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VIVER ATÉ O FIM O QUE ME CABE! Sidney Amaral: Uma Aproximação


VIVER ATÉ O FIM O QUE ME CABE! Sidney Amaral: Uma Aproximação

Curadoria Claudinei Roberto da Silva

Sesc Jundiaí 10 de março a 4 de setembro de 2021


O que cabe à arte A gênese racial e a experiência sócio-histórica a ela vinculada frequentemente ocupam o primeiro plano da obra de artistas dispostos a lidar com as injustiças e traumas a que estão submetidos em função de suas identidades. Relativizando a neutralidade dos meios e circuitos da arte, esses criadores revelam que o uso de tais canais não se dá de maneira equivalente entre todos. Se para aqueles que se enquadram no padrão socioeconômico e racial hegemônico a especulação sobre origem e condição pode não parecer um aspecto primordial da prática poética, para os artistas afrodescendentes comprometidos com a trajetória do povo negro ela sem dúvida o é. Operando nesse sentido, a obra de Sidney Amaral (1973-2017), artista falecido precocemente, reflete os dilemas enfrentados pelo homem negro em uma sociedade estruturalmente desigual e racista, que lhe impõe uma série de agruras, além de obliterar o acesso à sua linhagem ancestral – tendo em conta o que foi o regime de sequestração e escravização de populações africanas, que cruzou quatro séculos. Autorretratado em parte de sua produção iconográfica, Sidney recorrentemente se vale da imagem de seu próprio corpo para encenar, gráfica e pictoricamente, situações ambíguas e desconfortáveis. Perpassadas por um tipo de vivência densa, carregada de injunções e resistências, suas apropriações das técnicas tradicionalmente associadas ao métier artístico – pintura, escultura, desenho e gravura – sugerem uma espécie de recusa em conceber a arte pela arte, com fim nela mesma. Do mesmo modo que esse criador logrou mobilizar os meios artísticos na encruzilhada com problemáticas existenciais caras à população afrodescendente, complexificando a percepção em torno dessas questões, há que se encontrar os meios adequados para a preservação e circulação do seu legado. Mediante exposições como esta, o Sesc vem cumprindo um importante papel na difusão da produção de agentes que têm na arte um poderoso instrumento de afirmação de seus valores e exigências.

Danilo Santos de Miranda, Diretor do Sesc São Paulo 3


MÃOS Grafite sobre papel, 21 x 21 cm 2009 Coleção particular


O artista morto não está extinto Geralmente, as exposições de arte são a consequência de um exercício praticado coletivamente que implica, quase sempre, no trabalho coordenado de uma variada gama de profissionais, muitos dos quais, mesmo sendo fundamentais ao processo de consolidação e manutenção da exposição, nem sempre constam das fichas técnicas alusivas a ela. A observação não é ociosa se considerarmos que essa mostra se inclui entre aquelas que se pretendem dispositivos contra apagamentos e invisibilidades promovidos contra uma parcela considerável da nossa população. “Viver até o fim o que me cabe! Sidney Amaral: Uma Aproximação” apresenta ao público, frequentador do Sesc Jundiaí, uma fração da profícua produção do precocemente falecido artista Sidney Amaral (1973-2017). A exposição “Viver até o fim o que me cabe! Sidney Amaral: Uma Aproximação” é uma experiência de caráter algo mais complexa, pois agregada às dificuldades comuns a esse tipo de evento existem outros ditados por circunstâncias peculiares. Nessa mostra, lidamos com um acervo não exatamente catalogado, nem minuciosamente documentado e conhecido; apresentamos, entre outros, alguns trabalhos que não puderam ser concluídos pelo artista e que, ainda assim, contêm o amálgama das qualidades que o consagraram. Além disso, essa exposição caracteriza-se como um dos dispositivos necessários ao trabalho de documentação, manutenção e circulação dessa obra, fazendo parte do esforço também empreendido direta ou indiretamente pelo SESC, quando empresta seu imprescindível apoio a iniciativas que, como essa, pretendem impedir que ao desaparecimento físico do artista decorra uma consequente extinção da sua obra e memória. “Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranquila de sua noite: Sou mesmo forçado a escrever? Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa com um forte e simples “sou”, então construa a sua vida de acordo com esta necessidade. Sua 5


