Revista E - julho/24

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Revista E | julho de 2024 nº 01 | ano 31

30 anos da Revista E Passeio visual por três décadas de história

Ivan Lins Artista leva aos palcos meio século dedicado à música

Futuro ancestral Os saberes tradicionais presentes nos fazeres atuais

Nelson Sargento Celebração do legado do sambista que faria 100 anos

5 - 14 julho 2024

Venha participar do FestA!

C om mais de 400 atividades gratuitas em todas as unidades do Sesc São Paulo, o festival reúne cursos, oficinas, feiras, bate-papos e demonstrações variadas nos universos das artes e tecnologias.

sescsp.org.br/festa

CAPA: Obra Sem título, 2024 (da série: Desequilíbrio), aplicada em acrílico sobre tela, do artista plástico, muralista e professor Paulo Chavonga. O artista ministrará, entre os dias 8 e 12/7, no Sesc Florêncio de Abreu, o curso Iniciação à pintura com tinta acrílica, com aulas sobre teoria das cores, desenho, luz, sombra e perspectiva. Nascido em Angola, Paulo Chavonga estabelece diálogo com a cultura africana, refletida em seus trabalhos, que são conhecidos pela vibração das cores e pela forte expressão nos retratos.

Crédito: Ateliê Paulo Chavonga

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Bem-estar, bem viver

APP Sesc São Paulo para tablets e celulares

Legendas Acessibilidade

Em estabelecimentos de uso coletivo é assegurado o acompanhamento de cão-guia. As unidades do Sesc estão preparadas para receber todos os públicos.

A promoção do bem-estar – cerne das ações do Sesc desde sua criação, em 1946 – circunscreve um vasto e diversificado campo de atuações, que abarcam os campos do lazer, esportes, cultura, turismo, saúde e alimentação. A pluralidade é, deste modo, parte inerente da oferta de atividades presentes nos centros culturais e esportivos da entidade em todo o estado de São Paulo, dirigidas ao público prioritário dos trabalhadores do comércio de bens, serviços e turismo, a seus familiares, bem como à comunidade em geral.

Trata-se de uma ação de caráter educativo e emancipador, que compreende a busca por qualidade de vida dentro de parâmetros que incluem o compromisso com o aprendizado permanente, a valorização dos encontros, a garantia à acessibilidade para todos e o respeito às questões da dignidade humana e da sustentabilidade, termos tão presentes nos dias atuais.

São quase oito décadas dedicadas a proporcionar o contato com novas experiências diárias, contribuindo, assim, para a construção de uma sociedade mais integrada, harmônica, colaborativa, criativa e protagonista de suas transformações.

Abram Szajman Presidente do Conselho Regional do Sesc no Estado de São Paulo

Fronteiras expandidas de comunidade

Para além da vocação de informar, inerente a toda e qualquer publicação de perfil jornalístico, a Revista E se alicerça no compromisso central de construção de vínculo com seu público. Ao criar e manter essa publicação de periodicidade mensal, que neste mês celebra 30 anos de existência, o Sesc São Paulo reafirma o valor do diálogo que se estabelece entre a instituição e todos aqueles que dedicam uma pausa para a leitura e reflexão.

Há três décadas, a Revista E materializa o exercício de construção de comunidade na qual as fronteiras não se estabelecem meramente a partir dos territórios geográficos, mas se expandem ao alcance de sua circulação. A cada mês, reúne temas e abordagens que refletem o contemporâneo, sem deixar de projetar, de modo propositivo e provocativo, as perspectivas de futuro. Cria portanto, uma relação de pertencimento.

Desde sua criação, a Revista E se dedica à mediação cultural, proporcionando a ampliação de repertórios, celebrando a pluralidade de vozes e saberes, trazendo novos referenciais estéticos, numa relação dialógica e agregadora. Contribui, desse modo, para pensar, compreender e transformar, com protagonismo, o tempo que habitamos. Convidamos a celebrar conosco! Boa leitura!

SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO – SESC

Administração Regional no Estado de São Paulo

Av. Álvaro Ramos, 991 – Belenzinho

CONSELHO REGIONAL DO SESC EM SÃO PAULO

Presidente: Abram Abe Szajman

Diretor do Departamento Regional: Luiz Deoclecio Massaro Galina

Efetivos: Arnaldo Odlevati Junior, Benedito Toso de Arruda, Dan Guinsburg, Jair Francisco Mafra, José de Sousa Lima, José Maria de Faria, José Roberto Pena, Manuel Henrique Farias Ramos, Marcus Alves de Mello, Milton Zamora, Paulo Cesar Garcia Lopes, Paulo João de Oliveira Alonso, Paulo Roberto Gullo, Rafik Hussein Saab, Reinaldo Pedro Correa, Rosana Aparecida da Silva, Valterli Martinez, Vanderlei Barbosa dos Santos.

Suplentes: Aguinaldo Rodrigues da Silva, Antonio Cozzi Junior, Antonio Di Girolamo, Antônio Fojo Costa, Antonio Geraldo Giannini, Célio Simões Cerri, Cláudio Barnabé Cajado, Costabile Matarazzo Junior, Edison Severo Maltoni, Omar Abdul Assaf, Sérgio Vanderlei da Silva, Vilter Croqui Marcondes, Vitor Fernandes, William Pedro Luz.

REPRESENTANTES JUNTO AO CONSELHO NACIONAL

Efetivos: Abram Abe Szajman, Ivo Dall’Acqua Júnior, Rubens Torres Medrano Suplentes: Álvaro Luiz Bruzadin Furtado, Marcelo Braga, Vicente Amato Sobrinho

CONSELHO EDITORIAL | Revista E Adauto Perin, Adenor Serrano Domiense, Adriano Ladeira Vannucchi, Aline Ribenboim, Amanda Santos Sobral, Andrea Carla Namura Rennar Salmazzi, Andressa Kelly Ribeiro Ivo, Anita De Souza Cleto, Barbara Caroline da Silva Ramos de Freitas, Catia Aparecida da Rocha, Chiara Regina Peixe, Cinthya de Rezende Martins, Corina de Assis Maria, Cristina Fongaro Peres, Daniel Henrique da Silva Leite, Danny Abensur, Daniel Seda Pereira de Moraes, Diego Polezel Zebele, Diogo de Barros Souza, Eduardo Blaz Cicoti, Eduardo Garcia de Almeida, Elder Regis Deorato Marques, Emerson Luis Costa, Ênio Rodrigo Barbosa Silva, Fabiano Bragantini Mastrodi, Felipe Fernandes Souza Dantas, Fernanda Almeida Monteiro, Fernanda Andrade Fava, Fernanda Gehrke, Fernanda Maria Barbosa, Fernando Andrade de Oliveira, Fernando Gomes da Silva, Fernando Goulart da Silva, Flavia Teixeira S Coelho, Francisca Meyre Martins Vitorino, Frederico Vieira Dias, Gabriel Maion Damasco, Gabriela Camargo das Graças, Gabriella Pereira Rocha, Gislene Lopes Oliveira, Giulia Maria de Campos Manocchi, Guilherme Ocampo Monteiro, Gustavo Henrique Prevatto Zani, Ivan Lucas Araujo Rolfsen, Jadiel Ferreira Santos, Jefferson John da Silva Santos, Joana Carolina Teixeira Mota, José Gonçalves da Silva Junior, Julia Parpulov Augusto dos Santos, Juliana Goncalves Ramos, Juliana Neves dos Santos, Katia Araujo Patusso, Lilian Vieira Ambar, Luciano Teixeira de Souza, Marcos Afonso Schiavon Falsier, Maria Rizoneide Pereira dos Santos, Mariana Barboza da Silva, Mariana Lins Prado, Mariana Martelli da Costa, Marina Borges Barroso, Marina Reis, Michel Enrique dos Santos, Miguel Antonio dos Santos de Brito, Monica Fontes de Lima, Monique Mendonça dos Santos, Natacha Sales Chaves, Noedy Urbani, Paulo Henrique Vilela Arid, Pedro Antonio Momezo, Pier Patrick La Rosa, Priscila Dos Santos Dias, Rachel D Ipolitto de Oliveira Sciré, Rafael Nicolas da Silva, Rafael Pereira Guimarães Santos, Rene Vinicius Donnangelo Fender, Ricardo Lemos Antunes Ribeiro, Ronan Kayano Genoino, Sandra Martins de Freitas, Silvia Aguilhar da Cruz, Silvia Cristina Garcia, Silvia Gomes, Tania Perfeito Jardim, Tatiana Busto Garcia, Tatiane Kosimenko Ferrari Figueiredo, Thais Amendola, Thais Ferreira Rodrigues, Thais Monteiro da Silva, Thalita Carvalho de Moura, Thamires Magalhães Motta, Thiago da Silva Costa, Tiago Henrique de Melo, Vinicius Pereira de Oliveira, Viviane Machado Lemos, Vivianne de Castro, Wagner Linares da Silva Junior.

