
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Porém, uma investigação mais meticulosa revela uma outra relação entre economia e política subjacente à lógica que orienta a “produção artificial do desenvolvimento”: a de causação política para um efeito econômico. Ao combinarmos a leitura de três trabalhos de Furtado – A pré-revolução brasileira (1962), Dialética do desenvolvimento (1964) e Teoria e política do desenvolvimento econômico (1967) – questões como regime aberto (democracia), participação política e conflito passam a ser fundamentais, não como efeito do desenvolvimento da estrutura econômica, mas, ao contrário, como condicionantes desse próprio desenvolvimento. Em situação subdesenvolvida a dimensão política alcançaria um papel equivalente ao de fator estratégico do crescimento econômico – estando, assim, antes e não depois do processo, funcionando como causa e não como consequência. Na hipótese de interpretação proposta, esse movimento implicaria duas rotações profundas da teoria furtadiana em relação ao debate interpares de sua época: um afastamento radical dos pressupostos da teoria da modernização, de um lado, e a conformação de uma arquitetura singular para o funcionamento lógico da economia do subdesenvolvimento. 3 ECONOMIA E POLÍTICA – O LUGAR DA DEMOCRACIA NA DINÂMICA DO DESENVOLVIMENTO Para a análise do entrelaçamento entre esses dois campos na tese furtadiana, é necessário lembrar os elementos que permitiram, na década de 1950, o take off desenvolvimentista: a) A diferenciação da estrutura econômica nacional, cindida entre o setor mercantil-exportador e a alternativa do setor industrial – o primeiro em declínio pela depauperação inevitável dos ciclos econômicos primário-exportadores e o segundo em ascensão, porém paralisado pelos gargalos estruturais na passagem para a etapa de industrialização pesada. b) A tensão entre a dinâmica da economia reflexa (exportadora) e a diminuta autonomia dada pela dinâmica de consumo gerado no mercado interno. c) A modernização dos atores e setores ligados ao processo produtivo, notadamente a massa de trabalhadores urbano-industriais
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que se formava e a geração de laços de interesse entre os setores industriais urbanos e demais setores produtivos voltados para o mercado interno (indústrias complementares da cadeia, comércio, serviços e setor agrícola, consumo interno). d) A existência de um arsenal político – teórico e ideológico – que explicava com clareza o atraso e apontava soluções factíveis para a transformação do futuro. Compõem esse acervo a tese do subdesenvolvimento e a proposta de planejamento econômico, particularmente a produção intelectual de lavra furtadiana iniciada em Formação econômica do Brasil. Sobre essa obra assinalamos a sua importância como um “trabalho de consolidação da consciência desenvolvimentista brasileira, que ele fundamentou com uma bem constituída argumentação histórica” (BIELSCHOWSKY, 1988, p. 193). Anteriormente apontamos o nacional-desenvolvimentismo como um pacto nacional, orientado pelo esforço social global de resolução dos limites da soberania e evolução da sociedade brasileira. A forte aceitação das teses do planejamento, que como ressalta Bielschowsky (1988) incluía setores ideológicos diversos do pensamento econômico, pode ser observada pela agregação de atores “à direita, centro e esquerda” em um movimento macrossocial que reformatou o papel e a ação do Estado e de seus operadores, fechando o ciclo iniciado com a Revolução de 1930. A fase posterior à implementação do Plano Salte (1948) era, definitivamente, industrialista e planejadora, independente das oscilações e desdobramentos posteriores que ocorreram dentro desse mesmo campo. Na década de 1950 completa-se a gestação de uma intelligentsia que possuía, pela primeira vez, simulta neamente, uma tese, um projeto, um pacto social e instrumentos para planificação da mudança social. É nesses termos que se coloca a necessidade de se entender que naquele momento histórico específico estava à disposição da sociedade brasileira mais de um projeto político albergado ipso facto no grande bloco histórico desenvolvimentista. Também nessa direção é que a produção furtadiana reluz, portadora de uma arquitetura interna complexa e completa, originando-se no argumento econômico (grande consenso sociopolítico à época para compreensão do atraso) e avançando, coerentemente, nas fronteiras das questões social e política. Há, no conjun-
