Catálogo Territórios em Transformação

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um sopro de esperança num cenário de desolação .

em comum é a atuação na área socioambiental, valorização e envolvimento da comunidade local, caráter educativo e potencial de reverberação e de transformação em ações concretas.

Esta é a mais forte impressão causada pelas histórias de cada uma das iniciativas socioambientais participantes da Mostra Territórios em Transformação. Os desafios sociais e ambientais são conhecidos em escala global. A exclusão social, a concentração de riqueza e a crescente destruição causada pela exploração da natureza são faces de uma mesma realidade. Recentes conferências mundiais tentaram apontar rumos, com metas focadas nas questões sociais, no que deve ser feito para enfrentar o caos climático e em como financiar os objetivos socioambientais. Vislumbramos caminhos possíveis para a transformação desta realidade: a promoção de mudanças tecnológicas que reduzam os impactos negativos no planeta e criem iniciativas destinadas a inclusão socialmente justa dos bilhões de excluídos.

À descrição dos casos soma-se a contribuição da reflexão clara e afiada de quatro pensadores contemporâneos: Ladislau Dowbor, Luiz A. Ferraro Jr, Neli Aparecida de Mello-Théry e Renato Peixoto Dagnino. O conjunto de suas reflexões expõe as grandes linhas em torno das quais todas as iniciativas tecem as suas redes: Educação, meio ambiente e participação cidadã; território e desenvolvimento local; Economia e formas alternativas de produção e consumo; Diálogos de saberes e tecnologias sociais. Assim, a primeira Mostra Territórios em Transformação, em paralelo com o Seminário Diálogos sobre os Desafios Socioambientais Contemporâneos propõem abordar a crise socioambiental planetária a partir de uma dupla perspectiva: a compreensão do problemático contexto atual e a apresentação de caminhos teóricos e práticos que já estão em curso.

Sesc São Paulo Av. Álvaro Ramos, 991 03331-000 • São Paulo • SP (11) 2607-8000

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A leitura dessa publicação, incluindo a compreensão do panorama conceitual, o detalhamento das questões cotidianas de cada experiência socioambiental e a percepção de como a imaginação coletiva tem o poder de transformar a realidade, mostra que o atual cenário exige um movimento de mudança. E deixa claro que é preciso coragem para mudar. Não a coragem definida como ímpeto, mas aquela que se entende como a perseverança. Essa coragem de mudar, cultivada sobre o fértil solo do conhecimento e do compartilhamento de saberes, é o que torna possível a existência concreta de tantas iniciativas positivas aqui relatadas.

Como trilhar esses caminhos? Neste exato momento, em todo o planeta, desenvolvem-se iniciativas sociais que materializam no dia a dia os propósitos de sustentabilidade. Há muito o que aprender com cada uma delas, com seus processos coletivos, com sua ação em rede. Reunir e compartilhar saberes e experiências socioambientais é justamente o objetivo dos projeto Ideias e Ações Para um Novo Tempo desenvolvido pelo Sesc São Paulo.

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O compartilhamento de práticas inspiradoras e a incorporação da leitura do território como tema central ajudou a estreitar o diálogo entre as Unidades e os agentes sociais envolvidos com as iniciativas, permitindo a realização de uma criteriosa curadoria compartilhada que identifica dezenas de iniciativas sediadas no estado de São Paulo — reunidas na Mostra Territórios em Transformação. O que essas experiências trazem

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Territórios em transformação Mostra de Iniciativas Socioambientais 2017

São Paulo, Brasil

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Id25 Ideias e ações para um novo tempo: territórios em transformação: mostra de iniciativas socioambientais 2017 / Serviço Social do Comércio. – São Paulo: SESC, 2017. – 116 p. il.: fotografias. ISBN 978-85-7995-213-5 1. Sustentabilidade. 2. Gestão ambiental. 3. São Paulo. 4. Iniciativas socioambientais. 5. Catálogo. I. Serviço Social do Comércio de São Paulo. II. SESC. CDD 304.2

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U M A

N O V A

T E R R A

As formas de viver, as interações sociais, as expressões culturais ou as manifestações políticas – enfim, o correr das histórias individuais e coletivas – se dão, invariavelmente, nos territórios. Ali, mediadas pelas relações entre os agentes sociais, ideias são concebidas, projetos são construídos materializando tanto um lugar de conquistas, que valorizam as potencialidades humanas e os bens naturais, como também um campo de disputas, que impõem conformações desfavoráveis ao equilíbrio entre as paisagens e os indivíduos. São estas algumas das principais referências que contribuem para o catálogo Ideias e Ações para um Novo Tempo – Territórios em Transformação, com uma seleção de iniciativas socioambientais. Registro de reflexões e ações em prol da sustentabilidade no Estado de São Paulo, essa publicação descreve um panorama de atitudes e saberes, ideais e descobertas que se entrelaçam em uma realidade em mutação.

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1 0 a p re s enta ç ã o 12 Mostra Territórios em Transformação Por Danilo Santos de Miranda 14 Compartilhar ideias para fortalecer experiências Por Gerência de Educação para Sustentabilidade e Cidadania

1 8 A R T I G O S 20 O sonho e a ação Por Luiz A. Ferraro Jr 24 Território e Desenvolvimento Por Neli Aparecida de Mello-Théry 28 Economia e Meio Ambiente Por Ladislau Dowbor 32 o equilíbrio da tecnologia social Por Renato Peixoto Dagnino

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3 6 I N I C I A T I V A S OESTE E CENTRO 42 Sementes de consciência AAMA – Associação Amigos dos Mananciais São José do Rio Preto 44 TEMPERO A GOSTO Grupo de Cestas Agroecológicas Mário Lago Ribeirão Preto 46 Pesquisa e prática NUPEDOR e Assentamentos Monte Alegre e Boa Vista Araraquara

campinas e arredores 56 Mistura familiar Cooperacra Americana

SOROCABA e arredores

48 jogos ambientais Projeto Ponte Piracicaba

60 Cadeia alimentar Amaranto Orgânicos Sorocaba

49 Economia mais justa Rede Guandu Piracicaba

62 Sustento por um ano CSA Sorocaba Sorocaba

52 Trilhas preservadas Veredas – Caminho das Nascentes São Carlos 54 Um novo horizonte Veracidade São Carlos

Vale do paraíba 64 museu itinerante Centro de Estudos da Cultura Popular São José dos Campos 65 saberes valorizados Instituto H&H Fauser Paraibuna 68 Alicerces sustentáveis Coletivo Pupa Permacultura São José dos Campos

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litoral de são Paulo 70 Guardião das Matas Coletivo Educador de Bertioga Bertioga 71 orgânicos em santos Secretaria Municipal do Meio Ambiente Santos

Vale do ribeira 72 biofertilizantes com perfil local Biofábrica – Produção de Biofertilizantes especiais Sete Barras 73 Resgate de sementes Paiol de Sementes Crioulas Eldorado 77 adaptação de tradições Sistemas agroalimentares adaptados – Colhendo aromas e sabores Cananéia

região metropolitana (RMSP) 78 Consumidor co-produtor CSA ABC Santo André 80 a força da comunidade Nossas Vilas, Vielas e Quintais Santo André 81 sem fronteiras Quintal Itinerante São Caetano do Sul 83 Do isolamento para o compartilhamento Rede Verde Sustentável Cotia 84 abelha Rainha Sítio Floradas da Serra Embu-Guaçu 86 proteção natural Assentamento Dom Tomás Balduíno Franco da Rocha

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capital 88 coletivo transformador Ângela de Cara Limpa Jardim Ângela 89 um quintal para plantar Associação de Agricultores da Zona Leste São Mateus 91 cultura em ação Casa Ecoativa Ilha do Bororé 92 contra as convenções Cooperapas Parelheiros

98 tecnologias disponíveis Sempre Sustentável Ipiranga

95 poder orgânico Horta Cores e Sabores Capão Redondo

100 colheita farta Instituto NUA União de Vila Nova

97 diversidade na lata Imargem Grajaú

101 verde comunitário ocupe & abrace Pompeia 103 volta por cima Projeto Reviravolta Luz 104 educação e diversão Instituto GEA – Projeto Trianon Ambiental Paraíso 106 Força de vontade Vila Nova Esperança Jardim Esmeralda

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A SEIVA SOCIAL Por Otávio Rodrigues

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M o s tra T errit ó rio s

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T ran s f orma ç ã o

Para que possam ocorrer processos de tomada de consciência e participação cidadã, algumas premissas são fundamentais. Além de condições concretas que viabilizem espaços de encontro e de construção coletiva, é importante compartilhar conhecimento e motivação. Tal raciocínio ganha conotação especial quando está relacionado à área socioambiental. Afinal, abordar o tema da sustentabilidade implica buscar formas mais equilibradas na relação entre os seres humanos e a natureza, assim como pensar alternativas para uma conjuntura que aponta sinais concretos de desintegração. Transpor esse cenário passa pela criação de projetos emancipatórios em que as pessoas se apropriam da própria história, refletindo sobre o sentido de suas escolhas e sobre o ambiente em que vivem, ambiente este que deve ser preservado para as gerações futuras. O estímulo ao consumo excessivo e a despreocupação em ofertar tecnologias e produtos menos nocivos ao ambiente agravaram problemas globais, como as mudanças climáticas, a poluição de rios e oceanos e a geração de lixo – estas questões têm repercussão na saúde pública, no acesso aos direitos sociais, na geração de renda e trabalho, entre outros. Dentre os principais desafios sociais do século 21, está o de adotar estilos de vida que respeitem os limites naturais e a dignidade humana, ou seja, que possam garantir a sobrevivência e a convivência de todas as formas de vida. Trata-se de construir modos de vida sustentáveis pautados numa concepção de desenvolvimento social que considere o enfrentamento da desigualdade, a geração de riquezas e a

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conservação dos bens naturais; para tanto, são imprescindíveis processos participativos e compartilhamento de saberes. Apoiado nesta perspectiva de necessária mudança, o Sesc tem estimulado reflexões em torno dos princípios da sustentabilidade, indagando como estes podem ser traduzidos em iniciativas voltadas à proteção do ambiente e das pessoas. Isso ocorre na aproximação a projetos socioeducativos que discutem, notadamente em suas práticas, possibilidades concretas de respostas. Semelhante disposição está presente na primeira Mostra de Iniciativas Socioambientais Territórios em Transformação, iniciativa que faz parte do projeto Ideias e Ações para um Novo Tempo e cuja intenção é associar a exposição de experiências bem-sucedidas à abordagem dos princípios e conceitos que as sustentam. Com essa ação, busca-se ampliar o diálogo sobre sustentabilidade com a sociedade, a partir da identificação de experiências que possam servir de referências para a reflexão e mobilização de pessoas. Ao propor essa Mostra, o Sesc reconhece a importância das práticas cotidianas que se destacam por seu potencial educativo e transformador da realidade e que exercitam a capacidade de mobilizar a sociedade para a complexa relação entre os seres humanos e o meio.

DANILO S ANTOS DE MIRANDA Diretor Regional do Sesc São Paulo

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C om p arti l h ar i d eia s

p ara

f orta l ecer e x p eri ê ncia s

Ideias e Ações para um Novo Tempo nomeia a aspiração por reunir saberes e experiências socioambientais guiadas por princípios de sustentabilidade. Um aporte singular que pode conectar pessoas, estimular a reflexão e o diálogo, além de contribuir com caminhos alternativos para um tempo de inquietações. Concebido em 2012 pela equipe de Educação para a Sustentabilidade para orientar a programação socioeducativa de todas as Unidades do Sesc SP, o projeto Ideias e Ações para um Novo Tempo surgiu do desejo de identificar e compreender como iniciativas sociais materializam no dia a dia os propósitos de sustentabilidade, ou seja, como conciliam aspectos sociais, econômicos, ambientais e culturais nos seus modos de vida, produção, trabalho. Ao longo desses anos, fortaleceu-se um espaço de compartilhamento de práticas inspiradoras, a partir de histórias pessoais, de resultados de políticas públicas e, especialmente, de mobilizações articuladas pelas redes socioambientais.

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Um olhar atento a esse crescente repertório fez com que o projeto assumisse novos contornos, incorporando como tema central a leitura do território. Surgiu daí a oportunidade de estreitar o diálogo entre os agentes sociais envolvidos em iniciativas de desenvolvimento local e as Unidades, onde a Instituição realiza sua ação socioeducativa. Para isso, os técnicos e técnicas de programação da área de Educação para Sustentabilidade foram convidados a realizar uma curadoria compartilhada e identificar experiências sediadas no estado de São Paulo (interior, litoral, grande São Paulo e capital), que demonstrassem envolvimento na área socioambiental, a valorização da comunidade local, o caráter educativo e o potencial de reverberação e de transformação em ações concretas. Longe do intento de alcançar objetividade científica, o encontro com as experiências resultou em um exercício enriquecedor pelo caráter coletivo, pela variedade de temas, metodologias e abordagens

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apresentadas e que, somados, demonstram a potência para a geração de respostas aos desafios da agenda ambiental, bem como alternativas sociais frente ao modelo de desenvolvimento em curso. Dentre organizações não governamentais, coletivos, cooperativas agrícolas e universidades, foi possível identificar propostas orientadas pela construção da cidadania, cuidado com o ambiente, justiça social, equidade, participação coletiva e princípios solidários. Partilhando dos mesmos princípios, os Sesc realiza uma série de programas com ênfase em sustentabilidade, dentre eles destaca-se aqueles que mantêm forte relação com o desenvolvimento comunitário e instituições sociais. Encontram-se neste rol o programa Mesa Brasil, que funciona como uma rede de combate ao desperdício e à má distribuição de alimentos, baseado na parceria entre a sociedade civil, o empresariado e as instituições sociais. Também o programa Lixo: menos é mais, com ações de minimização e destinação responsável de resíduos, que estimula a cooperação com as centrais públicas de triagem. Mais recentemente, a implantação da Reserva Natural Sesc em Bertioga, além da conservação de uma importante área urbana de restinga de Mata Atlântica, promove ações educativas de mobilização e envolvimento da comunidade, visando o fortalecimento do sentido de pertencimento e cuidado com o local.

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Não à toa, a forma mais oportuna de compartilhar ideias e ações para fortalecer práticas inspiradoras foi realizar a primeira Mostra Territórios em Transformação. Em paralelo e a fim de reunir o que vem sendo pesquisado na academia e proposto pelas iniciativas, realiza-se também o Seminário Diálogos sobre os Desafios Socioambientais Contemporâneos, que se propõe a abordar o avanço da crise ambiental a partir de uma dupla perspectiva – a compreensão do problemático contexto atual e a apresentação de caminhos teóricos e práticos que já estão em curso. Assim, convidamos a todos a usufruir de um mosaico de possibilidades, deparando-se com saberes de base popular, tradicional e científica, de origem ancestral ou contemporânea, que convergem para o aprimoramento das potencialidades humanas na sua relação com o ambiente. É com satisfação que o Sesc sela mais este compromisso com a sustentabilidade, a educação e a cultura trazendo a público uma representação do exercício de cidadania em torno da diversidade de temas socioambientais. Que esse projeto possa estreitar laços que reforçam o coletivo, somando-se aos esforços de engajamento para transformar o momento atual e aquele que está por vir. Afinal, fica a provocação para se pensar o que é um novo tempo...

Gerência de Educação para Sustentabilidade e Cidadania

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A R T

I G O S A seleção de pensamentos aqui registrada traz quatro visões sobre sustentabilidade inspiradas em quatro abordagens independentes. Porém, de certa forma, todas se entrelaçam e complementam. São elas: educação, território, economia e tecnologia social.

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O sonho e a ação

por Luiz A . Ferraro Jr Professor titular da UEFS-BA. Foi Diretor de Educação Ambiental e hoje atua como Superintendente de Estudos e Pesquisas Ambientais da SEMA/BA. Da graduação até hoje tem se envolvido com extensão e desenvolvimento rural, processos participativos, desenvolvimento de organizações, mediação de conflitos, elaboração e avaliação de políticas públicas, programas e projetos socioambientais.

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e todos somos pela democracia e o meio ambiente, como podem esses valores estar sob crescente risco? Quando milhões de pessoas se mobilizam para votar no Big Brother Brasil mas poucos se incomodam em discutir ou se manifestar sobre retrocessos de direitos, temos um grave problema. A crescente ausência nos processos participativos é um fenômeno global, produzido pela falência do modelo de democracia; desvalorização do espaço público; fragilização das organizações coletivas (partidos, sindicatos, associações); supervalorização do consumo como razão de ser da pessoa e motor da economia, e pela perspectiva que centra o

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universo dos direitos e deveres no indivíduo-cidadão-trabalhador. Ficamos miseravelmente sós, com nossos méritos, sucessos e fracassos na vida. Com um cenário tão estruturado contra a participação, não há esperança em resgatá-la pelo discurso moral. Não adianta chatear as pessoas clamando para que se envolvam com o condomínio, o sindicato, a escola, o bairro, a cidade ou o país. Mesmo quando decisões políticas nos afetam diretamente como grupo ou classe, preferimos pensar que encontraremos caminhos individuais para sobreviver. Continua-se grudado no sofá, mesmo quando o mundo desmorona. Teoria do sapo na panela: nos acostumamos à água fervente, não sentimos mais nossa pele escaldar. Mesmo assim, coletivos e processos participativos continuam a surgir. O “como isso acontece” é um belo mistério. Nele parece residir parte das respostas que buscamos sobre como produzir participação. Por que, afinal, surgem coletivos? A primeira resposta reside na prosa do escritor Guimarães Rosa (1908/1967), quando diz “um menino nasceu, o mundo tornou a começar”. A segunda vem na ontologia política da filósofa alemã Hannah Arendt (1906/1975), quando diz que “o milagre que salva o mundo da ruína é o fato do nascimento, uma vez que cada recém-chegado possui a capacidade (e o direito) de iniciar o novo”. Definitivamente, isso nos faz lembrar da inconformidade das crianças e suas perguntas desconcertantes: por que o mundo é assim e não assado? Por que tem criança na rua? Por que o rio está sujo? A capacidade de se envolver, questionar e querer um mundo diferente é um impulso de infância, que o mundo vai embaçando.Vivenciar criações coletivas do novo ainda traz sabor de infância, da sensação de se apaixonar, de olhar pro companheiro e saber que nele também cresce o prazer de estar vivo. Participar nos humaniza!

