Publicacao xilo corpo e paisagem edit compressed

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XI LO

COR PO E PAI SA GEM

30/10/2019 A 02/02/2020


XI LO

COR PO E PAI SA GEM

30/10/2019 A 02/02/2020


ANA CALZAVARA

RELEVO QUE REVELA A passagem do tempo adensa a percepção sobre quem somos e o lugar que habitamos. Imerso em afazeres cotidianos, na idealização de sonhos particulares ou ideais coletivos, o corpo interage, reage e se assenta na paisagem, em paragens construídas, ressignificadas ou intocadas, reafirmando sua presença e anseios. Diante das fragmentadas e sucessivas experiências derivadas do momento contemporâneo, as potencialidades da arte surgem como frestas para a suspensão desse itinerário, favorecendo a abertura de trilhas que podem expandir os canais perceptivos, criando possíveis conexões transformadoras. Em meio aos aspectos culturais e sociais espelhados em seus variados públicos e nas histórias que simbolicamente carregam, o Sesc apresenta a exposição Xilo: Corpo e Paisagem, com curadoria de Cláudio Mubarac, pesquisador, artista e professor. Trata-se de uma mostra pautada no uso da tradicional e milenar técnica da xilogravura, revelando poéticas que abarcam as relações entre corpo e paisagem no atual e

3

diverso contexto das artes visuais. As ações educativas, bem como os cursos e oficinas dedicados à reflexão e prática da gravura, contemplam experiências situadas na ampla noção de desenvolvimento humano, visando a apropriação de conhecimento para a formação de indivíduos autônomos e críticos. Nessa perspectiva, e em confluência com sua missão, a instituição envolve cenários de atualização no campo das visualidades, apreciação, aprendizado e contendas acerca dos prováveis caminhos do fazer artístico, reafirmando o caráter socioeducativo e cultural de suas ações. Nesse ensejo, permeado de sentidos e ressignificações, o Sesc consolida as relações com os protagonistas de tal idealização: seus públicos. E, em sua impassível vocação à liberdade, que a arte contribua para provocar reflexões e ações na construção de uma sociedade mais justa, acolhedora e solidária, vislumbrando condições dignas para a existência humana em qualquer paisagem. DANILO SANTOS DE MIRANDA DIRETOR DO SESC SÃO PAULO


ANA CALZAVARA

RELEVO QUE REVELA A passagem do tempo adensa a percepção sobre quem somos e o lugar que habitamos. Imerso em afazeres cotidianos, na idealização de sonhos particulares ou ideais coletivos, o corpo interage, reage e se assenta na paisagem, em paragens construídas, ressignificadas ou intocadas, reafirmando sua presença e anseios. Diante das fragmentadas e sucessivas experiências derivadas do momento contemporâneo, as potencialidades da arte surgem como frestas para a suspensão desse itinerário, favorecendo a abertura de trilhas que podem expandir os canais perceptivos, criando possíveis conexões transformadoras. Em meio aos aspectos culturais e sociais espelhados em seus variados públicos e nas histórias que simbolicamente carregam, o Sesc apresenta a exposição Xilo: Corpo e Paisagem, com curadoria de Cláudio Mubarac, pesquisador, artista e professor. Trata-se de uma mostra pautada no uso da tradicional e milenar técnica da xilogravura, revelando poéticas que abarcam as relações entre corpo e paisagem no atual e

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diverso contexto das artes visuais. As ações educativas, bem como os cursos e oficinas dedicados à reflexão e prática da gravura, contemplam experiências situadas na ampla noção de desenvolvimento humano, visando a apropriação de conhecimento para a formação de indivíduos autônomos e críticos. Nessa perspectiva, e em confluência com sua missão, a instituição envolve cenários de atualização no campo das visualidades, apreciação, aprendizado e contendas acerca dos prováveis caminhos do fazer artístico, reafirmando o caráter socioeducativo e cultural de suas ações. Nesse ensejo, permeado de sentidos e ressignificações, o Sesc consolida as relações com os protagonistas de tal idealização: seus públicos. E, em sua impassível vocação à liberdade, que a arte contribua para provocar reflexões e ações na construção de uma sociedade mais justa, acolhedora e solidária, vislumbrando condições dignas para a existência humana em qualquer paisagem. DANILO SANTOS DE MIRANDA DIRETOR DO SESC SÃO PAULO


(SÃO PAULO 1997 – 2019) _ANOTAÇÕES

1 A gravura na cidade de São Paulo tem história recente, se pensamos nas matrizes e prensas como prática desligada dos papéis cartoriais, da imprensa, dos impressos volantes e dos negócios de Estado. A gravura só teve presença no interior de estúdios particulares, como o de Lasar Segall, por exemplo, nas primeiras décadas do século XX, mas que não ofereceram formação para além daqueles que com ele conviveram. Algumas pequenas e discretas exposições foram realizadas, mas num circuito tímido e autorreferente. Toda a primeira produção de maior fôlego da gravura no Brasil concentrava-se na então capital da República, a cidade do Rio de Janeiro, onde depois do crescimento da imprensa e dos impressos gerais, abarcando grande parte dos processos técnicos existentes, na segunda metade do século XIX, começavam a aparecer gravadores independentes como Carlos Oswald e Oswaldo Goeldi.

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AUGUSTO SAMPAIO

A CIDADE COMO CORPO E A GRAVURA COMO PAISAGEM


(SÃO PAULO 1997 – 2019) _ANOTAÇÕES

1 A gravura na cidade de São Paulo tem história recente, se pensamos nas matrizes e prensas como prática desligada dos papéis cartoriais, da imprensa, dos impressos volantes e dos negócios de Estado. A gravura só teve presença no interior de estúdios particulares, como o de Lasar Segall, por exemplo, nas primeiras décadas do século XX, mas que não ofereceram formação para além daqueles que com ele conviveram. Algumas pequenas e discretas exposições foram realizadas, mas num circuito tímido e autorreferente. Toda a primeira produção de maior fôlego da gravura no Brasil concentrava-se na então capital da República, a cidade do Rio de Janeiro, onde depois do crescimento da imprensa e dos impressos gerais, abarcando grande parte dos processos técnicos existentes, na segunda metade do século XIX, começavam a aparecer gravadores independentes como Carlos Oswald e Oswaldo Goeldi.

