Sala Zero: Perspectivas e Contrapontos

Page 1

crise

planejamento

eixo 6

Perspectiva e Contrapontos 1Âş de dezembro de 2020

Mediadores: L uciara Ribeiro, Luciana Martins e Maria Meskelis Relatoria crĂ­tica: Marcela Tiboni

futuro



Perspectivas de um momento sem perspectivas “Reinventar-se” disse o mediador Caio Oliveira em seu lindo texto de apresentação do encontro Perspectivas e Contrapontos da Sala Zero de Mediação. Caio proferiu parte de seu texto de abertura com a voz embargada, fazendo com que de imediato meus olhos também ficassem mareados. Entre suas frases o mediador apresentava o tema de reflexão daquela noite, mas antes que pudesse fazer anotações sobre a temática me peguei pensando sobre “sala zero”, normalmente as salas de edifícios ou instituições começam a partir do número 1, e aquela sala virtual era mesmo zero. Zero pode ser tudo e pode ser nada, e naquele caso me lembrava a fragilidade e instabilidade da história da mediação cultural no país. Muitas instituições sem equipes fixas de mediadores, que contratam e demitem como ondas de um mar revolto, formam assim mediadores potentes e plenamente capazes de tudo, afinal em três ou quatro anos passam por muitas instituições, exposições e projetos diferentes. Ganham experiência, conhecimento, apuram seus olhares e expandem suas capacidades, mas por serem trabalhadores temporários o Zero se torna partida mas também chegada. Partem do nada, constroem muito, e finalizam de novo no nada institucional. Ao mesmo tempo o Zero é a chance de recomeçar dentro do “novo futuro”, e esta é, obviamente, uma “maravilhosidade” deste trabalho, reinventar-se, lembrando a fala do Caio no início deste encontro. O encontro aconteceu no dia 1º de dezembro de 2020, pelo Zoom, e para além da equipe de mediadores do projeto, trouxe três convidadas: Luciana Conrado, Luciara Ribeiro e Maria Meskelis. O título por si só já era um desafio “perspectivas e contrapontos” e a provocação “como pensar a permanência de educativos no contexto brasileiro?” quase de nos deixar sem ar. Havia ainda as palavras chaves para o encontro, que eram: crise; planejamento; desafios e objetivos de futuro. Passamos, portanto, mais de duas horas e meia pensando no futuro, em um futuro pós-pandêmico, e pensamos também no presente, das possibilidades de retomar o trabalho em meio a um caos na saúde e um verdadeiro desmonte da cultura. O encontro foi potente e repleto de boas reflexões, passamos do horário estabelecido para finalizar, porque era quase impossível finalizar com tantas mentes inquietas conectadas de forma virtual.


Uma das primeiras perguntas lançadas foi “o que pode uma equipe educativa?”, e eu, do lado de cá, com caneta e caderno nas mãos anotei o que me veio a mente diante daquela pergunta. Uma equipe educativa pode fazer pesquisa, pode fazer curadoria educativa, fazer proposições, pode ser voz e fazer escolhas sobre aquilo que querem questionar, pensar e refletir, podem construir de forma individual e coletiva, podem escrever textos, criar materiais educativos, estabelecer parcerias e podem ainda mais se tiverem o devido amparo de seus contratantes. Isso me coloca a questão: qual a importância de um projeto como o Sala Zero? É preciso enaltecer a entrega desta equipe de mediadores, eles propuseram o formato, fizeram a curadoria de cada um dos convidados, selecionaram também as pessoas que fariam a relatoria crítica de cada um dos encontros, auxiliaram na divulgação, escreveram os textos de apresentação e abertura. Enfim, uma equipe educativa pode muito quando a Instituição confia e dá suporte para suas ousadias e experimentações. Luciana Conrado foi a primeira a apresentar, trouxe uma pesquisa bastante grande envolvendo as Redes de Educadores de Museus (REM) em todo o Brasil, nos mostrou como estas Redes são articuladas e produzem reflexões e conteúdo. Apresentou números e dados importantes de serem conhecidos, e nos deixou com a sensação confortante de que podemos nos conectar e travar lutas e propostas coletivas mesmo sem estarmos perto. Mas conforme eu via os slides que ela passava me perguntava: será que todo este conteúdo gerado por coletivos de educadores tem espaço para ser aplicado? Ou se tornam uma vez mais conteúdos engavetados sem chances de serem usados para além da leitura? Ela trouxe ainda importantes números sobre demissões de equipes educativas em museus durante a pandemia. O REM, para além de coletar a analisar os números, se posicionou frente ao lamentável ocorrido, tentando reverter as decisões de muitos museus. O que me fez impactar, era preciso que o REM lembrasse aos Museus a importância das equipes educativas que neles se abrigavam!


