Dimensão educativa da arte Pensar sobre mediação cultural é refletir sobre encontros. Uma confluência que envolve, a um só tempo, o convívio com o diverso, as características locais, as relações de tempo e espaço, o acolhimento, dentre outros aspectos. Diante de uma obra artística, os distintos públicos enriquecem as narrativas simbólicas a partir de seus repertórios, assim como se abastecem com as experiências das múltiplas camadas perceptivas, próprias da fruição, que suplantam o que é palpável. A convivência e trocas presenciais foram impactadas diante da pandemia da covid-19. Em meio à situação imprevista, uma nova questão no campo da cultura foi posta: como proporcionar a experiência do encontro, em meio ao distanciamento social, e de que modo ocupar o espaço virtual, contemplando conteúdos socioculturais e educativos? Tendo em vista a transversalidade das ações do Sesc, os diálogos se expandiram por diferentes áreas. Propostas e formatos foram repensados, com a perspectiva de revigorar os encontros, ampliando as possibilidades de agir neste momento histórico. Esse foi o percurso do projeto Sala Zero de Mediação, concebido pela equipe do Sesc Santana, em colaboração com arte-educadores, e realizado em 2020 no ambiente virtual. Composto por seis eixos norteadores, propiciou diálogos e debates acolhendo diferentes visões sobre a prática da mediação cultural, bem como as diversas vozes do campo da educação que atuam na área. Tal iniciativa teve como premissa criar espaços de troca e enfrentamento diante da situação pandêmica, construindo propostas a partir da articulação dos múltiplos olhares e vivências das pessoas presentes nos encontros. Ao longo do desenvolvimento do projeto, foi realizado um exercício de escrita nomeado de relatoria crítica. A presente publicação reúne o conjunto de tais registros e reflexões. Notadamente, os relatos não se encerram neles mesmos; ao contrário, são convites para fomentar inquietações e abrir outras perspectivas sobre a mediação cultural, passíveis de novos encontros a cada página. Sesc São Paulo
Quando a pandemia do coronavírus chegou ao Brasil, em março de 2020, instituições culturais foram fechadas para o público presencial e precisaram se reinventar, ou ao menos descobrir outras formas de continuar existindo e constituindo diferentes públicos. Infelizmente, na maioria dos casos, educadores dessas mesmas instituições foram excluídos desse processo de reinvenção, tendo sido os primeiros a terem seus contratos suspensos ou encerrados. Entre as exceções, a continuidade do projeto educativo Escola e Artes, no Sesc Santana. Estávamos em pleno processo de autoformação para a exposição Conflito, insurgências e resistências e, ainda sem saber se os educadores chegariam a mediar visitas com estudantes e professores das escolas públicas da Zona Norte de São Paulo, como acontecia desde 2016, ou mesmo se a exposição iria de fato abrir, migramos os nossos encontros com os artistas Denilson Baniwa, Mulambö, Regina Parra e coletivo Trovoa para salas virtuais. Se as visitas mediadas já não poderiam acontecer, de que outras maneiras poderíamos dar continuidade ao trabalho de mediação? E, pergunta igualmente importante, de que maneira manter os contratos começados, garantindo a remuneração nas datas esperadas? O grupo de educadores formado por Ana Raylander Mártis dos Anjos, Bruno Makia, Caio Araújo, Jucélia da Silva, Juliana Biscalquin e Paula Garrefa elaborou duas propostas, ambas acolhidas pela instituição. A primeira diz respeito à mediação em si e consistiu no uso do perfil de Instagram do Sesc Santana para mediar obras de arte e processos de artistas, nos chamados Drops de Mediação. A segunda diz respeito ao trabalho de quem faz a mediação e é disso que trata a presente publicação.
A Sala Zero de Mediação foi instaurada durante seis noites, na plataforma Zoom, em torno dos temas Encontro, Possibilidades e Efemeridades; Campo de Trabalho; Subjetividades; Educadoris/ Mediadoris; Outras Mediações; e Perspectivas e Contrapontos. A curadoria foi realizada pelos próprios educadores do projeto Escola e Artes, que, a cada vez, convidaram três pessoas para participar: duas pessoas eram responsáveis por abordar o tema em questão desde a sua experiência e a terceira tinha a missão de escrever um relato crítico, após o término do encontro. As e os integrantes do Escola e Artes se revezaram na função de apresentação e mediação de cada Sala Zero e também ficaram responsáveis por redigir um segundo relato crítico. Esta publicação é formada pelo conjunto de relatos críticos produzidos, seguindo a ordem dos encontros. Escolhemos juntos essa forma de documentação, com o desejo de, mais que registrar ou concluir, aprofundar e abrir o debate iniciado. Os relatos críticos descrevem o que se passou em cada Sala Zero desde a posição subjetiva de quem escreve ou fala, adicionando mais uma voz a cada discussão. Esperamos que a leitura deste material amplifique e aproxime outras tantas vozes, por vezes ignoradas, colaborando na auto-organização de educadores que atuam no contexto da arte. E que, juntamente, as instituições passem a cuidar mais de quem cuida. Graziela Kunsch
Bom dia. Boa tarde. Boa noite. A todas as pessoas que daqui em diante entrarão em contato com os textos que seguem, sejam todas bem-vindas! Como dificilmente é possível precisar o período do dia em que ocorrerá esse novo encontro, a saudação vem em diferentes tempos. Manhã. Tarde. Noite. Passados. Presentes. Futuros. As fronteiras entre os tempos parecem ficar imprecisas quando desejamos elaborar uma memória de maneira compartilhada, coletiva e colaborativa. Às pessoas que tiveram a oportunidade de estar conosco desde o primeiro encontro virtual para a instauração das Salas Zero de Mediação, para aqueles que puderam participar de apenas alguns dos seis encontros deste primeiro ciclo ocorrido no segundo semestre de 2020, e aos que estão aqui pela primeira vez, entrando em contato com os relatos elaborados a partir das nossas rodas de conversas virtuais, refazemos o seguinte convite: que firmemos os nossos olhares para que estes se encontrem, se recepcionem e se cumprimentem, apesar e para além da interface dessas nossas já tão cotidianas e cansadas telas. Antes de ser esse breve acolhimento para você que está aqui e agora com as memórias compartilhadas do projeto, esse texto passou de mãos em mãos, foi transformado, reelaborado e lido por um dos educadoris da equipe do projeto Escola e Artes no momento da abertura das falas e escutas de cada instauração da Sala Zero de Mediação.
Falamos aqui em nome da equipe educativa do Escola e Artes – Mediadores em Artes Visuais, projeto que existe desde 2016 no Sesc Santana e que se distingue de formatos recorrentes na área da mediação por especificidades como: • recebimento de visitas em dias e horários agendados pré-estabelecidos contratualmente com a equipe, não necessitando esta permanecer em espera nos espaços expositivos; • direcionamento do atendimento a um público e região específica da cidade de São Paulo: estudantes do ensino médio de escolas públicas, em parceria com a Diretoria de Ensino da Zona Norte II; • noutro ponto, não há um cubo branco ou uma sala de exposição, pelo contrário, a dinâmica das mostras artísticas apresenta temas curatoriais que se renovam em cada semestre, os trabalhos artísticos acontecem em ocupações independentes, permitindo uma circulação pelo espaço da Unidade; • a liberdade encontra-se também na possibilidade de conversar e silenciar nos momentos entre um espaço e outro, visto que as ocupações artísticas não são montadas em espaços contínuos ou imediatamente próximos, sendo possível acessar também o muro lateral, na rua, onde falar sobre arte, motivo e suporte artísticos são desculpas para nos aproximarmos da vida, de contextualizações históricas, de reflexões políticas e poéticas que tocam as delicadezas e os dramas do sujeito em um contexto como o Brasil.
Mas talvez o fator mais inaugural deste projeto seja, sobretudo, optar em manter, por meio de contratações sequenciadas, uma mesma equipe educativa.
Essa continuidade tem colaborado para efetuar mudanças significativas em nossa atuação, como: • o estabelecimento de relações de maior proximidade, confiança e parceria dentro da equipe, com os grupos visitantes e, principalmente, com a própria instituição; • uma prática educativa mais reflexiva, colaborativa e compartilhada. O que contribui para fomentar de modo mais abrangente as pesquisas nos campos da arte e da educação e de temas que inevitavelmente os atravessam, como os de ordem cultural, política e social; • a possibilidade de produzir o próprio material educativo, entre outras...
No ano de 2020, assim como para tantas outras equipes educativas de equipamentos culturais espalhados pelo país, iniciamos o primeiro semestre entusiasmados em receber o público visitante, quando a pandemia causada pelo coronavírus pegou a todos de sobressalto. Sabemos que para a grande maioria destas equipes não foi sequer dada a opção de reelaborar suas práticas para que assim não tivessem seus empregos comprometidos. A esta equipe foi dada a possibilidade de continuar e, como não podia deixar de ser, de reinventar seus próprios caminhos! Elaboramos planilhas complexas, redefinimos demandas, traçamos novos objetivos, alteramos formatos e repensamos o público. O que não sabíamos fazer, aprendemos! Mas muito mais importante que isso, nós generosamente nos dividimos de acordo com o que cada um podia contribuir, sem cobrar ou sobrecarregar nenhum de nós por isso! Pois sabíamos, não estava sendo fácil pra ninguém! Nos encontramos semanalmente de maneira remota, compartilhando notícias, cada vez mais inacreditáveis, sentimentos, cada vez mais indescritíveis, emoções, cada vez mais incontroláveis, risos, cada vez mais de nervoso… Contamos com o suporte coletivo do grupo, quando nem todos podiam estar ali plenamente. E também com os esforços mútuos em aceitar o silêncio e compreender os gestos que falavam mais do que palavras.
Conseguimos entender que havia a necessidade de dialogar com o agora das coisas, e nos vincular ainda mais ao trabalho desenvolvido. Voltamos os olhos para os conteúdos dos materiais educativos das exposições anteriores. Daí surgiram os Drops de Mediação, série de postagens para o Instagram do Sesc Santana que re-apresentou trabalhos de artistas que já estiveram em exibição na unidade, relacionando-os a temas como: direito à terra, direito à vida, violência, racismo e gênero. E como em tempos de barbárie, o mais revolucionário é cultivar os sonhos, avançamos ainda mais nesse propósito e decidimos retomar uma ideia já há muito guardada em nossas gavetas: a instauração de uma SALA ZERO DE MEDIAÇÃO! Movidos pelo desejo de criar um espaço de troca onde o protagonismo estivesse nas figuras dos educadores, convidamos pessoas cuja atuação nos tem sido motivo de inspiração e admiração para compartilhar suas experiências, produções de pensamento e práticas de atuação na área de mediação. A Sala Zero de Mediação surgiu ainda com a vontade de estabelecer articulações profissionais e refletir sobre as condições de trabalho da nossa classe com vocês, educadores, mediadores culturais e profissionais correlatos aqui presentes. Pois acreditamos em iniciativas que fortalecem redes de organização dessa categoria que, embora ainda não seja regulamentada, possui potencial humano especializado e é capaz de contribuir para promover avanços nos campos da educação e da cultura brasileira. Queremos que os encontros aqui documentados nos ajudem a pensar outras vias que não apenas a da denúncia, mas que possam revisar pressupostos já estabelecidos e apresentar novas proposições que alterem a realidade e ampliem as perspectivas de uma educação radical, contra hegemônica e descolonizadora em locais que se dedicam a produções do campo da arte e em todo e qualquer espaço no qual as relações se deem entre pessoas.
O projeto Escola e Artes foi idealizado pelas programadoras Suelen Calonga e Bárbara Iara Hugo Cabral Carneiro na unidade do Sesc Santana e continuado e ampliado por Midiã Silva. Nossos braços direito e esquerdo e nosso contato mais próximo com a instituição, foram os estagiários da Programação: Guilherme Livraes, Isabella Giacom, Laís Matias e Guilherme Blanco, que muitas vezes foram nossos parceiros durante as visitas. Em sua formação inicial o projeto contou com a coordenação e gestão de Marcela Tiboni e atuação das educadoras Marina Xisto e Thaís Sabbadini. Desde 2018 contamos com o acompanhamento sempre preciso e horizontal de Graziela Kunsch. Queremos agradecer ao suporte institucional do Sesc SP, realização do Sesc Santana sob o apoio atento e otimista de Natália Martins. Nossos agradecimentos também à Gerência de Artes Visuais do Sesc SP por ter acreditado na relevância do projeto e torná-lo possível. Em especial a Leonardo Borges e Suellen Barbosa. A todas estas pessoas, nossos agradecimentos por terem contribuído para esta trajetória! Estendemos nossos agradecimentos a você que nos lê e desejamos que este material possa contribuir para suas pesquisas, provocações e outras conversas! Caminhemos juntos! E boa leitura! Ana Raylander Mártis dos Anjos, Bruno Makia, Caio Araújo, Jucélia Da Silva, Juliana Biscalquin e Paula Garrefa
caminhos
rede
eixo 1
Encontro, Possibilidades e Efemeridades 18 de agosto de 2020
Convidadas: Beatriz Lemos e Isabela Maia Relatos críticos: Mônica Hoff e Bruno Makia
articulação
Criar espaços seguros. Estruturar trocas. Marcar hora para filosofar. Gerar boas perguntas. A importância e a dificuldade de gerar boas perguntas. A melhor pergunta não é aquela que responde, mas a que sacode. Pedagogia da sacudida. A tensão entre educação e mediação. A todo tempo montando-se e desmontando-se, enchendo e esvaziando, e. A partir de nossos corpos, conhecimento necessariamente incorporado. Suar o discurso. A exaustão como medida da eficiência. O neutro como uma mentira mal contada. O núcleo educativo não é uma massa amorfa. O embate com as instituições não é um debate fofo. As instituições são muito dinâmicas. Os agentes são as gentes. Os núcleos educativos não são só (os) educativos. Quem é educadore sabe que as palavras importam. As técnicas que desenvolvemos não se separam do corpo. Por que o educativo chega por último se a educação chega primeiro? As “sutilezas” das relações hierárquicas para além das relações humanas. Atuar no vácuo, ou no paraíso. No buraco, mas “com ar condicionado”. Estabilidade financeira e saúde mental: tempo para experimentar e errar — sinto muito, custa caro, não podemos pagar. Aprender a planejar. Quando não planejamos [assumimos] a agenda dos outros. Pensar a educação ou o sentido de_ dentro das_. 6 dias por semana. 8 horas por dia. 2, 5, 15 anos. Uma vida. Resultados longitudinais. Com pausa para o almoço. Mas sem bolo. O dinheiro não chega. Sudar el discurso de novo. A educação como parâmetro. E como chão. Que constrói diferentes formas de se manter no mundo. Com coragem: autônoma, livre, radical. A educação não é um anexo de. Tomar os caminhos não óbvios. Caminhos opostos às narrativas H. Performar urgências: escutar o território: colocar-se em estado de aprendizagem. A aprendizagem como protagonista (contrapedagógica). Os episódios efêmeros como eventos que contam histórias de continuidade: trans_disciplinaridade extra_ institucional. Atuar contra os brancos poderes. Você é educadore porque imagina politicamente, a tua atuação como curadore é um ato educativo, toda expografia é um dispositivo de educação. Responsabilidade afetiva, corresponsabilidade política, justiça social, tarefa ética. Taticamente dentro, estrategicamente fora. Whatever, mas bem pago, por favor. Como um lugar de êxtase — o educativo — como o estômago. Onde tudo chega primeiro — o que comemos o que nos dói o que engolimos, e o que não. O lugar da máxima potência da de-composição: transforma em partículas tudo o que engole, quebrando-as em fragmentos quaselíquidos maiores que o óbvio. Um filtro de barro no jardim das certezas discursivas. A educação (só é radical) se liberta. É onde (ela) se cria radicalmente e com responsabilidade. Fazer o que é permitido é também definir quando e como sair do programa. Suar o discurso até o talo. A gente se forma. A gente se deforma. A gente se dá formas. A gente se constrói entre nós. E sente no estômago. Nas entranhas superiores. Uma função mais útil e presente para além de cuidar da obra, sem dúvida. O que é a visita? Produção coletiva de memória. Produção de pensamento que se mistura no próprio corpo. Suor. Calor. Rumor. Atrito. Produção de dissenso e não de consenso. Tesão. Fora do eixo Rj-Sp. Autoformação tática. Episteme própria. Contrapedagogia aplicada. Porque onde não há tesão não há nada. Como você quer utilizar esta instituição? Pelas brechas. Pela baga. A escuta não é arbitrária. A educação não é arbitrária. Desaguar as memórias é desarticular as pedagogias do poder. Desaguar é um ato de poder. Para poder seguir. Em todos os casos estamos falando disso. Fazer desaguar também os jogos de_. E o jogo é coisa séria. Não sabemos direito nem como somos chamades. A raiva é legítima. A física, contudo, nem sempre exata. Dois corpos podem ocupar o mesmo espaço, a mesma luta. A medida do encontro não está em sua efemeridade. A do efêmero tampouco se dá pelo que finda. Mas pelo que segue – livre, não-dirigido, autônomo. Contrapedagogia educativa. Oxímoro perfeito, paradoxo primeiro. Talvez o poder da educação resida exatamente nisto: em nunca estar disposta a caber “devidamente” em nada.¹
Desde uma episteme própria, até fazer suar o discurso Mônica Hoff
“Criar espaços seguros”. Com esta frase Natália Martins começou sua fala de boas-vindas no primeiro encontro do Projeto Sala Zero de Mediação, intitulado Encontro, Possibilidades e Efemeridades, realizado no dia 18 de agosto de 2020 via plataforma Zoom. O projeto, concebido e coordenado pelo grupo de mediadores do Sesc Santana, tem como um de seus objetivos principais a reflexão e construção de espaços seguros para a troca, a prática e o debate sobre mediação, e contou nesta primeira conversa com a participação da pesquisadora e curadora Bia Lemos e da educadora e gestora Isabela Maia. É curioso pensar, talvez porque mais do que nunca extremamente necessário, sobre o significado de criar espaços seguros, principalmente quando tudo parece estar desmoronando ao redor, inclusive a própria noção de segurança. Muitas são as camadas políticas, sociais e econômicas que atravessam este termo tornando-o mais ou menos necessário, mais ou menos excludente, e mais ou menos urgente. Seu sentido etimológico, contudo, parece precisá-lo para o que, neste projeto, aparece como foco: “ocupar-se de si mesmo”. Ou seja, ocupar-se da prática da educação/mediação e teorizá-la desde uma episteme própria até fazer suar o discurso. Este é o lugar que nos foi compartilhado neste primeiro encontro. A provocação inicial de Natália foi, neste sentido, tão pontual como nevrálgica, pois não apenas resumiu o desejo do grupo de olhar para a sua prática e refletir sobre ela, como gritou, a modo de ação, a urgência de um debate maior e coletivo que precisamos encarar se queremos seguir adiante e de outra forma. Criar espaços seguros tem a ver, assim, com o duplo processo de “deságue e produção coletiva de memórias”, como colocou Ana Raylander Mártis dos Anjos, integrante do grupo, no final da conversa. Não só para imaginar e construir outros possíveis, mas para revisar os passados, escutá-los e, se necessário, confrontá-los, num processo individual e coletivo de estar presente no presente.
Foi a partir deste contexto (de desejo de trocas) que Isabela e Bia foram convidadas a compartilhar suas percepções, pesquisas e práticas em educação, e eu a escrever este relato. Isabela desde a sua experiência de sete anos atuando como mediadora em diferentes projetos e instituições culturais e, mais recentemente como gestora do Núcleo de Educação do Museu da Imigração, em São Paulo. Bia desde a experiência do Lastro – Intercâmbios Livres em Arte, uma plataforma de curadoria, investigação e educação totalmente autogerida, criada por ela há quinze anos que tem atualmente como um de seus principais projetos um grupo de estudos que se dedica à pesquisa de processos anticoloniais na América Latina. Embora suas investigações rumem por caminhos diferentes — Isabela, com uma reflexão sediada a partir de suas experiências institucionais e Bia com um pensamento que se estrutura junto a um extenso projeto de investigação e prática concebidos principalmente extra-institucionalmente — suas reflexões produziram faíscas importantes que nos possibilitaram ir além dos binarismos e enxergar pontos de fricção e espaços conjuntos de aprendizagem. “Que pedaços de nós [mediadores] ficam por aí? Como as mãos que costuram também se tornam visíveis? Que técnicas são estas que desenvolvemos? Que responsabilidades assumimos para nós quando adotamos a educação como prática? O núcleo educativo é uma massa amorfa? Por que a equipe de educação chega por último quando a educação é o que chega primeiro?” — estas foram algumas das perguntas lançadas por Isabela durante sua fala. Elas evidenciam com pontualidade os questionamentos que enfrentamos não apenas na prática da mediação, mas sobretudo na prática educativa em contextos institucionais. Se as três primeiras parecem aproximar-se da prática específica da mediação e suas reflexões, as três últimas deslocam o debate para o sentido de educação enquanto postura ética e lugar de imaginação política dentro das instituições. São perguntas para as quais geralmente muitas respostas não são dadas, não porque não existam, mas porque respondê-las significa ter que alterar a ordem das coisas assumindo novas condutas institucionais e nem sempre há interesse ou disposição para isso.
Neste sentido, são perguntas-sintoma, pois perguntam não o que não sabem, senão o que já conhecem muito bem, anunciando-se assim menos como simples indagações, e mais como indícios de um problema crônico maior para o qual devemos olhar com dedicação se queremos realmente pensar a educação de maneira estrutural no âmbito das instituições de arte. Uma pergunta que me ocorreu às perguntas de Isabela, e que me levou à fala de Bia na sequência, foi: como ser uma instituição, organização ou plataforma de arte que, estruturada para compartilhar seus saberes e tecnologias, aprende mais do que ensina? Ou ainda, como gerar aprendizagem e, ao mesmo tempo, colocar-se em estado de aprendizagem? Estes me parecem ter sido pontos de conexão (por desvio e complementação) importantes entre as duas falas. (‘Aprender mais do que ensinar’ é um exercício que as instituições infelizmente ainda não conseguiram fazer, muitas sequer tentam ou mesmo entendem esta matemática, diferente de organizações e plataformas de arte que têm a investigação e a educação como objetivo e motor, nas quais esta equação aparece como condição de existência.) Enquanto Isabela versou sobre a educação a partir de sua prática educativa em contextos institucionais — as problemáticas e dificuldades ali enfrentadas bem como as metodologias criadas para ampliar experiências, a necessidade de saber planejar (para não ter que seguir agendas alheias) e o constante e exaustivo exercício de entender, falar e, ao mesmo tempo, produzir fissuras no idioma institucional –, Bia abordou o tema a partir de sua prática curatorial em projetos extra-institucionais de longa duração, como o Lastro, que segundo ela, sempre “tiveram a educação como parâmetro” e “a aprendizagem como protagonista”. Para a pesquisadora e curadora é importante podermos “imaginar [e exercitar] outras formas de ensino e aprendizagem para além da ideia de educação [formal, institucional]”. De acordo com Bia, “uma residência é um processo de pesquisa, portanto de educação [...] você é educadora porque imagina politicamente, a tua atuação como curadora é [neste sentido] um ato educativo”.