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Pra soprar a brasa e ver centenas de milhares de coletivos vivos, temos que colecionar e espalhar suas histórias; e inspirados nelas experimentar o gosto por sonhar e agir junto, nos mais diversos espaços.”

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O escritor italiano Ítalo Calvino (1923/1985), ao relatar o esforço coletivo contra queimadas, no livro O Barão nas Árvores, fala que as associações nos tornam mais fortes, que põem em destaque nossos melhores dotes, e produzem a alegria que não se obtém sozinho, que ajudam a ver quanta gente honesta e capaz existe e pelas quais vale à pena desejar coisas boas. O autor ressalva: “Ao passo que vivendo por conta própria é mais frequente o contrário, acabamos por ver o outro lado das pessoas, aquele que exige manter sempre a mão na espada”. Os filmes Tickle Head, O Melhor Lugar da Terra (2013) e Bagdad Café (1987) mostram lugares tristes que se transformam quando pessoas se juntam, sonham e agem. É por isso que coletivos surgem, porque nos vivificam, como os grupos de jovens que colorem as cidades com grafites, como o trabalho pelo bairro dos sonhos dos moradores da zona Oeste de São Paulo, ou as comunidades que solidariamente sustentam a agricultura. Pra soprar a brasa e ver centenas de milhares de coletivos vivos, temos que colecionar e espalhar suas histórias; e inspirados nelas experimentar o gosto por sonhar e agir junto, nos mais diversos espaços. Além do gosto pela ação coletiva, é preciso criar o gosto pela reflexão crítica e pela política. Os desafios do mundo de hoje são complexos e globais. Temos que ir além do grupo de pessoas conscientes e engajadas da Margareth Mead e muitíssimo além dos clubes de boliche do Robert Putnam; porque a cidade cinza, os campos monocromáticos e o país desigual estão muito além da força dos pequenos grupos. É neles que as pessoas aprendem e colorem suas vidas. Mas necessitaremos que milhões de grupos decidam se articular e constituir forças políticas para mudar a sociedade, o Estado e o mundo todo.

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Território e Desenvolvimento

por Neli Aparecida de Mello -Théry Graduada em Geografia pela Universidade Federal de Goiás (1978), doutorado (2002) e livre docência (2008) na USP. Participa de redes e laboratórios de pesquisa no Brasil e na França, foi professora visitante na Université de Paris X, Nanterre (2000), Université de Rennes 2 (2005 e 2008) e na Université Paris Sorbonne-Nouvelle (2008). Em 2011 obteve a HDR na França pela Université de Rennes 2.

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erritório e desenvolvimento são dois conceitos que se interligam fortemente na atualidade. O primeiro é um entendimento que possui significativo valor simbólico para a ciência geográfica, visto que exprime a relação de um grupo com uma porção do espaço. O segundo, desenvolvimento, constitui um campo disciplinar de reflexão e teorias que surgiu no período pós segunda guerra mundial. Há diferentes acepções dos conceitos de território – pode ser a base física de um Estado-nação, um objeto de planejamento, um espaço de ação pública, uma noção simbólica ou ainda, o espaço de exercício de um poder. A partir da primeira metade dos anos 1990 tornou-se modismo, no Brasil, a utilização do conceito de território. Política pública e terri-

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tório estão estreitamente interligados, pois é preciso saber como as políticas se desdobram no território local e nacional. O grande agente da produção do território é o Estado, por meio de suas políticas territoriais1, pela construção de grandes equipamentos e das infraestruturas, dos grandes sistemas de engenharia, da guarda do patrimônio natural e da gestão dos fundos territoriais, sendo um mediador essencial entre sociedade-espaço e sociedade-natureza. O Estado define em suas políticas governamentais distintos territórios. Essa gama de territórios articulados em interações recíprocas, têm seus próprios funcionamentos, criam uma coesão e uma auto-correlação espacial. Para compreender as abrangências do termo, destaco três abordagens: • a perspectiva geohistórica, que considera a organização do espaço associada com suas relações e o espaço relacional, multidimensional; • a perspectiva de sistemas, interligada com riscos e constrangimentos; • a perspectiva territorial do desenvolvimento. Na visão geohistórica, a relação espaço-tempo e espaço-território envolve dois conceitos: 1. O espaço geográfico se transforma em território2. É uma construção social que permite essa transformação do espaço em território, pois implica na importância dos atores para a sua construção, no sistema de malhas, das tessituras, nós e redes e relações de poder. Assim, devido as relações que encerra, essa produção se inscreve num campo de poder, é a dimensão dominante, visível. Dessa maneira, todo território contém os recursos, a informação, o poder. 1

MORAES, Antônio Carlos Robert. Meio ambiente e ciências humanas. São Paulo: HUCITEC, 2005.pp. 43. 2 M RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. San Pablo: Ática, 1993.

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A segunda abordagem, a sistêmica, é a base da análise espacial e adota como referencial teórico a interligação do meio ambiente com riscos e políticas de ordenamento do espaço3. Por esse ponto de vista, o território é campo dos constrangimentos. É preciso considerar os constrangimentos físicos e naturais, de um lado, e os sociais, econômicos, políticos, históricos e mentais, de outro. A terceira perspectiva objetiva o desenvolvimento territorial, ou seja, a integração e coordenação entre atividades, recursos e atores em oposição a enfoques setoriais ou corporativistas que separam o urbano do rural, o agrícola do industrial. Pode ser visto como desenvolvimento local. O enfoque territorial resulta do financiamento das infraestruturas coletivas dependente de deliberações dos conselhos municipais de desenvolvimento e da elaboração dos planos municipais4. Em qualquer das abordagens, é preciso identificar seus atores e suas territorialidades, suas formas alternativas de 3

MARCHAND, Jean-Pierre. Systèmes territoriaux et risques climatique. In LAMARRE, Denis (Org.) Les risques climatiques. Paris: Belin, 2002, pp. 65-78. 4 ABRAMOVAY, Ricardo. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. 3. ed. São Paulo: EDUSP, 2007.

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organização e desenvolvimento – é essencial que a construção dos modelos seja participativa, visando a emancipação dos indivíduos, a partir da formulação de políticas e propostas que respeitem o ambiente natural, os bens naturais e os valores culturais locais. A partir do inicio dos anos 1990, os tipos de ação pública englobam desde medidas de regularização fundiária, para as ocupações ilegais, sobretudo em cidades; o fortalecimento das estruturas e dos serviços urbanos na área de influência de grandes obras; definir e implantar programas de inclusão social e promoção da cidadania, crédito para habitação e saneamento, programas de segurança alimentar e saúde, educação formal, capacitação e inserção no mercado de trabalho, fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Outras ações essenciais: a consolidação e o fortalecimento das áreas protegidas, com elaboração ou atualização de seus planos de manejo e incremento da fiscalização; a criação e implementação efetiva de novas Unidades de Conservação (UC) que garantam a conectividade da paisagem, a manutenção dos serviços ambientais e a preservação de áreas prioritárias para conservação da biodiversidade. Essas ações contribuem para novos modelos de desenvolvimento.

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Economia e Meio Ambiente

por Ladisl au Dowbor Economista e professor titular no departamento de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, nas áreas de economia e administração. É consultor de diversas agências das Nações Unidas, governos e municípios. Seus livros e artigos podem ser acessados, na íntegra, no site dowbor.org. Último livro: Nosso Pão.

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dimensão e as articulações dos nossos desafios não são difíceis de entender. No plano ambiental, estamos gerando o caos climático, destruindo em torno de 52% da fauna do planeta entre 1970 e 2010, exaurindo e contaminando a água por toda parte, esterilizando imensas áreas de solo agrícola, acabando com a cobertura florestal. As tecnologias se tornaram poderosas, a escala da exploração da natureza explodiu e somos 7,4 bilhões de pessoas ávidas a consumir mais. A conta não bate e as regras do jogo, que chamamos de economia, não acompanharam a mudança de escala dos problemas. No plano social, oito famílias possuem mais riqueza

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acumulada do que a metade mais pobre da população mundial, e o 1% mais rico tem mais riqueza do que os 99% seguintes. Sem acesso à luz elétrica são 1,2 bilhão, 2 bilhões ainda cozinham com lenha. O 1% mais rico não produziu esta riqueza, os bilhões pobres no planeta são pobres por falta de oportunidade, não por falta de vontade de sair do buraco. Só os inconscientes ou os imbecis podem se achar satisfeitos com esse sistema. E mais: os pobres hoje sabem que são pobres, que existem hospitais e escolas decentes e não adianta construir muros no México ou em Israel, ou cercas de arame farpado na Europa. O mundo não vai funcionar em condomínios fechados. No plano econômico, a espantosa desigualdade do planeta se deve ao fato que hoje, com a financeirização generalizada, enriquecem os que fazem especulação financeira, ganhando por meio de papéis que rendem, sem precisar produzir. No planeta, não só no Brasil, rende mais fazer aplicação financeira do que produzir, o que desarticula as economias. Quem vai investir na produção se rende mais fazer aplicações? Os bancos não fomentam a economia, tornaram-se canais de extração de recursos, alimentando rentistas improdutivos e os cerca de 60 paraísos fiscais. Não investem e sequer pagam impostos. A moeda se globalizou e se tornou imaterial, são sinais magnéticos viajando no mundo virtual. A economia se globalizou, bancos centrais e mecanismos de regulação estão fragmentados em cerca de 200 países. A governança do sistema foi para o espaço. Em 2015, três conferências mundiais tentaram apontar rumos e construir equilíbrios: em Nova Iorque aprovamos os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, com 169 metas focadas no drama social. Em Paris, definimos o que deve ser feito para enfrentar o caos climático e o drama ambiental. Em Addis Abeba, definimos o que deveria ser feito

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para financiar tanto os objetivos sociais como os ambientais. O desafio é claro: estamos destruindo o planeta em benefício de uma minoria, e os recursos financeiros estão servindo para aumentar fortunas improdutivas. É preciso mudar o paradigma: recursos financeiros desviados devem servir ao financiamento de uma mudança tecnológica que reduza a destruição do planeta e de um conjunto de iniciativas destinadas à inclusão produtiva de bilhões de excluídos. Há recursos financeiros, tecnológicos e de informação para resolver o problema. A lógica do poder financeiro tem de ser substituída pela lógica da utilidade social e ambiental. A urbanização generalizada hoje permite economias de proximidade gerando espaços participativos com gestão inteligente dos recursos. Inúmeras cidades estão criando espaços mais equilibrados, participativos e democráticos, orientando seus recursos para financiar o que importa. Outro eixo de oportunidades surge da transformação dos processos produtivos: os principais setores econômicos são saúde, educação, cultura, segurança e outras políticas sociais que longe de constituir gastos, constituem investimento nas pessoas. Esse tipo de consumo social, essencial à qualidade de vida e produtividade econômica, não gera resíduos nem emissões. É consumo inteligente. O principal fator de produção hoje é o conhecimento que se incorpora nos produtos: a expansão da economia do conhecimento imaterial, não gera emissões e permite a organização colaborativa da sociedade. Trata-se de um fator de produção cujo uso e compartilhamento não reduz o estoque. Quarto vetor de transformação, a conectividade permite que as pessoas, empresas ou cidades passem a funcionar em redes interativas de colaboração, ultrapassando a lógica dos gigantes corporativos que nos dominam. Há esperanças, mas a janela de tempo que temos para agir é curta. Toda iniciativa é bem vinda.

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A conectividade permite que as pessoas, empresas ou cidades passem a funcionar em redes interativas de colaboração, ultrapassando a lógica dos gigantes corporativos que nos dominam.”

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O equilíbrio da tecnologia social

por Ren ato Pei xoto Dagnino Atua como professor titular no Departamento de Política Científica e Tecnológica da UNICAMP e professor convidado em várias universidades latino-americanas.

E

ste texto procura responder três inquietações. “Qual é o conceito”, “quais são as dificuldades de implementação” e “o que precisa ser feito” para desenvolvermos a tecnologia social (TS)? Antes de qualquer consideração, lembro que, como qualquer conceito que faz referência ao “social”, o de tecnologia é objeto de uma disputa de significado com fundo ideológico. E que, dependendo do conceito adotado serão diferentes as ações concebidas para sua implementação, a avaliação sobre os resultados obtidos e o que precisa ser feito para aprimorá-los ou para alcançar o que não foi logrado. Sobre o conceito de TS, se constata que há duas posições

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que têm por base distintas concepções sobre tecnologia. De um lado, estão os que a entendem como resultado da aplicação da ciência – intrinsecamente boa e verdadeira –, com o objetivo de produzir de modo cada vez mais eficiente mais e melhores bens e serviços para a sociedade. A TS se originaria então de uma intenção dos pesquisadores e ativistas sociais de estender esse resultado aos mais pobres, mediante a aplicação da ciência em seu benefício. O que seria logrado à medida que eles pudessem usar e se apropriar do conhecimento científico e combiná-lo com aquele, empírico, proveniente do ancestral “saber popular” e de sua experiência de vida. Gerar soluções pontuais para satisfazer necessidades identificadas com os mais pobres originando tecnologias sociais (no plural), e possibilitar que elas sejam difundidas e reaplicadas, seriam então os objetivos de uma política pública para seu desenvolvimento. De outro lado, existe o grupo ao qual eu me filio, que, radicalizando a primeira posição, abraça uma segunda. Para ele, a questão do desenvolvimento de TS não é apenas o uso ou a apropriação do conhecimento científico existente. Isso porque a introdução de inovações tecnológicas no processo de trabalho se deve à autoridade para controlar e aumentar a produtividade do trabalhador que detém o empresário, bem como ao fato dele possuir a propriedade dos meios de produção e a prerrogativa de contratar o trabalhador por um valor inferior ao produto que este gera, para assegurar seu lucro. Essa situação faz com que quase a totalidade das pesquisas feitas no mundo sejam realizadas pelas empresas em seu benefício e também com que a dinâmica tecnocientífica esteja submetida a três planos e tendências que, cada vez mais, inibem o aproveitamento da tecnologia convencional para o desenvolvimento de tecnologia social.

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No plano da sociedade, tem-se a obsolescência planejada, a deterioração programada, o consumismo exacerbado e a degradação ambiental. No da produção a segmentação, a hierarquização, o controle do processo de trabalho e a heterogestão. E no da relação com os que vendem a sua força de trabalho, a desqualificação e a alienação. O conhecimento tecnocientífico não é neutro ou universal. Como qualquer outro, é condicionado pelos valores e interesses dos atores sociais com maior poder econômico e político. A “adequação sociotécnica” da tecnologia convencional a ser realizada em conjunto por pesquisadores e os pobres, organizados em empreendimentos solidários (baseados na propriedade coletiva dos meios de produção e na autogestão), é o que impulsionaria uma nova postura sobre a tecnologia e um movimento autossustentado e crescente pela TS. Uma política pública para TS (no singular) não se esgotaria no fomento à acumulação de experiências pontuais de geração de tecnologias sociais (no plural). Ela demandaria uma mudança significativa na forma de pesquisar, produzir, ensinar, difundir e utilizar o conhecimento tecnocientífico, e demandaria a adoção, no plano analítico-conceitual, de uma perspectiva crítica da neutralidade da tecnociência; no plano atitudinal, de uma postura pró-TS baseada nos valores da solidariedade, da propriedade coletiva dos meios de produção e da autogestão; e no plano prático-normativo, de uma transversalização das políticas públicas atinentes à produção e ao consumo e às dimensões cognitiva, ambiental, cultural e socioeconômica, capaz de fortalecer a “dobradinha”: economia solidária + tecnologia social.

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I n i c i a t i v A S Duas equipes de reportagem e captação de vídeo e áudio partiram em direções opostas com a mesma missão: ouvir e registrar as narrativas das iniciativas socioambientais indicadas pelas Unidades do Sesc SP para este catálogo. Um time percorreu as regiões do interior do Estado e o outro, a região metropolitana e os bairros da Capital. O resultado é esse rico panorama editado nas páginas seguintes. Boa leitura!

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Semente s , b roto s e

mu d a s

Espalhadas por todos os cantos, das margens aos centros, pequenas flores quebram o concreto. São as resistências que persistem na adversidade e que quando têm oportunidade emergem das frestas e instigam outros olhares. Para além da inércia e apatia comuns de nosso tempo, uma multidão quase imperceptível à maioria é a ponta de lança de um novo tempo. Enquanto a sociedade acelera rumo ao abismo desenvolvimentista – do delírio do crescimento infinito num planeta finito –, indivíduos e coletivos movidos pela paixão fazem a reconexão com a natureza, considerando o território e dialogando com as pessoas de seu entorno. Suas ações inspiram e sensibilizam, semeando perspectivas e questionamentos capazes de provocar micro-revoluções em prol das mais diversas causas socioambientais pelas quais atuam.