vida, até em sua hora mais indiferente e anódina, deverá tornar-se o sinal e testemunho de tal pressão”. Rainer Maria Rilke in Cartas a um jovem poeta – Tradução Paulo Rónai, ed. Globo, 13ª edição, RJ, 1985. Publicadas postumamente em 1929, “Cartas a um jovem poeta” contém a troca de correspondência entre o poeta Rainer Maria Rilke (1875-1926) e o jovem Frans Xaver Kappus (1883-1966). Nelas, Rilke afirma fervorosamente sua convicção de artista e instiga seu interlocutor a assumir, ele também, uma posição diante dos dilemas que a vida impõe ao artista profissional, e faz a ele uma pergunta fundamental: “morreria, se lhe fosse vedado escrever?”. O artista Sidney Amaral, adicto leitor de poesia, responderia também com um forte e simples “sim”; para ele, como para Rilke, o fazer artístico era uma expressão do seu ser, uma dimensão da personalidade que o definia social, cultural e politicamente. Essa convicção, que pode ser compreendida inclusive como propósito ético, está lastreada em experiências, vivências pessoais, às vezes intransferíveis, e nas inevitáveis relações sociais que dão forma àquilo que chamamos de biografia, a partir da qual retemos elementos para a formulação de uma historiografia da arte, de caráter, sobretudo, sociológico. Essa hipótese sugere que sem ignorar ou superestimar aspectos subjetivos da criação e recepção da arte, o artista será definido na concretude do trabalho que realiza e introduz no mundo, e pelas relações que o resultado de sua obra logra estabelecer com o meio em que se insere. O fazer artístico (alienado ou não) define o autor e o predicado dessa produção gera tantas relações quanto mais complexas forem as qualidades daquilo que foi realizado. Então o artista é também aquilo que o artista faz? E portanto, o artista foi aquilo que o artista fez? Em qualquer caso, o desaparecimento das realizações (obras) do artista pode coincidir com o desaparecimento, simbólico ou não, do próprio artista. Mas se, pelo contrário, o desaparecimento físico do artista não resulta também no desaparecimento da sua obra, ele, num certo sentido, permanece existindo paradoxal e simbolicamente depois da sua extinção física, já que 6


as relações que as obras do artista logram produzir e provocar prevalecem em diálogo dinâmico e dialético com seu eventual público. Essa permanência, entretanto, depende da atenção de todo um sistema de arte e das condições proporcionadas para se acessar esses acervos. O desaparecimento físico de um artista, cuja obra por vários e verificáveis motivos se prova relevante, provoca, ou deveria provocar, um debate em torno do problema da preservação e circulação desse patrimônio, demanda que é mais urgente quando consideramos a origem social e étnica desse artista, devido aos riscos a que estão expostos, no Brasil, os grupos historicamente excluídos, riscos sobejamente demonstrados no ano de 2020 quando os assassinatos promovidos por agentes do Estado contra essas populações foram expostos explicitamente a todos que reconheciam ou duvidavam dessa truculência historicamente praticada. Sidney Amaral pertence a uma geração de (ainda) jovens artistas afrobrasileiros que, na contemporaneidade e de maneira inédita, atraem a atenção do público e da crítica especializada para uma produção que apresenta qualidade formal em acordo com elaborados arranjos conceituais que não dispensam grande densidade poética, e isso apesar dos entraves ao desenvolvimento pessoal comum a um cenário de racismo estrutural e da desigualdade que ele consequentemente produz. A geração a que Sidney Amaral pertence foi como seria natural supor, precedida por outra; contudo, essa sucessão, que se documentada forneceria matéria-prima para uma história da arte afro-brasileira, nunca era suficientemente registrada, o que contribui para o ineditismo do atual momento. Nunca antes um grupo de artistas afirmou de maneira tão categórica através das suas realizações práticas e teóricas que a arte afro-brasileira se configura agora como realidade incontestável. Isso é devido a uma conjunção de fatores entre os quais vale lembrar a luta do Movimento Negro brasileiro, organizado em torno de pautas que reivindicam democracia efetiva e igualdade de direitos e que acabam por criar circunstâncias que tornaram necessárias as mobilizações em favor de maior visibilidade da produção cultural dessa parcela da população. Fator de grande importância, pois, num certo sentido, essa pressão organizada por um movimento de direito civil acaba por sensibilizar gestores culturais 7