“É importante pensar de forma crítica as práticas dos agentes do campo [...] a educação não é um anexo das práticas artísticas”, complementou ao falar sobre sua prática e sobre a importância de pensar-nos criticamente. “Fazer educação, arte e pesquisa de forma livre e com coragem — escolher seguir caminhos não óbvios; opostos às narrativas hegemônicas; pensar vida e política de forma urgente; performar estas urgências; fazer uma escuta ativa do território; atuar como uma contraproposta à estrutura política capitalística e aos brancos poderes”—, assim Bia nos apresentou os princípios do Lastro, “um projeto que é em sua própria estrutura [não em seu discurso] uma proposta de educação radical e anticolonial”. Diante de sua fala, e ainda em meio às reverberações da fala de Isabela, novas perguntas surgiram: como pensar a educação dentro de instituições de arte quando este dentro, muitas vezes, significa, colocar-se e posicionar-se fora delas? E ainda, quem (não) pode falar em nome da educação? (Em contextos demasiadamente hierárquicos, a divisão de funções não interessa apenas porque organiza as especialidades mas também porque garante o saber/poder como um lugar absoluto e intransponível, sobrepondo assim autoria/ autoridade à autonomia, propriedade à partilha, serviço à comunhão, dever à direito, discurso jurídico à justiça social.) Ao longo da conversa, as falas de Isabela e Bia foram se chocando e misturando na minha cabeça, minhas nove páginas iniciais de anotações já haviam se transformado em dezesseis, e começavam a despertar memórias, além dos tantos questionamentos. Tomo a liberdade de acessar uma destas memórias — de uma conversa que realizei em junho passado com Luis Camnitzer, por ocasião da Catedra Inés Amor organizada pelo MUAC/ UNAM. No momento das perguntas, questionado por Amanda de la Garza, atual diretora do museu e mediadora da conversa, sobre como poderíamos dar um passo adiante para que a educação seja compreendida e praticada como componente estrutural dentro de museus e instituições de arte, Camnitzer foi sucinto e direto, disse algo como: “Simples, passemos a atuar e assinar todes como educadores [começando pela direção das instituições, incluindo curadoria, equipe de segurança,
montagem, artistas e também equipe de educação, etc]”. O que Luis queria com esta provocação seguramente não era acabar com os programas educativos, nem desmerecer a prática de mediação, tampouco defender práticas curatoriais como modelos de educação ou apoiar a ocupação de programas educativos por artistas — raciocínio bastante habitual quando este tipo de debate se instaura – pelo contrário. Sua proposta era bastante concreta, e menos binária. E, ainda que na prática pareça inviável, nos proporciona um conjunto de perguntas extremamente interessantes, uma vez que nos fazem imaginar outras formas de participar e construir este chão que habitamos, redistribuindo e compartilhando a responsabilidade sobre o sentido de educação em contextos institucionais, e não apenas. Afinal, o que aconteceria se a educação fosse realmente um assunto de todes dentro das instituições de arte? Se dirigentes de instituições, curadores, equipe de manutenção, artistas, produtores, mediadores, editores, montadores e todas as pessoas que atuam em tal contexto atuassem e assinassem como educadores? O que sucederia com um museu se a pessoa que o dirige assinasse como educadore e não como diretore? O que aconteceria com uma exposição se a pessoa responsável pela curadoria assinasse como educadore e não como curadore? O que sobraria dos jogos e das relações de poder, como sobreviveriam as hierarquias frente a este tipo de organograma? Que mudanças em termos de pensamento, práticas e postura ética este exercício poderia suscitar? Que alterações nas noções de encontro, continuidade e economia poderiam surgir? Que contribuições esta inversão na lógica de ascensão profissional — de que mediadores/educadores são bem-sucedidos quando se tornam artistas/curadores — poderiam ser geradas? Que câmbios tal deslocamento acarretaria ao mundo da arte? E à educação? É claro que este rearranjo não resolveria de todo o problema, longe disso, inclusive poderia gerar algumas outras complicações como a superestetização da educação (algo que já vimos há alguns anos) e seu consequente esvaziamento de sentido (algo que estamos vendo na atitude de algumas instituições neste momento atual, tanto com a demissão em massa de suas equipes de educação como com a criação de ações educativas emergenciais, deliberadas pela direção e desenhadas por
equipes outras que não a de educação, para o cumprimento de agendas econômicas). Mas imaginá-lo criticamente, como o fez Camnitzer, nos ajuda a dar uma boa sacudida nas certezas, desestabiliza as cadeiras, tira o pó do que está posto e nos ajuda a formular novas perguntas — sobre quem somos nós, e o que não somos nós, por exemplo. Parece ser este o exercício que Bia faz desde sua prática criando projetos de curadoria, investigação e educação que são organismos vivos e políticos, e o que propõe Isa com suas questões e ao apropriar-se do ato de planejar como forma de não ter que seguir agendas alheias dentro da instituição e poder ter alguma autonomia sobre seu trabalho e pensamento – ambas imaginam politicamente, e na prática. É, sem dúvida, também o que busca este grupo de mediação, ao propor pensar-se de dentro e olhar-se de fora — coletivamente —, conforme ficou evidente nas perguntas que surgiram na rodada final da conversa, e também naquelas não respondidas que ficaram em aberto para os próximos encontros. Bruno Makia abriu a roda comentando sobre o poder de educadores e o quanto, no entendimento das instituições, isto pode ser perigoso, pois ameaça o status quo; Paula Garrefa falou do paradoxo (mas também do poder) que há em pensar o planejamento e a continuidade de uma prática (a de mediação) que (institucionalmente) está fadada a ser efêmera (ou descontinuada); Caio Araújo trouxe uma importante questão, e que justifica, me parece, a própria realização do projeto: “por que não podemos nós mesmos ser os pensadores teóricos do que fazemos todos os dias?”, o que em minhas notas iniciais, que introduzem este relato, chamo de sudar el discurso. Ao que Juliana Biscalquin complementou dizendo “a gente se forma, se deforma, constrói entre nós”, o que sem dúvida é uma “função mais útil e presente para além de cuidar da obra de arte”, como apontou Jucélia, também integrante do grupo. E isso me parece responder a algumas perguntas lançadas no caminhar deste relato sobre como sair dos pacotes fechados da educação para compreender a aprendizagem como protagonista (contrapedagógica) – ou seja, como um processo que é para dentro e para fora, coletivo e individual, corpóreo e anímico, racional e emocional ao mesmo tempo e agora,
portanto político e radical.“Produção coletiva de memória, fora do eixo RJ-SP, produção de pensamento que se mistura no próprio corpo, produção de dissenso e não de consenso. Desaguar as memórias [para poder seguir]”, como tão bem pontuou Ana Raylander em algum momento daqueles minutos finais. Afinal, como é mesmo que queremos usar as instituições? — para não deixar de citar uma pergunta fundamental trazida ao debate por Grazi Kunsch, originalmente dirigida aos públicos das instituições, tratando aqui de fazê-la um pouco nossa também.
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Conjunto de anotações feitas durante a realização do encontro a partir das falas e comentários do grupo de mediadores idealizadores do projeto, das convidadas e demais participantes do debate, apresentadas aqui como uma introdução, ou provocação inicial. Importante: o termo “Pedagogia da sacudida” faz alusão à metodologia utilizada pelo artista e educador espanhol Jordi Ferrero (Pedagogía de la sacudida) em seu trabalho de mediação no qual provoca os públicos ao debate e à tomada de decisões. “Suar o discurso”, por sua vez, é um termo emprestado de Aimar Pérez Galí que, em sua conferência performática Sudando el discurso: una crítica encuerpada, discute e questiona o lugar de subalternidade outorgado historicamente a bailarines na conceituação e teorização de suas próprias práticas.
Planejar o Abandono Bruno Makia
Planejar o abandono é a provocação que trago aqui para abrir o relato crítico realizada a partir da primeira instauração da Sala Zero de Mediação, que ocorreu no dia 18 de agosto de 2020. O encontro virtual contou com a participação de mais de sessenta pessoas que se conectaram da cidade e do estado de São Paulo, além de outras localidades dos estados Bahia, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Minas Gerais, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. A virtualidade permitiu que a Sala Zero encontrasse escuta para muito além dos limites da zona norte da cidade de São Paulo, local onde o projeto Escola e Artes - Mediação em Artes Visuais acontece presencialmente no Sesc Santana, desde o primeiro semestre de 2016. A Sala Zero de Mediação é um programa de seis encontros para a discussão de assuntos que atravessam as práticas da educação não formal desenvolvida no âmbito dos museus e instituições culturais, mais especificamente aquilo que nos acostumamos a chamar de mediação cultural. Neste primeiro debate, o tema foi Encontro, Possibilidades e Efemeridades. Desse trinômio foram ainda articuladas perguntas na chamada para as inscrições da Sala, são elas: Como formar uma rede articulada de mediadores? Quais os empecilhos atuais? Quanto nos falta para conseguir dar esses passos?
Como fazer articulações efêmeras e a longo prazo no campo da mediação? A curadoria deste ciclo de conversas virtuais foi realizada pelos educadores do Projeto Escola e Artes - Mediação em Artes Visuais: Ana Raylander Mártis dos Anjos, Bruno Makia, Caio Araújo, Jucelia da Silva, Juliana Biscalquin e Paula Garrefa. Numa tentativa de já apontar possibilidades de respostas para a primeira e quarta pergunta da chamada de inscrições, o grupo de educadores se posicionou em não chamar o encontro de evento, pois, apesar de efêmero, não é algo isolado ou pontual no tempo. Há, antes de mais nada, uma vontade de se instaurar um processo continuado de estudos, coleta de dados, estabelecimento de pontos de partida outros, possibilitar escutas e visibilizar a produção/pesquisa/prática dos profissionais envolvidos e engajados com a mediação cultural. Desse modo, a ideia dos registros escritos para cada um dos encontros no formato de relatos críticos possibilita que as questões levantadas durante o encontro virtual possam continuar a reverberar no tempo para além da duração do encontro em si e possam porventura encontrar outros corpos pesquisadores, mesmo aqueles que não puderam estar presentes no momento da instauração da Sala. Tal contribuição conceitual para o projeto Sala Zero de Mediação foi trazida por Graziela Kunsch, também integrante da equipe Escola e Artes Mediação em Artes Visuais. Na figura de mediadoras convidadas que trouxeram outras importantes questões para além daquelas iniciais elaboradas por nós, pudemos ainda contar com a contribuição de Beatriz Lemos e Isabela Maia. Um outro relato crítico externo em paralelo a este foi escrito pela Monica Hoff,
convidada especificamente para estar no posto de escuta, registro e outras elaborações a partir das conversas do nosso primeiro encontro. Utilizando-me de um vocabulário próximo do nosso cotidiano de educadores do chão das exposições, gostaria de pensar a instauração da Sala Zero como um acontecimento. Assim como as visitas com os grupos nas exposições em que trabalhamos também o são. Acontecimento na medida em que seus desdobramentos não podem ser totalmente previstos de antemão. Podemos estabelecer um recorte temático, um dia, um horário, um possível limite para a duração do encontro, mas devemos saber acolher todas as inquietações e diferenças que surjam a partir das subjetividades postas em jogo. O desenho inicial de uma visita educativa (acontecimento) poderia assim ser composto por três diferentes tempos: o acolhimento, o desenvolvimento e seu abandono. A ideia de abandono foi me apresentada pela Marcela Tiboni, que também já integrou este projeto nos primeiros semestres, e parece conceitualizar bem a decisão deliberada de deixar inúmeras questões suspensas no ar ao final de uma visita ou encontro. O que ocorre ao término dos acontecimentos efêmeros que estabelecemos não poderia ser encerramento, uma vez que esperamos e confiamos que os questionamentos encontrarão morada em cada um dos corpos sujeitos ali presentes. Por isso é necessário saber Planejar o abandono e ao mesmo tempo entender que isso nunca será preciso. Planejar e Abandonar quando colocadas no mesmo encadeamento de ideias trazem à tona contradições que também habitam o campo da mediação junto com nossos próprios corpos.
Não dá para se separar das questões que atravessam os corpos. Cada um carrega consigo por si só uma série de contradições. E nesse sentido, uma equipe de educativo não é uma massa amorfa. E as ações mobilizadas pelos educadores com os públicos devem ser consideradas como produção de pensamento a partir de dissensos e não consensos, como bem aponta Ana Raylander Mártis dos Anjos em sua fala. Quando falamos de planejamento de ações educativas com os públicos, aos educadores parece caber apenas planejar o roteiro de suas visitas educativas. Ainda hoje, as instituições parecem ver os educadores como meros transmissores de discursos de terceiros, massa amorfa, sem voz própria, poder de decisão, autoria e/ou com o devido reconhecimento dentro dos processos de desenvolvimento institucional. É possível perceber um apagamento institucional em relação às equipes de mediação. E aqui temos um curto-circuito nos sistemas da arte. Se pensarmos na missão social e vocação para a educação de museus e instituições culturais, muitas das quais inclusive registradas em seus estatutos de fundação, por que a responsabilidade educativa se encerra apenas nos núcleos de educação, mais especificamente nas costas dos próprios educadores? Profissionais esses com os contratos de trabalho mais precarizados, temporários e nas posições mais distantes dos pontos emanadores de poder nos fluxogramas das hierarquias institucionais. Nas instituições em que trabalhei em que momento eu fui executora do planejamento alheio? É uma das provocações que Isabela Maia trouxe para debate junto com outras boas e sinceras perguntas. Isabela aponta ainda que “dominar outras relações de trabalho dentro dos sistemas em que nosso
trabalho está inserido como algo que só é possível pela permanência”. Beatriz Lemos acrescenta que “entender sistemas e engrenagens (dos sistemas da arte) possibilita seu hackeamento”. Para Beatriz, “não existe pensar a curadoria se a gente não pensar estratégias de mediação em seu embrião”. Nesse sentido, as curadorias devem ser entendidas como resultados desdobramentos e não como resultados. E as equipes de educação devem participar do antes, do durante e do depois dessas ações. Tal posicionamento permitiria que as pesquisas dos educadores gerassem dados sobre os públicos que poderiam ser incorporados pelas próprias instituições. Essas, por sua vez, também entendidas como públicos das ações mobilizadas por suas próprias equipes educativas. Uma implicação nessa outra tomada de posicionamento, diz respeito a considerar os educativos como núcleo irradiadores e não meros condutores de discursos de terceiros. Considerando uma certa eficiência de um sistema, teríamos um curto-circuito, uma interrupção, quando as estruturas estão mal planejadas para canalizar as energias envolvidas no processo. Uma perda que pode ser irreparável ou causar prejuízo severos para os sistemas em que um curto ocorre. Nesse constante recomeçar, perde-se potência e capacidade de transformação. Para o planejamento de uma exposição, deve-se antes de mais nada garantir a permanência das equipes de educadores, dando-lhes escuta e poder de participação nas escolhas durante todo o processo. Só assim teremos uma maior eficiência do uso dos recursos empregados nos projetos culturais, investimentos esses em sua grande maioria das vezes justificados em contrapartidas
sociais a partir das ações a serem desenvolvidas com os públicos a partir do suor dos corpos e discursos próprios dos educadores. Reitero, pois ainda hoje, é preciso afirmar que a formação dos educadores de museus e instituições culturais deve ir muito além das pesquisas realizadas sobre acervos e assuntos específicos de determinada exposições. As estruturas institucionais devem garantir condições para que os educadores possam aprender a planejar, pois planejar pode ser altamente educativo. E principalmente porque “quando não planejamos cumprimos a agenda do outro”. Planejar para assim poder se apropriar. Planejar como forma de tentar combater a precarização dos sistemas, das estruturas e do nosso próprio trabalho. Quando o educativo chega por último, as nossas práticas ficam limitadas e impactam negativamente a articulação com outros agentes do campo da mediação. Perdem os públicos. Perdem, sobretudo as próprias instituições. Uma rede só é construída a partir da solidariedade que anda junto com a confiança. Essa, por sua vez, antes de se dar entre instituições, estabelece-se entre pessoas. Como, então, criar laços com espaços construídos para a passagem e não para a permanência e apropriação? Por que convidar o público a voltar se não vamos estar mais lá para de novo recebê-los? É preciso tempo, continuidades e permanência para se observar resultados longitudinais. Os educadores parecem contar apenas com suas próprias resistências. E nesse cenário, o relato trazido pela Beatriz Lemos com o histórico de quinze anos da plataforma Lastro nos ajuda a levantar possibilidades
de como episódios efêmeros podem nos contar muitas histórias de continuidades. A Lastro surge como plataforma autônoma e autogerida de curadoria, pesquisa e educação no campo da arte contemporânea. Ao longo de seus anos de existência, que envolvem muitas persistências e resistências, as ações do grupo de estudos se desdobrou em residências artísticas, ciclo de palestras, encontros de formação, programas de aulas e também exposições de arte. Ao se posicionar enquanto educadora e curadora, Beatriz aponta para a necessidade de não restringir o lugar da educação, principalmente no contexto da arte contemporânea, como vertente anexa ao pensamento artístico, curatorial e conceitual. E nesse sentido, também nos convoca a imaginar juntos modos pelos quais o ensino e a experiência de aprendizado podem ser pensados e executados de forma diferente do que a gente entende na prática tradicional, formal ou conservadora. As falas da Isabela e Beatriz, apesar de partirem de experiências de vida e percursos profissionais distintos, confluem e deságuam em um ponto comum de trazer protagonismo para os processos de educação. Educação em seu sentido mais radical, aquela capaz de mexer nas estruturas postas e fazer frente ao pensamento hegemônico. Para nós da equipe de educadores propositores da Sala Zero é estimulante pensar que conseguimos juntar tantas pessoas para pensarem juntos com a gente outras formas de fazer a educação. É com imensa alegria ainda que notamos que muitas das questões que serão discutidas nos próximos encontros já foram também levantadas pelos participantes inscritos neste primeiro encontro. A rapidez com que em poucos dias todas vagas disponíveis para o encontro foram preenchidas, deixa claro a urgência de criarmos espaços de
trocas entre educadores para além dos limites institucionais e temporais dos projetos em que colaboramos. Enquanto mediadores culturais, falamos muito do exercício de se aprender com o outro e estamos em constante trânsito, diálogos e trocas de maneira informal entre nós. As conversas da Sala Zero são as questões que já discutimos entre nós nos intervalos, nos cafés, nos corredores e nas conversas em pé no meio dos espaços expositivos quando nos visitamos uns aos outros extra institucionalmente. Além de todos os participantes inscritos, não há como também não agradecer a toda a equipe de programação do Sesc Santana, pelo apoio e confiança em acolher essa proposição. Registro especiais agradecimentos a Natalia da Silva Martins por acreditar na potência desta iniciativa e ao André Martini Martins pelo desenvolvimento da identidade visual deste projeto. Vale ressaltar ainda que este relato crítico não pretende de maneira nenhuma dar conta de todas as sutilezas das falas surgidas na efemeridade do nosso primeiro encontro. Este texto, aliás, foi escrito a partir de revisões do registro audiovisual que ficará disponível no acervo Sesc Memórias para consultas futuras. Este relato está muito longe de ser perfeito, pois deseja continuidades como todo processo e experiências significativas de aprendizagem. Ele é, por fim, um exercício de abandono sincero e confiante.
mediador
instituição
contrato
eixo 2
Campo de Trabalho 8 de setembro de 2020
Convidades: Cintia Masil e Juan Gonçalves Relatos críticos: Erica Malunguinho e Paula Garrefa
Tecituras proletárias ou ensaios para Revolta do Sensível Erica Malunguinho
Na terça feira do dia 08/09/2020, aconteceu um encontro atípico no universo das artes e da cultura. Nomeei livremente de Tecituras proletárias, ou ensaios para Revolta do Sensível. Não recordo de debate desta natureza no território da cultura institucionalizada. Numa sala virtual com 61 participantes, pudemos ouvir Cintia Masil e Juan Soares explanando o universo da mediação cultural a partir do trabalho realizado pelos profissionais da área e os impasses junto as instituições culturais e as complexas — e na maioria da vezes, precárias — relações empregatícias. É sabido pela lógica que move o sistema, que as relações de poder se organizam de forma mais ou menos iguais. Empurrando para a linha da exploração todes aqueles que a ideologia acumulativa predatória considera aproveitáveis — máximo trabalho pelo mínimo investimento (garantias, direitos) —, é daí que emerge o tão falado, mas nada conhecido por trabalhadores, lucro. Esse desenho se desenvolve de maneira orquestrada e estratificada, eis que está o mapa da nossa reflexão. Essa estratificação fez com que inúmeros atores da classe trabalhadora se vissem como tal, esses atores no estereótipo são profissionais braçais, na maioria das vezes ligades ao que conhecemos como sub emprego. Essa é uma base para uma consciência de classe. O que muita gente não contava era que o efeito cascata de uma lógica predatória fosse avançando cada vez mais e abocanhando outro atores. Cabe dizer que o sistema é sofisticado e se atualiza. Não contávamos com a dita “mão de obra qualificada” com ensino superior e pasmemos ligades a um lugar considerado nobre no imaginário social, das artes. Esses mesmos, agora teriam que se movimentar em torno daquilo que parecia distante, pois a universidade e a circulação cultural deveria/ poderia nos garantir algo melhor. No entanto, eis que estamos a mobilizar para essa conscientização, e este encontro vislumbrou isso, uma quem sabe consciência de classe artística. Digo, dos trabalhadores da cultura, trabalhadores da arte, proletários da subjetividade.
Cabe frisar que “classe” é um elemento norteador, mas que dentro das estruturas sociais é fundamental interseccionalizar para observar como os fundamentos de raça e gênero são determinantes nesta discussão. Vale ressaltar a inserção de pessoas pretas e indígenas nos cursos universitários, graças às lutas históricas destes povos que foram responsáveis pela política de cotas. Este pode ser um elemento que localiza a constante precarização de determinadas atividades intelectuais/profissionais. Somemos a isso o lugar que a arte e a cultura ocuparam na última década no país. Das inúmeras tentativas e, por fim, dissolução do Ministério da Cultura, são elementos importante nesta discussão. Ao mesmo tempo que isso nos revela o retrocesso de pactos sociais, por outro lado pode nos aliançar ao lugar de onde sempre devemos estar: no horizonte. Olhando e vivendo o mundo como ele é. Afinal das contas, o que seria da arte se não se implicasse com as questões do seu tempo?
Desta vez é conosco, mas sempre foi e já é, e infelizmente continuará sendo com os que denominaram “outres”. É sobre os direitos trabalhistas das domésticas, por exemplo. O que quero dizer com isso? Que a consciência de classe deve ser coletiva e racializada.
Pactos ou acordos coletivos Ao darmos sentido, lugar e imagem a um conjunto de reivindicações, assumimos um pacto pós origem. Será esse o norteador dos próximos passos. O que quero dizer com pacto pós origem? É a ciência de nesta seara profissional haver inúmeras origens étnicas, regionais, de gênero, sexualidade, formativas, etc. E, que todas elas se afunilam, mas não igualam as necessidades e singularidades de cada sujeite nesta disputa política. Isso é evidente também porque o acesso e as relações de poder dentro dos espaços institucionais alocam cada qual num campo de negociação diferentes. Considero este pacto essencial para que não anestesiemos nunca a urgência alheia, mesmo quando estivermos em posição favorável.
E a Arte, cadê? O movimento que foi aqui decidido e criado, assim sendo no sentido da arte que nos move, é uma performance, é uma ação, uma arte ativista. Já que chegamos a camadas de subjetividades tão altas no que diz respeito ao conceito e elaboração artística, não seria compatível se não abstraíssemos como exercício do sentido, da estética que é forma e conteúdo, da ética que anda junta, do conhecimento sensível que é a matéria básica da estética, um movimento político organizado e reivindicante de direitos, luta por sobrevivência, permanência, existência. Na prática quer dizer Pagar as contas, sabe? Do nosso lado é isso. Do outro lado seguem as instituições que se aproveitam de uma legislação frouxa e conivente, melhor, inexistente. Que as salvaguardam de qualquer revolta dos pincéis, das câmeras, do corpo, já pensaram? A mais contemporânea das revoltas: Revolta dos pincéis
Revolta das câmeras
Revolta do olhar
Revolta Sinestésica
Revolta do sensível
Revolta do corpo
Revolta cênica Há ainda, um furtivo interesse desta ou daquela instituição em se apresentar como apoiadora da cultura. É bom pra imagem, é bom pro imposto de renda. São relações turvas de negociações quase sacras, de modo que não há participação e colaboração destes artistas que somos, pois neste roteiro, somos a mão de obra. Na linha sucessória do grande peixe das artes, seriamos a isca chão de fábrica em línguas proletariais A função é nobre, o trabalho é precioso, mas o valor dado a ele não
Questões para ontem, hoje e amanhã Qual sua valia? Qual a valia da arte? Qual a valia da educação? Do trabalho em arte e educação? A política institucional, o que tem a ver com isso? Como ruir por dentro? Com quem contamos? Quem tá junte quem não tá? Quem é o pelego-fura greve? Quem somos na fila da carteira de trabalho? !Eis a minha resposta! Está tudo no mesmo mocó. Tudo diz respeito a tudo. É um organismo que deve ser visto como tal. A filosofia ocidental capitalista cuidou de fragmentar o pensamento em gavetas, individualizando o senso. Não é sobre ser indivíduo é sobre ser individualista. Em outras ciências como africana, por exemplo, o Ubuntu em síntese diz: Eu sou porque nós somos. Isso é sobre indivíduos referidos e apoiades do todo. Para mim, sem fim esta é a valia da vida. Este é o sentido dos dispositivos de funcionamento da sociedade, seja arte, seja educação, seja construção civil. Os livros de história da arte por vezes não descrevem a história tão bem quanto deveriam. Pois se assim o fizessem, nossa consciência de classe do sensível, categoria trabalhista, já estaria em curso. Falo dos artistas, mas também de todo ciclo produtivo das artes, a mediação faz parte disso. Do grande negócio que historicamente se tornou o mercado das artes, apresentando exposições de renome econômico, midiático e de público. Além de evidenciar o que tragicamente víamos, também vemos um outro futuro: dos robôs mediadores. Significa que assim como outras profissões ficaremos obsoletes no decorrer da história? A mediação, este ato generoso e absolutamente artístico metalinguístico, estaria fadada a desumanização? Não! Relações em torno do sensível não tem a humanidade negociada! Tem algo que é categoria Tem algo que é filosofia Como vocês querem se ver como categoria? Facilitador? Mediador? Arte educador? A filosofia tensiona as coisas. O ser filosófico que navegamos neste fazer são atmosferas de um novo saber, de um conhecimento vivo com C maiúsculo. Pode ser esta a fonte para categorização no cadastro do enquadramento funcional. Sobre o medo: Viver é perigoso.
