Revista Sinais Sociais

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Sesc | Serviço Social do ComÊrcio Departamento Nacional

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ISSN 1809-9815 Sinais Sociais | Rio de Janeiro | v.9 n. 26 | p.1-160 | set.-dez. 2014


Sesc | Serviço Social do Comércio PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL

Antonio Oliveira Santos DEPARTAMENTO NACIONAL Diretor-Geral

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CONSELHO EDITORIAL

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As opiniões expressas nesta revista são de inteira responsabilidade dos autores. As edições podem ser acessadas eletronicamente em www.sesc.com.br.

Quadrimestral. ISSN 1809-9815 1. Pensamento social. 2. Contemporaneidade. 3. Brasil. I. Sesc. Departamento Nacional.


SUMÁRIO

Apresentação

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Editorial

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Dossiê: Sustentabilidade Organização: Marta de Azevedo Irving Sustentabilidade e O futuro que não queremos: polissemias, controvérsias e a construção de sociedades sustentáveis Marta de Azevedo Irving

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Sustentabilidade e educação ambiental: controvérsias e caminhos do caso brasileiro Carlos Frederico B. Loureiro

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“Sustentabilidade líquida”: o consumo da natureza e a dimensão do capitalismo rizomático nos platôs da sociedade de controle Fred Tavares

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Sustentabilidade e justiça social Maryane Vieira Saisse

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Comunicação e sustentabilidade: reflexões sobre o papel da mídia na construção de novas práticas de cidadania Elizabeth Oliveira

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APRESENTAÇÃO

A origem do Sesc vincula-se à intenção de contribuir para o desenvolvimento do Brasil a partir de uma profunda compreensão de seu potencial e dos obstáculos ao seu progresso. Uma tarefa desafia aqueles que receberam como legado a missão de realizar no presente os ideais vislumbrados pelos líderes do passado: a revisão e a ampliação permanente dessa compreensão. Assim como ao Sesc cabe atuar sobre a realidade social, cabe valorizar e difundir o entendimento acerca dessa realidade, dos conceitos e questões fundamentais para o país e das políticas públicas e formas diversas de promover o bem-estar coletivo. antonio oliveira santos

Presidente do Conselho Nacional

Ler, estudar, pesquisar. Divergir, argumentar, contrapor. Comparar, debater, discutir. Criticar, questionar, propor. Fundamentar, elaborar, testar. Organizar, encadear, remeter. Rever, revisar, publicar. Apresentar, expressar, transmitir. Com a revista Sinais Sociais, colaboramos para que esses verbos sejam conjugados em favor de uma sociedade que traduza de forma mais fidedigna a expressiva riqueza cultural e o potencial realizador de seus cidadãos. Conhecer para compreender, difundir para mobilizar, agir para transformar: eis as vertentes que definem a linha editorial da Sinais Sociais no ambiente do pensamento e da ação social. maron emile abi-abib

Diretor-Geral do Departamento Nacional

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O grande debate e a enorme preocupação que envolve a questão da sustentabilidade se tornam ainda mais acirrados nos dias atuais. Primeiro, em função do próprio tempo, precioso, em uma contagem regressiva para a escassez e o prelúdio de tempos difíceis de garantia da vida no planeta. Segundo, pela persistência dos problemas que lhe dão origem, ou seja, o modo como nós seres humanos lidamos com a produção de nossa existência neste mundo e com todo o mundo. Há muito o Sesc tem a preocupação de traçar a linha mestra em relação ao seu fazer social nesse campo. A Reserva Particular do Patrimônio Natural do Sesc Pantanal é um exemplo do esforço empreendido pela instituição com o intuito de contribuir para a proteção da biodiversidade ecológica, promovendo a regulação ambiental, a preservação de recursos genéticos e a manutenção dos ciclos sazonais das águas. Além disso, o Sesc iniciou a elaboração de uma política de sustentabilidade que servirá como documento técnico de referência a sua ação social no âmbito da responsabilidade socioambiental. É com essa preocupação que apresentamos nesta edição um dossiê especial sobre a questão da sustentabilidade, entendendo que o Sesc, como instituição social, é um lócus privilegiado de desenvolvimento de ações que objetivem garantir a construção de uma sociedade sustentável. Marta Irving, coordenadora acadêmica do dossiê, introduz as primeiras palavras sobre a questão e nos coloca diante do grande desafio imposto pela realidade de um “futuro que não queremos”, em uma sociedade que se mostra insustentável. A autora dá início à discussão sobre a pluralidade de interpretações e ideologias envolvidas na noção de sustentabilidade e no debate sobre o próprio desenvolvimento sustentável. Debate que se segue pelo conjunto de artigos em uma interlocução instigante sobre a polissemia do conceito, sua origem e desdobramentos.

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O artigo de Frederico Loureiro procura estabelecer a interface entre sustentabilidade e educação ambiental. Nas palavras do autor, o termo sustentável é visto como “um complexo de relações sociais que tem por premissa contemplar as diversas dimensões da existência humana em seu movimento de reprodução da vida social e biológica, e não apenas como um processo que ora se preocupa com o ecológico, ora com o social”. Frederico Tavares traz um ensaio sobre a questão da “sustentabilidade líquida” inspirada pelos escritos dos teóricos Gilles Deleuze e Félix Guatarri, a partir de uma investigação sobre a relação entre natureza, capital e sociedade do controle. A autora Maryane Saisse discute justiça social e sustentabilidade e a (im)possibilidade de se conciliar o padrão de desenvolvimento atual e a proteção ambiental. Coloca-nos frente à questão de como eliminar a contradição entre crescimento econômico e preservação da natureza. O poder da mídia, considerando seu papel estratégico na formação de opinião e no processo de tomada de decisão, é o elemento apresentado no artigo de Elizabeth Oliveira, que nos traz a discussão sobre comunicação e sustentabilidade. Em uma dimensão crítica, todos os enfoques desenvolvidos nos preo­ cupam, mas também redimensionam caminhos e possibilidades, recuperando o sentido histórico de nossas existências. Redimensionar. Caminhos. Possibilidades. Talvez palavras avessas a uma crise civilizatória. Nesse sentido, uma vez mais, a revista Sinais Sociais, em busca de reflexão e atitude, traz a você leitor um panorama sobre a sustentabilidade como tema único, entendendo que se não partimos para enfrentar esse debate com vistas a uma ação civilizatória, corremos o risco de permanecer desconstruindo o futuro da humanidade. Boa leitura e mãos à obra! VOLTAR

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DOSSIÊ

Sustentabilidade

Organização: Marta de Azevedo Irving



Carlos Frederico B. Loureiro

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Marta de Azevedo Irving Professora do Programa EICOS de Pós-Graduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social (IP/UFRJ), do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (PPED/IE/UFRJ) e pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT/PPED/UFRJ). Coordenadora de projetos de pesquisa em sustentabilidade, desenvolvimento e gestão social da biodiversidade e projetos aplicados às políticas públicas, em temas afins. Coordena também o Grupo de Pesquisa CNPq/Lattes: “Governança, Biodiversidade, Áreas Protegidas e Inclusão Social” e o Projeto Observatório de Áreas Protegidas e Inclusão Social. Autora de inúmeras publicações sobre Planejamento e Gestão Ambiental, Desenvolvimento na Perspectiva Local, Consumo e Sustentabilidade, Conservação da Biodiversidade, Turismo e Inclusão Social, entre outros. Consultora sênior de instituições do Sistema das Nações Unidas, instituições governamentais e não governamentais, em planejamento e gestão ambiental e planejamento turístico. Em 2012 foi premiada com a L’ordre Chevalière des Palmes Académiques, do Ministère des Affaires Étrangères (França).

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Resumo O objetivo deste artigo é discutir, criticamente, a noção de sustentabilidade, a partir da pluralidade de interpretações e ideo­logias envolvidas, e do debate sobre desenvolvimento sustentável, desde a sua origem. O artigo tem como horizonte para a projeção de cenários as tendências delineadas pelo documento O futuro que queremos, acordado em 2012 no âmbito da Rio+20, e as discussões em curso para o estabelecimento dos novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), previstos para serem acordados em 2015, também no âmbito das Nações Unidas. Considerando as nuances do debate desde a sua origem parece evidente que tais “Objetivos” tenderão a reproduzir as mesmas controvérsias históricas, reflexos de ideologias e interesses conflitantes. No entanto, a conjuntura da crise civilizatória exige novos pactos globais e mudanças de rumo e significados sobre a noção de desenvolvimento. Palavras-chave: Sustentabilidade. Desenvolvimento sustentável. Polissemias. Contradições. Sociedades sustentáveis.

Abstract The aim of this article is critically discuss the notion of sustainability, taking into consideration the plurality of interpretations and ideologies involved, from the origin of the debate about sustainable development. The article involves as well a prospective view considering the tendencies anticipated by the official UN document The future we want and the ongoing discussions about the establishment of the new Sustainable Development Goals (SDG) predicted to be agreed in 2015. Considering the debate since its origin and the different perceptions involved it seems clear that the new SDGs will tend to reproduce the same historical controversies, reflex of conflicting ideologies and interests. However the context of the crisis of the civilization demands new global agreements and approaches considering the meaning of development. Keywords: Sustainability. Sustainable development. Polysemy. Contradictions. Sustainable societies.

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Sustentabilidade e O futuro que não queremos : polissemias, controvérsias e a construção de sociedades sustentáveis

Para contextualizar criticamente o debate e desconstruir certezas O campo da sustentabilidade constitui um terreno interdisciplinar complexo e plural por pressuposto e está associado a um debate teórico controverso e também pulsante, entre ideologias e percepções de mundo distintas. E se essa parece ser uma terminologia “lugar-comum”, banalizada nos discursos oficiais, constitui, em sua essência, uma “ideia-força”, uma inspiração para o debate crítico ou a projeção de um horizonte desejável em uma civilização em crise, como discutido por Loureiro (2012) e Irving e Oliveira (2012). Assim, sustentabilidade constitui um termo polissêmico que transcende o mero debate de inspiração ambiental ou a noção de enfrentamento de riscos em uma sociedade em crise. Implica uma reflexão crítica sobre o modo de funcionamento da sociedade contemporânea e pressupõe também um posicionamento político e ideológico. Nesse sentido, e em conexão com o debate proposto por Morin (2011), partese do pressuposto de uma crise civilizatória em curso e que a globalização reforça a sua própria crise. E nessa dinâmica, múltiplas crises se estabelecem na escala planetária. Sendo assim, para o autor (MORIN, 2011), a globalização, a ocidentalização e o desenvolvimento são três elementos da mesma dinâmica que produz uma pluralidade de crises interdependentes. Mas a crise planetária mais marcante, para ele, é a crise de humanidade que não consegue aceder à própria humanidade. Além disso, a crise de civilização decorre também da cisão histórica entre sociedade e natureza. Isso porque ambiente e sociedade são elementos indissociáveis, como também defendido por Morin e Kern (2000), Moscovici (2002) e Morin (2011), entre tantos outros pensadores contemporâneos, para os quais, a crise atual constitui uma crise de civilização que implica o “religare” entre sociedade e natureza. E para Leff (2009), nesse sentido, não é suficiente uma ética da conservação mas é necessário desconstruir essa racionalidade que vem orientando um processo de racionalização do mundo que desconsidera os potenciais ecológicos e os valores culturais que sustentam o planeta. Assim, com base no pressuposto do sentido polissêmico que envolve a noção de “sustentabilidade”, para que o debate proposto possa avançar,

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se busca contextualizar, a seguir, de forma resumida, a origem dessa terminologia, resgatando, para tal, alguns dos marcos globais norteadores e os seus rebatimentos em um cenário de crise civilizacional, segundo adaptação do delineamento proposto por Irving e Oliveira (2012). Busca-se também projetar tendências, a partir do documento O futuro que queremos (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2012), que visou traçar caminhos para uma reflexão global, no que se refere aos desafios para o desenvolvimento, em busca do que vem sendo denominado como “objetivos para o desenvolvimento sustentável”, que deverão orientar as políticas públicas globais e nacionais, a partir de 2015. Para tal, é importante que se considere que em 2011 a população do planeta já havia ultrapassado sete bilhões de habitantes, devendo chegar a 10 bilhões ainda neste século (conforme discutido pelo Relatório da Situação da População Mundial das Nações Unidas de 2011) (FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ATIVIDADES RELATIVAS À POPULAÇÃO, 2011). E, diante desse quadro preocupante, parece fundamental que sejam repensados os padrões de desenvolvimento e a vida na terra, em um cenário de aumento populacional progressivo, escassez de recursos naturais para sustentar o denominado crescimento econômico e modos de produção e consumo que se fundamentam na ilusão do “ter humano” e não na afirmação do próprio “ser humano” conforme discutido por Tavares e Irving (2009). Esse talvez se traduza como o principal dilema enfrentado pela sociedade contemporânea. Esse debate não é recente e tem inspirado o que se denomina, atualmente, como sustentabilidade, termo apropriado e ressignificado segundo as inúmeras ideologias na complexa e contraditória arena da globalização. Mas, como anteriormente mencionado, ao contrário do que alguns advogam, sustentabilidade não constitui uma noção simples e recente, artificialmente criada e reproduzida pelo mundo das empresas, em busca de competitividade de mercado. E embora sejam inúmeras as tentativas para explicar esse termo polissêmico, e diversas sejam as iniciativas para a sua absorção pela lógica do mercado, para a sua compreensão não se pode prescindir de seu sentido ético, político e de cidadania global. Sendo assim, pelas razões expostas, o debate sobre sustentabilidade transcende o viés estritamente ambiental para alcançar uma dimensão Sinais Sociais | Rio de Janeiro | v.9 n. 26 | p. 13-38 | set.-dez. 2014

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Sustentabilidade e O futuro que não queremos : polissemias, controvérsias e a construção de sociedades sustentáveis

mais ampla, de cidadania em uma perspectiva democrática. Mas qual a origem desse debate e quais as nuances e contradições que implica?

Para se compreender a origem do debate e a pluralidade de interpretações sobre desenvolvimento sustentável Para que se possa avançar na reflexão proposta, se parte de um balizamento teórico com base nas ambiguidades assinaladas por Baroni (1992) e na contextualização crítica resumida por Irving e Oliveira (2012), sobre alguns dos principais marcos históricos que traçaram a construção do conceito de desenvolvimento sustentável e de algumas abordagens conceituais norteadoras que estiveram na origem do debate, no período anterior à Rio-92. Nesse período, ironicamente, a crítica ao modelo de desenvolvimento vigente (inspirado no reconhecimento de riscos à sobrevivência humana), centrado na noção de crescimento econômico, parece ter se consolidado paralelamente ao reconhecimento e à afirmação de um modo capitalista de vida em sociedade. Esse contexto parece estar na origem da pluralidade e das contradições envolvidas na interpretação desse conceito que também tende a ser expresso como uma “utopia desejável” (IRVING; OLIVEIRA, 2012) ou “ideia-força” (LOUREIRO, 2012). Mas quer se discuta passado, presente ou futuro, é importante ressaltar que a noção de desenvolvimento sustentável (e, por consequência, sustentabilidade) tem sua origem, direta ou indiretamente, na constatação da insustentabilidade dos modos de produção e consumo das sociedades industriais e pós-industriais que, de alguma forma, destituíram a natureza de valor e transformaram indivíduos em peças quase que automatizadas de uma “engrenagem” inspirada por desejos que não podem ser alcançados, pois é na insaciabilidade de desejos que se sustenta esse mecanismo. Nesse sentido, Leff (2009) afirma que a natureza representa fonte de simbolização e significação da vida e também suporte material e espiritual à vida em sociedade. No entanto, pela via do processo de industrialização e crescimento econômico, ela passou a ser percebida como fonte de matérias-primas sem valor, o que vem alimentando e potencializando a acumulação de riquezas, em escala mundial, fundada na troca desigual de bens primários, em contraponto às tendências delineadas pelos avanços tecnológicos. Mas essa engrenagem não se sustenta e representa a 18

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fonte de inúmeros riscos em uma sociedade aparentemente “em estado de dormência”. Certamente, o termo sustentabilidade deriva da percepção dos riscos e da crise fundada nos modos de vida em sociedade, a partir da discussão sobre “desenvolvimento sustentável” que, por sua vez, emerge da tradução da insustentabilidade do desenvolvimento. Esse então entendido apenas com base na noção norteadora de crescimento econômico e progresso, originada nas sociedades pós-industriais. Com o pressuposto de que a natureza só teria valor se transformada em bens e serviços, essa foi destituída de seu valor intrínseco e passou a ser entendida como “recurso” e insumo à engrenagem industrial e pósindustrial, na origem da sociedade capitalista contemporânea. Esse processo vem contribuindo, desde então, para a geração e para a concentração de riquezas, mas dele decorreram também inúmeros “efeitos colaterais” não previstos no script do crescimento econômico. Foi a partir do reconhecimento dos efeitos perversos desse processo, que o notório Clube de Roma publicou, em 1972, o relatório Os limites do crescimento (MEADOWS, 1973),1 que trouxe para o debate o alerta sobre o risco de esgotamento da natureza, associado à tendência de explosão demográfica e ao aumento contínuo da produção industrial associada às demandas de crescimento econômico. Esse relatório, um marco no debate ambiental, traduziu também uma mensagem clara de que a sobrevivência da espécie humana poderia estar em risco. Isso porque não seria mais possível a manutenção da vida humana e do planeta em uma situação de aumento populacional progressivo, uso crescente da natureza para o processo de industrialização e crescimento econômico constante, com a contaminação cada vez maior da biosfera. Mas qual seria o significado desse alerta em uma sociedade movida por um padrão de produção e consumo incompatível com os limites da natureza? Como o risco poderia ser internalizado quando a natureza era percebida como ilimitada? Por que colocar em questão os pilares de uma sociedade movida pelo desejo de consumo e dominada pelos que podiam consumir?

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O fato é que, a partir dessas evidências e de uma inquietação, cada vez maior, com relação aos efeitos colaterais desse modelo de desenvolvimento (o que se traduzia pelo comprometimento da qualidade da biosfera e pela exclusão progressiva de elevados contingentes da população mundial dos “benefícios do progresso”), o “efeito de bastidor” atingiu também o plano da Organização das Nações Unidas (ONU). E entre as inquietações globais de um sistema capitalista ávido por resultados, foi convocada pela ONU, em 1972, a reunião de cúpula Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Esse é considerado um marco global fundamental na discussão sobre a questão ambiental e inspiração para o que seria, futuramente, a reflexão sobre desenvolvimento sustentável. Mas, no plano ideológico, inúmeras contradições estão em jogo desde então. Apesar disso, esse evento, amplamente discutido na literatura, teve ressonância global, em função da gravidade dos conteúdos discutidos,2 o que exigia, contrariamente aos interesses dominantes, a necessidade de se repensar o desenvolvimento segundo uma nova perspectiva, capaz de inserir as questões ambientais e sociais aos processos em curso. Assim, com base na Declaração de Estocolmo, um dos resultados dessa conferência, inúmeros princípios foram estabelecidos e dirigidos à construção de uma nova perspectiva de desenvolvimento, no sentido de serem revertidos os riscos até então não previstos para a própria sobrevivência humana. Mas até que ponto a sociedade estaria disposta a repensar os seus modos de produção e consumo naquele momento? Em que medida os protagonistas e agentes de uma ideologia capitalista estariam dispostos a negociar o desenvolvimento em novas bases? Ainda assim, e com todas as tensões envolvidas no processo, os efeitos perversos do modelo de desenvolvimento centrado na noção de crescimento econômico e progresso passaram a exigir respostas urgentes para os inúmeros problemas deles resultantes. Mas não se pode esquecer que à época, a sociedade planetária não dispunha ainda de meios de articulação capazes de interferir nas decisões políticas globais. E as decisões governamentais, mediadas pelos interesses dos países desenvolvidos, pouco rebatimento tinham no cotidiano da sociedade, orientada pelas

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demandas de uma engrenagem capitalista pulsante e desconectada dos abismos sociais crescentes. Pelas razões expostas, poderia se argumentar que a Conferência de Estocolmo, embora tenha passado a compor a literatura do debate ambiental subsequente, teve um impacto principalmente simbólico na reflexão crítica sobre desenvolvimento, naquele momento. Ainda assim, a partir dela, se passou a exigir, nos anos seguintes, no âmbito das Nações Unidas, uma ação formal e de longo prazo com esse objetivo. Por essa razão, alguns desdobramentos de Estocolmo, e a evidência de registros cada vez mais preocupantes de desastres e problemas ambientais crescentes em todo o mundo, passaram a influenciar a esfera da ONU, na qual foi estabelecida a Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento, com a missão de avaliar os problemas até então identificados e orientar soluções de alcance global para o equacionamento dos problemas identificados. Nesse contexto emerge o Nosso futuro comum (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1988), publicado inicialmente em 1987.3 Este é considerado um documento central para a discussão proposta neste artigo, por estabelecer, pela primeira vez, no âmbito da ONU, a terminologia “desenvolvimento sustentável”, entendido como o tipo de desenvolvimento “que atende às necessidades das gerações presentes e futuras”. Mas muito antes disso, em 1986, na denominada Conferência de Ottawa, apoiada pela International Union for the Conservation of Nature (IUCN), pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e pelo World Wildlife Fund (WWF) esse conceito já estava em discussão e a sua compreensão envolvia, desde então, o reconhecimento de cinco condições essenciais: a) Integração dos processos de desenvolvimento e conservação da natureza; b) Satisfação das necessidades básicas humanas; c) Alcance de equidade e justiça social; d) Garantia de autodeterminação social e da diversidade cultural; e) Manutenção da integridade ecológica. Sendo assim, para Baroni (1992), em sua crítica ao conceito, a definição oficial da ONU de desenvolvimento sustentável não foi capaz de internalizar essas dimensões em toda a sua complexidade. E como assinalaram Nobre e Amazonas (2002), posteriormente, essa definição, embora de

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ampla aceitação no debate, em termos globais, é muito genérica, o que permite as mais variadas leituras e, evidentemente, inúmeras interpretações (e apropriações) com relação ao tema. Além disso, o sentido de “necessidade” é extremamente subjetivo e implica também a interpretação do pressuposto de que alguns têm necessidade e outros não, em um contexto de uma sociedade global já caracterizada por fortes desigualdades sociais e pela orientação ao consumo e ao estímulo à concentração de riquezas e, por consequência, exclusão social. Sendo assim, como parametrizar o debate? E com tantas variáveis e interesses em jogo, a partir de então, o debate passou a integrar (e/ou acomodar) à noção de desenvolvimento sustentável três dimensões interdependentes: econômica, social e ambiental (denominadas posteriormente como os três pilares da noção de sustentabilidade, por consequência). Ou se poderia afirmar, quatro, se considerada a dimensão ético-política envolvida. Mas o fato é que a questão da justiça social e tudo o que ela pode implicar parece ter sido relegada a um segundo plano. Como seria de se esperar, desde então, a discussão sobre o significado de desenvolvimento sustentável, embora ampliada na sociedade, vem se delineando entre embates e controvérsias de toda ordem. E, por mais improvável que possa parecer, em função das contradições do contexto até aqui delineado e das tensões envolvidas, essa base conceitual inicial vem trazendo para a reflexão, desde a sua origem, minimamente, o sentido de compromisso ético intra e intergeracional. Vem imprimindo também à noção de desenvolvimento, uma interpretação para além de uma visão estritamente economicista, se traduzindo em alguns casos, como uma proposta antagônica (ou de “resistência”), no plano do discurso (mas nem sempre nas ideologias), com relação ao sistema capitalista vigente. Também por essa razão, tal terminologia esteve sempre sujeita a inúmeras interpretações e críticas, uma vez que o cerne de seu conteúdo se refere a um modo de desenvolvimento capaz de compatibilizar crescimento econômico, conservação e manutenção da natureza (nos seus limites de restauração) e, justiça social; o que parece improvável em uma economia de mercado, orientada por outros valores.

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Baroni (1992) analisa as ambiguidades, no cerne dessa proposta, a partir de uma análise crítica dos inúmeros conceitos associados ao debate sobre desenvolvimento sustentável (e, por consequência, sustentabilidade) e assinala as inúmeras nuances envolvidas, desde antes de sua incorporação oficial pela ONU. A autora reitera também que, frequentemente, esses termos são entendidos como sinônimos, o que constitui um equívoco. Em função dessas inúmeras apropriações e significados se configura então um movimento que parece estar no cerne da banalização do conceito e de traduções apenas operacionais e/ou oportunistas que destituem a complexidade que o debate implica. Algumas tentativas de definir desenvolvimento sustentável em período anterior à Rio-92, o principal marco no âmbito da ONU com relação ao debate ambiental global, parecem ilustrar, com clareza, essa afirmação e traduzem algumas das nuances e ideologias envolvidas, como anteriormente discutido. É também natural, pelas razões expostas, que as primeiras iniciativas para definir tal conceito estivessem inspiradas pelo sentido dominante de crescimento econômico. Assim, em 1982, anteriormente à publicação de o Nosso futuro comum, Eckholm propõe ser desenvolvimento sustentável entendido como “um tipo de crescimento econômico” ecologicamente sustentável e também capaz de satisfazer as necessidades das gerações atuais e futuras (ECKHOLM, 1982). Alguns anos depois, em 1987, na mesma época da publicação de Nosso futuro comum, Goodland e Ledec reafirmam a noção de crescimento econômico, mas avançam na transposição da leitura para um olhar também social e enunciam ser desenvolvimento sustentável um padrão de transformações sociais e estruturas econômicas capazes de otimizar benefícios econômicos e sociais no plano do presente sem, no entanto, comprometer o potencial de benefícios da mesma ordem no futuro. Posteriormente, em 1989, Pezzey passa a considerar também na reflexão a questão do bem-estar, atrelada ao compromisso intergeracional. Ele afirma assim ser fundamental o sentido de bem-estar na interpretação desse conceito, tendo como pressuposto a equidade entre gerações. E, previamente à realização da Rio-92, algumas abordagens passam a trazer também à discussão a articulação entre as noções de capacidade de

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carga dos ecossistemas e de qualidade de vida. Essa tendência é ilustrada pela perspectiva encontrada na publicação Caring for the earth (1991), para a qual, desenvolvimento sustentável estaria associado à melhoria da qualidade de vida sem que o processo afete a capacidade de carga dos sistemas que sustentam a vida humana. Mas esse debate é também orientado, simultaneamente, pela noção de natureza como “recurso” e por uma perspectiva operacional de processo, embora sendo expressa a preocupação de conservação ambiental. Assim, Pearce (1992) associa a noção de desenvolvimento sustentável a um tipo de desenvolvimento no qual um conjunto de restrições determina que a extração de recursos não pode exceder a possibilidade natural ou induzida para a sua regeneração. Nesse caso, se reafirma uma lógica operacional que estabelece os limites do processo, mas não propriamente uma reflexão mais profunda sobre o seu significado. Não se pode também negligenciar que, segundo Loureiro (2012), esse debate “é hegemonicamente marcado por um pressuposto de aliança entre atores sociais, de inter-relação harmônica não só entre esses, mas entre economia, política e condições ecológicas” (LOUREIRO, 2012, p. 67), sendo os problemas sociais e ambientais reduzidos meramente a problemas técnicos e gerenciais, o que minimiza a leitura crítica, essencial a um tema dessa complexidade. Mas mesmo diante dessa polissemia que expressa tantas contradições, Pierron (2009) afirma que a noção de desenvolvimento sustentável representa, no século XXI, o que representou o iluminismo no século XVIII ou o sentido de progresso na Revolução Industrial. Esse constitui assim, segundo o autor, o pressuposto de uma civilização planetária que vive o desafio de articular, uma vez mais, Natureza e História. E para o autor, apesar de todas as controvérsias, essa noção pode ser entendida como a saída da humanidade para um modo de desenvolvimento tecnológico alienante, sobre o qual ela é responsável. E esse nível de alienação resulta da dominação planetária sem precedentes por uma racionalidade instrumental. Para ele, no mundo desencantado e dessacralizado pela tecnociência não há mais, a priori, a fatalidade, mas apenas problemas tecnicamente solúveis. Pelas razões expostas, para Loureiro (2012), essa “ideia-força” mobilizadora, complexa e instigante representa um convite a um tipo de desen24

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volvimento qualificado que envolve a possibilidade de crescimento sem que se comprometa a capacidade de suporte dos ecossistemas, sendo garantido também o sentido de existência social e de demais espécies do planeta, em uma perspectiva de longo prazo. Assim, a noção de desenvolvimento sustentável é polissêmica, tensionada e inacabada, desde sua origem, com fortes implicações éticas, políticas e ideológicas. E, por essência, representa uma “ideia-força” contraditória, o que reafirma a exigência de um debate crítico a respeito.

O pós-Rio-92 e a difusão da noção de sustentabilidade: e O futuro que queremos? O fato é que desde a Conferência de Estocolmo (e, mesmo muito antes, com os antecedentes de percepção de riscos à sobrevivência humana e os movimentos sociais contestatórios, como o movimento hippie, por exemplo), a discussão sobre o modelo de desenvolvimento nunca cessou. É importante considerar também que esse processo não é linear e nem resulta de consensos. Muito pelo contrário, ele se constrói com avanços e retrocessos e tempos distintos de resposta, segundo o contexto vivido, quer no plano concreto, quer no simbólico. E o processo de transformação de uma sociedade se consolida, frequentemente, a partir de imprevistos ou movimentos localizados que em determinados contextos podem também ter consequências globais. Assim, a década de 1990 foi marcada por uma certa “aura” de resistência, e resgate de importantes compromissos sociais e ambientais, superando o que parece ter sido o conformismo das décadas anteriores. No âmbito da ONU, em continuidade ao processo dos anos anteriores foi iniciada então a mobilização para o que se tornaria o marco histórico recente de maior alcance global no debate sobre desenvolvimento: a Conferência de Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, ou a Rio-92. Esse evento internacional concebido e planejado em continuidade à Conferência de Estocolmo foi realizado em um contexto político bem mais favorável ao debate ambiental, em função do reconhecimento dos riscos decorrentes da sobre-exploração da natureza e dos efeitos perversos do processo de industrialização. Além disso, a Rio-92, que passou a ser equivocadamente conhecida como Eco-92 (em função do protagonismo do movimento ambientalista à época).

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coincidiu com um imprevisto histórico: a revolução tecnológica de maior impacto no século XX, com base nos avanços da informática e das telecomunicações, o que veio a potencializar a comunicação global por uma via até então não imaginada. Esse imprevisto histórico resultou em um processo de mobilização da sociedade global, sem precedentes nesse debate, o que, a partir de então, alterou definitivamente o modo de funcionamento das conferências da ONU. Assim, a Rio-92 representou um “divisor de águas” para o protagonismo ambiental e também para a articulação entre as demandas ambientais e sociais no debate sobre desenvolvimento. Nesse momento foi também pactuada a Agenda 21 Global, na qual foram estabelecidos os compromissos efetivos para o desenvolvimento sustentável no século XXI, além das três convenções internacionais (Convenção de Combate à Desertificação, a Convenção sobre Diversidade Biológica e a denominada Convenção do Clima) que reafirmaram a centralidade do debate sobre desenvolvimento sustentável para a sociedade contemporânea. Como efeito desse contexto, em 1994, Rattner define desenvolvimento sustentável como um processo contínuo de melhoria das condições de vida, mas também o associa à minimização do uso de recursos naturais e dos distúrbios ou desequilíbrios ecossistêmicos (RATTNER, 1994). Esse olhar é complementado também pela perspectiva de Buarque, no mesmo ano, para o qual, desenvolvimento local sustentável seria um processo de mudança e ampliação das oportunidades na própria sociedade, compatibilizando, nas escalas de tempo e espaço, crescimento econômico, conservação ambiental, qualidade de vida e equidade social; com base em um claro compromisso com o futuro e solidariedade entre gerações (BUARQUE, 1994).