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to de suas obras, uma fidelidade a uma maneira de entender e mudar o processo social pautada em uma análise teórica rigorosa que subverte a relação entre o lugar da economia e o lugar da política nesse processo. A função estratégica da política na dinâmica do desenvolvimento econômico seria analisada, na síntese das obras selecionadas (Dialética do desenvolvimento brasileiro, A pré-revolução brasileira e Teoria e política do desenvolvimento econômico), em duas perspectivas: a) a organização dos trabalhadores e sua capacidade de demandar a realização de seus interesses específicos e b) o marco democrático como mecanismo de superação da persistência de nichos de anacronismo ligados aos interesses do modelo agrário-exportador e latifundista, capaz de impedir a consecução plena do desenvolvimento social. Na avaliação dos obstáculos ao desenvolvimento, Furtado assinala como óbices perigosos a baixa capacidade de investimento, em especial nos segmentos de bens de capital13, o consumo suntuoso das elites (com propensão ao consumo externo), o mimetismo do efeito demonstração no consumo interno, o deficit tecnológico e, principalmente, o diminuto tamanho do mercado interno (fonte de toda dinâmica industrial internalizada, de contínua diferenciação e sofisticação da malha produtiva e caminho necessário para o aumento da produção e da acumulação). Somente pela vitalidade deste último é que a ausência de capacidade de investimento poderia ser solucionada definitivamente, desonerando em longo prazo o Estado da tarefa de investimento estratégico. Em Teoria e política do desenvolvimento econômico (1967), Furtado trabalha com a demonstração da tendência deletéria do empresariado Nurske (1957) já havia apontado a gravidade do problema da incapacidade de formação de capital nas economias subdesenvolvidas. Furtado argumenta esse aspecto na seguinte linha: o problema do ciclo mercantil-exportador era determinado pela incapacidade de geração de poupança interna em função da deterioração crescente de termos de troca, porém a superação desse modelo exigiria aportes significativos de recursos que o sistema não conseguia gerar e que progressivamente perderia ainda mais pela crescente tendência ao seu enfraquecimento. Impedir-se-ia, assim, a chance de superação do subdesenvolvimento pela insuficiência dos recursos necessários para o estímulo à alternativa industrial – este é um elemento precioso na situação de círculo vicioso. 13
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nacional, não por deliberação e sim por consequência de sua racionalidade estreita e de curto prazo na definição de seus investimentos. Dada a irracionalidade dos agentes econômicos privados que orientam seus recursos para o gasto pessoal ou para setores mais imedia tamente rentáveis – exatamente aqueles que aceleram o gargalo estrutural do sistema econômico – apenas o Estado pode modificar, com sua racionalidade acima do mercado e do interesse privado, por meio de políticas públicas corretivas e/ou ação produtiva direta, a lógica e a inércia desse processo. Este é um argumento importante em Furtado: a situação de aquecimento do mercado interno após a Primeira Guerra Mundial foi indutora da dinâmica industrial, que se voltava ao abastecimento doméstico. No entanto, quanto mais a produção industrial “leve” aumenta maior a pressão sobre o consumo de bens de produção “pesado”: capitais, tecnologia, matérias-primas, infraestrutura e insumos estratégicos como energia. Exatamente o que custa mais caro tem retorno (em termos de lucratividade) de prazo muito mais longo e exige maior imobilização de capital. Os atores econômicos, por sua racionalidade miúda, preferem continuar investindo em uma produção de menor custo e lucro rápido, resultando no aumento da pressão sobre os gargalos estruturais, desorganizando a economia e impedindo a passagem para uma etapa mais avançada de industrialização bancada pelo investimento e por recursos privados. Sem adentrar ao tema da dúvida política sobre a capacidade da burguesia nacional na promoção do desenvolvimento, Furtado duvida, de maneira muito mais grave, da capacidade virtuosa da ação desse setor na própria dimensão econômica. Para esse autor, os limites da economia autorregulada em situação subdesenvolvida implicam uma ação mais deletéria dos empresários em relação a seus próprios interesses – mais que os danos causados pela incerteza (motor da crise nas economias centrais conforme Keynes), na periferia o travamento do desenvolvimento ocorreria pelo risco decisório imposto ao empresário em cenário de gargalos estruturais. Assim, a regulação seria aqui invocada por outra forma de desajuste intrínseco à racionalidade econômica privada. No entanto, essa política interventora, corretora e planejadora só será eficiente se conseguir alterar a ratio anterior, produzindo novas lógicas, demandas e interesses que modifiquem estruturalmente a complexa interface entre o mundo