Encaminhadamente + Decidir sobre como devem ser categorizades, qual nome será aplicado + + Levar essa decisão junto a quem pode efetivar essa demanda, via Projeto de Lei ou Decreto legislativo, precisa averiguar qual o recurso pertinente + + Garantir uma rede de proteção e escuta das violações trabalhistas + + Construir um sindicato? Uma Associação? Qual característica organizativa possível para estabelecer parâmetros e apoiar trabalhadores e de forma expandida? De modo a se tornar tão essencial que inclusive as instituições terão que responder. Para qualquer das formas de organização haverá de ter um estatuto com regras mínimas de contratação e bem estar + + Busca ativa para construir alianças + + Que tal um censo?
Conselhos de Stuart Hall
Kingston, 3 de fevereiro de 1932 — Londres, 10 de fevereiro de 2014
Rupturas significativas, Da Diáspora, 2008 "O que importam são as rupturas significativas – em que velhas correntes de pensamento são rompidas, velhas constelações deslocadas, e elementos novos e velhos são reagrupados ao redor de uma nova gama de premissas e temas. Mudanças em uma problemática transformam significativamente a natureza das questões propostas, as formas como são propostas e a maneira como podem ser adequadamente respondidas. Tais mudanças de perspectiva refletem não só os resultados do próprio trabalho intelectual, mas também a maneira como os desenvolvimentos e as verdadeiras transformações históricas são apropriados no pensamento e fornecem ao Pensamento, não sua garantia de “correção”, mas suas orientações fundamentais, suas condições de existência. É por causa dessa articulação complexa entre pensamento e realidade histórica, refletida nas categorias sociais do pensamento e na contínua dialética entre “poder” e “conhecimento”, que tais rupturas são dignas de registro."
Sobre os Estudos Culturais, Da Diáspora, 2008 "Apesar do projeto dos estudos culturais se caracterizar pela abertura, não se pode reduzir a um pluralismo simplista. Sim, recusa-se a ser uma grande narrativa ou um meta-discurso de qualquer espécie. Sim, consiste num projeto aberto ao desconhecido, ao que não se consegue ainda nomear. Todavia, demonstra vontade em conectar-se; tem interesse em suas escolhas. É importante chegar-se a uma definição de estudos culturais. Não podem consistir apenas em qualquer reivindicação que marcha sob uma bandeira particular. É uma iniciativa ou projeto sério, o que se inscreve no aspecto “político” dos estudos culturais. [...] Registra-se aqui uma tensão entre a recusa de se fechar o campo, de policiá-lo, ao mesmo tempo, uma determinação de se definirem posicionamentos a favor de certos interesses e de defendê-los." *Este excerto me traz a reflexão da conceituação do mediador, facilitador, arte educador... dos papéis e escolhas políticas que podem acomodar este campo, natureza, categoria.
Erica Malunguinho
Vínculos empregatícios sem lembrança e sem registros: trabalho entre períodos determinados, gaps, seleções e geladeiras Paula Garrefa
A instauração do segundo eixo temático da Sala Zero de Mediação debateu sobre o campo de trabalho na mediação cultural. A proposta foi pensar a relação entre educadores e instituições, localizando criticamente os formatos de contratação e expondo realidades cíclicas entre períodos de trabalho e descontinuidades. O nosso desejo era contextualizar os processos de terceirização e “pejotização” e evidenciar as precariedades que acompanham o desempenho da função de educadores não-formais. Para construir este diálogo, convidamos Cintia Masil e Juan Victor Gonçalves. Ambos traçam investigações por dentro dos educativos e são responsáveis, junto a um grupo de educadores, pelo perfil de Instagram MOV.ER (Movimento de Educadores em Resistência), assim apresentado: “MOV.ER é um grupo independente com objetivo de consolidar uma frente única de educadores/as no enfrentamento objetivo das atuais dificuldades do setor”. Cintia começou o diálogo levantando a importância do relato em primeira pessoa, retomando o lugar de onde veio como ponto de partida para a compreensão dos atravessamentos em suas experiências profissionais. As visões de mundo – sejam elas individuais ou de construção coletiva –, analisadas de maneira crítica, interferem sobre o modo como os sujeitos se posicionam profissionalmente e se relacionam com o seu entorno. Paulista, filha de migrantes analfabetos saídos de União dos Palmares em Alagoas. Conforme ela relatava sua história de família, falava também de uma história de classe. Nascida nos anos 1980, vivenciou uma época de mobilização social e experimentou a militância operária, carregando consigo os sentidos das lutas sociais e a importância da comunhão de memórias. Quando ouvimos sobre a sua caminhada
da favela ao ingresso no ensino superior com o ProUni, ela reivindicou que sua fala não fosse tomada por um viés meritocrático, pois as normalizações meritocráticas são um dos argumentos da lógica neoliberal. O que ressoa de sua fala é a localização dos seus desejos de mundo, a construção de sentidos e as mobilizações coletivas; é a importância de reconhecer essas experiências de lutas sociais como garantia aos direitos civis, ou seja, sobre como poderíamos melhor nos organizar através dessa aprendizagem de articulação social. As reflexões levantadas buscaram o entendimento de contextualizações históricas e como elas foram e são atualizadas no presente e nas trajetórias pessoais, visto que também nos localizamos historicamente enquanto indivíduos e, dito de outra maneira, a compreensão do nosso caminhar individual não poderia perder de vista os vínculos com as trajetórias coletivas. No limite, o debate evoca a necessidade de localização enquanto sujeito histórico no fluxo temporal em que vivemos. Sem avaliações retrospectivas e planejamento crítico, como adotar outros caminhos ou melhores estratégias de ações indivíduo-coletivas? Cintia foi costurando os fatos históricos, observando quais têm sido as premissas necessárias e as estratégias econômicas adotadas para aplicação do neoliberalismo no país. Toda essa ilustração da conjuntura econômica para estruturação, por fim, relacionada à função dos/das mediadores culturais, chamando atenção para as realizações das megaexposições ou “exposições-espetáculos” famosas nos anos 2000. Visto que os educativos em exposição de Artes Visuais possuem também um lastro considerável como mercadoria e como arte gerencial, servindo como expoentes do marketing cultural de grandes empresas nacionais e transnacionais – afinal de contas há o abatimento de impostos –, a propaganda parece ser boa e o retorno lucrativo pode ser melhor ainda, acumulando-se status e engordando o capital cultural, simbólico e financeiro das empresas apoiadoras. Isso demonstra que a arte-educação cumpre ainda outros papéis, aqueles mais obscuros e para além das contrapartidas socioculturais, podendo, inclusive, distanciar-se de
suas funções educativas, culturais e de formação continuada, visando ao retorno e à frequência dos públicos. Tais finalidades buscam, em sua primazia, a ampliação de repertórios e trocas culturais em continuidades, bem como incentivar a regularidade e a ocupação de espaços de educação, cultura e lazer. Noutro ponto, Cintia observou como os Equipamentos Culturais (EC) foram incorporando à lógica de reestruturação produtiva do trabalho, juntamente com a inovação tecnológica e automatizada, podendo utilizar outras formas de contratação, mais flexibilizadas, por assim dizer, como a contratação PJ (via Microempreendedor Individual – MEI), e se apresentar como entusiasta do “empreendedorismo”. Assim, os trabalhos nos educativos encaixam-se sob demanda, seguindo a lógica sem estoque de pessoal e podendo buscar o estímulo ao engajamento e à competitividade entre os funcionários. Muito embora os trabalhos não passem por efetivações contratuais e vínculos empregatícios de longo prazo, por se tratar de própria estrutura do trabalho de mediação (seguindo a sazonalidade das exposições), ainda assim, o que salta aos olhos é o ritmo acelerado com que a precarização tem acometido as formas de contratação. As equipes educativas não ficaram imunes às práticas laborais e à inevitável inovação tecnológica. Apesar de ser indiscutível a sua aplicação, podemos, sim, questionar o modo como estamos fazendo uso dela. Em relação às exposições, será mesmo que o papel do educativo poderia ser substituído por robôs, áudio-guias e tantos outros recursos tecnológicos? Ou poderíamos investir em diversidades de estratégias somadas ao trabalho humano. Assim, até que ponto a atividade humana vai sendo substituível? Qual a importância de estar presente e em conjunto com outras pessoas no exercício de atividades de produção criativa? Sob outro ângulo, Cíntia ainda amarrou sua fala com a conversa do primeiro eixo temático da Sala Zero de Mediação, em que se debateu a importância de construir planejamentos nas equipes educativas para pensar o modo como desejamos aprimorar métodos e pesquisas relacionados aos próprios educativos,
mesmo que (ou ainda que, paradoxalmente) as contratações continuem a funcionar em curtos períodos pré-determinados. Se não houver planejamento de dentro dos educativos, como podemos articular práticas de continuidade? Estariam os educativos fadados a encarar a efemeridade na realização de seus trabalhos? Sim, porque ainda funcionamos numa lógica contratual de curta duração. E não, porque, por outro lado, enfrentamos também ciclos de contratação, ou seja, temporalidade contratual em diversas modalidades, aliada a ocasionalidades intermitentes das mostras, exposições, bienais, trienais etc (sobretudo tratando São Paulo capital como um cenário de exceção em comparação às outras capitais). E, portanto, nessas repetições de término e recomeço de equipes profissionais, podemos reencontrar nossos pares de trabalho, agentes multifuncionais: graduandos, mestres, doutores, especialistas, artistas, arte-educadores, mediadores socioculturais. Contudo, na maioria dos casos, ainda é preciso conciliar outros trabalhos ou acumular funções para conseguir manter as contas mensais de moradia, alimentação, saúde, transporte, etc. Visto, pelo prisma neoliberal, que cultura e educação possam ser tratadas como produto e mercadoria cambial, abriu-se assim às empresas de terceirização e agências de emprego uma fatia de mercado atraente, lucrativa e de grande prestígio simbólico. E dessa maneira as instituições não precisam lidar diretamente com processos trabalhistas, já que com a flexibilização podem repassar às suas intermediárias as responsabilidades caso seja alegada constituição de vínculo empregatício. E, caso as empresas terceirizadas (ou agências de contratação) desconheçam as funções de seus prestadores de serviço, seria arbitrário falar em perda de direitos, uma vez que não existiu registro de categoria profissional e, portanto, nunca houve direitos básicos assegurados aos educadores em exposições culturais.
O que temos são registros de trabalho que se dão por aproximação, e os órgãos que deveriam nos representar são grandes “guarda-chuvas” de categorias, haja vista as categorias e os dados de registro da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Mapeamento de Cintia e MOV.ER: código 3331 — Instrutores e professores de cursos livres; código 3321 — Professores leigos no ensino fundamental; código 3341 — Inspetores de alunos; código 4101 — Supervisores administrativos; código 3714 — Recreadores; código 5153 — Trabalhadores de atenção, defesa e proteção à pessoa em situação de risco — educadores sociais. “Como é possível que exijam de nós ensino superior e nos registrem dentro de uma classificação que requer apenas o ensino médio?... É pra gente pensar...” De um lado, o que se busca é a adequação das formas de registro e valorização dos trabalhadores por sua competência e função. Isso, sem perder de vista as condições dignas de trabalho independente e comuns ao exercício de toda e qualquer função, com segurança, salubridade e ética profissional. Cintia esclareceu a importância de buscarmos articulações conjuntas, com vistas à melhoria da morfologia do trabalho que realizamos e, no limite, ao modo como ele continua sendo estruturado. Tratou ainda das necessidades de compreensão dos termos legais, da atuação política dos sujeitos e das articulações de representação coletiva, como, por exemplo, esse encontro, roda de debates (mesmo que em formato telepresencial). Afinal, como podemos e quando criaremos resistências políticas articuladas com as formas de luta coletivas? – retórica abstrata, porém necessária às práxis. Frentes de resistência são também frentes de negociação e diálogo.
E talvez, como exemplo, podemos nos apoiar no trabalho desenvolvido pelo MOV.ER. O MOV.ER não é só um perfil no Instagram, mas um grupo de pesquisa, que nasceu entre 2019 e 2020. A proposta é justamente criar e fortalecer redes de solidariedade e, como a própria Cintia expôs, “o MOV.ER tenta ser a voz de quem não pode falar”, com o intuito de expor situações de abuso e violência no trabalho (não pessoas, nem diretamente instituições), para não nos silenciarmos em relação aos excessos e para fortalecer a visibilidade e as potências de educativos não-formais. Na sequência da conversa, Juan assumiu a fala e levantou provocações que tratam da mediação como prática artística (objeto de investigação de seu trabalho e de como pensar o lugar itinerante que é naturalizado por nós (educadores/as) e pelas instituições. “Como a mediação pode ser um suporte de ser e estar no mundo?” “E o que é ser e estar no mundo sendo esse trabalhador (de mediação cultural)?” A partir de 2016, por meio do governo Temer e graças às modificações na legislação trabalhista (vide lei 13.417/2017), a referida “modernização trabalhista” foi posta em vigor, aprofundando as condições de flexibilização empregatícia e terceirizações contratuais, resultando em enfraquecimento programado dos sindicatos e das organizações de proteção aos trabalhadores. A balança das negociações aparentemente é posta, e propagandeada, como 1 para 1, mas o calibre de pesos e medidas da justiça não está regulado de acordo com o poder individual de negociação, barganha e lucro de cada lado participante. Como pode o trabalhador/empregado deter as mesmas condições, proporcionais ou similares, que seus contratantes? Os coletivos e as representações de categorias foram expulsos das mesas de negociações, já que no modelo atual “o negociado prevalece sobre o legislado” e não haveria espaço para as representações coletivas. Assim, os objetivos do empresariado influente no mercado e na política tratam de desarticular
para precarizar – abatendo os custos de produção e aumentando o percentual de lucro-sobre-lucro. E, portanto, enfraquecendo o poder coletivo das classes trabalhadoras ao impedir ou dificultar a organização delas. Nesse horizonte de precarização objetiva e insegurança de classe (conceitos desenvolvidos pela socióloga Daniele Linhart), Juan expôs a necessidade de pensar o cenário político-econômico real em diálogo com a prática e a função de mediador/a cultural, perguntando: “Como você sentiu a ‘modernização do trabalho’ por aí?” Com provocações empáticas e cuidado sensível, ele se voltou ao meio subjetivo para tratar do assunto precarização. As precarizações podem ser igualmente subjetivas, fazendo uso de termos como “colaborador/a” e “facilitador/a” para se afastar da ideia de trabalho burocrático e hierarquizado. Tais estratégias se afastam de método, aplicação e pesquisa particulares, podendo culminar em processos abusivos, apagamento das individualidades e desvios de função empregatícia. Pode ocorrer, tanto no ato de contratação, como no cotidiano dos educativos em exposições culturais (por exemplo, mas não apenas neles), a deslegitimação e desautorização das subjetividades dos trabalhadores. Ocorrem, assim, desde situações em que a agência contratante desconhece as habilidades do indivíduo contratado/a até o desconhecimento das funções para o cargo que ele ocupará. E, em outros casos, se dá a descaracterização do trabalho, com o cumprimento de tarefas que não condizem com as habilidades solicitadas e acordadas (desvio de função). Nos moldes da terceirização acontece o aumento da não-regulamentação e desregulamentação trabalhista, com o que a invisibilidade de grupos e a não-valorização das qualidades individuais apontam para diagnósticos cada vez mais frequentes de adoecimentos físicos e psíquicos em sociedade. Desse modo, os/as educadores não fogem à lógica de atingir metas de produção e, como Juan apresentou, a resolução da reforma trabalhista foi “estimular” as competições individuais e dificultar as articulações de grupo, ficando, assim,
mais difícil se enxergar como grupo e tentar atingir objetivos que atendam ao coletivo. Se, por um lado, é legítimo que as instituições e os equipamentos culturais se preocupem com números e indicadores de públicos nos atendimentos educativos em exposição – pois tais quantitativos justificam as contrapartidas socioculturais, a oferta de programação gratuita, a busca por investimentos etc. – por outro, na perspectiva de quem está no chão-da-exposição, como pensar a qualidade das propostas ofertadas e, sobretudo, como pensar a resistência dentro de trabalhos temporários? Ainda que existam poucos registros de paralisações realizadas por mediadores culturais, houve exemplos de resistências também em lugares de trabalho temporário. Assim, Juan explorou brevemente os casos ocorridos em duas exposições de arte brasileiras de grande porte, uma no final dos anos 1990 e outra mais recente, de 2013, demonstrando o avanço de modelos de precarização anacrônica, ou seja, presente em ciclos históricos e na estrutura do sistema econômico. E, mais recentemente, com a pandemia do coronavírus, presenciamos uma série de demissões em massa de equipes educativas de museus e centros culturais, expondo ainda mais as fragilidades de suas formas contratuais. E se, por acaso, não tiver ficado claro enxergar onde se localizam as frágeis emendas nesses modelos precarizados, Juan apresentou a ilustração desse “grande megazord”. Como ele mesmo diz, somem relações de trabalho precarizadas + não-profissionalização + vínculos temporários + silenciamento + processos seletivos sem retorno e, assim, chega-se ao resultado = modo trabalhador da mediação cultural. E ele ainda perguntou: “Que lugar é esse que ocupamos ?” Por um lado, há um combo de demandas em conflito com as funções dos/as trabalhadores/as da mediação cultural. Por outro, entretanto, também existem privilégios salariais e menores jornadas de trabalho em comparação com outras modalidades e categorias de trabalho. Cabe mencionar na íntegra a fala/desabafo de Juan:
“Mas será que somos todos educadores, mesmo? Será que como educadores que estão no chão de fábrica, no chão das exposições, estamos mais perto, em condições e relações de trabalho, que os “educadores” donos de empresas prestadoras de serviços educativos para instituições, ou que estão em cargos de chefia e coordenação de setores educativos, ou será que estamos mais perto dos trabalhadores terceirizados dos serviços gerais, das comedorias e seguranças?” Nessa instauração da Sala Zero de Mediação cabe refletir sobre a relação de mercado e trabalho que perpassam as categorias em geral; pensando o papel do Estado e sua função de reequilibrar as relações de trabalho, visto que está no âmbito do direito constitucional buscar a “igualdade entre as partes” e a defesa da função social do trabalho (grifo de Juan). E no tocante às relações de poder entre instituições, educativos e educadores, a apresentação recuperou a importância de pensar em “quem veio antes da gente” e considerar que “as resistências também têm história” para a fundamental estruturação e manutenção das frentes de luta e resistência, retomando, portanto, e complementando a fala anterior de Cintia. Pensando em confronto de ideias, disputas de narrativas e tensões relacionadas ao campo de trabalho, quais são nossos medos paralisantes em relação às questões trabalhistas? Inspirado no texto de Audre Lorde sobre “a transformação do silêncio em linguagem e em ação”, em que a prática do silêncio é autorreveladora de medos e perigos relacionados à visibilidade (ao chamar atenção para o que se deseja comunicar), cabe aqui a adaptação de algumas provocações de Audre citadas por Juan: ”Que palavras ainda nos faltam? O que necessitamos para dizer? Que tiranias engolimos a cada dia e tentamos tornar nossas até a asfixia e a morte por elas, sempre em silêncio?”
Convém ainda relacionar outras perguntas elaboradas por Juan e replicadas aqui pela sua importância ao dialogarmos sobre campo de trabalho: • é possível defender a função social deste trabalho em cenários de normalização de práticas abusivas e microrrepressões cotidianas? • como a pandemia da covid-19 aumenta o drama dos terceirizados e temporários? • o que somos dentro dos projetos com os quais trabalhamos? Dá para pensar de maneira isolada, agir de maneira solitária? • como cada um de nós pode ser multiplicador? Como podemos dar amplitude a este debate? (grifo de Juan). • qual a responsabilidade dos equipamentos culturais e das empresas de terceirização na precarização das relações de trabalho? • como construir uma ideia de pertencimento e de classe de trabalhadores/as tão diversos/as? • quem são os/as trabalhadores/as da base da mediação? • a quem pertence a produção feita por educadores/ as e mediadores/as? • como você se reconheceu precarizado/a? • em quais lutas devemos nos espelhar? • o que nos torna semelhantes? • como cada um/a pode se engajar? • quem são nossos aliados?
Nessa instauração da sala Zero de Mediação sobre Campo de Trabalho, Cintia e Juan foram complementares, assertivos e sensíveis em suas apresentações, trazendo contextualização teórica, apontamentos técnicos e impressões empáticas. No limite, apontaram para a necessidade de discutir a construção do lugar de trabalho com responsabilidade coletiva dos envolvidos e, portanto, sem reduzir o debate às considerações finais, convidaram os presentes no encontro a compartilharem vivências e, quem sabe, multiplicar novas práticas de envolvimento coletivo e resgate de memórias de engajamento.
Foi o momento em que Erica Malunguinho, artista e deputada convidada para relatar criticamente o encontro, identificada pelas falas sobre educação e processos artísticos, comentou seu entendimento sobre quem somos, quem são os aliados e não-aliados para nos pensarmos como categoria e grupo político. A partir do discernimento dos erros da sociedade, surge a necessidade de criar sociabilidades e articulações, reorganizando-nos pelas frestas e brechas, a fim de abrir e alargar espaço na tentativa de gerar articulação com responsabilidade. Dito de outra maneira, como estimular a instauração de lugares de diálogo e o exercício das responsabilidades em conjunto com os parceiros de trabalho? Talvez entender os erros seja hackear, conhecer a fundo do que se trata nesse campo e tatear limites, ou possibilidades de errar nas instituições e na atuação em sociedade. Adiante, Cintia rememorou brevemente o que foi o Movimento Arte Contra a Barbárie no começo dos anos 2000, quando grupos de teatro caracterizados por pesquisa e processo continuados se mobilizaram contra a lei Rouanet de isenção fiscal, que limitava o benefício às grandes produções culturais. Descrevendo brevemente, houve manifestações contra o enquadro da cultura reduzido ao produto e ao mercado. Tamanha organização buscou a defesa da pesquisa, do processo criativo e da arte-crítica, de modo que o movimento, originado em 1999 por diversos intelectuais e artistas, levou à frente a revisão da Lei Rouanet e propiciou a criação/conquista da Lei Municipal de Fomento ao Teatro (Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a cidade de São Paulo). O Movimento Arte Contra a Barbárie foi um exemplo de organização e engajamento local com reflexos regionais e nacionais. Nessa chave de pensamento, também enveredamos pela seguinte reverberação reflexiva e ativa: como defender ações culturais continuadas ou pela sua continuidade?