Coordenação-Geral: Ricardo Gentil

Coordenação-Executiva: Lígia Moreira Moreli e Silvio Basilio

Editora-Executiva: Adriana Reis Paulics • Projeto Gráfico e Diagramação: Bruno Thofer e Larissa Ohori • Edição de Textos: Adriana Reis Paulics, Guilherme Barreto e Maria Júlia Lledó • Revisão de Textos: Pedro P. Silva • Edição de Fotografia: Adriana Vichi • Repórteres: Luciana Oncken, Luna D’Alama, Manuela Ferreira, Maria Júlia Lledó • Coordenação Editorial Revista E: Adriana Reis Paulics, Guilherme Barreto e Marina Pereira • Propaganda: Edmar Júnior, Gabriela Amorim, Jefferson Santanielo, José Gonçalves Júnior • Arte de Anúncios: Amanda Lobos, Anderson Carvalho, Gabriela Borsoi, Humberto Motta, Nilton Bergamini • Supervisão Gráfica: Rogerio Ianelli • Finalização: Bruno Thofer e Larissa Ohori • Criação Digital Revista E: Lourdes Teixeira Benedan • Circulação e Distribuição: Nelson Soares da Fonseca

Jornalista responsável: Adriana Reis Paulics (MTB 37.488)

A Revista E é uma publicação do Sesc São Paulo, sob coordenação da Superintendência de Comunicação Social

Distribuição gratuita Nenhuma pessoa está autorizada a vender anúncios

Esta publicação está disponível para retirada gratuita nas unidades do Sesc São Paulo e também em versão digital, em sescsp.org.br/revistae e no aplicativo Sesc SP para tablets e celulares (Android e IOS).

Fale conosco: revistae@sescsp.org.br

Entre os destaques da programação de julho, Se Joga nos Jogos reúne vivências e apresentações esportivas, além de exibições das competições olímpicas e paralímpicas

Geriatra Claudia Suemoto fala sobre o avanço de síndromes demenciais na população idosa e aponta ações cotidianas que podem retardar esse quadro

Como tecnologias tradicionais dialogam com fazeres contemporâneos, mostrando que o futuro é ancestral?

Baluarte do samba, poeta e artista plástico, Nelson Sargento, que faria 100 anos de vida, deixou um importante legado na cultura brasileira

dossiê entrevista artes e tecnologias bio gráfica educação

Iniciativas derrubam estigmas quando o assunto é dinheiro e fomentam a educação financeira como ferramenta de empoderamento e autonomia cidadã

Para celebrar três décadas de existência da Revista E, um passeio visual por imagens de capas que marcam a história da publicação

Trechos de livros de William Ophuls e Michel Maffesoli propõem diferentes abordagens da ecologia para se pensar nos desafios do século 21

Bia Ferreira

em pauta encontros

Sheyla Smanioto (conto) e Julia Jabur (ilustração)

Compositor, cantor e pianista Ivan Lins relembra canções, parcerias e vivências em mais de meio século de carreira

Conheça cinco espaços em São Paulo para entrar no clima dos Jogos de Paris 2024 e praticar modalidades da competição

Marcela Gomes Pupatto

19 a 28 de julho de 2024

Nestas férias, mergulhe no universo dos sons e divirta-se descobrindo a música sem complicações.

O VEM traz atividades e espetáculos para todas as idades e te convida a experimentar a música de forma lúdica e interativa.

Consolação, Vila Mariana, Guarulhos, Jundiaí, Registro, Santos, São Carlos e São José dos Campos.

Cena do espetáculo Lá, nos Corpos d'Água, da Cia. Oito Nova Dança, apresentado em junho, no Sesc Pinheiros. A performance mescla as linguagens artísticas da dança, música, videoarte e iluminação, evocando a água como um elemento intermediador dos corpos. Na imagem, a artista Lu Favoreto, que além de se apresentar, assina a concepção e a direção coreográfica.

Matheus
José Maria

Se joga nos Jogos

Sesc São Paulo entra no clima das Olimpíadas com uma programação que aproxima o público de Paris 2024

Entre os meses de julho e agosto, as unidades do Sesc São Paulo embarcam no clima olímpico e realizam diversas ações gratuitas para que o público se sinta mais perto dos atletas que competem em Paris. O projeto Se Joga nos Jogos ocupa 18 unidades, entre capital, interior e litoral, com 65 atividades, como vivências, apresentações esportivas, além de exibições das competições.

De acordo com Carol Seixas, gerente da Gerência de Desenvolvimento Físicoesportivo do Sesc São Paulo, o Se Joga nos Jogos possibilita o contato dos públicos com modalidades esportivas e paradesportivas, incentivando a prática regular de atividades físicas. “A partir do diálogo com o conceito de pedagogia do esporte, que inspira o Programa Sesc de Esportes, e também com as novas perspectivas estabelecidas pelos Jogos Olímpicos Paris 2024 – como paridade de gênero, juventude, inclusão e sustentabilidade –o projeto Se Joga nos Jogos pretende formar novos olhares e saberes para a cultura olímpica e esportiva”, explica Seixas.

Modalidade olímpica, o breaking também faz parte da programação deste mês, com o grupo Dynamic Breakers, que apresenta a Vivência e batalha breaking no Sesc Santos.

A partir de 26/7, data da abertura dos Jogos Olímpicos, várias unidades do Sesc exibem as competições gratuitamente. Além disso, o projeto oferece outros destaques: o Sesc Carmo realiza, entre 29/7 e 2/8, a vivência Conhecendo os esportes de luta, com aulas de esgrima, judô, taekwondo e luta olímpica; o Sesc Mogi das Cruzes também entra no ringue com Mulheres além do esporte, clínica de wrestling, no dia 27/7, com a atleta Beatriz Rodrigues dos Reis. E o Sesc Consolação sedia, no dia 24/7, o bate-papo musicado Se joga, preta!, em que a bicampeã olímpica de vôlei Fabiana Claudino, a cantora Ellen Oléria e a jornalista Jordana Araújo celebram o protagonismo de mulheres pretas no esporte.

No Sesc Interlagos, destaque para a vivência Tiro com arco, entre 10 e 19/7, com a participação do campeão brasileiro da modalidade, Daltely Santos, o Café. O Sesc Pompeia, tem vivência de paraskate com Felipe Nunes e de judô com

Soraia André (ambas em 6/7), Edinanci Silva e Antônio Tenório (20/7). No litoral, o Sesc Santos recebe a Vivência e batalha breaking (27/7), com o grupo Dynamic Breakers, um dos mais antigos do litoral paulista. E no interior, o Sesc Sorocaba monta uma estrutura de trampolim acrobático, na qual o atleta Lucas Tobias conduz, dia 26/7, uma apresentação esportiva e vivência de ginástica de trampolim com o público.

Confira a programação completa em sescsp.org.br/sejoganosjogos

O projeto Se Joga nos Jogos pretende formar novos olhares e saberes para a cultura olímpica e esportiva

Carol Seixas, gerente da Gerência de Desenvolvimento Físico-esportivo do Sesc São Paulo

DOSSIÊ

Ler é pop

Um festival de literatura dedicado aos jovens leitores e leitoras. Essa é a proposta do FLIPOP – Festival de Literatura Pop, que apresenta obras e discute temas com foco na leitura na adolescência. Criado em 2017 pela editora Seguinte, selo jovem da Companhia das Letras, e realizado em parceria com diversas editoras, o evento reúne produções em diferentes gêneros literários, voltadas a um público diverso. Desde

o ano passado, o FLIPOP é realizado em uma unidade do Sesc São Paulo. A edição deste ano será nos dias 20 e 21/7, no Sesc 14 Bis, e contará com uma feira de livros com aproximadamente 20 editoras, incluindo as Edições Sesc São Paulo. Na programação, bate-papos com autoras e autores, como Raphael Montes, Clara Alves e Pedro Rhuas, sessões de autógrafos e oficinas. Saiba mais em sescsp.org.br/14bis e flipop.com.br

Navegar pelo rio Tiête é uma das atividades que fazem parte da programação do projeto Oba! Férias! em julho.

É MÊS DE FÉRIAS!

O Sesc São Paulo realiza no mês de julho a 13ª edição do Oba! Férias! com programações direcionadas ao público infantil e suas famílias. De 6 a 28/7, serão mais de 30 atividades, com roteiros que propõem vivenciar a cultura indígena de uma aldeia, conhecer quilombos e um assentamento de reforma agrária, tomar café com dinossauros, colher alimentos

numa horta urbana, navegar pelo Rio Tietê, brincar numa ilha em São Paulo e muito mais. Dentre os destaques, o Sesc 14 Bis promove a Vivência na Aldeia Tapirema (Peruíbe - SP), localizada na Terra Indígena Piaçaguera, onde as crianças participarão de atividades de canto, dança, artesanato, além de aprender palavras e

expressões indígenas. A cultura afro também está representada nos roteiros Quilombo Cafundó (Sorocaba - SP), do Sesc Pinheiros, Fazenda Roseira (Campinas - SP), do Sesc Bom Retiro, e Quilombaque – Comunidade Cultural, do Sesc Campinas. Confira a programação completa e as inscrições em sescsp.org.br/obaferias

Matheus José Maria

DOSSIÊ

CENAS SONORAS

O que é necessário para produzir um podcast de qualidade? Quais as melhores ferramentas, equipamentos e estratégias utilizados pela podosfera brasileira e como aplicá-los num projeto autoral? Considerando o aumento da popularidade e do consumo dessa mídia, a plataforma de educação a distância do Sesc São Paulo lança, neste mês, o curso Como criar podcasts, conduzido pelo jornalista Tiago Rogero, criador

e coordenador do projeto Querino, da Rádio Novelo. Em seis aulas gratuitas, com 15 minutos de duração cada, o curso aborda todas as etapas de um podcast, da concepção à publicação: práticas de produção e gravação, dicas para construção de roteiro, trilha sonora e locução, além de noções de edição, divulgação e estratégias de financiamento. Inscreva-se gratuitamente: sescsp.org.br/ead

Educação começa no quintal

Entre os dias 6 e 21/7, os Centros de Educação Ambiental do Sesc (CEA), espaços de aprendizagens múltiplas que estimulam o conhecimento e a interação com temas socioambientais, localizados em Bertioga, Guarulhos e Mogi das Cruzes, recebem o projeto Pra lá do meu quintal. Na programação, visitas mediadas, oficinas, vivências e bate-papos para crianças e famílias explorarem, aprenderem e se divertirem em instalações educativas que promovem o conhecimento, a observação da natureza e o contato com a ciência. A vivência Brincadeiras de quintal, que acontece nos três CEAs, apresenta ao público diversos elementos da natureza e da cultura brasileira. Confira a programação completa em sescsp.org.br