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da produção e o sistema social. Esta é, aliás, exatamente a essência do termo desenvolvimentismo: alteração profunda, racional e planejada de uma dada estrutura econômica viciosa. É somente nessa acepção que o termo “desenvolvimentismo” (mudança qualitativa e sistêmica) pode ser diferenciado de crescimento (mudança quantitativa e possivelmente setorial), tornando-se um projeto econômico-social de forte alcance político. A aposta furtadiana elege como elemento capaz dessa metamorfose profunda as demandas dos trabalhadores no processo de luta pela distribuição de renda e repartição dos ganhos da riqueza social. A livre organização dos trabalhadores, bastando começar por aqueles ligados ao assalariamento promovido pela cadeia urbano-industrial, teria como efeito diminuir a concentração de renda que permitia aos empresários o gasto luxuoso, convertendo essa massa monetária em salário, consumo e aumento da demanda por bens manufaturados. O impulso para o aumento da produção geraria um novo ciclo virtuoso da produção industrial que utilizaria mais matérias-primas, capitais e trabalho, ampliando o gasto intercapitalistas, expandindo o mercado de trabalho e o tamanho da demanda global interna. O deslocamento da dinâmica para o centro-interno de decisão, pautado pelo mercado e pelas indústrias domésticos, poderia então deslanchar em um movimento contínuo, ascendente e retroalimentado. Outro resultado poderoso do aumento dos salários seria o de impulsionar os empresários à geração do lucro via produção e inovação tecnológica, impedindo a utilização do velho e danoso recurso de acumulação via espoliação dos salários. Impossibilitados de repassar aos trabalhadores, na forma de redução de salário, qualquer queda na taxa de lucros, o caminho inevitável seria o de investir no aumento de produtividade pela renovação tecnológica. No caso de economias subdesenvolvidas, com acesso a mecanismos extraordinários de obtenção de lucro (como baixos salários derivados do amplo exército industrial de reserva e das restrições dadas por um mercado com baixa concorrência de preços), o ciclo virtuoso schumpeteriano da destruição criadora e do empresário inovador estaria estruturalmente impedido. Furtado assinala que a solução poderia ser dada pela mudança na estrutura de salário e renda, deflagradora de uma alteração geral do sistema econômico.
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A função econômica da luta pelo salário é facilmente compreensível na tese furtadiana. No entanto, o que apontamos aqui é que o disparador do movimento virtuoso da economia precisa ser dado fora do sistema produtivo, no âmbito da política: A formação de capital segue assim por um canal previamente aberto, tropeçando apenas com obstáculos institucionais decorrentes dos ajustamentos insuficientes ou atrasados do marco institucional que disciplina os distintos fluxos econômicos. Os principais desses obstáculos refletem a persistência de formas anacrônicas de distribuição da renda, que se traduzem em insuficiente vigor na demanda final para consumo ou investimento (FURTADO, 1964, p. 32).
Questões como engenharia institucional e de direitos é que definem a possibilidade de livre organização, expressão e luta de interesses organizados da sociedade, no marco da democracia representativa. Assim, superar o subdesenvolvimento pressupõe a participação política e a garantia de instâncias de expressão dessa participação: Na medida em que o sistema industrial alcança certo grau de autonomia, seu papel dinâmico atinge maior extensão e complexidade. Quando depende principalmente de si mesmo para abastecer-se de equipamentos, deixa de ser um sistema dependente e logra autonomia de crescimento (FURTADO, 1958, p. 33).