Grupos como o MOV.ER são espaço de escuta e fortalecimento, a fim de pensar na estrutura e na conjuntura dos fatores que nos trouxeram até aqui e também para onde queremos caminhar. Deste modo, Cintia e Juan dialogaram com a primeira edição da Sala Zero de Mediação, instigando os presentes a agir: “Quais são as ações que a gente vai organizar daqui pra frente, coletivamente, criando, juntos, redes de solidariedade e de apoio e fortalecimentos ?” Em outra provocação, Bárbara Iara Hugo Cabral Carneiro perguntou sobre os medos subscritos: “De onde vem esses medos? Por que deixo de falar? Quais as armas para combater aquilo que nos dá medo? Quais são os nossos receios em buscar o diálogo com as instituições?” Sem dúvida, é necessário combater tais medos, mas também nos perguntamos: seria verdadeira a premissa de que espaços educacionais e culturais são abertos ao diálogo profissional com seus trabalhadores contratados? Uma possibilidade de resposta foi elaborada por Caio Araújo, que relacionou os tais medos às rotinas das temporalidades, ao modus operandi de trabalho em educativo por tempo determinado. Ele diz sobre os muitos entraves nas organizações administrativas, o que dificulta o relacionamento entre equipes, comunicação intra e extrainstitucional e, propriamente, a criação e manutenção de vínculos dos trabalhadores da área cultural. Avalia que as estruturas como colocadas e seus diversos modelos contratuais só reforçam o esvaziamento das tentativas de organização em categoria profissional. Considerando uma visão panorâmica de cenários socioeconômicos, a professora Adriana Dantas comentou sobre a precarização dos direitos trabalhistas e retrocessos em escala macroeconômica. Sua fala manifestou-se por lutas maiores, perpassando e abrangendo diversos tipos de educadoras e educadores, muitos em situação de risco em suas atuações e funções. Mais à frente na conversa, Jucélia Santos tentou um exercício de rememoração desses medos, lembrando quais são, como se repetem, e os porquês de não nos sentimos à vontade para
falar sobre eles, tentando assim investigar suas opacidades, de tal modo que, se jogarmos luz sobre tais medos, corre-se o risco de reacender micro repressões que foram normalizadas em cotidianos de trabalho. Entretanto, também não é o caso de esquecer ou apagar problemas e conflitos, mas pensar em como tratá-los com responsabilidade para conhecer nossos limites e tentar comunicar o que está incomodando de outras maneiras, em busca de acordos em comum. Em outra fala sensível, Ana Raylander Mártis dos Anjos encaminhou sua leitura e seu posicionamento sobre os medos e os desafios da profissão de educadora como uma pessoa exposta ao público: “ser muito corajosa para bancar esse lugar no mundo, principalmente quando se é uma pessoa trans ou racializada ou uma pessoa empobrecida”. Raylander conversou sobre os lugares simbólicos da cultura, principalmente sobre museus e equipamentos culturais, onde o medo de ser subtraída e apagada por essas instituições ainda está, infelizmente, no cotidiano de pessoas negras, trans, mulheres, de classes sociais menos favorecidas, etc. Graziela Kunsch considerou sintomático falarmos sobre o medo de nos colocarmos no lugar de aproveitar a situação para abordar temas incômodos, como o modelo de contratação chamado de “geladeira”. Ela nos convocou a falar publicamente sobre esse assunto, queixa recorrente nos bastidores dos processos educativos, e disse ter sido muito pertinente Cintia ter sugerido o Movimento Arte Contra a Barbárie como uma inspiração: “Artistas do Teatro se uniram para lutar contra uma lei existente (a Lei Rouanet) e terminaram por criar uma nova lei, configurando uma política feita de baixo para cima (Lei Municipal de Fomento ao Teatro). Em outras palavras, mesmo que um modelo de contratação siga uma lei, as leis podem ser mudadas e novas leis podem ser criadas”. Sentindo-se convocado pela fala da Grazi, Caio criticou mais explicitamente esse formato, adotado pelo próprio Sesc, que atualmente funciona da seguinte forma: durante um ano após a data de encerramento de um contrato, profissionais ficam impedidos de serem admitidos novamente pela modalidade CLT, a fim de não caracterizar vínculo empregatício com a
instituição. Isso, em muitos dos casos, obriga boa parte desses educadores a recorrer à abertura de empresas MEI (microempreendedores individuais) para tentar intercalar contratações, em diferentes formatos empregatícios. Isso, portanto, também dificulta a sobrevivência por muito tempo em trabalhos com equipes de educativo, de modo que é preciso aliar o emprego com outras funções ou mesmo desistir e ir em busca de outras ocupações, que tenham uma remuneração mais certeira. Para Caio, o modelo é contraprodutivo e prejudicial ao empenho da função. Nesse momento foi preciso encerrar a conversa, que contava com 61 pessoas presentes, em virtude do horário. Extraoficialmente, a conversa continuou, envolvendo parte da equipe do Escola e Artes, Cintia, Juan e dois representantes do Sesc – Natália Martins e Leonardo Borges –, tamanha a necessidade de se debater o último tema. Bruno Makia comentou sobre o eufemismo presente na palavra “geladeira”, ou seja, na maneira como a empregamos para tratar de aprisionamentos admissionais. E acrescentou: “uma vez que a legislação que ampliou as possibilidades de contratação, por meio de contratação de terceirizações em vigor aprovada em 2017, emprega juridicamente o termo quarentena para o período no qual um trabalhador fica impossibilitado de ser recontratado para exercer uma mesma função na mesma empresa após o término de contrato de trabalho”. Ele também correlacionou o simbolismo presente nesse encontro que expôs questões de trabalho e questionou sobre medos e subjetividades implícitos no trabalho de mediação cultural, já fazendo ligação, assim, ao próximo eixo temático da Sala Zero: Subjetividades. Por fim, falou-se em desejos de futuro, com a quebra parcial ou total de modelos engessados de contratação e da busca por inserir ao menos alguns cargos fixos na instituição relacionados ao educativo, como, por exemplo, o de supervisão na tentativa de manutenção de profissionais e, talvez, de engajamento entre equipes ou períodos de trabalho e, por último, talvez nos aproximarmos de novas tentativas e formatos extrainstitucionais.
Como anseio particular, eu pensaria em formatos de educativo que possam se organizar como residências educativas, similares às artísticas, em que é válido pensar o trabalho inserido no processo de criação e pesquisa. É legítimo e necessário (até numericamente, como contrapartida social) o estímulo à frequência de públicos e à ampliação de repertórios culturais. No entanto, por que há normatizações e silenciamentos institucionais quando se trata de frequência, manutenção e continuidade de trabalhos na área da cultura, já que estamos a falar também sobre formação de profissionais?
cuidado
diversidade
sujeito
eixo 3
Subjetividades 29 de setembro de 2020
Convidades: Diran Castro e Júnior Ahzura Relatos críticos: T. Angel e Ana Raylander Mártis dos Anjos
As vendas e os silêncios: coreografias da destruição da normatividade compulsória e a elaboração do possível na lógica do absurdo T. Angel Primeiros dias da primavera... Das estações que se confundem e se embaralham, se confundem e que gritam: há algo de errado acontecendo. Gritam de modo gutural: há algo de errado acontecendo não é de hoje. Não é de agora. Não é de hoje. (...) Silêncio. (...) A sala é virtual em uma zona autônoma temporária. Zero. Em silêncio — mutadas — as pessoas vão chegando. Uma e depois outra. Acende uma câmera e depois outra e depois outra... Como uma sala escura onde pequenas luzes vão se acendendo, feito vagalumes na mata escura. Luzes vão se acendendo. Hoje. Terça-feira, 29 de Setembro de 2020. O mundo ultrapassou a marca de 1 milhão de pessoas mortas por Covid-19. Somente no Brasil, mais de 140.000 mil pessoas mortas. Mais uma medalha olímpica no pódio da nossa necropolítica. Segura o troféu, o louro, a camiseta verde e amarela e as mãos que escorrem sangue. Vermelho. Um dos países que mais mata gente pobre, mulheres, pessoas negras, pessoas LGBTQIA+, indígenas... É também o país que mais deixa morrer, deixa matar e mata institucionalmente — dentre as tantas e incontáveis formas, pela omissão e indiferença e — por Covid-19. Segundo lugar no mundo! Primeiro lugar em assassinatos. Segundo lugar em mortes disso e daquilo e aquilo outro. Ocupamos também os últimos lugares. Último lugar no ranking global no fator educação e da igualdade de gênero. O projeto é a destruição. A aniquilação do futuro. É a venda. É a venda nos olhos. É a venda das nossas cabeças. Ao vento. As vendas. Na boca a mordaça. O corpo no chão. A lógica é a do absurdo.
Guiades ou mediades ou atravessades ou explodides por Diran Castro e Júnior Ahzura um grupo de pessoas esteve reunido virtualmente na terça-feira, 29 de setembro de 2020, buscando rabiscar no ar ideias para se pensar rotas de fugas e práticas de cuidado para existir. Cura. Vida. Cura. Vida. Cura. Vida. Cura. Vida. Cura Vida. Vida. Vida. Vida. Vida. São palavras que ficam ecoando e pulsando no corpo como uma espécie de mantra. Levadas para a experiência da vida. Cuidado para existir... Rotas de fuga... da morte... Fugir e escapar da morte... “A gente combinamos de não morrer”, já dizia os Olhos D’água. Receio que simplifiquem ou reduzam o sentido do rabiscar no ar ideias como algo infantil e romântico, então explico-me: as ideias são forças motrizes. Os rabiscos — como extensos pixos em edifícios de muitos andares — também se configuram como porradas, hackeamentos, como navalhadas nas entranhas, como bruscas sacudidas eloquentes que dizem: onde é que você vive? Onde é que você vive ainda que vivamos no mesmo lugar? Procure se enxergar. Procure enxergar além de si. O mesmo lugar nunca é o mesmo porque nós nunca somos iguais. Nós não somos iguais. Nós não... Os curtos textos de longo alcance de Diran Castro — Tirocínio e Retina Colonial — foram os disparadores do encontro. Disparou o silêncio de quase 40 segundos e que dado o contexto pareceu 40 minutos, 40 dias, 40 anos, quase 4 séculos... Silêncio quebrado por uma mulher negra que deseja saber mais sobre retina colonial. Simbólico. O silêncio também comunica. O silêncio também incomoda. O silêncio não como imposição. O silêncio como ferramenta. O silêncio como arma. Está tudo tão barulhento que o que estamos dizendo — há séculos — não tem sido — propositalmente — escutado. Não é sobre a forma de falar. É sobre a disposição em ouvir. É sobre a seletividade no que se escuta.
Escuta. (...) Silêncio.
Júnior Ahzura socializa suas práticas e experiências no campo da educação e da acessibilidade em espaços educacionais não formais. Jogos, brincadeiras fazem parte das estratégias para se elaborar outras relações e se construir outras narrativas e contextos... É o escondeesconde, o pega-pega, o polícia e ladrão, que denunciam — ou tem o poder de fazê-lo — e demarcam assimetrias... O genocídio da juventude negra, o genocídio da população trans e o feminicídio não são brincadeiras, não. Morto, vivo, morto, vivo, vivo, morto. Tirocídio. Negrotério. A ferida colonial ainda sangra. Vermelho. Genocídio. Feminicídio. Epistemicídio. Suicidados. Dados... E no tabuleiro temos os reis, as rainhas, os bispos... Há quem sejam peões. Há outres que nem ainda chegaram a ser. Cheque-mate. Caiu. Tombou. Qualquer conversa sobre subjetividades, acessibilidades, dissidências precisam passar necessariamente sobre a questão básica e fundamental: quem acessa o direito de viver? Voltas e voltas. Revoltas e revoltas. São mais de 140.000 pessoas mortas de março a setembro do ano de 2020. Na cabeça a coroa do vírus. Procure saber quem essas pessoas são... (...) silêncio. (...) Quando é que vamos — e quem é que vai — sair do limbo do fundo do poço do absurdo? (...) silêncio
Você consegue me ouvir? SUA CONEXÃO ESTÁ INSTÁVEL
Subjetividades e mediação cultural: memórias de um encontro Ana Raylander Mártis dos Anjos
Qual memória poderia eu, participante ativa, deixar sobre o encontro Subjetividades, do Sala Zero de Mediação? Como compartilhar ideias, em um relato escrito, sem encerrar o debate pertinente que aconteceu naquela noite? Seria possível, inscrever com o texto, experiências de um encontro tão complexo? Escrever em português, para mim, é um labor que desafia os limites da própria transmissão de conhecimento. Desafia a própria língua em que fazemos, ou tentamos nos fazer, sermos entendidas. É também, por meio do português, ou melhor, de um pretuguês, como disse Lélia Gonzalez, que tento fazer uma tradução da minha experiência no terceiro encontro do Sala Zero de Mediação. A tradução que me refiro aqui não é do encontro propriamente dito, mas da minha experiência sensível, como corpo, no tempo do encontro Subjetividades. A tarefa de relatar, em texto, um debate com a mediação de Diran Castro e Júnior Ahzura, com o relato crítico também de T. Angel e com a participação acalorada dos inscritos para o encontro parece-me um exercício de imaginação do impossível. Imaginar o impossível, parece-me na verdade, a tarefa de habitar o campo da educação não formal no país cujas práticas se assentam nos lastros coloniais de mundo. País esse, o Brasil. País que extermina corpos racializados (pretos e pardos) em redes de supermercados. País que ocupa o primeiro lugar no ranking de pessoas trans e travestis assassinadas. País que tem visto os índices da desigualdade social em níveis críticos. Na noite do terceiro encontro, fui incumbida de abrir passagem às duas pessoas convidadas para a mediação. Fiz a leitura de um texto, onde contextualizava a história do projeto Escola e Artes e também, principalmente, anunciava as minhas expectativas e intuições íntimas sobre o encontro. Um texto, que desde a minha mirada, não foi lido simplesmente, mas
performado com o corpo. Os minutos passaram-se como segundos, meu corpo sentia-se vivo e nutrido pela expectativa do encontro. Deixei ali, naqueles minutos, o desejo de que a noite fosse não somente um espaço para denúncia, mas de elaboração de estratégias e de imaginação de caminhos para uma prática em educação de resistência e de cuidado. Anunciada, Diran Castro inicia suas contribuições. Ela propõe duas perguntas para os presentes, são elas: o que é subjetividade para cada pessoa e quais corpos têm direito a uma subjetividade fixa num país extremamente violento? Diran nos evidencia que, historicamente em território brasileiro e em outros territórios colonizados, a categoria de sujeito esteve sob o domínio de uma minoria branca. O corpo negro, cuja a força de trabalho foi explorada para a obtenção de riquezas, sofreu um apartamento da categoria de sujeito e foi rebaixado à sub-humanidade. Diran propõe olhar com atenção para o processo de subjugação do negro, cujos efeitos vemos até hoje, arrastados por séculos, tendo implicações também no acesso da educação formal e não formal. – Afinal, quais referência s na educ aç ão são pes soa s racializadas? Propondo também um olhar para as identidades de gênero, Diran dilata as perguntas feitas no início de sua fala. Somos convidadas, por ela, a refletir sobre o lugar das pessoas não cisgêneras em nossa sociedade e os abismos que as separam das pessoas cisgêneras. Somos instigadas a olhar para o espaço da educação museal e perceber as presenças ausentes das travestis, das mulheres trans, dos homens trans e das pessoas não binárias. Essas presenças, que em muitos dos casos se fazem por ausências ou precariedades compulsórias nos espaços de ensino e aprendizagem, retiram o direito de participação ativa nas etapas de construção das formas de se pensar e de se produzir educação formal e não formal no Brasil. – Afinal, quais referências na educação são pessoas não cisgêneras? A educação, quando não pensada de modo transversal e emancipatória, torna-se uma máquina de produzir mais abismos
entre os grupos sociais. Torna-se, na verdade, uma máquina de imprimir poder. No contexto específico da educação não formal, pessoas racializadas e não cisgêneras encontram inúmeras barreiras. Essas barreiras, existentes na própria falta de continuidade e segurança da profissão mediação cultural, se agravam pelas fobias de raça e de gênero praticadas por colegas de trabalho brancos e cisgêneros; agravada também pelo despreparo intencional das instituições, que dificultam o acolhimento. Em um dos pontos mais importantes de sua comunicação, Diran propõe entender as fobias de raça e de gênero, no contexto da educação, como uma questão da ordem de uma práxis. Segundo ela, são as práticas, as operações e os modos de ser e de agir a fonte da violência racial e de gênero. Diran nomeia esses comportamentos como práticas de brancura e práticas de cisgeneridade. Não raramente, essas práticas de brancura e de cisgeneridade tomam a forma de deslegitimação, de epistemicídio, de assédio moral, de assédio físico e até de afastamento dos cargos ocupados por pessoas negras e transvestigêneres.1 Em nosso pré-encontro, reunião interna entre a equipe do Escola e Artes e as pessoas convidadas para o eixo 3 do Sala Zero, Diran discutiu conosco sobre um comportamento recorrente entre pessoas brancas e pessoas cisgêneras. Ao depararem-se com outras epistemologias, cosmovisões e práticas radicais de educação que confrontam o comportamento racista e transfóbico das equipes educativas, pessoas brancas e cisgêneras, não raramente, tendem a acusar de perseguição pessoas negras e transvestigêneres. Esse comportamento – que diga-se de passagem eu mesma já presenciei – revela as afecções coloniais desses indivíduos e suas resistências às investidas por um mundo antirracista e por um mundo antitransfobia.
¹ ‘Transvestigênere’ é um termo cunhado por Indianare Siqueira e Erika Hilton. Neste relato utilizaremos o termo ‘transvestigênere’ quando abordarmos, de modo geral, as existências de mulheres trans, travestis, homens trans e pessoas não binárias. Quando abordamos, de modo específico, as travestis – ou outras identidades de gênero como homens trans, mulheres trans, não binários – optamos por não utilizar o termo ‘transvestigênere’, usaremos portanto os termos específicos de cada identidade.
– O seu corpo produz cuidado ou violência no ambiente de trabalho? Você está disposto a abrir mão do seu conhecimento? Anunciado, Júnior Ahzura, por sua vez, propõe pensar o jogo na mediação cultural. Antes de iniciar a fala preparada para o encontro, Ahzura agradece Diran Castro pela comunicação e comenta sobre as possíveis conexões no pensamento de ambos. Um ambiente transversal e cuidadoso é instaurado naquele momento. O jogo é, na fala de Ahzura, ao mesmo tempo um dispositivo de encontro e metáfora complexa das tramas que se estabelecem na dinâmica entre educador e grupo de visitantes. Aplicando e analisando o jogo, Ahzura pensa a acessibilidade dentro das instituições culturais. Segundo ele, a brincadeira e os jogos, aliados à mediação cultural, são estratégias e ferramentas recorrentes em sua atuação. Além da possibilidade de aprendizado, o jogo também pode ser uma ferramenta prática para compreender os contextos e especificidades em que cada um de nós experienciamos o viver. Ahzura explica que existem diferentes gêneros de jogos e diferentes jogabilidades respectivamente. Na mediação cultural, contudo, é mais comum serem utilizados jogos cognitivos ou cooperativos, que não pressupõem vencedores e perdedores. Esses gêneros pressupõem, na verdade, encontros e pontos comuns entre quem joga. Quando os jogos cognitivos e cooperativos são ativados, no contexto de uma mediação cultural, busca-se interlocuções entre a obra de arte, quem joga, os contextos geográficos, os contextos políticos, entre outros aspectos que atravessam a vida. De certa forma, os jogos desse gênero propiciam momentos de reflexão e aprendizado descomplicado, lúdico e interativo. Nesse sentido, os jogos cognitivos e cooperativos se fazem num arranjo essencialmente coletivo. Por sua vez, os jogos assimétricos – menos utilizados na mediação cultural – são um gênero desenvolvido a partir de uma assimetria. Neste gênero os jogadores não partem de um mesmo lugar nem iniciam o jogo de uma mesma condição. Junior exemplifica essa modalidade de jogo com a típica brincadeira de pega-pega. Também conhecido como pique-pega
e apanhada, geralmente no pega-pega existem dois tipos de jogadores: os pegadores e os que evitam serem pegos. É o desequilíbrio entre quem pega e quem é pego que confere o caráter assimétrico para o jogo. Desenvolvendo essa reflexão sobre os jogos assimétricos é possível compreender melhor os espaços, suas tensões e disputas envolvendo os sujeitos em contextos como o Brasil. Na vida, assim como neste gênero de jogo, os indivíduos de diferentes grupos sociais não partem de uma mesma condição econômica e não têm acesso aos mesmos bens culturais. Esse desenho assimétrico, que pode ser observado numa perspectiva macro e micro, é também notado no contexto do museu e dos espaços culturais em geral. Seriam os jogos assimétricos uma metáfora das vidas que habitam países tão desiguais como o Brasil? Comparando os números de escolas públicas e de escolas particulares que visitam uma exposição de arte; comparando as distâncias em km das escolas, das casas e dos espaços visitados entre si; comparando quais crianças trazem lanches de casa e quais não; e até mesmo qual é o perfil das escolas que cancelam os agendamentos por falta de transporte para o deslocamento ou por falta de profissionais para acompanhar as visitas, tudo isso reforça o que Júnior Ahzura chama de jogo assimétrico no campo da educação não formal. É esse arranjo social que mantém o acesso aos espaços culturais sob o domínio de uma pequena parte da população, limitando ou até mesmo excluindo consequentemente uma outra parte. Nesse sentido há muito o que ser problematizado, planejado e colocado em prática quando propomos discutir as subjetividades, no plural, e a mediação cultural no Brasil. As falas de Diran Castro e Júnior Ahzura, apresentadas no terceiro encontro do Sala Zero de Mediação, realizado em 29 de setembro de 2020, nos convida justamente a pensar esses pontos, para além da ideia de denúncia. Nos convida, na verdade, a análises mais complexas sobre o assunto e a produzir estratégias que enfrentem os obstáculos individualmente e coletivamente. Imaginar o impossível seria, portanto, colocar em prática modalidades de vida antirracista, antitransfóbica, anticapacitista e anticlassista.
estratégias
legitimação
autocrítica
eixo 4
Educadoris/Mediadoris 20 de outubro de 2020
Convidadas: Jordana Braz e Kelly Santos Relatos críticos: Amanda Carneiro e Jucélia da Silva
¹ N o momento em que escrevo essa relatória crítica, após demissões em diferentes educativos, recebi um email institucional de um museu da cidade de São Paulo pedindo doação do imposto de renda de pessoas físicas como forma de incentivar o espaço. Notadamente, em negrito, se afirma que o apoio incentiva os 50 mil atendimentos anuais através do programa educativo.
² As publicações do Drops de Mediação estão no @sescsantana
e podem ser encontradas pela tag #dropsdemediação ou pelo link https://www.instagram.com/explore/tags/dropsdemedia%C3%A7%C3%A3o/
No chão da exposição e além Amanda Carneiro
“Métodos possíveis e fazeres educativos: o chão das exposições como território de ocupação e disputas” foi o tema do quarto de seis encontros do projeto Sala Zero de Mediação, promovido pela equipe educativa do programa Escola e Artes, do Sesc Santana e ocorrido na terça-feira, dia 20 de outubro de 2020 com a presença de 53 pessoas numa plataforma de reuniões virtuais, e que tinha como palavras-chave estratégia, legitimação e autocrítica. O encontro era um convite para que “firmemos nossos olhares, para que estes novamente se encontrem, se recepcionem e se cumprimentem apesar e para além da interface dessas nossas já tão cotidianas e cansadas telas”, nas palavras da educadora Jucélia da Silva. Em meio a pandemia do coronavírus, uma reconfiguração da vida social se impôs junto a demissões em larga escala de equipes mediadoras em instituições culturais de todo o Brasil. Embora não seja novidade, a crise iluminou uma visão instrumental e protocolar do papel da educação nas mostras de artes1. Sem público, sua atividade seria supérflua. Talvez por essa razão, o caráter continuado do projeto Escola e Artes, tenha sido afirmado. No chão da exposição a rotatividade é alta e acompanhada da denúncia da impossibilidade de estabelecer vínculos, pesquisa, registro e reflexão, algo que o projeto Sala Zero de Mediação vem colocando em debate nesta série de encontros virtuais que agora se apresenta para um público mais amplo. No entanto, ele resulta de reuniões semanais entre a equipe, em busca de novos métodos e sentidos para um trabalho impactado pela acronia e atopia desse período de quarentena. Também foi acompanhado pelo Drops de Mediação2 , uma série de postagens para as mídias sociais do Sesc Santana que, segundo Jucélia da Silva, respondia a “uma necessidade de dialogar com o agora das coisas, mas estando vinculados ao trabalho que já tinha sido desenvolvido”. Assim, o Drops de Mediação reapresenta trabalhos de mostras passadas com focos em tópicos que perpassam a crise atual tais como aglomeração, precarização do trabalho, discriminação racial e de gênero, direito à vida, à terra e à cidade.