Mais do que um gênero musical, o samba assume diferentes formatos nos vários territórios onde se manifesta. A partir do batuque, como elemento central, o Sesc Vila Mariana apresenta o projeto Na Batucada dos Sambas, que ressalta não só as musicalidades, mas também o cultivo de pensamentos, vivências comunitárias e relações com o sagrado que permeiam essa expressão cultural afrodiaspórica. A programação gratuita inclui mostra de filmes, encontro e demonstrações com músicos, como a Gira de Mestres, com Mônica Millet, Beth Beli, Gabi Guedes e TC (4/7, às 19h30), bate-papo e rodas de samba, com convidados como a Velha Guarda do Vai-Vai (13/7, às 15h). Ao longo de julho, o teatro recebe shows temáticos, entre os quais: Samba Chula de São Braz, do Recôncavo Baiano (5/7, às 21h), e Tributo a Beth Carvalho, realizado por Adriana Moreira e Pagode dos Meninos (14/7, às 18h). As atividades dialogam com a exposição Lélia em nós: festas populares e amefricanidade, recém-inaugurada na unidade. Saiba mais em sescsp.org.br/vilamariana

O Samba da Chula de São Braz, do Recôncavo Baiano, é uma das atrações do projeto Na Batucada dos Sambas, no Sesc Vila Mariana.

VEM PRA RODA SAMBAR
Tiago Rogero, criador e coordenador do projeto Querino, da Rádio Novelo, conduz o curso Como criar podcasts, disponível gratuitamente na plataforma EAD do Sesc São Paulo.

FAÇA SUA CREDENCIAL PLENA

Pessoas que trabalham ou se aposentaram em empresas do comércio de bens, serviços ou turismo podem fazer gratuitamente a Credencial Plena do Sesc e ter acesso a muitos benefícios. São aceitos registro em carteira profissional (com contrato de trabalho ativo ou suspenso), contrato de trabalho temporário, termo de estágio e de jovem aprendiz, e pessoas desempregadas dessas empresas até 24 meses.

Para fazer ou renovar a Credencial

Plena de maneira online e de onde estiver, baixe o app Credencial Sesc SP ou acesse centralrelacionamento.sescsp. org.br. Se preferir, nesses mesmos locais é possível agendar horário para ir presencialmente a uma das Unidades (compareça com a documentação necessária).

A Credencial Plena é o acesso para trabalhadores e dependentes ao uso dos serviços e programações nas Unidades do Sesc.

Acesse o texto

Tudo o que você precisa saber sobre

a Credencial Plena do Sesc

Sobre a Credencial Plena:

• É gratuita

• Tem validade de até dois anos

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PARA FAZER OU RENOVAR A CREDENCIAL PLENA DO SESC SÃO PAULO
Ricardo Ferreira

JULHO e AGOSTO de 2024

Vivências e apresentações esportivas que mostram as modalidades olímpicas e paralímpicas sob novas perspectivas: equidade de gênero, inclusão e sustentabilidade.

Nas unidades do Sesc na capital, grande São Paulo, interior e litoral.

sescsp.org.br/sejoganosjogos

entrevista

Reconhecida, entre outros, pelo Prêmio Para Mulheres na Ciência 2016, promovido pela Unesco e outras instituições, a geriatra e pesquisadora Claudia Suemoto constatou, em estudo, que aproximadamente metade dos casos de demência no Brasil podem ser prevenidos.

entrevista

Medo de esquecer

Geriatra e pesquisadora, Claudia Suemoto investiga como diminuir o avanço de síndromes demenciais, como o Alzheimer, na população idosa

POR LUCIANA ONCKEN

FOTOS ADRIANA VICHI

Envelhecer com qualidade de vida é um desafio que afeta o ser humano em âmbito coletivo. Foco de pesquisas e do trabalho da geriatra Claudia Kimie Suemoto, a demência ganha projeção na velhice e pode representar obstáculos para uma longevidade saudável e plena em bem-estar. O termo demência é usado para descrever um conjunto de sintomas que afetam a função cerebral, e cuja principal característica é o declínio cognitivo. Existem vários tipos de demência, sendo a doença de Alzheimer a mais comum.

Suemoto liderou um estudo que mostra que cerca de 48% dos casos de demência no Brasil podem ser atribuídos a fatores de risco modificáveis, ou seja, podem ser prevenidos. “É impossível eliminar totalmente esses fatores de risco, mas fica a mensagem de que as políticas públicas de prevenção de demência devem ter 12 alvos claros e, em situações de poucos recursos, o foco deve ir para aqueles de maior importância”, explica a geriatra, que é professora associada da Faculdade de Medicina da

Universidade de São Paulo (FMUSP) e pesquisadora do Biobanco para Estudos em Envelhecimento da FMUSP e do Estudo Longitudinal da Saúde do Adulto (ELSA-Brasil).

Sua contribuição para a ciência foi reconhecida pelo Prêmio Para Mulheres na Ciência, promovido pela L'Oreal, Unesco e Academia Brasileira de Ciências, em 2016, além do prêmio Ewald W. Busse Research Award in the Biomedical Sciences, em 2022. Essas descobertas não apenas fornecem insights valiosos para a prevenção e o tratamento da demência, como também destacam a importância de abordagens de saúde pública mais abrangentes e direcionadas.

Nesta Entrevista, Claudia Suemoto fala sobre quais fatores podem agravar o desenvolvimento da demência, compartilha as pesquisas que estão sendo desenvolvidas na área e reflete sobre como a educação, a prática de atividades físicas, o convívio sociocultural e o cuidado com o meio ambiente podem contribuir para um envelhecimento saudável.

Quando falamos em demência, as pessoas logo pensam em doença de Alzheimer, mas existem outras, certo? Quais são elas?

A demência é uma síndrome que abrange várias doenças, caracterizada por um conjunto de sinais e sintomas comuns que incluem alterações cognitivas, como perda de memória, linguagem, função executiva e atenção, que são graves o suficiente para causar uma perda funcional significativa. A principal causa da síndrome demencial é a doença de Alzheimer, que é apenas um dos tipos de demência. Além do Alzheimer, existem outras causas comuns de demência, incluindo demência vascular, demência por corpos de Lewy, demência frontotemporal, demência secundária e doença de Parkinson. Existem também várias outras causas menos frequentes.

A demência e, em especial, a doença de Alzheimer, parecem estar cada vez mais presentes nas discussões sobre saúde. A que você atribui esse crescente interesse da sociedade? Estamos com medo de envelhecer e esquecer?

Na minha percepção, o que tem aumentado as discussões em saúde sobre a doença de Alzheimer é a frequência com que todos nós temos conhecido pelo menos um caso, seja na família ou entre amigos. E esse despertar para o tema é muito importante. O aumento no número de casos no Brasil está relacionado ao envelhecimento populacional. Existe uma métrica que é o quanto de tempo leva para a proporção de pessoas com 60 anos ou mais em determinado país dobrar, por exemplo, de 7% para 14%. Em países europeus, esse duplicar demorou mais de 100 anos. No Brasil, e em outros países de baixa ou média renda, a duplicação dessa proporção de pessoas idosas tem levado menos de 30 anos. E conforme as pessoas vão envelhecendo, um dos principais riscos para

a demência adulta, incluindo a doença de Alzheimer, é a idade. Por isso que tem sido cada vez mais frequente ver casos de demência entre as nossas famílias e amigos, e isso gera um crescente interesse das pessoas para entender melhor o que é a doença, como é que eu previno, o que eu faço, como diagnostico e o que posso fazer para tratar.

Estamos diagnosticando o suficiente?

A resposta é não. A taxa de não diagnóstico de demência é alta no mundo inteiro, mesmo em países ricos, e gira por volta de 60%. O primeiro relatório nacional das demências, que foi publicado no final do ano passado, mostra que, no Brasil, provavelmente, a taxa de não diagnóstico de demência é de 80%. Então, a cada dez pessoas com demência, apenas duas são diagnosticadas.

Isso poderia ser, em parte, pela estigmatização do tema? Ainda existe constrangimento de aceitar o diagnóstico tanto da parte do paciente quanto da família?

Uma parte do problema do subdiagnóstico é justamente por conta disso. A demência é uma doença que tem muito estigma ainda. Existe uma dificuldade do paciente, mas principalmente da família aceitar o diagnóstico, porque isso muda completamente a vida da pessoa. A demência é resultado de alterações cognitivas que são graves o suficiente para atrapalhar o funcionamento do indivíduo. Essa pessoa vai perder a independência física, mas principalmente vai perder autonomia, capacidade de decisão. Isso é muito estigmatizante. Isso vai mexer não só com a vida de quem está acometido por demência, mas também de todos que estão ao redor. A família vai ter que se reorganizar, essa pessoa vai precisar ser cuidada. No começo, com menor necessidade, porém, conforme a doença progride, a pessoa vai precisar de cuidados 24 horas, sete dias por semana. Isso é uma realidade.

O que tem aumentado as discussões em saúde sobre a doença de Alzheimer é a frequência com que todos nós temos conhecido pelo menos um caso, seja na família ou entre amigos

Segundo a geriatra e pesquisadora, o primeiro relatório nacional das demências, publicado no final de 2023, mostra que a cada dez pessoas com demência no Brasil, apenas duas são diagnosticadas.

Então, como reverter a baixa taxa de diagnóstico?