Ao contrário da tese clássica da teoria da modernização que apontava um caminho cumulativo da modernização das formas econômicas para a modernização das formas culturais e institucionais, na perspectiva furtadiana a dimensão institucional é que desata o nó górdio dos obstáculos ao desenvolvimento econômico. A segunda perspectiva sobre a função política ex-ante os efeitos do desenvolvimento encontra-se na sua capacidade de superação dos resquícios do atraso. A herança colonial não havia apenas deslocado surtos cíclicos mercantil-exportadores ao longo do território brasileiro, caracterizados pela baixa capacidade de retenção da riqueza produzida nesses movimentos no sistema local, mas também havia definido um hibridismo social grave, ancorado no insulamento de produção
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em estruturas regionais autônomas e incomunicáveis. O legado do dualismo estrutural geraria um problema forte para a questão nacional, dada a impossibilidade de um compromisso federativo. Paralelamente a um surto modernizante provocado pelos picos de produtividade primário-exportadora, formaram-se elites regionais dotadas de alta capacidade de apropriação de capitais sociais e políticos poderosos. No Nordeste, a permanência do latifúndio, da prática do coronelismo no controle dos grupos dominantes sobre os recursos de representação política (bolsões eleitorais) e do controle do aparelho do Estado atravessou séculos, chegando à etapa nacional-desenvolvimentista articulada a ponto de produzir o efeito perverso da “indústria da seca”. No Sudeste a articulação das elites cafeicultoras no controle direto do Estado durante a Primeira República é um exemplo similar. Dois grupos políticos fortes representavam a permanência do passado na conjuntura da passagem industrial dos anos 1950 – as oligarquias mercantil-exportadoras do Sudeste e as elites latifundistas nordestinas – capazes de manter controle sobre os centros de decisão política (....). Como a posição do setor agrícola em geral está orientada para a defesa do status quo institucional, com base nas fortes posições que ocupa no poder legislativo, o grupo latifundiário de atuação mais anti-social conseguiu sempre mover-se dentro de uma ampla frente em que seus interesses se confundem com os do conjunto da agricultura e mesmo de todos aqueles que detêm a propriedade de meios de produção (FURTADO, 1964, p. 127).
Furtado indica como esses grupos, ancorados no capital político produzido fora da dimensão moderna (cuja expressão seria o universo urbano-industrial), poderiam invalidar o esforço do planejamento desenvolvimentista14. A absorção desses grupos oligárquicos na arena decisória do Estado poderia: a) contaminar a utilização e o destino dos recursos e investimentos estatais, b) barrar mudanças estruturais radicais em temas como a estrutura fundiária, políticas macroeconômicas Sobre a tensão política e os movimentos ligados à estrutura fundiária do Nordeste nesse período indicamos a minuciosa análise de Amélia Cohn (1978).
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(monetária, cambial, fiscal e tributária), bem como aqueles temas ligados aos direitos trabalhistas e sociais e à distribuição do bem-estar15. Minar a força dessas elites, destruindo os focos de anacronismos herdados da colônia, era uma necessidade para garantir a construção do Brasil moderno. Para Furtado a democracia carregaria essa possibilidade já que o específico do Estado democrático de base capitalista não é propriamente uma tendência à eliminação dos privilégios. Pelo contrário, os grupos privilegiados podem nele crescer e conservar o seu poder. Sua característica essencial é a tendência à eliminação daqueles privilégios que entorpecem o desenvolvimento das forças produtivas (FURTADO, 1964, p. 45, grifo meu).
A única via para a realização dessa outra frente na tarefa histórica de superar o atraso e o subdesenvolvimento era fortalecer o marco legal democrático que por meio da expansão e da mudança representativa e cultural das bases sociais e territoriais do colégio eleitoral, bem como pela poderosa pressão da opinião pública (cada vez mais educada no processo de participação eleitoral), poderia completar o ciclo da transformação social brasileira. A obra histórica da construção do desenvolvimento, negação do subdesenvolvimento mediada pela coerência teórica e pelo projeto político, ajusta assim a herança do passado e a proposição de futuro, unindo de maneira ímpar a capacidade hegemônica de uma explicação científica e econômica sobre o atraso com as ferramentas operacionais do campo político. Fechamos este artigo como o começamos: afirmando que na obra furtadiana pensamento e ação não se separam, mas assinalando que a dimensão política na obra desse autor transcende o nível do valor (que existe na dimensão das pretensões e concepção que Furtado atribui ao desenvolvimento – a faceta progressista, democrática e inclusiva), avançando no cerne de sua formulação lógico-explicativa. Sua filiação ao campo da economia política é assim ineludível, porém em sua obra a economia seria o caminho da política. Podemos lembrar que a continuidade desse raciocínio em Furtado aparece no Plano Trienal, cujas reformas de base incidiam em grande medida nessa direção.