Luciara nos trouxe muitas, mas muitas, perguntas, fez nossas cabeças entrarem em colapso, enquanto eu buscava resposta para uma pergunta difícil ela já lançava uma pergunta mais complexa ainda. A educadora e curadora insistiu ainda que o passado interfere e ajuda a construir o futuro, e eu me peguei pensando: o que já construímos ao longo de décadas de equipes temporárias em Museus e Instituições Culturais? E o que disso tudo ficou registrado, guardado e tornou-se história? De forma muito tranquilizadora Luciara nos apresenta uma possibilidade para enfrentar os tempos de treva pandêmica, tornar-se coletivo. A pesquisadora nos coloca a chance de nos unirmos em vontades e desejos, de somarmos forças, de encontrarmos trabalhos uns para os outros, de ativarmos nossos contatos, de nos colocarmos em contato não mais como concorrentes (se é que alguma vez isso fez sentido), mas como parceiros de jornada. E esta foi talvez a parte mais marcante para mim de toda a conversa. Luciara trouxe ainda uma discussão fundamental sobre o estruturalismo, exclusão e preconceitos das Instituições Culturais, as lacunas abertas há décadas em relação a contratação de negros e negras, mulheres, indígenas, transexuais. Não sem um cutucão que questiona: esta lacuna está aberta na tentativa de ser completada ou está aberta na insistência de nunca ser ocupada? Nos provoca a pensar: quantos colegas negros e negras tivemos ao longo da nossa jornada como mediador? Coordenadores que têm a chance de contratar equipes, quantos negros e negras, quantos indígenas, quantos transexuais, quantas mulheres ocupam os cargos de contratação? E eu do lado de cá novamente pensando, que um ponto positivo de ter equipes temporárias é a chance de construir equipes cada vez mais diversas, de se repensar, de assumir erros e equívocos, e construir um presente vivo.


Maria foi a última convidada e de forma gentil mas muito firme nos colocou a par dos inúmeros coletivos que existem, que são resultados de trabalhos em conjunto em equipes educativas. Nos coloca diante das potências poucas vezes percebida pelas instituições de que o mediador pode muito mais do que conversar com o público frequentador. Nos mostra as inúmeras possibilidades criativas e de execução que estes coletivos têm no momento em que conseguem se manter unidos e obviamente com seu sustento financeiro garantido de alguma forma. Outra vez nos mostra a fragilidade de nossos trabalhos, como nossa animação é muitas vezes ceifada pela negativa institucional, como nos afastamos de uma carreira pela insistência das instituições em tornar nosso trabalho plenamente dispensável. Finalizo este texto com a cabeça em rodopios, com a mente inquieta e as ideias em efervescência, e lembrando da história desta equipe de mediadores do projeto Escola e Artes. Em 2016 fui chamada pelos programadores da unidade do Sesc Santana para formar uma equipe de 5 mediadores. Bruno Makia, Thais Sabadinni, Caio Oliveira, Paula Garrefa e Xisto foram chamados. Um projeto diferente, que acontecia apenas uma manhã por semana, com atendimento de um único grupo e com uma visita de mais de duas horas. Fiquei junto deste grupo por mais de dois anos, e com o passar do tempo percebi que meu papel de coordenadora era a cada encontro mais desnecessário. Eles se bastavam, se completavam, se estimulavam, se entendiam, se acolhiam, e principalmente juntos tinham ideias e propostas muito melhores e mais afinadas do que qualquer uma que eu poderia ter. Os anos se passaram, muita gente saiu, outras entraram, e o projeto junto ao Sesc Santana só amadureceu e ganhou mais fôlego e potência. A entrada de Juliana Biscalquin, Jucelia da Silva e Raylander dos Anjos trouxe mais força e vitalidade ao projeto. São 4 anos juntos, pensando e elaborando, e isso é sim um ponto totalmente fora da curva das unidades de Sesc da cidade de São Paulo. O Sesc tornou-se ao longo dos anos a maior e melhor instituição cultural formadora de mediadores, contratando estagiários e dando a eles uma estrutura bacana para conhecerem a área e realizarem seus trabalhos, mas e quando o vínculo com a faculdade termina?