Algo que também impacta no subdiagnóstico de demência é o treinamento dos profissionais de saúde. Hoje em dia existe uma profusão de escolas médicas, de faculdades de medicina, mas muitas delas não têm aula sobre demência. E o resultado é que as pessoas se formam e não sabem muito bem como fazer o diagnóstico, especialmente os médicos. Então, a gente precisa melhorar o conhecimento dos profissionais de saúde sobre demência e dos médicos sobre como fazer o diagnóstico, além de investir em educação continuada nessa área. Fazer campanhas públicas sobre sintomas iniciais das demências é importante, até para reduzir a estigmatização e melhorar o prognóstico de evolução da doença, por meio de intervenções.

As políticas públicas relacionadas ao envelhecimento vêm sendo construídas com base em estudos? Você percebe uma preocupação do setor público?

Acho que o mundo tem se preocupado com envelhecimento populacional e as doenças relacionadas a ele. Hoje em dia, os estudos são cada vez mais frequentes e eu entendo que alguns deles são muito influentes na tomada de decisão de políticas públicas, principalmente no que diz respeito à Organização Mundial de Saúde (OMS), que tem levado muito em conta as pesquisas na área do envelhecimento. Então, sim, tem havido uma preocupação crescente do setor público na área do envelhecimento. No caso do Brasil, o envelhecimento está ocorrendo de forma muito acelerada e é muito importante que se entenda o envelhecimento no país. A gente vai ter muito pouco tempo para se adaptar às

Além de políticas públicas, do ponto de vista individual, Claudia Suemoto aponta alguns fatores de prevenção da demência na velhice, como: estudar o máximo possível, controlar a pressão e o diabetes, evitar a perda auditiva, não beber em excesso, tratar a depressão e evitar o isolamento social.

A demência é uma doença que tem muito estigma ainda. Existe uma dificuldade tanto do paciente, mas principalmente da família aceitar o diagnóstico, porque isso muda completamente a vida da pessoa.

mudanças epidemiológicas relacionadas ao envelhecimento e há necessidade de mais estudos. Embora já tenhamos alguns, precisamos de mais, porque o Brasil é um país continental com características próprias. É importante que a gente faça mais estudos e tome decisões de políticas públicas baseadas em pesquisas sobre nossa população.

Suas investigações na área são bem abrangentes e cobrem diversos aspectos, desde os fatores não modificáveis, como a genética, até os modificáveis, como os hábitos e o ambiente. Quais são seus caminhos de pesquisa hoje? Minha principal linha de pesquisa é estudar os fatores de risco para a demência, principalmente no Brasil e com extensão também para a América Latina. Vejo que somos bem parecidos com vários países vizinhos. Existem muitos estudos sobre epidemiologia, área que investiga a frequência da doença, quais são os fatores relacionados, o que podemos fazer sobre prevenção. Existem muitos estudos epidemiológicos sobre demência no mundo, mas a maior parte deles é realizada em países ricos. E meu interesse é tentar entender a epidemiologia das demências, a prevalência dos fatores associados e a prevenção em países de baixa e média renda, com foco no Brasil.

Em suas pesquisas, chama a atenção que o principal risco modificável para a demência no Centro-Oeste, Norte e Nordeste brasileiros seja o baixo nível educacional. Já na região Sul e Sudeste, o principal fator modificável é a hipertensão arterial. O que isso nos diz?

De fato, existem diferenças regionais no potencial de modificação da doença, que é muito maior nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, girando em torno de

54%, enquanto a proporção modificável da demência na região Sul e Sudeste, que a gente considera áreas mais ricas, é um pouco menor, por volta de 49%. Não é só essa proporção modificável que é diferente, mas também os fatores de risco. A ideia dessa análise não é justamente falar sobre causalidade, sobre problemas estruturais, é uma análise bem mais rasa. A ideia seria guiar os gestores públicos de cada região sobre qual fator deveria ser mais importante naquela região e qual deles deveria ser abordado primeiro ou num contexto de baixos recursos socioeconômicos. Na minha percepção, faz sentido que em regiões de menor desenvolvimento, o principal fator seja socioeconômico, como nível educacional. Por esse aspecto, fica bastante claro que investir nesse fator vai acarretar melhorias, inclusive na prevenção de demência.

Quando falamos do seu estudo que mostra que 48% dos casos de demência no Brasil têm causas modificáveis, o que isso significa? O que podemos fazer para minimizar o impacto desses fatores? Significa que, hipoteticamente, se eliminássemos esses fatores do Brasil, 48% dos casos de demência não existiriam. Digo hipoteticamente, porque isso é impraticável, uma vez que a gente não pode fazer com que desapareçam totalmente a baixa educação, a hipertensão, o diabetes, a obesidade etc. Do ponto de vista individual, significa melhorar a sua saúde, estudar o máximo possível, controlar a pressão, o diabetes, evitar a perda auditiva, evitar trauma craniano, não beber em excesso, tratar a depressão, evitar isolamento social. Mas, provavelmente, as medidas mais efetivas são mudanças de saúde pública que vão fazer com que esses fatores de risco diminuam em frequência. Um exemplo bem possível são as políticas públicas para a contenção do tabagismo que já fizeram com que a frequência no país diminuísse mais da metade.

É muito importante que, do ponto de vista cognitivo, a gente estimule a prática de atividades físicas, de lazer, de sociabilização.
Tudo isso vai agir em vários fatores modificáveis para a demência.

Em 1985, a prevalência de tabagismo era de 36% e baixou para 15%, em 2016, a partir da adoção de políticas públicas que têm evitado a prática. Isso significa que precisamos ter um mix de cada um cuidando de si, melhorando o seu perfil de fatores modificáveis, mas também é importante que existam políticas públicas para que o ambiente seja mais favorável a uma vida mais saudável.

Muitas das estratégias de prevenção da demência passam pela questão socioeconômica. Portanto, quando falamos de acesso à educação, diagnóstico precoce, acesso à informação e tratamento, dietas mais saudáveis e mesmo nas intervenções, para que a evolução da doença seja mais lenta, como podemos dar suporte a essa população?

Primeiro, é importante entender quais são os fatores de risco, quais os fatores modificáveis, e que muitas dessas mudanças de estilo de vida não passam somente por decisões individuais. Por exemplo, para controle de doenças cardiovasculares, de fatores de risco cardiovascular, você precisa melhorar o acesso à saúde, melhorar a informação, melhorar o tratamento da hipertensão, do diabetes. Ou seja, precisamos tornar todos esses acessos viáveis. Oferecer oportunidades de sociabilização e de lazer para todos. Tudo isso passa por medidas de políticas públicas.

Existe um impacto maior nas grandes cidades que interfere no desenvolvimento de demência ou em seu agravamento?

Quais fatores estariam relacionados?

É muito importante que, do ponto de vista cognitivo, a gente estimule a prática de atividades físicas, de lazer,

de sociabilização. Tudo isso vai agir em vários fatores modificáveis para a demência. Sobre o impacto das grandes cidades, além do fato de vivermos mais sozinhos, um dos fatores de risco modificáveis para a demência é a poluição ambiental, que é um fator de risco que não tem como a gente resolver do ponto de vista individual. A gente precisa de políticas públicas que diminuam essa poluição ambiental, seja através do controle da emissão de gases, seja da contenção do uso de veículos.

De que modo a ampliação de acesso a equipamentos culturais, a espaços para práticas esportivas e atividades de convivência pode gerar impactos positivos para a promoção de saúde e bem-estar, prevenindo o avanço da demência?

Todas essas iniciativas estão muito afinadas aos fatores modificáveis para demência. São ações que estimulam a prática de atividade física que, por sinal, vai ter um impacto muito grande em vários fatores de risco cardiovascular, como hipertensão, diabetes, obesidade. E, além disso, um dos fatores modificáveis é o isolamento social. Então, os espaços de convivência social são muito importantes. Quando eu falo sobre alterações de ambientes, é tornar espaços como o Sesc cada vez mais disponíveis, de fácil acesso e de baixo custo para a população.

Ouça trechos da entrevista com Claudia Suemoto.

De 17 de julho, às 15h30 até dia 24 de julho de 2024

O tratamento odontológico é exclusivo para quem tem a Credencial Plena do Sesc São Paulo.

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Mais informações sescsp.org.br/odontologia

artes e tecnologias

O processo ancestral de manipulação da fibra do buriti para chegar ao linho se mantém na cidade de Lençóis (MA), onde artesãs também tingem os fios (organizados em novelos) com corantes naturais.

ancestral TECNOLOGIA

São vastos e plurais os conhecimentos que atravessam séculos e permanecem em diferentes fazeres na sociedade contemporânea

Nas palavras do pensador e escritor Ailton Krenak, os mais velhos têm “a habilitação de quem passou por várias etapas da experiência de viver” e, por isso, “são os contadores de histórias, os que ensinam as medicinas, a arte, os fundamentos de tudo que é relevante para ter uma boa vida”, escreveu em Futuro ancestral (Companhia das Letras, 2022). No livro, Krenak descortina os olhos de não indígenas para as tecnologias ancestrais no intuito que estas sejam reconhecidas pelas novas gerações. Saberes como a leitura do céu ou a colheita dos olhos do buriti para extração da fibra que servirá para a criação de cestas e outros objetos, dentre tantos outros. A tecnologia da produção, fio por fio, da lã para a confecção de mantas e roupas, ou da preparação de um escalda-pés para o cuidado com a saúde. Conhecimentos que atravessaram milhares de anos e que, assim como as estrelas, brilham no firmamento do século 21.