Mas embora a complexidade envolvida no debate estivesse evidente por todas essas perspectivas mencionadas que expressam inúmeras ideologias, o setor corporativo estava, até então, relativamente ausente do processo. Esse contexto se modifica com mais clareza apenas a partir da Rio+10, conferência subsequente da ONU, realizada, em 2002, em Johanesburgo (na África do Sul), para avaliar os resultados obtidos no processo com relação aos compromissos acordados em 1992.

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A partir desse momento, o setor corporativo passa a se envolver mais diretamente no debate, o que se materializa por um movimento em busca do que foi denominado de “ação sustentável”, associada às estratégias de economia nos processos produtivos e à busca de imagens positivadas no mercado. Assim, o debate sobre desenvolvimento sustentável ganha, progressivamente, contornos empresariais e/ou corporativos e vai sendo, gradativamente, substituído pela noção de “sustentabilidade”, em uma direta associação aos mecanismos de competitividade de mercado e ecoeficiência. Embora, em alguns casos, também à noção de ação cidadã pela via do movimento social. Evidentemente, no momento em que o setor privado passa a absorver essa noção, seja por uma reação clara às tendências globais ou mesmo pelo sentido de oportunidade, essa terminologia passa a ter maior alcance, não apenas no plano das resoluções e documentos oficiais das instituições do Sistema das Nações Unidas, mas também pelos efeitos diretos, no sentido de valorização de marcas e diferencial de competitividade no mercado. Assim, passa a valer a pena investir em “qualidade ambiental” e o termo sustentabilidade se reveste também de um sentido fashion. Da mesma forma, a percepção de um mundo em crise e alertas crescentes sobre riscos à sobrevivência planetária passaram a funcionar como mecanismos deflagradores para a ampliação do alcance da noção de sustentabilidade. E, muitas vezes, também para a sua banalização, frequentemente expressa em enunciados simplistas e oportunistas que despolitizam o debate. Mas embora, em um primeiro momento, o protagonismo do movimento ambientalista tenha trazido para a cena principal a temática ambiental associada ao desenvolvimento, e, em um segundo momento, os interesses do setor corporativo tenham passado a figurar na centralidade do debate, a partir de 2000, novos temas e prioridades são também incorporados à reflexão, pela via das demandas sociais. O reconhecimento da exclusão de grandes contingentes populacionais do processo de desenvolvimento, da pobreza e da desigualdade social culminou com a pactuação dos denominados “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2000), no

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âmbito da ONU. Assim, a temática social, com ênfase no compromisso internacional de redução da pobreza adquire importância global, sendo o enfoque “ambiental” como até então entendido, abordado em apenas um dos itens do documento. A discussão sobre sustentabilidade adquire então novos contornos, orientados por um viés social que passa a pregar o compromisso com a distribuição de renda e as oportunidades de acesso a padrões dignos de qualidade de vida, para além do compromisso de conservação da natureza ou da noção de “ecoeficiência” propagada no meio empresarial. E, sendo assim, discutir sustentabilidade, a partir de então, passa a implicar, necessariamente, uma reflexão ética e política profunda e, portanto, um sentido de cidadania planetária. Esse argumento é reafirmado por Morin e Kern (2000), para os quais é importante reconhecer que estamos todos irremediavelmente conectados pelo mesmo destino, o que nos transforma em uma “comunidade de destino”, no que se denomina “Terra Pátria”. Dessa forma, como pensar o futuro sem a “metamorfose” proposta por Morin? Nesse contexto complexo e pulsante de crise de civilização não parece ser suficiente pensar apenas nas necessidades materiais da existência humana relacionadas ao “sobreviver”. E, reafirmando esse argumento, na 65ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, de 13 de julho de 2011 (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2011), se reconhece também ser a busca pela felicidade um objetivo fundamental do homem. A mesma resolução reconhece que a noção de Produto Interno Bruto (PIB), medida oficial e amplamente aceita no plano global para aferir desenvolvimento e progresso de um determinado país, não é capaz de avaliar o estado de felicidade e bem-estar em sociedade. Essa resolução reafirma também serem os atuais modos de produção e consumo das sociedades contemporâneas um real obstáculo para o que se denominou “desenvolvimento sustentável” e se propõe então uma ampliação para a interpretação desse conceito, no sentido de ser assegurado o direito à felicidade e ao bem-estar no mundo. Segundo Nique (2010), desde 1986, quando foi cunhada pela primeira vez, pelo quarto rei do Butão, a expressão “Felicidade Interna Bruta”, alguns segmentos das Nações Unidas vêm tentando difundir essa ideia, globalmente. De acordo com essa autora, o país definiu, originalmente,

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para o cálculo de riqueza, quatro pilares principais: economia, cultura, meio ambiente e boa governança. E, desses, derivaram, posteriormente, nove dimensões a partir das quais se avalia o desenvolvimento no Butão. Assim, a FIB representa uma espécie de crítica e contraponto à noção de crescimento econômico baseado no PIB (Produto Interno Bruto). E, a avaliação do FIB, como anteriormente mencionado, considera nove dimensões que expressam a medida de satisfação de um indivíduo com base nas seguintes condições: a) O bem-estar mental e psicológico, considerando elementos como a autoestima, a sensação de competência, o engajamento em práticas espirituais, o nível de estresse, entre outros aspectos; b) Saúde: considera a satisfação com a eficácia das políticas de saúde, assim como níveis de exercício físico, qualidade de sono e nutrição; c) O uso do tempo associado ao sentido de qualidade de vida, em termos de vivência de lazer e oportunidades de socialização com a família e com os amigos; d) Vitalidade comunitária, envolvendo a qualidade das relações e interações comunitárias, em termos de nível de confiança, sensação de pertencimento, qualidade dos relacionamentos afetivos, segurança na vida pessoal e comunitária e práticas de voluntariado e dádiva; e) Educação: considera os níveis de satisfação com a educação formal e informal, o envolvimento na educação da família, o engajamento em processo de educação ambiental, além de outras variáveis; f) Cultura: está relacionada ao nível de satisfação, em termos de desenvolvimento das capacidades artísticas, à qualidade de ações culturais, entre outros elementos; g) Meio ambiente: avalia a percepção quanto à qualidade dos elementos da natureza como água, solo, florestas e biodiversidade e o acesso a eles; h) Governança: busca apreender como o cidadão percebe o governo, o sistema judiciário, a segurança pública, considerando os princípios de responsabilidade, honestidade e transparência; e i) Padrão de vida, que avalia os aspectos relacionados ao atendimento das necessidades materiais como a renda individual e familiar, a segurança financeira, o nível de endividamento, a qualidade de moradia, entre outras variáveis. Dessa forma, novas premissas passam, gradativamente, a orientar o debate sobre desenvolvimento sustentável e a trazer para a reflexão a noção de bem-estar e os aspectos intangíveis a ela associada. No entanto, estes constituem ainda movimentos de “contracultura”, embora experiências como a do Butão estejam na origem da Resolução nº 65 da ONU, o que

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parece indicar que novos caminhos são possíveis para se dimensionar desenvolvimento. Mas até que ponto a sociedade estaria preparada para repensar os padrões de consumo vigentes e ampliar o seu entendimento sobre o futuro desejável, em uma escala planetária? Com esses antecedentes, em 2012 se realiza, então, mais uma vez no Rio de Janeiro, a Rio+20, com o intuito de avaliar avanços e retrocessos em relação aos compromissos assumidos desde 1992 para se alcançar o denominado “desenvolvimento sustentável”. O objetivo dessa Conferência foi avaliar os progressos obtidos desde a Rio-92 e identificar as lacunas a serem equacionadas para solucionar os principais desafios globais. Essa conferência foi orientada por dois temas prioritários: economia verde no contexto do desenvolvimento e redução da pobreza. No entanto, e apesar da vigência dos compromissos acordados com relação às Metas do Milênio (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2000), as temáticas da pobreza e dos compromissos sociais vinculados ao desenvolvimento estiveram apenas na periferia do debate, claramente centrado na ideologia da “economia verde”, em decorrência do empoderamento gradual do setor corporativo e do enfraquecimento dos movimentos sociais e aqueles de cunho ambientalista. Assim, a Rio+20 representou um momento de tensão e polêmica no debate sobre o desenvolvimento. E o documento resultante dessa conferência, O futuro que queremos (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2012), parece expressar as contradições desse momento, com a promessa de que os países-membros da ONU se reuniriam em 2015 para definir, a partir de então, os denominados “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”. No prólogo desse documento, intitulado “A Visão Comum”, se reconhece o compromisso global para o desenvolvimento sustentável, com a promoção de um futuro econômico, social e ambientalmente sustentável para o planeta e para as atuais e futuras gerações. E se reafirma ser a erradicação da pobreza o maior desafio a ser enfrentado pela sociedade planetária. O documento expressa um claro convite aos países-membros da ONU à erradicação da pobreza e da fome, a partir de uma melhor integração entre as dimensões econômica, social e ambiental do desenvolvimento. Menciona também ser a erradicação da pobreza e a mudança nos modos de produção e consumo, bem como a proteção

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e a gestão dos recursos naturais, os objetivos essenciais para o desenvolvimento sustentável. Mas, ironicamente, nele se afirma também que para a realização do desenvolvimento sustentável é necessário promover o crescimento econômico sustentável, equitativo e inclusivo, criar maiores oportunidades para todos, reduzir as desigualdades, melhorar as condições básicas de vida, promover o desenvolvimento social equitativo para todos e promover a gestão integrada e sustentável dos recursos naturais e dos ecossistemas, o que contribui notavelmente com o desenvolvimento social e humano, sem negligenciar a proteção e regeneração, a reconstituição e a resiliência dos ecossistemas diante dos desafios novos ou já existentes (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2012).

Mas essa equação será realmente possível? Como reinventar essa matemática em um cenário de aumento populacional e escassez de “recursos”? O documento enfatiza também os compromissos com relação aos “Objetivos do Milênio” e reafirma que as populações humanas devem estar no centro do debate sobre desenvolvimento sustentável. Mas em que medida as populações humanas estarão no centro do debate em um contexto de mercado e segundo a lógica da economia verde, que tende a reafirmar uma perspectiva equivocada de que os problemas do desenvolvimento podem ser equacionados apenas por meio do desenvolvimento tecnológico ou com estratégias de valoração econômica da natureza? E embora se tenha acordado durante a Rio+20 o compromisso para o estabelecimento dos “novos” objetivos de desenvolvimento sustentável em 2015, não está ainda disponível para consulta um documento oficial da ONU sobre o tema. Mas uma leitura preliminar do documento orientador para a sua discussão,4 parece ilustrar, uma vez mais, as contradições envolvidas desde a origem da proposta de desenvolvimento sustentável. Isso porque os objetivos até agora elencados nesse draft document, embora abrangentes e envolvendo as dimensões centrais do debate, parecem também incompatíveis em um sistema ecológico finito e em um contexto de aumento populacional e pressão cada vez maior pelo crescimento econô­ mico, em uma sociedade orientada por modos de produção e consumo insustentáveis. Sendo assim, os “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável” estão expressos nesse documento preliminar como um pacto quase impossível, pelos compromissos delineados e sistematizados a seguir:

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a) Erradicar a pobreza em todas as suas formas; b) Acabar com a fome, alcançar segurança alimentar, melhorar as condições de nutrição e promover a agricultura sustentável; c) Assegurar modos de vida saudáveis e promover o bem-estar em todas as idades; d) Assegurar uma educação inclusiva e equitativa e promover oportunidades de aprendizagem em longo prazo; e) Alcançar o equilíbrio de gênero e empoderar mulheres e meninas; f) Assegurar a disponibilidade e o manejo sustentável da água e saneamento para todos; g) Garantir a todos acesso a formas viáveis e seguras de energia; h) Promover o crescimento econômico sustentável e inclusivo, emprego integral e produtivo e trabalho decente para todos; i) Construir infraestrutura resiliente, promover a industrialização sustentável e inclusiva e buscar inovação; j) Reduzir a desigualdade intra e entre países; k) Transformar as cidades em núcleos urbanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis; l) Assegurar padrões sustentáveis de produção e consumo; m) Priorizar a urgência no combate às mudanças climáticas e seus impactos; n) Conservar e garantir o uso sustentável de oceanos, mares e recursos marinhos; o) Proteger, restaurar e promover o uso sustentável de ecossistemas terrestres, manejar de forma sustentável as florestas, combater a desertificação e reverter o processo de degradação e perda da biodiversidade; p) Promover sociedades inclusivas e de paz para o desenvolvimento sustentável, prover acesso a justiça para todos e construir instituições efetivas, críveis e inclusivas em todos os níveis; q) Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2012).

É nesse contexto contraditório que se discute a noção de sustentabilidade. Aqui interpretada como horizonte e/ou movimento na direção de uma “metamorfose” civilizatória e não apenas como uma terminologia vaga ou despolitizada. Sendo assim, o foco norteador da reflexão sobre sustentabilidade parece só ter sentido a partir das noções de cidadania e transformação social. Não se pode contudo ignorar que o termo sustentabilidade tem sua origem, etimologicamente, no latim sustentare, que significa suportar, conservar em bom estado, manter, resistir, continuar. E esse termo, nos dicionários de língua portuguesa, expressa o sentido de “sustentação”, “manutenção”, “conservação”. Por essa via de interpretação, em tese, tudo o que pode “ser mantido” é sustentável. Também por essa mesma razão, para alguns pensadores de referência na reflexão proposta, como Rattner (1999), seria fundamental que a noção de sustentabilidade fosse

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entendida para além da discussão meramente teórica, para avançar no sentido de uma coerência lógica nas práticas cotidianas, quando o discurso e a intencionalidade se transformam, efetivamente, em ações concretas. Para esse autor, a discussão sobre sustentabilidade deveria estar associada também a um sentido de tempo (na integração entre passado, presente e futuro) e à compreensão de um contexto ecológico e sociocultural, tendo como horizonte uma sociedade desejável, no futuro. Braga e colaboradores (2004) complementam essa leitura afirmando que a noção de sustentabilidade envolve um significado ainda mais amplo do que o de desenvolvimento sustentável, pois exige um sentido de ação política que se fundamenta em dois eixos distintos, mas interdependentes: a)  Sustentabilidade ecológica, ambiental e demográfica que se refere à base física do processo de desenvolvimento e a um movimento de resistência e de equilíbrio da natureza diante da ação humana, tendo em vista a sua reprodução e os limites de crescimento populacional. b)  Sustentabilidade cultural, social e política, que se refere à manutenção das identidades. Essas, por sua vez, relacionadas à qualidade de vida, justiça distributiva, construção de cidadania e participação social no processo de desenvolvimento. Essa percepção é compartilhada também por Gadotti (2008), para o qual, a noção de sustentabilidade transcende o compromisso de preservação de recursos naturais e de um desenvolvimento em harmonia com a natureza e implica compromisso de equilíbrio do ser humano consigo mesmo, com o planeta e o universo, ou seja, com o próprio sentido de existência. Na percepção de Jatobá, Cidade e Vargas (2009), o termo sustentabilidade expressaria não apenas a busca pela condição de manutenção, sobrevivência e harmonia de todas as formas de vida na terra, mas também se construiria em contraposição ao padrão de desenvolvimento ecologicamente desequilibrado, economicamente instável e socialmente desigual. Para Leff (2009), o sentido de sustentabilidade poderia ser interpretado também segundo duas vias distintas de análise: uma primeira via se inscreve no discurso formal de desenvolvimento sustentável que se configura na racionalidade teórica e instrumental, econômica e tecnológica da modernidade, ou ainda na perspectiva economicista envolvida no debate. Essa vertente de pensamento surge da economia ambiental de

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corte neoliberal e domina o discurso da globalidade econômico-ecológica, que se traduz desde o Nosso futuro comum e se consolida nos acordos da Rio-92, na Agenda 21, e se plasma na geopolítica do desenvolvimento sustentável. A segunda via para a interpretação se configura a partir de uma nova racionalidade social e produtiva. Nessa perspectiva, o termo e o debate conceitual envolvido se desvinculam dos pressupostos da racionalidade econômica – e também da perspectiva ecologista – para se sustentar na potencialidade ecológica e da diversidade cultural; o que implica a clara desconstrução do pensamento científico da modernidade e uma reconstrução do mundo, alicerçado em uma nova raciona­lidade ambiental, na direção das denominadas sociedades sustentáveis. Para ele, essa nova racionalidade, fundada na ecologia e na cultura, estaria aberta à diversidade e à diferença, e à coexistência de inúmeras racionalidades. Por todas essas razões e controvérsias, Loureiro (2012) defende a noção de “sociedades sustentáveis”, uma vez que essa seria menos permeável às contradições mencionadas, uma vez que parte, por pressuposto, da negação da possibilidade de existência de um único modelo idealizado de felicidade e bem-estar a ser alcançado por meio do desenvolvimento, entendido por alguns como linear e universal. Segundo tal leitura é necessário que se reflita sobre inúmeras vias e formas possíveis de organização social, estabelecidas segundo modos particulares de ordem econômica e cultural e de relações com a natureza. Para o autor, sociedades sustentáveis devem ter como premissa a diversidade biológica, cultural e social e a negação de qualquer forma de homogeneização imposta e/ou induzida pelo sistema capitalista ou pela industrialização. Nessa perspectiva, a noção de sustentabilidade dependeria da multiplicidade de manifestações culturais e do sentido de autonomia na definição de caminhos e escolhas, considerando-se as características dos ecossistemas e dos territórios envolvidos. Esse argumento é também compartilhado por Jacobi (2003), para o qual, na construção de uma sociedade “sustentável” não se pode ignorar a dimensão cultural envolvida, as relações de poder e as limitações ecológicas do processo.

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Assim, a noção de sustentabilidade não pode estar circunscrita a um conceito hermeticamente fechado, pois esse só teria sentido se fosse capaz de traduzir a resultante de um processo contínuo de metamorfose social, orientado pelo compromisso ético e de longo prazo e intergeracional de justiça social e o “religare” com a natureza e com a própria humanidade. Mais do que um substantivo, o termo sustentabilidade se traduz em um verbo, em gerúndio, em movimento. Sociedades sustentáveis, por pressuposto, seriam sociedades fluidas, capazes de adaptação, orientadas por suas especificidades culturais e sua maneira de interpretar o mundo e a natureza. Portanto, projetar tendências para o desenvolvimento exige a desconstrução de certezas baseadas em uma leitura deformada da realidade que codifica o imaterial e que traduz o complexo em banal. A crise civilizatória exige decisões e pactos que não poderão ser firmados com base em pressupostos equivocados na ciranda da sociedade de consumo e nas ideologias que blindam o sentido de bem comum.

Considerações não finais... o debate continua... Evidentemente que esse debate é polêmico e contraditório e são inúmeras as incertezas que vêm permeando uma projeção de cenários para os próximos anos, principalmente levando-se em consideração uma sociedade global diversa, em um contexto de crise econômica, mas também ética e política. Sendo assim, os novos “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, previstos para serem acordados em 2015, pela ONU, podem representar apenas uma boa intenção para indicar novos rumos, como representou a Agenda 21, inspirada pelo conceito polissêmico e controverso de desenvolvimento sustentável e como vem ocorrendo com a implementação das Metas do Milênio, pelo reconhecimento da crise social global. Ocorre que esse momento de crise exige mudanças profundas na sociedade que não poderão ocorrer dissociadas da “metamorfose” defendida por Edgar Morin, ou ainda, que não poderão estar desvinculadas de uma revisão crítica e cidadã dos modos de produção e consumo que orientam as relações humanas e determinam o sentido de existir (ou não existir) em sociedade.

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A crise planetária e civilizacional parece exigir uma nova maneira de percepção da natureza, a religação da sociedade com os seus valores essenciais e da humanidade com ela mesma, o que certamente não poderá ocorrer apenas por meio de acordos formais matematicamente e eticamente inviáveis. Assim, O futuro que queremos parece representar ainda uma utopia sem tradução e uma equação impossível de ser resolvida. Mas o documento poderá contribuir para um debate crítico sobre o tema e, idealmente, inspirar uma arena mais qualificada na cena internacional de 2015. E, quem sabe, a partir das inquietações nele expressas, um pacto global realista e ético compatível com a gravidade do momento planetário, possa ser efetivamente construído. Um pacto centrado em novos valores e trajetórias coletivas para que O futuro que não queremos possa ser evitado.

Notas 1 Tradução de The limits of Growth. 2 Consolidados em uma declaração de princípios abrangentes e também

vagos. 3 Ou “Relatório Brundtland” no original. 4 Disponibilizado em julho de 2014, pelo Grupo Aberto de Trabalho, segundo a

UN Knowledge Platform.

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Carlos Frederico B. Loureiro Biólogo, doutor em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Programa de Pós-Graduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social, ambos da UFRJ. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Coordenador do Laboratório de Investigações em Educação, Ambiente e Sociedade (LIEAS/FE/UFRJ). Pesquisador bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq. Participa de projetos de educação ambiental junto a instituições públicas como: Instituto de Gestão das Águas da Bahia, Secretaria do Ambiente/ Rio de Janeiro, Ministério da Educação, Ministério do Meio Ambiente, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Autor de inúmeros artigos e livros em educação ambiental. Parecerista ad hoc de vários periódicos nacionais e internacionais, fundações de amparo à pesquisa, Capes e CNPq.

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Resumo O presente artigo estabelece, no primeiro momento, a interface entre sustentabilidade e educação por intermédio do debate historicamente feito no Brasil sobre o tema no campo da educação ambiental. Na segunda parte é feita uma análise das atuais políticas públicas federais de sustentabilidade em tempos de implementação de um padrão desenvolvimentista de crescimento econômico. Desse modo, a análise teórica e histórica empreendida permite a formulação de argumentos sobre as polêmicas e os caminhos adotados no universo da educação ambiental com vistas à criação de uma cultura da sustentabilidade no país, indicando seus avanços, necessidades e potencialidades. Palavras-chave: Sustentabilidade. Educação ambiental. Educação para a sustentabilidade. Políticas públicas.

Abstract This article aims at conducting a theoretical and historical analysis of the polemics and paths adopted within the realm of environmental education in its effort to create a culture of sustainability in Brazil, as well as its corresponding breakthroughs and potentials. First, the relationship between sustainability and education is established in a review of the historical debate on the theme among environmental educators. Second, an analysis of the current national public policies in environmental education in an age of implementing developmentalism as a way to economic growth is performed. Keywords: Sustainability. Environmental education. Education for sustainability. Public policies.

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Introdução A princípio, criar e fomentar processos sociais pelos quais a sustentabilidade seja assumida pela educação, e essa se torne uma prioridade para as estratégias de promoção da sustentabilidade, me parece um ponto pouco discutível. Se reconhecemos que não há mudança sem educação – que ela sozinha não faz “milagres” e nem é a salvação –, qualificá-la no sentido da apreensão de premissas que garantem a reflexão sobre a sustentabilidade é algo pertinente e necessário diante dos desafios contemporâneos. Então, por que esse “casamento” é repleto de polêmicas? Sustentabilidade é um conceito polissêmico, não delimitado por um único marco interpretativo, compreensivo e discursivo. É nesses termos que esse conceito vem sendo apropriado por diferentes agentes sociais que dispu­ tam hegemonia e o utilizam como um capital simbólico (BOURDIEU, 2009) de grande força na sociedade contemporânea, diante da proliferação de problemas ambientais e da intensificação do uso dos recursos naturais (HARVEY, 2007). O mesmo pode ser dito em relação à educação, que, dependendo da filiação pedagógica adotada, imprime finalidades diferenciadas, com concepções distintas de sociedade, cidadania, formação humana, aprendizagem e ensino (SAVIANI, 2008). Essas “escolas” pedagógicas se estabe­ lecem a partir de posicionamentos relativos ao que é determinante no ato educativo; tais como seu caráter instrumental ou reflexivo, o predomínio da cognição ou de aspectos volitivos e emocionais, entre outros que, em última instância, definem o que é o ser social e como cada pessoa se constitui como tal em sociedade (LUKÁCS, 2013). Como as possibilidades para apresentar esses dois conceitos são muitas, para fins de delimitação do tema e da problemática a ser discutida, no presente artigo estabeleço a interface entre ambos por intermédio do debate historicamente feito no Brasil sobre sustentabilidade no campo da educação ambiental. Farei, ao final, uma breve análise das atuais políticas públicas federais nesse campo em tempos de avanço de um padrão desenvolvimentista de crescimento econômico. Desse modo, a análise teórica e histórica empreendida permitirá a formulação de argumentos, mesmo que preliminares, sobre as polêmicas e os caminhos adotados no universo da educação ambiental com vistas à criação de uma cultura de sustentabilidade no país.

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Como esclarecimento preliminar, entendo por padrão desenvolvimentista a implementação de processos produtivos, ideológicos e políticoinstitucionais que garantem e legitimam o “achatamento” espaço-temporal do ciclo econômico, reduzindo o tempo de uso de mercadorias e tendo o aumento do consumo como critério fundamental de qualidade de vida (LOUREIRO; BARBOSA; ZBOROVSKI, 2012). Esse processo não vem acompanhado de uma discussão pública aprofundada sobre seus efeitos ambientais e se estrutura com base no fortalecimento da indústria e da inserção econômica internacional, tendo o Estado como fator de fomento ideológico e financeiro e de garantia de infraestrutura para tais fins (POCHMANN, 2009). O recorte estabelecido toma como referência a educação ambiental para a discussão da sustentabilidade, pois esta, particularmente no Brasil, vem se consolidando como um campo educativo próprio, com larga penetração nos mais diversos espaços sociais e com políticas públicas instituídas nas três esferas federativas (DIAS, 2010). O dado de realidade é que, na educação como um todo, o debate sobre sustentabilidade é precário ou mesmo ausente, em que o tema aparece como um princípio sem rebatimento na materialidade das políticas de educação, se circunscrevendo de modo sistemático, portanto, à educação ambiental (LOUREIRO; LIMA, 2012). Além disso, não adotei de forma direta o uso da nomenclatura “educação para o desenvolvimento sustentável”, uma vez que ela não se consoli­dou institucionalmente no país, sendo ponto de inúmeras polêmicas e objeto interno da educação ambiental. Cabe destacar, no entanto, que mesmo entre educadores ambientais, em pesquisa feita pelo Ministério do Meio Ambiente, em 2005, no V Fórum Brasileiro de Educação Ambiental, um dos eventos mais expressivos da área, 82% dos pesquisados desconheciam e 77% eram críticos à nomenclatura promovida pela Unesco (POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL, 2005). Ainda assim, considerando o exposto, as possibilidades para empreender a discussão seriam relativamente vastas. Para uma delimitação mais precisa e rigorosa, resolvi focar em questões controversas ao chamado desenvolvimento sustentável e ao modo como a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu não só esse conceito, mas principalmente a década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (2005-2014). Posteriormente, trato da educação ambiental e das atuais políticas públicas Sinais Sociais | Rio de Janeiro | v.9 n. 26 | p. 39-71 | set.-dez. 2014

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federais em suas contradições e avanços. Como este é um texto baseado em análise documental e em revisão bibliográfica, as controvérsias principais são extraídas de textos seminais desse debate na década de 2000: Carvalho (2008) e Sato (2005, 2008).

Desenvolvimento sustentável e sustentabilidade: de quê, para quem, para o quê? Os fundamentos desse debate se encontram de modo claro no relatório Nosso futuro comum, da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Essa Comissão foi instituída em 1983, na sessão 38 da Assembleia Geral da ONU, coordenada por Gro Harlen Brudtland, à época primeira-ministra da Noruega. O referido relatório foi aprovado sem restrições na sessão 42 das Nações Unidas, em 1987, formalizando o conceito mais propagado de desenvolvimento sustentável (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1991). Ao defini-lo como um novo tipo de desenvolvimento capaz de garantir vida digna às pessoas no presente sem comprometer as condições naturais que dão suporte à sociedade no futuro, assume um caráter consensual, mas igualmente genérico, lastreado por uma perspectiva humanitária que aposta na cooperação entre nações, tendo por referência a formação de uma ética ecológica e a gestão racional dos recursos naturais. Posto nesses termos, as apropriações possíveis são incontáveis. Para alguns, a sustentabilidade, ao se referir à capacidade de um sistema resistir ou se adaptar a mudanças internas ou externas, é a finalidade, e o desenvolvimento sustentável é o meio; modelo econômico e social para se alcançar o fim (SACHS, 2004). Para outros, é o inverso. Pensando em termos de mercado, o objetivo é alcançar mercados estáveis via desenvolvimento tecnológico e gerenciamento adequado dos negócios e finanças (ELKINGTON, 2001), portanto a sustentabilidade é posta enquanto processo que permite o desenvolvimento sustentável. Há ainda os que vão pensar na sustentabilidade segundo a matriz científica de origem de cada profissional envolvido no debate (CHICHILNINSKY, 1996) ou como estratégia (GLAVIC; LUKMAN, 2007) do desenvolvimento sustentável – ecodesign, economia verde, consumo sustentável, reúso etc.