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FURTADO, C. Brasil: a construção interrompida. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. FURTADO, C. O Brasil pós-“milagre”. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. FURTADO, C. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. 3. ed. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1965. FURTADO, C. Dialética do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964. FURTADO, C. A economia brasileira. Rio de Janeiro: A Noite, 1954. FURTADO, C. A fantasia desfeita. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. FURTADO, C. A fantasia organizada. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. FURTADO, C. Formação econômica do Brasil. 23. Ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1995. FURTADO, C. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974. FURTADO, C. Perspectiva da economia brasileira. Rio de Janeiro: DASP, 1958. FURTADO, C. A pré-revolução brasileira. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1962. FURTADO, C. Um projeto para o Brasil. Rio de Janeiro: Saga, 1969. FURTADO, C. Teoria e política do desenvolvimento econômico. São Paulo: Ed. Nacional, 1967. GELLNER, E. Nações e nacionalismos. Lisboa: Gradiva, 1993. IANNI, O. A ideia de Brasil moderno. São Paulo: Brasiliense, 1992. MALLORQUIN, C. Celso Furtado: um retrato intelectual. São Paulo: Contraponto, 2005. MANNHEIM, K. Ideologia e utopia. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1968. MANTEGA, G. A economia política brasileira. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1995. MOORE JUNIOR. Barrington. As origens sociais da ditadura e da democracia. Lisboa: Cosmos, 1975.
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MYRDAL, G. Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas. 3. ed. Rio de Janeiro: Saga, 1972. NURKSE, R. Problemas de formação de capital em países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1957. O’DONNEL, G. Análise do autoritarismo burocrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. OLIVEIRA, Francisco de (Org.). Celso Furtado: economia. São Paulo: Ática, 1983. (Grandes cientistas sociais). PÉCAUT, D. Intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990. ROSTOW, W. W. Etapas do desenvolvimento econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1964. SALLUM JR. B. Metamorfoses do estado brasileiro no século XX. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 18, n. 52, p. 35-54, jun. 2003. VIEIRA, R. M. Celso Furtado: reforma, política e ideologia (1950-1964). São Paulo: Edusc, 2007.
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NÚMEROS ANTERIORES EDIÇÃO 14 EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO LICENCIAMENTO: UMA ANÁLISE CRÍTICA DE SUAS CONTRADIÇÕES E POTENCIALIDADES Carlos Frederico B. Loureiro
A RESPONSABILIDADE SOCIAL E AS ENTIDADES CORPORATIVAS Eduardo R. Gomes Leticia Veloso Bárbara de S. Valle
A MODERNIZAÇÃO DE SÃO PAULO EM DOIS TEXTOS DE JOÃO ANTÔNIO (1937–1996) Ieda Magri DISCURSOS SOBRE O HAITI: O QUE O GLOBO E SEUS LEITORES TIVERAM A DIZER SOBRE O TERREMOTO DE 2010 Larissa Morais OBSERVAÇÕES SOBRE A CHAMADA MORTE DO AUTOR Paulo Cesar Duque-Estrada EDIÇÃO 15
A DESORDEM DO MUNDO André Bueno ESCUTA, ARTE E SOCIEDADE A PARTIR DO MÚSICO ENFURECIDO Daniel Belquer
EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: O RETORNO PRIVADO E AS RESTRIÇÕES AO INGRESSO Márcia Marques de Carvalho
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APRENDIZAGEM POR PROBLEMATIZAÇÃO Pedro Demo
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A CIDADANIA ATRAVÉS DO ESPELHO: DO ESTADO DO BEM-ESTAR ÀS POLÍTICAS DE EXCEÇÃO Sylvia Moretzsohn