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AUGUSTO SAMPAIO

A CIDADE COMO CORPO E A GRAVURA COMO PAISAGEM


CLÁUDIO CAROPRESO

CLEIRI CARDOSO


CLÁUDIO CAROPRESO

CLEIRI CARDOSO


EDUARDO VER

FERNANDO VILELA


EDUARDO VER

FERNANDO VILELA


10

ERNESTO BONATO

As antecedências em São Paulo, como a da Escola de Xilogravura do Horto Florestal, nos anos 1940, tendo como professor o gravador alemão Adolf Kohler, não frutificaram por mais que uma década e se concentravam na formação de xilogravadores de topo, principalmente destinados à confecção de matrizes para ilustração e clichês de propaganda para a imprensa. Os esforços de Lívio Abramo são notáveis, entre 1953 e 1959, como professor de xilogravura da Escola do Museu de Arte Moderna de São Paulo e na fundação do Estúdio Gravura, em 1960, com sua ex-aluna Maria Bonomi, que não durou mais que dois anos. Há que se registrar a presença do artista catalão Francesc Domingo Segura na Escola de Belas Artes de São Paulo, onde lecionou gravura nos anos 1950 e propiciou a primeira formação a Evandro Carlos Jardim, nos anos 1956-57. Evandro será um dos principais mestres da gravura em São Paulo, com forte e constante atuação no ensino, desde sua formatura, em 1959, até os dias de hoje. A partir das décadas de 1960 e 70, a gravura ingressa nos currículos das escolas superiores de artes e começa então a ter uma presença contínua no cenário das artes plásticas. Os cursos da Fundação Armando Alvares Penteado, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade São Paulo, da Escola de Belas Artes de São Paulo, mais tarde da Universidade Estadual Paulista e da maior parte dos cursos de artes da cidade passam a contar com instrução nas áreas da gravura. A presença de alguns mestres como o já citado Evandro Carlos Jardim e Regina Silveira será decisiva na formação de jovens gravadores, tanto nas questões técnicas quanto na construção de uma cadeia crítica de ideias que giram em torno do papel da gravura no cenário contemporâneo. Da segunda metade dos anos 1980 em diante, começam a ser constituídos ateliês abertos de gravura na cidade. O Ateliê de Gravura do Museu Lasar Segall, o Ateliê Experimental Francesc Domingo, do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, a reabertura do Ateliê de Gravura do Museu de Arte Moderna de São Paulo e o Ateliê de Gravura do Sesc Pompeia são lugares que devem ser citados, sendo que o primeiro e o último continuam até hoje oferecendo formação e instalações muito bem cuidadas, abertas ao público. Nos anos 1990, outro fenômeno começa a insinuar-se na cidade, com a constituição de coletivos não mais ligados a escolas e instituições, mas talvez como fruto da atuação dessas nas décadas que os antecederam. São ateliês, oficinas de encontro e trabalho, mas principalmente lugares onde a reunião dos jovens artistas não ocorre somente por uma divisão de espaços e equipamentos, mas sobretudo por um desejo do trabalho partilhado, discutido e colaborativo, como base para uma convivência com e através da cidade, em suas extensões, não atreladas diretamente aos circuitos oficiais das artes. A gravura


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ERNESTO BONATO

As antecedências em São Paulo, como a da Escola de Xilogravura do Horto Florestal, nos anos 1940, tendo como professor o gravador alemão Adolf Kohler, não frutificaram por mais que uma década e se concentravam na formação de xilogravadores de topo, principalmente destinados à confecção de matrizes para ilustração e clichês de propaganda para a imprensa. Os esforços de Lívio Abramo são notáveis, entre 1953 e 1959, como professor de xilogravura da Escola do Museu de Arte Moderna de São Paulo e na fundação do Estúdio Gravura, em 1960, com sua ex-aluna Maria Bonomi, que não durou mais que dois anos. Há que se registrar a presença do artista catalão Francesc Domingo Segura na Escola de Belas Artes de São Paulo, onde lecionou gravura nos anos 1950 e propiciou a primeira formação a Evandro Carlos Jardim, nos anos 1956-57. Evandro será um dos principais mestres da gravura em São Paulo, com forte e constante atuação no ensino, desde sua formatura, em 1959, até os dias de hoje. A partir das décadas de 1960 e 70, a gravura ingressa nos currículos das escolas superiores de artes e começa então a ter uma presença contínua no cenário das artes plásticas. Os cursos da Fundação Armando Alvares Penteado, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade São Paulo, da Escola de Belas Artes de São Paulo, mais tarde da Universidade Estadual Paulista e da maior parte dos cursos de artes da cidade passam a contar com instrução nas áreas da gravura. A presença de alguns mestres como o já citado Evandro Carlos Jardim e Regina Silveira será decisiva na formação de jovens gravadores, tanto nas questões técnicas quanto na construção de uma cadeia crítica de ideias que giram em torno do papel da gravura no cenário contemporâneo. Da segunda metade dos anos 1980 em diante, começam a ser constituídos ateliês abertos de gravura na cidade. O Ateliê de Gravura do Museu Lasar Segall, o Ateliê Experimental Francesc Domingo, do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, a reabertura do Ateliê de Gravura do Museu de Arte Moderna de São Paulo e o Ateliê de Gravura do Sesc Pompeia são lugares que devem ser citados, sendo que o primeiro e o último continuam até hoje oferecendo formação e instalações muito bem cuidadas, abertas ao público. Nos anos 1990, outro fenômeno começa a insinuar-se na cidade, com a constituição de coletivos não mais ligados a escolas e instituições, mas talvez como fruto da atuação dessas nas décadas que os antecederam. São ateliês, oficinas de encontro e trabalho, mas principalmente lugares onde a reunião dos jovens artistas não ocorre somente por uma divisão de espaços e equipamentos, mas sobretudo por um desejo do trabalho partilhado, discutido e colaborativo, como base para uma convivência com e através da cidade, em suas extensões, não atreladas diretamente aos circuitos oficiais das artes. A gravura