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Uma última classificação que merece registro por ser a que mais diz respeito ao debate da educação ambiental é a divisão em sustentabilidade forte e fraca, comentada por Carvalho (2008), e que pode ser encontrada detalhadamente em Fiorino (2011). Resumidamente, a sustentabilidade fraca é defendida por aqueles que aceitam certa compensação pela perda do patrimônio natural em decorrência do progresso econômico, se este estender o bem-estar material e garantir os direitos sociais ao conjunto da população. Em suas estratégias, busca substituir atividades produtivas de extração de recursos não renováveis por atividades que utilizam recursos renováveis, o que implica estímulos ao desenvolvimento tecnocientífico. A sustentabilidade forte é defendida por aqueles que não aceitam a substituição ou compensação, exigindo a manutenção da integridade ecossistêmica atual simultaneamente à garantia da justiça social, o que induz à defesa da substituição total ou parcial das economias atuais e seus modos de produção. É composta por matrizes ideológicas variadas, que negam o padrão societário dominante e afirmam ser factível dar materialidade a formações socioeconômicas alternativas. Essa classificação é a que mais se destaca no contexto da educação ambiental, pois remete não a um debate estritamente conceitual, epistemológico ou instrumental, mas a aspectos políticos, de visão de mundo, com implicações sobre o modo como pensamos a organização da sociedade e, em seu interior, a educação. Afinal, sendo esta um elo indissociável da formação do indivíduo social, o modo como se realiza está relacionado diretamente à organização social, à cidadania e ao que adotamos como “projeto de humanidade” (SAVIANI, 2014b). Feita essa constatação, para chegar ao cerne da questão para a educação ambiental, é preciso dar algumas explicações e análises sobre os conceitos em destaque. Sustentabilidade é um conceito oriundo das ciências biológicas e se refere à capacidade de suporte de um ecossistema, permitindo sua reprodução ou permanência no tempo. Isso significa, trazendo para o plano social, o que um processo, ou um sistema, necessita para ser sustentável (MONTIBELLER-FILHO, 2008): (1) Conhecer e respeitar os ciclos materiais e energéticos dos ecossistemas em que se realizam; (2) Atender a necessidades humanas sem comprometer o contexto ecológico e, do ponto de vista ético, respeitando as demais espécies; (3) Garantir a existência Sinais Sociais | Rio de Janeiro | v.9 n. 26 | p. 39-71 | set.-dez. 2014

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de certos atributos essenciais ao funcionamento dos ecossistemas, sem os quais perderiam suas características organizativas; (4) Reconhecer quais são seus fatores limitantes, preservando-os para não inviabilizarem a sua capacidade de reprodução; (5) Projetar a sua manutenção em termos temporais. Nesse contexto explicativo, necessidades são vistas tanto no sentido material quanto simbólico – portanto, econômico e cultural (BOURDIEU, 2007). Assim, fazem parte dessas necessidades: subsistência (garantindo a existência biológica), proteção, afeto, criação, produção, reprodução biológica, participação na vida social, identidade e liberdade. Portanto, sustentável não é o processo que se preocupa com o ecológico ou com o social. É entendido aqui como complexo de relações sociais que tem por premissa contemplar as diversas dimensões da existência humana em seu movimento de reprodução da vida social e biológica. Capacidade de suporte significa a projeção de um máximo de população de uma espécie que pode ser mantido indefinidamente sem gerar uma degradação de recursos que acabe por afetar a própria viabilidade de reprodução da espécie. Há críticas a esse conceito, pois ele é operacional em escala planetária, mas pouco viável em análises locais, em função de a humanidade viver em sistemas sociais abertos a trocas materiais e energéticas com outros sistemas (ALIER, 1998). Há ainda a constante preocupação com não se recair em uma leitura malthusiana, que aponta a relação direta entre crescimento populacional e disponibilidade de recursos como fator limitante, naturalizando as relações de produção (ALIER, 2007). A população tem que ser entendida de modo histórico, ou seja, como resultado de relações sociais específicas de uma sociedade. Portanto, no caso humano, nem sempre maior quantidade significa maior pressão sobre recursos naturais. De qualquer forma, é uma noção relevante, que ajuda a pensar o sentido dado à capacidade de suporte e, por conseguinte, à sustentabilidade. Sem dúvida, o conceito de sustentabilidade é instigante, complexo e desafiador. Faz com que se pense sobre múltiplas dimensões e suas relações. Mas o que houve de mais interessante ao se trazer um conceito das ciências biológicas para a política, a cultura e a economia foi não só admitir a dinâmica do contexto ecológico como uma condição objetiva de qualquer atividade social, mas também pensar em um desenvolvimento 46

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que fosse duradouro e atribuir responsabilidade pela vida das pessoas no futuro a partir do que o cidadão realiza no presente (VEIGA, 2008). Em um momento de ênfase no imediato e na efemeridade, propor o inverso é algo consideravelmente radical e tem seu mérito. Um aspecto polêmico para a educação ambiental sobre essas questões da sustentabilidade remete ao uso ou não de “desenvolvimento” junto a “sustentável”. De um modo geral, os educadores ambientais no Brasil, influenciados pela posição assumida à época da elaboração do “Tratado de educação ambiental para sociedades sustentáveis e responsabilidade global”, aclamado durante a Rio-92, tendem a rejeitar a denominação desenvolvimento sustentável. Esses educadores adotaram a defesa do conceito de sociedades sustentáveis no lugar de desenvolvimento sustentável, pois consideram que o segundo é a expressão da perpetuação do modelo econômico atual e de uma matriz paradigmática pautada na dissociação sociedade-natureza e na ciência positivista, incompatíveis com um paradigma complexo (SATO, 2008). No início de sua introdução, o referido tratado, aprovado por unanimidade durante a Jornada Internacional de Educação Ambiental na Rio-92, que reuniu mais de 500 educadores de todos os continentes, afirma: Introdução Consideramos que a educação ambiental para uma sustentabilidade equitativa é um processo de aprendizagem permanente, baseado no respeito a todas as formas de vida. Tal educação afirma valores e ações que contribuem para a transformação humana e social e para a preservação ecológica. Ela estimula a formação de sociedades socialmente justas e ecologicamente equilibradas, que conservam entre si relação de interdependência e diversidade. Isto requer responsabilidade individual e coletiva em nível local, nacional e planetário. Consideramos que a preparação para as mudanças necessárias depende da compreensão coletiva da natureza sistêmica das crises que ameaçam o futuro do planeta. As causas primárias de problemas como o aumento da pobreza, da degradação humana e ambiental e da violência podem ser identificadas no modelo de civilização dominante, que se baseia em superprodução e superprodução e superconsumo para uns e em subconsumo e falta de condições para produzir por parte da grande maioria. Consideramos que são inerentes à crise a erosão dos valores básicos e a alienação e a não participação da quase totalidade dos indivíduos na

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construção de seu futuro. É fundamental que as comunidades planejem e implementem sua próprias alternativas às políticas vigentes. Dentre essas alternativas está a necessidade de abolição dos programas de desenvolvimento, ajustes e reformas econômicas que mantêm o atual modelo de crescimento, com seus terríveis efeitos sobre o ambiente e a diversidade de espécies, incluindo a humana (BRASIL, 2007).

Além disso, a maioria da literatura sobre o tema afirma que o conceito de desenvolvimento é oriundo da tradição cartesiana de ciência, que o coloca como sinônimo de crescimento. Portanto, é um conceito qualificado por uma noção de progresso, de algo contínuo, inexorável e linear, mesmo que marcado por fases distintas. Trazido para o plano econômico, esse vem imediatamente associado à noção de que as sociedades podem crescer indefinidamente para níveis mais elevados de riqueza material, cujas leis são teleológicas e mecanicistas – causalidade direta: uma coisa leva necessariamente à outra. Ao conceito de desenvolvimento vem acoplado o de evolução, que, nessa perspectiva teórica implícita ou explícita nos documentos dos organismos internacionais e de governos centrais, implicaria a noção de avanço constante por meio da razão e do conhecimento científico e de um modelo de sociedade civilizada a ser perseguido – no caso, o modelo civilizatório europeu, cujo “motor” é a industrialização (HERCULANO, 1992, 2006). Nesses termos, o desenvolvimento seria visto como sinônimo de crescimento econômico e produção de mercadorias, em que a felicidade e o bem-estar estariam associados ao consumo de massa. Em última instância, seria uma série sucessiva de etapas a serem cumpridas, passando de sociedades tradicionais para as modernas e industriais (LEFF, 2009). Não há a menor dúvida de que esse foi, e ainda é, o entendimento e o respec­tivo projeto político e societário dominante. Nesse sentido, é compreensível que o uso do conceito de desenvolvimento seja posto em dúvi­ da. Mas vejo nessas afirmações teóricas um reducionismo conceitual e uma leitura histórica um tanto parcial, simplificando a questão de fundo. O fato de ser dominante não significa que seja única, e o fato de expressar um projeto político dominante não significa que não haja na sociedade projetos em disputa. Há uma leitura dialética e complexa que define desenvolvimento de modo muito diferente desse dominante e que é interessante de ser 48

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conhecida, seguindo as formulações de Fausto (1987, 2002) e Chauí (2006). Conhecê-la permite estabelecer a possibilidade da negação do que virou senso comum, buscando dar maior complexidade ao debate e evitando “condenar” um conceito à “lata de lixo da história”. Nessa outra linha de argumentação teórica, desenvolvimento é um movimento de descontinuidade, não linear e não etapista, posto que o novo está contido na forma anterior mas se objetiva por caminhos complexos e nexos mediados por várias dimensões. Assim, o conceito de desenvolvimento não sugere necessariamente que uma sociedade posterior seja melhor ou que haja uma sociedade ideal a ser atingida. Pode-se apenas afirmar que é mais complexa no sentido de que é irreversível – não se pode voltar ao antes de forma plena e, sempre que algo ocorre, agregamse novas informações ao sistema –, tem mais relações e é qualitativamente distinta. Esse é um ponto de vista interessante e consistente, que merece maior reflexão dos interessados sobre os rumos da sustentabilidade. Sob a lógica dialética, é uma posição conceitual menos simplificadora da realidade e pautada em análises relacionais complexas (LEFEBVRE, 1975). De qualquer forma, o cerne da discussão não é uma questão teórica e conceitual, mesmo que esta seja relevante e mereça ser posta para evitar simplificações que encerrem o debate por tratamento superficial do tema, e exatamente por isso tenha sido colocada. O determinante da reflexão sobre sustentabilidade está em saber quem porta qual proposta e com que fim. É associada a esse aspecto que a discussão teórica ganha densidade e materialidade. Uma crítica menos conceitual e mais política e histórica posta pela tradição da educação ambiental brasileira ao modelo de desenvolvimento sustentável, tal como definido pela ONU no relatório Nosso futuro comum (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1991) e posteriormente na Agenda 21 (BRASIL, 1995), é que este, quando operado nas políticas governamentais (vide, por exemplo, as políticas de promoção da Agenda 21 no Ministério do Meio Ambiente e no Ministério da Educação), estrutura-se a partir de um discurso centrado em um espírito solidário, em uma noção de valores universalmente válidos que orientam a humanidade, em uma ética normativa e em soluções tecnológicas e gerenciais de um ambiente reificado. Sinais Sociais | Rio de Janeiro | v.9 n. 26 | p. 39-71 | set.-dez. 2014

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O debate sobre sustentabilidade fica marcado por um pressuposto de aliança entre agentes sociais, de inter-relação harmônica não só entre eles, mas entre economia, política e condições ecológicas. Dessa forma, os problemas ambientais são reduzidos a problemas relativos ao desenvolvimento científico e tecnológico, à ausência ou presença de valores morais compatíveis com uma ética ecológica e a questões gerenciais. Não há reflexões mais estruturais e relativas à historicidade das relações sociais e modos de produção (ZHOURI; LASCHEFSKI; PEREIRA, 2005). A crítica, portanto, é feita precisamente a essa orientação teórica e ideo­ lógica que coloca o ambiente em um lugar “à parte”, cuja gestão é racionalmente orientada para fins atendidos pelo uso justo da ciência e da tecnologia e por uma ética normativa. Assim, o ambiente deixa de ser visto como produto histórico das relações sociedade-natureza, um complexo relacional objeto de disputa na sua materialidade, em que as diferentes territorialidades se estabelecem e se produzem (ACSELRAD, 2004, 2013). Com essa orientação de desenvolvimento sustentável, volta-se à fórmula de solucionar o crescimento da produção e do consumo associando-o a mecanismos distributivos, hipoteticamente capazes de trazer padrões dignos de sobrevivência para todos, cabendo à educação transmitir comportamentos adequados e promover valores morais balizadores da conduta ambientalmente válida. Nesse debate, observa-se que a proposta de educação para o desenvolvimento sustentável, ou educação para a sustentabilidade, é normalmente defendida quando se fica no plano discursivo das intenções e das generalidades conceituais, estabelecendo a sustentabilidade como consenso (BARBIERI; SILVA, 2011; SILVA; CZYKIEL; FIGUEIRÓ, 2013), sem considerar a materialidade e as contradições sociais que dão significados ao próprio conceito. Com isso, a sustentabilidade se reduz a um conjunto de instrumentos técnicos, inclusive para a educação – e, portanto, um meio que possibilita alcançar o desenvolvimento sustentável. É essa redução de finalidade, tanto em relação à sustentabilidade, quanto à educação, a base de um dos maiores questionamentos feitos por educadores ambientais à adoção da nomenclatura da Unesco (BRASIL, 2005). Com essas reflexões sobre o olhar da educação ambiental para o desenvolvimento sustentável e para a proposta da ONU de educação nesse escopo, é possível, no que cabe em um artigo, avançar conforme a orga50

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nização lógica indicada no início deste texto. Antes, no entanto, cabe ressaltar que não se pode cair em uma análise tipológica idealizada das duas propostas: a educação para o desenvolvimento sustentável como colonial e neoliberal, e a educação ambiental como decolonial e transformadora. Concordando com Freitas (2006), tanto em uma quanto na outra, verificam-se posturas que reproduzem padrões relacionais encharcados de preconceitos ou dominação, sem criticidade, caindo em um praticismo voluntarioso pouco efetivo. Considero também plausível dizer que, dependendo do que se adota como conceitos de desenvolvimento e de sustentabilidade, sabendo situá-los nas políticas e na historicidade de cada concepção educacional, esses podem dialogar com relativa “facilidade”, respeitando-se as especificidades construídas em suas trajetórias. Mas essa necessária observação, que ajuda a entender a dinâmica contraditória do real, não impede de se identificar o que é tendencial, problematizando os aspectos determinantes e evidenciando o que acabou por se configurar historicamente no Brasil.

Educação para o desenvolvimento sustentável e educação ambiental: aprofundando a reflexão Um aspecto mais profundo, relativo às finalidades da educação, remete a uma crítica ao sentido instrumental dado à educação, quando esta vem associada ao discurso da sustentabilidade no âmbito das instituições. “Educar para...” dá a entender que se educa com fins instrumentais, como comentado no item anterior, que podem estar dissociados de fins emancipatórios e reflexivos. É como se a educação servisse para criar competências, capacidades, habilidades e comportamentos sem que estes estivessem necessariamente vinculados ao pensar o mundo, ao refletir sobre a existência, ao atuar como cidadão na construção da história e da vida pública e ao se posicionar politicamente. A questão é: precisamos de educação para o desenvolvimento sustentável, educação para a sustentabilidade, educação para o meio ambiente, ou precisamos simplesmente de educação ambiental, ou, em termos mais rigorosos, precisamos fundamentalmente assegurar o direito à educação como princípio elementar da formação humana? Esse aspecto tem forte rebatimento entre professores de escolas da educação básica que questionam frequentemente o excesso de “educações”

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criadas e tornadas obrigatórias nas escolas em um momento de precarização do trabalho docente (SANTOS, 2013). As escolas são forçadas a cumprir com os conteúdos curriculares e mais essas outras “educações”, normalmente na forma de projetos, sobrecarregando o trabalho docente e os alunos. A crítica é direcionada, nesse caso, não à importância das temáticas, mas à forma como chegam às instituições educacionais e ao tratamento que deve ser dado, desconsiderando a necessidade de se educar como um todo para a vida e para a cidadania. Outra polêmica específica do caso brasileiro e latino-americano se refere à inadequação do principal argumento usado pelos adeptos da educação para o desenvolvimento sustentável – manifesto pela ONU – para justificar a adoção dessa denominação. Estes afirmam que a terminologia é pertinente para o enfrentamento dos problemas contemporâneos, pois dialoga de modo mais explícito com a economia e com as questões sociais em geral, o que nem sempre é verdadeiro para a educação ambiental (BRASIL, 2005; SAUVÉ, 1997), sendo importante enfatizar, diante do cenário de agravamento da crise, a vinculação entre o social e o ecológico. Há alguns equívocos nesse argumento. A educação ambiental, seja em qual documento internacional de referência for, jamais desconsiderou tais aspectos, afirmando o ambiente como totalidade (UNESCO, 1976, 1980). Isso pode ser constatado em pelo menos duas clássicas publicações da entidade: La Educación Ambiental es la acción educativa permanente por la cual la comunidad educativa tiende a la toma de conciencia de su realidad global, del tipo de relaciones que los hombres establecen entre sí y con la naturaleza, de los problemas derivados de dichas relaciones y sus causas profundas. Ella desarrolla, mediante una práctica que vincula al educando con la comunidad, valores y actitudes que promoven un comportamiento dirigido hacia la transformación superadora de esa realidad, tanto en sus aspectos naturales como sociales, desarrollando en el educando las habilidades y aptitudes necesarias para dicha transformación (UNESCO, 1976, p. 10). The determination of bases for a strategy, at all educational and governmental levels, constitutes the first stage needed for the introduction of environmental education into education in general [...] This task requires the [...] establishment of a new relationship between all those engaged together in the education process. To this end, legislative measures may

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be taken providing the state with a legal framework in which to draw up an environmental education system for the entire community (UNESCO, 1983, p. 9).

Logo, conceitualmente, não há o que ser revisto nesse sentido. Na prática, é verdade que em países “do norte” a educação ambiental ficou muito voltada para visitas a áreas protegidas ou rurais, ensino de conteúdos ecológicos e técnicas de conservação. No entanto, na América Latina, tais práticas não correspondem à realidade. Existe um biologicismo oriundo da década de 1970, mas é minoritário nas iniciativas na década de 2010. Ainda que uma parcela dos educadores ambientais que adotam a terminologia “educação para o desenvolvimento sustentável” o faça com base na necessidade de maior ênfase no social e no econômico, esse argumento não corresponde ao que de fato se passa no Brasil. Principalmente após os anos de 1990, um teor de justiça social e de uso de pedagogias críticas ganhou espaço na educação ambiental, definindo sua identidade (LOUREIRO, 2012). Pensar em educação ambiental, em larga medida, era e é pensar nos componentes sociais e ecológicos do ambiente, até porque o conceito rigorosamente se refere às relações sociedade-natureza em um dado recorte espaço-temporal. Essa é a especificidade da questão ambiental. Do contrário, cair-se-ia em um ou outro, ou ainda em analisar e buscar compreender um a partir do outro, o que tem gerado vários problemas nas transposições e analogias feitas, como, por exemplo, na teoria de sistemas, na sociobiologia, no darwinismo social, na sociologia funcionalista (LOUREIRO; LAYRARGUES; CASTRO, 2012). Há por fim alguns pontos que são evidências de uma leitura pragmática e instrumentalizadora de educação, que se expressam de forma clara na apresentação oficial da Unesco, sede Brasil, em defesa da educação para o desenvolvimento sustentável. O conjunto do texto é autoexplicativo, mas há alguns aspectos que se destacam e que provam que o que tenta ganhar legitimidade como novo é uma reprodução com “roupa nova” de propostas educativas inseridas de forma mesclada no que Saviani (2012a) denominou “pedagogia tradicional” e “pedagogia nova”. A concepção pedagógica tradicional, fortemente ancorada no positivismo científico, parte do pressuposto de que o conhecimento científico é

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fonte da verdade e gera a correta leitura do mundo, a mudança de comportamento a partir da verdade científica e, em decorrência dessa ação pessoal, a mudança objetiva da realidade. É por isso que, nesse caso, a relação professor-aluno é unidirecional; portanto, do que possui o saber (a luz) para o que precisa aprender (aluno – literalmente, aquele que ainda não tem luz). O conhecimento é então apresentado ao aluno já na condição de abstração universalmente válida, sem que o mesmo seja elaborado a partir da apreensão da realidade concreta, elevando-se ao abstrato, que possibilita as generalizações cabíveis. A pedagogia nova, oriunda da década de 1930, mantinha o entusiasmo na escola enquanto fator de equalização social, já existente na tradicional, só que enfatiza os sentimentos, os projetos de resolução de problemas, as experiências, os aspectos psicológicos. É uma pedagogia que cria um fetiche da individualidade, inaugurando o que hoje a Unesco e boa parte dos programas governamentais adotam como o “aprender a aprender”, expresso no Relatório Jacques Delors, de 1996 (DELORS et al., 1998), e, em certa medida, reproduzido acriticamente pela educação ambiental. Além dos problemas decorrentes de uma leitura por demais superficial da escola e sua função social, ambas as pedagogias tendem a dicotomizar as complexas relações professor-aluno, conteúdo científico-expe­ riência de vida, política pública-cotidiano, cognição-sentimento, conduta pessoal-contexto cultural, estabelecendo polarizações onde estas não cabem (DUARTE, 2000, 2013). Feita essa indispensável explicação, volto à explicitação e problematização dos pontos centrais que se encontram no documento de anúncio da Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável. O Fórum Global para o Desenvolvimento Sustentável, realizado em Joanesburgo em 2002, propôs à Assembleia Geral das Nações Unidas a proclamação da Década Internacional da Educação para o Desenvolvimento Sustentável para o período 2005-2014. A proposta foi aprovada em dezembro de 2002, durante sua 57ª Sessão. Na qualidade de principal agência das Nações Unidas para a educação, a Unesco deve desempenhar papel primordial na promoção dessa década, principalmente no que tange ao estabelecimento de padrões de qualidade para a educação voltada para o desenvolvimento sustentável. Seu principal objetivo é o de integrar os princípios, os valores e as práticas

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do desenvolvimento sustentável a todos os aspectos da educação e da aprendizagem. Esse esforço educacional irá incentivar mudanças de comportamento que virão a gerar um futuro mais sustentável em termos da integridade ambiental, da viabilidade econômica e de uma sociedade justa para as gerações presentes e futuras. Isso representa uma nova visão da educação capaz de ajudar pessoas de todas as idades a entender melhor o mundo em que vivem, tratando da complexidade e do inter-relacionamento de problemas tais como pobreza, consumo predatório, degradação ambiental, deterioração urbana, saúde, conflitos e violação dos direitos humanos, que hoje ameaçam nosso futuro. O impacto das políticas públicas implementadas até o presente pode gerar efeitos de escala planetária, e é importante conscientizar e sensibilizar o público sobre as implicações desses esforços de preservação. O Escritório da Unesco irá desempenhar papel primordial na promoção da Década Internacional da Educação para o Desenvolvimento Sustentável. A preservação do patrimônio ameaçado só será possível com a compreensão e a responsabilidade compartilhada de diferentes gerações. (http://www.unesco.org/pt/brasilia/special-themes/education-for-sustainable-development/)

A primeira ênfase identificada está em “mudar comportamentos”. A afirmação indica que, se cada um mudar seus comportamentos, o resultado será novas relações entre pessoas e dessas com o mundo. Defender que mudar comportamento é sinônimo de mudar a realidade é apostar que as relações se dão sempre do indivíduo para o outro, por somatório e bom exemplo, e do indivíduo para a sociedade, que é a expressão coletiva dos comportamentos individuais. Aqui não há dialética entre eu-outro, mútua determinação. E essa compreensão monocausal da realidade e leitura unidirecional da formação das pessoas já foi objeto de inúmeras críticas conclusivas no campo da educação (SAVIANI, 2014a, 2012b; ARROYO; BUFFA; NOSELA, 2010; FRIGOTTO; GENTILI, 2001). No campo ambiental, há outra consequência. Como os sujeitos deixam de se constituírem nas relações com o seu contexto, uma análise moralista fica facilitada. O problema deixa de se situar no lugar do sujeito nas relações de produção e na vida cotidiana e passa para a esfera do julgamento moral: essa pessoa é “boa” ou “má”. Assim, o problema deixa

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de ser primordialmente as relações sociais e passa a ser o indivíduo. Ressalte-se: sem ficar claro o que é ser bom, para que cultura e para quem se é bom. O que importa para um discurso moralista da sustentabilidade é que se possam classificar os que são “defensores da natureza” e os que são “inimigos da natureza”, com base em critérios subjetivos, desconsiderando que entre os “defensores” e os “inimigos” há práticas e intencionalidades distintas que complexificam a discussão. Depois se afirma que essa é uma “nova visão de educação”. Em qual sentido? No de orientação pedagógica não, uma vez que os objetivos manifestos são próprios de concepções do início do século passado, pois tanto a pedagogia tradicional quanto a pedagogia nova estão aí datadas. É inovadora porque fala em sustentabilidade? É um argumento frágil, uma vez que ignora a polissemia do conceito, incorrendo em sua idealização. De modo emblemático, a declaração da Unesco encerra defendendo como objetivo da educação “conscientizar sobre as implicações desses esforços de preservação”. Aqui a fragilidade do argumento evidencia seu caráter conservador em termos pedagógicos. Conscientizar vira sinônimo de informar ou no máximo de ensinar ao outro o que é certo pela ciência; de sensibilizar para o ambiente; transmitir conhecimentos; ensinar comportamentos adequados à preservação, desconsiderando as condicionantes socioeconômicas e culturais do grupo com o qual se trabalha (LOUREIRO, 2007). O cerne da educação ambiental, como campo historicamente delineado no Brasil, é a problematização da situação ambiental pelo permanente movimento reflexão-ação, em práticas dialógicas, cotidianas e de intervenção na vida pública. Ou seja, para essa, conscientizar só cabe no sentido de “conscientização” posto por Freire (2011, 2013): processo de mútua aprendizagem pelo diálogo, movimento teórico-prático no mundo. Movimento praxiológico e coletivo de ampliação do conhecimento das relações que constituem a realidade, de leitura do mundo, conhecendo-o para transformá-lo e, ao transformá-lo, conhecê-lo.

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A tradição brasileira de educação ambiental Feitas essas considerações analíticas acerca do debate sobre sustentabilidade e educação ambiental, é pertinente compreender um pouco mais da especificidade da educação ambiental brasileira em sua historicidade. As primeiras atividades assumidamente de educação ambiental no Brasil datam do início da década de 1970. Elas ocorreram por meio de iniciativas de entidades conservacionistas e da extinta Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema), expandindo-se em seguida para outros órgãos estatais de meio ambiente. Em um contexto de ditadura militar, distinto do cenário europeu em que a ecologia política conquistava espaços na academia e na sociedade civil (LOUREIRO, 2006), as iniciativas educativas ambientais eram vistas como um instrumento técnico-científico voltado para a resolução de problemas ambientais por meio da transmissão de conhecimentos ecológicos e da sensibilização. Era também muito comum serem vistas como um componente (secundário) dentro de grandes programas governamentais de recuperação ambiental (LOUREIRO; SAISSE, 2014). Contudo, nos anos 1980, esse quadro razoavelmente “estável” de compreensão e execução começa a se diversificar e a consolidar novas posições teóricas e políticas. A crescente degradação dos ecossistemas, a perda da biodiversidade, a reprodução das desigualdades sociais e a destruição de culturas tradicionais levaram ao repensar da “questão ambiental” por grupos ambientalistas, chamados de socioambientalistas, que denunciaram as causas sociais dos problemas ambientais, e por educadores populares. Além disso, a referida década e o início dos anos 1990 foram marcados por um processo de redemocratização da sociedade brasileira, o que favoreceu a retomada de movimentos sociais, o livre debate acadêmico e o fortalecimento de perspectivas críticas na educação e na educação popular. Diante desses fatos e da conjuntura favorável a um maior diálogo entre movimentos sociais, educadores em geral e ambientalistas, a educação ambiental passou a ser vista como um processo contínuo de aprendizagem em que indivíduos e coletividades tomam consciência do ambiente por meio da produção e transmissão de conhecimentos, valores, habilidades e atitudes.

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Nessa mesma época, um elemento a mais e decisivo marcou a sua identidade: a forte inserção dos que atuavam em educação popular e adotavam a pedagogia de Paulo Freire (FREIRE, 2011, 2013), internacionalmente reconhecido como o maior educador brasileiro e um dos maiores no mundo. E é isso que explica o fato de os livros de Freire e sua pedagogia serem majoritariamente utilizados e citados por educadores e educadoras no país (LOUREIRO; TORRES, 2014). A educação ambiental no Brasil se volta assim para a formação humana. Objetivamente, isso significa dizer que o conceito central do ato educativo deixa de ser a transmissão de conhecimentos, como se isso per si fosse suficiente para gerar um “sujeito ético” que se comportaria corretamente. É a própria práxis educativa, a indissociabilidade teoria-prática na atividade humana consciente de transformação do mundo e de autotransformação, que ganha a devida centralidade. Isso implica favorecer a contínua reflexão sobre as condições de vida, na prática concreta, como parte inerente do processo social e como elemento indispensável para a promoção de novas atitudes e relações que estruturam a sociedade. Mais do que isso, ao se dar destaque à práxis educativa é preciso estruturar processos participativos que favoreçam a superação das relações de poder consolidadas e garantir o exercício da cidadania, principalmente dos que se encontram em situação de maior vulnerabilidade socioambiental (LOUREIRO et al., 2007). No amplo, diverso e contraditório campo que constitui a educação ambiental, diria que uma perspectiva que ganhou enorme projeção ao longo das duas últimas décadas, fornecendo a materialidade das questões expostas nos itens anteriores e influenciando as políticas públicas em educação ambiental e seus instrumentos, é a denominada educação ambiental crítica, emancipatória e transformadora. Esse fato foi reconhecido não só no corpo da Política Nacional de Educação Ambiental (Lei 9.795/99), mas, entre outros e de modo claro, pelo Conselho Nacional de Educação, que, na introdução das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Ambiental (DCN), diz: O atributo “ambiental” na tradição da Educação Ambiental brasileira e latino-americana não é empregado para especificar um tipo de educação, mas se constitui em elemento estruturante que demarca um campo político de valores e práticas, mobilizando atores sociais comprometidos com

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a prática político-pedagógica transformadora e emancipatória capaz de promover a ética e a cidadania ambiental. O reconhecimento do papel transformador e emancipatório da Educação Ambiental torna-se cada vez mais visível diante do atual contexto nacional e mundial em que a preocupação com as mudanças climáticas, a degradação da natureza, a redução da biodiversidade, os riscos socioambientais locais e globais, as necessidades planetárias evidencia-se na prática social (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2012).

Explicando o conteúdo disso, é possível resumir dizendo que a educação ambiental, em uma de suas perspectivas que mais tem contribuído para os debates acadêmicos, os movimentos sociais e para a formulação de políticas públicas, pode ser compreendida como: - Crítica – por situar historicamente e em cada formação socioeconômica as relações sociais e estabelecer como premissa a possibilidade de negação e superação das verdades estabelecidas e das condições existentes, por meio da ação organizada dos grupos sociais e de conhecimentos produzidos na práxis. - Emancipatória – ao almejar a autonomia e a liberdade dos agentes sociais pela intervenção transformadora das relações de dominação, opressão e expropriação material. - Transformadora – por visar à mudança societária do padrão civilizatório, por meio do simultâneo movimento de transformação subjetiva e das condições objetivas (LOUREIRO, 2008, 2004). Igualmente inserida na mesma perspectiva, há ainda a denominada educação no processo de gestão ambiental, que apresenta como especificidade a operacionalização e prática voltadas para a materialização de tais formulações no campo da gestão ambiental (licenciamento, portos, unidades de conservação, águas, pesca etc.). A educação no processo de gestão ambiental pública significa fundamentalmente estabelecer processos sociais, político-institucionais e práticas educativas que fortaleçam a participação dos sujeitos e grupos em espaços públicos, o controle social das políticas públicas e a reversão das assimetrias no uso e na apropriação de recursos naturais, tendo por referência os marcos regulatórios da política ambiental brasileira. É nesses processos, instituídos junto aos instrumentos da política ambiental, que as práticas educativas podem promover a participação do

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cidadão coletivamente organizado na gestão dos usos e nas decisões que afetam a qualidade ambiental e o padrão de desenvolvimento do país. Isso significa favorecer o direito democrático de atuação na elaboração e execução de políticas públicas que interferem no ambiente e que alteram propriedades do território em que se vive (QUINTAS, 2000, 2004, 2012).

Políticas públicas em educação ambiental: o cenário federal Compreendidas as questões polêmicas que conformam o campo da educação ambiental e o debate sobre sustentabilidade em seu interior, é possível empreender uma breve incursão sobre as políticas públicas federais em educação ambiental que estão em andamento. Ao final, apresento alguns aspectos que, tendo por referência a perspectiva crítico-transformadora comentada e adotada explicitamente em normativas como PNEA, DCN e as publicadas por ICMBio e Ibama, ajudam a pensar os caminhos futuros dessas políticas à luz da necessidade de promoção da sustentabilidade em um contexto desenvolvimentista, como destacado no começo deste artigo. De início, é oportuno deixar claro que, se for feita uma análise retrospectiva, indiscutivelmente, o amadurecimento teórico observado nos debates apresentados é produto e produziu um conjunto considerável de instrumentos normativos e instâncias no Estado. Assim, esse processo de regulamentação estatal, que refletiu um intenso movimento de discussão e de práticas acumuladas desde a década de 1970, permitiu a existência na atualidade de uma efetiva institucionalidade da educação ambiental, ancorada em políticas públicas nas três esferas federativas. A publicação da Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), em 1999, fruto de um processo de produção da lei iniciado em 1993, já como desdobramento da Rio-92, foi um marco não só para o país, mas para o cenário internacional, constituindo-se em uma normativa de referência. Antes de acontecer a sua promulgação, é importante registrar que outros processos normativos estiveram em curso, como: a formulação do primeiro Programa Nacional de Educação Ambiental, em 1994, a criação da Câmara Técnica de Educação Ambiental no Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), em 1995, e os Parâmetros Curriculares Nacionais de 1996, que tornaram o ambiente um tema transversal na escola.