Diferentemente da ideia popular que associa tecnologia às inovações no campo digital, o significado de tecnologia nada mais é do que um conjunto de técnicas e processos que, segundo a antropóloga e linguista Ivânia dos Santos Neves, professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), parte da observação da natureza. “Vejo a tecnologia como a produção de conhecimento a partir da observação, a partir de experimentações, erros, e de métodos. Isso fez com que o homem chegasse às suas primeiras tecnologias do saber. Vai muito além do que hoje a gente pensa em relação ao eletrônico”, explica.

CORPOS CELESTES

Pesquisadora há mais de 25 anos de saberes e cosmologias das sociedades amazônicas, Neves estuda os céus indígenas desde 1998. “O céu visto pelos indígenas sempre foi algo que chamou muita atenção dos europeus na colonização. Os povos originários sempre tiveram uma precisão ao identificar as estrelas, o Sol e a Lua, as fases da Lua, os planetas – não com esses nomes, mas tinham essa tecnologia. Eles sabiam o momento em que tal constelação, por exemplo, a constelação da Ema, ia aparecer”, conta.

Se no ocidente identificam-se os desenhos das constelações pelos pontos formados pelas estrelas, para muitas sociedades indígenas o desenho não é delineado pelos corpos celestes, mas pelos espaços escuros – são eles que criam uma forma. Também são muitos os sentidos para os fenômenos astronômicos: uma estrela cadente, por exemplo, pode indicar uma indígena que resolveu fugir de um casamento ou alguém que virou “encantado”. O céu tampouco está a anos-luz de distância desses povos. Para os Mbyá-Guarani e os Tembé, o braço visível da Via Láctea (aquela mancha esbranquiçada) é Tapirapé, o Caminho da Anta.

Estamos mais próximos que distantes do firmamento, segundo as cosmologias dos povos originários, porque o céu é uma extensão do caminho da floresta. “Ele é uma colcha de retalhos quando a gente pensa que as sociedades humanas olharam para o céu e lhes deram distintas denominações, com configurações também diferentes. Na concepção Mbyá-Guarani, lá onde estão as Três Marias, na constelação de Órion, de uma forma geral, está localizado o homem velho dos Mbyá-Guarani, e nessa mesma região do céu, para os Tembé, está a constelação do Jabuti”, destaca a antropóloga.

Contrariando a perspectiva de que esses conhecimentos astronômicos ancestrais estão ultrapassados, Neves aponta que ferramentas de orientação, como o GPS – Sistema de Posicionamento Global criado pelo exército estadunidense na segunda metade do século 20 –, já se provaram ineficientes na floresta. “Eu já vivi essa experiência com alguns indígenas na qual eles mostraram como o GPS é uma tecnologia que não dá conta quando você se perde dentro da floresta. Mas, se você souber ler os movimentos do Sol durante o dia, você consegue sair. Quem conhece o céu se orienta e não se perde na floresta”, conta a antropóloga que estará na programação do FestA! – Festival de Aprender, ação realizada pelo Sesc São Paulo [leia boxe Festival de aprender], no bate-papo Da Terra ao Céu: Astronomia Ancestral, junto ao astrônomo Rundsthen Vasques de Nader.

Com o crescente movimento de inclusão digital nas aldeias, há uma preocupação que os novos não se interessem pelas tecnologias ancestrais. Pensando nisso, a pesquisadora conta que Célia Tembé, liderança do povo Tembé, no Pará, montou uma espécie de aldeia alternativa, um núcleo só com os membros de sua família, e criou a regra de que crianças de até 10 anos só falariam a língua tenetehara (a língua dos

De geração a geração, a tecnologia utilizada pelas mulheres da Cooperativa de Artesãs dos Lençóis - Artecoop (MA) para extração do olho do buriti, que é a parte da folha mais nova e no centro da palmeira, é ensinada aos mais jovens.

Tembé), e que todas conheceriam as constelações. “Quão significativo é para uma criança olhar e saber onde está o Cruzeiro do Sul, mas também saber que aquilo ali é o bico de uma garça? Isso é pluralidade. Há uma diferença grande entre ‘ter’ uma relação com o universo e ‘ser’ parte do universo. O [Ailton] Krenak tem uma fala bonita em que diz que o rio é seu avô. Então, na grande maioria das cosmologias indígenas, o que a gente vai observar é que as estrelas são parte daquilo que esses povos são. Não existe ruptura”, sintetiza.

PELOS OLHOS

Ainda pouco conhecido pelos turistas que viajam para os Lençóis Maranhenses, o artesanato do município de Barreirinhas (MA) preserva um conhecimento cujas raízes indígenas e quilombolas encontram-se em saberes e fazeres locais. Abundante na região,

o buriti é uma palmeira de até 30 metros de altura, batizado por povos originários como “árvore da vida”. Dele aproveita-se tudo: folhas, talos, frutos e sementes que servirão tanto para a alimentação quanto para a arte, gerando renda e autonomia para centenas de famílias. Entre algumas iniciativas que dão vazão a esse saber está a Cooperativa de Artesãs dos Lençóis Maranhenses – Artecoop [que também irá compor a programação do FestA!].

Assim como outros povos que no passado habitaram a região, pela prática do manejo sustentável – extração em consonância com a preservação de um recurso natural – ainda hoje retira-se o olho do buriti, parte da folha mais nova que fica no centro da palmeira, localizada no alto. “Há todo um conhecimento, desde o plantio até a colheita, e da quantidade de olhos que se pode tirar a cada lua etc. As artesãs têm muito respeito por esse manejo para garantir que esse olho

artes e tecnologias

nasça de novo e que essa palmeira continue viva”, conta Camila Pinheiro, idealizadora do projeto MÃOS – Movimento de Artesãs e Ofícios, que trabalha com o mapeamento e difusão de saberes e fazeres ancestrais. Com a fibra vegetal do buriti, mais de 30 mulheres da Artecoop trançam bolsas, chapéus, caminhos de mesa, jogos americanos, sandálias, objetos de decoração, entre outras peças. O trançado da fibra também é um legado indígena transmitido de geração a geração, nas comunidades locais, pela oralidade.

E quando a fibra é desfiada, chega-se ao linho, a parte mais nobre da folha. Esse linho pode ser tingido com corantes naturais – a partir de folhas, cascas, sementes –, e seus fios, levados para secar à sombra para, então, serem organizados em novelos. “Parece um fio de algodão porque não é rígido. É uma palha bem maleável”, explica Pinheiro. Das mãos que colhem, fiam e traçam um saber ancestral faz-se um movimento que hoje, no “deserto brasileiro”, como é conhecida a região, fomenta o trabalho dessas e de outras centenas de artesãs de Barreirinhas que se encarregam de ensinar às mais jovens técnicas que se mantêm perenes.

FIO A FIO

E mesmo quando o conhecimento ancestral aparta-se em tempo e geografia, a oralidade é capaz de preservá-lo e mantê-lo presente. Esse é o caso do

trabalho realizado pelas fiandeiras do Mãostiqueiras [que também irá compor a programação do FestA!], negócio social desenvolvido em Campos do Jordão, município paulista na Serra da Mantiqueira. A ideia de criar essa iniciativa é da administradora Juliana Müller, quando descobriu que a maior parte dos criadores de ovelhas da região fazia a tosquia anual de seus animais e jogava toda a lã fora. “São mais de mil ovelhas no entorno da cidade, ou seja, três a cinco quilos de lã por ovelha, um total de três toneladas de lã, por ano, desperdiçadas. Essa quantidade de matéria-prima com tanto valor histórico e cultural, somada à possibilidade de geração de renda para as pessoas daqui, motivou a criação do Mãostisqueiras”, explica Müller.

Se havia ali a oportunidade de uso de uma valiosa fibra têxtil, também havia a oportunidade de beneficiamento da lã e produção a partir de técnicas tradicionais familiares e regionais. O caminho foi, então, resgatar tecnologias ancestrais que pudessem ser utilizadas pela comunidade de artesãs. “Existe uma forma industrial, altamente avançada, que foi desenvolvida ao longo do tempo, mas existe também a possibilidade de resgatar e reintroduzir os saberes e fazeres ancestrais aqui em nossa região. Algo que esteve presente na Serra da Mantiqueira, há décadas, e que havia se perdido. A gente buscou esse conhecimento em outras regiões, como Cunha e Amparo, porque aqui não tinha equipamento e as pessoas se lembravam, apenas, de partes dos processos”, recorda a administradora.

A POSSIBILIDADE DE RESGATAR E REINTRODUZIR OS SABERES E FAZERES ANCESTRAIS AQUI EM NOSSA REGIÃO

Formado por mais de 50 artesãs na Serra da Mantiqueira (Campos de Jordão- SP), o Mãostiqueiras faz todo o processo tradicional de beneficiamento da lã: na imagem, o processo de cardar, ou seja, pentear a lã para que todas as fibras fiquem na mesma direção.
Juliana Porto Gonçalves

Hoje, um ciclo que começa com os produtores de ovelhas, segue para as mãos das artesãs que irão lavar e secar a lã para abrir suas fibras, cardar –pentear para que todas as fibras fiquem na mesma direção –, e assim fazerem o fio num fuso ou numa roca. “O que a gente faz hoje é uma coisa que não se sabe nem de quando é a tecnologia. Imagine que uma ovelha foi domesticada oito mil anos a.C, então a gente está falando de dez mil anos atrás. Já o fio de lã começa a ser produzido por volta de quatro mil anos a.C., a partir da criação dos fusos, que precedem a roca, tecnologia que usamos hoje e que é uma invenção medieval, de mil a 1.200 d.C.”, contextualiza Juliana Müller.