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Noções há muito negligenciadas retomam seus lugares: O entendimento de que o ar que respiramos, a água que bebemos e o solo de onde obtemos nosso alimento não são meras mercadorias, mas bens comuns que necessitamos tratar com grande zelo. A agroecologia enquanto resgate de saberes e fazeres que regeneram e geram cada vez mais autonomia e soberania. O reconhecimento da mulher e o devido respeito a ela, seu empoderamento e sororidade. O vínculo comunitário e a certeza de que juntos e mobilizados podemos transformar muito mais. O fomento às tecnologias sociais que percorrem caminhos não-habituais na construção de conhecimento e disponibiliza informação para todos. A defesa e promoção de direitos humanos básicos como acesso à alimentação, moradia e saneamento adequados. A inclusão daqueles que prestam serviços essenciais que ainda precisam ser visibilizados e justamente valorizados pela sociedade. As riquezas que permitem a superação das dificuldades e da pobreza econômica. A arte que amplifica as vozes muitas vezes silenciadas. A diversidade biológica e cultural como indicador de nossa resiliência. Os processos colaborativos e solidários que criam círculos virtuosos de trocas. Todas elas fervilham num caldeirão e misturadas, podem revelar novas potencialidades que ainda desconhecemos, estabelecendo redes sociais reais que fortalecem ainda mais essas ideias e ações. Que o futuro seja próspero para todos. Graças às flores, em breve teremos florestas por aqui. Guará Produções Artísticas e Socioambientais 39

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T E R R I T Ó R I O S E M

T R A N S F O R M A Ç Ã O

São José do Rio Preto Ribeirão Preto Araraquara São Carlos Piracicaba

Americana

São José dos Campos Paraibuna

São Paulo Sorocaba Santos

Bertioga

Sete Barras Eldorado Cananéia

OESTE E CENTRO

VALE DO PARAÍBA

› AAMA – Associação Amigos do Mananciais (São José do Rio Preto)

› EcoMuseu (São José dos Campos)

› Grupo de Cestas Agroecológicas Mário Lago (Ribeirão Preto)

› Instituto H&H Fauser (Paraibuna)

› NUPEDOR e Assentamentos Monte Alegre e Boa Vista (Araraquara)

› Pupa Permacultura (São José dos Campos)

› Projeto Ponte (Piracicaba) › Rede Guandu (Piracicaba)

LITORAL DE SÃO PAULO

› Veredas – Caminho das Nascentes (São Carlos)

› Coletivo Educador de Bertioga

› Veracidade (São Carlos)

› Feira de Orgânicos de Santos

campinas e arredores

VALE DO RIBEIRA

› Cooperacra (Americana)

› Biofábrica – Produção de Biofertilizantes especiais (Sete Barras)

sorocaba e arredores

› Paiol de Sementes Crioulas (Eldorado)

› Amaranto Orgânicos (Sorocaba) › CSA Sorocaba

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› Associação de Agricultores Familiares do Santa Maria (Cananéia)

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REGIÃO METROPOLITANA (RMSP)

Franco da Rocha

› CSA ABC Santo André › Nossas Vilas, Vielas e Quintais Santo André

São Caetano do Sul santo AndrÉ

› Quintal Itinerante São Caetano do Sul

ABC

cotia

› Rede Verde Sustentável Cotia

embu-Guaçu

› Sítio Florada da Serra Embú-Guaçu › Assentamento PDS Dom Tomás Balduíno Franco da Rocha

ZONA NORTE

ZONA OESTE

União de vila nova Luz POMPeia

jardim esmeralda

CENTRO

ZONA LESTE

› Ângela de Cara Limpa Jardim Ângela (Zona Sul)

paraíso Ipiranga

CAPITAL

sÃO Mateus

› Associação de agricultores da Zona Leste São Mateus (Zona Leste) › Casa Ecoativa Ilha do Bororé(Zona Sul)

Capão Redondo

› Cooperapas Parelheiros (Zona Sul)

Jardim Ângela

› Horta Cores e Sabores Bairro Capão Redondo (Zona Sul)

grajaÚ PARELHEIROS

Ilha do Bororé

› Imargem Grajaú (Zona Sul) › Sempre Sustentável Ipiranga (Zona Sul) › Instituto NUA União de Vila Nova (Zona Leste)

ZONA SUL

› Ocupe & Abrace Pompeia (Zona Oeste) › Projeto Reviravolta Luz (Centro) › Instituto GEA Paraíso (Zona Sul) › Associação Vila Nova Esperança Jardim Esmeralda (Zona Oeste)

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oeste e centro

são josé do rio preto

associação amigos dos mananciais [aama] Preserva e recupera mananciais por meio da recomposição de matas ciliares. Promove atividades de educação ambiental São José do Rio Preto para plantar uma muda facebook.com/ aamariopreto

mananciais Fonte de água doce superficial ou subterrânea utilizada para consumo humano ou desenvolvimento econômico. Fonte: Minisério do Meio Ambiente (mma)

cerrado É o segundo maior bioma da América do Sul, reconhecido como a savana mais biodiversa do mundo. Fonte: Minisério do Meio Ambiente (mma)

Sementes de mudança Observar os rios da cidade e seus afluentes repletos de embalagens plásticas misturadas a dejetos orgânicos tem causado indignação aos moradores de São José do Rio Preto. Segundo um jornal rio-pretense, a população da cidade consome por ano 196 milhões de garrafas PET e recicla apenas 12% desse volume. O plástico tem se espalhado pela região, exponencialmente. O cenário crítico ressalta a importância da Associação Amigos dos Mananciais (AAMA), organização não-governamental criada em 2011 para denunciar crimes ambientais e preservar mananciais, entre outras frentes de atuação. Isso inclui, por exemplo, a realização de mutirões para limpeza da água ou plantio de mudas no entorno de reservas hídricas, como o Córrego do Macaco, principal afluente do rio Preto e responsável por 30% do abastecimento de água da cidade. O bom uso de sementes é uma das estratégias da associação, em conjunto com a sensibilização dos moradores do município. Neste sentido, a AMAA promove o “Projeto Tijolinho”, veículo de educação ambiental realizado em escolas, praças públicas e condomínios residenciais. A iniciativa possibilita que crianças plantem sementes de frutíferas do cerrado dentro de tubos inseridos em tijolos. “O meio ambiente e o meio urbano, em algum momento, foram divididos, separados, na cabeça das pessoas. A gente tenta fazer com que isso se conecte na cabeça das crianças, que seja uma coisa só”, explica André Nogueira, gestor de projetos da associação. Quando crescidas, as espécies cultivadas pelas mãos dos pequenos são plantadas nas margens

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dos rios, por grupos de voluntários, como forma de recuperar a mata ciliar. Outro lote de sementes é encaminhado para viveiros municipais, com a meta de incrementar a variedade de árvores que serão plantadas na região. Assim, de semente em semente, de muda em muda, os córregos de São José do Rio Preto ganham parceiros para reverter a degradação ambiental.

mata ciliar Vegetação que ocorre nas margens de rios e mananciais. O termo refere-se ao fato de que ela pode ser tomada como uma espécie de “cílio”, que protege os cursos de água do assoreamento e erosão. O "Projeto Tijolinho" permite que crianças plantem mudas em tubos. Depois, quando a semente brota e a muda está pronta para ir ao solo, elas podem fazer o plantio em matas ciliares

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ribeirão preto

assentamento mário lago Produz e comercializa alimentos utilizando preceitos agroecológicos e agroflorestais Ribeirão Preto para encomendar sua cesta facebook.com/ cestasagroflorestais

sistema agroflorestal Os sistemas agroflorestais(SAFs) são consórcios de culturas agrícolas com espécies arbóreas que, além de produzirem alimentos, também são utilizadas para restaurar florestas e recuperar áreas degradadas. Fonte: Embrapa.

Tempero a gosto O comunicado da primeira semana de abril trouxe uma novidade: “Essa semana temos uma nova Planta Alimentícia Não Convencional (PANC), a beldroega, também chamada de Caaponga em tupi, que vai ser entregue na cesta grande. Na cozinha pode-se usar todas as partes aéreas da beldroega, cozidas ou cruas. As folhas, ricas em mucilagem, têm sabor levemente ácido e salgado e podem ser usadas em saladas variadas, combinadas com tomate cereja e pepino.” Toda terça-feira a postagem em rede social da página das Cestas Agroflorestais do Assentamento Mário Lago traz a lista dos produtos que serão entregues naquela data em cestas pequenas e grandes. Em geral, os posts também apresentam receitas que explicam como preparar desde umbigo de bananeira a sorvete de abacate, sem falar em pizza de mandioca. O Assentamento Mário Lago está implantado em uma área com mais de 11 mil hectares, em Ribeirão Preto. A vasta porção de terra – em uma antiga fazenda de canade-açúcar – foi interditada por crime ambiental na década de 1990 e já esteve abandonada e improdutiva. Em 2007, uma ação legal, realizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), requisitou e conquistou 70% da propriedade – com respaldo dos moradores do município e do Ministério Público. Hoje, 260 famílias vivem em diversas glebas no local. Todas praticam uma agricultura com viés ecológico e, dentre estas, 60 se destacam por abraçar o sistema agroflorestal. “A produção de orgânicos não utiliza produtos químicos na plantação, mas na agrofloresta vamos além disso e também preservamos o entorno, como as matas”, diz Vandeí Junqueira Aguiar, coordenador do grupo. Foi há cerca de

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dois anos que a produção passou a ser escoada para o consumidor final por meio de cestas agroflorestais com verduras, legumes, frutas e as PANCS, a exemplo da taioba, da vinagreira, do caruru ou do ora-pro-nóbis, entre outras. A venda acontece em pontos espalhados pela cidade ou então pela rede social. Toda segunda-feira o grupo se reúne para contabilizar a produção que será reunida nas cestas. Graças ao trabalho coletivo, os agricultores conseguem garantir uma renda mensal fixa, mesmo em épocas de vacas magras ou de estiagem. A produção excedente chega a ser doada para asilos. Uma notícia que reverbera de forma positiva e incentiva a adesão de outras famílias. Desde o início do ano, há visitas monitoradas ao assentamento, nas quais são apresentadas as glebas inativas do local e os visitantes podem se candidatar a participar do processo de adesão ao cadastro nacional de produtores orgânicos.

cadastro nacional de produtores orgânicos Foi desenvolvido pelo Ministério da Agricultura e tem como objetivo a coleta de dados sobre os agricultores que são certificados a comercializarem alimentos orgânicos. Permite rapidez e transparência na participação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

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araraquara

NUPEDOR Dedica-se ao estudo dos processos sociais agrários que se desenvolvem no Estado de São Paulo Araraquara para propor alternativas uniara.com.br/nupedor

sistemas agroecológicos Apresentam um enfoque sistêmico para o manejo das unidades de produção, privilegiando conservação ambiental, biodiversidade, ciclos biológicos e qualidade de vida. Fonte: Embrapa

Pesquisa e prática Às vezes, é preciso deixar as convenções de lado para construir algo novo, diferente. E mais eficiente. É o que fazem os integrantes do Núcleo de Pesquisa e Documentação Rural (Nupedor), da Universidade de Araraquara (Uniara). Junto com os agricultores familiares de assentamentos localizados na região de Araraquara, como o de Monte Alegre e o Bela Vista, os pesquisadores introduzem sistemas agroecológicos em substituição a modos clássicos de produção, trazendo diversos benefícios ambientais, sociais e econômicos. Um exemplo de mudança está na criação de galinhas. A cooperativa local adquiriu alguns barracões para implementar a avicultura convencional, daqueles com quatro ou cinco aves presas em gaiolas. Queriam chegar a um total de 10 mil indivíduos. Mas o projeto não vingou, e os pesquisadores do Nupedor trouxeram então uma nova proposta: criar galinhas caipiras para a produção de carne e ovos orgânicos. Redesenharam o sistema de criação das aves e incentivaram a produção local de alimentos para elas. O projeto está em fase de implantação no assentamento Monte Alegre, e conta com a participação de cerca de 30 pessoas. O Nupedor começou na Unesp de Araraquara em 1989. Após 14 anos, passou a ter sua sede junto no programa de pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente da Uniara. Parcerias com Unesp, CNPq, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), entre outros, permitem o trabalho em pesquisa e extensão rural. Outras frentes de atuação do Nupedor, já em curso, incluem a introdução de sistemas agroflorestais em áreas de criação de gado e de cultivo de café e frutíferas, turismo

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rural e apoio na organização dos assentados para a comercialização dos orgânicos. “Trata-se de organizar uma agricultura mais limpa e autossuficiente. E nós, consumidores, teremos alimentos de melhor qualidade”, explica o agrônomo Manoel Baltasar Baptista da Costa. Também se destaca a pesquisa sobre gênero, que resultou, entre outras iniciativas, na produção de ervas desidratadas orgânicas por um grupo de 16 mulheres, em 2016 – o desafio atual é encontrar pontos de venda para os produtos da marca Mega Cheiro. Todas essas frentes envolvem a atuação integrada de pesquisadores de diferentes áreas – agrônomos, zootecnistas, sociólogos, economistas, ecólogos, pedagogos, veterinários, entre outros, participam do núcleo.

Galinhas caipiras ao invés da avicultura convencional é uma das propostas do NUPEDOR, em parceria com assentamentos rurais; alho chinês e alecrim, da Mega Cheiro (acima, à dir.)

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piracicaba

programa ponte Troca experiências e conhecimentos entre a Esalq/USP e escolas públicas Piracicaba para educar mais programaponte.com.br

programa de extensão universitária O Programa de Extensão Universitária (ProExt) tem o objetivo de apoiar as instituições públicas de ensino superior no desenvolvimento de programas ou projetos de extensão que contribuam para a implementação de políticas públicas. Criado em 2003, o ProExt abrange a extensão universitária com ênfase na inclusão social. Fonte: Ministério da Educação (mec)

Jogos ambientais Uma série de vídeos, experimentos, cartilhas, oficinas e jogos didáticos – muitos deles gratuitos – já foram (e ainda são) base para aulas ministradas por alunos universitários para cerca de 5 mil estudantes do ensino médio de Piracicaba. Como é possível essa integração entre universidade e rede pública de ensino? O projeto Ponte tem a missão de conectar a Esalq/USP a essas escolas, com foco em realizar inserções pedagógicas das escolas e trazer alunos e professores da rede pública à universidade. Em especial, para a realização de atividades relacionadas a temas como mudanças climáticas, energia, biocombustíveis e conservação do solo. Ou seja: educação ambiental de alta qualidade, acessível e levada a sério. Consolidado como um programa de extensão universitária, o projeto Ponte começou em 2007 por iniciativa de alunos de graduação que consideravam a Escola Superior de Agronomia “Luiz de Queiroz” muito isolada e restrita a poucos. Suas atividades e produtos pedagógicos ambientais contam com recursos da Finep (empresa financiadora de estudos e projetos, vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação) e de parcerias com outras instituições e empresas. Em nove anos, o Ponte já chegou a 15 escolas públicas, sem contar o poder multiplicador dos professores envolvidos. O projeto montou uma “experimentoteca” e uma biblioteca em um espaço do Departamento de Ciências do solo da Esalq. A ideia é que os professores da rede pública tragam turmas para a universidade e deem aulas a seus alunos usando esses materiais, com a assistência dos monitores do Ponte. “Temos a preocupação de trazer os estudantes para a Esalq e levá-los para o laboratório ou a campo”, diz Roberta Sabbagh, coordenadora técnica. “Queremos incentivá-los a fazer uma

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faculdade. Aqui eles veem como é o ambiente e querem saber como se faz para entrar.” Tanto que alguns jovens que haviam passado pelas oficinas do programa integraram-se à equipe como monitores depois de ingressarem na faculdade. O time do Ponte é formado por um professor e coordenador geral, dois coordenadores técnicos e cerca de dez monitores. Estes últimos são bolsistas, que têm uma intensa agenda de reuniões de organização e de formação. Os coordenadores incentivam os monitores a agendar as visitas nas escolas e dar suporte aos professores. “Para tornar o cidadão participativo, capaz de intervir em sua realidade, ele precisa ter autonomia. Quando o monitor organiza uma oficina, já está sendo um agente de mudança”, afirma Rafael Salvetti Nunes, também coordenador técnico do Ponte.

Economia mais justa Por que ir até o supermercado comprar verduras e frutas, quando é possível adquiri-los diretamente da fonte, junto com o produtor? Foi isso que alunos e professores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo, pensaram ao verem que, de vez em quando, os estudantes que desenvolviam estudos sobre agroecologia voltavam do trabalho de campo carregando produtos frescos, recém-colhidos pelos agricultores com quem tinham contato. Essa constatação foi a origem da Rede Guandu – Produção e Consumo Responsável, criada em Piracicaba, em 2007, para promover a venda de produtos da agricultura familiar e de base ecológica, além de itens artesanais, diretamente ao consumidor.

cidadão participativo Por meio de pequenas ações do dia a dia, busca fazer a diferença e mudar a realidade de uma situação, comunidade. Busca alcançar benefícios para a sociedade tanto de forma individual como coletiva.

rede guandu – produção e consumo responsável Comercializa produtos saudáveis por um preço justo Piracicaba para se alimentar melhor terramater.org.br/guandu

agroecologia Campo interdisciplinar que contribui na construção de um modelo de agricultura de base ecológica e na elaboração de estratégias de desenvolvimento social e rural.

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economia solidária “Um modo de produção que se caracteriza pela igualdade de direitos: os meios de produção são de posse coletiva dos que trabalham com eles – essa é a característica central. E a autogestão, ou seja, os empreendimentos são geridos pelos próprios trabalhadores.” Fonte: Entrevista de Paul Singer para Scielo Brasil.

Atualmente, cerca de 20 pequenos produtores oferecem hortaliças e legumes orgânicos, cogumelos e pães artesanais, entre outros itens, a cerca de 50 consumidores que buscam, todas as semanas, produtos mais frescos e saudáveis – tudo isso por um preço justo. Há, ainda, a oportunidade de se conhecer quem produziu aqueles itens. Na raiz dessa iniciativa – que nasceu em meio a uma região dominada pelo plantio da cana-de-açúcar e usinas de açúcar e etanol –, está a promoção de uma economia solidária e local, o incentivo à produção sustentável, a possibilidade de conhecer melhor os alimentos e seus valores nutritivos e a prática de um consumo responsável. “É uma alegria participar de um processo de conscientização de economia solidária, e ver produtores entrando em contato com consumidores. É uma experiência social incrível”, afirma Manoel Rodrigues, que começou a participar da rede há seis anos, como produtor de molho de tomate orgânico, e hoje também traz derivados de cacau orgânico de cooperativas da Bahia. A compra e venda são feitas por encomenda, que pode ser online. O consumidor recebe uma mensagem com os itens ofertados naquela semana, seleciona o que quer e busca os produtos em um dia determinado, na sede do Instituto Terra Mater, organização também criada por estudantes e professores da Esalq e que é uma importante parceira da rede. Em 2011, o instituto obteve a aprovação de um projeto, junto no Fundo de Direitos Difusos do Ministério da Justiça, para o desenvolvimento da Rede Guandu. Isso garantiu, por exemplo, o seu espaço físico. A Esalq também contrata o estagiário que desenvolve projetos de melhorias na rede. No mais, são os voluntários que tocam o dia a dia.