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Após a promulgação da lei em um cenário mais complexo da educação ambiental, a PNEA começa a ganhar corpo em instâncias coordenadoras no Ministério da Educação (MEC) e no Ministério do Meio Ambiente (MMA). No ano de 2002, a lei é regulamentada e começa o movimento para instalação do órgão gestor da PNEA, que se efetivou em 2003. Em 2005, após amplo processo de discussão com educadores ambientais e gestores municipais, foi lançado novo Programa Nacional de Educação Ambiental. Daí em diante, observou-se um crescente número de normativas federais, estaduais e municipais, a publicação de documentos técnicos, a organização de comissões estaduais para tratarem da educação ambiental – as conhecidas Cieas ou, no Rio de Janeiro, Giea – e a proliferação de eventos nacionais e internacionais – fóruns brasileiros, ibero-americanos, lusófonos, encontros de pesquisa, fóruns específicos da gestão ambiental etc. Tal situação resultou, entre outras medidas, na publicação da Resolução n. 98/2009, do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, que dispõe sobre a educação ambiental no sistema nacional de gestão de recursos hídricos (Singreh); na publicação das comentadas Diretrizes Curriculares Nacionais (CNE); e da Instrução Normativa n. 02/2012 – Ibama, que dispõe sobre as diretrizes da educação ambiental no licenciamento federal, com forte teor de mobilização e organização social e priorização dos grupos sociais vulnerabilizados e mais impactados pelos empreendimentos licenciados. No ano de 2014, é possível indicar algumas priorizações feitas nas políticas federais, ancoradas nessas normativas indicadas, que possuem a responsabilidade de garantir o ambiente como um bem comum e promover a sustentabilidade, sob as premissas de participação e controle social, inerentes à perspectiva crítica, emancipatória e transformadora da educação ambiental. As principais são: - Coordenação de Educação Ambiental do Ministério da Educação (MEC). - Implementação do Programa Nacional de Escolas Sustentáveis (BRASIL, 2014a). Este visa transformar as escolas em espaços educadores sustentáveis, em que o fazer pedagógico crie uma cultura da sustentabilidade por meio de ações em quatro eixos: currículo, edificações, relação escolacomunidade e modelo de gestão. A metodologia envolve o apoio a projetos que melhor se enquadram à proposta no Brasil e a aplicação da metodologia de criação de Com-Vidas e Agenda 21 escolar, que já vem sendo utilizada há uma década pelo MEC (BRASIL, 2004). Sinais Sociais | Rio de Janeiro | v.9 n. 26 | p. 39-71 | set.-dez. 2014

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- Diretoria de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente. Possui uma política mais diversificada em suas frentes de atuação, envolvendo educomunicação (BRASIL, 2008), principalmente por meio dos projetos “Nas Ondas do São Francisco” e “Telecentros”, participação no Conama e programas e ações de formação de educadores ambientais (BRASIL, 2014b). A formação se subdivide em: - Programa de Educação Ambiental e Agricultura Familiar (PEAAF). Voltado para a construção coletiva de estratégias de enfrentamento dos problemas socioambientais rurais, tendo como sujeitos os agricultores familiares. O PEAAF, que resulta originalmente de demandas de movimentos sociais do campo, realizou oficinas públicas no processo de definição de prioridades e tem realizado projetos por meio de contratação via edital publicado em 2014. - Estratégia Nacional de Comunicação e Educação Ambiental no Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Enceancea). Resultado de um amplo processo de discussão com gestores e educadores ambientais, estabelece um conjunto de diretrizes e estratégias de atuação em UCs, realizadas pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e pelo ICMBio (INSTITUTO CHICO MENDES PARA A CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE, 2012). Essa estratégia de realizar processos educativos, comunicacionais e educomunicacionais entre UCs, seus gestores e a comunidade do entorno é complementada por políticas próprias do ICMBio. Este, por intermédio de duas de suas coordenações, atua com a educação no processo de gestão ambiental, enfatizando a formação de conselhos gestores de UCs – tal como previsto no Sistema Nacional de Unidades de Conservação –, e dos conselheiros e a promoção de processos educativos que garantam a gestão participativa e a atuação dos grupos sociais na gestão territorial e seus instrumentos (LOUREIRO; SAISSE; CUNHA, 2013). - Licenciamento Ambiental. No mês de junho de 2014 foram encerradas as inscrições do edital para contratação de serviços de consultoria por parte do Ministério do Meio Ambiente (MMA), cuja proposta é fazer um levantamento e uma análise dos projetos de educação ambiental no licenciamento

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federal e estadual. O objetivo é ajudar o MMA a ampliar o conhecimento sobre esse novo tema e a definir normas gerais, via Conama. Essa é uma área de atuação que vem se consolidando, com projetos estruturados via universidades públicas (UFS, UFES, UFJF, UFRRJ, UFRJ, UENF) ou empresas de consultoria. No caso federal, tais projetos ou programas estão sob acompanhamento rigoroso e responsabilidade do Ibama, possuindo como normativas principais a Nota Técnica (NT) n. 01/2010 – CGPEG/DILIC/Ibama, que regula a educação ambiental no licenciamento de petróleo e gás Offshore, e a Instrução Normativa (IN) n. 02/2012, que estabelece as diretrizes gerais para todo o Ibama, tendo como referência a NT, que já é em si o reflexo de um acúmulo de dez anos de construção de uma proposta consistente em termos teóricos e de compreensão da aplicação da educação ambiental nos instrumentos da política ambiental brasileira (LOUREIRO, 2009). Nos estados, o cenário é muito diverso, existindo alguns em que o órgão ambiental determina minimamente as diretrizes da execução, inspirado ou não nas normas do Ibama, o que facilita o cumprimento da condicionante com finalidade pública. Mas a grande maioria dos estados e municípios, isso não ocorre, dada a precariedade dos órgãos ambientais e a falta de entendimento da educação ambiental como algo estruturante da gestão ambiental pública. Tal situação facilita que a educação ambiental seja um meio de promoção de atividades pontuais ou de instrumentalização para favorecer o empreendimento. É um tema que cresceu não só em execução, por força do momento de impulso desenvolvimentista que levou a um maior número de processos de licenciamento e cumprimento de condicionantes, mas, por sua complexidade, é também objeto de inúmeras teses e dissertações defendidas desde 2004. As políticas via ICMBio e Ibama buscam maior ajustamento aos pressupostos críticos da educação ambiental e às exigências legais de promover o ambiente como bem de uso comum, por intermédio da participação popular, controle social, mobilização e organização social. Isso por vezes entra em tensionamento com as orientações gerais do MMA e do MEC, cujas políticas buscam seguir as diretrizes gerais da PNEA, mas de um modo compatibilista com as orientações desenvolvimentistas do governo federal, enfatizando mais as parcerias, práticas sustentáveis, os comportamentos individuais e a resolução de problemas. Sinais Sociais | Rio de Janeiro | v.9 n. 26 | p. 39-71 | set.-dez. 2014

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Há tensionamentos também internos a cada órgão, o que é previsível, uma vez que toda estrutura de Estado é uma composição de forças sociais com motivações e interesses diferenciados, composta também por quadro técnico com trajetórias variadas. Além desse cenário, encontram-se no MMA algumas ações mais even­tuais relativas à aplicação do documento técnico criado para atuar no tema “Mudanças Climáticas”, dos resultados do Grupo de Trabalho Juventude e Meio Ambiente, que atuou entre 2012 e 2013, e da implementação do Programa de Educação Ambiental e Mobilização Social em Saneamento (PEAMSS). Antes de passar a algumas considerações complementares, que servem para o conjunto descrito, evitando particularidades que não cabem no escopo do artigo, é relevante dizer que entendo por políticas públicas o conjunto de leis, normas, programas, ações e atividades desenvolvidos pelo Estado, diretamente ou não, e sob sua responsabilidade. Em um Estado democrático, elas são feitas e acompanhadas com a participação de representantes das instituições públicas e de instituições privadas, sejam representações populares, comunitárias, sociais ou empresariais. Essas políticas buscam garantir e promover direitos de cidadania, de forma difusa (sem ser para um grupo específico) ou voltada para determinado setor da sociedade, com base em critérios como: idade, gênero, sexo, classe, raça-etnia, religião etc. Assim, a questão que fica para conduzir a análise mais geral é pensar em que medida essas políticas federais, sucintamente descritas, cumprem seu caráter público e ao mesmo tempo promovem uma cultura da sustentabilidade. No momento de comemoração dos 10 anos da PNEA, em 2009, alguns debates foram promovidos para discutir a atualidade ou não dessa lei. Concordando com a posição majoritária, entendo que a lei ainda se mostra oportuna, pois seu caráter orientador, mais do que disciplinador, favorece a adequação de normas específicas para cada setor de atuação e esfera federativa. Nesse sentido, o que é observado como uma lacuna é a necessidade de se intensificar processos que institucionalizem a educação ambiental e forneçam estruturas públicas que garantam sua execução, principalmente nos níveis estadual e municipal. Isso envolve não somente as normas,

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mas a criação de estruturas de coordenação e equipes nas instituições públicas e o fortalecimento da participação social nas comissões interinstitucionais e conselhos de meio ambiente e de educação que definem diretrizes e acompanham as ações. Ainda no âmbito relativo à estrutura de Estado, é preciso assegurar maior articulação nos órgãos ambientais e de educação, buscando ampliar recursos financeiros, uma vez que o orçamento destinado à educação ambiental é reduzido, incapaz de viabilizar programas territorializados em escala nacional. Esse aspecto, pouco comentado, é crucial para escapar de uma situação que obriga as parcerias público-privadas, que nem sempre são as mais adequadas. Principalmente nos casos em que a autonomia e a independência das instituições de Estado são fundamentais para permitir o cumprimento das finalidades constitucionais da instituição em tela. Cabe ressaltar que um dos eixos centrais para a fixação de parâmetros que definem o grau de sustentabilidade de um país é o grau de normalidade e estabilidade das instituições públicas e do respeito às normas democraticamente pactuadas (LOUREIRO, 2003). Considero que, em paralelo a essa dimensão de organização e estruturação no aparato estatal como meio para se cumprir as finalidades das políticas ambientais e educacionais, é preciso abrir um debate na sociedade sobre as intencionalidades e resultados das ações, projetos e programas em curso no âmbito das políticas existentes nas diferentes esferas administrativas. Há dois aspectos a serem considerados dentro disso. O primeiro diz respeito ao fato de os programas ministeriais não inserirem em sua execução a possibilidade de discussão dos rumos do desenvolvimento no país e de qual sentido de sustentabilidade se quer promover na sociedade. De um modo geral, isso fica naturalizado, posto como um suposto consenso, levando a uma ênfase apriorística em problemas e práticas cotidianas, que são relevantes, mas não podem apagar a discussão pública e a dimensão reflexiva do processo educativo e dos rumos da nação. É notória a redução da sustentabilidade como meio instrumental para se alcançar o desenvolvimento sustentável, correspondendo a uma das definições feitas no começo do texto e as respectivas problematizações. O outro aspecto se refere à ausência de avaliação sistemática dos resultados alcançados e dos impactos dos programas na transformação

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da realidade de vida dos grupos sociais (LOUREIRO, 2014). Uma política pública exige monitoramento e avaliação permanentes – algo inclusive previsto e exigido na Política Nacional de Educação Ambiental – para que se cumpra a condição mínima de uma República, que é a transparência e o acesso às informações necessárias para que a população, de modo organizado, possa ter ciência do que está sendo feito e o alcance disso, decidindo sobre os rumos futuros a serem tomados. É, em resumo, fundamental superar a redução da política de educação ambiental à execução de projetos, para torná-la pública e estruturante da política ambiental e de educação no Brasil.

Considerações finais O caminho feito permite a constatação das múltiplas definições que cercam a educação e a sustentabilidade no seio da educação ambiental e das principais polêmicas relativas aos seus usos ou não. Além disso, é possível identificar também que o amadurecimento do debate estabelecido e a consolidação de uma tradição crítica na educação ambiental brasileira propiciaram sua institucionalização, ancorada em um conjunto de regulações que fornecem uma base importante para práticas voltadas para a consolidação de uma cultura da sustentabilidade, sob premissas de justiça social e ambiental. Há muito a se conquistar e a se consolidar, principalmente em direção ao caráter público da educação ambiental e à garantia do ambiente como bem comum, em um contexto desenvolvimentista e de desigualdade. Mas entendo que o caminho percorrido e estruturado tem grande relevância histórica, abrindo possibilidades efetivas para caminhos democráticos e potencialmente transformadores da realidade.

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Sustentabilidade e educação ambiental: controvérsias e caminhos do caso brasileiro

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Fred Tavares Doutor em Psicossociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor e pesquisador do Programa EICOS de Pós-Graduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social (IP/UFRJ), onde também realizou um pós-doutorado. Professor da Escola de Comunicação da UFRJ. Professor do MBE de Sustentabilidade e Responsabilidade Social do Instituto de Economia da UFRJ. Ensaísta, parecerista de publicações nacionais e internacionais. É autor de artigos e livros, entre os quais: Natureza S/A. O consumo verde na lógica do Ecopoder (Ed. Rima, 2009), “Ilusão das imagens: um olhar psicossocial sobre fumar nos filmes brasileiros” (Revista Psicologia & Sociedade, 2014) e “Natureza S/A. O Ecopoder dos atores sociais e a produção do consumo verde no Brasil, através do olhar de um rizoma” (Revista da Universidade Estadual de Goiás/Administração, 2014).

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Resumo O objetivo deste artigo, cujas bases teóricas são inspiradas em Gilles Deleuze e Félix Guattari, é investigar as relações entre natureza, consumo e capital, no contexto da sociedade de controle, na produção e ressignificação do sentido do paradigma da sustentabilidade. A partir da lógica do capitalismo rizomático, essas relações são, a princípio, articuladas dentro de uma estratégia capaz de refletir a “liquefação” do conceito de sustentabilidade na contemporaneidade. Assim, a perspectiva da temática de “sustentabilidade líquida” (por intermédio do conceito de “cultura capitalística”) configura a produção de novos modos de ser, a captura de novos desejos e a criação de novos dispositivos de controle social nos quais todos os atores sociais envolvidos em sua produção participam (e se apoderam), em especial as empresas e a mídia, “publicizando” e “produtilizando” a natureza como uma grife/marca de consumo com traços de autenticidade no mercado, por meio de diferentes movimentos de agenciamento; tais como o marketing ambiental, a responsabilidade socioambiental e o “discurso de midiatização verde”, que inspiram e configuram o mercado do “consumo verde” no caso brasileiro. Palavras-chave: Sustentabilidade. Consumo verde. Capitalismo rizomático e sociedade de controle.

Abstract This article’s theoretical bases are inspired by Gilles Deleuze and Félix Guattari. It aims to investigate the relationships between nature, consumption, and capital in the context of the control society, production, and the meaning of sustainability paradigm. Through the logic of rhizomatic capitalism, these relationships are articulated within a strategy that reflects the “liquefaction” of the concept of sustainability in contemporary times. Thus, the perspective of the theme of “liquid sustainability” configures the production of new ways of being and capturing new desires creating new devices of social control that all social actors involved in its production are captured (and empowered). Companies and the media are also included publicizing nature as a consumer brand with traces of authenticity in the market through different movements, such as environmental marketing, social and environmental responsibility propositions, and the “discourse of green mediatization” that inspires and shapes the Brazilian “green consumption” market. Keywords: Sustainability. Green consumption. Rhizomatic capitalism. Control society.

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Introdução O conceito de sustentabilidade, atualmente, evidencia a condição de integração entre os parâmetros ecológicos, sociais e a prática econômica neoliberal de aceleração do desenvolvimento contemporâneo. A interface entre economia, ambiente e sociedade rumo ao denominado “desenvolvimento sustentável” pressupõe certo desequilíbrio estrutural (LOUREIRO, 2003). Se a questão ambiental for analisada, tal como expressa no discurso hegemônico da prática da sustentabilidade, parece sugerir que a estratégia a ser adotada por diferentes atores sociais (sobretudo as corporações e a mídia) se volta a integrar os ciclos da natureza à lógica de produção de lucro e da acumulação capitalista, na qual a perspectiva econômica é preponderante na mediação e na interpretação da noção de sustentabilidade. Como uma política estratégica de crescimento, a partir do olhar do Ethos do mercado (TAVARES; IRVING, 2009). Perseguindo essas pistas e ampliando o debate, sob a égide do olhar mercadológico de uma sociedade de controle, cujo vetor principal é o consumo (DELEUZE, 1992), a concepção de sustentabilidade passa a incorporar, no plano global, novos valores e novas perspectivas no debate sobre desenvolvimento, transversalizando as relações entre sociedade e natureza, de forma ecosófica (GUATTARI, 1991), a partir da mediação da lógica de um capitalismo rizomático, com características conexionistas, imateriais e naturais (PELBART, 2003). Assim, à luz dos platôs (redes) do mercado (DELEUZE; GUATTARI, 1995), pode-se especular que vem ocorrendo um movimento de plasticidade da noção de sustentabilidade, tanto pela apropriação estratégico-mercadológica por parte das empresas e dos media, que se apropriam da temática da sustentabilidade como estratégia de poder, quanto pela “desterritorialização” desse movimento em direção à produção de uma nova demanda de consumo. Como também na criação e elasticidade de uma nova grife: o “mercado verde”. Um caminho para se pensar e investigar esse movimento é compreender o que poderia ser denominado de “liquefação da sustentabilidade”, que parece se sustentar na metamorfose das estratégias do capitalismo contemporâneo, sobretudo pela incorporação de valores imateriais, conexionistas e naturais voltados à produção de desejos e modos de ser como

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identidades de consumo e também pela desmaterialização da natureza, a partir do olhar mercadológico. Nesse sentido, a natureza vem adquirindo valor de mercado como uma “cultura-valor” (GUATTARI; ROLNIK, 2000), sendo significada e ressignificada como mercadoria, principalmente por meio dos discursos produzidos pelo capital da mídia e pelo capital corporativo. E tudo indica que essa mercantilização ocorre a partir do olhar de um consumo quali­ ficado como “verde”, sublinhado como “consumo verde”, que legitima (e amplia) a noção de sustentabilidade como diferencial e estratégia de um “poder verde” circulante (Ecopoder). O Ecopoder se configura como um desdobramento das práticas do conceito de Biopoder pensado por Foucault (PELBART, 2003), que produz e é produzido nas redes do mercado, onde a natureza é o objeto de poder, segundo afirmam Tavares e Irving (2009). O olhar estabelecido para compreender a concepção do “consumo verde”, neste artigo, é baseado na perspectiva de um rizoma (DELEUZE; GUATTARI, 1995; TAVARES; IRVING, 2009), que se fundamenta na concepção de uma rede de influência mútua de micropolíticas, tessituras e agenciamentos de produção, de forma imanente (como um organismo vivo e em permanente criação). Segundo a ideia de que a mídia e as corporações – como linhas de segmentaridade – (se) influenciam e (se) apoderam de maneira conexionista, a partir da lógica do capitalismo rizomático (PELBART, 2003). No campo rizomático, parte-se do pressuposto que os modos de ser desses atores sociais são regulados pelo mercado (“cultura capitalística”). E o conceito de natureza se organiza como estratégia de “produtilização”, por meio da dinâmica relação “natureza-naturada”/”natureza-naturante”, como um processo mercadológico. Este oxigena e ressignifica a noção de sustentabilidade como uma faceta de grife/marca a ser consumida, liquefeita nas redes do mercado, por intermédio de diferentes agenciamentos de enunciação produzidos pelas corporações e pela mídia (DELEUZE; GUATTARI, 1997). Com essa leitura, chegamos ao objetivo deste trabalho, que é o de investigar as relações entre natureza, capital e consumo, a partir de um olhar que valoriza a fluidez da temática da sustentabilidade. Tanto nas redes do mercado, quanto a produção da ideia do que poderia ser designado

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como estratégia de “sustentabilidade líquida”, no âmbito da sociedade de controle. Partindo desse objetivo, como pensar então a noção da ideia de “sustentabilidade líquida” a partir das relações entre capital, consumo e natureza, sob a ótica das redes do mercado, agenciadas pelas corporações e pela mídia? De que forma se pode refletir o consumo da natureza, por meio da lógica do capitalismo rizomático no contexto da sociedade de controle? As pistas teóricas trilhadas neste artigo se baseiam nos pensamentos de Gilles Deleuze e Félix Guattari e em autores que consubstanciam e dialogam com o tema analisado. A pesquisa é qualitativa, de caráter exploratório, e se constrói a partir da leitura e análise bibliográfica que orienta essa temática. Faz parte também desta investigação o levantamento documental com exemplos do caso brasileiro, a fim de ilustrar o objeto investigado.

Sociedade de controle: o consumo é a marca O termo “sociedade de controle”, apontado por Deleuze (1992) para designar a sociedade contemporânea, retrata diferentes perspectivas e nuances e tem como clivagem a lógica do consumo: “se na disciplina o capitalismo é dirigido para a produção, no controle é para o consumo” (DELEUZE, 1992, p. 223). Consubstanciando essa reflexão, a lógica da sociedade de controle opera segundo a perspectiva de um capitalismo desterritorializado, como descreve Hardt: [...] com a sociedade de controle, chegamos finalmente a esse ponto, o ponto de chegada do capitalismo. Como o mercado mundial, ela é uma forma que não tem fora, fronteira, ou então possui limites fluidos e móveis. Para retomar o título de minha exposição, a sociedade de controle já é de modo imediato, uma sociedade mundial de controle (HARDT, 2000, p. 372). No âmbito da “sociedade mundial de controle”, segundo Hardt (2000), o consumo torna-se um dispositivo de controle social pós-moderno que as empresas e a mídia passam a adotar, por meio de suas estratégias de produção de modos de ser e criação de desejos, articulando a vida e reproduzindo as novas ordens sociais, onde nada escapa e tudo pode ser capturado (PELBART, 2003).

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Seguindo essa reflexão, a partir do pensamento de Deleuze (1992), a sociedade de controle pode ser pensada, nas ressonâncias pós-modernas, como uma sociedade de consumo/mercado que se configura de forma rizomática. Ou seja, uma sociedade produzida por agenciamentos (e atravessamentos) a partir da multiplicidade de sentidos, valores, conceitos e conhecimentos, em diferentes platôs (DELEUZE; GUATTARI, 1995). Assim, a sociedade contemporânea se constrói por meio de uma modelagem autodeformante, em mudança permanente, cujos processos, malhas, vetores e redes estão em contínua transformação e desconstrução. Tudo e todos estão se produzindo, se controlando e se liquefazendo pelos mais variados movimentos estratégicos de agenciamentos, nos platôs do mercado. A partir dos diferentes movimentos de agenciamentos de enunciação, as empresas e a mídia utilizam dispositivos de controles sociais capazes de criar demandas, mercados e desejos, produzindo e seduzindo novas ordens de consumo. Para Deleuze (1992), o consumo é uma das formas de regulação social do controle, sublimando a ideia de que para ser é preciso ter/consumir. Do contrário, resta a exclusão. A lógica do capitalismo contemporâneo reafirma essa posição. O marketing, tal qual as práticas de responsabilidade social, por exemplo, é assim um dos instrumentos desse controle social adotados por diferentes atores sociais, entre os quais as corporações e a mídia. Segundo a reflexão de Deleuze, a sociedade de controle transforma o consumo em uma “senha de pertencimento” para se estar “dentro” do espaço desterritorializado do capitalismo rizomático. Ampliando essa discussão, a partir das reverberações do capitalismo desterritorializado descrito por Guattari (1981), as estratégias de marketing podem ser vistas sob diferentes ângulos e agenciamentos: na criação de produtos, na produção de imagens e nos discursos midiático e publicitário, por exemplo. Esses agenciamentos parecem metabolizar a estratégia de um capitalismo rizomático, de características conexionistas e imateriais, que produtiliza tudo e todos (PELBART, 2003). No cenário desse capitalismo, a questão da sustentabilidade parece estar sendo fabricada nas redes do

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mercado pelas corporações e pela mídia, a serviço do consumo, sendo a natureza um novo produto. À luz da sociedade de controle, se o movimento do capital na contemporaneidade produz a natureza como uma nova mercadoria, é, portanto, necessário refletir se a própria noção de sustentabilidade poderia ser ressignificada e liquefeita nas mesmas esteiras ondulantes do capital: flexível, rizomático e conexionista, produtor de uma nova ordem social, o “consumo verde”. Considerando o contexto dessa lógica de sustentabilidade, seria possível então pensar que a natureza é produzida como uma nova marca de consumo? Prosseguindo com a reflexão, tendo a sociedade de controle como pano de fundo, as novas relações entre natureza e capital (mediadas pelo consumo) podem ressignificar o sentido da concepção da sustentabilidade na atualidade?

Da concepção de sustentabilidade ao olhar de “sustentabilidade líquida” A noção de sustentabilidade vem sendo objeto de crítica por parte de alguns teóricos socioambientalistas (GONÇALVES, 2001; LOUREIRO, 2003), que a interpretam como um modelo expansionista de mercado a serviço de uma lógica capitalista. Segundo essa lógica, a natureza representa um ativo estratégico para o crescimento macroeconômico dos países desenvolvidos (ricos). Porém, isso se apresenta por meio de um discurso politicamente correto a favor do meio ambiente, cuja preocupação está pautada na integração do bem-estar social, econômico e ecológico do planeta, em especial dos países menos desenvolvidos (pobres), politizando globalmente as questões relacionadas à concepção de sustentabilidade. Como já discutido anteriormente por diversos autores, a noção de sustentabilidade é precedida pela expressão “desenvolvimento sustentável”, que emerge no debate na tentativa de conciliar crescimento econômico e conservação ambiental. Essa foi a tese dominante na Conferência de Estocolmo, em 1972, a partir da premissa de serem incompatíveis desenvolvimento e proteção ambiental. A partir desse pressuposto se delineou um movimento cujo objetivo era o de compatibilizar e racionalizar interesses e recursos, respectivamen-

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te, em prol do futuro e do bem-estar da humanidade (MEADOWS, 1978). Esse movimento gerou posteriormente a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pela ONU, em dezembro de 1983, para estudar e propor uma agenda global com o objetivo de investigar os problemas ambientais do planeta (TAVARES; IRVING, 2009). O Nosso futuro comum resultou portanto desse processo e se tornou um documento norteador da discussão ambiental, centrado em um espírito solidário, supraideológico, a partir de valores homogêneos orientados ao bem-estar da humanidade como uma solução possível para as desigualdades sociais, a conservação de recursos naturais e da diversidade cultural, da integridade ecológica e do crescimento econômico. Sendo entendido como o principal alicerce da concepção de “desenvolvimento sustentável” (ALMEIDA, 2002). Analisando o documento, observa-se um conteúdo que associa desenvolvimento a crescimento econômico, desde que o pensamento desenvolvimentista seja pautado pelos princípios solidários idealmente concebidos, garantindo, hipoteticamente, a compatibilidade entre conservação da natureza e justiça social. Isso, a princípio, parece conflitante, no sentido teórico. Para Pelbart (2003), a estratégia do capitalismo opera na criação e na transformação da questão ambiental em oportunidade de negócio e na expansão do mercado. A releitura entre capital e ambiente, em uma perspectiva mundial ao longo da década de 1980, é assim marcada por um debate conflitante acerca de uma pauta de conciliação entre crescimento econômico e conservação ambiental, que põe em circulação a expressão “desenvolvimento sustentável”, cujo conceito se baseia na noção de capital ambiental ou natural (HAWKEN et al., 2002), conforme também discutido por Almeida: “Para começar a construir o conceito de desenvolvimento sustentável, a Comissão recorreu à noção de capital ambiental. Denunciou a dilapidação dos recursos ambientais do planeta por seus habitantes atuais à custa dos interesses de seus descendentes” (ALMEIDA, 2002, p. 55-56). Ampliando a discussão sobre o conceito de “desenvolvimento sustentável”, Almeida (2002) afirma que é possível conciliar interesses econômicos, ambientais e sociais em uma mesma agenda e introduzir a ideia de ecoeficiência pela qual “o controle ambiental é estratégico e deve ser

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visto como uma vantagem competitiva” (ALMEIDA, 2002, p. 62). Essa ideia foi adotada como um parâmetro de negócio pelo Conselho de Negócios para Desenvolvimento Sustentável, na Eco-92, na combinação da eficiência ecológica e econômica de forma integrada (MICHAELIS, 2003). A partir da concepção positivista de Almeida (2002), observa-se, durante a década de 1990, a entrada em cena do que se poderia denominar de ecologismo dos setores econômicos e produtivos, assim como a influência estratégica da temática econômica, em detrimento das questões ambientais e sociais, por meio da lógica do mercado. Entretanto, Veiga salienta que o desenvolvimento “terá pernas curtas se a natureza for demasiadamente agredida pela expansão da economia” (VEIGA, 2010, p. 50). A participação das empresas no debate da temática da sustentabilidade, iniciada na Eco-92, é um marco do “ambientalismo corporativo” (TAVARES; IRVING, 2009), que estimula e intensifica o discurso de paridade entre interesses aparentemente conflitantes, pois traz à tona uma suposta lógica de equilíbrio entre tensões ecológicas, sociais e econômicas. Nesse sentido, o capitalismo corporativo passa a influenciar a pauta da concepção de sustentabilidade, que tem como foco e promoção os valores do consumo e do marketing ambiental (KOTLER, 2010), impulsionando as bases da chamada “era do consumo verde” (BANERJEE et al., 1995). Nas pistas da produção do “consumo verde”, temas como gestão ambiental, marketing 3.0, produtos e marcas ecologicamente corretos, greenwashing, selos verdes, relatórios de sustentabilidade, balanços socioambientais, certificações ambientais e responsabilidade socioambiental massificam o aforismo da ideia de sustentabilidade, tornando o tema ambiental um atrativo, uma mercadoria espetacular a ser consumida na contemporaneidade. Ou seja, dominada por essa lógica, a natureza passa a ser publicizada e se modela à cultura do consumo (TAVARES; IRVING, 2009). A predominância dos interesses econômicos (sem nenhum cunho ideo­ lógico) é, possivelmente, um importante fator de influência estratégica na desterritorialização da noção de sustentabilidade, a partir da condição de “cultura capitalística” promovida pelas empresas e pela mídia no mercado de consumo. Tendo em vista o modelo de desenvolvimento, inspirado no modelo neoliberal de mercado, se configura o olhar do “consumo verde” como estratégia criativa que contribui para que a temática de

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sustentabilidade se torne também um movimento político-mercadológico para abarcar, inclusive, as novas demandas sociais, à luz do consumo (KOTLER, 2010). Como pode ser observado no discurso difundido pela mídia e pelas corporações para promover a ideia do “consumo verde”, na propagação de valores como consumo responsável, modos de ser ecologicamente corretos e marcas sustentáveis em prol de um mundo melhor (TAVARES; IRVING, 2009). O “discurso verde”, o marketing ambiental e as ações de responsabilidade socioambiental parecem atuar como dispositivos de controle social da mídia e das empresas para a criação de novos mercados de consumo e novas identidades de consumidores. Dessa forma, a noção de sustentabilidade traz um olhar de plasticização, por incorporar valores de consumo por meio da liquefação e capitalização do apelo ambiental (natureza) como uma marca a ser consumida, refletindo o sentido de “cultura-valor” (GUATTARI; ROLNIK, 2000). A incorporação da estratégia de consumo no processo da concepção da sustentabilidade se baseia na mesma lógica que a forjou: a do capital. Outrora, com base em um viés exclusivamente ambiental ou natural, agora também em condições imateriais e conexionistas. E é no contexto da sociedade de controle (DELEUZE, 1992), que se configura a noção de “sustentabilidade líquida”, flexibilizando as relações entre sociedade e natureza, mediadas pelo consumo/mercado. Se a sociedade de controle pode ser entendida como um pano de fundo para pensar a natureza como valor de consumo, de que maneira a concepção de capitalismo rizomático inspira o processo de transformação da natureza em mercadoria?