Ao olhar para esses saltos da história, a administradora reforça a importância dos jovens também se envolverem nesse resgate e

valorização de processos e técnicas ancestrais. “Hoje a gente tem várias filhas, netas e sobrinhas das artesãs que fazem parte da iniciativa. São mais de 50 mulheres trabalhando no Mãostiqueiras. Isso faz com que a gente fique mais tranquila, porque existe essa salvaguarda. Sabemos que esses saberes estão assegurados”, celebra.

PLANTA DO PÉ

Filha de Oxum, a pedagoga, doula e fitoterapeuta Edite Neves conta que em seus ofícios sempre foi movida pelas águas. “Quantas mulheres se cuidavam a partir da água porque a água tem a sua própria tecnologia de acalanto e cura. Então, muitas mulheres, quando iam ao rio, estavam ali no seu processo de cura, ou para se banhar, para lavar as crianças ou para

Prática ancestral que remonta à Idade Antiga, o escalda-pés pede um conhecimento das ervas e do corpo físico, emocional e espiritual, segundo a fitoterapeuta Edite Neves, idealizadora do Coletivo Ciranda Acolhedora.

lavar suas roupas, enquanto o rio corria”, descreve. Idealizadora do Coletivo Ciranda Acolhedora [que também irá compor a programação do FestA!], Neves realiza diferentes ações a partir de conhecimentos ancestrais indígenas e quilombolas. Entre algumas das práticas realizadas está o escalda-pés, que remonta à Idade Antiga e que é conhecido pelos seus benefícios à saúde e pela promoção de bem-estar.

Banhados por águas, sais e ervas, esses saberes chegaram à fitoterapeuta por histórias contadas pelos mais velhos. “Minha mãe sempre falou dos tratos e dos cuidados que vinham pelas ervas, mas ela era uma mulher que buscava as ervas pela cozinha. Minha avó também veio dessa perspectiva. Então, elas se tratavam com o que estava ali na proximidade da mão. Era aquele ‘mato que come’, hoje conhecido como PANCs (Plantas Alimentícias Não Convencionais) que elas iam experimentando. E eu acho que essa é para mim a grande tecnologia: experimentar algo e saber como aquilo reage no seu corpo. Aí você tem uma devolutiva, porque você prestou atenção no seu corpo”, constata.

Do lugar de nutrição para o lugar de cuidado, as ervas tornaram-se objeto de estudo da fitoterapeuta em

artes e tecnologias

casa, no terreiro de religiões de matriz africana e na Terra Indígena Piaçaguera, no município de Peruíbe (SP), com a anciã Catarina Nimbopyruá. “A gente não pode usar qualquer erva com qualquer pessoa porque cada pessoa tem as próprias ervas que mudam sua energia", explica Neves que, antes de ofertar o escalda-pés, faz uma anamnese com quem o vai receber. “Para a criança, a gente sempre usa rosa branca, que equaliza a energia. Já uma pessoa colérica, a gente não vai ofertar elementos quentes, como gengibre e canela, mas ervas tranquilizadoras, a exemplo da camomila, que acolhe muito bem”, explica.

Ao dedicar-se a uma pesquisa contínua e permanente das propriedades curativas de uma infinidade de ervas, Edite Neves observa que é possível integrar o conhecimento científico às tecnologias ancestrais. “Nessas pesquisas, vou buscando um pouco esse cunho científico sem abandonar a ancestralidade, que também está no ritual de abrir e fechar uma roda, no ritual de uma escuta afetiva desses três corpos – físico, emocional e espiritual – para se fazer um escalda-pés. Esse é um espaço onde só a água, pela água, já relaxa. A água quente, então, relaxa e amolece. E a água quente com uma erva, relaxa, amolece e produz um outro espaço de acolhimento e cura”, finaliza.

artes e tecnologias / para ver no sesc

Na programação, a oficina Bloquinho em cartoneira com estêncil, com JAMAC, ensina os participantes a criar o próprio livro com capa de papelão e composições em estêncil, no Sesc Consolação.

FESTIVAL DE APRENDER

Na 7ª edição do FestA!, unidades do Sesc São Paulo na capital, interior e litoral reúnem diversas atividades sobre conhecimentos milenares em fazeres artísticos

Partindo da ideia inspiradora "O futuro é ancestral", a sétima edição do FestA! – Festival de Aprender, realizado pelo Sesc São Paulo, celebra a ancestralidade em saberes e fazeres aproximando o público de outras cosmovisões, práticas e percursos criativos. Ao todo, 41 unidades do Sesc – capital, interior e litoral do estado de São Paulo –, realizam mais de 400 ações, como

vivências, bate-papos, oficinas e cursos, numa programação que acontece entre 5 e 14 de julho.

“Nessa edição do FestA!, o Sesc São Paulo oferece uma programação com atividades diversas que miram a importância de saberes e fazeres ancestrais e plurais, com o intuito de aproximar o público de outras

cosmovisões, práticas e percursos criativos. Dessa forma, esperamos valorizar os variados repertórios culturais presentes no campo expandido das artes visuais e manuais”, afirma Juliana Braga, gerente da Gerência de Artes Visuais e Tecnologia do Sesc.

Confira alguns destaques da programação:

para ver no sesc / artes e tecnologias

CENTRO DE PESQUISA E FORMAÇÃO

Arte e ancestralidade indígena: tradições, experimentações e resistências

DEBATE Com Edgar Kanaykõ e Moara Tupinambá. Neste encontro, o fotógrafo Edgar Kanaykõ, da Terra Indígena Xakriabá (MG), e a artista visual Moara Tupinambá, vice-presidente da associação multiétnica Wyka Kwara, apresentam as suas trajetórias, trabalhos e debatem a relação entre arte e ancestralidade em suas produções artísticas. Dia 10/7, quarta, das 19h às 21h.

AVENIDA PAULISTA

Renda Renascença: técnicas têxteis e cantos de trabalho

OFICINA Com Rendeiras da Aldeia (Carapicuíba - SP). Rendar, cantar e difundir a tradição da Renda Renascença. Esses são os propósitos do grupo Rendeiras da Aldeia que, enquanto rendam, cantam saberes trazidos de seus lugares de origem, preservados e compartilhados. Nessa oficina, os participantes conhecerão uma das técnicas têxteis mais tradicionais, a renda renascença, enquanto aprendem os Cantos de Trabalho, canções entoadas durante todo o processo de feitura da renda. De 5 a 7/7, sexta a domingo, das 11h às 13h.

21

INTERVENÇÃO Por Jair Guilherme Filho, artista, pesquisador e percussionista. Em um processo aberto, a escultura 21 será reordenada. Criada por Jair Guilherme Filho, ela é composta por 250 peças de cerâmica que serão lixadas uma a uma, tratadas, queimadas em temperaturas ainda mais altas que no primeiro processo, e novamente pintadas. A madeira virará ferro tratado com corrosão e tratado novamente para evitar que a corrosão continue. A base de madeira agora será o solo. É a reordenação para uma “nova obra”. Dia 5/7, sexta, das 10h às 18h.

CAMPINAS

Arpilleria: Escrevendo histórias coletivas

OFICINA Com Coletivo de Artesãs do Movimento de Atingidos por Barragens. O bordado também é história, política e resistência. As linhas que traçam as lutas e denúncias das mulheres atingidas por barragens no país se entrelaçam com as lutas e denúncias das mulheres chilenas que, no período da ditadura militar de Pinochet (1973-1990), burlaram a repressão por meio do bordado, como forma de comunicação com outras mulheres. Dias 13 e 14/7, terça, às 10h30.

Informações em sescsp.org.br/festa

Outro destaque da programação, é a oficina Mini Cavaquinho, no Sesc Taubaté, na qual Eddie Luthier vai ensinar os participantes a fazer esse instrumento musical a partir de técnicas da luteria ecológica.

CAMPO LIMPO
Eddie Luthier

um bamba IMORTAL

O versátil legado de Nelson

Sargento, um dos pilares do samba, que celebraria cem anos de nascimento neste mês

POR MANUELA FERREIRA

Foi na sala de casa que, ainda garoto, o cantor, compositor, escritor e artista plástico Nelson Sargento (1924-2021) aprendeu a tocar violão com as lições de uma dupla de músicos que começava a ganhar fama no subúrbio do Rio de Janeiro: Angenor de Oliveira, o Cartola (1908-1980), e Nelson Cavaquinho (1911-1986). Outro nome que fez parte desse grupo de mestres foi o compositor Geraldo Pereira (1918-1955), símbolo da figura do "malandro carioca". Todos eram amigos do padrasto do menino, o compositor Alfredo Português (1885-1957) – um lisboeta que trabalhava como pintor de paredes e organizava rodas de samba no morro de Mangueira, zona Norte da capital fluminense.

Assim aconteceram algumas das primeiras incursões de Nelson Sargento no ritmo para o qual contribuiu, em sete décadas de carreira, de forma essencial. Seja compondo mais de 400 canções, entre clássicos como “Agoniza, mas não morre” (1978), seja como baluarte e presidente de honra da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, o artista fez história no mundo dos bambas.

Das memórias do convívio com o pai, o músico Ronaldo Mattos destaca as inúmeras festas de aniversário, uma das celebrações preferidas de Sargento. "Ele amava comemorar seu aniversário. Sempre dizia que não estava realizado, pois quem está realizado não precisa fazer mais nada e ele queria continuar aprimorando o que já fazia. Por isso, tinha sempre energia para fazer mais e mais. Não à toa ele afirmava que, ao completar 100 anos, faria uma festa de parar o Rio de Janeiro”, rememorou, acrescentando que planeja uma série de ações para celebrar o centenário de nascimento de seu pai. Outra recordação de Mattos paira sobre as reuniões familiares regadas à música e boa comida, além dos momentos especiais do sambista que testemunhou nos palcos, seja no Brasil ou no exterior. “O repertório musical dele estava nos impregnando, com jazz, blues, samba e rock. Me lembro de acompanhá-lo nas apresentações em bares dos bairros de Botafogo e da Lapa, onde só conseguíamos, eu e meu irmão Ricardo, ver o início, pois logo depois dormíamos no camarim”, compartilha.

