cuidado
diversidade
eixo 3
Subjetividades 29 de setembro de 2020
Mediadores: JĂşnior Ahzura e Diran Castro Relatoria crĂtica: T. Angel
sujeito
As vendas e os silêncios: coreografias da destruição da normatividade compulsória e a elaboração do possível na lógica do absurdo. Primeiros dias da primavera... Das estações que se confundem e se embaralham, se confundem e que gritam: há algo de errado acontecendo. Gritam de modo gutural: há algo de errado acontecendo não é de hoje. Não é de agora. Não é de hoje. (...) Silêncio. (...) A sala é virtual em uma zona autônoma temporária. Zero. Em silêncio — mutadas — as pessoas vão chegando. Uma e depois outra. Acende uma câmera e depois outra e depois outra... Como uma sala escura onde pequenas luzes vão se acendendo, feito vagalumes na mata escura. Luzes vão se acendendo. Hoje. Terça-feira, 29 de Setembro de 2020. O mundo ultrapassou a marca de 1 milhão de pessoas mortas por Covid-19. Somente no Brasil, mais de 140.000 mil pessoas mortas. Mais uma medalha olímpica no pódio da nossa necropolítica. Segura o troféu, o louro, a camiseta verde e amarela e as mãos que escorrem sangue. Vermelho. Um dos países que mais mata gente pobre, mulheres, pessoas negras, pessoas LGBTQIA+, indígenas... É também o país que mais deixa morrer, deixa matar e mata institucionalmente — dentre as tantas e incontáveis formas, pela omissão e indiferença e — por Covid-19. Segundo lugar no mundo! Primeiro lugar em assassinatos. Segundo lugar em mortes disso e daquilo e aquilo outro. Ocupamos também os últimos lugares. Último lugar no ranking global no fator educação e da igualdade de gênero. O projeto é a destruição. A aniquilação do futuro. É a venda. É a venda nos olhos. É a venda das nossas cabeças. Ao vento. As vendas. Na boca a mordaça. O corpo no chão. A lógica é a do absurdo.
Guiades ou mediades ou atravessades ou explodides por Diran Castro e Júnior Ahzura um grupo de pessoas esteve reunido virtualmente na terça-feira, 29 de setembro de 2020, buscando rabiscar no ar ideias para se pensar rotas de fugas e práticas de cuidado para existir. Cura. Vida. Cura. Vida. Cura. Vida. Cura. Vida. Cura Vida. Vida. Vida. Vida. Vida. São palavras que ficam ecoando e pulsando no corpo como uma espécie de mantra. Levadas para a experiência da vida. Cuidado para existir... Rotas de fuga... da morte... Fugir e escapar da morte... “A gente combinamos de não morrer”, já dizia os Olhos D’água. Receio que simplifiquem ou reduzam o sentido do rabiscar no ar ideias como algo infantil e romântico, então explico-me: as ideias são forças motrizes. Os rabiscos — como extensos pixos em edifícios de muitos andares — também se configuram como porradas, hackeamentos, como navalhadas nas entranhas, como bruscas sacudidas eloquentes que dizem: onde é que você vive? Onde é que você vive ainda que vivamos no mesmo lugar? Procure se enxergar. Procure enxergar além de si. O mesmo lugar nunca é o mesmo porque nós nunca somos iguais. Nós não somos iguais. Nós não... Os curtos textos de longo alcance de Diran Castro — Tirocídio e Retina Colonial — foram os disparadores do encontro. Disparou o silêncio de quase 40 segundos e que dado o contexto pareceu 40 minutos, 40 dias, 40 anos, quase 4 séculos... Silêncio quebrado por uma mulher negra que deseja saber mais sobre retina colonial. Simbólico. O silêncio também comunica. O silêncio também incomoda. O silêncio não como imposição. O silêncio como ferramenta. O silêncio como arma. Está tudo tão barulhento que o que estamos dizendo — há séculos — não tem sido — propositalmente — escutado. Não é sobre a forma de falar. É sobre a disposição em ouvir. É sobre a seletividade no que se escuta.
Escuta. (...) Silêncio.