FABRÍCIO LOPEZ


FABRÍCIO LOPEZ


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FLÁVIA YUE

teve uma presença importante nesses coletivos e começava a se afigurar como equipamento de intervenção nos muros da cidade. As primeiras experiências também fazem parte, imagino, da liberdade política que se começava a respirar então, já que estávamos há poucos anos da abertura que levou às eleições diretas, depois da Constituição de 1988. No início da década seguinte, xilogravuras de grande formato são gravadas e impressas com endereço e destino certos: o espaço da cidade. Começa um processo, hoje bastante caudaloso, de sobreposição de ditos e desditos urbanos e/ou pessoais, onde opiniões, cancelamentos, afirmações convivem, muitas vezes em camadas, com palavras, frases, signos indecifráveis, simples afirmações de presença, recados e posicionamentos políticos, imagens abstratas, figuras de toda ordem, cartazes, xilogravuras, fotografias e grafites. Os gregos e os romanos já usavam a cidade para falar sobre a cidade. Os grafites existem há milênios como forma de diálogo, nas trocas sociais, políticas, comerciais, culturais, pessoais, num grande livro aberto que é a urbe. Em São Paulo, é notável a presença desses grafites, “pixos”, lambe-lambes, numa visão caleidoscópica, espraiando-se e encetando diálogos de alta combustão pelos muros, edifícios, empenas, viadutos e ruínas. Talvez essa profusão seja consequência de nossa cidade ter produzido uma espacialidade sem lugares. Inventamos a cidade como pura e contínua passagem, sem pausa, como constrição, como contração visual, como uma sucessão de fragmentos agindo uns sobre os outros, colidindo uns com os outros, como representação de uma decomposição ativa. É nesse cenário que se apoia esta exposição. Proposta ao Sesc São Paulo inicialmente como uma ideia pelos artistas Fabrício Lopez e Santídio Pereira, a mostra foi construída diante do entendimento da importância de escrever esse capítulo da história da arte recente. Fizemos um recorte de artistas e coletivos que deram início nos anos 1990 a essa aventura gráfica, seguidos de outros que nasceram nos mesmos anos e logo mais já respirariam essa atmosfera, sendo que todos eles continuam


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FLÁVIA YUE

teve uma presença importante nesses coletivos e começava a se afigurar como equipamento de intervenção nos muros da cidade. As primeiras experiências também fazem parte, imagino, da liberdade política que se começava a respirar então, já que estávamos há poucos anos da abertura que levou às eleições diretas, depois da Constituição de 1988. No início da década seguinte, xilogravuras de grande formato são gravadas e impressas com endereço e destino certos: o espaço da cidade. Começa um processo, hoje bastante caudaloso, de sobreposição de ditos e desditos urbanos e/ou pessoais, onde opiniões, cancelamentos, afirmações convivem, muitas vezes em camadas, com palavras, frases, signos indecifráveis, simples afirmações de presença, recados e posicionamentos políticos, imagens abstratas, figuras de toda ordem, cartazes, xilogravuras, fotografias e grafites. Os gregos e os romanos já usavam a cidade para falar sobre a cidade. Os grafites existem há milênios como forma de diálogo, nas trocas sociais, políticas, comerciais, culturais, pessoais, num grande livro aberto que é a urbe. Em São Paulo, é notável a presença desses grafites, “pixos”, lambe-lambes, numa visão caleidoscópica, espraiando-se e encetando diálogos de alta combustão pelos muros, edifícios, empenas, viadutos e ruínas. Talvez essa profusão seja consequência de nossa cidade ter produzido uma espacialidade sem lugares. Inventamos a cidade como pura e contínua passagem, sem pausa, como constrição, como contração visual, como uma sucessão de fragmentos agindo uns sobre os outros, colidindo uns com os outros, como representação de uma decomposição ativa. É nesse cenário que se apoia esta exposição. Proposta ao Sesc São Paulo inicialmente como uma ideia pelos artistas Fabrício Lopez e Santídio Pereira, a mostra foi construída diante do entendimento da importância de escrever esse capítulo da história da arte recente. Fizemos um recorte de artistas e coletivos que deram início nos anos 1990 a essa aventura gráfica, seguidos de outros que nasceram nos mesmos anos e logo mais já respirariam essa atmosfera, sendo que todos eles continuam


LUISA ALMEIDA

FLÁVIO CAPI


LUISA ALMEIDA

FLÁVIO CAPI


2 A história da gravura é bastante complexa e não pode dispensar as interrelações entre as pulsões, as necessidades e os meios. Inventores de equipamentos, de processos técnicos, impressores, desenhistas, artistas, editores, mecenas, prelados, intelectuais e outros formam cadeias sem as quais dificilmente nos aproximamos das razões e dos périplos das estampas. Há as exceções dos gravadores mais solitários, e mesmo esses participam da circularidade dos circuitos gráficos que, como regra, têm uma visão empresarial e de trabalho altamente colaborativo que preside essa história, atuando em múltiplas frentes, com os mais diversos propósitos. Nos primeiros tempos das práticas da xilogravura e da gravura em metal na Europa, durante todo o século XV, vemos estabelecerem-se as bases do pensamento acerca das estampas sobre papel, antes das discussões sobre a pertinência ou não desses meios como formas de Arte. E esses assentamentos têm mais relação com as ações através da circulação das estampas sobre as comunidades – seus sistemas de produção e distribuição, a partilha dos imaginários e a descoberta do poder dos “desenhos estampados” na disseminação de opiniões e formas de acesso ao conhecimento, numa vasta gama de possibilidades – que com as discussões abstratas que o nascimento da Arte e da figura do Artista engendravam naquele momento. Criam-se aí também as distinções nas oficinas produtoras de matrizes e estampas sobre as extensões ocupadas por esses novos aparatos imagéticos, onde a gravura em metal trabalha com públicos mais selecionados, com pequenas audiências – já que sua produção é mais aparatosa, trabalhosa e cara – e

