FOI DAQUI QUE EU VIM” Tiraram o melhor de mim Quase não lembro de onde vim Quando eu era miúda, falava painho e mainha Lá todo mundo barria o terreiro Era feijão com farinha, era farinha com açúcar de café da manhã Era bucho inchado Porque dieta de nordestino é farinha e tapioca Na minha terra era sorte pisar na bosta Menina abilolada espera até hoje o dinheiro da bosta pisada a vida toda Nera sabida Nera? Mais rapaz conto isso, mas né pra manga de mim não É pra chegar na diversão Porque essa poesia é da moléstia Como a quentura na moleira Lá eu tinha uma égua chamada Tieta, não sei se inventei, papai diz que foi jurema Sei lá de onde tirei Se mãe brigava com nóis é buboinca pra cá e peste pra lá Isso era nós criança, criada pé no chão Quando nóis virô mocinha Vó já diz; menina esconde a priquita Porque os machos são tudo febre do rato E pode bulinar nós Apois foi assim minha vida Quando nóis vem para são Paulo Nóis aprende a ser gente Pode ter saudade da roça Mas na tv mostra “bola pra frente”
Aqui papai é peão e mamãe domestica Nóis criança sozinha se vira desde pequena cuidando dos irmãos Aprende a cozinha e até fazer a lição É porque criança da roça já nasce adulto Tem que obedecer, nóis aprende é no susto Quando já grande eu quis ser atriz - Que isso menina tu ta abilolada Tem que trabalhar em casa de família Estudo não tem precisão Pediria pra padim Pade Ciço pra nunca ter esquecido desse sotaque do sertão Mas em compensação Ganhei a gíria da rua Agora falo como o mundo Marquei vida adotada por São Paulo Ele sendo meu grande patrão Ta ligado tiu? Nóis é perifa Ta ligado jão? Nós é mano mina e mona Nóis sobrevive é na precisão Não esqueci minha terra Só me tirarão o chão Mas as raízes pulsam aqui no coração Bato na terra Bato coco Bato palma Hoje eu me lasco, mas não morro mais Grito meu nome É nordestino quase não gosto do que ouço Sou Jô Freitas, mas da minha terra eu não corro mais
Se acreditam que nordestino não é letrado Sua academia não é mais importante do que a sabedoria de meus ancestrais Peço licença pra me retirar E voltar pra essa minha fala sem identidade Quem não me conhece Me perguntam: Você é carioca, paulista ou esse sotaque tu é que faz Me forçaram tirar na escola e no trabalho Pois falar nordestino era fala errada, vem aqui aprender como faz Mas se estou com a família o sotaque volta atrás As pessoas comentam- nossa, é briga a gritaria que se ouve lá de trás É só beber uma cerveja que a baiana fala puxado pae Mas na vida, é a menina sabida da gota serena Que não fala mais Mas que sempre lembra que o sertão está nas veias Que pede a benção pra lembrar de onde veio Mesmo sendo adotada por são Paulo Sempre lembro que o sertão da Bahia é que são meus verdadeiros pais.
Espetáculo de
JÔ FREITAS POESIA Direção Geral
RENATO GAMA Direção Musical e Violão
JULIO LINO Sanfona
JU FLOR