Para a equipe educativa, o Sala Zero é um espaço de troca, com protagonismo nas figuras que atuam em mediação e que tem como foco criar um lugar seguro para compartilhar experiências, estabelecer articulações, refletir sobre as condições de trabalho, e trocar idéias e práticas de atuação que fortaleçam redes de organização coletivas. O que parece estar em jogo é como compreender os educativos para além de um programa de exposições, ainda que carregue seus debates. As duas convidadas, Kelly Santos e Jordana Braz, partiram de suas trajetórias profissionais em diferentes instituições de arte e cultura para relatar experiências pessoais, marcadas por suas biografias e memórias e que, ao mesmo tempo, se referem as disputas políticas, materiais e simbólicas envolvidas no trabalho de mediação. Kelly Santos, educadora formada em história e teatro, com 9 anos de experiência no campo, começou com uma pergunta: o que seria uma exposição senão um chão de ocupação e disputas? Para ela, esse é um dado inerente e diz respeito aos vários interesses ali projetados, seja dos artistas ou da instituição, seja do educativo ou do público visitante. Quando esses diferentes grupos — heteregêneos entre si, com forças e posições variadas — são colocados em relação, não parece possível fazer do espaço expositivo um lugar de conciliação acrítica. Se é certo que parte significativa dos trabalhadores e trabalhadoras estão abertas às contradições, será possível afirmar o mesmo sobre as instituições? Um exemplo trazido pela Kelly é bastante elucidativo. Atuando como supervisora numa exposição com 40 educadores estagiários³, ela identificou a necessidade de criar uma espécie de zona especial dentro da dinâmica de trabalho. O objetivo era garantir que as percepções da equipe fossem devidamente consideradas como parte do processo de mediação, mais que seguir, era necessário criar um roteiro condizente
³ Aqui acho que vale uma nota: não abordamos o que significa um educador estagiário, algo que olhando
retrospectivamente gostaria de ter perguntado. Na minha experiência com mediação nunca trabalhei com educadores estagiários e, posso estar errada, mas me parece que mesmo na condição de estágio, essa equipe desempenha a mesma função e com a mesma responsabilidade de educadores já graduados, algo que mereceria mais nossa atenção e que pode corroborar esse processo paulatino de desvalorização.
às particularidades dos diferentes profissionais ali implicados. Para tanto, Kelly adotou um método que nomeou como “escuta ativa” e que consiste em compreender quem são os educadores, suas áreas de formação, vivências, interesses e experiências plurais. A partir dessa base é que ela desenvolve a aproximação da equipe educativa com o trabalho dos artistas, compreendendo que ambos tem o mesmo peso, nas palavras de Kelly: “em parceria com a instituição abrir espaços para que os educadores atuassem”. Diante de uma exposição em que, antes mesmo do público, a própria equipe educativa tinha questões a serem ampliadas — buscando formas de reconhecerem a si mesma nos trabalhos de arte apresentados—, foram realizadas oficinas com base nas propostas de pessoas da equipe, primeiro internamente e depois com visitantes. Assim, parece que os incômodos e contradições encontraram um lugar de expressão naquela experiência de trabalho, mas seria consenso ou acomodação, ou os dois? A questão torna-se ainda mais intricada quando se considera o cargo da supervisão, algo entre a instituição e educadores. Para Kelly, se por um lado a supervisão “precisa lidar com o espaço do sensível, elaborar com o educador o conhecimento”, é igualmente a função que “administra burocracias que também desgastam”. Ao que ela pergunta: “se a supervisão é essa que acolhe, quem acolhe a supervisão?” A pergunta mobilizou debate no bate-papo escrito da plataforma de encontro virtual, a primeira resposta foi: “acho que muitas vezes quem nos acolhe são os educadores”, seguida de pontos ligados as hierarquias das posições, a troca da função de coordenação por supervisão, e as expectativas geradas tanto de quem está abaixo, quanto de quem está acima. Para alguns, ocupar a supervisão é impeditivo de uma relação de parceria com a equipe educativa, as vezes tão traumática e solitária que mesmo a remuneração maior não parece ser o suficiente. Para outros, era preciso entender como ser o mais horizontal possível dentro de uma estrutura que reforça a verticalização. Segundo o Bruno Makia, a supervisão “exige um corpo político” em que os educadores podem (e devem) ser companheiros de luta. Já de acordo com outra participante, é necessário compreender porque a coordenação
está desaparecendo. Em seu entendimento, mesmo que por ventura as coordenações ocupem lugares mais formais que políticos, elas têm (ou ja tiveram ou deveriam ter) o potencial de negociar uma quantidade mínima de educadores, um salário pertinente ao desempenho da função e outras negociações que tem diminuído muito significativamente nesses processos de substituição de cargos e funções. Para o Caio Araújo, a terceirização transformou supervisores “numa peça solta dentro desse tabuleiro [institucional]” ao que Ana Raylander Mártis complementa: “a hierarquia é produto do capital (…) é preciso reconhecer que essas assimetrias existem e são impostas antes mesmo da gente chegar”. Mais que negar, é preciso revelar as posições de poder, decisão ou reprodução em suas diversas camadas e operações. Ao final, para a Kelly, a contradição em relação a hierarquia acompanha o trabalho da supervisão e também pode ser usada de forma estratégica, como motor de discussões sobre condições de atuação e, mais ainda, diante desse novo cenário que se desenha, ela se pergunta: “qual a supervisão que a gente vislumbra? Quais são as novas estratégias a serem descobertas juntas?” Para a Jordana Braz, educadora formada em Letras e atuante desde 2014, o chão das exposições remete as condições de trabalho, mas também dizem respeito às interações entre ela, educadora, e o público com o qual já interagiu. Sua fala foi permeada pela pergunta: o que permanece no corpo e na mente após as exposições? Se elas acabam como espaço e instalação, tem vários outros elementos e dimensões que ficam e foi sobre eles que Jordana decidiu se debruçar. Primeiro, ela ressaltou o quanto o corpo do educador ou da educadora é um corpo em constante mediação, “não só dos conteúdos de exposição como das relações humanas que os espaços geram”. Utilizando imagens do cotidiano dos seus diferentes empregos, ela foi retomando suas práticas. Em seu primeiro trabalho em uma exposição, foi educadora estagiária que morava, trabalhava e estudava em regiões bastante distantes entre si da cidade. A despeito da exigência que tais condições lhe impunham, para Jordana, deslumbrada com o novo ofício, era um prazer imenso “porque a cada dia era uma
experiência diferente”. Ali, compreendeu que nas exposições se falava sobre arte, mas que “meu olhar ficou um pouco mais aguçado para as outras relações” que várias experiências “eram mais impactantes que as próprias obras”. Para exemplificar, relatou uma situação em que, no prédio onde atuava (que já era impactante por si só), duas crianças de um grupo atendido ouviram pessoas da equipe da exposição conversando em inglês e não apenas perguntou se a Jordana falava o idioma como pediu para ver isso acontecer ao vivo. Embora não soubesse se deveria interromper o diálogo alheio, para ela não dava “para deixar essa menina passar vontade” e então a levou para se aproximar e escutar a conversa. A situação, anedótica, corrobora o argumento da educadora: para aquela criança, talvez mais que a exposição, o fato marcante foi ouvir duas pessoas falando em inglês. Ao compartilhar a experiência com outros colegas, o evento ganhou pouca atenção. Para Jordana, sua compreensão e empatia pela requisição daquelas crianças tem respaldo biográfico: sua trajetória de vida podia fazê-la entender de onde vinha o pedido. Essa relação afetiva da Jordana com o público se revela no seu ato de preservação de resultados de oficinas e ateliês e que faz pensar o que acontece numa visita que mobiliza tanto as pessoas que dela participam. Se a interação é curta, não impede que os impactos seja duradouros. Em uma exposição com operação de apenas duas semanas⁴, em diferentes espaços públicos da cidade, os desafios se relacionavam a compreender que “a rua tem outras urgências” e as obras eram mais tratadas como elemento curioso que efetivamente reveladoras da “proposta do artista”. Se a fala da Kelly abordava a escuta da supervisão em relação aos anseios da equipe educativa, a Jordana pensava na escuta dela em relação a histórias, gestos e comportamentos das pessoas que visitam exposições. De um lado há o conteúdo, de outro há trocas humanas, desde pegar na mão de uma criança, até falar de um jeito próximo e pessoal, algo que, segundo ela, é inerente ao trabalho educativo.
⁴ Aqui a Jordana relata outra função que mereceria mais atenção: além dos educadores, havia também o educador-produtor.
Isso não quer dizer que os trabalhos de arte sejam menores, ambas afirmaram ser possível aprender muito em exposições, inclusive ser transformada por elas. Entretanto, se o trabalho educativo não se refere a transmissão de informações, Jordana reafirma que é preciso estar atento a todas as outras esferas envolvidas. O chão da exposição, pode ser, por exemplo, um lugar de violência simbólica. Se para as elites intelectuais e/ou econômicas visitar um museu é uma atividade regular, não se pode afirmar o mesmo para uma parcela significativa da população. Nesse sentido, Bruno Makia sublinha que no Sesc Santana, em geral, “as melhores conversas [com os visitantes] não necessariamente acontecem junto com os trabalhos, mas quando estamos caminhando”. Segundo o Caio Araújo, isso talvez seja um reflexo do quanto os espaços expositivos “são pensados para os artistas, curadores e, em último lugar, para o trabalho da equipe educativa” que, por sua vez, encontra uma maneira de atuar dentro daquele espaço já pré-determinado. Para Jordana, é no trabalho educativo que as instituições se tornam podem se tornar mais acolhedoras e mais próximas: “as relações humanas estão em primeiro lugar e a exposição é um motivo”. O objetivo, assim, não seria chegar no trabalho de arte, “mas partir dele para olhar para as muitas outras coisas que fazem parte da vivência e da experiência das pessoas”. Para Arthur Doomer, um dos participantes do encontro, posicionar a relação não necessariamente com as obras, mas com as pessoas em primeiro lugar é também permitir que barreiras sejam rompidas para visitantes que se julgam “sem sensibilidade para entender arte”. Centrar nas experiências pessoais, biográficas, é um caminho para retirar essa aura que distancia mais do que aproxima. Para a Kelly, “qualquer pessoa, com seus conhecimentos construídos na sua trajetória, tem condições de adentrar qualquer um desses espaços”. Se, de acordo com outra participante do encontro, “a arte não serve para legitimar, ensinar ou alguma outra coisa que não seja a própria experiência”, então devemos refletir hierarquias de saberes nos espaços expositivos. Para a Juliana Biscalquin, na mediação, educadores “parecem estar o tempo todo dizendo: eu vejo você”. A estratégia para isso, segundo as
duas mediadoras, vem justamente desse o acolhimento, como se não houvesse mediação possível sem esse estágio de reconhecimento. Conhecer o visitante para saber de onde partir e de como adentrar a exposição porque, segundo a Jordana, “nos enxergamos o mundo a partir das nossas experiências”. Os exemplos de práticas e reflexões compartilhadas pela Kelly e pela Jordana, junto a tantos e tantas participantes, alicerçadas e além do chão das exposições, nos provocam para pensar o que fica — das relações de trabalho e das troca com os grupos visitantes, nas instituições e nos educadores, mas sobretudo no público —, quando uma mostra acaba. Ou o que acontece quando o chão da exposição se desmaterializa, quando deixa de ser o espaço físico e passa a ser memória?
p
território
fazer
possibilidades
eixo 5
Outras Mediações 10 de novembro de 2020
Convidadas: JANAÚ e Juliana Santos Relatos críticos: Graziela Kunsch e Juliana Biscalquin
Outras mediações exigem outros relatos Graziela Kunsch
Quando usamos o termo “outro” para designar uma pessoa ou o termo “outras” para falar de certas práticas, estamos determinando que existe um referencial padrão que seria a regra, ou o normal, e “outro/outras” seria o que escapa dessa regra, dessa normalidade. No caso da quinta Sala Zero de Mediação, intitulada Outras Mediações, a intenção original do grupo de educadores-curadores era abordar experiências de mediação que se dão fora das exposições de arte, sendo que em todos os demais encontros as reflexões diziam respeito ao trabalho de mediadoras no contexto das exposições. Ocorre que, no pré-encontro com as convidadas JANAÚ e Juliana dos Santos — uma semana antes de cada Sala Zero acontecia um encontro preparatório entre equipe, convidadas e relatora —, tive a preocupação de que as outras mediações convocadas no título pudessem ser compreendidas pelo público como “mediações (por) indígenas” e “mediações (por) negras”, uma vez que JANAÚ deu bastante ênfase ao seu momento atual e recente, de passar a se compreender e se assumir como mulher indígena urbana, e Juliana acentuou sua preocupação em contar uma outra história da arte e educação, marcadamente antirracista. Essa interpretação do título não seria justa, pois significaria que o grupo de educadores-curadores estaria se identificando com um lugar de fala branco e hegemônico e exotizando outras formas de se fazer mediação, o que não procede. Na prática, na noite do encontro, pudemos descobrir e aprender, juntas, a que de fato se referiam as tais outras mediações. Antes de explicitá-las, trago um pouco das falas das duas convidadas.
JANAÚ se apresentou como bicho encantado, na forma de um poema, e contou sobre o seu processo de retomada ancestral, como descendente do povo marajoara Mapuá, considerado extinto, mas que permanece vivo em rostos, práticas e comidas. Ela e seus companheiros do movimento de retomada questionam se, uma vez que costumes ainda estão vivos, esses povos podem de fato ser considerados extintos. Esse processo coletivo — e reforço aqui o fato de ser uma luta coletiva, não individual — tem representado para ela um caminho de cura, uma forma de lidar com as feridas coloniais. Após essa apresentação, ela contou sobre experiências de mediação em que esteve envolvida, das quais irei destacar três, que chamaram a minha atenção por um aspecto comum a todas elas, que foi envolver os próprios mediadores como público da mediação: LIM – Laboratório de Investigação Meditativa; Ambulatório; e Clínica de Educadoris¹. O LIM teve como objetivo convocar o corpo das pessoas durante visitas à 33ª Bienal de São Paulo, experimentando estimular os diferentes sentidos (para além do olhar) e mediar obras da exposição sem recorrer à fala. Essas visitas envolveram grupos escolares e espontâneos, mas também mediadores daquela bienal, que puderam, imagino, desconstruir e transformar a sua própria prática após a vivência. O Ambulatório, praticado na mesma exposição, consistiu na aplicação de Reiki (técnica de terapia integrativa que usa o toque das mãos) em mediadores, como forma de acolher o medo e a apreensão que estavam sentindo com o momento presente e tudo por vir, em meio às eleições de 2018. A Clínica de Educadoris, realizada um sábado por mês no JAMAC – Jardim Miriam Arte Clube, no período de dois anos, interrompida na pandemia, nasceu inspirada em sessões de supervisão clínica. JANAÚ trouxe como referência a Psicologia, mas explico aqui o que é uma supervisão no âmbito da prática psicanalítica: um encontro entre colegas para falar a respeito de um trabalho clínico. A princípio se trata da análise
¹ Na divulgação das ações da Clínica pelo JAMAC o nome do projeto figurava como “Clínica de
educadores”. Estou usando o nome com linguagem não binária porque foi assim que JANAÚ apresentou a Clínica na ocasião, em um slide, como pode ser verificado no registro em vídeo.
de um analista com outro analista mais experiente; um outro que escuta o analista que está lá na relação com o paciente/ analisando, e dessa escuta surgem questões do próprio analista-supervisionando em relação ao processo que ele relata. Apesar da função diferente de uma análise regular, o método de trabalho é o mesmo: falar para que produções do inconsciente possam emergir e novos sentidos se apresentem. A supervisão é um dos pilares da formação psicanalítica, uma vez que não se trata de um estudo teórico, mas da vivência com o próprio objeto de interesse da psicanálise – o psiquismo de um sujeito dividido em relação a outro psiquismo². JANAÚ estava interessada na ideia de cuidado coletivo e teve a ajuda de pessoas com capacidade organizativa no Jardim Miriam para envolver educadores de CCAs (Centro da Criança e do Adolescente) e escolas da região nos encontros (tanto de educação infantil como do ensino médio). Como exemplo do que se passou na Clínica, ela falou sobre um trabalho que fizeram de mapeamento de emoções no corpo, que passava por identificar/localizar essas emoções e conversar sobre como se relacionavam com elas e o que poderiam fazer com elas. Ficou um pouco abstrato e senti vontade de ouvir muito mais (que tipo de relato das vivências nas escolas traziam os professores; o que exatamente vem causando adoecimento?), mas entendo que certos testemunhos não devem, de fato, ser compartilhados fora do grupo. Se pensarmos na supervisão psicanalítica, existe a ética de preservar a intimidade do supervisionando, fundamental para que o trabalho possa acontecer, sem ser ameaçado. Acho bonito pensar que o que esses professores viveram ali, só elas e eles podem saber. Nas rodas de escuta entre mulheres mediadas por mim e integrantes da Clínica Pública de Psicanálise, em 2019, no mesmo Sesc Santana que hospedou as salas Zero, propúnhamos sempre um “pacto do grupo”, no início de cada sessão: o que era dito ali, ficava ali. Para que cada mulher se sentisse segura para dizer o que estava precisando dizer.
² Colaborou Daniel Guimarães.
Juliana dos Santos começou agradecendo a fala de JANAÚ e declarou sentir saudades da sua prática como educadora, do contato direto com grupos, quando a sua única preocupação era imaginar caminhos possíveis para uma visita. Desde 2014 ela segue trabalhando com mediação, mas dedicada ao campo teórico, como pesquisadora, pensando o processo formativo de educadores/professores. Atualmente faz seu doutorado no Instituto de Artes da Unesp, onde é também professora substituta, na graduação. A sua tarefa vem sendo construir uma história da arte-educação que leve em consideração negros e indígenas, propondo uma descolonização do ensino de arte. Juliana fez uma fala instigante, em tom crescente de indignação e revolta, provocando-nos a nos mexermos para buscar conhecer ou conhecer mais densamente os muitos nomes e projetos que ela só pôde citar brevemente, como no caso da pedagoga Nilma Lino Gomes, do historiador Manuel Querino, das pedagogias quilombolas e das chamadas “escolas dos homens de cor”, criadas e autogeridas por negras e negros na primeira metade do século XX, em contraposição a toda dificuldade do acesso formal à educação pela população negra ou ao racismo praticado por brancos, inclusive professores, nas escolas. No lugar de relatar como ela abordou cada um desses temas, escolho recomendar, além do registro em vídeo do encontro, a leitura de sua dissertação de mestrado, intitulada Lei 10.639/2003: revendo paradigmas na arte/educação³. Aqui no texto irei enfatizar os momentos finais da fala da Juliana, já durante o debate, quando ela voltou à experiências suas no chão de exposição como forma de dialogar com questões que haviam surgido desde a fala de JANAÚ, em torno de adoecimento e cuidado: “Nós educadores somos aqueles que têm que cuidar. A gente acolhe, faz o acolhimento do grupo, organiza a mediação e está lá junto. Quando acontece um B.O., não tem quem segura a gente”. Para exemplificar, contou de duas situações constantes de racismo vividas por ela e outros mediadores em um museu, sem que recebessem qualquer amparo institucional.
³ Unesp, 2017. Versão PDF disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/153192.
A primeira se dava já no início das visitas, quando ela cumprimentava o grupo e tentava começar um acolhimento e professores responsáveis pelos grupos de estudantes olhavam para os lados e diziam a ela que estavam aguardando um educador. Ela afirmava que ela era essa educadora e mesmo assim professores insistiam na sua invisibilização, falando que haviam agendado uma visita e repetindo que seriam recebidos por um educador. Vestindo uniforme do museu e crachá, apresentando-se como educadora por três vezes, mesmo assim não era vista ou respeitada como educadora: “A visita já começava estraçalhada, só que o museu não pagava terapia para mim”. O segundo caso de racismo reportado por ela nesse museu era o pedido de professores para que, ao longo da visita, não passassem por nada relacionado ao candomblé. Diziam “queremos uma visita que só fale da história e da cultura do povo afrobrasileiro”, ao que Juliana respondia “olha, não tem como. O eixo curatorial desse acervo é entender as religiões de matrizes africanas. A gente começa com o assentamento de Xangô e termina no catolicismo negro. O que mais tem nesse museu é a figura de Exu”. Explicava, com propriedade, que as educadoras do museu tinham uma abordagem e que, se professores quisessem seguir as suas próprias abordagens, poderiam conduzir suas próprias visitas, sem a necessidade de um educador. “Eu e meus amigos da equipe educativa, a gente era meio cara de pau e a gente não tinha na época uma coordenação que chegasse junto com a gente. A gente não tinha uma coordenação educativa que bancava; a gente não tinha respaldo nem da nossa coordenação. Isso fez a gente se articular muito, se ajudar muito enquanto educadores, inclusive criar um núcleo de pesquisa nosso, que é o NEPAFRO Núcleo de Estudos e Pesquisas Afro-Americanos⁴. E se ajudar. Porque um era da Psicologia Social, outro da História, outro das Artes, outro ‘meu, não tô conseguindo, aconteceu isso na visita’... Quando vinham essas escolas particulares, com uma galera muito rica, a gente dava a visita em dupla. Para que, quando um fosse derrubado, o outro estivesse em pé”.
⁴ Ver https://www.nepafro.org/.
Escutando JANAÚ e Juliana, ficou claro para mim que as outras mediações evocadas no título do encontro terminaram por ser aquelas que se dão entre educadores. Mediação como cuidado mútuo. Diante dessa percepção, conversei com a Ju Biscalquin, educadora do Escola e Artes responsável por relatar este mesmo encontro que eu, aqui na publicação, sobre a possibilidade de subvertermos a regra e escrevermos um único relato, juntas. A ideia era ficarmos mais fortes juntas e praticar uma escrita como mediação: iríamos buscar JANAÚ e Juliana para que as duas pudessem aprofundar questões destacadas por nós e pensar, com elas, como suas vozes poderiam estar presentes no texto. Se as duas se animassem, a autoria do texto seria uma divisão de responsabilidade entre as quatro. Como esse processo exigiria mais tempo do que o prazo que eu dispunha para escrever, procurei a instituição. A nossa proposta de um texto comum e mais denso foi bem vinda, mas eu teria que, necessariamente, apresentar também um texto individual. Pensei que uma solução seria fazer um pequeno “antitexto”, que anunciaria que o verdadeiro texto só chegaria junto da publicação, justificando essa decisão baseada no próprio encontro a ser relatado. Comecei estas páginas tendo isso em mente, mas a escrita acabou tomando outro rumo e se mostrando um pouco penosa, no meu cotidiano de mãe de bebê na pandemia, de modo que não terei forças para me dedicar a um novo processo de redação. Assim, eu gostaria de dizer que este aqui não é o relato que precisa ser feito. A minha tarefa intelectual, neste tema do “outro”, deveria ter sido criar um espaço para que as próprias JANAÚ e Juliana pudessem falar e serem ouvidas. Outras mediações exigem outros relatos, por serem inventados. Se, por um lado, jamais saberemos como poderia ter sido essa escrita entre nós quatro, trouxe o caso para refletirmos sobre a pergunta que levantei ao término do encontro: a instituição que nos adoece pode oferecer cura?
Glossário crítico para vocabulários urgentes Juliana Biscalquin
Notas preliminares de um relato crítico em um ano crítico 1. Existem pelo menos dois desafios ao se escrever um relato crítico como este: primeiro, que não seja repetitivo para quem esteve na 5ª instalação da Sala Zero de Mediação1; depois, que guarde um interesse em si, desassociado da obrigatoriedade de acessar as gravações em vídeo para que se compreenda o todo. Além disso, soma-se a estes desafios a qualidade do relato já escrito por Graziela Kunsch, que descreve as apresentações de ambas convidadas com afeto, atenção e assertividade. Aliás, recomendo fortemente sua leitura antes deste texto. Dito isso, tentarei expor aqui algo que testemunha o encontro de forma não linear, ao mesmo tempo que pretende contribuir como material de pesquisa para leitores do futuro2 interessados em mediação e arte-educação. 2. É importante lembrar que este relato foi escrito no liquidificador do Brasil de 2020, momento em que as faculdades criativas ficaram especialmente prejudicadas com a extensão das más notícias diárias acumuladas pela pandemia do Covid-19 e, sobretudo, pelo atual governo conservador de extrema direita em vigor. Numa perspectiva mais pontual, também é importante demarcar que 2020 foi um ano de pouquíssimas oportunidades de trabalho3, sendo a Sala Zero um dos raros projetos que aportou materialmente a equipe que escreveu os relatos contidos nesta publicação.