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LUCIANO OGURA

ativos até hoje. Nem todos mantiveram essa verve com a cidade, mas, sem sombra de dúvida, a experiência com a grande escala habita hoje o trabalho que desenvolvem, como memória das ações e como paisagem materna. Muito além de ser um fenômeno mediado, por vezes excessivamente mediado, a experiência com a arte e, nesse caso, fundamentalmente com a gráfica, levou esses artistas a uma aproximação física e mental com as forças e colisões da vida urbana, usando os impressos como ignição e combustível nas trocas e trovas sociais e políticas, coletivas e pessoais, como comentários, como forma de ataque, de recolhimento, burla e, principalmente, como instrumento poético. São todos autores de um grande livro, sempre aberto a novas provas e edições.


2 A história da gravura é bastante complexa e não pode dispensar as interrelações entre as pulsões, as necessidades e os meios. Inventores de equipamentos, de processos técnicos, impressores, desenhistas, artistas, editores, mecenas, prelados, intelectuais e outros formam cadeias sem as quais dificilmente nos aproximamos das razões e dos périplos das estampas. Há as exceções dos gravadores mais solitários, e mesmo esses participam da circularidade dos circuitos gráficos que, como regra, têm uma visão empresarial e de trabalho altamente colaborativo que preside essa história, atuando em múltiplas frentes, com os mais diversos propósitos. Nos primeiros tempos das práticas da xilogravura e da gravura em metal na Europa, durante todo o século XV, vemos estabelecerem-se as bases do pensamento acerca das estampas sobre papel, antes das discussões sobre a pertinência ou não desses meios como formas de Arte. E esses assentamentos têm mais relação com as ações através da circulação das estampas sobre as comunidades – seus sistemas de produção e distribuição, a partilha dos imaginários e a descoberta do poder dos “desenhos estampados” na disseminação de opiniões e formas de acesso ao conhecimento, numa vasta gama de possibilidades – que com as discussões abstratas que o nascimento da Arte e da figura do Artista engendravam naquele momento. Criam-se aí também as distinções nas oficinas produtoras de matrizes e estampas sobre as extensões ocupadas por esses novos aparatos imagéticos, onde a gravura em metal trabalha com públicos mais selecionados, com pequenas audiências – já que sua produção é mais aparatosa, trabalhosa e cara – e

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LUCIANO OGURA

ativos até hoje. Nem todos mantiveram essa verve com a cidade, mas, sem sombra de dúvida, a experiência com a grande escala habita hoje o trabalho que desenvolvem, como memória das ações e como paisagem materna. Muito além de ser um fenômeno mediado, por vezes excessivamente mediado, a experiência com a arte e, nesse caso, fundamentalmente com a gráfica, levou esses artistas a uma aproximação física e mental com as forças e colisões da vida urbana, usando os impressos como ignição e combustível nas trocas e trovas sociais e políticas, coletivas e pessoais, como comentários, como forma de ataque, de recolhimento, burla e, principalmente, como instrumento poético. São todos autores de um grande livro, sempre aberto a novas provas e edições.


GILBERTO TOMÉ


GILBERTO TOMÉ


OTÁVIO ZANI

FRANCISCO MARINGELLI


OTÁVIO ZANI

FRANCISCO MARINGELLI


MÁRCIO ELIAS

PAULO PENNA


MÁRCIO ELIAS

PAULO PENNA


LUCIANA BERTARELLI


LUCIANA BERTARELLI


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SANTÍDIO PEREIRA

a xilogravura, que cumpre um papel mais alargado no que diz respeito aos públicos e ao alastramento das tiragens, apostando na divisão de trabalho e na simplicidade e maior rapidez de sua feitura, busca proliferar-se de maneira mais esparsa. E os protótipos construídos no século XV sobre a produção e a circulação de imagens ainda nos servem de guia, guardadas as proporções e os contextos, para refletirmos sobre aspectos da produção de estampas nos dias que correm. Talvez a ideia da xilogravura como meio primitivo, primeiro, inaugural, e da gravura em metal como um sucessivo avanço tecnológico, tenha mais a ver não com a ideia do “disegno”, do desenho a partir do Renascimento italiano que se instala na arte europeia e das intervenções posteriores de Giorgio Vasari e dos tratadistas do período, no que diz respeito à nova espacialidade perspectivada e suas complexidades gráficas, com o desenvolvimento de uma crítica específica sobre a história da gravura, que começará a se constituir em meados do século XVII e do século XVIII, de viés iluminista/progressista, que com outros fatos históricos também ou ainda mais relevantes. A gravura em metal adapta-se com maior facilidade às exigências de modelado, proliferação de texturas e multiplicação dos sinais gravados que esse “disegno” solicitava. Mesmo levando em conta, o que não é pouco, os milagres gráficos operados por Albrecht Dürer e sua oficina na construção de sua obra xilogravada, para citar só um exemplo maior, a gravura em metal vai associar-se mais fragorosamente à produção das estampas volantes, das estampas de interpretação de pinturas e aos novos modelos imagéticos, demandados e oferecidos pelos editores, e a xilogravura, à produção da recente indústria do livro tipográfico ilustrado e da construção de matrizes mais funcionais. Ao mesmo tempo, constatamos que ambos os processos foram usados concomitantemente e suas singularidades são responsáveis por boa parte da história da gravura de estampa. Por outro lado, as ideias e os desejos detidos/investidos, no sentido do “primitivo”, do modernismo europeu do século XIX, reinstalam para nós a beleza das estampas em suas qualidades intrínsecas, cultivando um terreno onde anacronismos e um sentido de descontinuidade tornam-se língua franca na cultura dos tempos oitocentistas e por vir. A partir desse momento, os processos gráficos começam a deixar de ser lastreados por hierarquias técnicas ou por um tipo de precisão medida. Motivos históricos e estéticos também pesam na valorização das estampas, no surgimento paradoxal do conceito de “estampa original”, referenciados primeiramente pela água-forte e mais tarde pela xilogravura, canais para uma assinatura já posta no sinal gravado, na diferença dentro da repetição. As xilogravuras de Gauguin e Munch, por exemplo, e mais tarde de Kirchner e dos outros artistas do Die Brücke são faróis que iluminam todo o movimento de autonomia e reconhecimento das