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“A rede inspira as pessoas a doarem um pouco de seu tempo”, afirma Adriana, voluntária da Guandu. “Contamos com a ajuda de produtores e consumidores para fazer a venda acontecer.” A distância entre eles fica mais curta, há um comércio justo, e a mesa se torna mais saudável.

comércio justo O Fair Trade (Comércio Justo) contribui para o desenvolvimento sustentável ao proporcionar melhores condições de troca e a garantia dos direitos para produtores e trabalhadores marginalizados. Fonte: Sebrae

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veredas - caminho das nascentes Conserva e preserva as Áreas de Proteção Permanente dos córregos Santa Maria do Leme e Cambuí São Carlos para conhecer os bosques blogveredas. blogspot.com.br

visitas monitoradas Visitas realizadas com monitores que explicam, etapa a etapa, conceitos, teorias e história do que os visitantes estão vendo. Estes são estimulados a participar ativamente da troca de conhecimentos inerente à atividade.

articulação Ato ou efeito de articular(-se). Diálogo em torno de ideias antagônicas; discussão, polêmica.

Trilhas preservadas São vários os caminhos que a organização não governamental Veredas – Caminho das Nascentes percorre para proteger e recuperar os bosques de Santa Marta e do Cambuí, em uma área de reserva de Mata Atlântica dentro do perímetro urbano de São Carlos. Localizados na microbacia hidrográfica dos córregos de Santa Maria do Leme e Cambuí, os bosques ocupam uma área de cerca de 67 mil metros quadrados. A ONG atua para despoluir corpos d’água e preservar o ecossistema local. Para isso, promove visitas monitoradas ao espaço, educação ambiental nas escolas, plantio de mudas, recuperação de mata ciliar, mutirões de limpeza. Os bosques têm placas com informações sobre a fauna e a flora, e as trilhas, em meio à mata recuperada, são usadas pela população. A ONG, criada em 2010, surgiu do esforço de moradores locais, como Benjamin Mattiazzi, que percebeu que, se nada fosse feito, essa riqueza natural seria destruída. O que começou como associação de bairro, no final da década de 1990, logo precisou organizar-se melhor com outros grupos e residentes da região. “Não adiantava fazer algo de maneira isolada. Era preciso trabalhar em conjunto”, conta Mattiazzi. Hoje, a Veredas vale-se de uma rede de alianças, envolvendo associações de moradores dos bairros da região e universidades como a USP e a UFSCar em diferentes frentes de atuação. Uma iniciativa importante da ONG é o trabalho feito com as escolas públicas, como um concurso para elaboração do logo da entidade às visitas monitoradas. “Quando tudo começou, não tínhamos dúvidas de que era preciso ter articulação com os cidadãos de São Car-

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los por meio das escolas públicas”, afirma Leda Maria de Souza Gomes, outra liderança da Veredas. As escolas são receptivas, mas o desafio tem sido conseguir o transporte para trazer as crianças para as visitas nos bosques. Mais recentemente, a Veredas tem buscado entender e enfrentar os impactos da ocupação urbana desordenada, que traz preocupações relacionadas à mobilidade e à impermeabilização do solo, entre outras questões. Participaram de seminários no Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP e fizeram propostas para o novo Plano Diretor da cidade – a principal conquista foi a criação de uma faixa verde adicional de 30 metros em torno dos corpos d'água da bacia do Santa Maria do Leme. São 30 metros “extras”, além do que já é exigido pelo Código Florestal (também de 30 metros). Assim, por meio de diversas conexões e frentes de atuação, a Veredas vai construindo os caminhos para proteger e garantir o usufruto dos benefícios que o meio ambiente preservado pode trazer.

ocupação urbana desordenada Ausência de planejamento nas formas de uso e ocupação de áreas urbanas, cujas consequências são a degradação dos aspectos ambientais e a ocorrência de riscos à vida de seus habitantes – fatores que se agravam em áreas de encostas sujeitas à erosão, assoreamento, enchentes e inundações.

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são carlos

veracidade Desenvolve a permacultura voltada para a realidade urbana

Um novo horizonte

São Carlos para ver sua cidade veracidade.eco.br

permacultura É um sistema de planejamento para a criação de ambientes humanos sustentáveis e produtivos em equilíbrio e harmonia com a natureza. Propõe uma “cultura permanente”, ou seja, uma cultura que visa a nossa permanência em acordo com a natureza.

oscip Organização da Sociedade Civil de Interesse Público. Permite parcerias e convênios com todos os níveis de governo e órgãos públicos.

Djalma Nery conta que um dia, por volta de 2008, quando ainda era universitário, pediram-lhe que pegasse couve em uma horta. Virou motivo de piada ao trazer não só as folhas, mas o pé inteiro, incluindo a raiz: não sabia como se colhia essa hortaliça. Passou então a mexer com hortas, e logo interessou-se pela permacultura. Em 2012, ele e outras 45 pessoas fundaram, em São Carlos, o Veracidade, uma organização que busca trazer esse conhecimento para o ambiente urbano. “O Veracidade é um despertar de consciência, que quer colocar pensamentos em prática e mudar o mundo”, afirma Nery. Atualmente a oscip organiza cursos sobre compostagem, venda de minhocários, mutirões para fazer hortas urbanas, entre outras ações. Em 2013, criou uma CSA (Comunidade que Sustenta a Agricultura) no município. Nesse modelo,

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um grupo de consumidores financia diretamente a agricultura familiar, que investe o recurso em sua produção e depois envia o alimento produzido aos membros. A CSA São Carlos conta com um núcleo gestor próprio. Outra menina dos olhos da entidade é o projeto de Gestão Integrada de Resíduos Orgânicos (Giro), cujo objetivo é destinar a parcela orgânica do lixo urbano para compostagem. Uma consulta pública mostrou que mais de 98% da população do município era favorável a essa iniciativa, e o Veracidade segue reivindicando a criação de uma política pública para viabilizá-la. Ao mesmo tempo, para se manter, a organização precisa se mobilizar e, assim, incentiva campanhas, arrecada doações e obtém financiamentos por meio de editais públicos – seus integrantes aprenderam os caminhos da burocracia. Além disso, entenderam que mais do que promover práticas ambientais, é preciso refletir sobre temas mais abrangentes, como política e mobilidade para alcançar as transformações que almejam. As ideias e ações são fomentadas na sede da organização, que também funciona como uma residência, laboratório de práticas sustentáveis e espaço educador que recebe grupos para visitas mediadas pelos integrantes do projeto. A casa do Veracidade tem, a qualquer momento, de 5 a 12 moradores, que entram e saem periodicamente, atraídos pelos projetos ou pela experiência. Ali há banheiro seco, cisterna para captar água da chuva, painéis solares para aquecer água, energia gerada por painéis fotovoltaicos, tratamento da água usada na cozinha e banheiros, uma pequena área de agrofloresta e uma horta orgânica, onde se cultiva principalmente alface (os pés são vendidos aos vizinhos e moradores locais), além de alecrim, milho, erva-cidreira e couve, é claro. São experiências e experimentações de uma nova relação com a natureza e as pessoas, em busca de um outro tipo de sociedade.

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cooperacra Produz hortaliças e frutas orgânicas que são fornecidas a escolas públicas. Americana para cultivar um pouco de tudo: facebook.com/ Cooperacra

americana

Mistura familiar No tom de voz, orgulho, surpresa e admiração. É assim que os agricultores familiares da Cooperativa da Agricultura Familiar e Agroecológica (Cooperacra), falam de sua produção orgânica e dos novos modos de cultivo baseados na Agroecologia. Em uma propriedade de 27 hectares, com uma Área de Proteção Permanente de quase seis hectares, cerca de 40 produtores cultivam alface, beterraba, brócolis, cenoura, couve, quiabo, entre outras hortaliças, todas orgânicas e certificadas. Parte da produção vai para escolas e entidades beneficentes de Americana e Santa Bárbara D’Oeste. Por semana podem sair de 300 a 700 quilos de cenoura para as escolas. O cultivo das hortaliças é feito de maneira consorciada, com uma “mescla” de diferentes verduras e legumes. Em parceria com a Unicamp, os produtores organizaram um sistema agroflorestal (SAF) em uma área da propriedade, onde foram plantadas espécies de árvores nativas, como ipês e frutíferas, laranjeiras e amoreiras. Mais próximo ao solo são cultivados mandioca, inhame e abóbora. Esse tipo de proposta “era coisa só de professor da Unicamp”, conta José Aparecido Pereira, vice-presidente da cooperativa. “Mas agora já vemos essas palavras saindo da boca do produtor”, conta. “Quando começa a colher berinjela, chicória, brócolis, seguido de banana e abacaxi, o agricultor percebe que a natureza responde mesmo com essa mistura”. Uma mistura boa, que recupera e mantém o solo, além de diversificar a produção. O início da Cooperacra está na chegada, na década de 1980, de algumas famílias de agricultores à região. Em 1989 fundaram a Associação da Agricultura Familiar e Agroecológica de Americana (Acra), já com foco em uma produ-

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selos de orgânicos Há dois modos para se obter um selo orgânico:

A Cooperacra produz verduras, frutas e legumes pelo sistema agroecológico,além de fornecer alimentos para a merenda escolar dos municípios da região, beneficiando 137 escolas municipais e estaduais por meio do PNAE e 22 entidades assistenciais por meio do PAA

ção livre de agrotóxicos. O uso da terra em que trabalham é regulado por um convênio celebrado entre o Instituto de Zootecnia de Nova Odessa e o município de Americana. Em 1999, conquistam a primeira certificação de produção orgânica. Dez anos depois, em 2009, veio a cooperativa. “Não sabíamos para quem vender os produtos”, explica Venceslau de Souza, presidente da cooperativa. “Foi quando abrimos a associação para uma cooperativa, para fazer algo mais profissional e obter selos de orgânicos. É um caminhar.” Os próximos desafios incluem projetos de investimento que permitam maior processamento dos produtos para agregar mais valor a eles, e a busca por novas formas de comercialização. Vai dar mais orgulho ainda.

1. Certificação por auditoria: empresa credenciada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), avalia se determinado produto, processo ou serviço obedece às normas e práticas da produção orgânica. 2. Sistema participativo de garantia: é uma auto-certificação. Realizada por grupos de agricultores, consumidores, comerciantes e/ou organizações públicas ou privadas, chamados de Organismo Participativo de Avaliação de Conformidade (OPAC). As OPACs também precisam estar credenciadas junto ao MAPA.

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Cerca de 40 produtores cultivam alface, beterraba, brĂłcolis, cenoura, co

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a, couve, entre outras hortaliรงas, todas

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amaranto orgânicos Articula e fomenta a produção agrícola familiar de base ecológica e o consumo responsável Sorocaba para repensar a alimentação facebook.com/ AmarantoOrganicos

agricultura familiar O agricultor familiar tem uma relação particular com a terra – seu local de trabalho e moradia. A diversidade produtiva é uma marca desse setor. A gestão da propriedade é compartilhada pela família e a atividade produtiva agropecuária é a principal fonte geradora de renda. Fonte: Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (MDA)

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Cadeia alimentar Já parou para pensar no que você alimenta quando se alimenta? Foi inspirado por essa questão que um grupo de ativistas resolveu criar a Amaranto Orgânicos, um coletivo que luta pela comida saudável em todos os sentidos na cidade de Sorocaba, interior de São Paulo. “Comer é um ato político”, diz um dos integrantes do coletivo, o turismólogo José Felipe Godoy Mello de Lima, especialista em gestão ambiental e sustentabilidade. “E quando a gente traz para casa um alimento pode estar contribuindo – ou não – para a preservação do meio ambiente e a valorização das comunidades tradicionais, por exemplo”. Um dos focos da Amaranto, na ativa desde janeiro de 2016, é a valorização da agricultura familiar. Atualmente, a equipe do coletivo acompanha de ponta a ponta o processo de produção de cerca de 50 famílias da região, algumas delas moradoras de assentamentos e quilombos. Tudo dentro dos preceitos da agroecologia. Dessa forma, além de receber orientação, que vão de técnicas de plantio ao passo-a-passo para conseguir um selo orgânico, os agricultores também ganham auxílio na hora de escoar a produção para as feiras locais, sem atravessadores. Para viabilizar a vida de quem trabalha no campo o coletivo sabe que não pode olhar apenas para um lado. Por isso realiza oficinas e palestras para sensibilizar a população sobre a importância de consumir alimentos saudáveis não apenas em nome da própria saúde, mas também pelo bem-estar das comunidades tradicionais e ecossistemas. A medida ajuda a engrossar o público das feiras locais de orgânicos – a primeira delas foi criada em 2012 por iniciativa do Garfos (Grupo de Articulação Regional da Feira de Orgânicos de Sorocaba), do qual faziam parte integrantes do Amaranto. Assim também nos leva a pensar no que a gente alimenta quando se alimenta.

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Geléias, mel, carambola, abacate, folhas, talos e o tempero indiano massala: produção articulada pelo Amaranto Orgânicos

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csa sorocaba 50 moradores da cidade financiam a produção agrícola de quatro famílias da região Sorocaba para investir em agricultura familiar csasorocaba.org.br

assentamento rural É um conjunto de unidades agrícolas independentes entre si, instaladas pelo Incra onde originalmente existia um imóvel rural que pertencia a um único proprietário.Cada uma dessas unidades – parcelas, lotes ou glebas –, é entregue a uma família sem condições econômicas para adquirir e manter um imóvel rural por outras vias. Fonte: INCRA

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Sustento por um ano Beldroega e ora-pro-nóbis são exemplos de PANCs que figuram nas cestas de frutas, hortaliças e legumes do CSA Sorocaba. “São espécies comuns na roça e consumidas como alimento pelos agricultores, mas na cidade muita gente ainda acha que são ervas daninhas”, diz Melissa Branco, uma das coprodutoras do CSA Sorocaba, ao lado de outros cerca de 50 moradores da cidade. A iniciativa, criada em 2015, integra uma rede mais ampla e com atuação mundo afora: a Comunidade que Sustenta a Agricultura, ideia surgida nos Estados Unidos, na década de 1980, onde um grupo de consumidores se junta para financiar a produção de pequenos agricultores. Em contrapartida, os coprodutores, como são chamados, recebem semanalmente cestas com itens produzidos dentro dos princípios da agroecologia. Em Sorocaba, todo o trabalho da CSA é feito de forma voluntária pelos coprodutores, divididos em quatro frentes: comunicação, financeiro, entrega e técnico – este último realiza o planejamento da produção, o aprimoramento de técnicas da agroecologia e os projetos de investimentos em melhorias estruturais para a vida das famílias agricultoras. Os voluntários também organizam passeios onde os coprodutores visitam o assentamento e estreitam os vínculos com os produtores. Atualmente, o CSA Sorocaba trabalha em parceria com quatro famílias de agricultores que vivem em um assentamento da região. Graças ao compromisso firmado pelos coprodutores em custear a produção por pelo menos um ano, os produtores trabalham de forma tranquila e segura. No momento frequentam um curso oferecido pelo CSA Sorocaba e Instituto Biodinâmico, para obter a certificação orgânica dos produtos e assim escoar a produção para pontos de venda na cidade.

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Berinjela orgânica produzida por agricultores da CSA. Segundo o MinistÊrio da Agricultura, mais de 84% dos estabelecimentos agropecuårios brasileiros pertencem a grupos familiares

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são josé dos campos

ecomuseu Promovido pelo Centro de Estudos da Cultura Popular São José dos Campos para valorizar saberes ecomuseusjc. blogspot.com.br

horta comunitária São instaladas em lotes vagos, praças abandonadas ou terrenos baldios e mantidas por pessoas da região – sua produção abastece pessoas que moram perto destes terrenos.

Museu itinerante Esqueça o padrão da maioria dos museus, estruturados em um espaço físico para onde o público se dirige quando deseja apreciar determinado acervo. A proposta de um ecomuseu é ir até as comunidades e registrar um patrimônio que pode incluir saberes, fazeres e tradições locais, bem como áreas naturais, a exemplo de rios e matas. Esse conceito, nascido na década de 1970, na França, inspirou em 2015 a criação do Ecomuseu Campos de São José, na cidade de São José dos Campos. “Nosso acervo é dinâmico e vivo, formado com a ajuda da comunidade”, explica a historiadora Maria Siqueira Santos, coordenadora do projeto idealizado pela folclorista e cientista social Ângela Savastano, presidente do Centro de Estudos da Cultura Popular. As atividades do ecomuseu se desenrolam em Campos de São José, bairro constituído em boa parte por migrantes nordestinos que vieram trabalhar como operários ou prestadores de serviço no interior paulista. Uma delas visa valorizar o artesanato da região e atualmente reúne cerca de 20 mulheres para produzir itens de crochê, bordado e fuxico. Para divulgar a ideia e conquistar novas adesões aconteceram 13 feiras no bairro entre 2015 e 2016, bem como uma roda com artesãos em uma praça local. Neste ano o grupo passou a participar da Feira de Artesanato Mãos e Artes, realizada aos domingos, no Parque Vicentina Aranha. Outra ideia que nasceu a partir dos encontros do Núcleo de Ação do Ecomuseu foi a criação de uma horta comunitária no Parque Alambari. “Como aquele espaço é área de preservação permanente, intermediamos o contato entre a comunidade e a Secretaria Municipal do Meio Ambiente”, conta

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Maria. Assim, além do plantio de espécies nativas, com o auxílio de técnicos da prefeitura os moradores pensaram em um projeto de captação de água da chuva para irrigar a plantação. Do rol de atividades do ecomuseu também faz parte o mapeamento das manifestações culturais e religiosas que acontecem no bairro, a exemplo da Festa de Santa Cruz, realizada na primeira semana de maio com quermesse e cavalgada. “São tradições que correm o risco de se perder por causa do desinteresse dos jovens ou pelo fato dos adultos terem abraçado outras religiões que proíbem a participação em eventos do gênero”, observa Maria. Não por acaso, a próxima ação da equipe será catalogar em um livro esse patrimônio, que confere identidade aos moradores de Campos de São José.

Saberes valorizados Muitas vezes é por meio do regional que alcançamos o universal. E vice-versa. Que o digam os participantes do Programa de Jovens – Meio Ambiente e Integração Social (PJ Mais) de Paraibuna, município de 18 mil habitantes da região do Alto Paraíba. Em parceria com a reserva da biosfera do cinturão verde, o Instituto H&H Fauser desenvolve o programa onde jovens de 15 a 21 anos tornam-se protagonistas de iniciativas intimamente relacionadas com a valorização do lugar onde vivem e dos saberes nele contidos. “Os jovens estão na faixa etária mais criativa, capaz de transformar a realidade”, afirma Carlos Alberto da Silva, um dos fundadores do instituto. Por isso, são incentivados a promover mudanças reais em seu entorno.

instituto h&h fauser Desenvolve o Programa de Jovens – Meio Ambiente e Integração Social, que promove a inclusão social por meio da educação ecoprofissional Paraibuna para abrir possibilidades www.ihhf.org.br

reserva da biosfera do cinturão verde Foi criada em 9 de junho de 1994 e abrange 73 municípios em torno da cidade de São Paulo.