¹ A quinta instalação da Sala Zero de Mediação aconteceu no dia 10 de novembro de 2020 sob o título: Outras Mediações, com as convidadas Juliana dos Santos e JANAÚ e com relatoria de Graziela Kunsch. ² Me pareceu interessante considerá-los pontualmente no registro deste relato. Me inspirei nas palavras de Natália Martins que, ao abrir o encontro se dirige a um público imaginário que poderá acessar o vídeo no futuro. Ela advertiu: cuidado com o que aqui é falado! ³ Ver pesquisa do coletivo MOV.ER que, inclusive, esteve na segunda instauração da Sala Zero de Mediação. Perfil: https://www.instagram.com/educadores. em.resistencia/
3. Atuando em um campo tão novo quanto precário, aprendi a importância de nomear as práticas, de atualizar seus termos, e valorizei momentos quando, vez ou outra, aparecem iniciativas de criação de glossários para a prática da mediação4. Sempre me pareceu provocativa a ideia de um dicionário técnico para uma prática que se relaciona com a palavra em seu estado mais vivo, de oralidade, de vocabulário. Assim, acredito que o que fiz neste relato – alerta spoiler – foi me apropriar dos vocabulários de nossas convidadas a fim de compor um exercício estético-crítico, um glossário, que provocasse os sentidos das palavras que utilizamos para atuar em nosso campo e que possa, na melhor das hipóteses, habitar outros espaços de estudo em torno da mediação e da arte-educação.
O encontro começou conforme o combinado de todas as noites: Natália Martins apresentou o projeto como programadora do Sesc Santana e em seguida, me chamou – como a educadora responsável daquele dia – para contar um pouco a trajetória do programa Escola e Artes ao público participante do eixo 5 da Sala Zero de Mediação. Acontece que tenho o mesmo nome de uma de nossas convidadas daquela noite, Juliana Santos, e isso fez com que houvesse um engano momentâneo que resultou na troca da ordem das aparições: Juliana passou a falar até ser interrompida gentilmente pela Natália. Antes de ser interpelada, Juliana fazia um preâmbulo interessante em que falava sobre mediação. Na hora, minha atenção estava dividida – me preocupava mesmo a confusão dos nomes; porém, ao rever a gravação em vídeo depois, a fala de Juliana saltou aos meus ouvidos e me inspirou o primeiro verbete do glossário que proponho construir ao longo deste relato. Mediação [Juliana] Mediação nada mais é do que repensar nossa relação com o mundo, com as leituras de mundo, como diz Paulo Freire.
⁴ O mais recente, em que estive envolvida com equipe de pesquisa, foi na 33ª Bienal de São Paulo, quando se formou um grupo de interessados em associar o glossário a uma noção de hackeamento na prática de mediação.
Ele vai sendo grafado assim, de modo que você, leitor, identifique as falas das nossas convidadas convertidas em notas que formam os tais verbetes. Elas foram pinçadas das apresentações porque concentram questões trazidas por elas. E, mais do que isso, porque são palavras que estão presentes também em seus enunciados, diálogos e enfrentamentos cotidianos, palavras vivas, vocabulários que pertencem a vozes, vozes que precisam ser ouvidas, urgentemente. Não é sempre que uma voz possui seu próprio vocabulário. Há palavras impostas, "da moda", as lacradoras, as influencers, demarcadoras de tantas coisas… de modo que é possível possuir vocabulário sem possuir uma voz própria. Definitivamente, não é o caso de nossas convidadas, que alcançam o contrário: de posse de seus vocabulários, garantem a existência de suas vozes. De volta à sequência do encontro, a outra convidada, JANAÚ, começou a se apresentar através do que ela mesma chamou de "relato de experiência". Para fazer isso, leu poemas (escritos por ela, que além de artista e educadora, é poeta) 5 e afirmou que seria preciso contar a história de seu nome, ou melhor, como ele "chegou", para explicar as práticas que escolheu compartilhar no encontro. Isso me chamou a atenção porque ela não separaria sua prática como educadora de seu processo de retomada ancestral, de sua afirmação como mulher indígena urbana, descendente do povo Mapuá, oficialmente considerado extinto, mas vivo nos rostos, nas comidas, nos costumes dos povos marajoaras. Mediação e Retomada Ancestral [JANAÚ] Partindo de minha trajetória de vida, como pensar a invenção das nossas histórias e perspectivas de memória como uma demarcação do território do imaginário, que permita re-ocupar terrenos dentro de si? Somos um território porque também somos terra, ancestral, marcado por inúmeras feridas coloniais. A mediação em artes e outras mediações podem ser potenciais para o reconhecimento de feridas e de retomada delas. Uma ferida que uma vez reconhecida pode agora ser cuidada, tratada. Jamais curada no sentido da higiene branca e sim no sentido do que agora ⁵ Neste link é possível encontrar todos os livros de JANAÚ, além de outros materiais: https://linktr.ee/janau
se torna meu de fato. Posso então com o baú de ervas de minha bisavó marajoara fazer um unguento para cuidar dessa ferida. Magia contra-colonial. A dor que sinto agora tem nome, sei onde ela fica e ela agora é minha. Dorme comigo e quando anoitece vamos juntas na mata acender o petã. Como então reconhecer que a minha história, a minha ferida pode me auxiliar na elaboração de processos acionados pela mediação? O que eu aciono quando me encontro com outros corpos? O que me aciona quando piso no terreno movediço da arte?
Escutar JANAÚ me lembrou uma história que ouvi 6 recentemente sobre o mestre budista Nagasena e o rei Milinda. O mestre budista nagasena, num de seus muitos diálogos com o rei milinda, entrega a ele um livrinho roxo e pergunta: “O que é isso?” Era um livro escrito perto de Mântua, vários séculos antes, e nesse livro um poeta latino evoca o rio que passa diante dos seus olhos. Nagasena pergunta: “Você consegue escutar o que ele diz?”. O rei responde que escuta apenas o barulho do vento nas folhagens ao redor dele. “Aguça o teu ouvido”, pede o mestre Nagasena.“O que você escuta?” O rei diz escutar um pequeno rangido. “Aguça o teu ouvido”, o mestre repete. O rei escuta um homem que raspa uma pena sobre um volume desenrolado. “Aguça o teu ouvido.” O rei milinda consegue então escutar a respiração do poeta, o barulho do vento nas folhagens ao redor do poeta e até o som dos pensamentos do poeta enquanto alguns séculos antes ele escreve o livro que o rei agora tem em mãos. Talvez tenha me lembrado da história porque JANAÚ parece acessar outros tempos para responder aos questionamentos do encontro. Ela chega ao momento presente, voltando ao passado, ouvindo – se é que posso dizer assim – o barulho das folhas no baú de ervas da de sua avó materna. E por isso, fiquei com vontade de pedir a ela que versasse um pouco mais sobre esses verbetes. Ela topou e me mandou em forma de áudios de WhatsApp que eu compartilho aqui com você, caro leitor:
⁶ Vinte Mil Léguas, podcast da revista Quatro Cinco Um, feito por Leda Cartum e Sofia Nestrovski, sobre o mundo científico e o da literatura.
Mediação [JANAÚ] Palavra difícil de definir. Sinto como uma dança. Não consigo pensar a mediação em que o papel do educador, educadora ou educadori é mais importante do que o das outras pessoas envolvidas. É um testemunhar junto, um experienciar junto. Essa dança, essa dança livre em que as presenças jogam esses movimentos, esses estímulos uns para os outres. Retomada ancestral [JANAÚ] Entendo como um processo contra colonial, decolonial, de que faz parte voltar às raízes, na busca dessa ancestralidade originária, seja ela de África ou de Pindorama. E esse processo por si só já é muito revolucionário, ele é contra colonial, ele é decolonial, na medida em que neste processo - que pode ser você resgatar uma experiência espiritual que se conecte a algum povo de origem que você tenha - ele permite que os códigos coloniais sejam revistos e curados, no sentido de entender onde está a ferida. Então, o processo de retomada ancestral tem se fortalecido em Pindorama, cada vez mais, tanto com o povo preto quanto com os povos indígenas e eu entendo que isso é o futuro.
Atualmente, JANAÚ segue em seu processo de retomada junto do coletivo AMUK – Associação Multiétnica Wyka Kwara7. Durante a experiência do LIM – Laboratório de Investigação Meditativa 8 –, JANAÚ contou que essas descobertas estavam ainda em curso. Neste momento, ela vivenciava o "dilema pardo", como ela colocou, e buscava definições para o que pesquisava: trocou, por exemplo, a ideia de processos holísticos por integrativos; buscou entender seu interesse pela relação mais profunda entre ensino aprendizagem, experiência de vida, pelo sutil, o invisível; princípios próprios dos povos originários de pindorama9 e da diáspora africana10. O Ambulatório, assim como a Clínica de Educadoris, foram outra s experiência s apre sentada s por JANAÚ e que
https://www.instagram.com/wykakwara/ LIM - Laboratório de Investigação Meditativa, concebido e realizado na 33ª Bienal de São Paulo por JANAÚ, Denise Rodrigues e filmado e editado por Paula Ramos, todas educadoras nesta edição da Bienal. Disponível em vídeo https://www.youtube.com/ watch?v=zoT4L7qUBh0. Indico também, retomar o texto de Graziela Kunsch. 9 Nome que populações indígenas dão ao Brasil; terra/país ou região de palmeiras; em algumas línguas indígenas "espetáculo das palmeiras”. 10 JANAÚ também sublinha a importância da colaboração dos colegas educadores negros da 33ª Bienal para este processo. 7
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contemplavam a dimensão de cura - em ambos, o foco foi a saúde mental e emocional dos educadores em questão. No primeiro caso, os educadores da 33ª edição da Bienal de São Paulo; no segundo, os educadores de CCAs e escolas de ensino fundamental e médio da região do Jardim Miriam, em São Paulo. Pedi a JANAÚ que me falasse sobre seu entendimento acerca da cura. Cura [JANAÚ] Cura está ligado em conhecer as feridas, conhecer as fragilidades e conseguir existir, coexistir com essas feridas de forma que elas se tornem cada vez mais suas. Eu não trabalho com cura no sentido de superar algo, limpar algo, apagar algo. Mas sim com a ideia de que a cura nos permite saber onde é a ferida, como ela dói e por isso chamar essa ferida de minha. Integrá-la ao meu eu e, deste modo, eu entendo que se torna mais fácil. A gente se integra mais a nós mesmos.
Nossa convidada também nos relatou uma oficina chamada Plantar Palavra, realizada junto da exposição Jardinalidades (2019), no Sesc Dom Pedro II, em parceria com o educativo e a obra do artista Gustavo Caboco. Nesta mostra, que uniu noções de jardinagem e territorialidade, JANAÚ lançou às crianças presentes na oficina um desafio: escutar o que as plantas diziam. Desta experiência, me saltou o entendimento ímpar de JANAÚ sobre a possibilidades da escuta e os parâmetros da arte-educação que ela procura exercer. Ao questioná-la sobre esses enfoques, ela propõe: Escuta [JANAÚ] A escuta passa por atenção, disponibilidade, presença e sobretudo, respeito a tudo o que a gente testemunha. Gosto de pensar a escuta não só a outros e outras pessoas humanas, mas uma escuta do mudo, escuta da vida, do que existe, uma escuta do que é invisível.
Arte-educação [JANAÚ] Gosto de pensar a arte-educação para além desse lugar das práticas artísticas consolidadas. Na minha experiência como educadora, eu entendo que estou sempre fazendo processos de arte-educação, na ideia de que esses processos geram descolamento, tanto em mim quanto nas pessoas que compartilham desses processos. Então pensar na arte-educação como algo que desloca, que me convida a repensar as coisas, repensar os lugares fixos. E por que também não pensar na arte-educação como uma possibilidade contra educação hegemônica? Gosto de pensar nessa potência e na arte como essa contra educação hegemônica.
JANAÚ passou a fala de volta à Juliana, que logo nos introduziu ao contexto de sua pesquisa acadêmica11 , a partir de sua experiência como artista e educadora, referindo-se à equipe de arte-educadores no programa de formação de professores da Rede Municipal de São Paulo12 e – mais adiante na conversa – como educadora do Museu Afro Brasil, junto ao coletivo NEPRAFO – Núcleo de Estudos e Pesquisas da Afro-América13 . A fala de Juliana foi contundente, energética. Pensei no efeito magnético de personagens da literatura ou do cinema que continuam em nós mesmos após a última página do livro ou ao fim do letreiro do filme. A voz de Juliana e o que ela disse sobre arte-educação duraram muito tempo em minha mente nos dias que se passaram após o encontro: ARTE-EDUCAÇÃO [Juliana] Se em algum momento a gente falava: como pensar em uma história da arte brasileira sem pensar na história da arte indígena e negra? Hoje a gente tem que se perguntar: como pensar uma história da arte educação que não entenda os processos formativos em artes desses dois grupos sociais majoritariamente negligenciados na nossa sociedade? Dissertação de mestrado defendida em 2017, na Unesp/SP, com o título LEI 10.639/2003: Revendo Paradigmas na Arte/Educação. Disponível em: https:// repositorio.unesp.br/handle/11449/153192 12 Pelo Núcleo de Educação Étnico-Racial (NEER-SME SP). Este programa faz parte da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SME-SP), desde 2016, e integra o Programa de Metas, referindo-se à Meta 58. Esta meta tem como objetivo viabilizar a implementação das leis federais 10.639/2003 e 11.645/2008 e foi desenvolvida na gestão do prefeito Fernando Haddad em São Paulo (2012-2016) e promovida pela Secretaria Municipal de Promoção de Igualdade Racial (SEPPIR).. 13 https://www.nepafro.org/ 11
Juliana foi costurando sua apresentação com muitas perguntas que, a meu ver, tanto estruturaram sua argumentação como ampliaram a responsabilidade na busca por respostas: Como a gente pode pensar na descolonização do ensino de artes visuais, ou na descolonização na arte-educação ou na mediação cultural a partir dos contextos que vivemos? Como a gente revisita a arte e educação e os discursos sobre a educação sobretudo no Brasil, entendendo o protagonismo negro? Em que lugar fica a branquitude na arte-educação? Por que não falar de direitos humanos no campo da arte-educação?
Encontrei, em sua dissertação, desdobramentos dessas e outras indagações, portanto indico fortemente a leitura para abranger o repertório trazido por ela. Destaco ainda uma pergunta nuclear de sua apresentação: O que a Lei 10.639/2003 e a Lei 11.645/200814 pode ter a ver com a arte-educação no Brasil?
Por "ter a ver", caro leitor, Juliana nos provoca a refletir se, apesar ou a partir dessas leis, existiram mudanças nos paradigmas de ensino das artes no Brasil, ou ainda, como a estrutura hegemônica resiste em mudar, apesar das demandas trazidas por essas leis. Aqui, nossa convidada fez um adendo: embora pense a partir de ambas as leis, focou especificamente a de 2003 para que, ao não abordar a questão indígena, não estivesse reforçando um gesto de invisibilização.
Recupero a dissertação de Juliana (SANTOS, 2017, p. 27) A alteração da LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional] promulgada na lei 10.639 em 2003, tornou obrigatória a inserção do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nos currículos de todos os níveis de ensino. No ano de 2008, as comunidades indígenas, por meio dos movimentos sociais e políticos, conseguiram alterar a LDB para a obrigatoriedade da inclusão da história, arte e culturas indígenas nos currículos. O documento de lei específica as disciplinas de artes como uma das principais a adotarem a implementação. 14
Juliana ainda trouxe (logo no primeiro slide de apresentação) a frase da professora Nilma Lino Gomes15, da Universidade Federal de Minas Gerais e reforçou sua presença como autora essencial: "as artes têm reconhecido a centralidade das tensas relações étnico-raciais que acompanham a nossa formação social e cultural". Dá para entender quando Juliana fala essencial: Nilma foi a primeira mulher negra brasileira a ocupar o posto de reitora da universidade federal, a Unilab – Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, tomou posse da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir)16 e, posteriormente do MMIRDH – Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos17. É autora de diversos livros, mas para o nosso contexto aqui destaco o Movimento Negro Educador 18 .
Nilma Lino Gomes fez parte do primeiro encontro do programa de formação de professores da 3ª edição de Frestas – Trienal de Artes (2020), que tem como título O rio é uma serpente. É possível ver o encontro disponível em https://www.youtube.com/ watch?v=XMDtiJlcWAI. Juliana fez parte deste mesmo programa, no terceiro encontro, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=d1LFijyz0Oc&t=4135s. Importante não deixar de mencionar que Juliana faz parte também desta edição da mostra como artista visual. 16 A Seppir foi uma importante conquista do Movimento Negro por educação e esteve à frente de processos fundamentais da educação para as relações étnico-raciais. Foi incorporada ao MMIRDH em outubro de 2015, e extinta após o golpe articulado como impeachment da presidente eleita Dilma Rousseff, sob a gestão de Michel Temer, em 2016. Achei por bem recuperar esses eventos históricos e políticos para me juntar a Juliana na denúncia de um processo contínuo de degradação das políticas públicas no Brasil. 17 O Ministério foi recriado pela gestão de Michel Temer, no ano seguinte, com o nome de Ministério dos Direitos Humanos. Em 2019, no governo de Jair Bolsonaro, foi transformado em Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, sob o comando, vejam só, de Damares Alves. 18 GOMES, Nilma Lino. O Movimento Negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. São Paulo: Editora Vozes, 2017. 15
Ele não é citado diretamente por Juliana, mas está presente quando ela nos fala sobre Frente Negra Brasileira (1931-1937) 19 , o Teatro Experimental do Negro (1944-1968) de Abdias do Nascimento20 e o Movimento Negro Unificado (1978) 21 e suas contribuições de caráter educador. O raciocínio de Juliana para falar de Nilma Quem são os teóricos que estavam falando sobre descolonização há tanto tempo?
é parecido com o que a faz perguntar-se: quais eram os intelectuais que falavam da invisibilidade da arte e cultura afrobrasileira no ensino de arte no Brasil, antes mesmo da criação das leis 10.639/2003 e 11.645/2008? E aí, para responder essa questão, Juliana levanta nomes como Ana Mae Barbosa 22 e Regina Funari, e também Maria Cristina Rosa e Renata Felinto, que fizeram contribuições após as leis. Mas há outra indagação que motiva Juliana nesta pesquisa: Quem foram os arte-educadores negros ao longo do século 19?
Nos anos 1930, a Frente Negra Brasileira foi a primeira organização de ativismo negro no país. A entidade militou contra o racismo e por melhorias nas condições de vida da população negra do país, a partir da participação política e da presença no debate nacional. Fala-se muito da importância dos movimentos negros pelos direitos civis nos Estados Unidos nos anos 1960. Mas é preciso lembrar que, 30 anos antes, a FNB já havia iniciado essa luta no Brasil. 20 O Teatro Experimental do Negro (TEN) surgiu em 1944, no Rio de Janeiro, como um projeto idealizado por Abdias Nascimento (1914-2011), com a proposta de valorização social do negro e da cultura afro-brasileira por meio da educação e arte, bem como com a ambição de delinear um novo estilo dramatúrgico, com uma estética própria, não uma mera recriação do que se produzia em outros países. 21 O movimento é vigente: https://mnu.org.br/ 22 Recupero a dissertação de Juliana, em que referencia Ana Mae Barbosa e seu livro Tópicos utópicos. Belo Horizonte: Editora/arte, 1998. A omissão da arte afro-brasileira e africana nos currículos de ensino de arte, vem sendo problematizada na arte/educação, principalmente após a implementação da lei 10.639/2003. Esse discurso está na estrutura hegemônica de nossa sociedade, que traz ainda como resquício da colonização a manutenção dos paradigmas europeus em detrimento das matrizes indígenas e africanas. A maior parte da crítica à perspectiva hegemônica ocidental com fortes tendências eurocêntricas e estadunidenses aparece na arte/educação conceituada pelo interculturalismo e multiculturalismo crítico (SANTOS, 2017, p. 27). 19
Juliana citou diferentes referências como o historiador Manuel Querino, as "escolas dos homens de cor" – associações e agremiações negras ao longo do século 18 e 19 –, a escritora e professora Maria Firmina e uma série de outras apreciações que um relato como esse não daria conta de citar adequadamente. Também em virtude da ausência de tantas referências, publicações ou arquivos sobre esses assuntos, que a história hegemônica tenta apagar. Daí o valor de uma pesquisa como a da Juliana e meu repetido convite ao leitor para que acesse sua dissertação. Voltando ao glossário, destaco aqui, mais uma vez, a ideia de Juliana sobre arte-educação: ARTE-EDUCAÇÃO [Juliana] Há a necessidade de expandir o entendimento sobre arte-educação para além dos campos institucionais, por outro, a gente super entende a importância de se firmar, por um lado há a importância de se constituir como categoria de trabalho, enquanto direitos trabalhistas, quanto um trabalho reconhecido dentro das instituições, museus, Sescs, equipamentos culturais como um todo etc, mas por outro lado, do ponto de vista de alargar a nossa concepção de arteeducação, ou seja, de processos mediativos, ou de experiências estéticas, partilhas do sensível, seja lá o conceito ou determinação que vamos usar, como a gente consegue alargar [o entendimento sobre arte-educação] para entender que esta experiência não se dá só nos campos institucionalizados da arte. Muito pelo contrário. Como o lugar da educação não formal e informal, não atrelada a instituições com uma estrutura hegemônica, também estão formando pessoas, para reelaborar seu cotidiano, estão afetando, estão estabelecendo espaços de encontros e de sensibilização e de trocas, reverberando em práticas educativas que a gente não capta. Como pensar, por exemplo, as pedagogias quilombolas? Como pensar o próprio Ilê Aiyê, em Salvador, que criou processos formativos em arte e cultura, enfim, vários grupos, várias articulações, várias entidades, no Brasil inteiro, que sempre fizeram e que estão fazendo e que podem ajudar a gente a falar em descolonizar, em epistemicídio, mas será que a gente está de fato olhando para esses lugares como o reconhecimento da construção da episteme que tem ali? Como nossos referenciais conceituais, como marcos teóricos e práticos?
Mais ao final, a convidada ainda mencionou como as equipes educativas de exposições que se dedicam a uma discussão mais efetiva sobre experiências negras, educação étnico-racial ou sobre tensões raciais, têm promovido um salto qualitativo para se pensar uma arte educação antirracista. Ao fazer este balanço, abordou o tema das instituições de arte: Instituição [Juliana] As instituições que oferecem um cenário mais positivo, fazendo exposições, como o Masp e o Sesc, têm adotado em sua agenda, discussões e pautas urgentes sobre questões negras, de gênero e sexualidade. Mas um olhar mais atento entende que essas instituições atendem a uma demanda que é global. Não é uma simples boa vontade do Masp de fazer uma exposição como essa 23. Precisamos entender que estamos na Década Internacional do Afrodescendente, que vai de 2015 a 2024, em que a ONU delibera que seu foco de ação é o combate ao racismo antinegro em nível global. Porque ela faz um levantamento global em que pessoas negras ocupam os lugares de maior vulnerabilidade. Então precisamos pensar que essas agendas que vão surgindo no Brasil não são uma agenda de 'sacada institucional', elas são primeiramente fruto de pressão dos movimentos sociais e quando eu falo movimento sociais eu falo como um todo, tanto movimentos sociais articulados como Movimento Negro Unificado, como ações de artistas, intelectuais, críticos e população civil.
E um outro ponto que é, o Brasil está muito atrás sobre discussões sobre descolonização, decolonialidade, em relação ao que está sendo nos países tidos como referência, como primeiro mundo [fazendo aspas com os dedos]. Então, como o Brasil se explica sendo a segunda nação mais negra do mundo, depois da Nigéria, com os maiores índices de genocídio? Como o Brasil explica tendo museus e instituições onde não há negros trabalhando em cargos com maiores condições de remuneração? Como as instituições de explicam quando não há negros em seus acervos? A gente vive um momento muito importante, de uma virada importante de questionar de forma direta a estrutura desse racismo institucional que ainda se reproduz nas práticas trabalhistas cotidianas.