Estratégias do capitalismo rizomático: conexionista, imaterial e natural A desterritorialização do capital e sua mobilidade ampliam os territórios e domínios das estratégias econômicas e conferem uma nova leitura do capitalismo contemporâneo (PELBART, 2003). De um capital particularmente local e verticalizado a partir do desmanche das estruturas mecanicistas, rígidas, hierárquicas originadas no fordismo e no taylorismo de uma concepção moderna (KUMAR, 1997) para um capitalismo maleável,

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aberto, flexível, transnacional, conexionista e em rede; ou leve, segundo a lógica da “modernidade líquida” (BAUMAN, 2001). Pelbart (2003) contribui para essa reflexão: [...] o mundo conexionista é inteiramente rizomático, não finalista, não identitário, favorece os hibridismos, a migração, as múltiplas interfaces, metamorfoses etc. Claro que o objetivo final do capitalismo permanece o mesmo, visa o lucro, mas o modo pelo qual ele agora tende a realizá-lo [...] prioritariamente através da rede. Capitalismo em rede, conexionista, rizomático [...] um funcionamento mais flexível, ondulante, aberto, com contornos bem definidos, conexões mais múltiplas, em suma [...] rizomáticas. Que o capitalismo tenha se apropriado desse espírito, dessa lógica, desse funcionamento, não poderia deixar-nos indiferentes (PELBART, 2003, p. 97).

Esse capitalismo de caráter rizomático (e sua condição imaterial) passa a ocupar todos os espaços, flexibilizando sua ação no mercado, transformando a natureza em capital, por meio da estratégia de mobilidade em rede. Por essa perspectiva de rede, surge uma nova qualificação de capitalismo: o “capitalismo natural” (HAWKEN et al., 2002), que expressa as relações entre o natural (conservação e fornecimento), a produção e o uso do capital produzido pelo homem. Os autores defendem a ideia de não apenas proteger a biosfera, mas de contribuir para o aumento de lucros e a competitividade das empresas, e refere casos de sucesso de empresas que ganharam com essa mudança. Ou seja, a sinergia entre o capital natural e o capital tradicionalmente conhecido é entendida por Hawken e colaboradores (2002) como a “próxima Revolução Industrial”. Contudo, Gonçalves (2001) destaca que, na contemporaneidade, o capital subjuga a natureza, posto ser ela tão somente entendida como um “recurso” natural. O autor esclarece que: “[...] fica evidente, portanto, que o capital não pode ficar na dependência dos tempos da natureza, mas requer, ao contrário, a subordinação a si” (GONÇALVES, 2001, p. 122). Entretanto, a perspectiva da lógica do capitalismo natural (a partir do sentido de “cultura-valor”) é refinada no contexto da sociedade de controle. Pois reflete a vida como uma questão estratégica de consumo, e a natureza é configurada tanto pelo olhar de lucratividade na competição quanto pela noção de “responsabilidade socioambiental”, ecoeficiência, vantagem competitiva, produção de imagem, gestão de novos produtos, 84

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imagem de marca, identidades ecologicamente corretas e todos os movimentos que possam conduzir ainda mais sua expansão capital. Essa ordem capitalística é projetada de forma rizomática na realidade do mundo, no campo psicossocial e na cultura. Além disso, se relaciona em diferentes espaços, platôs e contextos, produzindo movimentos e “fabricando” a relação do homem com o mundo e consigo mesmo. O capitalismo rizomático produz subjetividades que são reguladas pelo desejo e pelo consumo. Para Hardt e Negri (2001), esse capitalismo se configura sob o regime identitário de um Biopoder, que articula a vida social como um objeto de poder. O conceito de Biopoder, engendrado pela produção conexionista do movimento do capital (PELBART, 2003), é expresso como um controle, que se estende e se amplia por todas as dimensões psíquicas, sociais, políticas, culturais, ecológicas e econômicas, sendo perpassadas pelo consumo, segundo o olhar de “cultura-valor” descrito por Guattari e Rolnik (2000). Ademais, a lógica do capitalismo rizomático ressignifica e maximiza o sentido de lucro. Assim, o lucro produzido por essa nova forma de operação do capital não decorre do sentido tradicional de “mais-valia”, mas, fundamentalmente, da sua expansão desterritorializada, da produtividade, do lobby, da estratégia de terceirização, e também da ênfase na gestão de inovação tecnológica. Isso se complementa na “responsabilidade” socioambiental, na pressão por patentes, na ampliação global das marcas (branding), na criação de novos mercados de consumo e em outros movimentos/agenciamentos possíveis que possam ser produzidos. A partir dessas estratégias de agenciamentos, o capitalismo contemporâneo produz subjetividades e modos de ser cada vez mais comprometidos em uma incontrolável e vertiginosa expansão do mercado (GUATTARI, 1981). No cerne dessa ampliação, encontram-se novos dispositivos de controle e participação social, principalmente por meio da “máquina de consumo”, que não cessa de criar e produzir desejos (PELBART, 2003). A perspectiva do capitalismo rizomático ou conexionista é imaterial e integrado porque, além de operar em redes flexíveis, se expressa de forma desterritorializada, simbiótica e sinergética (GUATTARI, 1981), de maneira que nenhuma atividade humana fique fora do seu controle. Visto que

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a função desse novo capitalismo é a recomposição de produção e da vida social, a partir de sua própria fluidez, tornando inclusive capitalizável o que não era capital (PELBART, 2003). Além disso, o poder desse novo capitalismo metaboliza a vida e produz novas relações. E, principalmente, interfaces, prioritariamente a partir do sentido de rede (de forma conexionista), operando segundo a lógica de uma máquina de guerra (PELBART, 2003). Não como uma “toupeira”, mas como uma “serpente” (DELEUZE; GUATTARI, 1997), flexível, ondulante, aberta, de alta mobilidade, atravessando todos os espaços. Assim, a lógica do capital ganha novos contornos e novas dimensões para reafirmar sua esfera rizomática e o sentido de “cultura-valor”: ele é intangível, social, simbólico, econômico, especulativo, intelectual, tecnológico, cultural, político, corporativo, ambiental e humano. Ou seja, ilimitado; cada vez mais sinergético e sempre em movimento para o consumo. A endogeneização do movimento do capital contemporâneo, a partir de uma nova ordem mundial – sociedade de controle (DELEUZE, 1992) –, oxigena e reflete o marketing do “consumo verde”, transformando a natureza em objeto de desejo e de consumo (PELBART, 2003). Essa transformação é articulada nas esteiras da “sociedade de mercado”, que, de acordo com Bauman (2008), se liquefaz no contexto de uma “modernidade líquida” (BAUMAN, 2001). Uma pista para compreender esse movimento é a noção de capitalismo natural integrada às relações conexionistas e imateriais. Nesse sentido, a lógica da “cultura capitalística” (GUATTARI; ROLNIK, 2000) sublinha a natureza como protagonista da estratégia do capitalismo natural que amplia os seus territórios em direção ao consumo (DASGUPTA, 2007), transformando o não capitalizável em valor de mercado, sob a égide de uma “cultura valor” (GUATTARI; ROLNIK, 2000). O seu objetivo é fomentar as relações produtivo-econômico-subjetivas de modo que nada escape. Dessa forma, partindo-se da condição rizomática do capital natural, a natureza passa a representar uma infinita gama de valores e não somente os valores ambiental, econômico e competitivo. Refletindo a lógica de capital natural a partir das premissas do conceito de capitalismo rizomático, a concepção de natureza-valor se estende

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pelos diferentes platôs/ redes de mercado. Dessa forma, a mobilidade da ideia de capitalismo rizomático é agenciada por meio da conquista e da produção de novos mercados (e demandas), por meio da criação e captura de desejos (GUATTARI, 1981; PELBART, 2003), desenvolvendo, continua­ mente, valores de (e para o) consumo, conforme salienta Bauman (2008). Um desses valores, de certo, é a produtilização da natureza. Embalada por esse sentido “liquefeito de sustentabilidade”, a natureza, via as práticas do denominado “consumo verde”, também se torna uma importante mercadoria na perspectiva do capitalismo rizomático, no sentido de um olhar imaterial. A lógica do capitalismo imaterial opera na transformação do não capitalizável em valor de mercado. Assim, o capitalismo contemporâneo “transforma o não capital em capital, não só paisagens, ritmos, mas também maneiras de ser, de fazer, de ter prazer [...], na intuição de antecipar os desejos do público” (PELBART, 2003, p. 104). E além da criação e produção de desejos, se constrói o sentido de mercantilização da diferença, da originalidade. A partir do conceito da ideia de “sustentabilidade líquida”, emergem novos valores associados à natureza como estratégia de mercantilização da autenticidade. Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que ocorre a espetacularização da natureza como produto de consumo estetizado pela diferença, a própria concepção de natureza-mercadoria se fragiliza. Pelbart (2003) discute esta afirmação: O exemplo dos produtos ecológicos é gritante, na medida em que eles foram incorporados ao mercado, ao passo que uma suspeita crescente derrubou sua lucratividade, dada essa dinâmica própria ao desgaste inerente à mercantilização da autenti­cidade (PELBART, 2003, p. 104).

A imaterialidade do capital, ao mesmo tempo em que gera uma liberdade de mercantilização da vida e de todas as esferas da existência, se configura também de modo a criar novas conexões. E a produzir mercados de consumo ávidos pela diferença, que passam a vender novos discursos de ressignificação da natureza, especialmente sob a forma de produtos efêmeros e descartáveis. Esse movimento de obsolescência da natureza, produzido pela mídia e pelas corporações, se perpetua e se impulsiona. Todavia, o movimento não se encerra, ou seja, novas bolhas de mercado

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e de consumo surgirão na busca conexionista de novos apelos de autenticidade como um processo que se retroalimenta. A partir do olhar da concepção de um capitalismo rizomático, como pensar então a relação entre a concepção de “sustentabilidade líquida”, no campo do movimento do consumo, sendo a natureza um valor de mercado?

O consumo da natureza: o valor “verde” como grife Segundo Guattari e Rolnik (2000), só há uma cultura: a capitalística, cuja referência é estabelecida de acordo com a “cultura-valor” praticada pelo mercado, que atualmente semiotiza a natureza como valor de consumo e marca. Assim, ideias e produtos com apelos ecológicos e/ou vinculados à denominada “responsabilidade socioambiental” vêm ganhando prestígio no mercado, e sendo “politizados” como valores de mercado pelas corporações e pela mídia. O assunto foi tema central no debate da Comissão de Consumo Sustentável de Oxford, em abril de 1999 (MICHAELIS, 2003). O crescimento do consumo desses produtos e serviços no mercado, segundo Holliday (2002), se baseia tanto nos esforços de marketing e comuni­cação, quanto na imagem criada para os mesmos, a partir da lógica de um espetáculo (PELBART, 2003). Complementando o pensamento de Pelbart (2003), segundo Debord (1997, p. 25) se o “[...] espetáculo é o capital em tal grau de acumulação que se torna imagem”, é mister considerar que o marketing ambiental (por intermédio de dispositivos de controle social como a publicidade e a propaganda) pode ser considerado uma das estratégias que contribui para produzir o consumo da natureza. Este impulsionado pela lógica do capitalismo rizomático/ imaterial, turbinando “produtos verdes” como “marcas com alma” (KOTLER, 2010; TAVARES, 2005), cujas imagens são espetacularizadas pelas campanhas de comunicação de marketing (PELBART, 2003; TAVARES; IRVING, 2009). Lazzarato e Negri (2001) complementam esse olhar e afirmam: Mais precisamente ainda: a publicidade não serve somente para informar sobre o mercado, mas para constituí-lo. Entra em relação ‘interativa’ com o consumidor, voltando-se não só às suas necessidades, mas,

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sobretudo aos seus desejos. Não se volta somente às suas paixões e às suas emoções, mas interpela diretamente a razão “política”. Não produz somente o consumidor, mas o “indivíduo” do capitalismo imaterial (LAZZARATO; NEGRI, 2001, p. 63).

Lançando uma luz sobre esse debate, quando se trata de mercado e do consumo da natureza, o próprio “consumo verde” está na esfera do espetáculo. Pela mídia, por meio do “discurso verde” presente nas diferentes pautas jornalísticas que publicizam a natureza como oportunidade de negócio e incentivam o consumo de produtos com apelos ecológicos (TRANNIN; IRVING, 2005; TAVARES; IRVING, 2009). E também pelos programas de responsabilidade socioambiental, desenvolvidos pelas empresas que posicionam suas marcas nesse contexto, como um diferencial competitivo (PORTER; LINDE, 1995). Ambos os movimentos criam uma imagem singular e com reputação, por meio de diferentes agenciamentos coletivos de enunciação capazes de configurar um mercado consumidor que deseja a natureza como um produto a ser consumido com alto valor mercadológico. Nesse sentido, a natureza, a partir do desejo de autenticidade, se transforma então em uma nova marca/mercadoria. A espetacularização da natureza provoca então uma estratégia de “produtilização” do “verde”, como forma de mercantilização de autenticidade na condição de uma “grife” diferenciada (PELBART, 2003), para a qual todos os atores sociais convergem e se apoderam, fazendo parte do trade “verde”. Nesse cenário de transformação da natureza em mercadoria, o capitalismo rizomático tem papel estratégico. O mercado do “consumo verde”, graças aos maciços investimentos realizados pelas empresas em campanhas de comunicação de marketing, vem se destacando na criação e oferta de “produtos verdes”, que passam a incorporar novos enfoques, tais como: qualidade do processo de fabricação de forma sustentável; produtos fabricados com a quantidade mínima de materiais; acondicionamento em embalagens leves e recicláveis; utilização de matérias-primas recicláveis; conservação de recursos naturais; eficiência em termos energéticos; maximização da segurança ambiental do consumidor; certificações ambientais; durabilidade; reutilização e substituição por refis; reciclagem e refabricação; e características compostáveis e degradáveis (TAVARES; IRVING, 2009). Dessa forma, o marketing ambiental e suas

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premissas ecológicas passam a fazer parte das estratégias empresariais, a partir de abordagens que enfatizam o olhar da ideia de “sustentabilidade líquida”. Os apelos utilizados nos produtos ecológicos são desenvolvidos a partir das promessas do marketing ambiental, como uma ferramenta empresarial na alavancagem do “negócio verde” no mercado. Assim, o “marketing verde” investe na criação de novas demandas, capturando os desejos de mercado, segundo a estratégia do capitalismo rizomático, que impulsiona os produtos com apelos ecológicos. Segundo os mesmos autores, o pensamento estratégico que reflete a abordagem desse capitalismo, no cenário da sociedade de controle, passa também a ser incorporado por diferentes atores sociais no processo do “consumo verde”. A discussão do tema da sustentabilidade é a chave para se pensar a questão desse consumo que é retratado como um poder de (e sobre o) mercado. Dessa forma, com base em uma estratégia de sustentabilidade que também é “líquida”, todos os atores se apoderam da ideia de um “poder verde” circulante, no sentido de um Ecopoder, com o objetivo de promover a natureza como uma marca de consumo. Nesse caso, o sentido de natureza como capitalizável/objeto de consumo remete à ideia de uma “vida melhor”, a partir do diferencial de imagem construída pelo denominado “consumo verde”, como atitude de fazer o bem, de um agir politicamente e ecologicamente corretos. E, nesse caso, todos os atores sociais envolvidos no processo desse consumo legitimam a produção do Ecopoder, um poder circulante e capital em que todos, com todos e por meio de todos, se influenciam, se controlam, se produzem e se consomem. E não somente as empresas e a mídia. O Ecopoder também se expressa como “lucro com ética” e “lucro per­ doado”, por intermédio de um Ethos ambiental, mercadológico, que aproxima e, ao mesmo tempo, amplia e enverniza as questões econômicas e sociais. Sob a grife da estratégia de “sustentabilidade líquida”, na qual, contudo, o enfoque ambiental não é protagonista (TAVARES; IRVING, 2009). Por intermédio da perspectiva da concepção de sustentabilidade que também se configura “líquida”, a natureza é objeto de poder; o capital se apropria da natureza; e assim a natureza passa a incorporar valor como uma nova grife de mercado: uma “Natureza S/A”.

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Refletindo algumas ressonâncias sobre o consumo da natureza no Brasil As questões sobre a noção de sustentabilidade, em especial o consumo da natureza, têm sido atravessadas por movimentos corporativos e midiáticos agenciados pelas ações de marketing ambiental, da responsabilidade social e do “discurso verde” veiculadas na mídia em geral e na publicidade. Segundo pesquisa da Aberje,1 em 2008, a questão da sustentabilidade foi veiculada nos principais jornais e revistas2 do Brasil, sendo pauta em 256 matérias jornalísticas. O enfoque econômico dessas matérias, incluindo temas como consumo consciente, competitividade, iniciativas empresariais sustentáveis e práticas capitalísticas, teve uma participação de 12% nessas reportagens. Em 2012, conforme a mesma fonte, os números só aumentaram. A pauta da temática da sustentabilidade apresentou um crescimento de mais de 180% na mídia, em relação a 2008. Portanto, no discurso da mídia impressa brasileira o enfoque econômico da questão da sustentabilidade passou de 12% em 2008 para 20% em 2012. Refletindo os dados da pesquisa da Aberje, no período de 2008 a 2012, a temática da sustentabilidade tem sido objeto de veiculação por grande parte da mídia brasileira. Nesse contexto, vem sendo observado um forte apelo econômico/mercadológico que destaca a perspectiva de uma cultura capitalística, na publicização de questões sustentáveis atreladas aos movimentos corporativos e de consumo, que estão sendo agenciados pela mídia. Os resultados dessa pesquisa confirmam os argumentos propostos por Tavares e Irving (2009), que também mencionam ser o “discurso verde” produzido pelos mass media como temas de ordem econômica que espetacularizam a natureza, sob a perspectiva de uma nova mercadoria. Além disso, os autores salientam que o sentido da natureza tem o seu valor posicionado na ideia de uma “vida melhor”, como um slogan publicitário atrelado às questões da sustentabilidade, disseminado pelo marketing ambiental de diversas empresas. Ademais, a questão da sustentabilidade tem sido administrada pelas corporações como vantagem competitiva nas tomadas de decisão estratégica,

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conforme divulgado pelo Portal do Varejo,3 segundo a pesquisa realizada pela Vendatrix. Ela mostra que a redução de custos é o fator determinante para os gestores de empresas na utilização da temática da sustentabilidade como estratégia de negócios no mercado brasileiro. Prosseguindo com a mesma fonte, 90% dos executivos entrevistados aprovam que a liberação dos recursos para um projeto que envolva o tema sustentabilidade tenha como foco estratégico, além da redução de custos da empresa, o aumento de lucro. Um outro fator também tem sido determinante nas estratégias empresariais quando se relaciona as questões da sustentabilidade ao consumo e à responsabilidade social e empresarial. Para o Instituto Market Analysis,4 o aumento do consumo de produtos “verdes” no Brasil tem incentivado muitas empresas a direcionarem suas estratégias a partir do posicionamento de marketing ambiental “ecologicamente correto”. A pesquisa descreve ainda que os anúncios veiculados nas revistas Veja e Exame5 com apelo de responsabilidade social e empresarial (RSE) e sustentabilidade corporativa cresceram, entre 2003 a 2009, em torno de 58% no período. Considerando a veiculação publicitária no período analisado, no segmento de RSE e sustentabilidade corporativa, o foco ambiental tem sido bastante utilizado. Entretanto, a qualidade do conteúdo de comunicação pouco reflete compromissos tangíveis e transparentes com a temática ambiental: apenas 20% do conteúdo dos anúncios mostram de fato os resultados obtidos com suas ações e o investimento realizado. O Estudo Monitor de Responsabilidade Social Corporativa 2010, também realizado pelo Instituto Market Analysis, aponta que nas campanhas de marketing das empresas brasileiras há muito greenwashing (“maquiagem verde”) no discurso publicitário, passando por abordagens enganosas na comunicação como custos ambientais camuflados, falta de prova, incerteza, rótulos falsos, sendo esses os principais fatores destacados no estudo. Além disso, as empresas brasileiras que lideram o ranking do Guia Exame de Sustentabilidade, no período de 2009 a 2012, evidenciam suas ações de RSE em seus sites e a maioria das empresas vencedoras também é listada no ISE/BOVESPA (GOMES et al., 2013). Partindo da noção de capitalismo rizomático, as empresas que se notabilizam nesse Guia

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agregam valor às suas marcas, construindo uma imagem positiva e adicionando valor econômico aos seus negócios. A partir da estratégia de um “discurso verde” produzido pela mídia e replicado pelas empresas, o tema da sustentabilidade torna-se um diferencial competitivo, valorizado e agenciado por ações de RSE premiadas, que incentivam as práticas do “consumo verde” no mercado. O “discurso verde” é também comunicado sob outras formas. Conforme também discutem e relatam Tavares e Irving (2009), diversas campanhas publicitárias (de RSE à venda de produtos e serviços com apelos ecológicos) de grandes empresas no Brasil, assim como reportagens veiculadas nas principais revistas de circulação nacional, enfatizam a produção de uma identidade ecologicamente correta, por meio dos seus discursos, como um “modo de ser verde”. Sendo este considerado uma identidade prêt-à-porter modelada pelo mercado do “consumo verde”, que expressa valores, atitudes e ações de uma ordem social, na qual representa uma “ética” a ser consumida. O olhar da temática da sustentabilidade no Brasil vem se configurando, assim, pela perspectiva mercadológica, espelhando a lógica do capitalismo rizomático, considerando o cenário da sociedade de controle no qual o consumo é uma característica determinante. Nesse cenário, a estratégia de sustentabilidade se liquefaz nos platôs do mercado como uma marca capitalizada pelos principais atores sociais envolvidos em sua produção (por intermédio de diferentes agenciamentos), sobretudo na produtilização do sentido da natureza, segundo a ideia de “cultura-valor”.

Considerações finais A concepção da lógica de uma sustentabilidade que é “líquida” passa a constituir uma grife a ser apropriada por diferentes atores sociais, especialmente pelas corporações e pela mídia. Nas tessituras de um capitalismo rizomático, que é conexionista, imaterial e natural, a ideia de sustentabilidade “liquefeita” se desterritorializa como um “discurso vazio”. Solução para um mundo melhor para tudo e todos, a partir da perversa relação entre consumo e capital, sendo que este se torna também liquefeito e metamorfoseado nas redes do mercado, no contexto da sociedade de controle, à produção do consumo da natureza.

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O capitalismo rizomático conduz à mercantilização da vida e de todas as esferas da existência (onde nada se escapa), sobretudo pela ideia da transformação da natureza em valor de mercado. A mobilidade do capital e a produção de novos desejos, de forma imaterial e conexionista, implicam a produção incessante de novos valores, na criação contínua de mercados autênticos e de novos modos de ser como forma de plasticizar e publicizar o sentido da natureza como signo-mercadoria. Isso a partir de um movimento permanentemente oxigenado (“naturezanaturada”/“natureza-naturante”), por intermédio de agenciamentos de enunciação como o esforço de marketing ambiental, a estratégia de responsabilidade socioambiental e a midiatização do “discurso verde”, produzidos tanto pelas empresas quanto pela mídia. Esses movimentos posicionam a questão da sustentabilidade como um conceito capitalizável (“Natureza S/A”), remetendo à ideia de uma vida melhor, por meio do diferencial que vem sendo internalizado pela imagem do “consumo verde” como atitude de fazer o bem em sociedade. Assim, todos os atores sociais envolvidos no processo desse consumo legitimam a produção de um Ecopoder, um poder circulante e capital em que todos se influenciam, se controlam, se produzem e se consomem, mutuamente, nos diferentes platôs do mercado. À luz dessa estratégia, são produzidos desejos, imagens, atitudes, modos de ser e subjetividades. Principalmente, na tensão construída a partir da noção de responsabilidade cidadã, da produção de uma “consciência ambiental”, do “parecer ecologicamente correto”, das temáticas de marketing ambiental e negócios verdes, das políticas de consumo responsável dos recursos naturais. E de um conjunto complexo de temas sobre questões econômicas, sociais e ambientais estetizados pela ilusão de uma vida melhor, veiculados de forma espetacularizada e “ecologicamente correta” pela mídia e pelas empresas, reafirmando a concepção de “sustentabilidade líquida”, que é mediada pelo discurso do consumo, segundo as premissas do capitalismo rizomático, no sentido de uma estratégia de “cultura-valor”. A partir das estratégias desse capitalismo e dos agenciamentos de enunciação, é configurada a ideia da “sustentabilidade líquida”, que tem como pano de fundo a lógica de uma sociedade de controle, produzindo o “consumo verde” como uma nova ordem social e a natureza como uma grife/ marca de mercado. 94

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Destarte, o consumo (e sua “faceta verde”) se desenvolve, na condição da cultura capitalística, à criação de imagem de marcas, produtos, serviços, discursos e ações socioambientalmente responsáveis voltadas à qualidade de vida e ao bem-estar dos indivíduos e da sociedade. Mas produzindo um “modo de ser verde” que posiciona e reverbera a natureza como uma marca de valor e um produto a ser consumido, na “sociedade de mercado”. As relações entre natureza, capital e consumo são articuladas segundo uma estratégia que poderia ser qualificada como “sustentabilidade líquida” na captura de novos valores e na criação de novos mercados, como o “consumo verde”, na produção fluida e imaterial de ideias que os atores sociais envolvidos em sua produção vendem e consomem.

Notas 1 Associação Brasileira de Comunicação Empresarial. Disponível em: <http://

www.aberje.com.br. Acesso em: 26 fev. 2013. 2 Revistas: Veja, Exame, Istoé, Época e Carta Capital. Jornais: O Estado de S.

Paulo, Folha de S. Paulo, Gazeta Mercantil, Valor Econômico, O Globo, Jornal do Brasil, Gazeta do Povo, Estado de Minas, Zero Hora e Correio Braziliense. 3 Disponível em: http://www.portaldovarejo.com.br. Acesso em: 27 jan. 2014. 4 Disponível em: <http://www.marketanalysis.com.br>. Acesso em: 29 jun.

2014. 5 Segundo o Instituto Verificador de Circulação (IVC), em 2013 a revista Exame

foi considerada a publicação nacional de maior tiragem no segmento de negócios e a revista Veja no segmento de interesse geral.

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Carlos Frederico B. Loureiro

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Maryane Vieira Saisse Cientista social e mestre em Educação. Doutora em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social pelo Programa EICOS (IP/UFRJ). Tecnologista no Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, onde responde pela coordenação do Serviço de Educação Ambiente, também atuando como pesquisadora e docente. Membro da Comissão Intersetorial de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente. Integrante do Laboratório de Investigação em Educação, Ambiente e Sociedade da Faculdade de Educação da UFRJ. Autora de artigos acadêmicos e de material paradidático na área da educação ambiental.

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Resumo A crise ambiental de caráter planetário tem nos obrigado a repensar a relação dos seres humanos entre si e com a natureza. Ameaçados os recursos naturais e a manutenção da vida, a necessidade de limitar o crescimento econômico parecia inevitável quando foi forjada internacionalmente a ideia mobilizadora de sustentabilidade, princípios por meio dos quais seríamos capazes de conciliar desenvolvimento e proteção ambiental, garantindo em longo prazo a existência social e de outras espécies. Este artigo tem por objetivo relacionar justiça social e sustentabilidade, analisando a potencialidade dessa concepção em uma sociedade caracterizada pela desigualdade e por diferentes meios de relacionamento com o ambiente e seus recursos. E defende que uma perspectiva preponderantemente tecnológica e reorientadora de comportamentos não será suficiente para nos conduzir a um cenário “ecologicamente equilibrado, economicamente viável e socialmente justo”. Palavras-chave: Sustentabilidade. Conflitos ambientais. Justiça social.

Abstract The environmental crisis is a worldwide phenomenon and has obliged us to rethink our relationships between us as human beings as well as with nature. Threatening both natural resources and life itself, the necessity of limiting economic growth seemed inevitable when the idea of sustainability was forged as an international principal, by means of which we would be able to reconcile development and environmental protection, thus guaranteeing the long-term social existence of other species. The aim of this work is to relate social justice and sustainability, analyzing the potential of this concept of a society characterized. By inequality and different means of relating to the environment and its resources and defending that a perspective in which technology and behavioral reeducation won’t. Be sufficient enough to lead us to an “ecologically balanced, economically readable, and socially just” scenario. Keywords: Sustainability. Environmental conflicts. Social justice.

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Introdução Como expressão derivada do conceito de desenvolvimento sustentável, na busca por conciliar as noções de desenvolvimento e proteção à natureza, sustentabilidade, nos termos do relatório Nosso futuro comum, constitui uma expressão percebida, por muitos, como via para reflexão da crise ambiental. Tem implicações econômica e social, com a intenção de mobilizar a sociedade para a busca de objetivos comuns, que considerem as interrelações de pessoas, recursos, proteção do ambiente e desenvolvimento. E, evidentemente, esse não é um conceito linear. O conceito de desenvolvimento sustentável tem, é claro, limites – não limites absolutos, mas limitações impostas pelo estágio atual da tecnologia e da organização social, no tocante aos recursos ambientais e pela capacidade da biosfera de absorver os efeitos da atividade humana. Mas tanto a tecnologia quanto a organização social podem ser geridas e aprimoradas a fim de proporcionar uma nova era de crescimento econômico (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1991, p. 9). Já foi provado que é possível um país lucrar, tendo uma consciência ambiental. A sustentabilidade econômica é a base de uma sociedade estável e mais justa, além de abrir diversas possibilidades dentro de todos os setores da comunidade. O país que consegue conciliar desenvolvimento econômico com desenvolvimento sustentável se torna livre da dependência de recursos e da concessão de outros países ou uniões econômicas (ECONOMIA..., 2010).

A crise ambiental é também entendida como crise civilizatória, oriunda das relações de produção na sociedade e, nesse caso, o conceito de desenvolvimento sustentável seria instrumentalizado para camuflar contradições como mostra o seguinte argumento: Não se trata de existir ou não limites físicos; para a prática humana, o problema não é esse, mas de contradições sociais, que provocam diferenças de acesso à natureza e que podem conduzir, eventualmente, a catástrofes ambientais [...] as soluções são em primeira instância sociais. Somente depois de resolver as contradições sociais as alternativas técnicas ganham sentido [...] para responder à crise ambiental, há que se entender, primeiro, quais são as contradições das relações sociais de produção que a provocam. Ao insistir nos limites físicos desvia-se a atenção do problema central, já que a crise ambiental, ainda que possa ser visível ou explicite um desajuste entre o ser humano e a natureza, é essencialmente uma crise das relações sociais entre seres humanos (FOLADORI, 2001, p. 137).