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Grandes tachos sobre um fogão de dez metros fervem o caldo da cana para produzir melaço

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O instituto oferece um curso de formação com os seguintes módulos formativos: produção e manejo agrícola e florestal sustentável; agroindústria artesanal; turismo sustentável; consumo e lixo, entre outras. A partir delas, os jovens elaboram projetos que atendam a seus desejos e tragam benefícios para a comunidade local. Um programa complementar de iniciação científica os ajuda a sistematizar e concretizar suas ideias. Foi assim, por exemplo, que surgiu o projeto Viveiro Escola, em 2009. Ele explica, entre outras atividades, o cultivo do cambuci, árvore frutífera nativa da Mata Atlântica, a alunos do ensino fundamental de uma escola local. Em 2013 uma lei municipal tornou obrigatório que todas as escolas técnicas tenham um viveiro. Essa evolução é o resultado de um aprendizado sobre articulação e ações conjuntas entre diferentes esferas da sociedade, envolvendo escola, prefeitura e patrocinadores. “Quando conheci o trabalho do Instituto Fauser, um mundo de ideias se abriu. O programa trouxe um despertar de que sou capaz”, conta Pedro Barbosa, um dos primeiros jovens a ser convidado para coordenar o Viveiro Escola e que hoje estuda engenharia ambiental. Outro projeto de destaque oferece dois roteiros turísticos em três propriedades rurais – foram mais de 6 mil visitantes desde 2010. Um deles tem como atrativo a produção artesanal de derivados da cana-de-açúcar. Enquanto do alambique sai a cachaça, em grandes tachos, sobre um fogão de dez metros, é fervido caldo de cana para produzir melaço, rapadura e açúcar mascavo. O outro roteiro leva a uma propriedade que transformou uma área degradada em uma floresta com 90 variedades de árvores frutíferas nativas, tais como pitomba, cambuci, pitanga, carambola, castanha de baru e jaracatiá. É um exemplo de agrofloresta que, além de oferecer todos esses sabores,

engenharia ambiental Ramo da engenharia que estuda os problemas ambientais de forma integrada nas suas dimensões ecológica, social, econômica e tecnológica, com vista a promover o desenvolvimento sustentável.

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vale do paraíba

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posteriormente transformados em suco, geleias e compotas, protege e nutre o solo. Os roteiros incluem uma refeição caipira na terceira propriedade do roteiro, com destaque para o fogado (variação de afogado), típico do Vale do Paraíba, que leva costela, músculo, urucum e hortelã. Se para muitos jovens da região o futuro está lá fora, nas grandes cidades, os que participam dos programas do Instituto Fauser entendem que o lugar onde cresceram também tem muitas portas a abrir.

coletivo pupa permacultura Promove cursos e vivências de construção sustentável, agroecologia e permacultura São José dos Campos para construir uma casa facebook.com/PUPA. Permacultura/

pau-a-pique Técnica construtiva do período colonial do Brasil. Por meio de entrelaçamento de madeiras verticais fixadas no solo, com vigas horizontais, cria-se um grande painel perfurado, que tem seus vãos preenchidos com barro.

Alicerces sustentáveis A sede do Coletivo Pupa Permacultura é uma importante mostra do trabalho que o grupo desenvolve no bairro dos Freitas, em São José dos Campos. Boa parte da construção, composta por várias unidades, foi erguida dentro dos princípios da permacultura, o que implica no uso de materiais de construção naturais, reuso de resíduos e também de técnicas tradicionais construtivas da região, a exemplo do pau-a-pique. Por abrigar plantas, o telhado verde garante conforto térmico e acústico à edificação, além de absorver a água da chuva e devolvê-la em doses homeopáticas à terra para evitar enchente. Já o banheiro ganhou um painel colorido produzido com cacos de cerâmica por integrantes de uma oficina de mosaico oferecida pelo grupo aos moradores da localidade e de outras partes da cidade. Disseminar esses múltiplos conhecimentos é a meta principal do coletivo criado em 2011, dentro da Associação Cristã Estância de Luz (Acel), organização não-governamental fundada há 25 anos para prestar assistência médica e social à população do bairro dos Freitas. “Nosso bairro é fruto do crescimento desordenado da cidade: não temos

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saneamento básico e locais de lazer, como praças”, conta Yuri José Gonçalves de Almeida, nascido naquele distrito e um dos fundadores do Pupa. “O que buscamos ensinar aqui é o respeito pela natureza, bem como mostrar que é possível utilizar os recursos disponíveis na região para erguer uma casa, por exemplo”. Além de oficinas ligadas à construção sustentável, o grupo passou a realizar neste ano o curso prático de agroecologia em parceria com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o coletivo Mais – Movimento de Agroflorestores de Inclusão Sintrópica. Paralelo a isso, o Pupa criou uma área de cultivo para agricultores da região, cuja produção é escoada na cidade por meio de feiras. Para aproximar ainda mais o trabalho da comunidade local, o coletivo também aposta em atividades culturais. Assim, os moradores podem frequentar uma biblioteca com seis mil títulos, além de ter acesso a uma programação que inclui sarau de poesia, oficina de capoeira e clube de troca do vinil. Não é por acaso que a sede do Pupa vem se transformando no grande ponto de encontro do bairro.

construção sustentável Práticas adotadas antes, durante e após os trabalhos de construção para reduzir os impactos ambientais, alcançar conforto térmico e reduzir o consumo de água e energia.

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litoral de são paulo

coletivo educador de bertioga Por meio de discussões e ações práticas busca conscientizar a população para a questão socioambiental Bertioga para se engajar facebook.com/ColetivoEducador-de-Bertioga

plano de manejo da reserva natural sesc A partir de um processo inovador e participativo, o plano foi realizado ao longo de dois anos e envolveu mais de 40 especialistas, com estudos de caracterização do meio físico, biótico (fauna e flora) e antrópico (com diagnóstico e planejamento participativo). A reserva, por sua localização, riqueza, entorno e história, teve evidenciado seu potencial de conectar pessoas aos ambientes naturais.

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Guardião das matas Um dado chama atenção na configuração de Bertioga, município do litoral paulista: 90% estão inseridos em unidades de conservação – como uma porção do Parque Estadual da Serra do Mar – e outras áreas legalmente protegidas, públicas e privadas, como parques, reservas, terras indígenas, entre outras. Entretanto, esse tesouro não está livre de ameaças. “Muita gente não sabe disso ou então finge não saber”, conta a professora e moradora Lígia Maria Ortega Jantalia. “Assim, a cidade acaba sendo vítima da especulação imobiliária e das ocupações desordenadas, que trazem o desmatamento”. Lígia é uma das integrantes do Coletivo Educador de Bertioga, criado para pensar e atuar nos problemas socioambientais da região por meio de informação e ações práticas. Desde então, o grupo já realizou, por exemplo, um abaixo-assinado contra a transposição do rio Itapanhaú, bem como mutirões para limpeza de praias e rios. No momento promove o Ciclo de Diálogos, voltado para lideranças comunitárias com a meta de fortalecer o trabalho em rede e também reforçar o sentimento de pertencimento àquela comunidade. O coletivo nasceu em 2014 durante a elaboração do plano de manejo da reserva natural sesc em Bertioga. Na época, a discussão sobre a proposta reuniu um público variado, vindo do poder público, da iniciativa privada e da sociedade civil. Logo os participantes perceberam que juntos poderiam pensar em estratégias e criar projetos pautados pela sustentabilidade e melhoria da qualidade de vida da população local. Atualmente o coletivo possui cerca de dez integrantes fixos – entre eles ambientalistas e simpatizantes da causa ambiental, além de representantes de empresas e instituições públicas, a exemplo do próprio Sesc Bertioga e do

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Parque Estadual da Restinga de Bertioga. “As ações socioambientais que antes aconteciam de forma isolada agora são realizadas em conjunto e reverberam com mais potência junto à nossa comunidade”, comemora o professor Ícaro Camargo, colaborador do grupo. É assim, com diálogo e união, que Bertioga vem lutando para conservar seu patrimônio ambiental.

Orgânicos em Santos Quem diria que a Feira Orgânica de Santos começou de forma tímida com apenas quatro barracas, em setembro de 2011, no Jardim Botânico Chico Mendes. Desde então, o evento ganhou músculos: conta com cerca de quinze expositores e se espalhou por outros cinco espaços do município. Trata-se da primeira iniciativa do gênero de grande porte na cidade. Uma demanda antiga da população, que desejava consumir alimentos mais saudáveis e produzidos de forma sustentável, mas esbarrava na falta de pontos de venda. “Além de oferecer alimentos orgânicos, recém-colhidos e de custo acessível, a feira despertou o interesse dos moradores para questões como a defesa do trabalhador rural, que consegue melhor remuneração ao fazer a venda direta dos produtos”, afirma o engenheiro agrônomo Paulo Marco de Campos Gonçalves, coordenador do evento. Agora os moradores encontram em vários dias da semana artigos como hortaliças, frutas, laticínios, ovos e, até mesmo, cosméticos e brinquedos. A programação varia de acordo com o espaço e inclui atividades como práticas de meditação e artesanato ecológico. De quebra, o evento aproxima os santistas a espaços da cidade que oferecem opções de lazer, esporte, cultura e educação, além do contato direto com a fauna e a flora.

secretaria municipal do meio ambiente Realiza uma feira itinerante de produtos orgânicos e artesanais com atividades culturais, ambientais e esportivas Santos para achar sua feira facebook.com/ feiraorganicadesantos/

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vale do ribeira

biofábrica produção de biofertilizantes especiais a comida da comida Busca dotar agricultores familiares, tradicionais, quilombolas e assentados de insumos tecnicamente adaptados à Mata Atlântica e à produção orgânica Sete Barras, Vale do Ribeira

biofertilizantes Subproduto obtido a partir da fermentação anaeróbica de resíduos da lavoura ou dejetos de animais na produção de biogás. Sob forma líquida, contém uma complexa composição de nutrientes essenciais às plantas, atuando como fertilizante e também como defensivo agrícola, erradicando pragas, doenças e insetos. Fonte: Talita Barros/ Ageitec/Embrapa

sete barras

Biofertilizantes com perfil local Para produzir alimentos orgânicos, o produtor rural precisa dispor de uma série de insumos – um pacote tecnológico, tal qual existe para a agricultura convencional. Porém, um dos gargalos para esse tipo de produção são os fertilizantes. Em Sete Barras, no Médio Vale do Ribeira, no sul do estado de São Paulo, a Associação Cooperação Técnica desenvolveu, junto a comunidades e associações de agricultores familiares e agroecológicos, a Biofábrica – Produção de Biofertilizantes Especiais – A Comida da Comida. Trata-se de uma tecnologia social que oferece insumos adaptados à Mata Atlântica e à produção orgânica aos agricultores familiares, tradicionais, quilombolas e assentados do Vale do Ribeira. É dada uma atenção não apenas à metodologia e à padronização dos produtos, como um respeito à memória cultural e tecnológica da região. Assim, os biofertilizantes e insumos que saem da fábrica são feitos de maneira a melhor atender as diferentes demandas dos subterritórios – o Alto, o Médio e o Baixo Vales. Há experiências, por exemplo, com os diferentes minerais encontrados em cada região, bem como testes com o uso de pó de ostras no Baixo Vale. A iniciativa também está promovendo capacitações em agroecologia com jovens da região, por meio de uma parceria com a Embrapa, para que eles possam atuar na produção dos insumos. O aumento de produtores dedicados às práticas orgânicas anima a iniciativa, que quer estabelecer duas unidades da biofábrica por sub-região. Isso porque, para os seus idealizadores, a agricultura orgânica é algo de bairro, e portanto os biofertilizantes também deveriam ser produzidos localmente.

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Resgate de sementes Muito dos saberes, histórias, cultura e valores das comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, no sul do estado de São Paulo, estão guardados em plantas e sementes oriundas das lavouras tradicionais da região. No entanto, muitas espécies antes cultivadas no Vale encontram-se hoje escassas ou em vias de extinção. Por isso, as comunidades, com a parceria e o apoio do Instituto Socioambiental (ISA), criaram a iniciativa Paiol de Sementes, para resgatar sementes crioulas e quilombolas e sua rica tradição. Foram realizados diversos encontros e oficinas para discutir a importância de se ter um banco de sementes e para falar sobre coleta, seleção e armazenamento desse tipo de material. Após um levantamento realizado junto a diversos quilombos do Vale do Ribeira, foram identificadas mais de 50 espécies de arroz, milho, feijão e mandioca. No entanto, durante o lançamento do Paiol, ocorrido em uma feira de troca de sementes e mudas da região, em 2015, foram encontradas mais variedades, totalizando cerca de 80 espécies. Atualmente, a iniciativa envolve 14 comunidades quilombolas dos municípios de Itaoca, Iporanga, Eldorado e Iguape, com a participação direta de 600 famílias. Com esse trabalho, descobriram que espécies que eram consideradas desaparecidas em algumas regiões ainda ocorriam em outras, ou suas sementes foram redescobertas dentro da própria comunidade. Dezenas de sementes encontram-se armazenadas em uma geladeira da Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira (Cooperquivale), em Eldorado; outras espécies são plantadas em áreas do Quilombo de Morro Seco, em Iguape. A iniciativa quer abrir mais espaços na região.

paiol de sementes O banco de sementes reúne dezenas de etnovariedades de milho, arroz, feijão e mandioca, com o intuito de resgatar e valorizar essas espécies alimentícias e a tradição quilombola Eldorado, Vale do Ribeira para valorizar as sementes facebook.com/ trocadesementes dosquilombosdo valedoribeira

quilombolas São grupos étnicos – predominantemente constituídos pela população negra rural ou urbana –, que se autodefinem a partir das relações específicas com a terra, o parentesco, o território, a ancestralidade, as tradições e práticas culturais próprias. Estima-se mais de três mil comunidades quilombolas no país.

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Hรก sementes 05Iniciativa_VALE RIBEIRA_TXT.indd 74

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s resistentes

© claudio tavares/isa

à temperatura e às mudanças climáticas que estamos enfrentando

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© alexandre kishimoto/isa/2015

Plantio de milho e feijão no Quilombo de Nhunguara. Área usada pela família de José Rodrigues de Almeida, conhecido como Jucão e sua esposa (ao fundo) Aparecida Ursulino da Mota Almeida

As sementes também são comercializadas ou compartilhadas nas Feiras de Sementes e Mudas das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira. Há sementes muito antigas, conta Maria Tereza Vieira da Mota, do Quilombo Nhunguara, de Iporanga. “São das melhores. São resistentes à temperatura, às mudanças climáticas que estamos enfrentando”. Além de resgatar e valorizar tradições e culturas consolidadas ao longo do tempo, o Paiol de Sementes contribui para a recuperação da agrobiodiversidade das comunidades. Também envolve, por meio da alimentação, o bem-estar e a saúde, uma vez que muitas espécies dispensam o uso de agrotóxicos. Assim, as sementes do passado e do presente ajudam a resgatar memórias, valores e tradições, e vislumbrar possibilidades para o futuro. © frederico viegas/isa/2015

O jovem Ivan dos Santos Vieira, do Quilombo Pedro Cubas de Cima, acompanhou o nascimento do banco de sementes quilombolas

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Adaptação de tradições Adaptar-se aos novos tempos é preciso, e é o que a Associação de Agricultores Familiares do Santa Maria, de Cananéia, no Vale do Ribeira, está fazendo. De 300 famílias que viviam na área, hoje restam cerca de 50 ou 60. Essa evasão ao longo das últimas décadas foi motivada por diversos fatores, entre elas a proibição do sistema de coivara – queimadas para abrir áreas de plantio, técnica que era muito utilizada por comunidades quilombolas, indígenas e ribeirinhas –, e as restrições do uso do solo surgidas devido à criação de áreas ambientalmente protegidas na região. Há cerca de quatro anos, a associação deu início ao uso de uma nova forma de produção, chamada de Sistemas Agroalimentares Adaptados – Colhendo Aromas e Sabores. Desenvolvida por engenheiros agrônomos da Associação Cooperação Técnica, essa tecnologia avalia as características geográficas, ambientais e culturais de um dado local e respeita a memória técnica e o saber produzir do agricultor para escolher o sistema produtivo mais adequado para ele. No entendimento da iniciativa, não há um único modo de produzir que sirva para todos os subterritórios existentes na região – Baixo, Médio e Alto Vale do Ribeira –, e cada comunidade pode ter um sistema construído ali mesmo, fazendo uso de técnicas mais culturalmente próximas dos agricultores. Esses sistemas estão fundamentados em técnicas de manejo orgânico, na agricultura biodiversa e no mercado consumidor. A tecnologia é atualmente utilizada na comunidade do Santa Maria e em outras cinco localidades do Vale do Ribeira. Com isso, espera-se que os agricultores familiares, ao adaptar sua forma de produzir aos novos tempos e demandas, consigam permanecer em suas comunidades.

sistemas agroalimentares adaptados – colhendo aromas e sabores Proporcionar tecnologias de produção que se adequem à diversidade de situações encontradas na agricultura familiar de bases ecológicas Cananéia

manejo orgânico Envolve: (a) Reciclagem de nutrientes; (b) uso de fontes renováveis de energia; (c)manutenção das relações biológicas; (d) uso de materiais de origem natural; (e)padrões de cultivos para as espécies de plantas adaptadas às condições ecológicas da propriedade; (f)ênfase na conservação do solo, água, energia e recursos biológicos. Fonte: Francisco Resende/ Ageitec/Embrapa

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csa abc Vinte e seis pessoas financiam a produção anual de um agricultor e recebem em troca os alimentos orgânicos cultivados durante determinado período Santo André para apoiar um agricultor www.csaabc.eco.br

chamamento público Procedimento destinado a selecionar organização da sociedade civil para firmar parceria por meio de termo de colaboração ou de fomento. lei n˚ 13.019, de 31 de julho de 2014. Fonte: planalto.gov.br

santo andré

Consumidor co-produtor O geógrafo Fábio da Cunha Brito e o biólogo Victor Dimitrov se conheceram durante a faculdade, em 2005. Na época, a dupla e outros colegas organizaram uma compra coletiva de alimentos vindos diretamente de produtores da agricultura familiar no interior paulista. “Desde então a gente já nutria um grande interesse por questões do campo e pela alimentação saudável”, conta Fábio. “Mas a ideia surgiu por conta de uma questão prática: era muito difícil encontrar produtos orgânicos em Santo André”. Quando o grupo saiu da faculdade, a iniciativa adormeceu até 2012. Naquele ano os dois amigos fizeram um chamamento coletivo, reuniram algumas famílias da cidade e retomaram a prática de comprar itens sem intermediários, entregues de casa em casa. Foi assim durante três anos, até que Victor e Fábio perceberam que desejavam dar um passo além. “A gente queria ter uma relação mais profunda com os produtores e não meramente comercial”, lembra o geógrafo. Durante um encontro de entidades com iniciativa sustentável, em Santo André, conheceram a proposta da Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA), ideia nascida na década de 1980, nos Estados Unidos. Trata-se de um trabalho feito em parceria entre produtores de alimentos orgânicos e um grupo fixo de consumidores que se comprometem a cobrir o orçamento anual da plantação para receber em troca os alimentos cultivados durante um período estabelecido. Entusiasmados, Fábio e Victor convidaram para o projeto Altamir Bastos, do Sítio Guajuvira, localizado no Assentamento Nova Esperança, em São José dos Campos (SP). Na sequência, por meio de chamamento público reuniram trinta e duas pessoas interessadas em apoiar a produção daquele agricultor.