de instituições como, por exemplo, o Sesc. A compreensão da urgência e a excelência dessa produção emergente e insurgente criam agendas que dão justa visibilidade a essa produção e tornam possível a construção de conhecimento e literatura técnica acerca dessa produção artística, além de sua circulação e reconhecimento. Sidney Amaral, nascido de família proletária, na periferia da zona norte da cidade de São Paulo, manifesta precocemente interesse pela arte, fato que resultou no seu ingresso na FAAP – Fundação Armando Alvares Penteado – em 1995, onde conquista a condição de bolsista por conta da premiação obtida numa exposição dos discentes promovida anualmente pela faculdade. Anteriormente, entre os anos de 1991 e 1994, estuda pintura acadêmica com o professor Pedro Alzaga, desenho no Liceu de Artes e Ofícios e na Escola Panamericana de Artes, além de fotografia. Graduado, dedica-se à docência na rede pública de ensino, atividade que uma vez iniciada só será interrompida por sua morte. Aliás, essa aderência à docência foi pautada pela imposição de garantir meios necessários à sua sobrevivência, mas, também e principalmente, por uma crença arraigada no poder emancipador da educação. A busca constante por conhecimento e aprimoramento determina que realize em 2012 uma residência artística no Tamarind Institute, no Novo México – EUA, desenvolvendo aí um aperfeiçoamento técnico em gravura que resulta em algumas litogravuras e intenso diálogo com artistas locais. A mesma vontade leva-o a participar, em 2016, de nova residência artística na International Workshop In Gludsted, na Dinamarca. A circulação da produção artística nos dá um indício sobre a vitalidade e o “estado da arte” de determinado circuito cultural, num dado tempo e território, e nos informa também sobre a qualidade da disposição e receptividade política das instituições culturais em absorver e promover a arte afro-brasileira bem representada pelo artista. É interessante considerar que a trajetória ascensional do artista acontece num cenário de abertura política, em que as práticas públicas de fomento e apoio à educação criaram acesso ao ensino superior, às condições efetivas para a formação acadêmica de um número não desprezível de afro-brasileiros, conquista que, lembremos, foi o resultado dos embates promovidos pelos movimentos e setores sociais organizados; sua morte pelo contrário se dá num cenário de perda e precarização das conquistas 8