Matheus José Maria

Em sete décadas de carreira, Nelson Sargento orquestrou um legado na música e nas artes visuais eternizando sua resiliência e talento na cultura brasileira.

FARDA E VIOLÃO

A parceria criativa entre Alfredo Português e Nelson Sargento foi frutífera. "A dupla foi vitoriosa por vários anos nas disputas de samba da Mangueira, com destaque para [o enredo] ‘Cântico à natureza – As quatro estações do ano’, com votação unânime dos 17 julgadores. Este samba, composto para o carnaval de 1955, é conhecido também como ‘Primavera’, tornando-se um clássico do gênero, com mais de 20 regravações. Em 1975, a Mangueira o consagrou como um dos dez melhores sambas de todos os tempos da Escola”, escreveu a pesquisadora Juliana Pereira Barbosa na tese de doutorado Nelson Sargento e a cultura do samba: aspectos da criação artística (2013), apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Antes de conquistar fama no samba, no entanto, Nelson Sargento serviu no exército. O nome artístico com o qual ficou conhecido é, portanto, uma referência à patente alcançada na instituição militar. Mas, o samba falou mais alto e a dedicação ao serviço público foi breve. “Entrei como voluntário, fui promovido a 3º sargento numa sexta-feira, 13 de setembro de 1946, e licenciado no ano de 1949”, afirmou o compositor, em depoimento à pesquisadora Juliana Pereira Barbosa. Ele havia passado parte da infância e adolescência ajudando a mãe, a lavadeira Rosa Maria da Conceição, nas entregas das roupas da clientela.

ALVORADA MUSICAL

O afeto que permeia a relação com o padrasto está na base da mudança na trajetória do artista. “Alfredo Português ensinou Nelson Sargento a entender o que era uma composição, a construção de uma poesia, a pensar musicalmente e a fazer rimas (...) A relação entre os dois retrata a interação entre gerações, típica da cultura do samba e das culturas populares de forma geral. Uma tradição pertinentemente registrada na composição ‘Fiz por você o que pude’ (1975), de Cartola: ‘(...) podam-se os galhos, colhem-se as frutas/ e outra vez se semeia/ e no fim desse labor, surge outro compositor/ com o mesmo sangue na veia'" relatou Barbosa em sua tese.

Nos anos 1960, o músico despontou ao se apresentar como cantor, no restaurante Zicartola, no Centro do Rio, ponto de encontro de sambistas e nomes da bossa nova. O local, aberto por Cartola e a esposa, Euzébia Silva do Nascimento, a Dona Zica (1913-2003), fechou as portas em 1965, mas

Baiana é uma das centenas de obras de Nelson Sargento.

marcou época – foi no Zicartola que o cantor e compositor Paulinho da Viola fez sua estreia profissional e recebeu seu primeiro cachê. O estabelecimento contribuiu, ainda, para que o gênero musical ultrapassasse as vielas dos morros e chegasse a outros públicos, entre os quais o da zona Sul. O convívio com diferentes artistas que frequentavam o bar possibilitou que Nelson Sargento fosse convidado para integrar o elenco do espetáculo musical Rosas de Ouro, com direção do compositor e poeta Hermínio Bello de Carvalho.

VOZES DO SAMBA

Segundo a pesquisadora Juliana Pereira Barbosa, foi no musical Rosas de Ouro, que estreou em 1965, que Nelson Sargento conheceu o novato Paulinho da Viola. “Quando ele tocou o samba ‘14 anos’, perguntei ao Jair do Cavaquinho (1922-2006) se o samba era do garoto”, disse o sambista, em conversa com Barbosa. Confirmada a autoria, logo Sargento reconheceu estar diante de um novo talento da música popular brasileira. O trabalho no espetáculo inspirou a origem de outro sucesso, o grupo de samba A Voz do Morro. Integrado por Sargento, Zé Keti (1921-1999), Paulinho da Viola, Elton Medeiros (1930-2019) e Anescarzinho do Salgueiro (1929-2000),

entre outros músicos, o conjunto representou uma importante oportunidade para os compositores de samba gravarem suas próprias letras, sem mediadores e emprestando as próprias vozes às canções.

A união de bambas se desdobrou, ainda, em um terceiro trabalho, que também contaria com o talento de Sargento e atestaria a ascensão que o samba vivia na década de 1960: Os Cinco Crioulos. O conjunto foi composto por diversos membros do musical Rosas de Ouro e do grupo

A Voz do Morro. Aos poucos, Sargento foi também compondo cada vez mais. Até que, em 1978, a cantora Beth Carvalho (1946-2019) gravou “Agoniza, mas não morre”, que se tornou um sucesso instantâneo. Foi, também, o maior êxito comercial de Sargento. Com isso, aos 55 anos, ele gravaria seu primeiro disco solo. Lançado em 1979, Sonho de um sambista é recheado de hinos, como “Falso moralista”, “Falso amor sincero”, “Cântico à natureza”, “A noite se repete” e “Minha vez de sorrir”.

MUITOS CARNAVAIS

O amor pela Mangueira, entretanto, não foi à primeira vista. Antes da mudança da família para o território da

Ao lado do músico e parceiro Paulinho da Viola, com quem formou o grupo A Voz do Morro, ao lado de Zé Keti, Elton Medeiros e Anescarzinho do Salgueiro.

verde e rosa, o pequeno Nelson aprendera a tocar tamborim para desfilar, aos 10 anos, na Acadêmicos do Salgueiro. Encantou-se por aquele universo e, uma vez incorporado à diretoria mangueirense, esteve envolvido em mais de 30 desfiles da agremiação. O sambista foi, sobretudo, uma voz em defesa do gênero, com críticas às limitações que as imposições comerciais lhe impunham. “Apesar de não admitir que as pessoas tenham se afastado ou esquecido o pessoal de samba, pois a cada dia surgem novas rodas, sou consciente de que as gravadoras perderam o interesse comercial pela nossa música. Isto pode ser comprovado ao observar que, entre todas as gravadoras, não se tem 20 intérpretes de samba, tornando difícil a briga do compositor profissional”, refletiu Sargento, em entrevista à jornalista Salete Lisboa para o jornal Última Hora, em maio de 1983.

“Quando a Alcione, Beth Carvalho, Paulinho da Viola, Elton Medeiros ou outros intérpretes do gênero vão gravar, é uma loucura. Cada um recebe, em média, 400 fitas gravadas e eles têm que tirar 12, por isso, acho que não há nenhum problema de qualidade. O que falta é

oportunidade ao samba. Há muito me sinto um pouquinho responsável pela abertura de mercado de trabalho com o surgimento de conjuntos formados por compositores de escola de samba”, disse o músico ao jornal gaúcho.

Consagrado como sambista, Sargento também se dedicou às artes plásticas e à literatura. De sua autoria são mais de 600 telas espalhadas pelo mundo – do Palácio do Planalto, em Brasília, ao gabinete do presidente da Coreia do Sul. Como escritor, lançou os títulos Prisioneiro do mundo (1994) e Pensamentos (2005), voltados à poesia.

A longevidade lhe permitiu ser reverenciado no Sambódromo da Marquês de Sapucaí duas vezes, em participações nos desfiles da verde e rosa, em 2019 e 2020. Neles, representou, respectivamente, os protagonistas dos enredos: o líder quilombola Zumbi dos Palmares e o carpinteiro José (pai de Jesus Cristo). Nascido há exato um século, em julho de 1924, Sargento marcou a cultura brasileira e, em 96 anos de vida, deixou um imenso legado artístico no samba, na poesia e nas artes visuais.

Em 2019, no Japão, durante o desfile da Yokohamangueira, representante japonesa da Estação Primeira de Mangueira, onde mais de 500 mil pessoas aplaudiram o músico.
Lívea Mattos

programação

UM SÉCULO DE GINGA

Programações no Sesc celebram o samba de Nelson Sargento em composições e ilustres parcerias

No começo dos anos 1940, antes das escolas de samba se tornarem símbolos pujantes da cultura nacional, Nelson Sargento já estava

dedicada ao

lá, como folião, e anos mais tarde, como integrante da Mangueira. Foi do seu lado compositor que, no entanto, dizia sentir maior orgulho. Todo o legado do artista, que completaria cem anos em 24 de julho, é celebrado em programações do Sesc São Paulo.

Durante o mês de julho, o SescTV exibe, ao longo da programação do canal, o programa Compacto – Nelson Sargento, no qual o próprio artista relembra a carreira, amigos, discos e as parcerias com nomes como Cartola, Jamelão, Alfredo Português e Carlos Cachaça. No dia 27/7, o canal também apresenta o show Comunas do Samba: Roda de Samba Ouro Verde e Nelson Sargento,

com repertório composto por clássicos do gênero.

SESCTV

Compacto – Nelson Sargento

Ao longo do mês de julho, nos intervalos da programação do canal. GRÁTIS.

Comunas do Samba:

Roda de Samba Ouro Verde e Nelson Sargento

Dia 27/7, sábado, às 21h (com reprises em 28/7, domingo, às 5h; 1º/8, quinta, às 12h; e 3/8, sábado, às 11h). GRÁTIS.

Assista em sesctv.org.br

Neste mês, o SescTV exibe uma
especial
baluarte, presidente de honra da Estação Primeira de Mangueira.