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Escola Municipal de Educação Ambiental Sítio Tangará: neste espaço o CSA ABC se encontra para fazer entregas de alimentos, troca de receitas e reuniões de grupo.

Hoje participam do grupo vinte e seis consumidores que se reúnem a cada quinze dias na Escola Municipal de Educação Ambiental Parque Tangará, em Santo André. Ali, recebem hortaliças, legumes e frutas trazidos por Altamir, além de produtos orgânicos processados como farinha de trigo, arroz e suco de uva oriundos das cooperativas gaúchas Terra Livre, Monte Vêneto e Coopare. Na oportunidade os integrantes do CSA ABC também aproveitam para organizar uma roda de conversa onde refletem sobre o processo, discutem o orçamento e trocam receitas como se fossem amigos da época de faculdade.

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nossas vilas, vielas e quintais Revitalização de espaços degradados com o envolvimento da população Santo André para participar de um projeto socioambiental mddf.org.br

centro comunitário Espaço público ou privado que promove serviços e atividades para a prevenção das situações de risco social, por meio do desenvolvimento de potencialidades e do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários.

santo andré

A força da comunidade Mudar a cara da cidade por meio da participação popular. Essa é a proposta do Nossas Vilas, Vielas e Quintais, projeto realizado desde 2015 em vilas e conjuntos habitacionais de Santo André, na região metropolitana de São Paulo. A ideia partiu do Movimento de Defesa dos Direitos dos Moradores em Favelas de Santo André (MDDF), organização criada em 1987 que há oito anos aposta em mobilizações com pegada ambiental. “Atuamos em lugares esquecidos pelo poder público, cujo problema em comum é o descarte do lixo”, conta Edinilson Ferreira, um dos diretores da entidade. “Sem alternativa e consciência ambiental, os moradores acabam transformando terrenos baldios e matas em depósito de detritos”. É o que acontecia nas vilas Sacadura Cabral e Ipiranga e nos conjuntos Prestes Maia e Gonçalo Zarco – lugares onde o projeto foi realizado até agora. Primeiro, os moradores saíram em excursão para conhecer áreas verdes, mananciais e aterros sanitários da cidade. Depois, participaram de mutirões para melhorar os próprios espaços públicos e também de encontros onde conheceram a história do local onde vivem. Assim, espaços degradados ganharam um novo significado para a população. Os moradores do conjunto Prestes Maia, por exemplo, escolheram transformar em praça um terreno baldio alvo do descarte irregular de lixo. Graças a esta ação realizada em parceria com a prefeitura de Santo André, o lugar recebeu equipamentos, como brinquedos e bancos, e virou centro de convivência para crianças e adultos da região. Já os moradores da vila Sacadura Cabral revitalizaram o centro comunitário. As paredes foram pintadas com tinta

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recolhida em estações de coleta de material reciclável e na fachada um mural executado por artistas convidados retrata as lideranças que lutaram pela comunidade. Uma homenagem às pessoas que no passado já mostravam que é possível, sim, mudar a cara da cidade por meio da participação social.

Sem fronteiras Meu quintal é maior do que o mundo. A frase, trecho de um poema de Manoel de Barros, diz muito sobre o trabalho de Ana Luiza Frari e Thiago Prates. Desde 2012 a dupla está à frente do Quintal Itinerante, projeto que busca resgatar de forma lúdica o vínculo de quem vive nas cidades com a terra. “Nosso público é muito variado, vai de crianças a idosos”, conta Ana, que é socióloga e professora. “O que não muda é a proposta: queremos difundir a educação ambiental de um jeito divertido, sensibilizar as pessoas por meio da arte”.

quintal itinerante Sensibiliza para a questão ambiental e valoriza a memória afetiva em relação à terra por meio da arte-educação São Caetano do Sul para ampliar seu mundo quintalorganico.blogspot. com.br/ e facebook.com/ quintalitinerante/

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bioconstrução Conjunto de técnicas de construção que buscam a harmonia entre a edificação e o ambiente no qual ela esta inserida, minimizando os impactos negativos e priorizando a qualidade de vida.

são caetano do sul

Isso acontece graças a uma série de atividades, a exemplo da oficina de bioconstrução, onde os participantes pisam o barro que vai gerar as paredes da edificação enquanto entoam sambas de roda. Recentemente, o projeto também abraçou o audiovisual ao criar o registro Memórias e Saberes da Roça, que produz vídeos com entrevistas, vivências e trocas de conhecimentos entre migrantes e a população urbana. A origem do Quintal Itinerante remonta ao ano de 2005, quando o ex-marido de Ana perdeu o emprego. Na época, o casal obteve concessão para utilizar um terreno da empresa de energia elétrica AES Eletropaulo próximo de onde vivia, em São Caetano do Sul, na grande São Paulo. Ali, os dois começaram a cultivar alimentos, ervas medicinais e mudas de plantas ornamentais. O casamento de Ana chegou ao fim, mas ela permaneceu no lote. Animada por uma pós-graduação em educação ambiental e pela convivência com outros coletivos da região, batizou o refúgio de Quintal Orgânico, em 2009, onde passou a promover oficinas e encontros culturais, como roda de viola e sarau de poesia. Sem contar os mutirões de plantio e manejo agroecológicos para produzir alimentos que transformaram o lugar em referência de produção orgânica, agroecologia e permacultura na região. Entretanto, nem tudo eram flores: parte da vizinhança, incomodada com a movimentação, começou a questionar o espaço. Foi a deixa para que a iniciativa se reinventasse com um caráter essencialmente itinerante – hoje acontece em escolas, centros culturais, associações públicas e particulares, em cidades no entorno da capital paulista. Um desses espaços é o Sesc Santo André, onde recentemente Ana e Thiago construíram com as crianças do programa Curumim uma horta em formato de mandala e mostraram aos pequenos que os quintais não têm fronteiras.

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Do isolamento para o compartilhamento Compartilhar é um verbo importante dentro da Rede Verde Sustentável, formada por 12 cooperativas de catadores de materiais recicláveis, em São Paulo. Em vez de trabalharem de forma isolada, os catadores atuam juntos nas cooperativas, compartilham equipamentos como caminhões, esteiras, prensas e carrinhos elétricos. Tais maquinários são adquiridos pela Rede por meio de parcerias com o poder público e com empresas comprometidas com a logística reversa, e assim as cooperativas vão se transformando em negócios elaborados, dentro dos parâmetros de uma economia solidária. Dessa forma, a Rede, criada em 2014 em parceria com o Instituto Ecoar para a Cidadania e com apoio da Secretaria Nacional da Economia Solidária, busca fortalecer essas cooperativas para melhorar as condições de coleta, triagem e negócios, de trabalho e de qualidade de vida dos catadores. Um exemplo é a Cooperativa de Trabalho dos Catadores de Materiais Recicláveis de Itapevi (CMR). Surgida em 2000, após a desativação de um lixão, a cooperativa passou por quatro anos de trabalho junto com os catadores, para que entendessem esse novo modo de atuar. “No lixão, eu trabalho, eu vendo e o dinheiro é meu. Na cooperativa, todos se unem, para vender e dividir”, conta Rosa Maria Araújo Santos, presidente da CMR. Atualmente essa cooperativa ocupa um galpão de 250 metros quadrados e conta com um caminhão, ambos cedidos pela prefeitura. A associação tem estatuto e regimento internos e, de acordo com a legislação para o trabalho das

rede verde sustentável Formada por doze cooperativas de catadores de materiais recicláveis Cotia para saber mais: facebook.com/RVSESP/

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catadores

embu-guaçu

Fonte: Ministério do Meio Ambiente (MMA).

cooperativas, os vinte catadores associados têm vínculo com a entidade, com direitos e obrigações, incluindo as tributárias. Sem estar com esse aspecto em ordem, as cooperativas não podem participar da rede, e também não conseguem formalizar parcerias com empresas e outras instituições. Assim, os catadores, que antes atuavam na informalidade e em condições insalubres, apesar da importante contribuição que dão à sociedade por meio da redução de resíduos destinados a aterros e lixões e da redução de gases de efeito estufa, conquistam e compartilham reconhecimento e melhores condições de trabalho.

sítio floradas da serra

Abelha rainha

São agentes de transformação ambiental. Sua ação minimiza o quantitativo de lixo a ser coletado pelas municipalidades, ampliando a vida útil dos aterros sanitários.

Produz mel e derivados a partir da criação sustentável de abelhas nativas Embu-Guaçu (SP) para pedir seu mel facebook.com/ SitioFloradasdaSerra/

Para um distraído que entrar na propriedade de 10 hectares de Ana Coutinho, no município de Embu-Guaçu, pode parecer que o lugar está um tanto descuidado, com a vegetação cobrindo todos os cantos. Mas a verdade é que o sítio Floradas da Serra abriga diversas árvores frutíferas, hortaliças e plantas aromáticas e medicinais, que crescem em meio a uma vegetação nativa recuperada. Essa “mistura”, que garante a exuberância do local, é o resultado do trabalho de Ana, que ali começou a criar abelhas e a cultivar plantas que as atraíssem, no final da década de 1980. Hoje ocorrem diversas espécies nativas de abelhas, como jataí, mandaçaia, mirim, jandaíra, dentre outras, atraídas naturalmente à área. Por isso, a produção artesanal de mel e derivados é um dos destaques do sítio. Após o cuidado com as abelhas, veio a produção agrícola.

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Desde o início, Ana buscou algo sustentável, que fosse diferente dos métodos de plantio convencionais: “Eu queria cuidar do meio ambiente e gerar renda”, conta. Ou seja, quando termos como agroecologia e manejo de sistemas agroflorestais ainda não eram comuns, Ana já tateava esse universo. Entrou em contato com outros grupos e pessoas que tinham a mesma preocupação que ela, fez cursos de capacitação, aprendeu mais sobre práticas agrícolas e apicultura sustentáveis. Nessa busca pelo entendimento do tipo de prática agrícola que fazia, também deparou-se com questões de gênero, pois via que o fato de ser mulher e pequena agricultora não era valorizado pelas pessoas. “Para elas, se do meu sítio não saíam caminhões carregados de alface, então eu não era agricultora, não trabalhava”, diz. Hoje, o Floradas da Serra já conta com certificações de produção vegetal biodinâmica, como a da ABD – Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica e Demeter, conquistadas respectivamente em 2011 e 2015. O objetivo do sítio é se tornar um local agroecológico e biodinâmico de referência. Seus produtos são vendidos diretamente ao consumidor, no próprio sítio ou na Feira Orgânica do Ibirapuera. Acompanhada de seu filho Paulo, Ana promove oficinas e cursos sobre a importância das abelhas nativas e a produção artesanal e agroecológica de mel, além de dar aulas sobre alimentação orgânica, plantas aromáticas e medicinais e PANCs. Também não largou a questão do gênero: está à frente do primeiro grupo de mulheres e agroecologia de Embu-Guaçu, com a participação de cerca de 30 pessoas, e ajuda a formar outros grupos similares na região, onde são trabalhadas questões relacionadas à agroecologia, sustentabilidade, empoderamento feminino e autoestima.

agricultura biodinâmica Modelo antroposófico, inspirado em palestras de Rudolf Steiner, criador da Antroposofia. A Agricultura Biodinâmica não utiliza adubos químicos, venenos, herbicidas, sementes transgênicas, antibióticos ou hormônios. Busca a relação ética com a natureza e a individualidade agrícola, por meio da integração das atividades de uma propriedade como horta, pomar, campo de cereais, criação animal e florestas nativas.

empoderamento feminino Reconhecimento das restrições sociais a que a mulher está submetida e necessidade de reversão dessa situação por meio de autonomia e autoestima. Mobilização para mudar os padrões tradicionais de gênero.

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assentamento pds dom tomás balduíno No local sessenta e seis famílias produzem de forma agroecológica Franco da Rocha para entender a causa www.mst.org.br

comissão da pastoral da terra Organismo de Igreja, ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Tem como missão realizar trabalho de base junto aos trabalhadores rurais nos processos coletivos de conquista dos direitos e da terra, de produção sustentável, de formação integral e permanente e de divulgação e combate as injustiças no campo.

franco da rocha

Proteção natural Há cerca de cinco anos Mauro Evangelista da Silva vivia na rua, longe da família que perdera por conta do alcoolismo. Entretanto, em 2012 tudo mudou quando ele conheceu o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Hoje, tio Mauro, como costuma ser chamado, é um dos agricultores que vive no Assentamento Dom Tomás Balduíno, em Franco da Rocha, município na grande São Paulo. “Minha vida melhorou de um jeito radical”, conta. “Agora tenho um pomar agroecológico, retomei meu casamento e aprendi a defender a natureza com unhas e dentes”. O Assentamento Dom Tomás Balduíno é uma comuna da terra, proposta de reforma agrária defendida pelo MST para regiões situadas nas franjas das grandes cidades brasileiras. “Aqui temos três objetivos: garantir o abastecimento de alimentos saudáveis para a classe trabalhadora, oferecer fonte de renda para famílias com histórico agrícola que são expulsas do campo pelos latifúndios e, por fim, proteger o meio ambiente no entorno da metrópole”, explica Guilherme Verde, responsável pela coordenação política do MST na região metropolitana de São Paulo. A história começa em novembro de 2011, quando mais de 60 famílias ocuparam uma gleba improdutiva do governo de São Paulo, no entorno do complexo prisional Franco da Rocha. Após resistir a uma dura repressão policial, cada uma delas conquistou um lote de três hectares, sendo que dois destes foram destinados ao plantio coletivo. Em esquema de mutirão, os assentados construíram as próprias casas e decidiram pelo plantio de árvores frutíferas na área comum do assentamento, cujo nome homenageia um antigo presidente da comissão da pastoral da terra.

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Definidas como Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS), as comunas da terra apostam em uma produção agroecológica, com profundo respeito pela biodiversidade, saberes tradicionais e ciclos da natureza. Não é diferente no Assentamento Dom Tomás Balduíno, onde tio Mauro e outras sesseta e cinco famílias se transformaram em legítimos protetores da natureza.

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jardim ângela

ângela de cara limpa Agrega iniciativas que priorizam reaproveitamento, inclusão social e preservação do meio ambiente Jardim Ângela, Zona Sul para participar institutoaua.org.br/ empreendimentos/ iniciativas-anteriores/ angela-de-cara-limpa angeladecaralimpa @gmail.com reciclaangela @terra.com.br

Coletivo transformador Em um mesmo terreno no Jardim Ângela, periferia da zona sul da capital, funcionam 5 projetos que buscam transformar a região por meio do protagonismo dos moradores. Ângela de Cara Limpa, uma iniciativa da Sociedade Santos Mártires, é uma plataforma de ações empreendedoras sustentáveis. A Reciclângela, por exemplo, coleta e recicla até vinte toneladas de materiais a partir da acolhida e envolvimento de pessoas da própria comunidade e de pacientes em tratamento no CAPS (Centro de Atenção Psicossocial). Já o Papel de Mulher, empreendimento formado por três moradoras da região, cria e comercializa cadernos, agendas, bloquinhos, folhas e cartões de visitas feitos a partir da reciclagem artesanal do papel. O projeto Colmeia produz a partir do papelão branco, sem emendas, uma estrutura pedagógica que funciona como mesa, banco e organizador de brinquedos. Por ser modular, as peças, ao serem encaixadas, podem formar uma colmeia.

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são mateus

Também com base na reciclagem, a iniciativa JRP faz tijolos ecológicos a partir do reaproveitamento de resíduos de construção civil, usando maquinário que não precisa de queima de lenha e, assim, evita o desmatamento para a extração de madeira e não emite gases poluentes na atmosfera. No âmbito agrícola, o projeto de agroecologia mantém um terreno de cinco mil m2 onde são plantados legumes, frutas, verduras e PANCs. Os produtos são comercializados em feiras de orgânicos da região.