Juliana faz referência à Histórias afro-atlânticas, exposição exibida no Masp e no Instituto Tomie Ohtake em 2018. 23
É possível convivermos com os termos do nosso campo de atuação no conforto dos vocabulários que já possuímos. Ou – melhor ainda – é possível questionarmos nossas ideias e práticas sobre as mesmas palavras junto das vozes urgentes de JANAÚ e Juliana.
crise
planejamento
eixo 6
Perspectivas e Contrapontos 1º de dezembro de 2020
Convidadas: L uciara Ribeiro, Luciana Martins e Maria Meskelis Relatos críticos: Marcela Tiboni e Caio Araújo
futuro
Perspectivas de um momento sem perspectivas Marcela Tiboni
“Reinventar-se” disse o mediador Caio Araújo em seu lindo texto de apresentação do encontro Perspectivas e Contrapontos da Sala Zero de Mediação. Caio proferiu parte de seu texto de abertura com a voz embargada, fazendo com que de imediato meus olhos também ficassem mareados. Entre suas frases o mediador apresentava o tema de reflexão daquela noite, mas antes que pudesse fazer anotações sobre a temática me peguei pensando sobre “sala zero”, normalmente as salas de edifícios ou instituições começam a partir do número 1, e aquela sala virtual era mesmo zero. Zero pode ser tudo e pode ser nada, e naquele caso me lembrava a fragilidade e instabilidade da história da mediação cultural no país. Muitas instituições sem equipes fixas de mediadores, que contratam e demitem como ondas de um mar revolto, formam assim mediadores potentes e plenamente capazes de tudo, afinal em três ou quatro anos passam por muitas instituições, exposições e projetos diferentes. Ganham experiência, conhecimento, apuram seus olhares e expandem suas capacidades, mas por serem trabalhadores temporários o Zero se torna partida mas também chegada. Partem do nada, constroem muito, e finalizam de novo no nada institucional. Ao mesmo tempo o Zero é a chance de recomeçar dentro do “novo futuro”, e esta é, obviamente, uma “maravilhosidade” deste trabalho, reinventar-se, lembrando a fala do Caio no início deste encontro. O encontro aconteceu no dia 1º de dezembro de 2020, pelo Zoom, e para além da equipe de mediadores do projeto, trouxe três convidadas: Luciana Conrado, Luciara Ribeiro e Maria Meskelis. O título por si só já era um desafio, “perspectivas e contrapontos”, e a provocação “como pensar a permanência de educativos no contexto brasileiro?” quase de nos deixar sem ar. Havia ainda as palavras chaves para o encontro, que eram: crise; planejamento; desafios e objetivos de futuro. Passamos, portanto, mais de duas horas e meia pensando no futuro, em um futuro pós-pandêmico, e pensamos também no presente, das possibilidades de retomar o trabalho em meio a um caos na saúde e um verdadeiro desmonte da cultura. O encontro foi potente e repleto de boas reflexões, passamos do horário estabelecido para finalizar, porque era quase impossível finalizar com tantas mentes inquietas conectadas de forma virtual.
Uma das primeiras perguntas lançadas foi “o que pode uma equipe educativa?”, e eu, do lado de cá, com caneta e caderno nas mãos anotei o que me veio a mente diante daquela pergunta. Uma equipe educativa pode fazer pesquisa, pode fazer curadoria educativa, fazer proposições, pode ser voz e fazer escolhas sobre aquilo que querem questionar, pensar e refletir, podem construir de forma individual e coletiva, podem escrever textos, criar materiais educativos, estabelecer parcerias e podem ainda mais se tiverem o devido amparo de seus contratantes. Isso me coloca a questão: qual a importância de um projeto como o Sala Zero? É preciso enaltecer a entrega desta equipe de mediadores, eles propuseram o formato, fizeram a curadoria de cada um dos convidados, selecionaram também as pessoas que fariam a relatoria crítica de cada um dos encontros, auxiliaram na divulgação, escreveram os textos de apresentação e abertura. Enfim, uma equipe educativa pode muito quando a Instituição confia e dá suporte para suas ousadias e experimentações. Luciana Conrado foi a primeira a apresentar, trouxe uma pesquisa bastante grande envolvendo as Redes de Educadores de Museus (REM) em todo o Brasil, nos mostrou como estas Redes são articuladas e produzem reflexões e conteúdo. Apresentou números e dados importantes de serem conhecidos, e nos deixou com a sensação confortante de que podemos nos conectar e travar lutas e propostas coletivas mesmo sem estarmos perto. Mas conforme eu via os slides que ela passava me perguntava: será que todo este conteúdo gerado por coletivos de educadores tem espaço para ser aplicado? Ou se tornam uma vez mais conteúdos engavetados sem chances de serem usados para além da leitura? Ela trouxe ainda importantes números sobre demissões de equipes educativas em museus durante a pandemia. O REM, para além de coletar a analisar os números, se posicionou frente ao lamentável ocorrido, tentando reverter as decisões de muitos museus. O que me fez impactar, era preciso que o REM lembrasse aos Museus a importância das equipes educativas que neles se abrigavam!
Luciara nos trouxe muitas, mas muitas, perguntas, fez nossas cabeças entrarem em colapso, enquanto eu buscava resposta para uma pergunta difícil ela já lançava uma pergunta mais complexa ainda. A educadora e curadora insistiu ainda que o passado interfere e ajuda a construir o futuro, e eu me peguei pensando: o que já construímos ao longo de décadas de equipes temporárias em Museus e Instituições Culturais? E o que disso tudo ficou registrado, guardado e tornou-se história? De forma muito tranquilizadora Luciara nos apresenta uma possibilidade para enfrentar os tempos de treva pandêmica, tornar-se coletivo. A pesquisadora nos coloca a chance de nos unirmos em vontades e desejos, de somarmos forças, de encontrarmos trabalhos uns para os outros, de ativarmos nossos contatos, de nos colocarmos em contato não mais como concorrentes (se é que alguma vez isso fez sentido), mas como parceiros de jornada. E esta foi talvez a parte mais marcante para mim de toda a conversa. Luciara trouxe ainda uma discussão fundamental sobre o estruturalismo, exclusão e preconceitos das instituições culturais, as lacunas abertas há décadas em relação a contratação de negros e negras, mulheres, indígenas, transexuais. Não sem um cutucão que questiona: esta lacuna está aberta na tentativa de ser completada ou está aberta na insistência de nunca ser ocupada? Nos provoca a pensar: quantos colegas negros e negras tivemos ao longo da nossa jornada como mediador? Coordenadores que têm a chance de contratar equipes, quantos negros e negras, quantos indígenas, quantos transexuais, quantas mulheres ocupam os cargos de contratação? E eu do lado de cá novamente pensando, que um ponto positivo de ter equipes temporárias é a chance de construir equipes cada vez mais diversas, de se repensar, de assumir erros e equívocos, e construir um presente vivo.
Maria foi a última convidada e de forma gentil mas muito firme nos colocou a par dos inúmeros coletivos que existem, que são resultados de trabalhos em conjunto em equipes educativas. Nos coloca diante das potências poucas vezes percebida pelas instituições de que o mediador pode muito mais do que conversar com o público frequentador. Nos mostra as inúmeras possibilidades criativas e de execução que estes coletivos têm no momento em que conseguem se manter unidos e obviamente com seu sustento financeiro garantido de alguma forma. Outra vez nos mostra a fragilidade de nossos trabalhos, como nossa animação é muitas vezes ceifada pela negativa institucional, como nos afastamos de uma carreira pela insistência das instituições em tornar nosso trabalho plenamente dispensável. Finalizo este texto com a cabeça em rodopios, com a mente inquieta e as ideias em efervescência, e lembrando da história desta equipe de mediadores do projeto Escola e Artes. Em 2016 fui chamada pelos programadores da unidade do Sesc Santana para formar uma equipe de 5 mediadores. Bruno Makia, Thaís Sabadinni, Caio Araújo, Paula Garrefa e Xisto foram chamados. Um projeto diferente, que acontecia apenas uma manhã por semana, com atendimento de um único grupo e com uma visita de mais de duas horas. Fiquei junto deste grupo por mais de dois anos, e com o passar do tempo percebi que meu papel de coordenadora era a cada encontro mais desnecessário. Eles se bastavam, se completavam, se estimulavam, se entendiam, se acolhiam, e principalmente juntos tinham ideias e propostas muito melhores e mais afinadas do que qualquer uma que eu poderia ter. Os anos se passaram, muita gente saiu, outras entraram, e o projeto junto ao Sesc Santana só amadureceu e ganhou mais fôlego e potência. A entrada de Juliana Biscalquin, Jucélia da Silva e Ana Raylander dos Anjos trouxe mais força e vitalidade ao projeto. São 4 anos juntos, pensando e elaborando, e isso é sim um ponto totalmente fora da curva das unidades de Sesc da cidade de São Paulo. O Sesc tornou-se ao longo dos anos a maior e melhor instituição cultural formadora de mediadores, contratando estagiários e dando a eles uma estrutura bacana para conhecerem a área e realizarem seus trabalhos, mas e quando o vínculo com a faculdade termina?
Termina também a chance de seguir trabalhando dentro da instituição, e esta é uma daquelas lacunas que a Luciara nos colocou, um daqueles números que a Luciana nos trouxe e uma daquelas ceifadas de ânimo que a Maria nos apontou. É preciso tomar este projeto e esta equipe como exemplo de possibilidade, é preciso avaliar todos os ganhos e realizações que construíram juntos diante de uma possibilidade lançada pela unidade do Sesc Santana. Manter-se junto é muitas vezes fundamental, um trabalho a longo prazo traz ganhos para a equipe, para a unidade, para o público, para as escolas, para os artistas. Mas obviamente o meu texto se permite sempre olhar para o outro lado, e claramente seria injusto comparar o Sesc com qualquer outro museu ou instituição cultural da cidade de São Paulo que mantém uma equipe de mediadores fixa. Afinal quantas unidades tem o MASP, o MAC, o Itaú Cultural? O Sesc, já dizia um colega ex-programador, é um ornitorrinco, ele se parece com muitos bichos, parece ser a junção de partes de bichos diferentes, e assim é o Sesc, muitas coisas, mas não é um só. E por isso eu insisto, que a instituição se permita olhar para o desenvolvimento desta equipe de mediadores como um norte, como um caminho, como uma possibilidade de fazer diferente e construir finalmente uma história mais sólida da mediação cultural. Olhar-se de dentro, coletar suas partes de acertos e erros, refazer-se ornitorrinco, e investir em novos formatos de contratação, de temporalidades, de tamanhos e dimensões de equipe. E assim o desejo de reinvenção de Caio Araújo seria então um lema institucional, manter o que já funciona, permitir a entrada no novo e reinventar os formatos do passado.
Arqueologia do agora Caio Araújo
No dia primeiro de dezembro de 2020, aconteceu a instauração do sexto eixo da Sala Zero de Mediação. Nesse dia encerramos a série de seis encontros propostos pela equipe educativa do Projeto Escola Artes, do Sesc Santana, nos quais nos dispusemos a criar um espaço para a discussão da realidade da educação em instituições culturais e museus no Brasil. Como último tema, propusemos a reflexão “Perspectivas e Contrapontos - Como pensar a permanência de Educativos no contexto brasileiro?”. A reflexão crítica dessa discussão a respeito de futuro, de maneira irônica, ficou sob a responsabilidade da pessoa do grupo de educadores/curadores que desistiu de atuar na arte educação, justamente por não visualizar mais um futuro na área. Devo deixar claro que falarei apenas em meu nome, Caio. E que, talvez, o texto saia com um caráter pessimista, um tanto distópico, como o relato de alguém que está abandonando o que considero ser uma terra arrasada, por estar cansado demais de ficar vasculhando nas ruínas em busca de algo que possibilite a sobrevivência. Ao abandonar essa terra assolada, olho para o lado e vejo que não estou sozinho. Ao meu lado, em meio à destruição, encontro diversos profissionais da arte educação, pessoas que já trabalharam, ou não, comigo e que também precisam criar suas próprias ferramentas para sobreviver em outra região. Resistir como Educador, em meio a essa área destroçada, exige cada vez mais coragem, força, preparo acadêmico e equilíbrio mental. O êxodo parece ser inevitável e, enquanto encaro os ex-colegas, vejo cansaço e frustração no rosto de cada um que deixou tudo para trás em busca de menos aventura e mais estabilidade. Para trás ainda estão muitos guerreiros, que ainda acreditam na reconstrução daquelas ruínas, tive a sorte de ter muitos deles do meu lado enquanto eu estava por lá. Pensando ao
lado deles, ainda tive forças para ajudar na elaboração da Sala Zero de Mediação. A ideia era trazer pessoas que nos ajudassem a vasculhar os destroços, e, de maneira quase arqueológica, buscar respostas e pistas para que enxergássemos alguma possibilidade de reconstrução, encontrar esperança em meio ao caos. Para o sexto eixo dessa empreitada, tivemos ao nosso lado três convidadas. Duas delas, Luciara Ribeiro e Maria Meskelis, foram nomes levantados pela nossa equipe, durante o processo de curadoria educativa. A inclusão da terceira convidada, Luciana Martins, veio de uma sugestão de representantes do Sesc, em diálogo conosco. O cenário em que nos encontramos, no campo da Mediação, salvo raras exceções, é de destruição e abandono. A terceirização dos trabalhadores, pouca estrutura para desenvolver um trabalho (faltam salas para o educativo, computadores, armários para guardar o próprio material), demissões em massa durante uma pandemia mundial, instituições que não entendem qual é o trabalho de um educador, pensamento racista, machista, LGBTQIfóbico que ainda servem como base de sustentação das práticas de instituições culturais e museus... tudo isso a meu ver mascarado por um discurso hipócrita de inclusão. Profissionais estão abandonando a área por não conseguirem sobreviver com contratos por tempo determinado e salários baixos, enquanto as exigências para conquistar uma vaga só aumentam. O trabalho arqueológico que proponho começa nesse panorama, em uma constante investigação para entender o que podemos fazer para impedir que a prática da mediação encontre a aniquilação. A esperança é de que, em meio às ruínas espalhadas pelo chão, a gente possa encontrar vestígios e pistas que nos ajudem a apontar para um futuro onde as práticas citadas anteriormente sejam abandonadas e onde possamos reerguer outras estruturas. Essa minha expedição arqueológica no sexto eixo começa com Luciana Martins, que deu início aos trabalhos naquela noite falando sobre estruturas que ainda permanecem de pé, na superfície, dispensando um trabalho de escavação. Para mim, essas estruturas parecem abandonadas ou são usadas por poucos educadores e mediadores. Adentramos e encontramos
inscrições que nos apresentam às REM (Rede de Educadores de Museus), que existem em diversos estados, e também uma versão nacional, a REM Brasil. Elas são um grupo que se articula em rede, aberto a todos os profissionais da área da educação museal. A proposta desse espaço é pensar ações e discussões que articulem a profissão do Educador. Em uma parceria das REM com o CECA (Comitê Internacional para Educação e Ação Cultural – ICOM) foi possível pensar, ao lado de profissionais do IBRAM, a PNEM. A Política Nacional de Educação Museal (PNEM) é uma diretriz para museus e instituições culturais seguirem para proporcionar a estrutura necessária para a prática educativa. É extremamente importante saber que esses espaços de articulação em rede já existem e que estão pensando em políticas públicas para a “profissão do educador”, como afirmou Luciana. O problema é que, vasculhando à nossa volta, chego à conclusão de que talvez a nossa atividade ainda não seja encarada como profissão. Não podemos ignorar que, salvo exceções, instituições culturais e museus nos enxergam apenas como uma atividade pontual, que é importante para justificar a existência e o recebimento de verbas para a recepção de público, mas que não tem nenhum poder em decisões ou nem mesmo existe de maneira fixa, dentro dessas instituições. Somos contratados por último no processo de construção de uma exposição e temos uma data já pré estabelecida para sermos descartados ao final. Além de tudo, temos que torcer para que não nos coloquem na chamada “geladeira” (prática que foi iniciada após a precarização dos contratos, onde foram adotadas as contratações por MEI - Microempreendedor individual ou por empresas terceirizadas. Após a data de término de um contrato, o trabalhador não pode ser contratado pelo próximo ano, para que não exista vínculo empregatício. O que acabou por estimular o desmonte e instabilidade na área). Luciana lembra que as vagas existem e estão aí, mas essas vagas são temporárias, frágeis. A precarização do trabalho e a terceirização mantêm a alta rotatividade de profissionais que entram e saem deste lugar, sem conseguir a mínima estabilidade financeira e profissional. E também é esse tipo de contrato efêmero que impossibilita a criação de um pensamento de rede
entre os educadores e dificulta até mesmo que eles descubram que essas redes já existem pelo país. Durante os dez anos que atuei em instituições culturais, não tomei conhecimento de nenhuma reunião da REM ou de qualquer outra rede de educadores. E, quando descobrimos essas redes, é raro encontrar uma onde o protagonismo seja nosso. É preciso que as REM façam um trabalho de base mais abrangente, chegando até esses educadores que estão impossibilitados de exercer sua função, os que estão precarizados, os que estão trabalhando por meio de MEI e os que estão correndo atrás de mais um trabalho temporário para pagar as suas contas. Esses mediadores precisam de escuta. Entre o que foi trazido daquelas inscrições, mostradas por Luciana em seu tempo conosco e o que presenciamos no nosso cotidiano, existe um abismo. O que me faz pensar que deve haver algum erro de tradução. Ao tomar para si o protagonismo da militância no campo da Mediação, diretores de museus e coordenadores educativos apagam quem mais é prejudicado pela precarização dos Educativos, os Educadores e Mediadores. Fazendo um salto para o final do nosso encontro, quando o lugar seguro que havíamos criado para desenvolver os nosso estudos já estava prestes a chegar ao fim, um dos companheiros que estava atuando nas escavações, ao longo dos seis encontros, trouxe uma pergunta que não pudemos discutir com a devida atenção. O questionamento é um sintoma de tudo que foi dito anteriormente. Tivemos que passar muito rapidamente por essa pergunta, então acho importante retomá-la em um lugar mais propício. Depois de ouvir as nossas três convidadas, Juan Gonçalves perguntou: ”Qual a responsabilidade das empresas de Educativo na desarticulação das organizações dos trabalhadores da mediação cultural e na precarização dessa categoria? Outra questão, pensando na Luciana que falou sobre como o Ceca BR nos traz uma perspectiva de uma organização que está à frente nas discussões relacionadas à conquista de políticas públicas voltadas para profissionalização dessa categoria, eu queria que ela falasse um pouco enquanto uma das proprietárias da Educa, que desenvolve vários projetos. Qual é a validade dessas iniciativas e reivindicações em parceria com a REM quando quem está à
frente dessas organizações são os donos de empresa de educativo, gestores e trabalhadores concursados do Ibram. Certamente essas pessoas não fazem parte das pessoas que perderam seus empregos no início de 2020. Você não acha que existe um conflito de interesses quando essas pessoas ocupam esses lugares, já que elas vêm de uma situação sócio-econômica de mais estabilidade, que não beneficiam o chão das exposições?”. Acho que a resposta passa por tudo que eu disse mais acima. Não posso evitar perceber a falta de representatividade de educadores que atuam no chão das exposições em algumas estruturas. Além das problemáticas já existentes, esse ano tivemos um golpe de misericórdia para tornar a queda dos Educativos ainda mais evidente: uma pandemia mundial, que foi a causa de inúmeras demissões. Equipes educativas inteiras foram dizimadas e ainda surgiu mais um desafio para quem conseguiu manter o seu trabalho: se adaptar ao universo virtual. Luciana enxerga esse universo virtual como uma nova possibilidade que podemos dominar, ao oferecer conteúdos online baseados em acervos e também como forma de propor diálogos com um novo público. Porém, ao mesmo tempo que essa parece ser uma alternativa animadora, pode ser uma emboscada. Nos acostumaram a acumular funções e ter o nosso trabalho concretizado com um mínimo de estrutura. Será que adicionar mais uma função a esses profissionais seria a melhor forma de reerguer esse lugar? Os museus e espaços culturais estariam dispostos a pagar mais por essa nova função, ou seria mais uma habilidade exigida sem que isso aumente os salários baixos da classe? Me parece um fundamento pouco sólido para que possamos começar a pensar no futuro. Quando penso nisso vejo que os nossos contratantes exigem cada vez mais de profissionais que estão mentalmente e fisicamente exaustos. Delegar a responsabilidade de uma reconstrução tão ampla a trabalhadores precarizados, terceirizados e estagiários com pouca ou nenhuma experiência não me parece uma forma justa de combater o problema. Não somos acomodados, estamos exaustos!
Mesmo que nós já estivéssemos articulados enquanto educadores, com todas as nossas reivindicações identificadas, organizadas e pautadas em um documento oficial, será que as instituições estariam prontas para absorver esses profissionais? O justo não seria chamar para a responsabilidade as instituições e os museus, para que elas ajudem a resolver os problemas que elas mesmas criaram? Reivindico o protagonismo dos educadores nessa luta, mas, se as instituições não estiverem ao nosso lado, vamos continuar empilhando os tijolos de uma ruína na esperança de que elas voltem a ser um prédio sólido. Para Luciara Ribeiro, o nosso trabalho deve se ater não só a uma pesquisa coletiva, mas também individual e interna. Ao vasculhar esses escombros, vamos encontrar práticas institucionais e individuais que nos fazem trilhar para a destruição total (por exemplo, no momento em que instituições culturais e museus preferem adotar leis trabalhistas que estimulam a terceirização, em vez de contratar os seus profissionais de forma permanente, eles ajudam a legitimar uma narrativa que pavimentou o caminho para o atual governo, neoliberal e de extrema-direita, onde nem mesmo o Ministério da Cultura ou verbas para a Cultura foram mantidos). Cada pedra retirada do caminho também deve ser encarada como um exercício de reflexão institucional e pessoal, um estudo para que a gente possa identificar os erros, os acertos e a partir disso enfrentar as dores que carregamos ao longo do caminho. A partir dessas dores, começar a projetar um futuro pautado na ideia de cura. Quando pensamos no futuro, sempre projetamos um tempo que ainda está distante, muito à frente. Um tempo no qual, talvez, nós não iremos chegar. O grande problema é que não temos esse tempo todo para resolver as dores do Educativo, a questão é urgente. Então, quando é esse futuro? Ele é agora, o próximo minuto, o segundo seguinte. Para pensar o tempo sem esses grandes saltos e de uma maneira menos linear, um lugar onde passado, presente e futuro se encontram no mesmo instante, Luciara nos apresentou uma frase de Luiz Rufino, presente em A pedagogia das encruzilhadas: "Exu matou um pássaro ontem, com a pedra que arremessou hoje".
Dessa forma, a arqueologia que estou propondo, para que a gente possa entender o que fez o nosso trabalho chegar a essa destruição, não pode se ater ao passado para criar, a partir dos resultados obtidos, uma ideia distante do que será o futuro da Educação Museal. Essa arqueologia deve ser feita para entender, mapear, estruturar e mudar o agora, as práticas de hoje. Uma arqueologia do agora. Ao vasculhar as ruínas do campo da Mediação, encontramos diversos ídolos caídos. São pessoas que ficaram pelo caminho, teóricos e estudiosos que analisaram a educação não formal, ancestrais que deixaram uma herança que ainda serve como base para as nossas ações. Luciara nos desafia a nos projetarmos como esses ancestrais, desde agora! Trazendo outras referências, outros lugares, evitando segregações, trazendo o pensamento decolonial para dentro desse espaço. Não como maneira de preencher uma lacuna que existe, mas sim como base de uma estrutura que precisa ser reerguida, trazendo novos olhares, deslocando e tensionando os centros de poder e dessa forma transformando o lugar da educação em um espaço de transgressão. Somos desafiados a criar uma nova ancestralidade que seja baseada na retomada da humanidade e subjetividade, que são negadas aos corpos pretos, periféricos e marginalizados. Nas escavações, encontramos rachaduras profundas nos alicerces da Educação Museal, causadas por uma branquitude que, tendo legitimado o seu o direito à humanidade, escolhe negá-lo para assim manter os seus privilégios. Para Luciara, esse é um ponto importante para que possamos democratizar o direito à subjetividade, ao sonho e ao amor. Dessa maneira podemos chegar até aquela cura, citada acima. Usar o amor e o sonho como projeto para o agora. Maria Meskelis parece mostrar que alguns educadores, de forma autônoma, já estão atuando em busca dessa cura. Segundo ela, a pandemia só evidenciou um contexto que já estava dado, de forma que educadores já vinham se conectando anteriormente em redes independentes para encontrar outras formas de trabalhar dentro de instituições culturais e museus. Ainda que essas
articulações sejam importantes e necessárias, elas ainda estão acontecendo fora de um contexto que dê estabilidade financeira para o profissional da Mediação, pois são grupos que se encontram e formam parcerias que ainda prestam serviço de forma bastante fragilizada para as instituições. Para entender o movimento desses educadores, é preciso conhecer como o setor educativo é encarado no Brasil. É da incompreensão que instituições e museus têm em relação ao nosso trabalho que surge a ambição de mostrar que podemos fazer muito mais. A precarização do nosso trabalho fala muito sobre como as instituições e museus encaram o trabalho educativo, algo temporário e descartável para atender uma demanda de público que é extremamente importante para os diretores e coordenadores de museus, mas que não é pensada com a importância que deveria ter. É preciso pensar a permanência dos projetos educativos como um projeto de agora; entender que esses profissionais podem e devem ser incorporados como equipe de trabalho permanente dos seus locais de trabalho. Eles podem ser pesquisadores atuantes em todas as etapas do processo de pensamento de uma exposição ou da manutenção de um acervo, eles podem preservar a memória de tudo que faz parte daquele lugar e eles podem mostrar para as instituições que elas podem ser propositoras e produtoras de conteúdo, não só absorver a pesquisa que vem de fontes externas. Educadores podem ser curadores (como aconteceu aqui na própria Sala Zero), pesquisadores, oficineiros e muito mais, desde que tenham estabilidade e sejam pagos de acordo com todas essas atribuições. Talvez, um dos alicerces para a reconstrução desse lugar para que ele atinja toda a sua potência, deve ser a valorização imediata de quem está ali. Tal movimento só é possível a partir da identificação das fragilidades e problemas que permeiam o cotidiano desses trabalhadores, que encontram nos seus pares uma força para pensar novos dispositivos e abordagens para continuar prestando seus serviços. Os apontamentos de Maria Meskelis fazem com que nos viremos de costas para as ruínas, depois de tudo que estudamos e observamos nelas, para a partir de então começarmos a nos articular para mudar o agora, a partir de um novo pensamento. Uma articulação que começa por olhar para quem andou sempre ao nosso lado.