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O desenvolvimento da ideia de sustentabilidade indica que ela se origina na preocupação em atender às necessidades de adequação da reprodução do capital em detrimento da própria defesa da proteção à biodiversidade, da justiça social e exterminação da pobreza. A força mobilizadora desse conceito colabora para que a noção de sustentabilidade seja usada por agentes sociais de diversos posicionamentos, ocultando os sentidos por vezes nada conciliatórios do que se pretende sustentar e por quais meios. O que fica evidente para o senso comum é que sustentabilidade é um caminho desejado por todos, legitimado nas políticas públicas, defendido nos movimentos sociais e difundido no mercado, como um falso consenso. Por um lado, parece aumentar entre a população o conhecimento do discurso ecológico e a inserção de medidas visando sustentabilidade em políticas públicas, ainda que com enfoque predominante nas questões urbanas. A título de exemplo, podemos citar algumas terminologias como mobilidade, consumo sustentável, gestão de resíduos, alternativas energéticas para ilustrar essa afirmação. Por outro lado, estudos recentes apontam o crescimento de conflitos sociais vinculados a algum tipo de disputa na apropriação do ambiente, segundo Fuks (2001). Sejam eles de caráter distributivo, espacial ou territorial, conforme tipologia criada por Zhouri e Laschefski (2010). Para os autores, os conflitos ambientais, em geral, revelam modos diferenciados de existência que colocam em questão o conceito de desenvolvimento, e expressam a luta por autonomia de grupos que resistem ao modelo de sociedade moderna. Ilustrativo dessas afirmações é o Mapa de conflitos envolvendo injustiça ambiental e Saúde no Brasil com cerca de 300 casos de conflitos ambientais distribuídos em todo o país. Desenvolvido em conjunto pela Fiocruz, Fase e Ministério da Saúde, o objetivo principal do mapeamento foi identificar e espacializar os conflitos, a fim de apoiar a luta de populações e grupos atingidos/as em seus territórios por projetos e políticas baseadas em uma visão de desenvolvimento considerada insustentável e prejudicial à saúde por tais populações (ACSELRAD; LEROY, 2006; FIRMO et al., 2013). Entre os resultados da pesquisa, pode-se perceber que 50% dos casos estão situados nas regiões Norte e Nordeste, envolvendo principalmente o agronegócio, a mineração e obras de infraestrutura, como hidrelétricas,

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rodovias e transposição do Rio São Francisco. Os conflitos ambientais ficam em sua maioria na região rural, o que se explica pela busca por recursos naturais e terra no caso do agronegócio, da mineração (ferro-aço e bauxita-alumínio) e de grandes empreendimentos de infraestrutura, como hidrelétricas e rodovias. Estas atendem ao atual padrão do desenvolvimento brasileiro, atingem vastos territórios e inúmeros grupos e populações tradicionais. No entanto, configuram graves casos de injustiça ambiental, atingindo principalmente populações que vivem nos campos, florestas e região costeira nos territórios da expansão capitalista: povos indígenas, agricultores familiares, comunidades quilombolas, pescadores artesanais e ribeirinhos. Os principais impactos socioambientais se referem à alteração no regime tradicional do uso de solo, bem como a problemas na demarcação dos territórios de terras indígenas, quilombolas ou para a reforma agrária, estando relacionados à disputa por territórios por parte de setores econômicos. Embora aparecendo em menor grau no Mapa, o impacto nos territórios urbanos está presente em questões como poluição, enchentes, formação de lixões, acidentes ambientais e regulação fundiária. Quanto à saúde ambiental o resultado aponta para a piora na qualidade de vida como o principal problema levantado pelas populações atingidas em suas lutas. E isso decorre da percepção de como a disputa territorial e o modelo de desenvolvimento estão impactando seus modos de vida. Outras questões de saúde se referem aos problemas de insegurança alimentar, das doenças não transmissíveis (como o câncer e as doenças respiratórias decorrentes da poluição química), da falta de assistência médica adequada e do agravamento de doenças transmissíveis pela degradação ambiental e carência de saneamento básico. Questões que aparecem de forma relevante nos conflitos. Existem dois grandes grupos de causas de injustiças ambientais identificados no trabalho. O primeiro referente às atividades econômicas e seus agentes que, ao interferirem nos territórios e modos de vida das populações, geram inúmeros impactos e conflitos. O segundo grupo está associado à deficiência do próprio poder público e entidades governamentais, incluindo problemas associados à atuação do judiciário e/ou dos ministérios públicos e a deficiência das políticas públicas e legislação ambiental na atuação junto a essas populações (FIRMO et al., 2013). 104

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Por essa pequena mostra se evidencia a impossibilidade de simplificar a relação entre sustentabilidade e justiça social, como se uma fosse caminho garantido para outra. Entendendo justiça ambiental como preceito para sociedades mais dignas nas relações entre homens e mulheres e o meio ambiente, o que podemos ter como horizonte é a inevitabilidade de esses conceitos estarem relacionados. Sem perder de vista que no meio dessa relação há conflito de interesses nos objetivos (por que e o que sustentar para quem) e nas significações (econômicas, sociais). O que pretendemos com este artigo é trazer à tona o tensionamento que envolve esses dois conceitos. Não com a intenção pessimista de desacreditar vias menos insustentáveis para continuarmos caminhando, mas de contribuir para a compreensão de que a construção de sociedades sustentáveis só merecerá essa adjetivação se for justa e viável para todos os sujeitos dessa história. Por isso, na primeira parte do texto abordaremos as origens e adaptações da ideia de sustentabilidade. Em seguida trataremos de conflitos ambientais e da busca por justiça social, finalizando com um panorama de ações e de políticas públicas criadas nessa interface, analisando possibilidades para o estreitamento entre sustentabilidade e justiça social.

Sustentabilidade: desenvolvimento de um conceito polissêmico O debate ambiental surgiu marcado pelo antagonismo entre desenvolvimento e conservação ambiental. Na maior parte do mundo, ocorreu no modelo de desenvolvimento hegemônico, em um cenário de desastrosas consequências ambientais e sociais. Nessa configuração, países menos desenvolvidos buscavam estratégias de modernização, apoiadas por instituições financeiras internacionais. Visando investimentos em infraestrutura de transporte, de energia e de indústria de base para acelerar o crescimento econômico, em uma lógica que demandava cada vez mais apropriação de espaço (e expropriação de territórios), exploração de recursos naturais (desmatamento, ameaça à biodiversidade, contaminação de rios, lagos e mares) e endividamento público. A preocupação com a finitude dos recursos naturais e a perspectiva do capitalismo e do crescimento econômico despontam ao final dos anos 1960, quando o empresário da indústria italiana, Aurélio Peccei, funda

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o Clube de Roma e encomenda um estudo a pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. O relatório produzido, Os limites do crescimento (MEADOWS, 1978), relacionava quatro grandes questões que deveriam ser solucionadas para que se alcançasse um desenvolvimento mais sustentável: controle do crescimento populacional, controle do crescimento industrial, insuficiência da produção de alimentos e o esgotamento dos recursos naturais. Após sua publicação, em 1972, a defesa de um desenvolvimento que respeitasse esses limites tomou um grande impulso no debate mundial, atingindo o ponto culminante na Conferência das Nações Unidas de Estocolmo, naquele mesmo ano. Dez anos depois, sob o crescimento de movimentos em defesa da ecologia, com as crescentes críticas ao modelo de produção capitalista, e em um quadro de agravamento de crise ambiental e econômica em escala global, a expressão “desenvolvimento sustentável” foi cunhada pela primeira vez no Nosso futuro comum, documento discutido por inúmeros autores, e que está na origem do estabelecimento da Comissão sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1991) Definido como “o desenvolvimento que satisfaz às necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as futuras gerações satisfazerem as suas próprias necessidades”, esse ideário continha condições apontadas no relatório. Como, por exemplo, a necessidade de uma “maior cooperação entre os países em desenvolvimento e entre países em estágios diferentes de desenvolvimento econômico e social na busca e consecução de objetivos comuns e interligados que considerassem as inter-relações de pessoas, recursos, ambiente e desenvolvimento” (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1991). A satisfação das necessidades e as aspirações humanas seriam, por essa lógica, alcançadas adotando-se estratégias – nacionais e internacionais – que buscavam harmonizar a exploração dos recursos, a direção dos investimentos e o desenvolvimento tecnológico (BARBIERI, 1997). Outra formulação para um desenvolvimento sustentável surgiu da autoria do economista Ignacy Sachs, como Ecodesenvolvimento: Desenvolvimento endógeno e dependente de suas próprias forças, tendo por objetivo responder à problemática da harmonização dos objetivos sociais e econômicos do desenvolvimento com uma gestão ecologicamente prudente dos recursos e do meio (SACHS, 1981, p.14).

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Referia-se, segundo Sachs a um projeto de civilização, na medida em que evoca: um novo estilo de vida; conjunto de valores próprios; conjunto de objetivos escolhidos socialmente; e visão de futuro. Sachs propunha uma estratégia multidimensional (social; econômica; ecológica; espacial e cultural) e alternativa de desenvolvimento que articulava promoção econômica, preservação ambiental e participação social. O compromisso com os direitos e desigualdades sociais e com a autonomia dos povos e países menos favorecidos na ordem internacional são características de seus trabalhos (SACHS, 1986; BRUSEKE, 1995; LIMA, 2002). Ainda que sob influência das ideias de Sachs, a Comissão Brundtland chegou a um resultado qualitativamente diferente das ideias precedentes, ao esvaziar o conteúdo emancipador do Ecodesenvolvimento que representava. Talvez, sua marca mais inovadora. Assim, embora alguns elementos da síntese de Sachs permanecessem constantes – como a ideia de articular crescimento econômico, preservação ambiental e equidade social –, as prioridades e os arranjos resultaram bem diversos. Ressaltavam, ao contrário, uma ênfase econômica e tecnológica e uma tônica conciliadora que tendia a despolitizar a proposta de Sachs (apud LIMA, 2002). Segundo Enrique Leff (2001): Antes que as estratégias de Ecodesenvolvimento conseguissem romper as barreiras da gestão setorializada de desenvolvimento [...] as próprias estratégias de resistência à mudança da ordem econômica foram dissolvendo o potencial crítico e transformador das práticas de Ecodesenvolvimento. Daí surge a busca de um conceito capaz de ecologizar a economia, eliminando a contradição entre crescimento econômico e preservação da natureza. Começa então naquele momento a cair em desuso o discurso do Ecodesenvolvimento, suplantado pelo discurso de Desenvolvimento Sustentável (LEFF, 2001, p. 18).

Assim, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Cnumad), realizada em 1992 no Rio de Janeiro, reafirmou e popularizou o conceito de desenvolvimento sustentável tendo por objetivo vincular desenvolvimento e ambiente, conciliando equidade social, prudência ecológica e eficiência econômica. A ideia de que o planeta é um só, de que crises e catástrofes ambientais atingiriam a todos indistintamente, fortaleceu a noção de que um futuro melhor e comum a todos dependia dos esforços compartilhados. Semeando uma política de consenso, com vistas a minimizar divergências e convergir olhares para um mesmo foco.

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Logo, a expressão sustentabilidade passou a ser incorporada como expressão dominante no debate que envolve as questões ambientais e de desenvolvimento social, ganhando ares de palavra “fetiche”, utilizada nos mais diversos contextos e utilizada por diferentes sujeitos com os mais variados sentidos. De acordo com Acselrad (2009), diversas matrizes discursivas têm sido associadas à noção de sustentabilidade. Destacam-se portanto as seguintes: a) Da eficiência, que pretende combater o desperdício da base material do desenvolvimento, estendendo a racionalidade econômica ao “espaço não mercantil planetário”. b) Da escala, que defende um limite quantitativo ao crescimento econômico e à pressão que ele exerce sobre os “recursos ambientais”. c) Da equidade, que articula analiticamente princípios de justiça e ecologia. d) Da autosuficiência, que prega a desvinculação de economias nacionais e sociedades tradicionais dos fluxos do mercado mundial, como estratégia apropriada a assegurar a capacidade de autorregulação comunitária das condições de reprodução da base material do desenvolvimento. d) Da ética, que inscreve a apropriação social do mundo material em um debate sobre os valores de bem e de mal, evidenciando as interações da base material do desenvolvimento com as condições de continuidade da vida no planeta. Evidentemente um mesmo discurso pode filiar-se a mais de uma dessas matrizes, no entanto esse enquadramento contribui para sistematizar os sentidos possíveis, como um recurso didático e de análise. A título de tipos idealizados de discursos, também, Lima (2002) indica duas matrizes interpretativas de tendências político-filosóficas que polarizam o debate sobre sustentabilidade. A primeira corresponde ao discurso oficial que detém a hegemonia presente do campo. Reproduz o relatório Nosso futuro comum e se expressa nas grandes conferências internacionais e nos programas governamentais sobre meio ambiente e desenvolvimento. Tanto pela força de sua posição hegemônica, quanto pelo conteúdo que a constitui, esta interpretação também foi assimilada por setores não governamentais e empresariais, em sua forma pura ou acrescida de

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adaptações ao perfil particular de cada grupo. Trata-se de um discurso politicamente pragmático, que enfatiza a dimensão econômica e tecnológica da sustentabilidade e entende que a economia de mercado é capaz de liderar o processo de transição para o desenvolvimento sustentável, através da introdução de “tecnologias limpas”, da contenção do crescimento populacional e do incentivo a processos de produção e consumo ecologicamente orientados. Este discurso defende a possibilidade de articular crescimento econômico e preservação ambiental, e entende que o dinamismo do sistema capitalista é não só capaz de se adaptar às novas demandas ambientais como também de transformá-las em novos estímulos à competitividade produtiva. Segundo essa visão, economia e ecologia são não só conciliáveis, como também é possível elevar a produção reduzindo o consumo de recursos naturais e a quantidade de resíduos industriais. A argumentação econômica e técnico-científica ocupa uma posição privilegiada nessa matriz interpretativa e tende a deixar em segundo plano considerações éticas e políticas associadas a valores biocêntricos, de participação política e de justiça social (LIMA, 2002, p. 7).

De um modo geral, esse é o discurso da modernização ecológica, em um esforço de reelaboração do discurso do desenvolvimento sustentável. Em um cenário de transnacionalização do capitalismo, submetido aos imperativos do mercado livre e de governos comprometidos com políticas de privatização, o discurso do desenvolvimento sustentável só poderia obter sucesso se conseguisse demonstrar que a conservação ambiental promovia o crescimento dos negócios e da economia e não apenas que esses valores antagônicos podiam ser reconciliados (DRYSEK, 1997). A modernização ecológica surge como uma versão mais elaborada do discurso do desenvolvimento sustentável. Pode ser entendida como uma proposta de reestruturação da economia política do capitalismo, que se esforça em demonstrar a compatibilidade entre crescimento econômico e proteção ambiental e a possibilidade de enfrentar a crise ambiental dentro dos marcos do capitalismo. A culminância desse processo foi a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), com foco na economia verde. Impulsionado pela crise financeira e econômica de 2008, esse conceito oriundo do campo econômico é construído com a intenção de desfazer vários mitos e equívocos sobre a ciência econômica por trás do “esverdeamento” da economia global, e fornecer orientações e prá-

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ticas a tomadores de decisão sobre quais reformas eles precisam para desbloquear o potencial produtivo. Entre elas, estão mercados abertos e competitivos, abordagem do ciclo de vida na produção, eficiência de recursos e políticas de integração de Estados. O Pnuma define economia verde como uma economia que resulta em “melhoria do bem-estar da humanidade e igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz significativamente riscos ambientais e escassez ecológica” (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE, 2011, p. 9). Sublinha no debate da sustentabilidade a preponderância do econômico, o peso da escassez, ao mesmo tempo que reitera a necessária cooperação entre Estado, empresas e sociedade civil. Dentro dessa lógica se originam programas e políticas de valoração de serviços da natureza e certificações ambientais. Segundo seus articuladores o conceito de uma economia verde não substitui desenvolvimento sustentável, embora reconheçam que na atualidade existe um “crescente reconhecimento de que a realização da sustentabilidade se baseia quase que inteiramente na obtenção do modelo certo de economia” (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE, 2011). A segunda matriz interpretativa se coloca em contraposição à versão oficial e adota uma concepção multidimensional de sustentabilidade que tenta integrar o conjunto de dimensões da vida individual e social. De forma geral, os seguidores dessa matriz de sustentabilidade fundamentam-se em uma crítica ampla da civilização capitalista ocidental que reprova o mito do progresso, o primado da razão instrumental, o fetiche consumista, a idolatria cientificista e o descentramento do homem e da vida na agenda de prioridades sociais (BLOWERS, 1997). Politicamente, essa matriz tende a se identificar com os princípios da democracia participativa e a considerar que a sociedade civil organizada deve ter um papel predominante na transição para a sustentabilidade social. Prioriza o preceito de equidade social e desconfia da capacidade do mercado como alocador de recursos. A consideração às desigualdades sociais e políticas, aos valores éticos de respeito à vida e às diferenças culturais é substancial no caso dessa matriz. Reagindo ao reducionismo econômico e tecnológico que, segundo seus seguidores, caracterizam o discurso oficial, essa matriz adota a expressão de “sociedades sustentáveis”. Evitam o economicismo e o universalismo implícitos na proposta de desenvolvimento sustentável, 110

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buscando reafirmar ideias de autonomia política e singularidade cultural de cada país, tidas como necessárias à realização de uma sustentabilidade complexa (DIEGUES, 1992 apud LIMA, 2002). O entendimento do papel do Estado, no caso dessa interpretação, se subdivide entre uma defesa da subordinação do Estado à sociedade civil, e outra que defende a intervenção estatal como o melhor caminho de transição para a sustentabilidade, pois toma essa posição com base no entendimento de que a sociedade civil isolada não é capaz de se contrapor às forças do mercado e na suposição de que o ambiente, como patrimônio público, não pode ser preservado sem a ação normativa e política do Estado. Advoga, entretanto, a democratização do Estado e sua articulação às forças da sociedade civil (LIMA, 2002, p. 8). Como representante dessa matriz temos os signatários do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global – elaborado por educadores de várias nacionalidades presentes na Rio-92: Nós, signatários, pessoas de todas as partes do mundo, comprometidos com a proteção da vida na Terra, reconhecemos o papel central da educação na formação de valores e na ação social. Comprometemo-nos com o processo educativo transformador através de envolvimento pessoal, de nossas comunidades e nações para criar sociedades sustentáveis e equitativas. [...] Consideramos que a educação ambiental para uma sustentabilidade equitativa é um processo de aprendizagem permanente, baseado no respeito a todas as formas de vida. Tal educação afirma valores e ações que contribuem para a transformação humana e social e para a preservação ecológica. Ela estimula a formação de sociedades socialmente justas e ecologicamente equilibradas, que conservam entre si relação de interdependência e diversidade. Isto requer responsabilidade individual e coletiva em nível local, nacional e planetário. Consideramos que a preparação para as mudanças necessárias depende da compreensão coletiva da natureza sistêmica das crises que ameaçam o futuro do planeta. As causas primárias de problemas como o aumento da pobreza, da degradação humana e ambiental e da violência podem ser identificadas no modelo de civilização dominante, que se baseia em superprodução e superprodução e superconsumo para uns e em subconsumo e falta de condições para produzir por parte da grande maioria (BRASIL, 2006).

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A posição hegemônica no debate da sustentabilidade está, assim, na atua­lidade, vinculada à racionalidade econômica e à supremacia do mercado. O que coloca em dúvida a implementação efetiva do projeto de sustentabilidade, considerando a complexidade multidimensional de seus objetivos, colocados desde o Relatório Brundtland, e a magnitude da crise que vivemos. Nesse panorama, as críticas ao discurso da sustentabilidade ganham densidade e aumenta a descrença de um futuro sustentável segundo esse marco. Na perspectiva da sustentabilidade hegemonizada pelo mercado, como conciliar objetivos da preservação ambiental com os da economia, considerando a disparidade entre os tempos biofísico e econômico e os conflitos de interesse entre os dois? O resultado dessa incompatibilidade pode ser visto na ineficácia dos compromissos firmados, principalmente da parte de países ricos, para metas ambientais que se refiram a restrições econômicas. Como enfrentar a crise social se a racionalidade inerente ao mercado se baseia na concentração de riquezas e oportunidades? Como enfrentar a desigualdade e estimular participação social sem uma efetiva distribuição de poder? Essas questões atravessam toda disputa pelo sentido de sustentabilidade e estão presentes nos embates que envolvem cotidianamente grupos sociais em conflitos ambientais, como veremos a seguir.

Conflitos ambientais e justiça social A natureza é a essência do ser humano, e é na interação permanente com ela, tanto material quanto simbólica, que o homem soluciona sua incompletude. É necessário transformá-la para sobreviver. O trabalho é a atividade que medeia essa relação, a partir dele elementos naturais são transformados em coisas úteis. Ao transformar a natureza por meio do trabalho o ser humano aciona um processo que transforma a sua natureza interna e que refletirá no estabelecimento de relações sociais de produção. Por suas relações estabelecidas com a natureza e com os outros homens, o ser humano é um ser social e se define a partir dessas relações sociais. A natureza transformada pelas mãos do ser social é o que permite a criação da riqueza material que satisfará suas necessidades.

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No entanto, o modo de apropriação dos recursos ambientais na sociedade envolve diferentes interesses, necessidades e racionalidades, que em última instância determina a qualidade ambiental resultante, e também a distribuição social, espacial e temporal dos custos e benefícios. Portanto, na vida prática, o processo de apropriação e uso dos recursos ambientais não acontece de forma tranquila. Há interesses em jogo e conflitos – potenciais e explícitos – entre atores sociais que atuam de alguma forma sobre esses recursos, visando ao seu controle e/ou a sua defesa. O processo de apropriação social dos recursos é assimétrico: distribui custos e benefícios de modo pouco ou nada equitativos, em muitos casos com alta incidência de injustiça ambiental (QUINTAS, 2009). E, pela lógica do capital, todos os elementos naturais podem ser mercantilizados. Recursos naturais coletivos apropriados por empresas privadas beneficiam seus líderes ao reduzirem os custos da produção e retornam à coletividade, redistribuídos na forma de degradação ambiental com impactos sociais. Esse processo de distribuição desigual das partes de um ambiente com diferentes características e injustamente dividido foi radicalizado com o desenvolvimento do capitalismo monopolista-financeiro, resultando em inúmeros conflitos, que nesse contexto convencionou-se chamar conflitos ambientais (SAISSE, 2011). De acordo com Loureiro (2006), conflito social refere-se a uma condição inerente à cultura, à possibilidade humana de interpretar o mundo e criar posicionamentos distintos, e às exigências materiais de cada sujeito, formando necessidades diferenciadas. Nessa perspectiva, o conflito é constituinte da sociedade capitalista. As relações no ambiente são marcadas por valores morais, modos de produção e uso dos recursos naturais, gerando projetos distintos que podem ser incompatíveis levando a conflitos. Em sua análise sobre a questão ambiental, como terreno contestado material e simbolicamente, Acselrad (2004) define os conflitos ambientais como: Aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio ameaçada pelos impactos indesejáveis decorrentes das práticas de outros grupos. O conflito pode derivar da disputa por apropriação de uma mesma base de recursos ou de bases distintas, mas interconectadas por

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interações ecossistêmicas mediadas pela atmosfera, pelo solo, pela água, etc. O tipo de conflito que aqui identificamos tem por arena uma mesma unidade territorial compartilhada por um conjunto de atividades cujo ‘acordo simbiótico’ é rompido em função da denúncia dos efeitos indesejáveis que a atividade de um dos agentes produz sobre as condições materiais do exercício das práticas de outros agentes (ACSELRAD, 2004, p. 18).

Acompanhando esse raciocínio podemos afirmar que a temática ambiental em uma sociedade capitalista é intrinsecamente conflitiva, pois resulta da disputa entre diferentes projetos societais de usos e significados para o ambiente. Lopes (2006) acredita que o que ocorre é um processo de “ambientalização” de conflitos sociais indicando um processo histórico de construção de novos fenômenos, associado a um processo de interiorização pelas pessoas e pelos grupos sociais da questão pública do meio ambiente, que ganha força na agenda política. Cria-se assim uma nova questão pública. A questão ambiental como nova fonte de legitimidade e de argumento de conflitos, se manifesta em diversas instâncias como em novas áreas jurídicas. No interior da especialização e no crescimento do direito ambiental, destaca-se a categoria de ‘direitos difusos’, abrangendo o direito do consumidor, a proteção ao patrimônio histórico e à paisagem, aos direitos da criança e do adolescente, e fazendo desse conjunto aparentemente heterogêneo de fenômenos um conjunto coerente em torno da ideia de direito coletivo, de necessidade de reprodução da qualidade de vida de uma geração para outra, de ‘sustentabilidade’. Essas são condições de meio ambiente e de vida razoáveis ao longo das gerações, ao longo do tempo. Por outro lado, a intervenção do Ministério Público nos conflitos é crescente (LOPES, 2006, p. 46).

Os conflitos socioambientais para Little (2001) surgem das interações ecológicas entre os diversos atores sociais com o meio biofísico, em função das disputas entre grupos sociais com modos diferentes de se inter-relacionar com o ambiente social e natural. Há conflito porque há interesse diferenciado no uso do ambiente, seja o interesse material ou o simbólico. As unidades de conservação, por exemplo, são cenários recorrentes desse tipo de conflito, uma vez que para sua instituição uma política de Estado determina normas e impedimentos, considerados em nome de um “bem 114

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comum”, que se impõe sobre interesses e valores de grupos que já estavam estabelecidos nessas áreas. São os “atingidos” pelos interesses da conservação: indígenas, ribeirinhos, pescadores, extrativistas, entre outros grupos de populações tradicionais que se surpreendem julgados por ameaçar a natureza com a qual sempre conviveram, e da qual devem ser afastados para que esta possa ser garantida como patrimônio de todos. Zhouri & Laschefski (2010) entendem que, de maneira geral, os conflitos ambientais revelam modos diferenciados de existência, colocando em questão o conceito de desenvolvimento. E expressam a luta por autonomia de grupos que resistem ao modelo de sociedade moderna. Como um exercício sistematizador, os autores apresentam uma tipologia para análise dos conflitos ambientais, na qual os conflitos podem ser: a) Distributivos: derivados das desigualdades sociais no acesso e na utilização dos recursos naturais [...]. b) Espaciais: engendrados pelos efeitos ou impactos ambientais que ultrapassam os limites entre os territórios de diversos agentes ou grupos sociais [...]. c) Territoriais: relacionados à apropriação capitalista da base territorial de grupos sociais (ZHOURI; LASCHEFSKI, 2010).

Situações envolvendo conflitos socioambientais têm gerado movimentos por justiça ambiental. Tais conflitos são definidos por Herculano (2002) como um conjunto de princípios que asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas de operações econômicas, de políticas e programas federais, estaduais e locais; bem como resultantes da ausência ou omissão de tais políticas. A fim de sublinhar a relação necessária entre direitos e justiça ambiental (ou a sua ausência) nos apoiamos em Porto (2005), que qualifica injustiça ambiental como o mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento às populações de baixa renda, aos grupos sociais discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às populações marginalizadas e vulneráveis. Cabe então à justiça ambiental assegurar tanto o acesso justo e equitativo aos recursos ambientais do país, quanto o acesso amplo às informa-

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ções relevantes que lhes dizem respeito. Favorecendo a constituição de movimentos e sujeitos coletivos na construção de modelos alternativos e democráticos de desenvolvimento. Historicamente, o ambiente tem sido tratado como um domínio externo às relações sociais, passível de trato técnico e universal, excluindo-se a dimensão social dos conflitos ambientais resultantes do desigual acesso aos recursos naturais e da segregação socioespacial. É no sentido contrário a esse esvaziamento que autores como Martinez Alier (2012), Acselrad (2004), Acselrad e Leroy (2006), entre outros, trouxeram para essa discussão a noção de conflito ambiental na sua equivalência às condições desproporcionais de exposição aos danos e riscos causados pelo desenvolvimento, que atingem principalmente as camadas mais pobres e vulneráveis da sociedade. Ao mesmo tempo em que é vetado, cada vez mais, o acesso aos recursos, bens e serviços ambientais e urbanos a esses mesmos segmentos sociais. Concordamos com Zhouri (2007) quando ela afirma que a abordagem dos conflitos qualifica a arena de disputa do campo ambiental, opondo-se à ideia generalizada, e consagrada, de uma consciência ambiental universal. Nessa perspectiva, além de denunciar o caráter dos processos sociais que atribuem a degradação ambiental aos mais pobres, ampliamse as reflexões sobre a priorização dos problemas a serem enfrentados, levando-se em conta as condições reais do país. E ainda permitindo que se questione quem define e como são definidas as pautas relativas às políticas ambientais. Contra a ideia generalizada de uma consciência ambiental universal, defendida pelo discurso genérico da sustentabilidade, e a favor da contextualização das relações estabelecidas entre grupos sociais com projetos distintos e o ambiente, o que se está querendo apontar com essa discussão são como os danos e riscos causados pelo desenvolvimento atingem, desproporcionalmente, as camadas mais pobres e vulneráveis da sociedade. E como, paralelamente, esses mesmos segmentos sociais têm cada vez menos acesso aos recursos, bens e serviços ambientais. Busca-se dessa maneira esclarecer e apoiar ações e políticas públicas que fortaleçam uma concepção mais substantiva de sustentabilidade, ao considerar esse quadro de desigualdade social, e subsidiar mecanismos

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mais justos e eficientes para a inserção desses grupos sociais na construção de uma sociedade sustentável.