Termina também a chance de seguir trabalhando dentro da instituição, e esta é uma daquelas lacunas que a Luciara nos colocou, um daqueles números que a Luciana nos trouxe e uma daquelas ceifadas de ânimo que a Maria nos apontou. É preciso tomar este projeto e esta equipe como exemplo de possibilidade, é preciso avaliar todos os ganhos e realizações que construíram juntos diante de uma possibilidade lançada pela unidade do Sesc Santana. Manter-se junto é muitas vezes fundamental, um trabalho a longo prazo traz ganhos para a equipe, para a unidade, para o público, para as escolas, para os artistas. Mas obviamente o meu texto se permite sempre olhar para o outro lado, e claramente seria injusto comparar o Sesc com qualquer outro Museu ou Instituição Cultural da cidade de São Paulo que mantém uma equipe de mediadores fixa. Afinal quantas unidades tem o MASP, o MAC, o Itaú Cultural? O Sesc, já dizia um colega ex-programador, é um ornitorrinco, ele se parece com muitos bichos, parece ser a junção de partes de bichos diferentes, e assim é o Sesc, muitas coisas, mas não é um só. E por isso eu insisto, que a instituição se permita olhar para o desenvolvimento desta equipe de mediadores como um norte, como um caminho, como uma possibilidade de fazer diferente e construir finalmente uma história mais sólida da mediação cultural. Olhar-se de dentro, coletar suas partes de acertos e erros, refazer-se ornitorrinco, e investir em novos formatos de contratação, de temporalidades, de tamanhos e dimensões de equipe. E assim o desejo de reinvenção de Caio Oliveira seria então um lema institucional, manter o que já funciona, permitir a entrada no novo e reinventar os formatos do passado. por Marcela Tiboni



Luciara Ribeiro é educadora, pesquisadora e curadora. Interessa-se por questões relacionadas a descolonização da educação e das artes e pelo estudo das artes não ocidentais, em especial as africanas, afro-brasileiras e ameríndias. É mestra em História da Arte pela Universidade de Salamanca (USAL, Espanha, 2018), onde foi bolsista da Fundación Carolina, e pelo Programa de Pós-Graduação em História da Arte da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP, 2019), onde foi bolsista CAPES. É graduada em História da Arte pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP, 2014) com intercâmbio na Universidade de Salamanca (USAL, Espanha, 2012). É técnica em Museologia pela Escola Técnica Estadual de São Paulo (ETEC, 2015). Trabalhou na equipe educativa da Fundação Bienal de São Paulo (2010 e 2011), no Museu Afro Brasil, entre outras instituições. Foi bolsista FAPESP no projeto de digitalização, organização, disponibilização na base de dados de material audiovisual e de pesquisa em Moçambique. Participou de Residência artística em Patrimônio Material do projeto Avizinhações São Paulo – Maputo (MINC, 2015). Integrou a equipe de curadoria do Instituto Tomie Ohtake. Luciana Martins é historiadora pela Universidade de São Paulo, Especialista em Museologia pelo Curso de Especialização em Museologia do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, Master en Museologia pela Universidad de Valladolid (Espanha), mestre e doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Tem sua atuação profissional voltada para a área de museologia, educação não formal e cultura digital. Já atuou como educadora de museus, professora da rede escolar pública e privada, diretora do Museu de São Carlos e coordenadora do Núcleo de Difusão do Conhecimento do Instituto Butantan. Foi consultora do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) para a sistematização da Política Nacional de Educação Museal. É e coordenadora de pesquisa do projeto Tainacan (UNB). Atua como coordenadora da seção brasileira do Comitê de Educação e Ação Cultural (CECA-BR) do conselho Internacional de Museus (ICOM). É sócia-diretora da empresa Percebe, pesquisa, consultoria e treinamento educacional, na qual desenvolve projetos para a área cultural e de museus e patrimônio. Maria Meskelis, artista educadora, graduada em História, pós-graduanda em História, Sociedade e Cultura, desenvolve pesquisa artística em fotoperformance, participa de projetos educativos em diferentes instituições desde 2009 e também atua na área de produção cultural. Em sua trajetória na arte educação passou por espaços como Espaço Cultural Porto Seguro, CCBB-SP, Sesc São Paulo, Itaú Cultural, dentre outros. Atuou como educadora na residência educativa patrimonial no Sesc Pompeia (2018) e participa do Coletivo Deriva de artistas educadores. Marcela Tiboni é mediadora cultural, artista e escritora. Nasceu em São Paulo, formou-se em Artes Visuais, fez pós graduação em Gestão Cultural e mestrado em Estética e História da Arte. É diretora da empresa Acontemporanea Cultural, e coordena equipe de mediação cultural desde 2006. Trabalhou nos educativos de diferentes instituições como Museu Vale, Santander Cultural, Bienal de São Paulo, Sesc e Sesi. Escreveu o primeiro livro sobre maternidade homoafetiva do país, intitulado MAMA: um relato de maternidade homoafetiva.


Sala Zero de Mediação Proposta e curadoria Bruno Makia, Caio Oliveira, Jucelia da Silva, Juliana Biscalquin, Paula Garrefa e Raylander Mártis Acompanhamento horizontal Graziela Kunsch Equipe Sesc Santana André Martins, Caroline Freitas, Guilherme Guimarães, Jacqueline de Oliveria Souza, Leonardo Borges, Natália Martins, Ricardo Ribeiro, Sidnei Martins, Suellen Barbosa, Wendell Vieira.

Sesc Santana Av. Luiz Dumont Villares, 579 São Paulo – SP Tel.: +55 11 2971-8700 /sescsantana sescsp.org.br/santana


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.