Júnior Ahzura socializa suas práticas e experiências no campo da educação e da acessibilidade em espaços educacionais não formais. Jogos, brincadeiras fazem parte das estratégias para se elaborar outras relações e se construir outras narrativas e contextos... É o escondeesconde, o pega-pega, o polícia e ladrão, que denunciam — ou tem o poder de fazê-lo — e demarcam assimetrias... O genocídio da juventude negra, o genocídio da população trans e o feminicídio não são brincadeiras, não. Morto, vivo, morto, vivo, vivo, morto. Tirocídio. Negrotério. A ferida colonial ainda sangra. Vermelho. Genocídio. Feminicídio. Epistemicídio. Suicidados. Dados... E no tabuleiro temos os reis, as rainhas, os bispos... Há quem sejam peões. Há outres que nem ainda chegaram a ser. Cheque-mate. Caiu. Tombou. Qualquer conversa sobre subjetividades, acessibilidades, dissidências precisam passar necessariamente sobre a questão básica e fundamental: quem acessa o direito de viver? Voltas e voltas. Revoltas e revoltas. São mais de 140.000 pessoas mortas de março a setembro do ano de 2020. Na cabeça a coroa do vírus. Procure saber quem essas pessoas são... (...) silêncio. (...) Quando é que vamos — e quem é que vai — sair do limbo do fundo do poço do absurdo? (...) silêncio
Você consegue me ouvir? SUA CONEXÃO ESTÁ INSTÁVEL
Júnior Ahzura é artista visual, educador e intérprete de Libras. Nascido e criado na zona leste de São Paulo tem formação em Comunicação pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e técnico em Processos Fotográficos pela ETEC das artes. Atuou em diversas instituições culturais como educador, parte do trabalho desenvolvido através da pesquisa de jogos como processos de criação e mediação em arte. Atualmente, desenvolve um trabalho ligado à acessibilidade e corpos dissidentes no Instituto Moreira Salles. Diran Castro atua de maneira trans/versal no terreno das Artes Visuais. Há 9 anos é mediadora em espaços expositivos, desenvolvendo esse trabalho de forma concomitante em instituições de arte. Pesquisa as possibilidades de leituras de obras além das camadas de tinta, realizando palestras na Suíça e Brasil. Dedica-se ao projeto Seus filhos também praticam, no qual utiliza a prostituição como ferramenta de trabalho e investigação, aproximando-se de garotos com idade entre 18 e 25 anos, brancos, ricos e autodeclarados héteroscis. Nele, busca cultivar o diálogo e a escuta no domínio da raça, classe, gênero e sexualidade. T. Angel é uma pessoa trans não-binárie que tem graduação em História, especialização em Educação Inclusiva. Atualmente faz MBA em Gestão Escolar. Trabalha com educação pública na periferia de Osasco. Atualmente está na coordenação pedagógica. Tem pesquisado nas últimas décadas sobre a modificação corporal e diferentes usos do corpo, como a prática da suspensão. Dentro desse campo de pesquisa investiga e vive aquilo que entende como teoria freak. Trabalha desde 2005 com performance art e levou o seu trabalho para diferentes partes do Brasil. A sua pesquisa no campo das artes está focada na exploração dos limites e fronteiras psicofísicas, questionando e friccionando o que é ser humano e o que pode o corpo. É ativista pelos direitos humanos e dos animais, com forte atuação nos movimentos LGBTQIA+ e Freak. Em 2015 publicou o livro A Modificação Corporal no Brasil — 1980-1990 e o Manifesto Freak. Criou a plataforma FRRRKguys em 2006 e é responsável pelo Grupo de Estudos Sobre Modificações Corporais — GESMC desde 2014.
Sala Zero de Mediação Proposta e curadoria Bruno Makia, Caio Oliveira, Jucelia da Silva, Juliana Biscalquin, Paula Garrefa e Raylander Mártis Acompanhamento horizontal Graziela Kunsch Equipe Sesc Santana André Martins, Caroline Freitas, Guilherme Guimarães, Jacqueline de Oliveria Souza, Leonardo Borges, Natália Martins, Ricardo Ribeiro, Sidnei Martins, Suellen Barbosa, Wendell Vieira.
Sesc Santana Av. Luiz Dumont Villares, 579 São Paulo – SP Tel.: +55 11 2971-8700 /sescsantana sescsp.org.br/santana