Sustentabilidade e participação social: políticas públicas e iniciativas em curso Movimentando-se entre diferentes concepções de sustentabilidade, conforme matrizes apresentadas anteriormente, políticas públicas têm sido elaboradas e implementadas, ao longo dos últimos quarenta anos, com vistas a conciliar proteção ao meio ambiente e desenvolvimento econômico e social. Se inicialmente propunham-se a atender uma pressão externa, a fim de viabilizar empréstimos e investimentos no Brasil, desde a Constituição de 1988 é tratada como questão de destaque na agenda pública, envolvendo a mobilização para a participação social e a criação de espaços públicos para mediação de interesses. Diante da complexidade e heterogeneidade dos interesses envolvidos, a resolução de conflitos ambientais requer uma condução repartida no processo de gestão do ambiente. Essa preocupação está explicitada na Constituição (BRASIL, 1988, art. 225), quando esta determina que cabe ao poder público e à coletividade o dever de proteger e preservar o ambiente para as presentes e futuras gerações. Nessa perspectiva, destacam-se as alternativas de participação em colegiados decisórios, como os conselhos nacionais, estaduais e municipais de meio ambiente, bem como as audiências públicas, sobretudo para subsidiar o licenciamento ambiental (AGRA FILHO, 2010). O surgimento de conselhos gestores de políticas públicas situa-se no processo de descentralização no Brasil, em um contexto que desde os anos 1990 criou e difundiu conselhos nas diversas áreas das políticas públicas, amparadas por ampla base legal. Sendo caracteristicamente compostos por representantes do poder público e da sociedade civil, expressão do momento no qual a ação contestatória e anti-institucional estaria dando lugar à formação de espaços institucionalizados, de caráter híbrido, destinados à participação ampliada (SOUZA; NOVICK, 2010). No Brasil, cabe ao Estado, por meio dos instrumentos estabelecidos na legislação, mediar interesses e conflitos, entre atores sociais, sobre os modos de destinação dos recursos ambientais no meio social. Definindo

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por meio da construção de acordos sobre o uso e o não uso dos recursos naturais. Portanto, qualquer ato que ordene o acesso e o uso de recursos ambientais, por mais justificável que seja, em princípio, também contraria interesses legítimos e ilegítimos. E, em muitos casos, põe em risco as condições materiais e simbólicas que devem garantir a satisfação das necessidades básicas, de grupos sociais já vulneráveis. Esse encaminhamento é praticado nos limites da legislação, com a finalidade de garantir à população brasileira o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme determina a Constituição Federal. Nessa perspectiva, quando o órgão ambiental licencia um empreendimento ou nega o seu licenciamento, estabelece o período do defeso de determinado recurso pesqueiro, cria uma Unidade de Conservação, proí­ be ou impõe regras para o desmatamento e a extração de determinado recurso florestal ou, ainda, embarga uma atividade ilegal. Portanto, estará definindo quem na sociedade ficará com o ônus e quem ficará com o bônus, decorrentes do ato de gestão ambiental (QUINTAS, 2009). Tendo em vista a necessidade de tornar a gestão participativa estruturante na gestão ambiental pública, vários autores e agentes sociais defendem os conselhos gestores como espaços pedagógicos privilegiado para identificação de conflitos, e para o fortalecimento da cidadania. A opção por privilegiar o processo constitutivo dos conselhos, enquanto momento educativo e de exercício da cidadania, dá-se por entender como fundamental para o funcionamento desse espaço público, onde estão inscritos as intencionalidades, os diálogos e as disputas dos agentes sociais que participaram do processo, e, da mesma forma, onde está inscrita a concepção que norteará o grupo formado em sua prática de gestão. Além disso, entendemos que pensar a educação ambiental no contexto dos processos de gestão é estra­tégico para a reflexão crítica sobre os rumos do desenvolvimento que o país assumiu; bem como para pensar a condição de meio de enfrentamento e mediação dos conflitos ambien­tais e de potencialização de propostas que visem à sustentabilidade democrática, encarnada por agentes sociais que buscam um padrão civilizatório distinto do vigente (LOUREIRO; CUNHA, 2008, p. 238).

Essa participação pública em colegiados de decisão tem sido considerada uma conquista importante da sociedade civil, inclusive valorizada pelas instituições financeiras internacionais para apoio de projetos. Além do mais tem se mostrado um mecanismo oportuno para promover sensibi-

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lização e mobilização da sociedade e para dar maior visibilidade às atuações de instituições ambientalistas e movimentos sociais. Segundo Agra Filho (2010), no entanto, a prática de mecanismo de participação pública tem se mostrado ainda incipiente como instância de resolução de conflitos, não à toa tem sido crescente as demandas do Ministério Público sobre as licenças ambientais (AGRA FILHO, 2010, p. 353). Entendemos que na consolidação do conselho deve-se levar em consideração as heterogeneidades de contexto na capacidade de participação social, de modo a serem criadas condições para a real democratização do processo decisório. Essa condição só será possível se houver a participação efetiva e qualificada dos grupos sociais que historicamente estiveram à margem da gestão e que são, normalmente, os mais afetados pela existência das áreas protegidas. Um dos maiores desafios à gestão participativa é viabilizar os conselhos como espaços democráticos. Para isso é fundamental garantir meios materiais, com recursos físicos e orçamentários, e instrumentalizar a participação de grupos menos favorecidos com programas de formação continuada. O estabelecimento de um espaço de confiança para que os conflitos possam ser explicitados e negociados, ainda que em um horizonte provisório, poderá contribuir para mudar o cenário, tornando-os mais efetivos como espaços de decisão. Paralelamente às iniciativas para o fortalecimento da participação social nos conselhos em uma perspectiva de gestão da sustentabilidade em seu sentido ampliado, cresce o número de políticas públicas centradas na capacitação e práticas sustentáveis. Plataformas de cursos são criadas, direcionadas ao consumo sustentável, a práticas de sustentabilidade e à gestão de resíduos. Retornando ao entendimento compartimentado do processo produtivo, ocultando as inter-relações e interesses e dificultando ações mais estruturantes para a participação coletiva. Vale, no entanto, destacar, o recente Programa de Apoio à Agricultura Familiar criado pelo Ministério do Meio Ambiente, que pretende capacitar agentes públicos e representantes da sociedade civil para o desenvolvimento de políticas públicas, programas e projetos de educação ambiental no contexto da agricultura familiar. E assim colaborar com a formação de gestores públicos, lideranças do campo e técnicos de instituições que atuam com educação ambiental e agricultura familiar para o desenvolvimento de processos formativos e de mobilização nos territórios, em Sinais Sociais | Rio de Janeiro | v.9 n. 26 | p. 99-123 | set.-dez. 2014

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favor da regularização ambiental, da adoção de práticas agroecológicas e sustentáveis e do enfrentamento de questões e conflitos socioambientais. Entre seus objetivos, o Programa busca incentivar a reflexão sobre as políticas públicas existentes para o campo e a participação social nos assuntos que interferem na vida da coletividade e na qualidade ambiental. Almeja, assim, sustentabilidade para a agricultura familiar, a partir de processos formativos e projetos socioambientais que estimulem não apenas a troca de técnicas de produção, mas a transformação do conjunto de relações sociais e produtivas existentes no meio rural (BRASIL, 2014). Perspectiva essa que consideramos, com base nas discussões apresentadas entre sustentabilidade e justiça social, mais totalizantes às dimensões da sustentabilidade e, por isso, mais prudentes ambientalmente e mais justas socialmente. É importante, ainda que como registro, citar a relevância dessa perspectiva de sustentabilidade em iniciativas como o Observatório de Mapeamento de Conflitos Ambientais no Brasil. Este no âmbito da academia e que pretende tanto colaborar com os movimentos sociais a favor da justiça ambiental como subsidiar políticas públicas (FIOCRUZ, 2012). Um outro exemplo é o da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (2012), criada como espaço de “identificação, solidarização e fortalecimento dos princípios de Justiça Ambiental, marco conceitual que aproxima as lutas populares pelos direitos sociais e humanos, a qualidade coletiva de vida e a sustentabilidade ambiental”.

Considerações finais O conceito de sustentabilidade vem recebendo inúmeras inflexões, ganhando sentidos variados desde a sua proposição, quando esteve no centro dos debates dirigidos à conciliação entre desenvolvimento econômico conciliado e proteção ambiental. Esses sentidos vêm se transformando e adequando-se à posição, à representação e aos interesses dos agentes sociais envolvidos. Mas, na essência, parece ter havido um avanço na concepção de desenvolvimento sustentável desde sua origem, em relação às concepções estritamente ecossistêmicas, quando a preocupação com o ambiente foi

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incorporada àquelas de cunho social. A força inovadora contida nessa ideia também se expressa quando se propõe uma estratégia multidimensional de desenvolvimento, que incorpora uma visão de longo prazo e considera a dimensão política relativa aos problemas ambientais; ao discutir as relações norte-sul e ao recomendar o uso de teorias e métodos multidisciplinares de análise para a questão. Ainda assim, na maioria das vezes não se evidencia de que forma essa inter-relação pode ser obtida na prática, sem transformações mais profundas, tanto no âmbito local como no global, nas relações de poder historicamente estabelecidas na proposta de desenvolvimento orientada pelo modo de produção capitalista. Os limites estabelecidos na tentativa de incorporar novos meios de viver e utilizar o ambiente, mantendo a lógica que determina princípios e finalidades da relação entre nós, humanos, e com a natureza, se projetam em um quadro crescente de conflitos ambientais. Conflitos esses ampliados tanto pela dimensão global que vai reafirmando o sistema capitalista, somando-se também à necessidade por mais recursos da natureza para produção de mercadorias, quanto pela visibilidade que esses enfrentamentos vão ganhando quando nomeados e situados dentro da mesma arena de lutas, reunindo força e solidariedade de novos atores sociais. O que pode, em primeira instância, ser entendido como limite surge, na verdade, como novo horizonte para qualificar a luta pela sustentabilidade plural, atraindo novos agentes sociais e atualizando as pautas relativas às políticas ambientais para sociedades sustentáveis. Nesse horizonte, as políticas públicas brasileiras são vulneráveis, ainda que consideremos importantes os passos efetivados desde a promulgação da Constituição de 1988, com o reconhecimento da necessidade de participação social e de instituição formal de espaços públicos com esse objetivo. Finalizando, apoiamos Brett e Foster (2010), para os quais, uma sociedade sustentável é efetivada apenas por meio do desenvolvimento de uma sociedade qualitativamente distinta, regida pela igualdade substantiva, que permita que a noção de ecologia possa expandir-se de maneira universal. Para além da concepção usual, alienada e reducionista, na qual sustentabilidade e justiça social têm relação estreita e indissolúvel.

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Elizabeth Oliveira Jornalista, consultora e pesquisadora especialista em temas socioambientais. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (PPED/IE/UFRJ) e mestre em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social pelo Programa EICOS (IP/UFRJ). Possui especialização em Gestão Ambiental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro/Instituto Brasil Pnuma, e pós-graduação em Gestão da Sustentabilidade e Responsabilidade Social pela Fundação Dom Cabral. Integrante do Grupo de Pesquisa Governança, Biodiversidade, Áreas Protegidas e Inclusão Social – Gapis, da UFRJ. Colaboradora de publicações especializadas em temas socioambientais no Brasil. É autora de artigos e livros, entre os quais: Sustentabilidade: a economia mais humana (Salesiana, 2009) e Biodiversidade no Brasil: nossas matas e animais ainda têm futuro (Albatroz, Loqüi e Terceiro Nome, 2008).

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Resumo O objetivo deste artigo é refletir sobre o papel da mídia como indutor de novas práticas de cidadania frente aos cenários de crise ambiental acentuada nas últimas décadas por fenômenos climáticos, poluição de rios, destruição de habitats, extinção de espécies, além de tantos outros dilemas que podem provocar perdas econômicas e queda na qualidade de vida. Nesse sentido, pretende-se discutir, também, os desafios que envolvem a atuação desse segmento social, considerado estratégico na contemporaneidade pela sua capacidade, cada vez mais ampla, de formar opinião, construir significados e influenciar no processo de tomada de decisão. Palavras-chave: Comunicação. Sustentabilidade. Mídia. Cidadania.

Abstract The objective of this paper is to discuss the media’s role to promote new citizenship practices in face of severe environmental crisis scenarios in recent decades, such as climatic change, water pollution, habitat destruction, extinction of species, and so many other dilemmas that may cause economic losses and decreased quality of life. In this sense, we also intend as well to discuss the challenges encompassing the performance of this strategic social segment, for its ability in forming opinion, constructing meaning, and influencing decision-making processes. Keywords: Communication. Sustainability. Media. Citizenship.

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Introdução A proteção da natureza vem se constituindo, a cada dia, um desafio mais complexo para o Poder Público, a academia, os movimentos sociais, as empresas e toda a sociedade. Da mesma forma, cresce o entendimento de que, somente a partir de um esforço conjunto, será possível colocar em prática ações capazes de conter a velocidade com que são explorados e degradados os recursos naturais. Nesse contexto, são inúmeros os problemas ambientais planetários. Mas em cenários de crise, as agendas da biodiversidade1 e das mudanças climáticas2 são consideradas centrais, em nível global, sobretudo, nas últimas duas décadas. Ambas refletem, fortemente, os efeitos nocivos do modo de vida contemporâneo e, não por acaso, são objetos de duas importantes convenções internacionais chanceladas pela Organização das Nações Unidas (ONU), ambas assinadas em 1992, e cuja abordagem será feita no contexto deste artigo. Diversos estudos alertam para as consequências desse processo. Um dos levantamentos científicos mais significativos nesse sentido, a Avaliação Ecossistêmica do Milênio, ou Millennium Ecosystem Assessment (2005), revelou que 15 dos 24 serviços ambientais3 prestados pelos ecossistemas4 do planeta (fornecimento de água doce e de recursos pesqueiros, além de regulação do solo e do clima, entre outros), vêm sendo utilizados de forma insustentável. Segundo esse documento, elaborado por mais de dois mil cientistas de mais de 30 países, sem a implementação de mudanças nesse quadro, a situação será agravada nos próximos 50 anos, colocando em risco a sobrevivência das futuras gerações. O relatório Panorama da Biodiversidade Global 3 (CONVENÇÃO SOBRE DIVER­SIDADE BIOLÓGICA, 2010), uma outra publicação de grande importância no cenário internacional, alertou também para os impactos negativos das atividades humanas na conservação da biodiversidade e buscou chamar a atenção para o compromisso ético de defesa de todas as formas de vida que deve ser assumido pela sociedade global. Segundo esse levantamento, os riscos à sobrevivência das espécies, em longo prazo são crescentes e estão se intensificando, progressivamente. Contribuem para esse cenário, principalmente, fatores como a perda e a degradação de

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habitats,5 as mudanças climáticas, a poluição, além da sobre-exploração dos recursos naturais e a presença de espécies exóticas invasoras. Nesse sentido, além dos potenciais riscos relacionados ao futuro dos serviços ambientais assegurados por meio da biodiversidade e essenciais ao bem-estar humano, como fornecimento de alimentos, fibras, medicamentos, polinização das culturas agrícolas, filtragem de poluentes e a proteção contra desastres naturais, há outros aspectos preocupantes nesse processo, são os chamados, segundo o relatório mencionado, serviços culturais associados à biodiversidade. Esses envolvem: “Valores espirituais e religiosos, as oportunidades de conhecimento e educação, valores recreativos e estéticos” (CONVENÇÃO SOBRE DIVERSIDADE BIOLÓGICA, 2010, p. 9). Além dos riscos associados à perda de biodiversidade, uma outra agenda ambiental desafiadora na atualidade, pelos impactos que pode causar nos campos social, econômico, político e diplomático, entre outros, se refere às mudanças climáticas. Ainda que também continue suscitando diversas controvérsias, cresce o entendimento de que grande parte da mobilização global em torno das discussões sobre essa problemática tem sido creditada à repercussão dos alertas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês),6 que nas últimas duas décadas vem se tornando cada vez mais influente. Essa instituição, com cerca de dois mil cientistas de mais de 130 países, monitora as pesquisas sobre o clima global e, periodicamente, lança publicações consideradas como as principais referências para nortear políticas públicas, além de decisões da sociedade em geral. Embora existam outros estudos compilados pelo IPCC nas últimas duas décadas,7 nenhum deles teve efeito tão marcante como o 4º Relatório de Avaliação. Organizado em três partes, além de uma síntese dessas três publicações, foi considerado um divisor de águas no debate contemporâneo sobre os desafios do desenvolvimento global e sua interface com o desequilíbrio climático. É a partir de então que o tema passa a gerar um debate de maior alcance na sociedade e a conquistar mais visibilidade na mídia, segundo Ojima e Nascimento (2008). Tal percepção é confirmada por pesquisas realizadas pela Agência Andi8 (AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DOS DIREITOS DA INFÂNCIA, 2010) sobre a cobertura dessa temática em meios de comunicação no Brasil. Sinais Sociais | Rio de Janeiro | v.9 n. 26 | p. 125-151 | set.-dez. 2014

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Mas foi em 2 de fevereiro de 2007, que o IPCC (PAINEL INTERGOVERNAMENTAL SOBRE MUDANÇA DO CLIMA, 2007a) divulgou o primeiro de uma série de quatro relatórios. Essa publicação foi contundente ao afirmar que as atividades humanas estão contribuindo para aumentar a temperatura do planeta. A queima de combustíveis fósseis, como carvão e petróleo, é considerada como a principal fonte de aumento das emissões de dióxido de carbono (CO2) e outros gases de efeito estufa.9 Lançado no dia 6 de abril de 2007, o segundo relatório do IPCC (PAINEL INTERGOVERNAMENTAL SOBRE MUDANÇA DO CLIMA, 2007b) apresentou, naquele ano, os impactos das mudanças climáticas na economia e na saúde pública, tendo dedicado um capítulo à América Latina, com destaque para a situação do Brasil. A publicação alertou que, caso não sejam tomadas medidas para conter a elevação das emissões de gases de efeito estufa, algumas regiões brasileiras serão duramente impactadas pelos efeitos das mudanças climáticas, entre as quais, a Amazônia, o semiárido nordestino e as áreas litorâneas. O aumento da temperatura, as alterações no regime de chuvas, bem como a elevação do nível do mar, estão entre os fatores de risco para as regiões citadas. No dia 4 de maio de 2007, em Bangcoc, na Tailândia, foi lançado o terceiro relatório do IPCC (PAINEL INTERGOVERNAMENTAL SOBRE MUDANÇA DO CLIMA, 2007c) que chamou atenção para a possibilidade de se frear o aumento do aquecimento global, com medidas tomadas anteriormente a 2015. Mas para tal esforços coletivos terão que ser ambiciosos, já que para alcançar os resultados desejados (a temperatura não pode aumentar acima de 2ºC), a orientação dos cientistas é de que as emissões de CO2 sejam reduzidas entre 50% e 85%, até 2050. Importante considerar nesse debate que os países tropicais que ainda detêm extensas áreas florestais, têm papel central no equilíbrio climático. Nesse sentido, segundo orientações do IPCC, devem investir em iniciativas capazes de conter atividades ilegais como queimadas e desmatamento de áreas florestais, grandes responsáveis pelo aumento das emissões de gases de efeito estufa. Não se pode deixar de mencionar que, no Brasil, por exemplo, 75% das emissões de carbono são resultantes de alterações no uso da terra, incluindo queimadas, desmatamento e outras ocorrências que preocupam os ambientalistas.

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Mas na sequência desse processo, em 16 de novembro de 2007, em Valência, na Espanha, foi apresentada uma síntese dos relatórios divulgados ao longo de 2007, na qual os cientistas do IPCC reiteraram os alertas à sociedade global. Nessa publicação foi reforçada a mensagem de que os chamados eventos extremos, como furacões, ciclones e maremotos, entre outros, tendem a se intensificar nos próximos anos, em função do aumento da temperatura da Terra. Secas em determinadas regiões e inundações em grandes centros urbanos são outros fenômenos previstos, para os quais a sociedade precisará buscar medidas de adaptação, advertiram os estudiosos. Iniciativas como a implementação de sistemas de alerta em áreas que costumam ser atingidas por desastres naturais foram algumas das sugestões apresentadas no documento. Como é possível perceber por essa breve contextualização histórica do debate referente à Convenção das Mudanças Climáticas, a agenda climática, em associação à da biodiversidade sinalizam para questões desafiadoras no campo ambiental. Nesse sentido, ao refletir sobre os fatores que têm contribuído para a situação de crise ambiental contemporânea, Irving (2010) advoga que esse processo tem sido motivado pelo distanciamento entre sociedade e natureza, uma herança histórica fortemente impactada pelo processo de industrialização que, na perspectiva de uma sociedade de consumo, representa um eterno movimento de busca pela satisfação de desejos que não podem ser saciados. Esses, por sua vez, estão na origem de uma engrenagem de produção de bens e serviços prestados, em grande parte, derivados da exploração insustentável da natureza. E, sobretudo em tempos de agravamento da crise ambiental, como enfrentar os dilemas relacionados à cisão sociedade-natureza? Irving (2010) advoga que um dos pontos de partida começa pela revisão do olhar fragmentado e distorcido sobre a relação sociedade-natureza, processo fortemente influenciado pela perspectiva disciplinar de interpretação da realidade, muito presente no pensamento ocidental. Segundo a autora, a questão da visão fragmentada da realidade que tanto contribui para fortalecer a cisão sociedade-natureza se traduz, historicamente, na produção científica, na difusão do conhecimento e de

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informações pelos meios de comunicação, no modelo de desenvolvimento industrial e, também, na construção de políticas públicas, dentre as quais, as que se destinam à proteção da natureza. E, diante de um cenário de crise ecológica, apresentado anteriormente, bem como do contexto histórico de distanciamento entre sociedade e natureza, o acesso à informação qualificada emerge como elemento central em apoio ao exercício da cidadania e ao protagonismo social no processo de tomada de decisão pela proteção da natureza, bem como na adoção de novas práticas cotidianas por toda a sociedade. Colaboram para esse entendimento, autores como Bordenave (1985), para quem não existe participação social sem comunicação. Outros autores reforçam também a importância de se refletir que o estímulo à participação cidadã requer canais de comunicação qualificados capazes de sensibilizar a sociedade para a realidade de crise ambiental e sua relação direta com as ações humanas. Novaes (2005) reforça esse argumento e ressalta a urgência dessa demanda: Não há problema mais delicado para o meio ambiente, hoje, que o da comunicação. Só ela pode retirar as chamadas questões ambientais do gueto em que estão colocadas (fazendo de conta que são isoladas, apartadas) e levar a sociedade a entender que todas as ações humanas têm impactos sobre o concreto – a água, o solo, o ar, os seres vivos [...] (NOVAES, 2005, p. 15).

É importante ressaltar ainda que, em cenários de avanços do uso da internet, a atuação dos meios de comunicação vem adquirindo novos contornos, sobretudo pelo aumento da velocidade e ampliação do alcance do processo de veiculação de informação, o que tende a repercutir, positivamente, na difusão das questões ambientais. No entanto, o acesso ainda limitado a computadores conectados à internet para parte da população continua sendo um grande obstáculo a ser superado, principalmente em países em desenvolvimento, entre os quais o Brasil. Mas para que se tenha uma ideia do que representa essa nova revolução comunicacional, alguns teóricos, entre os quais Castells (2003), comparam a tecnologia da informação, na atualidade, à eletricidade que possibilitou os avanços da Era Industrial. Tal qual a energia que induziu o funcionamento de máquinas e motores, revolucionando padrões de produção e consumo, a internet é explicada pelo autor como a força que 132

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movimenta a sociedade, interligando-a em redes, por intermédio do intercâmbio de informações. Segundo define: Uma rede é um conjunto de nós interconectados. A formação em redes é uma prática humana muito antiga, mas as redes ganharam vida nova em nosso tempo transformando-se em redes de informação energizadas pela Internet (CASTELLS, 2003, p. 7).

Em novos cenários ditados pela tecnologia da informação, segundo o autor, a internet tornou-se a principal ferramenta para uma nova sociedade, “a sociedade em rede”, impulsionando, por sua vez, a criação de uma nova economia e quebrando antigos paradigmas da comunicação: A internet é um meio de comunicação que permite, pela primeira vez, a comunicação de muitos com muitos, num momento escolhido, em escala global. Assim como a difusão da máquina impressora no Ocidente criou o que McLuhan chamou de a ‘Galáxia Gutemberg’, ingressamos agora num novo mundo de comunicação: a Galáxia da Internet (CASTELLS, 2003, p. 8).

Santaella (2001) também discute as novas dimensões comunicacionais conquistadas pela “sociedade em rede”: “A entrada do século XXI deverá ser lembrada no futuro como a entrada dos meios de comunicação em uma nova era: a da transformação de todas as mídias em transmissão digital” (SANTAELLA, 2001, p. 1). Para a autora, comunicar-se é parte da vida em sociedade. A novidade nesse processo, no entanto, consiste justamente nas mudanças provocadas pelos avanços tecnológicos e a sua capacidade de transmitir informação com velocidade e alcance sem precedentes. Como a mídia é cada vez mais reconhecida como um ator central no debate contemporâneo, sobre diversas questões de interesse público, é importante que sejam lançadas algumas reflexões a essa discussão. Até que ponto a internet pode realmente contribuir para disseminar informações e conceitos estratégicos sobre a temática ambiental? Em que medida a noção de sustentabilidade vem sendo ampliada para a sociedade conectada em rede? Além de buscar respostas possíveis para essas indagações, é importante que se tenha em mente o que representa essa terminologia e de que forma a sua trajetória, ainda em processo de construção, tem evoluído globalmente, bem como quais são os rebatimentos dessa discussão no Brasil. Nesse sentido, a trajetória desse conceito será discutida no tópico a seguir. Sinais Sociais | Rio de Janeiro | v.9 n. 26 | p. 125-151 | set.-dez. 2014

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Sustentabilidade, contextualizando a trajetória de um conceito em construção Em meio a uma evidente crise ecológica que precisa ser enfrentada com mudanças de rumos no modo de funcionamento da sociedade, duas correntes de pensamento vêm contribuindo para que seja possível emergir o debate sobre o denominado desenvolvimento sustentável. Uma delas associada às abordagens relacionadas ao desenvolvimento econômico, sobretudo a partir da década de 1970, tendo como forte referência o relatório Os limites do crescimento (MEADOWS et al., 1972), produzido por iniciativa do Clube de Roma.10 A segunda vertente, centrada na crítica do movimento ambientalista ao modo de vida contemporâneo que acelerou o processo de uso insustentável dos recursos naturais, teve como marco a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano (conhecida como Conferência de Estocolmo),11 em 1972, a partir de quando a temática ambiental passa a ter mais visibilidade pública (JACOBI, 1999; NASCIMENTO, 2012). Mas como todas as mudanças de rumo implicam avanços e recuos, obstáculos e controvérsias, com a construção desse conceito de grande complexidade não poderia ser diferente. Assim, segundo Jacobi (1999), ainda que o tema nem sempre esteja relacionado ao plano de ações pragmáticas, na década de 1980, no campo teórico houve uma vasta produção intelectual tendo como cerne o agravamento dos problemas ambientais e a sua interface com um modelo de desenvolvimento já naquela época reconhecido como insustentável. E, em parte, esse debate acadêmico foi impulsionado pelo lançamento do relatório Nosso futuro comum (COMISSÃO MUNDIAL DE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1987), quando o conceito de desenvolvimento sustentável foi cunhado como resultado de uma série de ações desencadeadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), passando a ser disseminado globalmente e, ao mesmo tempo, suscitando polêmicas. Segundo essa publicação, o desenvolvimento sustentável seria aquele capaz de atender às necessidades das atuais gerações sem comprometer o atendimento das demandas das gerações futuras. Mas pela ótica de Nascimento (2012, p. 54), “a força e a fraqueza dessa definição encontram-se justamente nessa fórmula vaga, pois deixam-se em aberto 134

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quais seriam as necessidades humanas atuais, e mais ainda as das gerações futuras”. Para o autor, o desenvolvimento sustentável representa um campo de disputa, permeado por múltiplos discursos, que tanto se confrontam como se complementam. As críticas associadas ao conceito também estão centradas na contradição que perpassa as duas terminologias. Assim, se a nova visão implica o reconhecimento da finitude dos recursos naturais e o desenvolvimento, historicamente, representou crescimento econômico “a qualquer custo”, uma questão que emerge desse debate é como a sua articulação poderia representar um outro modo de vida, associado à proteção ambiental e à manutenção das atividades econômicas no longo prazo? No que se refere às controvérsias nesse debate, vale ressaltar que inúmeros questionamentos são também dirigidos aos denominados três principais pilares do conceito de desenvolvimento sustentável (ambiental, econômico e social) disseminados pelo relatório Nosso futuro comum. Nesse sentido, Nascimento (2012) advoga que deveriam ser incorporadas a essa nova visão de desenvolvimento outras dimensões, incluindo a “política”12 e a de “poder”. Ambas estão fortemente incorporadas às estruturas institucionais e organizacionais capazes de influenciar os processos de tomada de decisão rumo às mudanças necessárias (sobretudo em relação aos padrões de produção e consumo), para que a sociedade, realmente, incorpore nas suas práticas cotidianas a noção de sustentabilidade. Para Veiga (2007), reconhecida referência em termos de reflexões críticas sobre a temática do denominado desenvolvimento sustentável, para que esse conceito não represente um mero “conto de fadas”, é preciso que a sociedade contemporânea assuma o enfrentamento de importantes desafios da agenda ambiental para os quais deve buscar soluções. Desses, alguns estão relacionados à perda de recursos naturais (habitat, fontes proteicas, biodiversidade e solos) ou interligados aos limites naturais de provisão de serviços ambientais (energia, água e capacidade fotossintética). Outros dilemas são ainda resultantes do que o autor denomina de “artifícios nocivos” (produtos químicos tóxicos, além de espécies exóticas e gases atmosféricos danosos ao equilíbrio climático ou à proteção da camada de

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ozônio). Por fim, são elencadas, no debate proposto, dois tópicos centrais relacionados à dinâmica das populações humanas, como o crescimento demográfico e as aspirações de consumo na sociedade contemporânea. Nesse sentido, é possível reconhecer a complexidade das questões relacionadas ao uso de uma terminologia que envolve diversos significados e implica diferentes interpretações. Mas independentemente das críticas e dos questionamentos discutidos, ainda que de forma resumida até aqui, para Jacobi (1999) o conceito de desenvolvimento sustentável também sinaliza com avanços. Parte deles se deve à institucionalização dessa nova forma de conceber o desenvolvimento, cuja complexidade envolve as suas interfaces com as questões ambientais, sociais, econômicas e, sobretudo, uma nova visão ética no relacionamento entre sociedade e natureza. Segundo esse autor: A adoção do conceito por organismos internacionais marca a afirmação de uma filosofia do desenvolvimento que a partir de um tripé combina eficiência econômica com justiça social e prudência ecológica, como premissas da construção de uma sociedade solidária e justa (JACOBI, 1999, p. 5).

De certo modo a disseminação do conceito de desenvolvimento sustentável vem contribuindo para ampliar o debate sobre os temas ambientais e para facilitar o entendimento das suas conexões com outras dimensões. Mas no final da década de 1980 ainda repercutia a preocupação de diversos segmentos sociais com os avanços da crise ambiental, associada ao aprofundamento de problemas socioeconômicos em nível mundial. Foi diante desse cenário que, em 1989, a Assembleia das Nações Unidas aprovou a convocação da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Cnumad), para 1992, evento que se firmou como o principal marco internacional para o debate sobre desenvolvimento em suas interfaces com a temática ambiental, denominado Rio-9213 e, popularmente, conhecido como “Eco-92” (LAGO, 2006). No sentido de assegurar uma aplicação prática ao conceito de desenvolvimento sustentável e de nortear o processo de tomada de decisão, a realização da Rio-92 teve como principais resultados a pactuação de novos tratados internacionais para a proteção da natureza, tendo sido as agendas da biodiversidade e das mudanças climáticas, como anteriormente contextualizado, consideradas centrais com relação aos compromissos assumidos. Assim, a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB);14 a

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Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (também conhecida como Convenção do Clima);15 a Convenção sobre Desertificação,16 além da Declaração do Rio,17 da Carta da Terra18 e da Agenda 21,19 são consideradas como principais legados dessa conferência. Além de ter sido considerado um evento “divisor de águas” para a discussão da temática ambiental e a sua interface com o desenvolvimento, a realização da Rio-92 contribuiu também para marcar a ampliação da cobertura midiática sobre essa pauta complexa. E, ainda que o processo seja permea­ do por obstáculos e dilemas, conforme será discutido no tópico a seguir, há um reconhecimento de vários autores, entre os quais o sociólogo canadense John Hannigan (2009), sobre a importância da mídia nesse debate.