anteriormente obtidas, durante a franca ascensão de grupos reacionários e negacionistas e que pretendem rever a história para prejuízo dos excluídos, coisas aliás elaboradas em suas derradeiras e dramáticas narrativas. Desde 1994, portanto antes da sua admissão ao universo acadêmico, Sidney Amaral participa de exposições individuais e coletivas. Sua primeira individual acontece justamente no Centro Cultural de Jundiaí, entre 06 e 16 de março de 1995. Se o interesse desperto pela obra do artista pode ser mensurado pelo número de exposições a que ele é convidado a participar, talvez mereçam menção algumas que estão aqui relacionadas. No ano de 2001, integra a Coletiva do Programa de Exposições no Centro Cultural São Paulo – CCSP; em 2005, participa da importante mostra “Para nunca esquecer, negras memórias, memórias de Negros” com curadoria de Emanoel Araújo, no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, Paraná. No ano seguinte, 2006, participa da mostra “Viva Cultura Viva do Povo Brasileiro” com curadoria de Emanoel Araújo, no recém-inaugurado Museu Afro Brasil. O ano de 2012 foi pródigo ao artista, que foi contemplado com o “Prêmio Funarte de Arte Negra”. Participou ainda de expressivas mostras nacionais e internacionais como, por exemplo, “Afro Black Identity in America and Brazil” e “Latin America – A contemporary View”, Galeria Zane Bennett, Novo México, EUA”. No Brasil, também em 2012, participa da “Risco 2 – Paisagem”, exposição sediada no Sesc Belenzinho com curadoria de Claudinei Roberto da Silva, Alcimar Frazão e Vanessa Raquel Lambert, do Núcleo da Imagem e da Palavra daquela instituição. Também em 2012, tem seu trabalho exibido na mostra “Nova Escultura Brasileira: Heranças e Diversidades”, com curadoria de Alexandre Murucci para Caixa Cultural Rio de Janeiro. Em 2014, participa da delegação de artistas brasileiros na “11ª Bienal de Dakar”; no mesmo ano, está entre os artistas elencados para a exposição “Histórias Mestiças” com curadoria de Adriano Pedrosa e Lilia Moritz Shwarcz, no Instituto Tomie Otake, em São Paulo. Ainda no âmbito das mostras coletivas em 2015/16, o artista está presente na exposição “Territórios: Artistas Afrodescendentes no Acervo da Pinacoteca” com curadoria de Tadeu Chiarelli, para a Pinacoteca do Estado de São Paulo; na mesma instituição, o artista participa daquela que será sua última exposição ainda em vida: “Metrópole: Experiência Paulistana”, também com curadoria a cargo de Tadeu Chiarelli. Até aqui, sua principal exposição individual foi realizada no Museu Afro Brasil, em 2015, como resultado da premiação recebida em 2012, o Prêmio Funarte de 9


Arte Negra. Instituído pelo então Ministério da Cultura, o Prêmio Funarte de Arte Negra objetivava, segundo seu edital, “proporcionar aos produtores e artistas negros oportunidade de acesso a condições e meios de produção artística, conforme estabelecido pelo Plano Nacional de Cultura (Lei 12.343/2010) e pelo Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010)”. Em relação à exposição individual, ela foi de especial importância e se constituiu uma espécie de súmula em que foi possível observar a versatilidade e abrangência dos meios aos quais Sidney Amaral competentemente se dedicava. Pintura, desenho, gravura e escultura estiveram entre os interesses do artista e organizados na exposição trouxeram um painel abrangente daquilo que até ali ele havia realizado. A potência das obras também está revelada nas relações que elas implícita ou explicitamente articulavam entre si e, apesar da mencionada variedade de meios empregados e da considerável quantidade de obras expostas, esse concerto de múltiplas vozes se fazia reconhecer pela harmonia entre as narrativas, pelos motivos que expressamente despertavam a sensibilidade e inteligência do artista. É possível que para esse todo se apresentar harmônico tenha contribuído certo gosto do artista pelo Surrealismo e pelo Dadaísmo, fato que empresta a algumas obras, notadamente nas suas esculturas, uma aparência desconcertante ainda que sedutora e não raramente humorada. O virtuosismo que empregava na confecção dos trabalhos era resultado de anos de aplicado labor acadêmico e de uma necessidade nascida das narrações que graficamente se apresentavam. Por exemplo, o uso frequente que ele fez da aquarela e das formas de representação da figura humana surgidas a partir daí remetiam a Debret (1768-1848) e Rugendas (1802-1858), pintores viajantes do século XIX que legaram através dos seus trabalhos uma preciosa iconografia do Brasil do período. Fazer à maneira desses artistas do passado era uma espécie de metáfora sobre um tempo construído sob a égide da escravidão. Esse virtuosismo também foi necessário às recorrentes autorrepresentações que fez no decorrer da sua vida. Esses autorretratos, tão frequentemente apresentados e tão constantes no repertório de inúmeros artistas afro-brasileiros, parecem sugerir a necessidade de estabelecer uma autoanálise e aprofundar um debate interno, íntimo e ao mesmo tempo público, sobre a própria identidade e a identidade geral do negro no Brasil. Nas suas obras um panorama de emoções que nascem interna e externamente é exibido, tornado público. 10