Um quintal para plantar As dez hortas são cultivadas por trinta pessoas que vivem nos bairros de Cidade Tiradentes, Guaianazes, São Mateus e São Miguel Paulista – todos participam da Associação dos Agricultores da Zona Leste. A associação promove projetos de assistência técnica em agroecologia, venda coletiva das hortaliças e representatividade política. Os produtos são comercializados em feiras orgânicas, como a do Parque do Carmo, e em pontos localizados nos bairros como o Viveiro Escola Quebrada Sustentável. A agricultura urbana e ecológica destacam-se na zona Leste de São Paulo como uma forma de regeneração de espaços urbanos e geração de trabalho e renda por meio da produção de alimentos saudáveis. Dona Terezinha, moradora da região, é filha de agricultores e conta que nunca deixou de mexer com a terra, mesmo quando decidiu vir para a cidade com o intuito de “fugir da roça”. “Sempre arranjei um quintal para plantar”, conta. Acabou fazendo um curso de jardinagem e quando estava no

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tijolos ecológicos Feito de uma mistura de solo e cimento, seu processo de fabricação tem menor impacto ambiental: é curado (processo de secagem da mistura) apenas com água e sombra.

associação de agricultores da zona leste Apoia a agricultura urbana e desenvolve as melhores práticas de cultivo para proteger o meio ambiente São Mateus para assumir sua vocação agricultoreszonaleste. org.br

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fim do aprendizado, ingressou no grupo. Assim assumiu a vocação de agricultora. Hoje, na horta Sabor da Vitória, localizada no Jardim Santa Adélia, ela produz verduras e legumes sem o uso de agrotóxicos e atende clientes cinco dias por semana. Além de gerar renda, a prática de agroecologia na cidade evita que terrenos fiquem abandonados ou degradados. Exemplo disso está na própria origem da associação, que começou por volta do ano 2000 como um grupo de produtores orgânicos de São Mateus, que tinha como uma de suas missões proteger os mananciais da região, antes de ampliarem a atuação para englobar os demais bairros. A prática ainda contribui para a educação ambiental e segurança alimentar, além de aproximar consumidores e produtores.

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ilha do bororé

Cultura em ação A Casa Ecoativa, localizada na Ilha do Bororé, às margens da Represa Billings, no sul de São Paulo, é um espaço onde artistas, educadores, pedagogos e permacultores, tanto individuais como de coletivos diversos, se reúnem e promovem ações culturais e socioambientais de diferentes formatos e linguagens. Saraus, atividades com escolas locais, mutirões de plantio, eventos artísticos e turismo de base comunitária são algumas dessas iniciativas diversas, mas que estão conectadas pelos desafios socioambientais da região, relacionados à habitação, valorização comunitária, produção agrícola orgânica e proteção dos mananciais, entre outros. “A Casa Ecoativa é um local de articulação, um espaço colaborativo para transformar o entorno a partir de suas potencialidades”, explica Wellington Neri, artista, educador e uma das lideranças da casa. A força mobilizadora de seus participantes é inspiradora, em tempos que reconhecem o valor da integração entre linguagens, territórios e pessoas. O imóvel ocupado pela Casa Ecoativa foi cedido à comunidade local, no final da década de 1990, pela Empresa Metropolitana de Águas e Energia (EMAE) para estabelecer uma gestão ambiental participativa, num convênio entre a empresa, a Secretaria do Verde e Meio Ambiente (SVMA) e a Associação dos Moradores da Ilha do Bororé (AMIB). Aos poucos, grupos artísticos também passaram a utilizar o espaço, e a arte e a cultura também viraram carros-chefes da casa. O Imargem (ver página 97), um dos coletivos nascidos ali, utiliza o grafitti como meio para unir arte, convivência e meio ambiente. Um dos resultados da atuação da Ecoativa são as metodologias desenvolvidas com a escola local, com práticas “além dos muros”, como atividades na natureza, feiras culturais e os

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casa ecoativa O centro ecocultural promove o acesso à cultura e a práticas sustentáveis Ilha do Bororé para saber mais facebook.com/ casaecoativa

gestão ambiental participativa Propõe a gestão compartilhada do patrimônio natural e das questões socioambientais envolvidas. Leva em consideração os agentes locais e o contexto territorial, valorizando o conhecimento tradicional e estimulando a participação comunitária.

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ilha do bororé

saraus. Mais recentemente, a Casa está abordando a questão do acesso da população local à comida produzida segundo práticas agroecológicas – normalmente os produtos orgânicos, cada vez mais presentes na região, são enviados a áreas mais distantes, como o centro da cidade, para escoar a sua produção de alimentos. Por isso o grupo pensa em possíveis soluções, como o estabelecimento de CSA – Comunidade que Sustenta a Agricultura, que permite aproximar a população da região com os produtores locais. Por isso, lembra Neri, o grupo “não se identifica com rótulos de periferia, de ausência e carência. Nos identificamos mais com as potencialidades, com as perspectivas”. Os desafios dessa rede agora incluem garantir a sustentabilidade das ações, ainda muito baseadas no voluntariado, para dar continuidade na busca de transformações reais e positivas.

cooperapas Fornecer alimentos saudáveis tanto para os consumidores quanto para o ambiente Parelheiros para repensar a cadeia do alimento facebook.com/ cooperapas. agricultura

Contra as convenções Fornecer alimentos de qualidade e mais saudáveis, ampliar práticas agroecológicas e garantir água limpa estão entre as atribuições assumidas pela Cooperativa Agroecológica dos Produtores Rurais e de Água Limpa da Região sul de São Paulo (Cooperapas). Fundada em 2011, conta com cerca de trinta cooperados que vivem em Parelheiros, extremo sul da capital paulista, no entorno das Áreas de Proteção Ambiental (APAs) Capivari-Monos e Bororé-Colônia. Trata-se das regiões de mananciais das Represas Billings e Guarapiranga, de grande relevância para o abastecimento hídrico da cidade e arredores, com forte tradição rural, onde ainda predominam métodos agrícolas convencionais.

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capão redondo

cadeia produtiva Conjunto de etapas consecutivas, ao longo das quais os diversos insumos sofrem algum tipo de transformação, até a constituição de um produto final (bem ou serviço).

O cenário de uso intenso de agrotóxicos em uma região rica em águas, importunou Valéria Macoratti logo que ali chegou, ao comprar uma chácara há oito anos. Na ocasião, começou um diálogo com os produtores rurais locais questionando se não havia outra forma de cultivo. Com o tempo acabou, ela própria, virando agricultora. Participou da fundação da cooperativa e hoje é sua presidente. Um dos desafios da cooperativa é aumentar o número de produtores que adotem esse novo modelo, de práticas agroecológicas e orgânicas, e assim promover mudanças no modo de produção. “Com nosso exemplo, queremos transformar o território onde atuamos”, conta ela. Após alguns anos de dificuldades, por falta de conhecimento sobre como esse tipo de associação deve funcionar, seus integrantes conseguiram colocar a documentação em ordem, e conquistaram clientes e reconhecimento. Juntos, levam suas reivindicações ao poder público, fornecem alimentos para empresas e restaurantes e também fazem venda direta ao consumidor, em feiras como a de orgânicos do Modelódromo do parque Ibirapuera. A Cooperapas foi contemplada em 2015, pelo programa Microbacia II, do governo do estado de São Paulo, com recursos para adquirir um caminhão frigorífico e caixas para transporte. “Unidos, conseguimos muitas coisas. Esse empoderamento faz com que o agricultor se sinta mais forte e valorizado”, explica Valéria. Com sua atuação, a cooperativa tem contribuído fortemente para o debate sobre a necessidade de repensar a cadeia produtiva do alimento e as formas de comercialização, tornando os alimentos orgânicos e agroecológicos mais acessíveis à população. Não faltam motivos para fazer multiplicar esse tipo de iniciativa.

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Poder orgânico O projeto, com nome inspirado na música Somos o que somos – Cores & Valores, do Racionais MCs, vai muito além do plantio consciente. Desde 2014, a iniciativa criada pela ONG Capão Cidadão atende adultos e principalmente crianças fora do horário escolar. O objetivo principal é criar um banco de alimentos orgânicos a partir de uma horta comunitária, mas não é só isso. Como todas a ações têm como orientação o desenvolvimento humano e empoderamento dos participantes, também são promovidas aulas abertas, exibição de filmes, passeios culturais, encontros afetivos, palestras, atividades físicas para condicionamento, empreendedorismo, economia solidária e, como se não bastasse tudo isso, rodas de discussão sobre política, sociologia, atualidades e governo.

horta cores e sabores Desenvolve educação cidadã e empoderamento comunitário Capão Redondo para saber mais facebook.com/ hortacoresesabores

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O projeto funciona num terreno cedido pela Escola Estadual Jardim Ipê, em uma área que antes servia para descarte de entulho e hoje abriga a horta comunitária, onde há plantio de hortaliças, árvores frutíferas e legumes. Os beneficiários são as crianças da ONG, os alunos da escola onde a horta está localizada e quinze adultos bolsistas, fruto da parceria com a Secretaria Municipal do Trabalho e Empreendedorismo. Muitos deles, inclusive, se desenvolveram como educadores socioambientais e hoje atuam junto às lideranças do projeto. Às sextasfeiras, os produtos colhidos na Horta Cores e Sabores são vendidos em uma feira local.

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Diversidade na lata Usar a arte urbana, o graffiti e o hiphop como instrumentos de inclusão, engajamento e letramento de jovens é um dos pilares do coletivo Imargem. Criado no início dos anos 2000, é responsável por significativas ações na região onde atua – no Grajaú, às margens da Represa Billings. Uma delas foi a criação de um grande graffiti: o mural da memória. Para produzi-lo, jovens da comunidade foram a fundo na história do bairro falando com moradores antigos, e desenharam com as latas de spray todo o processo de colonização

imargem Promove ações entre jovens, usando a arte urbana como ferramenta para sensibilização ambiental Grajaú para participar do mural imargem.art.br

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vila monumento/ipiranga

da Ilha do Bororé. Outro projeto importante para todos que ali vivem é o mural-mapa, um conjunto de intervenções que mostram os caminhos da cidade sob uma perspectiva diferente, incluindo lugares escondidos ou poucos conhecidos que poderiam ser melhor aproveitados pela população local. Todas as ações, aliás, têm como ponto de partida o olhar crítico e questionador em relação a paisagem periférica, que enfrenta constantemente problemas como desassistência do poder público e falta de cuidado com as áreas de preservação ambiental. O Imargem faz parte da Casa Ecoativa (ver página 91), um grande coletivo onde fervilham novas ideias que visam a melhoria da qualidade de vida dos habitantes da região.

sempre sustentável Pesquisa, desenvolvimento e disseminação de projetos experimentais de baixo custo Ipiranga para saber mais sempresustentavel. com.br

Tecnologias disponíveis Uma minicisterna doméstica feita com materiais de baixo custo para armazenar água da chuva destaca-se em meio aos vários projetos da organização Sempre Sustentável, localizada na Vila Monumento, subprefeitura do Ipiranga, em São Paulo. Feita com materiais de fácil acesso como canos, telas e bombona; e montadas de maneira a recolher e proteger a água de sujeiras e mosquitos, essas cisternas ajudaram muitas casas a atravessar a crise hídrica ocorrida na região Sudeste, em 2014 e 2015. O Sempre Sustentável deu cursos e workshops para ensinar as pessoas a criarem seus próprios

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sistemas de coleta de água da chuva em casa. Com isso, além de contar com essa reserva, elas também gastaram menos com a conta de água. Economia no bolso e valorização do patrimônio natural orientam a atuação da Sempre Sustentável, que há dez anos, vem desenvolvendo um trabalho com tecnologias ambientais alternativas, que aproveitam ao máximo o uso sustentável dos recursos naturais e minimizam a geração de resíduos. Um diferencial importante da Sempre Sustentável é que, em vez de vender essas tecnologias, ela dissemina esse conhecimento. Por isso, em seu site encontram-se descrições, ilustrações, imagens, vídeos e manuais de construção dos produtos e sistemas, tais como aquecedor solar feito com tubos de PVC, bomba de água manual, forno solar e até um vaso com um pequeno reservatório para água, feito de garrafa PET, para quem quiser fazer um jardim vertical. O engenheiro civil Edison Urbano, fundador da Sempre Sustentável, conta que tudo começou quando ficou sem trabalho, há quinze anos. “Estudei formas de gastar menos com tudo que se consome dentro de uma residência: água, luz, alimentação, transporte, roupas. Descobri coisas que ajudam na parte financeira e contribuem com o meio ambiente”, afirma. Se a necessidade faz a ocasião, a iniciativa Sempre Sustentável leva isso a um outro patamar, com sua atuação robusta de criação e disseminação de tecnologias de fácil aplicação.

sistemas de coleta de água A chuva é uma fonte de água doce valiosa e sua captação é de extrema importância. Se a água da chuva for bem captada, tratada e armazenada, pode ficar disponível para utilização para os mais diversos fins.

tecnologias ambientais As tecnologias ambientais fornecem soluções para diminuir os influxos de substâncias, reduzir o consumo de energia e as emissões, reaproveitar os subprodutos e minimizar os problemas da eliminação de resíduos.

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união de vila nova

instituto nua Promove o desenvolvimento do bairro União de Vila Nova, por meio da arte, educação e esporte para a criança e o adolescente União de Vila Nova para transformar seu bairro novauniaodaarte.org

Colheita farta É numa pequena área verde de seiscentos metros quadrados, em meio à aridez urbana de União de Vila Nova, na região de São Miguel, no extremo leste de São Paulo, que os integrantes do projeto Ponto de Cultura Socioambiental Quebrada Sustentável fazem de tudo um pouco: recuperam o solo, cultivam hortaliças orgânicas, promovem a compostagem e a captação de água da chuva, participam de feiras de economia solidária e organizam oficinas de marcenaria. Desse espaço saem até serviço de café para eventos e cosméticos naturais, feitos com os produtos da horta. Criado em 2014, o Quebrada Sustentável é uma das muitas iniciativas do Instituto NUA – Nova União da Arte. Idealizado pelo artista Antonio Hermes de Souza em 2000, e institucionalizado em 2005, o NUA desenvolve e articula diversas ações culturais, educacionais, de geração de renda e de sustentabilidade no bairro e arredores, de maneira a transformar a realidade desse território e seus moradores. Presta ainda atendimento a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. O Quebrada Sustentável é uma iniciativa de agricultura urbana e ecológica do instituto, feita em parceria com a empresa social Seu Design, no Viveiro Escola União de Vila Nova (leia mais na página 89, sobre a Associação de Agricultores da Zona Leste), um espaço, antes degradado, cedido ao bairro pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU). O projeto iniciou com recursos do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fumcad) para a criação da horta urbana, e hoje mantém parceria com a Secretaria Municipal de Trabalho e Empreendedorismo (SMTE), que concede bolsas de trabalho para cinco

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integrantes que tocam o dia a dia do projeto. Aos poucos, eles foram trazendo material orgânico, limpando a área, nutrindo o solo, e hoje plantam inhame, rabanete, cenoura, mandioca, rúcula, entre outros produtos. Organizaram oficinas e aulas sobre artes, biologias e turismo, sempre relacionadas ao conceito de agroecologia e permacultura. Além disso, o projeto também recuperou a autoestima dos envolvidos, em especial as mulheres, que formaram o Mulheres do GAU (Grupo de Agricultura Urbana). “As pessoas achavam que roça é sinônimo de pobreza. Mas quando saem nos jornais, quando veem gente de toda parte que chega e elogia o trabalho, elas começam a se sentir valorizadas”, afirma o coordenador Marcus Vinicius de Moraes. “Hoje essas mulheres são agroecólogas e permacultoras”, conclui. Colhe-se muito, mesmo num pequeno espaço.

Verde comunitário Quem hoje visita a Praça Homero Silva não imagina que o lugar já foi sinônimo de abandono e falta de segurança. A mudança brotou das mãos do Ocupe & Abrace, coletivo criado em 2013 por moradores que não se conformavam com a situação calamitosa daquele que é o maior espaço público verde do bairro da Pompeia, na zona oeste paulistana, além de berço de várias nascentes do riacho Água Preta. Fazendo juz ao nome do coletivo, o primeiro passo foi trazer a comunidade de volta ao local para melhorar a segurança na área de 12 mil m2. Assim, em junho de 2013, o grupo promoveu ali a primeira edição do Festival Praça da Nascente, que contou com uma série de atividades voltadas

ocupe & abrace Promove ações de revitalização cultural e ambiental na Praça da Nascente Pompeia para interagir com a praça ocupeeabrace.com.br

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nascentes São manifestações superficiais de lençóis subterrâneos, que dão origem a cursos d'água. Estes pequenos afloramentos de água constituem os córregos, que se juntam para formar riachos e ribeirões, que, por sua vez, voltam a se juntar para formar os rios.

ao bem-estar, agricultura urbana, arte e cultura. De quebra, o evento rebatizou o espaço, hoje conhecido como Praça da Nascente em homenagem a sua riqueza hídrica. A partir daí, com recursos próprios, os integrantes do coletivo puseram mãos à obra: fizeram um lago com carpas e plantas aquáticas, revitalizaram nascentes, criaram uma horta e povoaram a praça com bancos e brinquedos, dentre outras medidas. “Nosso foco é possibilitar a reconexão com a natureza, as águas, criando um ambiente fértil para interações, onde todos se apropriam do espaço, se sentem afetivamente conectados a ele e passam a cuidar dele também”, explica Carla Link Federizzi, uma das integrantes do coletivo. No final do ano passado o coletivo se mobilizou em mais uma frente por meio de abaixo-assinado e ação no Ministério Público. A luta no caso é contra a construção de edifícios no entorno da praça. Segundo o grupo, isso prejudicaria a água e o solo da região, colocando em risco a vegetação, a fauna e todo o ecossistema que abriga e protege as nascentes – o coração do espaço verde da Pompeia.

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Volta por cima Palavras como abandono, miséria, violência e discriminação são velhas conhecidas de quem vive nas ruas. “Quem chega a esse ponto já passou por uma série de rompimentos tanto na vida profissional e familiar quanto na própria identidade”, constata a assistente social Sheila Costa Marcolino, coordenadora do Reviravolta da População em Situação de Rua, projeto realizado desde 2003 pelo Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos – organização não-governamental que há quase três décadas batalha pela inclusão social de catadores de material reciclável e também daqueles que vivem em habitações precárias ou mesmo não têm onde morar. Como o nome indica, o projeto acolhe moradores de rua encaminhados pelos serviços vinculados à Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social da prefeitura de São Paulo. Quem chega passa primeiro por um processo de integração que inclui oficinas de cidadania e educação ambiental. Depois, os participantes seguem para uma segunda etapa onde trabalham de forma temporária e coletiva na triagem, preparo e comercialização de material reciclável, além de receber acompanhamento e encaminhamento social. Antes de entrar no projeto muitos deles já realizavam esse tipo de atividade, mas de maneira individual, expostos a toda sorte de riscos e exploração por parte de atravessadores e depósitos ilegais de ferro velho. “Aqui, dentre outras coisas, os participantes percebem que o trabalho coletivo pode qualificar a produção, além de possibilitar a troca de informação”, prossegue Sheila. “É um processo que ajuda a resgatar a autoestima e vislumbrar formas mais dignas de sobrevivência”.