A ampliação dos temas ambientais na mídia Para Hannigan (2009), o final da década de 1960 e o início da década de 1970 representaram períodos significativos para a ampliação na mídia dos espaços dedicados à cobertura ambiental, motivada pela ocorrência de inúmeros desastres ambientais, problemas provocados pela poluição industrial, denúncias de contaminação de vários ecossistemas, entre outras questões reconhecidas como ameaças à proteção dos recursos naturais e, consequentemente, à qualidade de vida. Tal movimento coincide com a realização de grandes eventos considerados marcos no debate da temática ambiental, como a Conferência da Biosfera20 e a Conferência de Estocolmo, já mencionada anteriormente. Ambos contribuíram para ampliar fortemente a percepção da sociedade sobre a gravidade da situação, sobretudo nos Estados Unidos e na Europa. Mas até a década de 1980, no entanto, o autor ressalta que as notícias de cunho ambiental tinham importância maior em contextos mais localizados. Foi a partir da década de 1990, impulsionada, sobretudo, pela realização da Rio-92, que a pauta ambiental passou a ter caráter mais global. A mídia brasileira, por sua vez, passou a acompanhar as mobilizações globais em torno das questões ambientais, de maneira apenas incipiente entre o final da década de 1960 e o início da década de 1970, época que coincide também com os primeiros movimentos ambientalistas no país21 (GIRARDI; MORAES; LOOSE, 2012). Até então, a cobertura midiática se concentrava em denúncias e questões localizadas.

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Na década de 1980, o aumento da devastação da Amazônia começa a ganhar mais espaço no noticiário, em função do grande interesse internacional pelo tema. Mas foi, realmente, a partir da década de 1990, sobretudo em função da realização da Rio-92, que a pauta ambiental também adquiriu uma nova dimensão no Brasil, acompanhando um ritmo que já era observado mundialmente. Segundo Girardi, Moraes e Loose (2012), apesar de ter havido avanço no processo na década de 1990 em relação à ampliação de espaços para a cobertura ambiental, a atenção da mídia ainda era motivada por catástrofes e pela realização de eventos com a participação de autoridades e cientistas, assim como pelos discursos de celebridades envolvidas com as causas ambientais. E, desde então, embora sejam percebidos avanços em termos de inserções do debate nas pautas jornalísticas, uma vez que a pauta ambiental passou a ser objeto de interesse de todos os tipos de veículos de comunicação, ainda persistem inúmeros dilemas em relação à qualidade e à profundidade das abordagens adotadas. Alguns dos principais problemas mencionados pelas autoras se referem à falta de entendimento sobre a complexidade da temática por parte de repórteres e editores, bem como à ausência de uma cobertura sistemática, ao invés de discussões apenas eventuais e/ou pontuais. Sendo assim, segundo defendem, seria fundamental que os empresários do setor de comunicação investissem na qualificação da informação. Isso implica a produção de conteúdos jornalísticos aprofundados que permitam à opinião pública a compreensão das conexões da temática ambiental com outras dimensões da vida em sociedade. Com base em pesquisa que buscou interpretar a abordagem ambiental midiática diante da proximidade da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20),22 as autoras verificaram que a cobertura jornalística continua sendo fortemente motivada pela realização de eventos nos quais participam autoridades dos campos político e científico. Além disso, as declarações dessas fontes de informações oficiais são predominantes na cobertura analisada, em detrimento das “vozes” de outros interlocutores sociais. Diante dos resultados observados, as pesquisadoras ressaltam:

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[...] Os problemas são graves e exigem soluções verdadeiras, sem paliativos ou maquiagem. Os profissionais que produzem informações que atingem multidões quase que instantaneamente têm a responsabilidade de contribuir com a transformação necessária, e não para a manutenção de um modelo que se reinventa para que tudo fique da mesma forma [...] (GIRARDI; MORAES; LOOSE, 2012, p. 24).

Assim, as questões discutidas até aqui como pano de fundo para ilustrar a situação de crise ambiental acentuada nas últimas décadas, além dos dilemas enfrentados pela mídia para abordar corretamente os problemas e buscar superar essa realidade, constituem temas complexos que precisam ser compreendidos em profundidade por toda a sociedade. Nesse sentido, no tópico a seguir, são apresentadas contribuições de alguns autores que discutem esses desafios e, ainda, as possibilidades de aproximação entre o debate sobre sustentabilidade e estratégias de comunicação associadas.

Comunicação e sustentabilidade, uma aproximação cada vez mais essencial Na visão de Bueno (2011, 2012), a comunicação desempenha um papel central no processo de sensibilização da sociedade para a internalização da noção de sustentabilidade nas práticas cotidianas. Para esse autor, três funções básicas – todas articuladas e complementares – contribuem para o alcance desse objetivo. Primeiramente a comunicação pode apoiar o fortalecimento do debate sobre o conceito e contribuir para eliminar equívocos como a sua simples associação com a dimensão ambiental ou com a realização de ações de caráter pontual por diversos segmentos sociais. Em segundo lugar, a comunicação comprometida com valores como equidade, justiça social e liberdade poderia ampliar a disseminação de informação qualificada capaz de alertar a sociedade para os riscos associados a fatores como o consumismo, o desperdício de recursos naturais e à desigualdade social. Finalmente, a comunicação para a sustentabilidade deveria ser exercida com coragem e determinação. Tais diretrizes são pautadas por uma visão de longo prazo que viria de encontro ao atendimento de interesses coletivos, além de serem fundamentadas em valores essenciais relativos ao debate, entre os quais, a ética e a transparência.

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Esse encaminhamento apoiaria a disseminação da visão de sustentabilidade sem adjetivos para que não ocorresse o risco de confundi-la com o chamado “marketing verde”, esforço que, segundo Bueno (2011), parece recorrente em inúmeras organizações e instituições com interesses distintos, com o objetivo de “ludibriar a opinião pública”. Esse autor considera, portanto, fundamental que os profissionais de comunicação estejam suficientemente esclarecidos sobre a essência do conceito para que possam efetivamente funcionar como tradutores qualificados da informação técnica à sociedade. Também devem estar verdadeiramente comprometidos com a qualidade da informação veiculada, de forma a serem capazes de se contrapor aos interesses políticos, comerciais ou mesmo pessoais das suas fontes de informação. E, além dos jornalistas atuantes em diversos meios de comunicação, para Bueno (2011), os educadores, os comunicadores empresariais, além dos profissionais de relações públicas e os publicitários deveriam ter o mesmo tipo de comprometimento com a disseminação qualificada de informações e conhecimentos para a sociedade. Nesse sentido, estariam contribuindo, de fato, para a formação de cidadãos cada vez mais sintonizados com os desafios contemporâneos e, sobretudo, com os valores éticos e humanos que perpassam a urgência associada ao processo de comunicação para a sustentabilidade. No sentido de mapear informações sobre o desenvolvimento de ações de comunicação corporativa com enfoque em sustentabilidade, Voltolini (2011), outra importante referência no tema em discussão, identificou por meio de uma pesquisa,23 inúmeras tendências globais, sistematizadas em artigo, no qual buscou lançar reflexões dirigidas aos profissionais do setor e aos estudiosos sobre a temática. Segundo a pesquisa mencionada, diante do aumento da exigência dos consumidores, o conceito de sustentabilidade tem sido principalmente difundido para a sociedade, pelas empresas, por meio da publicidade de produtos e valores institucionais. E em função de uma cobrança cada vez mais evidente por maior transparência corporativa pela sociedade, essa constitui uma tendência que deve se consolidar, cada vez mais, nos próximos anos.

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Assim, o debate global sobre sustentabilidade tem levado as empresas a vincularem esse conceito às inovações que colocam em prática, seja por meio de seus produtos ou de seus serviços. Soluções pensadas em função dos cenários de mudanças climáticas, por exemplo, em alta em países desenvolvidos em função da sensibilidade dos consumidores a essa causa, têm impulsionado inúmeras ações de comunicação empresarial, segundo a pesquisa. Nesse contexto foi também identificada uma tendência de aprimoramento do desempenho empresarial, em relação à aplicação do conceito nas práticas corporativas, mesmo em etapa anterior da disseminação das iniciativas em curso para a sociedade. Segundo o mapeamento realizado por essa pesquisa, parece assim haver um cuidado cada vez maior do setor empresarial, visando à prevenção de equívocos que possam atingir a sua imagem. Para evitar as críticas ou saturar os consumidores com o excesso de informações relacionadas às suas práticas, as empresas também estão buscando comunicar suas ações e estratégias por meio da disseminação de mensagens mais simples e de fácil assimilação. Assim, o uso de ícones pedagógicos para ilustrar o engajamento em relação a grandes temas, como mudanças climáticas, redução da produção de resíduos, entre outros compromissos socioambientais, tem-se revelado como uma tendência comunicacional clara no setor empresarial. A validação de estratégias e metas de sustentabilidade, por meio da contratação de serviços de verificação externa e independente, tem sido outra tendência corporativa em alta. Selos de certificação e informações mais precisas sobre a quantidade de ingredientes naturais presentes nos produtos também têm orientado as decisões de compra de consumidores mais exigentes. Em busca de ampliar a proximidade e a interatividade com os consumidores, as empresas também estão adotando ações de comunicação por meio das redes sociais. Voltolini (2011) menciona ainda que as empresas estão buscando comunicar, cada vez mais aos seus públicos, a internalização do conceito de sustentabilidade nas suas práticas corporativas:

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Uma análise do que está sendo mais comunicado no ponto de venda revela uma ênfase a: (1) Mudanças climáticas e energia (consumo de energia no ciclo de vida, pegada de carbono do produto, economia de energia no uso do produto); (2) Matérias-primas (padrões éticos e ambientais para fornecedores de materiais, com respeito a direitos humanos e comércio justo); (3) Produtos químicos (segurança, materiais naturais, orgânicos e produtos químicos excluídos); (4) Gestão da água (pegada hídrica, qualidade e abastecimento) (5) Ações relacionadas a causas locais e globais (como o comércio justo, que proporciona algum tipo de economia ao cliente e resultados financeiros para organizações sem fins lucrativos) (VOLTOLINI, 2011) (grifos do autor).

Nesse sentido, segundo essa fonte, uma mensagem-chave que emerge de todas as tendências observadas no universo corporativo pesquisado se refere ao crescimento do entendimento de que a noção de sustentabilidade representa um componente ético considerado fundamental à construção de marcas. Assim, aquelas sintonizadas com esse conceito atraem a simpatia e o interesse dos consumidores também identificados com esse valor, o que resulta em aumento da proximidade e fortalecimento da confiança entre as partes. Assim como algumas empresas têm buscado fortalecer a ética dos seus negócios, por meio de novas práticas e valores sintonizados com o conceito de sustentabilidade, como os profissionais e os meios de comunicação podem seguir esse mesmo percurso, ainda permeado de tantos obstáculos? Nesse sentido, vale refletir sobre as questões discutidas por autores de referência que têm contribuído para lançar novas luzes em direção a essa temática complexa. Dessa forma, para Trigueiro (2003) um grande desafio que precisa ser superado pela mídia, em geral, se refere ao tratamento superficial ou fragmentado das questões ambientais, o que não colabora para que a sociedade deixe de considerar o ambiente, a partir de seus aspectos isolados, tais como a fauna e a flora, entre outros. Como o autor discute a seguir, apesar dos avanços da chamada “Era da Informação”, na qual a comunicação tem sido potencializada pela sociedade conectada via internet, a abordagem ambiental continua mantida à margem do processo, relegada a um status periférico: Na Era da Informação, na Idade Mídia, onde os profissionais de comunicação pertencem ao que se convencionou chamar de Quarto Poder, meio ambiente ainda é uma questão periférica, porque não alcançou esse sen-

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tido mais amplo, que extrapola a fauna e a flora. O interessante é que este sentido mais amplo está na origem da expressão “meio ambiente”, que reúne dois substantivos redundantes: meio (do latim mediu) significa tudo aquilo que nos cerca, um espaço onde nós também estamos inseridos; e ambiente, palavra composta de dois vocábulos latinos: a preposição amb (o) (ao redor, à volta) e o verbo ire (ir). Ambiente, portanto, seria tudo o que vai à volta (TRIGUEIRO, 2003, p. 77).

E, diante da amplitude que envolve a temática ambiental e a sua relação com tudo o que faz parte da vida em sociedade, o autor observa que resgatar “o sentido holístico” e o caráter interdisciplinar da discussão em questão constitui um desafio central para a área da comunicação, exigindo de seus profissionais uma percepção “inteiramente nova” e, sob alguns aspectos, “revolucionária” da realidade. Em cenários de informação em “tempo real”, em que o conteúdo noticioso “envelhece rapidamente” e precisa ser atualizado a todo instante, o dia a dia das redações jornalísticas se revela, assim, como uma verdadeira “corrida contra o tempo”. Nesse cenário, os profissionais que se identificam com temas ambientais quase sempre perdem espaços potenciais de divulgação, em função da urgência para a veiculação de notícias factuais, pautadas pelo caráter imediatista. Conforme reforça o autor: No tempo do noticiário, como já vimos, o prazo de validade das notícias se esgota normalmente em um dia. A questão aqui parece ser a seguinte: numa sociedade cada vez mais imediatista (onde o prestígio das informações on line só faz crescer), o que vai acontecer daqui a algumas décadas tem cada vez menos importância. Algumas questões, como a escassez crescente de água, a progressão geométrica do volume de lixo e o ritmo acelerado de desertificação do solo, tornam-se menos interessantes se comparadas com outros assuntos que têm apelo do factual, que se resolvem numa escala de tempo bem definida e respondem aos interesses imediatistas de quem consome notícia (TRIGUEIRO, 2003, p. 79-80).

Pela perspectiva de Campos (2004), esse modelo de veiculação de informação, pautado pela produção de notícias imediatistas e pela abordagem superficial dos fatos, é incompatível com a utilização da mídia como instrumento educativo e como agente de sensibilização da sociedade para os desafios ambientais que precisam ser superados. Resgatar a função educativa da profissão de jornalista, segundo o autor, requer assim alguns exercícios, que incluem, sobretudo, o lançamento de

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Comunicação e sustentabilidade: reflexões sobre o papel da mídia na construção de novas práticas de cidadania

um olhar crítico sobre a ética que perpassa o papel dos meios de comunicação enquanto mecanismos de incentivo à construção de cidadania.

Reflexões para um debate que não se esgota aqui... Conforme apresentado neste artigo, a partir do reconhecimento de uma crise ambiental sem precedentes na história da humanidade, a sociedade começa a discutir novas alternativas com vistas à correção dos rumos do modelo de desenvolvimento, cada vez mais reconhecido como equivocado e predatório. Nesse sentido, emerge um grande debate global sobre a noção de desenvolvimento sustentável e, por consequência, sustentabilidade. Esse conceito, permeado por diferentes significados e interpretações, tem provocado controvérsias desde a década de 1980, quando passou a ser disseminado globalmente. E para quem se pergunta quando se poderá ter conclusões consensuais sobre o tema, parece não haver respostas precisas. Assim, sem pretender esgotar o debate, a proposta deste artigo foi contribuir para a continuidade de uma discussão que, embora não seja consensual, vem sendo construída a partir de novos valores e tem sido permeada por uma forte dose de utopia, também necessária em momentos de dificuldade e crise, quando ânimos e ações precisam ser retroalimentados. Nesse sentido, o papel dos profissionais e dos meios de comunicação, como agentes de sensibilização e indução de novas práticas cotidianas é central na busca de soluções, tanto globais como locais para os problemas identificados. Para concluir o debate, vale recorrer a uma reflexão de Jacobi (2003) que considera serem inúmeros os obstáculos quando se pensa nos avanços necessários à construção de uma sociedade mais sustentável, justamente porque esse conceito ainda não permeia de forma ampla e homogênea os diferentes grupos sociais. Para esse autor, as soluções para a superação de tão complexo desafio passam, essencialmente, pelo acesso à informação qualificada e por mudanças estruturais no campo institucional, de forma que a sociedade seja sensibilizada a compreender os fatores que têm desencadeado os cenários de crise e, ao mesmo tempo, convidada a se tornar protagonista do processo de mudanças, considerado urgente. E, segundo o autor,

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[...] Pode se afirmar que as causas básicas que provocam atividades ecologicamente predatórias podem ser atribuídas às instituições sociais, aos sistemas de informação e comunicação e aos valores adotados pela sociedade. Isto implica principalmente a necessidade de estimular uma participação mais ativa da sociedade no debate dos seus destinos, como uma forma de estabelecer um conjunto socialmente identificado de problemas, objetivos e soluções. O caminho a ser desenhado passa necessariamente por uma mudança no acesso à informação e por transformações institucionais que garantam acessibilidade e transparência na gestão. Existe um desafio essencial a ser enfrentado, e este está centrado na possibilidade que os sistemas de informações e as instituições sociais se tornem facilitadores de um processo que reforce os argumentos para a construção de uma sociedade sustentável, a partir de premissas centradas no exercício de uma cidadania ativa e a mudança de valores individuais e coletivos [...] (JACOBI, 2003, p. 195).

Pelas razões expostas, este debate parece estar apenas começando...

Notas 1 A biodiversidade, também denominada de diversidade biológica, significa

“a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, nos ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos, compreendendo ainda a diversidade no âmbito de uma mesma espécie, entre espécies e nos diferentes ecossistemas” (BRASIL, 2000). 2 “Mudança que possa ser direta ou indiretamente atribuída à atividade

humana que altere a composição da atmosfera mundial e que se some àquela provocada pela variabilidade climática natural observada ao longo de períodos comparáveis” (CONVENÇÃO-QUADRO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MUDANÇA DO CLIMA, 1999).

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3 Serviços ambientais. Conceito associado à tentativa de valoração dos

benefícios ambientais que a manutenção de áreas naturais pouco alteradas pela ação humana traz para o conjunto da sociedade. Entre os serviços ambientais mais importantes estão a produção de água de boa qualidade, a depuração e a descontaminação natural de águas servidas (esgotos) no ambiente, a produção de oxigênio e a absorção de gases tóxicos pela vegetação e a manutenção de estoques de predadores de pragas agrícolas, entre outros (IBGE, 2004). 4 Ecossistema. Sistema integrado que consiste em interações dos elementos

bióticos e abióticos, cujas dimensões podem variar consideravelmente (IBGE, 2004). 5 Habitat. Lugar onde um animal ou planta vive ou se desenvolve, geralmente

diferenciado por características físicas ou plantas dominantes (IBGE, 2004). 6 O IPCC foi criado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) e pelo

Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), em 1988, após a Conferência Mundial sobre Mudanças Atmosféricas, realizada naquele ano, em Toronto, Canadá. Site oficial do IPCC: http://www.ipcc.ch/ 7 O IPCC já tinha publicado relatórios anteriores. O primeiro foi lançado em

1990; o segundo, em 1995 e o terceiro, em 2001. Mas nenhum deles alcançou a mesma repercussão das publicações divulgadas em 2007. 8 A Andi desenvolveu um estudo pioneiro sobre o tratamento do tema de

mudanças climáticas na imprensa brasileira. A primeira fase da investigação envolveu a pesquisa de 50 diários entre julho de 2005 e junho de 2007. Outras duas etapas foram realizadas posteriormente: uma no primeiro semestre de 2008 e outra abrangendo os últimos seis meses de 2007 e de 2008. Ao todo, o monitoramento envolveu a análise de 1.755 textos (entre editoriais, colunas, artigos, entrevistas e reportagens) publicados em 50 periódicos, distribuídos em todas as capitais brasileiras e Distrito Federal, de julho de 2005 a dezembro de 2008. O lançamento dos relatórios do IPCC, ao longo de 2007, foi apresentado como uma das razões para a ampliação da cobertura do tema nos veículos pesquisados (AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DOS DIREITOS DA INFÂNCIA, 2010a). 9 Embora existam nove principais gases de efeito estufa, somente seis deles

têm emissões controladas no âmbito da Convenção do Clima da ONU. São os seguintes: dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), hidrofluorcarbonos (HFCs), hexafluoreto de enxofre (SF6) e perfluorcarbonetos (PFCs). 10 Fundado na década de 1960, na Itália, o Clube de Roma se tornou uma

associação reconhecida por reunir industriais, executivos de grandes empresas, cientistas, economistas, além de integrantes de instituições públicas de países desenvolvidos que promoveram amplos debates sobre questões ambientais e suas interfaces com o desenvolvimento. Ganhou notoriedade mundial a partir de 1968, quando os primeiros resultados do relatório Os limites do

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crescimento começaram a ser divulgados. Segundo as previsões catastróficas dessa publicação, as condições de vida no planeta entrariam em colapso, caso perdurassem os cenários de aumento populacional e do consumo acelerado de recursos naturais, sobretudo nos países em desenvolvimento (LAGO, 2006). As previsões provocaram um amplo debate entre acadêmicos e intelectuais, à época do seu lançamento. 11 A Conferência de Estocolmo teve como resultado uma declaração, conhecida

como Declaração de Estocolmo, contendo 26 princípios dirigidos à construção de uma nova perspectiva de desenvolvimento. Fonte: http://portal.iphan.gov.br/ portal/baixaFcdAnexo.do?id=243 Organização das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep). Declaração sobre o ambiente humano (Declaração de Estocolmo), 1972. 12 Ignacy Sachs, um dos precursores do debate sobre as questões ambientais

e a sua interface com a problemática do desenvolvimento, também defendeu a dimensão política como um dos elementos centrais a esse debate. Esse importante pensador da contemporaneidade foi um dos responsáveis pela construção do conceito de ecodesenvolvimento que conquistou adeptos no meio acadêmico, entre as décadas de 1970 e 1980, mas perdeu espaço no âmbito das ações lideradas pela ONU. 13 A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

(Cnumad) foi realizada no Rio de Janeiro de 3 a 14 de junho de 1992. Reuniu cerca de 40 mil pessoas, incluindo 106 chefes de governo e resultou em amplo debate sobre as questões ambientais e suas interfaces com o desenvolvimento. 14 Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). É o principal marco global

para a proteção da biodiversidade e tem contribuído para inspirar políticas públicas e ações estratégicas de conservação desses recursos por parte dos países signatários (BRASIL, 2000). 15 Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (1999).

Representa o principal conjunto de diretrizes para nortear o processo de tomada de decisão em nível global com objetivo de conter as emissões de gases de efeito estufa provenientes, principalmente, da queima de combustíveis fósseis como carvão e petróleo para a geração energética. 16 CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O COMBATE À DESERTIFICAÇÃO

E MITIGAÇÃO DOS EFEITOS DAS SECAS – UNCCD (sigla em Inglês) (2014). 17 Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento (CONFERÊNCIA DAS

NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1992). 18 “A Carta da Terra é uma declaração dos povos sobre a interdependência

global e a responsabilidade universal, que estabelece os princípios fundamentais para a construção de um mundo justo, sustentável e pacífico. Ela procura identificar os desafios e escolhas críticas para a humanidade enfrentar o século XXI” (CARTA DA TERRA, 2009).

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19 Oficializada durante a Rio-92, a Agenda 21 Global que não tem valor de

lei, mas constitui um pacto entre governos e sociedade, é considerada desde então como um importante instrumento norteador do planejamento global. Seu objetivo é mobilizar tanto o poder público como a sociedade, para a busca de soluções para os principais problemas do desenvolvimento. Ela se desdobra em Agendas 21 Locais, Regionais e Nacionais. 20 A Conferência da Biosfera foi realizada em Paris, França, em 1968. Este

evento foi organizado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em parceira com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e a Organização Mundial da Saúde (OMS). As questões debatidas trouxeram inspirações para a Conferência de Estocolmo, realizada em 1972. 21 A Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), criada

pelo ativista José Lutzemberger, a Resistência Ecológica, a Associação Paulista de Proteção à Natureza e a Associação Catarinense de Preservação da Natureza são algumas das primeiras organizações ambientalistas, estabelecidas no Brasil, na década de 1970 (GIRARDI; MORAES; LOOSE, 2012). 22 Rio+20. A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento

Sustentável ocorreu de 13 a 22 de junho de 2012, no Rio de Janeiro, cidade que recebeu mais de 100 mil visitantes brasileiros e estrangeiros para debater, em eventos oficiais e paralelos, questões relacionadas à sustentabilidade planetária, em um balanço sobre essa temática 20 anos depois da Rio-92. No Riocentro, prédio oficial da conferência, estiveram reunidos 45,3 mil participantes, dos quais, mais de 100 chefes de Estado ou de Governo, além de 4 mil jornalistas, 12 mil delegados e 9,8 mil representantes de ONGs e outras organizações sociais. 23 A Ideia Sustentável, organização criada por Ricardo Voltolini, a partir da sua

metodologia OTS (Observatório de Tendências em Sustentabilidade) mapeou 11 tendências em comunicação para a sustentabilidade por meio de dados gerados por organizações globais produtoras de conhecimento sobre o tema.

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DOSSIÊ


NÚMEROS ANTERIORES


EDIÇÃO 21 Faces do trágico e do cômico na moderna prosa rodriguiana Agnes Rissardo

Saber escolar em perspectiva histórica. O ensino religioso: debates de ontem e hoje na História da Educação Aline de Morais Limeira

A inocência dos muçulmanos, blasfêmia e liberdade de expressão: problemas de tradução intercultural Daniel Silva

O confronto entre a jurisdição penal global e a soberania estatal: tribunal penal internacional versus razão de estado Pedro Hermílio Villas Bôas Castelo Branco

Castro Alves: dramaturgo bissexto Walnice Nogueira Galvão

EDIÇÃO 22 DOSSIÊ Velhice, família, Estado e propostas políticas Myriam Moraes Lins de Barros (Organização)

Feminismo e velhice Guita Grin Debert

Entre o Estado, as famílias e o mercado Carlos Eugênio Soares de Lemos

Violências específicas aos idosos Alda Britto da Motta

ARTIGOS Vazios culturais versus alternativas da cultura e as estratégias da poesia de Cacaso Carlos Augusto Lima

Violência e maus-tratos contra as pessoas idosas Lucia Helena de Freitas Pinho França e Edson Alexandre da Silva

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EDIÇÃO 23 DOSSIÊ Lazer Edmundo de Drummond Alves Junior (Organização)

Sobre o conceito de lazer Victor Andrade Melo

O profissional do lazer Hélder Ferreira Isayama

Lazer: um direito de todos Edmundo de Drummond Alves Junior Cleber Dias

ARTIGOS Por uma história da assistência medieval: o caso de Portugal Priscila Aquino Silva

A forma e as formas de “Alumbramento” André Vinícius Pessoa

EDIÇÃO 24 O americanista tardio: as relações entre o Brasil e os Estados Unidos nos escritos de Joaquim Nabuco Angela Alonso 9

Anísio Teixeira: cultura e educação para a nova cidadania Carlos Guilherme Mota3

Pornografia e Shoah Jacques Fux53

Teoria do Estado Desenvolvimentista: uma revisão da literatura Marcus Ianoni

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As reflexões históricas de Sérgio Buarque de Holanda sobre agricultura (1936-1957) Robert Wegner

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EDIÇÃO 25 O Estado Novo e o debate sobre o populismo no Brasil Angela de Castro Gomes

Mundo desencantado e mundo desengajado Luis Carlos Fridman

Henrique Galvão entre os descompassos no império lusitano Rita Chaves

O marketing político no Brasil: da consolidação ao desafio das redes sociais Sérgio Ricardo Rodrigues Castilho

Exílio e linguagem: a escrita de Samuel Rawet Vera Lins

Caso tenha interesse em receber a revista

Sinais Sociais, entre em contato conosco: Assessoria de Comunicação do Departamento Nacional do Sesc publicacoes@sesc.com.br tel.: (21) 2136-5149 fax: (21) 2136-5470

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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO


Política editorial A revista Sinais Sociais é editada pelo Departamento Nacional do Ser­viço Social do Comércio (Sesc) e tem por objetivo contribuir para a difusão e o desenvolvimento da produção acadêmica e científica nas áreas das ciências humanas e sociais. A publicação oferece a pesquisadores, universidades, instituições de ensino e pesquisa e organizações sociais um canal plural para a disseminação do conhecimento e o debate sobre grandes questões da realidade social, proporcionando diálogo amplo sobre a agenda pública brasileira. Tem periodicidade quadrimestral e distribuição de 5.000 exemplares entre universidades, institutos de pesquisa, órgãos públicos, principais bibliotecas no Brasil e bibliotecas do Sesc e Senac. A publicação dos artigos, ensaios, entrevistas e dossiês inéditos está condicionada à avaliação do Conselho Editorial, no que diz respeito à adequação à linha editorial da revista, e por pareceristas ad hoc, no que diz respeito à qualidade das contribuições, garantido o duplo anonimato no processo de avaliação. Eventuais sugestões de modificação na estrutura ou conteúdo por parte da Editoria são previamente acordadas com os autores. São vedados acréscimos ou modificações após a entrega dos trabalhos para composição.

Normas editoriais e de apresentação de artigos O trabalho deve ser apresentado por carta ou e-mail pelos(s) autor(es), que devem se responsabilizar pelo seu conteúdo e ineditismo. A carta deve indicar qual ou quais áreas editoriais estão relacionadas ao trabalho, para que este possa ser encaminhado para análise editorial específica. A mensagem deve informar ainda endereço, telefone, e-mail e, em caso de mais de um autor, indicar o responsável pelos contatos. Incluir também o currículo (com até cinco páginas) com a formação acadêmica e a atuação profissional, além dos dados pessoais (nome completo, endereço, telefone para contato) e um minicurrículo (entre 5 e 10 linhas, fonte Times New Roman, tamanho 10), que deverá constar no mesmo documento do artigo, com os principais dados sobre o autor: nome, formação, instituição atual e cargo, áreas de interesse de trabalho, pesquisa, ensino e últimas publicações. Os textos devem ser encaminhados para publicação ao e-mail: sinaissociais@sesc.com.br, ou em CD ao endereço a seguir: 158

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Referências (exemplos): Artigos de periódicos DEMO, Pedro. Aprendizagem por problematização. Sinais Sociais, Rio de Janeiro, v. 5, n. 15, p. 112-137, jan. 2011. DIAS, Marco Antonio R. Comercialização no ensino superior: é possível manter a ideia de bem público? Educação & Sociedade, Campinas, v. 24, n. 84, p. 817-838, set. 2003.

Capítulos de livros CANDIDO, Antonio. O significado de Raízes do Brasil. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 25. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1993. p. 39-49. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Tratado de nomadologia: a máquina de guerra. In: DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Trad. Aurélia Guerra Neto e Celia Pinto Costa. São Paulo: Ed. 34, 1980. v. 5, p. 14-110.

Documentos eletrônicos IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: síntese de indicadores: 2002. Rio de Janeiro, 2003. Disponível em: < http://www.ibge.gov. br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2002/ sintesepnad2002.pdf>. Acesso em: 21 jul. 2013. SANTOS, José Alcides Figueiredo. Desigualdade racial de saúde e contexto de classe no Brasil. Dados, Rio de Janeiro, v. 54, n. 1, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S001152582011000100001&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 20 jul. 2013. SANTOS, Nara Rejane Zamberlan; SENNA, Ana Julia Teixeira. Análise da percepção da sociedade frente à gestão e ao gestor ambiental. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE GESTÃO AMBIENTAL, 2., 2011, Londrina. Anais eletrônicos... Bauru: IBEAS, 2012. Disponível em: < http://www.ibeas. org.br/congresso/Trabalhos2011/I-002.pdf>. Acesso em: 21 jul. 2013.

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Livro HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1936.

Trabalho acadêmico VILLAS BÔAS, G. A vocação das ciências sociais (1945/1964): um estudo da sua produção em livro. 1992. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1992.

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Esta revista foi composta na tipologia Caecilia LT Std e impressa em papel p贸len 90g, na Setprint Gr谩fica e Editora.




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