Dizíamos que o número de exposições das quais o artista participa pode fornecer um índice sobre o interesse que suas obras despertam; ele também oferece pistas sobre como o chamado circuito de arte abre-se (ou não) à arte afro-brasileira não “apenas” no que se refere a seus autores, mas, também naquilo que se refere aos pesquisadores, historiadores, colecionadores e curadores afro-brasileiros. Não será ocioso mencionar, portanto, mais algumas das exposições, agora individuais, que o artista realizou. Na Pinacoteca Municipal de São Bernardo do Campo, em 2010. Na Central Galeria, em São Paulo, com as mostras intituladas “Metamorfose”, em 2012, e “Identidade”, em 2015. E, em 2016, com curadoria de Claudinei Roberto da Silva, a exposição “Objeto inquieto”, na Galeria Tato, também na capital paulista. Postumamente, sua obra é apresentada em 2018, na mostra coletiva “Histórias Afro-Atlânticas”, no Museu de Arte de São Paulo e Instituto Tomie Otake, com a curadoria de Adriano Pedrosa, Ayrson Heráclito, Hélio Menezes, Lilia Moritz Schwarcz e Tomás Toledo. Em setembro de 2018, na Galeria Pilar, em São Paulo, é realizada a exposição “A vontade foi demais”, primeira individual póstuma do artista com curadoria de Claudinei Roberto da Silva. O título da exposição que o Sesc Jundiaí apresenta remete ao poema “O Amor”, escrito em 1922 pelo poeta russo/soviético Vladimir Maiakovski (1893-1930). Trechos do mesmo poema foram grafados por Amaral numa das paredes do ateliê que manteve no município de Mairiporã, onde residia em São Paulo. O poema de Maiakovski anuncia do poeta um temperamento vulcânico e o exigente amor que ele dedicava à vida, temperamento que exigia dele participação na luta pela emancipação da humanidade e a transformação da sociedade através da Revolução. Como foi dito, Sidney Amaral devotava à poesia em geral e a esse poeta em particular uma atenção especial, sempre que instado a isso declamava em voz alta os versos tantas vezes lidos. Por estranho que pareça, existia entre os dois artistas certa coincidência de índole. A maior dessas similaridades talvez fosse o amor extremo à vida e o sincero desejo de contribuir, com seus trabalhos e verve, para o surgimento de um mundo onde as diferenças entre todos fossem superadas por um ideal de justiça e igualdade. Parafraseando Maiakovski, a arte de ambos seria “não um espelho que reflete o mundo, mas um martelo para forjá-lo”. 11


A exposição que apresentamos não tem um caráter retrospectivo, mas aproxima o público de uma parcela da profícua produção do artista que nos deixou. A mostra pode inserir-se no conjunto daquelas ações que vêm sendo empreendidas por curadores, pesquisadores e instituições, notadamente o Sesc, que pretendem criar visibilidade à produção de artistas afrodescendentes e, desse modo, contribuir para o surgimento e afirmação de uma sociedade mais plural e democrática. A exposição evidencia a versatilidade e a competência do artista no emprego de materiais e técnicas dos mais diversos, competência que não se traduz, como foi dito, em mera exibição de virtuosismo técnico, mas que esteve sempre comprometido com um elevado projeto estético e ético. Núcleo importante da mostra é aquele reservado ao desenho. Nele, fica patente o quanto essa linguagem era cara ao artista e o quanto foi exigido dele para compor a série “Mãos”, exposta na sua íntegra. Do hiper-realismo empregado nessas composições percebe-se a exibição de uma espécie de diário íntimo, explícito através de objetos de uso pessoal; há também uma série de “naturezas mortas” no seu viés contemporâneo. São trabalhos executados a lápis de cor que remetem ao período inicial da sua trajetória, mas neles já fica explícita a grande espessura poética de que era capaz o artista. “Desenho em processo”, aplicado neste contexto o termo equivale a “rascunho” e “estudo”, são desenhos preparatórios em que o artista desenvolve um conceito antes de realizá-lo num trabalho final, desenhos com estas características também estarão expostos, por força das circunstâncias eles ganham hoje um valor inédito, não há consenso quanto a maneira mais correta de referirmo-nos a eles. O fato é que alguns dos desenhos não são meros “projetos”, eles trazem a marca da sua própria autonomia expressa no cuidado dedicado pelo artista ao seu acabamento. As esculturas expostas foram realizadas em bronze niquelado, polido e pintado eletrostaticamente; em comum, elas apresentam uma superfície brilhante, lisa e extremamente polida, geralmente dourada. Esse tratamento dá a elas um considerável poder de sedução, que nos impele a contemplá-las tão de perto quanto possível a ponto de nos vermos refletidos na superfície da obra que, não raro, apresenta um conteúdo contrário àquela sedução epidérmica do primeiro encontro. As superfícies das peças nos atraem e capturam nossa atenção; é a partir daí que o jogo proposto ganha seu maior relevo, a sedução é um ardil, tanto quanto talvez fossem as volutas do Barroco e do Rococó. 12