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centro gaspar garcia de direitos humanos Projeto Reviravolta da População em Situação de Rua que oferece reinserção profissional e social por meio de atividades de reciclagem Luz para começar de novo gaspargarcia.org.br

encaminhamento social Ferramenta de trabalho do assistente social para relocar famílias ou um cidadão para um local onde ele pode receber assistência.

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paraíso

Tudo acontece em um galpão no bairro da Luz com salas para atendimento social e oficinas de formação, além de depósito para armazenagem e triagem do material reciclável e ainda um refeitório onde os integrantes do grupo recebem café da manhã e almoço. Após seis meses de atividades, quem quiser pode ser encaminhado para trabalhar em entidades parceiras como a Cooperativa de Catadores Coopere – Centro. Apenas no ano passado, 365 pessoas em situação de rua foram beneficiadas pelo projeto. Isso representa um primeiro passo para que organizem a vida, reencontrem um lugar na sociedade e comecem a escrever um novo capítulo de vida, desta vez com palavras cheias de esperança.

instituto gea – ética e meio ambiente Desenvolver a cidadania e a educação ambiental Paraíso para obter informações institutogea.org.br

Educação e diversão Criado em 1892, o Parque Tenente Siqueira Campos, mais conhecido como Trianon, é a última área verde na região da avenida Paulista. Ali, em meio ao burburinho da via mais famosa da cidade, é possível encontrar árvores remanescentes da Mata Atlântica, como jequitibá e palmeira-de-leque-da-china. Ao longo de 2016 o lugar acolheu o projeto Trianon Ambiental, iniciativa encabeçada pelo Instituto GEA – Ética e Meio Ambiente em parceria com o Fundo Especial do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Fema) da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente. “A ideia foi sensibilizar a população através de oficinas, cursos e eventos gratuitos”, explica Ana Maria Domingues Luz, que comanda a entidade com a engenheira Araci Martins Musolino. No ano, foram cerca de 50 atividades gratuitas para mais de 600 pessoas.

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lixo eletrônico

As duas se conheceram quando trabalhavam na Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), onde criaram e coordenaram uma campanha de educação ambiental com foco na mobilização para coleta seletiva e destinação adequada de resíduos. Quando a gestão mudou, o projeto foi desativado, mas deixou uma marca indelével na dupla. Cheias de ideias, elas então largaram os empregos e criaram o GEA em 1999. Desde então essa OSCIP vem realizando uma série de projetos. Um deles é o Descarte Legal, que ensina catadores de recicláveis a lidar com o resíduo de equipamentos eletroeletrônicos, aumentando a própria renda e também retirando do meio ambiente o chamado lixo eletrônico. Até fevereiro de 2017 a proposta, realizada em parceria com o Laboratório de Sustentabilidade – LASSU, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, já havia capacitado mais de 200 aprendizes em onze capitais brasileiras. A capacitação também esteve presente no projeto Trianon Ambiental. Além de oficinas, como compostagem caseira, caminhadas e contação de história, a programação também

Todo resíduo produzido pelo descarte de equipamentos eletrônicos. Com o elevado uso de equipamentos eletrônicos no mundo moderno, este tipo de resíduo tem se tornado um grande problema ambiental quando não descartado em locais adequados.

compostagem caseira Processo que transforma resíduos orgânicos em adubo de qualidade para hortas e cultivo.

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jardim esmeralda

incluiu os cursos Educação para a Sustentabilidade, que beneficiou cerca de 50 professores da rede pública, agentes de saúde e lideranças que vivem e trabalham no entorno dessa área verde em plena avenida Paulista.

associação vila nova esperança Atua com agroecologia, sensibilização ambiental, fortalecimento comunitário e planejamento territorial Jardim Esmeralda para concretizar sonhos facebook.com/ VilaNovaEsperanca

Força de vontade De uma comunidade ameaçada de desapropriação a uma vila 100% ecológica. Essa é a transformação almejada pela Associação Vila Nova Esperança, localizada na comunidade de mesmo nome, na Zona Oeste de São Paulo. Surgida na década de 1960, na divisa com Taboão da Serra, a Vila Nova Esperança abriga cerca de 500 famílias em uma área disputada pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) desde 2001. O receio de ser obrigada a desocupar o local levou a hoje líder comunitária Maria Lourdes Andrade Silva, a Lia, a tentar entender por que não podiam ficar ali. Ao descobrir que um dos motivos era a acusação de estarem degradando uma região de preservação ambiental, decidiu provar que isso não era verdade. Lia e outros moradores da vila, que não contam com serviço de coleta de lixo, fizeram um mutirão de limpeza e construíram um abrigo para os resíduos. “Eu dizia que ser pobre não é ser pobre de espírito. A gente tinha que manter o lugar onde mora limpo”, conta. Depois, em 2013, sugeriu a criação de uma horta comunitária, para trazer boa alimentação e educação alimentar e ambiental. A ideia recebeu resistência no início, mas acabou pegando. Atualmente, a associação trabalha com agroecologia, fortalecimento comunitário, sensibilização ambiental e

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planejamento territorial. Há mais hortas, banco de sementes, viveiro de mudas e um centro de reciclagem. Outras ações incluem rodas de conversa com os moradores e planejamento de ações coletivas. Tudo isso em meio a uma área sem serviços básicos, como coleta de esgoto. Diversos projetos são feitos junto a diferentes instituições com o objetivo de tornar a comunidade sustentável. Um exemplo foi um plano de urbanização para a criação de uma vila ecológica, elaborado com profissionais estrangeiros e estudantes de arquitetura trazidos pela Universidade de São Paulo e a ONG Teto. Os moradores buscaram visualizar em que tipo de lugar queriam morar. Por esse projeto, a associação ganhou, em 2014, o prêmio Milton Santos, da Câmara Municipal de São Paulo. Lia mantém-se otimista sobre o objetivo da associação. “Mesmo sem ajuda financeira do poder público, estamos conseguindo, com nosso próprio esforço. Estamos fazendo de tudo para sermos sustentáveis.” A vila segue existindo no mesmo lugar, mas em constante transformação.

planejamento territorial Ferramenta que possibilita perceber a realidade atual, avaliar os caminhos e construir um referencial futuro para a ocupação do território.

Maria Lourdes Andrade Silva, a Lia, em meio à produção de lavanda da Associação Vila Nova Esperança

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A seiva social por Otávio Rodrigue s Jornalista e escritor, atuou em redações como Trip, Terra, Bizz e Vida Simples, entre outras, e coordenou a produção da revista Agenda Social Permanente (2008), que traz um resumo da atuação do SESC em todo o Brasil, nas áreas de Saúde, Educação, Cultura e Lazer.

O que gera as ações em grupo? Qual o princípio que une e motiva pessoas a compartilharem objetivos e buscarem construir uma nova realidade? O que molda as redes de sustentabilidade? 110

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No litoral paulista, agricultores decidem se organizar e criar feiras de produtos orgânicos. Um grupo da Zona Oeste paulistana se ocupa da revitalização de uma praça, berço de nascentes. Na região do Alto Paraíba, um instituto promove inclusão social por meio de educação, com formação integral para jovens. Também no interior, um pessoal faz mutirão para manter mananciais limpos e recuperar matas ciliares dos rios, enquanto uma associação, não muito longe, articula a produção e comercialização de alimentos saudáveis a preço justo, prestigiando produtores familiares. As páginas deste catálogo estão repletas de exemplos assim. Eles mostram pessoas transformando realidades, agindo e se organizando em grupos na busca de um mesmo objetivo. Afinal, o que faz surgir tais iniciativas? Ou, indo longe, o que leva o ser humano a se unir para tentar resolver as coisas? Foi há mais de 200 anos, do alto de um portentoso vulcão no Chile, o Chimborazo, a época tido como o ponto mais alto do mundo, que o célebre geógrafo, naturalista e explorador Alexander von Humboldt (1769-1859) percebeu

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o modus operandi complexo da natureza. Ele observou que plantas e animais similares aparecem em diferentes lugares do planeta. Viu que o musgo dos Andes é semelhante ao dos Alpes, assim como ciprestes do México existiam também no Canadá, entre outras conexões maravilhosas. Medindo e registrando os mundos animal, vegetal e mineral, Humboldt acabou por ver a Terra como um organismo vivo e interconectado, algo que ninguém havia proposto antes. Se a interconexão existe na natureza, isso faz com que ela exista em nós? Dá para dizer que esse impulso seja comum a todos? Essa questão gera debates sérios há muito tempo, como resume o professor Markus Erwin Brose, doutor em Sociologia pela Universidade de Osnabrück (Alemanha). “Nas Ciências Sociais, temos o ponto de vista de certos pensadores e economistas, que é o da racionalidade – a chamada visão do individualista, de que o ser humano é individual, racional, e que procura benefícios para sua vida. Por um outro lado, temos outra escola, que parte do princípio de que o ser humano busca se agregar.” Consultor autônomo, experiente na área de políticas públicas e participativas, na direção de empresas e ONGs, o especialista lembra que a sociedade civil é o espaço onde as pessoas articulam seus interesses, quaisquer que sejam – o que só é possível numa democracia. “Uma característica da democracia é uma sociedade civil vibrante.” Ao observar a diversidade das iniciativas em rede que existem em São Paulo, essa vibração fica evidente. E ainda que com múltiplos focos e áreas de atuação, elas seguem o mesmo princípio: sustentabilidade. Rachel Trajber, coordenadora geral de Educação Ambiental do Ministério da

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Educação e Cultura por nove anos, explica o sentido desse termo. “Existe a sustentabilidade na relação com o meio ambiente, de como conviver com as bases de sustentação da vida no planeta, mas também a sustentabilidade nas questões sociais, econômicas e políticas. Tomo de empréstimo um conceito de José Eli da Veiga [economista, agrônomo e professor], que considera sustentabilidade como um novo valor entre os valores positivos da sociedade, porque tem a ver com nossa forma de ver o mundo e de se relacionar com o mundo em diversas áreas.” A professora participa da Rede Brasileira de Educação Ambiental (REBEA), que é uma rede de redes. “Redes são muito horizontais, têm hierarquia diferenciada, ninguém pode forçar nada, tudo é voluntário. Outras redes entram [na rede] quando há um consenso, quando percebem que existe diálogo e que dá para avançar. Apesar da diversidade nas redes, precisa ter bastante etiqueta. São novas formas de se relacionar.” Peter Herman May, professor titular do Departamento de Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (DDAS) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, acrescenta que não se trata de pensar em nós e no aqui e agora, apenas. “Sustentabilidade implica na necessidade de se obter uma perspectiva de longo prazo, sobre o que chamamos de equidade inter-geracional das ações (como vão afetar nossos filhos e netos?) e intra-geracional (como vão afetar indivíduos de diferentes classes de renda e que têm diferentes níveis de dependência da natureza em sua sobrevivência?).” O professor é um dos criadores da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica e cientista sênior da International Society for Ecological Economics, rede de cientistas do mundo inteiro que trabalha na interface entre sociedade e ambiente. Já presidiu as duas instituições. Com a ajuda de algumas vírgulas, ele coloca as redes voltadas à sustentabilidade

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Redes unificam cientistas, ativistas, instituições, empresas, escolas, associações de bairro e governos na busca de consenso sobre opções para o desenvolvimento social e econômico, com menor impacto sobre a capacidade de suporte ambiental.”

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em seu contexto múltiplo. “Elas unificam cientistas, ativistas, instituições, associações de bairro, empresas, escolas e governos na busca de consenso sobre as melhores opções para o desenvolvimento social e econômico, com menor impacto sobre a capacidade de suporte ambiental, respeitando a resiliência natural dos ecossistemas e das culturas humanas, para enfrentar adversidades e se recuperar de crises.” Segundo May, a simples busca de consenso entre os participantes das redes, formadas por grupos com objetivos e experiências diferentes, faz com que os resultados sejam mais sustentáveis. “Como na natureza, a diversidade permite estabilidade.” No livro A Árvore do Conhecimento, os biólogos Francisco Varela e Humberto Maturana aumentam, de certo modo, nossa responsabilidade no negócio, com base na ideia de que influenciamos o mundo que vemos e sentimos, e por ele somos influenciados. Portanto, sim, estaríamos acoplados à natureza numa relação de transformação recíproca: da mesma maneira que um rio com sua força redesenha suas margens, por elas é redesenhado. Não dá para separar. “Como seres humanos, só temos o mundo que criamos uns com os outros. O amor é o fundamento biológico do fenômeno social”. A resposta que surge, entre as ideias e comentários de especialistas, é que fazemos parte da natureza, quer tenhamos consciência disso ou não. Ora, é cabivelmente natural que reproduzamos o modelo ao qual pertencemos – e faz todo sentido cuidar dele da melhor maneira. De certa maneira, é disso que estamos tratando aqui: nossa participação responsável no todo – e, por meio de ações em rede, um modelo que a própria natureza vem testando e aprovando continuamente.

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sesc — serviço social do comércio Administração Regional no Estado de São Paulo Presidente do Conselho Regional Abram Szajman

Diretor do Departamento Regional Danilo Santos de Miranda

Superintendentes Técnico-social Joel Naimayer Padula Comunicação Social Ivan Giannini Administração Luiz Deoclécio Massaro Galina Assessoria Técnica e de Planejamento Sérgio José Battistelli

Gerentes Educação para Sustentabilidade e Cidadania Maria Alice Oieno de Oliveira Nassif Adjunta Denise de Souza Baena Segura Assistentes Denise Minichelli, Gabriela Graça Ferreira, Tania Perfeito Jardim e Virginia B. Chiaravalloti Artes Gráficas Hélcio Magalhães Adjunta Karina Musumeci Assistentes Rogério Ianelli e Érica Dias Design Digital Ana Paula Fraay Estudos e Desenvolvimento Marta Raquel Colabone Adjunto Iã Paulo Ribeiro Assistente João Paulo Leite Guadanucci Vila Mariana Mariângela Abbatepaulo Adjunta Patrícia Dini

Ideias e Ações para um Novo Tempo Territórios em Transformação – Mostra de Iniciativas Socioambientais Curadoria Gerência de Educação para a Sustentabilidade e Cidadania, Danilo Praxedes Barboza (Sesc Vila Mariana), Gustavo Herdeiro Ogeda de Faria (Sesc Itaquera), Liliane Batista Barbosa de Sousa (Sesc Interlagos), Suellyn Ortiz Camargo (Sesc Piracicaba). Texto Caco de Paula Projeto gráfico Alessandro Meiguins e Juliana Vidigal

Sesc Vila Mariana Rua Pelotas, 141 04012-000 - São Paulo - SP Tel.: (11) 5080-3000

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um sopro de esperança num cenário de desolação .

em comum é a atuação na área socioambiental, valorização e envolvimento da comunidade local, caráter educativo e potencial de reverberação e de transformação em ações concretas.

Esta é a mais forte impressão causada pelas histórias de cada uma das iniciativas socioambientais participantes da Mostra Territórios em Transformação. Os desafios sociais e ambientais são conhecidos em escala global. A exclusão social, a concentração de riqueza e a crescente destruição causada pela exploração da natureza são faces de uma mesma realidade. Recentes conferências mundiais tentaram apontar rumos, com metas focadas nas questões sociais, no que deve ser feito para enfrentar o caos climático e em como financiar os objetivos socioambientais. Vislumbramos caminhos possíveis para a transformação desta realidade: a promoção de mudanças tecnológicas que reduzam os impactos negativos no planeta e criem iniciativas destinadas a inclusão socialmente justa dos bilhões de excluídos.

À descrição dos casos soma-se a contribuição da reflexão clara e afiada de quatro pensadores contemporâneos: Ladislau Dowbor, Luiz A. Ferraro Jr, Neli Aparecida de Mello-Théry e Renato Peixoto Dagnino. O conjunto de suas reflexões expõe as grandes linhas em torno das quais todas as iniciativas tecem as suas redes: Educação, meio ambiente e participação cidadã; território e desenvolvimento local; Economia e formas alternativas de produção e consumo; Diálogos de saberes e tecnologias sociais. Assim, a primeira Mostra Territórios em Transformação, em paralelo com o Seminário Diálogos sobre os Desafios Socioambientais Contemporâneos propõem abordar a crise socioambiental planetária a partir de uma dupla perspectiva: a compreensão do problemático contexto atual e a apresentação de caminhos teóricos e práticos que já estão em curso.

Sesc São Paulo Av. Álvaro Ramos, 991 03331-000 • São Paulo • SP (11) 2607-8000

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A leitura dessa publicação, incluindo a compreensão do panorama conceitual, o detalhamento das questões cotidianas de cada experiência socioambiental e a percepção de como a imaginação coletiva tem o poder de transformar a realidade, mostra que o atual cenário exige um movimento de mudança. E deixa claro que é preciso coragem para mudar. Não a coragem definida como ímpeto, mas aquela que se entende como a perseverança. Essa coragem de mudar, cultivada sobre o fértil solo do conhecimento e do compartilhamento de saberes, é o que torna possível a existência concreta de tantas iniciativas positivas aqui relatadas.

Como trilhar esses caminhos? Neste exato momento, em todo o planeta, desenvolvem-se iniciativas sociais que materializam no dia a dia os propósitos de sustentabilidade. Há muito o que aprender com cada uma delas, com seus processos coletivos, com sua ação em rede. Reunir e compartilhar saberes e experiências socioambientais é justamente o objetivo dos projeto Ideias e Ações Para um Novo Tempo desenvolvido pelo Sesc São Paulo.

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O compartilhamento de práticas inspiradoras e a incorporação da leitura do território como tema central ajudou a estreitar o diálogo entre as Unidades e os agentes sociais envolvidos com as iniciativas, permitindo a realização de uma criteriosa curadoria compartilhada que identifica dezenas de iniciativas sediadas no estado de São Paulo — reunidas na Mostra Territórios em Transformação. O que essas experiências trazem

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