Quanto ao cenário de destruição que nos encontramos e que tentei desbravar ao longo dessas linhas, o necessário não é que ele seja reconstruído, mas sim transformado em um local de visitação, um lugar daqueles em que recebemos os grupos escolares. Um grande museu, onde a gente possa observar a grandeza do que já fizemos e a fragilidade de tudo que é conquistado, como um lembrete de que aquilo ainda é parte de quem somos e faz parte do que seremos. Quanto ao campo da Mediação, que sejam erguidas novas estruturas, em um novo lugar, onde a fundação não use as práticas que discutimos ao longo desse texto. Eu estou saindo. Peço a vocês que continuam na luta, mesmo no momento em que a tão sonhada valorização e estabilidade forem conquistadas, que não se esqueçam dos nossos erros, dos nossos acertos, do quanto amamos a nossa prática e, sobretudo, nunca se esqueçam dos nossos algozes, aqueles que escolheram sucatear o nosso trabalho, que nos negaram diálogo, que não entendem o nosso trabalho e enxergam a educação dentro dos museus como uma catraca onde o importante é só o número de visitantes. Não é possível falar de futuro, ou melhor, do agora, sem plantar a memória. A NOSSA memória.
Amanda Carneiro é pesquisadora graduada em ciências sociais e mestre em história social, ambos pela Universidade de São Paulo (USP). Foi bolsista da Fundação Cultural Prussiana no Museu Etnológico de Berlim. Trabalhou como educadora e auxiliar de coordenação no Museu Afro Brasil. Foi uma das idealizadoras do projeto ÍRÈTÍ – Formação em Cultura Negra para Educadorxs. É fellow do Programa da ONU para a Década Internacional dos Afrodescendentes. Participou do BBX – Crit Sessions, da 10° Bienal de Berlim e do Tate Intensive, da Tate Modern, em Londres. Tem ensaios publicados em catálogos e revistas de arte e, atualmente, é curadora assistente no MASP, onde é pesquisadora do Arte e descolonização, um projeto em parceria com o Afterall, centro de pesquisa e publicação da University of the Arts de Londres, onde também é editora colaboradora da revista. No MASP, curou as exposições Sonia Gomes: ainda assim me levanto, em 2018, e Leonor Antunes: vazios, intervalos e juntas, em 2019.
Ana Raylander Mártis dos Anjos é nascida no cafundó do mundo (Minas Gerais, 1995), atualmente vive em São Paulo. Em sua prática procura estabelecer um diálogo entre a história coletiva e a sua própria história, o que tem chamado de prática em coralidade, envolvendo grupos de pessoas para colaborações e experiências de aquilombamento. Com formação em palhaçaria, bacharelado em Artes Visuais pela Universidade Federal de Minas Gerais (Brasil) e Arte e Multimédia pela Escola Superior Gallaecia (Portugal), entende sua atuação como um fazer interdisciplinar e transversal. Vem recorrendo com frequência aos saberes da educação, escrita, performance e brincadeira como forma de compor um maquinário verbal, corporal e ético para discutir suas urgências em projetos de longa duração. Foi contemplada com uma residência na Adelina Instituto (2019) e com o Prêmio de Residência EDP nas Artes, do Instituto Tomie Ohtake (2018). Realizou o projeto Seminários Engraçados, no Pivô Arte e Pesquisa (2020) e Coral de Choros, no Programa de Exposições do CCSP (2018). Participou de mostras coletivas na Galeria Aura, Centro Cultural UFMG, XIX Bienal Internacional de Cerveira e Novas Poéticas. Realizou mostras individuais no Brasil e Espanha. Em 2020 fez o primeiro levantamento de artistas transmasculinos e não-binários nas artes visuais, reunindo 90 nomes. Vem atuando também com acompanhamento de projetos e cursos de formação, como o Lab Cultural, no BDMG Cultural (2020) e o Curso de História da Arte, na Pinacoteca do Estado de São Paulo (2020).
Beatriz Lemos (Rio de Janeiro, RJ. Vive em São Paulo), curadora e pesquisadora, mestre em História Social da Cultura pela PUC-RJ. É idealizadora da plataforma de pesquisa Lastro – Intercâmbios Livres em Arte e atua na promoção, ensino e curadoria de processos de criação anticoloniais, antirracistas e feministas no Brasil e América Latina. Integrou as comissões curatoriais do 20º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil (São Paulo, 2017) e Bolsa Pampulha 2018/2019 (Belo Horizonte, MG) e a coordenação da residência artística Travessias Ocultas – Lastro Bolívia, que ganhou desdobramento em exposição no Sesc Bom Retiro (São Paulo, 2018). Atualmente, organiza o Grupo de Estudos Lastro e faz parte do grupo curatorial da 3ª Frestas – Trienal de Artes (Sesc Sorocaba, SP).
Bruno Makia é artista educador que trabalha e pesquisa o campo da mediação cultural desde 2007. Sua pesquisa poética percorre os caminhos sinuosos da memória e atravessa os campos da educação, pintura, desenho, fotografia, projetos de livros de artista, encadernações manuais e outras artesanias. Já atuou como educador, supervisor e assistente de coordenação de equipes educativas em diferentes locais como unidades do Sesc SP, Centro de Preservação Cultural da USP, MAB-FAAP, Paço das Artes, Museu da Cidade de São Paulo dentre outros espaços. É membro da equipe educativa do Projeto Escola e Artes – Mediadores em Artes Visuais realizado pelo Sesc Santana desde o primeiro semestre de 2016.
Caio Araújo é formado em Artes Visuais, pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Trabalhou como educador de 2011 até 2020, em diversas unidades do Sesc SP. Pesquisando sempre novos meios de atuar dentro das exposições, já exerceu a função de educador e supervisor. No Carnaval, trabalha desde 2018 na equipe do carnavalesco Jorge Freitas, como desenhista e projetista de alegorias e fantasias, passando pela Império de Casa Verde e atualmente, na Mancha Verde, onde foi campeão em 2019.
Cintia Masil é mestra em Artes pelo Programa de Pós-Graduação do Instituto de Artes da UNESP (2017) e bacharela em Artes Visuais pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo (2010). Iniciou sua atuação na educação não formal em 1999 e desde 2008 se dedica a área de Mediação Cultural, desenvolvendo trabalhos para diversos equipamentos culturais, como Instituto Itaú Cultural, Pinacoteca, MAB-FAAP, Sesc SP. Atualmente ministra aulas, oficinas e vivências voltadas ao fazer artístico e à formação crítica; coordena equipes educativas; desenvolve projetos e materiais educativos. Como pesquisadora investiga a relação entre educação e trabalho a partir da intersecção raça, classe e gênero; os impactos do neoliberalismo na educação, arte e cultura; relações e condições de trabalho do/a educador/a.
Diran Castro atua de maneira trans/versal no terreno das Artes Visuais. Há 9 anos é mediadora em espaços expositivos, desenvolvendo esse trabalho de forma concomitante em instituições de arte. Pesquisa as possibilidades de leituras de obras além das camadas de tinta, realizando palestras na Suíça e Brasil. Dedica-se ao projeto Seus filhos também praticam, no qual utiliza a prostituição como ferramenta de trabalho e investigação, aproximando-se de garotos com idade entre 18 e 25 anos, brancos, ricos e autodeclarados héteroscis. Nele, busca cultivar o diálogo e a escuta no domínio da raça, classe, gênero e sexualidade.
Erica Malunguinho é educadora e agitadora cultural. Mestra em Estética e História da Arte. Tornou-se a primeira deputada estadual trans eleita no Brasil em 2018 no estado de São Paulo pelo PSOL. É titular da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, da Cidadania, da Participação e das Questões Sociais da Assembleia Legislativa do estado. Nascida no Estado de Pernambuco, vive em São Paulo há 17 anos. Antes de entrar na política institucional, trabalhou na educação de crianças e adolescentes, com ampla atuação na formação de professores. Erica é conhecida por ter parido, na região central da cidade de São Paulo, um quilombo urbano de nome Aparelha Luzia, território de circulação de artes, culturas e políticas pretas, visível também como instalação estético-política, zona de afetividade e bioma das inteligências negras.
Graziela Kunsch é artista, educadora e mãe. Desde 2018 integra o projeto Escola e Artes, tendo transformado a função de “coordenação educativa” em um “acompanhamento horizontal”, dialogando com o grupo de educadores como sujeitos criadores da sua própria prática e propondo caminhos para aprofundamento de estudos. Doutora pela ECA-USP, entre 2017-2019 foi professora substituta do curso de História da Arte da UNIFESP, tendo mediado as aulas de Arte Contemporânea, Arte e Política Hoje e Laboratório de Pesquisas e Práticas em História da Arte: Curadoria e Mediação. Editora da revista Urbânia, cujo quinto número aborda práticas de educação democrática (ver naocaber.org/revista-urbania-5). Foi responsável pela formação de público do projeto Vila Itororó Canteiro Aberto, tornando possível um processo de autoformação de público e o engajamento de ex-moradores da Vila. Seu novo projeto educativo é dedicado à primeiríssima infância (0-3 anos) e pode ser seguido no Instagram: @brincadeira_livre
Isabela Maia possui Bacharelado em Comunicação Social com Habilitação em Midialogia pela Unicamp e seguiu os estudos na área de Gestão Cultural no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc SP. Trabalha principalmente como educadora em exposições de arte, história e tecnologia, tendo atuado em instituições como Sesc, Instituto Tomie Ohtake, MABFAAP e Museu da Imigração, onde é gestora do Núcleo Educativo. Paralelamente, realiza traduções Português-Inglês e revisa conteúdos educativos para publicações e exposições. Interessa-se por estratégias de mediação cultural; planejamento e processos participativos na educação e na cultura; relações de gênero, corpo e identidade; fotografia e audiovisual.
JANAÚ. No passo dos caruanas, pisada Marajowara. É poeta y artista-educadora. Além de JANAÚ (AUA editorial), publicou Atlântida (Ed. Urutau) e Verão Cinza (Ed. Primata), todos em 2019. Vive hoje em Ubatuba, litoral norte de São Paulo, onde atua como professora na Educação Básica e conversa com o mar. Luta pela causa indígena e pela retomada ancestral de Pindorama.
Jordana Braz, educadora, fotógrafa e pesquisadora. Pós-graduada em Gestão de Projetos Culturais pelo CELACC-USP e graduada em Letras pela Unifesp. Integrou o projeto VISURB da Unifesp e recebeu menção honrosa no concurso fotográfico no Festival de Avanca em Portugal, realizado com o suporte da UNESCO (2012). Atua em educativos desde 2014 e desde 2017 é educadora-pesquisadora do Instituto Tomie Ohtake. Em 2018 iniciou uma pesquisa em relações étnico-raciais na educação e práticas de mediação em arte.
Juan Gonçalves é artista-mediador, educador e produtor cultural. Graduado em Artes Plásticas (UFES, 2018) com a pesquisa Sou artista enquanto mediador? Sou mediador enquanto artista? - A mediação como prática artística em Vitória (ES). Desde 2014 participa de projetos, experiências artísticas e educativas que aproximam entre arte, mediação cultural e educação em esferas institucionais e extrainstitucionais. Atualmente, investiga as formações de base e os modos de organização dos/as trabalhadores/as e das instituições como um meio possível para consciência de classe. Já participou de projetos educativos no Museu de Arte do Espírito Santo (2014-16), no Centro Cultural SESC Glória (2016-17), no Museu Capixaba do Negro (2018) e, mais recentemente, como Supervisor de projeto pedagógico no Sesc Vila Mariana e Educador no Sesc Pompeia (2019-20). Hoje é um dos integrantes do MOV.ER - Movimento Educadores em Resistência.
Jucélia da Silva, Pedra, PE. Artista visual, performer e educadora, nasceu em Pernambuco e foi criada na periferia do bairro do Grajaú, zona sul de São Paulo. É formada em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da UNESP e Estudos Artísticos pela Universidade de Coimbra (PT). Em sua pesquisa e produção artística investiga a construção de narrativas pessoais a partir de materiais autobiográficos, bem como os caminhos que estes percorrem até se configurarem em possibilidades poéticas para a criação. Interessa-se, sobretudo, por elementos do universo têxtil e os fazeres manuais atrelados a esta prática.
Juliana Biscalquin é educadora com experiência em pesquisas e práticas de mediação cultural no campo das artes visuais. Dentre os trabalhos mais recentes, tem se dedicado à formação de educadores, às visitas educativas e redação de materiais educativos e de mediação nos mesmos contextos. Nos últimos anos, atuou como educadora e coordenadora pedagógica em diferentes espaços como unidades do Sesc SP e Fundação Bienal de São Paulo.
Juliana dos Santos (SP-1987) é mestre em Arte/educação e doutoranda em Artes pelo Instituto de Artes da UNESP Juliana vem desenvolvendo pesquisa em arte/educação e rupturas dos paradigmas hegemônicos como foco na descolonização das práticas educativas em artes visuais. Seu foco de pesquisa se dá na interseção arte, educação e história. Nos últimos anos vem realizando exposições, cursos, oficinas, palestras, atividades de formação docente e consultorias em diversas instituições nacionais e internacionais entre elas Núcleo de Educação Étnico-racial da Secretaria Municipal da Educação de São Paulo, Sesc, Instituto Vera Cruz, Universidade Federal do Ceará, MAM-SP, MASP, CCSP, Google Brasil e Academia de Belas Artes de Viena na Áustria e Bouge B festival Antuérpia Bélgica. Trabalhou como educadora e pesquisadora do Núcleo Rede e Extensão no Museu Afro Brasil. Atuou como professora convidada no programa de pós-graduação em História da Arte da Faculdade Belas Artes e atualmente é professora substituta no Instituto de Artes da Unesp.
Júnior Ahzura é artista visual, educador e intérprete de Libras. Nascido e criado na Zona Leste de São Paulo tem formação em Comunicação pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e técnico em Processos Fotográficos pela ETEC das artes. Atuou em diversas instituições culturais como educador, parte do trabalho desenvolvido através da pesquisa de jogos como processos de criação e mediação em arte. Atualmente, desenvolve um trabalho ligado à acessibilidade e corpos dissidentes no Instituto Moreira Salles.
Kelly Santos, 29 anos. Há nove anos atua como educadora e supervisora de ações educativas em instituições culturais de São Paulo. Formada em História pela Universidade Nove de Julho e em Arte/Teatro pelo Instituto de Artes da Unesp, Kelly esteve presente como educadora em espaços como o CCBB-SP, OCA, Sesc, dentre outros. Mais recentemente, atuou na supervisão da ação educativa das exposições William Forsythe: Objetos Coreográficos e Entrevendo – Cildo Meireles, onde aprendeu o desafio e a potência de estar junto a um corpo educativo composto por tantas dezenas de pessoas. Desde 2015 atua como fotógrafa no projeto autoral 4º aberto, no qual pesquisa, através do retrato, a relação entre corpo, gênero, casa e memória.
Luciana Martins é historiadora pela Universidade de São Paulo, Especialista em Museologia pelo Curso de Especialização em Museologia do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, Master en Museologia pela Universidad de Valladolid (Espanha), mestre e doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Tem sua atuação profissional voltada para a área de museologia, educação não formal e cultura digital. Já atuou como educadora de museus, professora da rede escolar pública e privada, diretora do Museu de São Carlos e coordenadora do Núcleo de Difusão do Conhecimento do Instituto Butantan. Foi consultora do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) para a sistematização da Política Nacional de Educação Museal. É e coordenadora de pesquisa do projeto Tainacan (UNB). Atua como coordenadora da seção brasileira do Comitê de Educação e Ação Cultural (CECA-BR) do conselho Internacional de Museus (ICOM). É sócia-diretora da empresa Percebe, pesquisa, consultoria e treinamento educacional, na qual desenvolve projetos para a área cultural e de museus e patrimônio.
Luciara Ribeiro é educadora, pesquisadora e curadora. Interessa-se por questões relacionadas a descolonização da educação e das artes e pelo estudo das artes não ocidentais, em especial as africanas, afro-brasileiras e ameríndias. É mestra em História da Arte pela Universidade de Salamanca (USAL, Espanha, 2018), como bolsista da Fundación Carolina, e pelo Programa de Pós-Graduação em História da Arte da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP, 2019), onde foi bolsista CAPES. É graduada em História da Arte pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP, 2014) com intercâmbio na Universidade de Salamanca (USAL, Espanha, 2012). É técnica em Museologia pela Escola Técnica Estadual de São Paulo (ETEC, 2015). Trabalhou na equipe educativa da Fundação Bienal de São Paulo (2010 e 2011), no Museu Afro Brasil, entre outras instituições. Foi bolsista FAPESP no projeto de digitalização, organização, disponibilização na base de dados de material audiovisual e de pesquisa em Moçambique. Participou de Residência artística em Patrimônio Material do projeto Avizinhações São Paulo - Maputo (MINC, 2015). Integrou a equipe de curadoria do Instituto Tomie Ohtake.
Marcela Tiboni é mediadora cultural, artista e escritora. Nasceu em São Paulo, formou-se em Artes Visuais, fez pós-graduação em Gestão Cultural e mestrado em Estética e História da Arte. É diretora da empresa Acontemporanea Cultural, e coordena equipes de mediação cultural desde 2006. Trabalhou nos educativos de diferentes instituições como Museu Vale, Santander Cultural, Bienal de São Paulo, Sesc e Sesi. Escreveu o primeiro livro sobre maternidade homoafetiva do país, intitulado MAMA: um relato de maternidade homoafetiva.
Maria Meskelis, artista educadora, graduada em História, pós-graduanda em História, Sociedade e Cultura, desenvolve pesquisa artística em fotoperformance, participa de projetos educativos em diferentes instituições desde 2009 e também atua na área de produção cultural. Em sua trajetória na arte educação passou por espaços como Espaço Cultural Porto Seguro, CCBB-SP, Sesc SP, Itaú Cultural, dentre outros. Atuou como educadora na residência educativa patrimonial no Sesc Pompeia (2018) e participa do Coletivo Deriva de artistas educadores.
Mônica Hoff (Porto Alegre, 1979) é artista, curadora e pesquisadora. Doutora em Artes Visuais na linha de Processos Artísticos Contemporâneos, pelo PPGAV/UDESC (2019), com pesquisa sobre artists-run art schools e como metodologias artísticas se convertem em pedagogias instituintes e estas em escolas; e mestre em Artes Visuais, na linha de História, Teoria e Crítica de Arte, pelo PPGAV/UFRGS (2014), com pesquisa sobre o fenômeno educational turn e o contexto de arte brasileiro. De 2006 a 2014, coordenou o projeto educativo da Bienal do Mercosul, atuando também como curadora adjunta na nona edição do evento, em 2013. Entre 2014-18, desenvolveu, com a curadora Fernanda Albuquerque, o Laboratório de Curadoria, Arte e Educação, com edições realizadas em diferentes cidades do país. Codirigiu, entre 2016-18, o Espaço Embarcação, em Florianópolis, onde coordenou, com Kamilla Nunes, dois grupos de estudos em processos curatoriais dos quais resultaram os projetos Oficina Pública de Perguntas e La Grupa. Em 2018, realizou com Kamilla Nunes, Cristina Ribas, Daniela Castro e Fabio Tremonte a Escola Extraordinária, projeto agraciado com o edital Elisabete Anderle/2017. Em 2019 fez parte da Comissão de Acompanhamento da Bolsa Pampulha 2018/19, em Belo Horizonte; e co-curou com Andrea Pacheco, a mostra Corazón Pulmones Hígado, no Centro de Residencias Artísticas do Matadero Madrid, em Madri. Atua como professora convidada no Mestrado PERMEA – Programa Experimental de Mediación y Educación a través del Arte, em Valência, Espanha. Para 2021, prepara Ni apocalipsis ni paraíso,
programa da segunda edição de Materia Abierta, escola de verão localizada na Cidade do México. Co-organizou as publicações Pedagogia no Campo Expandido, com Pablo Helguera, em 2011; A Nuvem e Manual para curiosos, ambos com Sofía Hernandez Chong Cuy, em 2013; e a versão em português da Tijuana Maid, novela escrita pela artista norte-americana Martha Rosler nos anos 70, com Regina Melim em 2018. Nos últimos anos tem realizado conferências, workshops e participado em publicações organizados por instituições como Matadero Madrid, Liverpool Biennial, Bienal de Cuenca, Bienal da Bahia, Colección Cisneros, New Museum/NY, De Appel Arts Centre, NC-Arte, Alumnos 47, Museu de Arte do Rio (MAR), Escuela de Garaje - Laagencia, 32ª Bienal de São Paulo, MASP, Fondazione Antonio Ratti, FelipaManuela, Museo Thyssen-Bornemisza, Museo Reina Sofía, MACBA, MALBA, Parque Lage, MUAC, Bienal FEMSA, Itau Cultural, entre outras.
Paula Garrefa é licenciada e bacharel em Ciências Sociais com ênfase em Ciências Políticas pela UNESP (Araraquara, SP); com pós-graduação em Gestão Cultural pelo Senac - Lapa Scipião de São Paulo/SP. Atua como educadora não formal e mediadora cultural em museus, equipamentos culturais e unidades do Sesc na cidade de São Paulo, onde também reside. Trabalha, desde 2014, como prestadora de serviços educativos em exposições de artes visuais, realizando visitas educativas para diversos perfis de públicos. Produz pesquisas e desenvolvimento de materiais educativos em parceria com equipes e empresas especializadas. Tendo experiência em montagem de projetos educativos, oficinas culturais, supervisão e seleção de equipes de estagiários.
T. Angel é uma pessoa trans não-binárie que tem graduação em História, especialização em Educação Inclusiva. Atualmente faz MBA em Gestão Escolar. Trabalha com educação pública na periferia de Osasco. Atualmente está na coordenação pedagógica. Tem pesquisado nas últimas décadas sobre a modificação corporal e diferentes usos do corpo, como a prática da suspensão. Dentro desse campo de pesquisa investiga e vive aquilo que entende como teoria freak. Trabalha desde 2005 com performance art e levou o seu trabalho para diferentes partes do Brasil. A sua pesquisa no campo das artes está focada na exploração dos limites e fronteiras psicofísicas. Questionando e friccionando o que é ser humano e o que pode o corpo. É ativista pelos direitos humanos e dos animais, com forte atuação nos movimentos LGBTQIA+ e Freak. Em 2015 publicou o livro A Modificação Corporal no Brasil – 1980-1990 e o Manifesto Freak. Criou a plataforma FRRRKguys em 2006 e é responsável pelo Grupo de Estudos Sobre Modificações Corporais – GESMC, desde 2014.
Sala Zero de Mediação Proposta e curadoria Ana Raylander Mártis dos Anjos, Bruno Makia, Caio Araújo, Jucélia da Silva, Juliana Biscalquin e Paula Garrefa Acompanhamento horizontal Graziela Kunsch Realização Sesc São Paulo
Sesc Santana Av. Luiz Dumont Villares, 579 São Paulo – SP Tel.: +55 11 2971-8700 /sescsantana sescsp.org.br/santana