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SANTÍDIO PEREIRA

a xilogravura, que cumpre um papel mais alargado no que diz respeito aos públicos e ao alastramento das tiragens, apostando na divisão de trabalho e na simplicidade e maior rapidez de sua feitura, busca proliferar-se de maneira mais esparsa. E os protótipos construídos no século XV sobre a produção e a circulação de imagens ainda nos servem de guia, guardadas as proporções e os contextos, para refletirmos sobre aspectos da produção de estampas nos dias que correm. Talvez a ideia da xilogravura como meio primitivo, primeiro, inaugural, e da gravura em metal como um sucessivo avanço tecnológico, tenha mais a ver não com a ideia do “disegno”, do desenho a partir do Renascimento italiano que se instala na arte europeia e das intervenções posteriores de Giorgio Vasari e dos tratadistas do período, no que diz respeito à nova espacialidade perspectivada e suas complexidades gráficas, com o desenvolvimento de uma crítica específica sobre a história da gravura, que começará a se constituir em meados do século XVII e do século XVIII, de viés iluminista/progressista, que com outros fatos históricos também ou ainda mais relevantes. A gravura em metal adapta-se com maior facilidade às exigências de modelado, proliferação de texturas e multiplicação dos sinais gravados que esse “disegno” solicitava. Mesmo levando em conta, o que não é pouco, os milagres gráficos operados por Albrecht Dürer e sua oficina na construção de sua obra xilogravada, para citar só um exemplo maior, a gravura em metal vai associar-se mais fragorosamente à produção das estampas volantes, das estampas de interpretação de pinturas e aos novos modelos imagéticos, demandados e oferecidos pelos editores, e a xilogravura, à produção da recente indústria do livro tipográfico ilustrado e da construção de matrizes mais funcionais. Ao mesmo tempo, constatamos que ambos os processos foram usados concomitantemente e suas singularidades são responsáveis por boa parte da história da gravura de estampa. Por outro lado, as ideias e os desejos detidos/investidos, no sentido do “primitivo”, do modernismo europeu do século XIX, reinstalam para nós a beleza das estampas em suas qualidades intrínsecas, cultivando um terreno onde anacronismos e um sentido de descontinuidade tornam-se língua franca na cultura dos tempos oitocentistas e por vir. A partir desse momento, os processos gráficos começam a deixar de ser lastreados por hierarquias técnicas ou por um tipo de precisão medida. Motivos históricos e estéticos também pesam na valorização das estampas, no surgimento paradoxal do conceito de “estampa original”, referenciados primeiramente pela água-forte e mais tarde pela xilogravura, canais para uma assinatura já posta no sinal gravado, na diferença dentro da repetição. As xilogravuras de Gauguin e Munch, por exemplo, e mais tarde de Kirchner e dos outros artistas do Die Brücke são faróis que iluminam todo o movimento de autonomia e reconhecimento das


PEDRO PESSOA


PEDRO PESSOA


CLAUDIO MUBARAC CURADOR DA EXPOSIÇÃO

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SIMONE PEIXOTO

qualidades que só esse tipo de inflexão, nas reflexões sobre a gráfica, pode nos trazer ao olhar e ao juízo. As estocadas mais recentes do neoexpressionismo alemão, na segunda metade do século XX, com Anselm Kiefer, Felix Droese e Georg Baselitz, entre outros, vêm confirmar a presença da xilogravura como processo seminal, como energia vital e não só primitiva, no cenário onde atuavam, dando continuidade aos paradigmas antes enunciados. Situo esses fatos para entendermos uma noção de escala, tanto no que diz respeito às variações dos tamanhos das empreitadas e das edições quanto no que tange à escala e às propriedades físicas, materiais, das estampas impressas, nos seis séculos de sua intensa atividade. Há toda uma história possível de ser contada sobre os fenômenos de edições gigantescas ou diminutas, sobre as cadeias de cópias e apropriações – por um bom tempo devidamente aceitas no meio – ou sobre, como um exemplo de flexibilidade do meio, a produção de estampas em grande formato do final do século XV, início do XVI, onde a presença cada vez mais ostensiva dos “empreiteiros” nessa indústria levou-os a buscar novas funções e novos lugares para os papéis impressos. Esses puderam, naquele momento, rivalizar com a pintura mural, a tapeçaria, o painel e o baixo-relevo, assumindo a possibilidade de também existirem em escala monumental, conjugando-se com espaços arquitetônicos. Essas notas, bastante breves, buscam salientar uma grande energia que pulsa na produção gráfica ainda hoje, que não dispensa os aparatos tecnológicos digitais, já que a gravura de estampa sempre trabalhou ao lado das indústrias de todos os tempos, e que, também como princípio, é cumulativa, cultivando uma convivência diacrônica e sincrônica entre os processos de construção matriciais de imagens, posicionando a xilogravura ao lado dos computadores, os impressos mais toscos na convivência com os parques gráficos altamente sofisticados, sem reverência e sem mistificação. De certa forma, a pujança das oficinas inaugurais do século XV é uma semente na criação de uma ideia de originalidade, onde a multiplicação é vetor para a apresentação de novas figuras, novas situações, sem o viés de uma singularidade a toda prova, com a consciência do trabalho compartilhado, da experiência como partilha, numa extensa cadeia de ações, onde a origem pulsa no aqui e agora.