EDIÇÃO 16 REPERCUSSÕES DO ICMS ECOLÓGICO NA GESTÃO AMBIENTAL EM MATO GROSSO, BRASIL Cristina Cuiabália Rodrigues Pimentel Sueli Ângelo Furlan A HORA DE IR PARA A ESCOLA Daniel Santos CRIATIVIDADE Marsyl Bulkool Mettrau ENTRE O DRAMA E A TRAGÉDIA: PENSANDO OS PROJETOS SOCIAIS DE DANÇA DO RIO DE JANEIRO Monique Assis Nilda Teves GINÁSTICA ESCOLAR COMO DISPOSITIVO BIOPOLÍTICO-PEDAGÓGICO: UMA ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO, SAÚDE E MORALIDADE EM FERNANDO DE AZEVEDO Murilo Mariano Vilaça EDIÇÃO 17 Cidade Maravilhosa: encontros e desencontros nos Projetos de Remodelação urbana da capital entre 1902 e 1927 José Cláudio Sooma Silva A CAPTURA DO GOSTO COMO INCLUSÃO SOCIAL NEGATIVA: POR UMA ATUALIZAÇÃO CRÍTICA DA ÉTICA UTILITARISTA Marco Schneider INOVAÇÃO, TECNOLOGIAS SOCIAIS E A POLÍTICA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO BRASIL: DESAFIO CONTEMPORÂNEO Marcos Cavalcanti André Pereira Neto
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RECENTES DILEMAS DA DEMOCRACIA E DO DESENVOLVIMENTO NO BRASIL: POR QUE PRECISAMOS DE MAIS MULHERES NA POLÍTICA? Marlise Matos TRABALHO INFANTIL NO BRASIL: RUMO À ERRADICAÇÃO Ricardo Paes de Barros Rosane da Silva Pinto de Mendonça EDIÇÃO 18 O DEBATE PARLAMENTAR SOBRE O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NO GOVERNO LULA Anete B. L. Ivo José Carlos Exaltação EDUCAÇÃO PARA A SUSTENTABILIDADE: ESTRATÉGIA PARA EMPRESAS DO SÉCULO XXI Deborah Munhoz FAGULHAS DO AUTORITARISMO NO FUTEBOL: EMBATES SOBRE O ESTILO DE JOGO BRASILEIRO EM TEMPOS DE DITADURA MILITAR (1966-1970) Euclides de Freitas Couto JUVENTUDES, VIOLÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL: TENSÕES ENTRE O INSTITUÍDO E O INSTITUINTE Glória Diógenes A MÁQUINA MODERNA DE JOAQUIM CARDOZO Manoel Ricardo de Lima
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Caso tenha interesse em receber a revista Sinais Sociais, entre em contato conosco: Assessoria de Divulgação e Promoção Departamento Nacional do SESC adpsecretaria@sesc.com.br tel.: (21) 2136-5149 fax: (21) 2136-5470
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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO 1 - A revista Sinais Sociais é editada pelo Departamento Nacional do Serviço Social do Comércio – SESC e tem por objetivo contribuir para a difusão da produção acadêmica, proporcionando diálogo amplo sobre a agenda pública brasileira. A publicação oferece a pesquisadores, universidades, instituições de ensino e pesquisa e organizações sociais um canal plural para a disseminação do conhecimento e o debate sobre grandes questões da realidade social. Tem periodicidade quadrimestral e distribuição de 5.000 exemplares entre universidades, institutos de pesquisa, órgãos governamentais de interesse, principais bibliotecas no Brasil e em todas as bibliotecas do SESC e SENAC. 2 - A publicação dos artigos e ensaios está condicionada à emissão de parecer de especialistas e dos membros do conselho editorial, garantido o anonimato dos pareceristas no processo de avaliação. Eventuais sugestões de modificação na estrutura ou conteúdo, por parte da Editoria, são previamente acordadas com os autores. São vedados acréscimos ou modificações após a entrega dos trabalhos para composição. 3 - Os textos devem ser encaminhados para publicação ao e-mail sinaissociais@sesc.com.br, ou em CD (ao endereço a seguir), digitado em editor de texto Word for Windows, margens 2,5cm, fonte Times New Roman, tamanho 12, espaçamento entre linhas 1,5. As páginas devem ser numeradas no canto direito superior da folha. Departamento Nacional do SESC Divisão de Planejamento e Desenvolvimento/Gerência de Estudos e Pesquisas Av. Ayrton Senna 5.555, CEP 27775-004, Rio de Janeiro/RJ
4 - O trabalho deve ser apresentado por carta ou e-mail do(s) autor(es), que se responsabilizam pelo seu conteúdo e ineditismo. A carta deve informar qual ou quais áreas editoriais estão relacionadas ao trabalho, para que este possa ser encaminhado para análise editorial específica. A mensagem deve incluir ainda endereço, telefone e, em caso de mais de um autor, informar o responsável pelos contatos.