A propósito das menções à história da arte a que o artista algumas vezes recorre, talvez seja importante considerar que o fundo escuro presente em seus múltiplos desenhos e pinturas está relacionado à atração que o Maneirismo europeu do século XVI e, posteriormente o Barroco, exercia sobre o artista. O “tenebrismo” das pinturas do mestre Caravaggio (1573-1610), esse cenário escuro, preto, acentua de maneira dramática a cena narrada e cria uma ambiência em que nem sempre é possível designar um lugar e um tempo; o tempo é o tempo da suspensão, torturantemente congelado. O lugar, apesar das pistas que aqui e ali um objeto representado oferece, é geralmente indefinido, o “lugar nenhum” dos pesadelos. As exposições atendem a muitos e variados propósitos, nenhuma delas pode prescindir do público. As obras encontrarão através do contato com o público uma dinâmica de múltiplas significações e relações. A densidade poética e as qualidades de manufatura serão interpretadas através das experiências objetivas e subjetivas de cada um, experiências talvez potencializadas pelas circunstâncias extraordinárias surgidas no advento da pandemia do Covid 19 e no movimento “Black Lives Matter” desencadeado pelo assassinato de George Floyd. “Viver até o fim o que me cabe! Sidney Amaral: Uma Aproximação” quer garantir também que entre nós se aprofunde o legado de um artista cuja obra, por conta das qualidades que todos podem aferir aqui, permaneça a despeito da sua morte; quer garantir também que certas mazelas sociais que o trabalho desse artista denuncia não se perpetuem como marca de uma sociedade que ainda permanece racista, machista, misógina e por tudo isso, desigual. O que cabe ao artista viver até o fim é sua relação intensa e generosa com o público, relação que a exposição quer estimular e facilitar.

Claudinei Roberto da Silva, Curador

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BANZO OU A ANATOMIA DE UM HOMEM SÓ Aquarela e lápis de cor sobre papel, 107 x 78,5 cm 2014 Coleção particular 15


GARGALHEIRA (QUEM FALARÁ POR NÓS?) Aquarela e lápis de cor sobre papel, 55 x 75 cm 2014 Coleção particular 16



O QUE FAZ NASCER EM MIM A BRUTALIDADE (ESTUDO) Aquarela e lápis sobre papel 2016 Coleção particular 18


MÃOS Grafite sobre papel, 21x21cm 2009 Coleção particular 19


MÃOS Grafite sobre papel, 21x21cm 2009 Coleção particular 20


MÃOS Grafite sobre papel, 21x21cm 2009 Coleção particular 21


MÃOS Grafite sobre papel, 21x21cm 2009 Coleção particular 22


MÃOS Grafite sobre papel, 21x21cm 2009 Coleção particular 23


MÃOS Grafite sobre papel, 21x21cm 2009 Coleção particular 24


MÃOS Grafite sobre papel, 21x21cm 2009 Coleção particular 25


MÃOS Grafite sobre papel, 21x21cm 2009 Coleção particular 26


SEM TÍTULO Grafite sobre papel, 32 x 44 cm 2009 Coleção particular 27



EMBATE (O EU E O OUTRO) Aquarela, nanquim e lápis sobre papel, 100 x 75 cm 2010 Coleção particular 29