CLAUDIO MUBARAC CURADOR DA EXPOSIÇÃO

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SIMONE PEIXOTO

qualidades que só esse tipo de inflexão, nas reflexões sobre a gráfica, pode nos trazer ao olhar e ao juízo. As estocadas mais recentes do neoexpressionismo alemão, na segunda metade do século XX, com Anselm Kiefer, Felix Droese e Georg Baselitz, entre outros, vêm confirmar a presença da xilogravura como processo seminal, como energia vital e não só primitiva, no cenário onde atuavam, dando continuidade aos paradigmas antes enunciados. Situo esses fatos para entendermos uma noção de escala, tanto no que diz respeito às variações dos tamanhos das empreitadas e das edições quanto no que tange à escala e às propriedades físicas, materiais, das estampas impressas, nos seis séculos de sua intensa atividade. Há toda uma história possível de ser contada sobre os fenômenos de edições gigantescas ou diminutas, sobre as cadeias de cópias e apropriações – por um bom tempo devidamente aceitas no meio – ou sobre, como um exemplo de flexibilidade do meio, a produção de estampas em grande formato do final do século XV, início do XVI, onde a presença cada vez mais ostensiva dos “empreiteiros” nessa indústria levou-os a buscar novas funções e novos lugares para os papéis impressos. Esses puderam, naquele momento, rivalizar com a pintura mural, a tapeçaria, o painel e o baixo-relevo, assumindo a possibilidade de também existirem em escala monumental, conjugando-se com espaços arquitetônicos. Essas notas, bastante breves, buscam salientar uma grande energia que pulsa na produção gráfica ainda hoje, que não dispensa os aparatos tecnológicos digitais, já que a gravura de estampa sempre trabalhou ao lado das indústrias de todos os tempos, e que, também como princípio, é cumulativa, cultivando uma convivência diacrônica e sincrônica entre os processos de construção matriciais de imagens, posicionando a xilogravura ao lado dos computadores, os impressos mais toscos na convivência com os parques gráficos altamente sofisticados, sem reverência e sem mistificação. De certa forma, a pujança das oficinas inaugurais do século XV é uma semente na criação de uma ideia de originalidade, onde a multiplicação é vetor para a apresentação de novas figuras, novas situações, sem o viés de uma singularidade a toda prova, com a consciência do trabalho compartilhado, da experiência como partilha, numa extensa cadeia de ações, onde a origem pulsa no aqui e agora.


REVISTACOMANDO ULYSSES BOSCOLO


REVISTACOMANDO ULYSSES BOSCOLO


XILOCEASA  1 BEATRIZ LIRA_2 TAÍS MELO_3 DANILO JULIANO_4 FERNANDO MELO_5 MATEUS COSTA_6 GABRIEL BALBINO

4

5

6 2

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XILOCEASA  1 BEATRIZ LIRA_2 TAÍS MELO_3 DANILO JULIANO_4 FERNANDO MELO_5 MATEUS COSTA_6 GABRIEL BALBINO

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O visitante que adentra o espaço expositivo do Sesc Pinheiros encontra um conjunto de imagens bastante diferentes entre si. São paisagens, corpos, objetos, geometrias. Algumas obras trazem colorido vigoroso, outras sussurram em preto e branco. Um grande painel convive com imagens de pequenas dimensões. Mas nem tudo é diferença. O conjunto tem em comum a origem espacial (São Paulo), temporal (a partir do final da década de 90) e, sobretudo, material – todas as obras são gravuras em madeira, também chamadas de xilogravuras. O que o visitante encontra é a produção de artistas que escolheram como técnica, linguagem, poética e desafio imagens que saem da madeira. É uma escolha interessante? É de se perguntar por que, entre o finalzinho do século XX e começo

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XILOCEASA  7 IGOR ROMUALDO_8 RAMON SANTOS

EM COMUM, A MADEIRA

do XXI, os artistas desta mostra preferiram esta técnica específica, que existe há muito tempo, sendo que tantas outras estão à disposição – além das mais conhecidas e antigas (pintura, escultura, desenho) temos também a fotografia e, ainda por cima, as novíssimas mídias digitais. Por que não estas? E mais, no interior da própria gráfica, existem ainda outras modalidades possíveis – gravura feita em metal, sobre pedra, em linóleo... A pergunta, então, poderia ser: o que a xilogravura tem, que a mantém interessante para artistas e público de hoje? Para ensaiar uma resposta, sugiro olharmos mais de perto o cerne da técnica, seu fundamento material – vamos pensar sobre a madeira. A matriz de xilo pertence à vasta irmandade das madeiras transformadas em objeto pela


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O visitante que adentra o espaço expositivo do Sesc Pinheiros encontra um conjunto de imagens bastante diferentes entre si. São paisagens, corpos, objetos, geometrias. Algumas obras trazem colorido vigoroso, outras sussurram em preto e branco. Um grande painel convive com imagens de pequenas dimensões. Mas nem tudo é diferença. O conjunto tem em comum a origem espacial (São Paulo), temporal (a partir do final da década de 90) e, sobretudo, material – todas as obras são gravuras em madeira, também chamadas de xilogravuras. O que o visitante encontra é a produção de artistas que escolheram como técnica, linguagem, poética e desafio imagens que saem da madeira. É uma escolha interessante? É de se perguntar por que, entre o finalzinho do século XX e começo