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5 - O texto deverá ter no mínimo 35.000 e no máximo 60.000 caracteres (sem contar o resumo e as referências bibliográficas). Os resumos em português e em inglês (Abstract) que acompanham o texto devem ter entre 10 e 15 linhas, fonte Times New Roman, tamanho 10. 6 - O texto deverá conter: a) título do trabalho em português (no máximo uma linha); b) título abreviado; c) nome do(s) autor(es); d) resumo em português e em inglês; e) palavras-chave – máximo seis; f) referências bibliográficas apresentadas conforme as normas da ABNT, NBR 6023/2002 e NBR 14724/2002; g) citações no artigo conforme NBR 10520/2001. 7 - Anexos, tabelas, gráficos, fotos, desenhos com suas respectivas legendas etc. devem indicar as unidades em que se expressam seus valores, assim como suas fontes. Gráficos e tabelas devem vir acompanhados das planilhas de origem. Todos esses elementos devem ser apresentados no interior do texto, no local adequado ou em anexos separados do texto com indicação dos locais nos quais devem ser inseridos. Sempre que possível, deverão ser elaborados para sua reprodução direta. As imagens devem ser enviadas em alta definição (300 dpi, formato TIF). 8 - Um currículo (incluindo dados pessoais: nome completo, endereço, telefone para contato e documentação própria) e um minicurrículo deverão ser entregues com o artigo. O minicurrículo deverá conter os principais dados sobre o autor: titulação acadêmica, cargo ocupado, áreas de interesse, últimas publicações, e-mail (se assim o desejar) etc. As siglas de instituições ou projetos devem vir por extenso. Ex.: Pontifícia Universidade Católica (PUC). O minicurrículo deverá ter entre 5 e 10 linhas, fonte Times New Roman, tamanho 10. 9 - As referências bibliográficas devem ser dispostas no final do artigo, em ordem alfabética e cronológica, de acordo com o sobrenome do(s) autor(es) que, em caso de repetição, deve(m) ser sempre citado(s).
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Referências Bibliográficas – exemplos Livros BAUDRILLARD, J. A troca simbólica e a morte. São Paulo: Loyola, 1976. BAUDRILLARD, J. A transparência do mal: ensaios sobre os fenômenos extremos. Campinas: Papirus, 1990. RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1956. 4v.
capítulos de livros DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Tratado de nomadologia: a máquina de guerra. In: DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed. 34, 1980. v. 5. p.14-110. LYOTARD, J.F. Capitalismo energúmeno. In: CARRILHO, Manuel Maria (Org.). Capitalismo e esquizofrenia: dossier Anti-Édipo. Lisboa: Assírio & Alvim, 1976. p. 83-134.
Ensaios em revistas DIAS, Marco Antonio R. Comercialização no ensino superior: é possível manter a ideia de bem público? Educação & Sociedade, Campinas, v. 24, n. 84, p. 817-838, set. 2003.
Documentos e pesquisas IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD): 1982 a 2006. Rio de Janeiro. Brasil. Ministério da Educação e Cultura. Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB): 1995, 1999, 2001, 2005. Brasília, DF.
Internet INEP. Sinopses estatísticas da educação básica: 1994 a 2005. Disponível em: <http://www.edudatabrasil.inep.gov.br>. Pesquisado em jan. 2012.
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Esta revista foi composta nas tipologias Zapf Humanist 601 BT, em corpo 10/9/8,5, e ITC Officina Sans, em corpo 26/16/9/8, e impressa em papel off-set 90g/m2, na 52 Grรกfica e Editora Ltda.
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