BEM ME QUER, MAL ME QUER Aquarela, nanquim e lápis sobre papel, 100 x 70 cm 2011 Coleção particular 31



DEMIURGO II Grafite, aquarela, lápis de cor e folha de ouro s/ papel, 51 x 35,5 cm 2010 Coleção particular 33


A ESPERA 2 Aquarela, nanquim e lápis sobre papel, 28 x 38 cm 2010 Acervo Sesc 34


O LIMITE DO MEU TALENTO Aquarela, nanquim e lápis sobre papel, 105 x 135 cm 2010 Acervo Sesc 35


ENIGMA ENTRE EU E TU Acrílica sobre tela, 140 x 210 cm 2014 Acervo Sesc 36


SE AS MINHAS PALAVRAS NÃO FOREM MELHORES QUE O MEU SILÊNCIO? Bronze niquelado, 2,5 x 21,5 x 20 cm 2011 Coleção particular 37


NÃO TENHO NADA PRA DIZER E MESMO ASSIM JÁ DISSE (AS PALAVRAS LÍQUIDAS) Bronze niquelado e moldura, 55 x 70 x 4 cm 2011 Coleção particular 38



ESTUDO SOBRE A CEGUEIRA Bronze, livros e pintura eletrostática, 61 x 55 x 34 cm 2015 Coleção particular 40


SEM TÍTULO Escultura, 6,5 x 21,5 x 20 cm 2016 Coleção particular 41


SEM TÍTULO Escultura, 7 x 20 x 20 cm 2016 Coleção particular 42


SEM TÍTULO Escultura, 6,5 x 21,5 x 20 cm 2016 Coleção particular 43


O PÃO NOSSO Bronze 2014 Coleção particular 44



TRAUMA Bronze e pintura eletrostática, 29 x 10 x 8 cm 2016 Coleção particular 46



SEM TÍTULO Bronze polido e pintura eletrostática, 32 x 17 x 4 cm 2012 Coleção particular 48



SEM TÍTULO Bronze polido e pintura eletrostática, 10,5 x 29 x 14 cm 2011 Coleção particular 50


SEM TÍTULO Aquarela sobre papel, 19 x 14 cm 2015 Coleção particular 51


SEM TÍTULO Aquarela sobre papel, 19 x 14 cm 2015 Coleção particular 52


SEM TÍTULO Aquarela sobre papel, 19 x 14 cm 2015 Coleção particular 53


SEM TÍTULO Aquarela sobre papel, 19 x 14 cm 2015 Coleção particular 54


SEM TÍTULO Aquarela sobre papel, 19 x 14 cm 2015 Coleção particular 55


SEM TÍTULO Aquarela sobre papel, 19 x 14 cm 2015 Coleção particular 56


SEM TÍTULO Aquarela sobre papel, 19 x 14 cm 2015 Coleção particular 57


SEM TÍTULO Aquarela sobre papel, 19 x 14 cm 2015 Coleção particular 58


SEM TÍTULO Lápis de cor sobre papel, 18 x 21,5 cm 2016 Coleção particular 59


SEM TÍTULO Lápis de cor sobre papel, 30 x 22 cm 2016 Coleção particular 60


SEM TÍTULO Lápis de cor sobre papel, 16 x 22 cm 2016 Coleção particular 61


SEM TÍTULO Lápis de cor sobre papel, 32 x 18 cm 2016 Coleção particular 62


SEM TÍTULO Lápis de cor sobre papel, 22,2 x 27,5 cm 2016 Coleção particular 63


SEM TÍTULO Lápis de cor sobre papel, 16 x 22,5 cm 2016 Coleção particular 64


SEM TÍTULO Aquarela, 30 x 40 cm 2016 Coleção particular 65



SEM TÍTULO Aquarela e lápis sobre papel, 76 x 56 cm 2016 Coleção particular 67



SEM TÍTULO Aquarela e lápis sobre papel, 76 x 56 cm 2016 Coleção particular 69



DIÁLOGOS / ENCONTRO Guache sobre papel Hahnemühle, 107,5 x 78,5 cm 2015 Coleção particular 71