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XILOCEASA  7 IGOR ROMUALDO_8 RAMON SANTOS

EM COMUM, A MADEIRA

do XXI, os artistas desta mostra preferiram esta técnica específica, que existe há muito tempo, sendo que tantas outras estão à disposição – além das mais conhecidas e antigas (pintura, escultura, desenho) temos também a fotografia e, ainda por cima, as novíssimas mídias digitais. Por que não estas? E mais, no interior da própria gráfica, existem ainda outras modalidades possíveis – gravura feita em metal, sobre pedra, em linóleo... A pergunta, então, poderia ser: o que a xilogravura tem, que a mantém interessante para artistas e público de hoje? Para ensaiar uma resposta, sugiro olharmos mais de perto o cerne da técnica, seu fundamento material – vamos pensar sobre a madeira. A matriz de xilo pertence à vasta irmandade das madeiras transformadas em objeto pela


9 Os versos são curtos, precisos e ritmados, como o gesto do gravador que, com uma goiva, abre talhas na matriz:

XILOCEASA  9 LUIZ LIRA_10 DENIS ARAÚJO

mão humana. Saem do reino da natureza para ingressar no território da cultura. Estamos cercados desses objetos, a tal ponto que quase já não percebemos mais: guarda-roupa, gamela, taco de sinuca, violão-clarinete-piano, assoalho, rolo de macarrão, dormente de ferrovia, colher de pau, caixão... uma infinidade. Há quanto tempo domesticamos a madeira? Impossível calcular. Certamente antes de domesticarmos a pedra e o metal, os cães e gatos, antes da agricultura. A presença estende-se a nosso idioma, que conta com várias expressões em que a madeira, ou algum termo sinônimo, aparece. Quem nunca bateu na madeira, depois de quase cair na lábia de um cara de pau? Um sujeito que parecia pau pra toda obra, verdadeiro quebra-galho, mas não passava de um santo do pau oco. Quando o assunto é madeira, a poesia vem de todos os lados, inclusive da sonoridade das palavras. Nomes de árvores estão entre os mais bonitos da língua portuguesa, graças, em larga medida, aos vocábulos herdados de línguas indígenas: ipê, sumaúma, jacarandá, imbuia, baobá, embaúba. O poeta concretista Haroldo de Campos estava atento à carga poética que envolve o universo semântico da madeira e da xilogravura. Ele escreveu, em 1993, o poema Elogio da xilo, em homenagem à obra de sua amiga Maria Bonomi.

a feira o cordel a bandeira o corte a parte da madeira o ferro o norte o recorte do ferro na madeira Além disso, a xilogravura possui um ciclo vital único, especial, percorrido por dentro pela memória do lenho. A árvore se transforma em madeira, que vira matriz, que é gravada e entintada pelo artista, que geralmente imprime a imagem em papel, também ele produto de uma árvore. Faz lembrar o ciclo da vida a dois cantado por Gilberto Gil em Drão: “quem poderá fazer / aquele amor morrer / se o amor é como um grão / morre, nasce trigo / vive, morre pão” – e o pão também tem sua vida, que termina ao alimentar nosso corpo. Poderíamos pensar numa versão para a xilogravura: a árvore vive para morrer madeira, que renasce matriz, que depois de usada se espalha pelo mundo via estampas que, através dos olhos, alimentam nossa sensibilidade. PRISCILA SACCHETTIN HISTORIADORA DA ARTE

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9 Os versos são curtos, precisos e ritmados, como o gesto do gravador que, com uma goiva, abre talhas na matriz:

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mão humana. Saem do reino da natureza para ingressar no território da cultura. Estamos cercados desses objetos, a tal ponto que quase já não percebemos mais: guarda-roupa, gamela, taco de sinuca, violão-clarinete-piano, assoalho, rolo de macarrão, dormente de ferrovia, colher de pau, caixão... uma infinidade. Há quanto tempo domesticamos a madeira? Impossível calcular. Certamente antes de domesticarmos a pedra e o metal, os cães e gatos, antes da agricultura. A presença estende-se a nosso idioma, que conta com várias expressões em que a madeira, ou algum termo sinônimo, aparece. Quem nunca bateu na madeira, depois de quase cair na lábia de um cara de pau? Um sujeito que parecia pau pra toda obra, verdadeiro quebra-galho, mas não passava de um santo do pau oco. Quando o assunto é madeira, a poesia vem de todos os lados, inclusive da sonoridade das palavras. Nomes de árvores estão entre os mais bonitos da língua portuguesa, graças, em larga medida, aos vocábulos herdados de línguas indígenas: ipê, sumaúma, jacarandá, imbuia, baobá, embaúba. O poeta concretista Haroldo de Campos estava atento à carga poética que envolve o universo semântico da madeira e da xilogravura. Ele escreveu, em 1993, o poema Elogio da xilo, em homenagem à obra de sua amiga Maria Bonomi.

a feira o cordel a bandeira o corte a parte da madeira o ferro o norte o recorte do ferro na madeira Além disso, a xilogravura possui um ciclo vital único, especial, percorrido por dentro pela memória do lenho. A árvore se transforma em madeira, que vira matriz, que é gravada e entintada pelo artista, que geralmente imprime a imagem em papel, também ele produto de uma árvore. Faz lembrar o ciclo da vida a dois cantado por Gilberto Gil em Drão: “quem poderá fazer / aquele amor morrer / se o amor é como um grão / morre, nasce trigo / vive, morre pão” – e o pão também tem sua vida, que termina ao alimentar nosso corpo. Poderíamos pensar numa versão para a xilogravura: a árvore vive para morrer madeira, que renasce matriz, que depois de usada se espalha pelo mundo via estampas que, através dos olhos, alimentam nossa sensibilidade. PRISCILA SACCHETTIN HISTORIADORA DA ARTE

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CRÉDITO FOTOGRÁFICO DAS IMAGENS

Cláudio Caropreso Cláudio Caropreso Ernesto Bonato Sérgio Guerini Fabrício Lopez Isabella Matheus Márcio Elias Márcio Elias Demais imagens Everton Ballardin

SESC – SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO ADMINISTRAÇÃO REGIONAL NO ESTADO DE SÃO PAULO PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL

Abram Szajman

DIRETOR DO DEPARTAMENTO REGIONAL

Danilo Santos de Miranda SUPERINTENDENTES

Técnico-Social Joel Naimayer Padula Comunicação Social Ivan Giannini Administração Luiz Deoclécio Massaro Galina Assessoria Técnica e de Planejamento Sérgio José Battistelli GERENTES

Artes Visuais e Tecnologia Juliana Braga de Mattos Estudos e Desenvolvimento Marta Raquel Colabone Artes Gráficas Hélcio Magalhães Difusão e Promoção Marcos Ribeiro de Carvalho Contratações e Logística Adriana Mathias Patrimônio e Serviços Nelson Fonseca Sesc Pinheiros Flávia Carvalho XILO: CORPO E PAISAGEM

Curadoria Claudio Mubarac Equipe Sesc Adriana Lazarini Sales, Camila Hion, Carolina Barmell, Claudia Talita Oliveira, Claudia Garcia, Daniel Ramos, Fernanda Monteiro, Fernanda Porta Nova, Gabriela Farcetta, Henrique Vizeu, Leonardo Borges, Ligia Moreli, Silvio Miron, Terezinha Gouvea, Thais Franco Projeto expográfico Marcus Vinícius Santos e Aline Arroyo (colaboração) Produção executiva Prata Produções – Valeria Prata Produção Fabiana Farias Identidade visual e projeto gráfico Luciana Facchini, Pedro Alencar (assistente) Montagem fina Manuseio Projeto de iluminação Fernanda Carvalho, Luana Alves (assistente), Cristina Souto (assistente) Ação educativa Percebe Educa – Luciana Martins e Maria Paula Correia de Souza (coordenação) Educadores Camila Julio, Diana Lanças, Letícia de Lima, Lucas Izepe, Mariana Seragi, Matheus Dionisio, Natalia Tavares, Priscila Gonçalves, Rodrigo de Oliveira, Vinicius Almeida Fotografia Everton Ballardin, Tiago Baccarin (assistente), Bice Costa (assistente) Revisão de textos Regina Stocklen Laudos de conservação Angela Freitas Consultoria estrutural Ycon Engenharia Execução cenografia Cenografia Catanduva

Fontes Trim e Graphik Papel Pólen Bold 70 g/m2 Tiragem 3.000


CRÉDITO FOTOGRÁFICO DAS IMAGENS

Cláudio Caropreso Cláudio Caropreso Ernesto Bonato Sérgio Guerini Fabrício Lopez Isabella Matheus Márcio Elias Márcio Elias Demais imagens Everton Ballardin

SESC – SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO ADMINISTRAÇÃO REGIONAL NO ESTADO DE SÃO PAULO PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL

Abram Szajman

DIRETOR DO DEPARTAMENTO REGIONAL

Danilo Santos de Miranda SUPERINTENDENTES

Técnico-Social Joel Naimayer Padula Comunicação Social Ivan Giannini Administração Luiz Deoclécio Massaro Galina Assessoria Técnica e de Planejamento Sérgio José Battistelli GERENTES

Artes Visuais e Tecnologia Juliana Braga de Mattos Estudos e Desenvolvimento Marta Raquel Colabone Artes Gráficas Hélcio Magalhães Difusão e Promoção Marcos Ribeiro de Carvalho Contratações e Logística Adriana Mathias Patrimônio e Serviços Nelson Fonseca Sesc Pinheiros Flávia Carvalho XILO: CORPO E PAISAGEM

Curadoria Claudio Mubarac Equipe Sesc Adriana Lazarini Sales, Camila Hion, Carolina Barmell, Claudia Talita Oliveira, Claudia Garcia, Daniel Ramos, Fernanda Monteiro, Fernanda Porta Nova, Gabriela Farcetta, Henrique Vizeu, Leonardo Borges, Ligia Moreli, Silvio Miron, Terezinha Gouvea, Thais Franco Projeto expográfico Marcus Vinícius Santos e Aline Arroyo (colaboração) Produção executiva Prata Produções – Valeria Prata Produção Fabiana Farias Identidade visual e projeto gráfico Luciana Facchini, Pedro Alencar (assistente) Montagem fina Manuseio Projeto de iluminação Fernanda Carvalho, Luana Alves (assistente), Cristina Souto (assistente) Ação educativa Percebe Educa – Luciana Martins e Maria Paula Correia de Souza (coordenação) Educadores Camila Julio, Diana Lanças, Letícia de Lima, Lucas Izepe, Mariana Seragi, Matheus Dionisio, Natalia Tavares, Priscila Gonçalves, Rodrigo de Oliveira, Vinicius Almeida Fotografia Everton Ballardin, Tiago Baccarin (assistente), Bice Costa (assistente) Revisão de textos Regina Stocklen Laudos de conservação Angela Freitas Consultoria estrutural Ycon Engenharia Execução cenografia Cenografia Catanduva

Fontes Trim e Graphik Papel Pólen Bold 70 g/m2 Tiragem 3.000




Sesc Pinheiros Rua Paes Leme, 195 CEP 05424-150 Tel: (11) 3095.9400 Estação Faria Lima /sescpinheiros sescsp.org.br/pinheiros


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