ESTUDO PARA DAVI Grafite e lápis de cor sobre papel, 42 x 29,5 cm 2016 Coleção particular 73



ESTUDO PARA “A PAREDE” Aquarela sobre papel, 76,5 x 56,5 cm 2016 Coleção particular 75



ESTUDO PARA “O ANJO” Aquarela sobre papel, 77 x 56 cm 2016 Coleção particular 77



DOR FANTASMA Aquarela e lápis sobre papel, 106 x 75 cm 2014 Coleção particular 79


SEM TÍTULO Aquarela sobre papel, 18 x 49,5 cm 2017 Coleção particular 80



SEM TÍTULO (ESTUDO) Lápis e aquarela sobre papel, 56 x 38 cm 2017 Coleção particular 82


SESC - SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO Administração Regional no Estado de São Paulo Presidente do Conselho Regional Abram Szajman Diretor do Departamento Regional Danilo Santos de Miranda Superintendentes Técnico-social Joel Naimayer Padula Comunicação Social Ivan Paulo Giannini Administração Luiz Deoclécio M. Galina Assessoria Técnica e de Planejamento Sérgio José Battistelli Gerentes Artes Visuais e Tecnologia Juliana Braga de Mattos Estudos e Desenvolvimento Marta Colabone Assessoria de Relações Internacionais Aurea Leszczynski Vieira Gonçalves Artes Gráficas Hélcio Magalhães Difusão e Promoção Marcos Ribeiro de Carvalho Sesc Jundiaí Celina Tamashiro Exposição “Viver Até O Fim O Que Me Cabe! Sidney Amaral: Uma Aproximação” Equipe Sesc Adriano Alves Pinto, Ana Pimentel, Denise Kieling, Fernando Fialho, Jansen Franco de Carvalho, Karina Musumesi, Ilona Hertel, Luciano Domingos, Laura Dalsenter, Luiz Fernando Silva, Nilva Luz, Suellen de Sousa Barbosa, Thais Dias Correa e Vanessa Helena Machado Curadoria Claudinei Roberto da Silva Produção Cristiane Santos e Regiane Rykovsky Fotos João Liberato Vidotto Expografia Claudinei Roberto da Silva, Isabel Xavier Projeto Gráfico Maneco Guimarães Revisão de Textos Sandra Seabra Moreira Projeto de Iluminação Danielle Meirelles Projeto de Elétrica Murilo Jarreta Laudo Técnico das Obras Andréa Andira Montagem fina MRenee Arte Produção e Montagem Fina: Juan Manuel Wissocq, Leandro Araújo, Luiz Menezes. Consultoria para Ação Educativa Claudinei Roberto da Silva, Samara Costa e Museus Acessíveis Equipe Educativa Alline Lola, Ângela Jesus Nascimento, Bruna da Silva Franco, Carla Delgado, Cíntia Evangelista Costa, Daniela Triveloni, Elio Petena, Luana Lopes, Lucas Moreira da Silva, Luciane Aparecida Souza, Michele Karoline Lima, Rhayssa Christina Oliveira. 83


Visitação: De 11/maio a 04/setembro/2021 Classificação indicativa: 10 anos Acesso somente mediante o agendamento prévio pelo: sescsp.org.br/jundiai Capacidade: máximo 05 pessoas por hora. Sesc Jundiaí Av. Antônio Frederico Ozanan, 6600 Jardim Botânico, CEP 13214-206 TEL.: (11) 4583-4900 /sescjundiai sescsp.org.br


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