TRINTA ANOS EM REVISTA

Há três décadas, a Revista E constrói vínculos com o público por meio do compromisso de informar, ampliar repertórios e provocar apreciação estética

POR ADRIANA REIS PAULICS IMAGENS ACERVO / SESC MEMÓRIAS

A imagem de um abraço, obra Sem Título do artista Sidney Amaral, marca a retomada da edição impressa da Revista E, com novo projeto gráfico e editorial, em novembro de 2022.

Ocenário sociocultural brasileiro pulsava euforia e vivia um intenso diálogo com as múltiplas referências da identidade nacional em meados da década de 1990. Em abril de 1994, era lançado o álbum Da Lama ao Caos, de Chico Science & Nação Zumbi, que segue como um marco para a música brasileira. Outros acontecimentos daquele ano também demonstraram a intensidade de 1994: a morte do piloto de Fórmula 1 Ayrton Senna, num acidente durante o Grande Prêmio de San Marino, em maio; o lançamento do Plano Real, em junho; a conquista do tetracampeonato da Copa do Mundo da Fifa, em julho; e a despedida do maestro Antônio Carlos Jobim, em dezembro.

Foi nesse contexto que a Revista E teve sua primeira edição lançada, em julho de 1994, há exatos 30 anos. Desde sua criação, essa publicação mensal do Sesc São Paulo assume o vínculo com a mediação cultural por meio do compromisso com a promoção do diálogo, da reflexão e da ampliação de repertório dos seus leitores. Já em suas primeiras edições, a Revista E se configurava como um espaço para o encontro de múltiplos saberes; para a prática do pensamento crítico; o encontro de ideias e do diálogo; e o exercício de criatividade.

“Originalmente criada para organizar a divulgação da programação mensal do Sesc São Paulo, a Revista E foi ampliando seu conteúdo editorial ao longo dos anos, e cresceu em número de páginas e alcance de público.

A disposição original para a mediação cultural levou a publicação a oferecer uma experiência em si, pensada com os mesmos elementos que constituem quaisquer ações da instituição. Isso significa dizer que, além de informar, é uma proposição que se dedica a ampliar repertórios, provocar o olhar, estimular apreciação estética e a pluralidade de ideias”, descreveu o ex-diretor do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda (1943-2023), que participou da concepção do projeto.

De 1994 para cá, a Revista E já realizou mais de 300 edições. Por meio das centenas de reportagens, entrevistas, depoimentos, textos de ficção e artigos reflexivos que já passaram por suas páginas, a publicação pauta discussões sociais, culturais e políticas que repercutem o contemporâneo. Para ajudar a narrar essa história, contou com o reforço de vozes ilustres em suas pautas, a exemplo de artistas como Fernanda Montenegro, Milton Nascimento e Chico Buarque; de escritores como Lygia Fagundes Telles, Hilda Hilst e Luís Fernando Veríssimo; de intelectuais como Edgar Morin, Domenico De Masi e Ana Mae Barbosa; e de cientistas como Renato Janine Ribeiro, Mayana Zatz e Dráuzio Varella.

A celebrada longevidade e reconhecida relevância desse projeto fazem da Revista E uma ferramenta para o fortalecimento do vínculo do Sesc São Paulo com seus públicos, pois a publicação lida, essencialmente, com o diálogo. Distribuída gratuitamente aos frequentadores das unidades da capital, interior e litoral, é produzida a partir de elementos fundamentais do próprio exercício da comunicação, ou seja, com o compromisso de informar, de provocar reflexões sobre os mais variados assuntos, de construir memória e de proporcionar uma ampliação do repertório de seus leitores acerca do mundo.

Ao ocupar intencionalmente esse lugar mediador –concepção que vai ao encontro da ação educativa do Sesc –, a Revista E cumpre, inclusive, o propósito do nome que recebeu ao ser criada. Afinal, este “E” é a conjunção aditiva que conecta o Sesc São Paulo ao seu público; os leitores às artes; o erudito ao popular; as diferentes gerações; a cidade aos seus cidadãos.

Para relembrar as primeiras três décadas da Revista E, as páginas a seguir propõem um passeio visual por capas emblemáticas, revisitando as escolhas artísticas e estéticas que ajudaram a construir a trajetória dessa publicação.

Desde a edição nº1, com a atriz Rosi Campos na capa (à esquerda), a logomarca "E" passou por transformações, dialogando com as mudanças das artes gráficas nessas últimas três décadas.

A comunicação, em suas diferentes plataformas e efeitos sobre a sociedade, é tema frequente nas edições da da Revista E

Fevereiro/2013

Por sua relevância social e institucional, as atividades físicas e os esportes sempre foram debatidos em reportagens e artigos da publicação.

gráfica

Fotografias e artes em P&B provocaram o exercício do olhar para nuances e significados em diferentes momentos da publicação.

Julho/2023
Somada à estética preto e branco, as capas e contracapas da Revista E trouxeram por um período (até outubro de 2022), a imagem em continuidade, instigando novas formas de ler a revista.

A enigmática Monalisa, de Leonardo da Vinci, como inspiração em três momentos distintos: janeiro/1996, agosto/2004 e dezembro/2022.

Dezembro/2022
Janeiro/1996
Agosto/2004

Pelo fio narrativo da ilustração, o extraordinário e o ordinário ganharam outros contornos e cores na publicação.

Junho/2007

Janeiro/2024

Janeiro/2017

Uma máscara de proteção vestiu a capa da Revista E de junho de 2020. Naquele ano, a publicação deixou de circular no formato impresso, expandindo seu alcance no ambiente digital, repercutindo as incertezas vividas durante a pandemia de Covid-19.

para ver no sesc / gráfica

PUBLICAÇÃO MULTIMÍDIA

Do papel às telas, Revista E acompanha as inovações no campo da comunicação e amplia seu alcance em múltiplas plataformas

Para acompanhar as mudanças tecnológicas que trouxeram novos paradigmas à comunicação – como a consolidação da internet e das mídias digitais –, a Revista E, ao longo de três décadas de existência, passou a ocupar novos espaços, alcançando ainda mais leitores.

Também presente no portal do Sesc São Paulo, a publicação mantém perfis no Instagram e no Facebook, além de um canal no YouTube, a fim de ampliar o

alcance de seus conteúdos. Está disponível ainda no aplicativo Sesc SP para tablets e celulares. Além de todo o material produzido para a publicação impressa, os canais digitais da Revista E reúnem trechos de entrevistas e depoimentos, conversas em áudio, galerias de imagens e outras informações complementares em diversos formatos.

Seja em suas páginas impressas ou no ambiente digital, a Revista E

adota, predominantemente, uma perspectiva propositiva dos temas abordados, numa escolha de linha editorial ancorada em princípios éticos e de construção da cidadania. Também busca, por meio de suas escolhas temáticas, expor uma diversidade de traços, estilos, cores e manifestações artísticas, reverberando as programações das unidades do Sesc São Paulo.

Para saber mais: sescsp.org.br/revistae

Além da versão impressa, distribuída gratuitamente nas unidades do Sesc São Paulo, a Revista E está presente no ambiente digital: no portal do Sesc São Paulo, no aplicativo Sesc SP e nas redes sociais Facebook, Instagram e YouTube.

DE GRÃO em grão

Educação financeira é importante ferramenta para organizar as contas do mês, fechar no azul, entender valores pessoais e ter objetivos claros a curto, médio e longo prazos

Oprimeiro salário de Gabriela

Chaves, como Jovem

Aprendiz, aos 15 anos, foi gasto em apenas dois dias. “Recebi 600 reais e fui direto para o shopping: comprei roupas, um milk-shake e comi num restaurante japonês. Fiquei sem dinheiro até para a condução naquele mês”, lembra. Alguns anos depois, Gaby, como é conhecida, ingressou como bolsista no curso de economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Apesar do desconto na mensalidade, a estudante tinha gastos com transporte, alimentação e xerox. Endividou-se até o meio da faculdade, alternando-se entre o cheque especial e o cartão de crédito. “Eu não tinha consciência de que poderia ser diferente. Até que um dia, cheguei para assistir à aula, cansada, e ouvi meus colegas combinando de tirar férias na

Califórnia (EUA). Eu não estava indo nem para o litoral paulista, mas decidi ali mesmo que aquilo iria mudar e que eu também faria uma viagem internacional após a formatura”, conta.

Com uma meta bem-definida em vista, o descontrole financeiro ficou para trás. Nascida e criada em Taboão da Serra (SP), Gaby se organizou durante dois anos, quitou as dívidas, juntou dinheiro para passagem, hospedagem, refeições e passeios, e ficou um mês na África do Sul, praticando a língua inglesa. “Nosso cérebro busca o consumo e o prazer imediato, mas, quando você estabelece objetivos claros e um plano de ação, consegue mudar padrões de comportamento. Se for somar tudo o que já paguei de juros para bancos naquela época, daria um carro”, destaca

a fundadora da plataforma NoFront Empoderamento Financeiro, criada em 2018 e voltada para a população negra e periférica – a maioria, feminina.

Mestre em economia política mundial pela Universidade Federal do ABC (UFABC) e com experiência de seis anos no mercado financeiro, Gaby hoje ensina outras pessoas a lidar melhor com o dinheiro e planejar o futuro a partir de tomadas de decisão conscientes e responsáveis. “No mercado financeiro, eu só ouvia sobre investimentos, juros, dividendos. Quando voltava para casa, eram só dívidas, boletos, parcelamentos. Por isso, resolvi dialogar com a minha comunidade e para além dela, usando o hip hop, principalmente a discografia dos Racionais MC’s, para refletir sobre educação financeira”, revela.

Gaby Chaves, porém, não queria falar com seu público numa perspectiva meritocrática, mas considerando a enorme desigualdade social brasileira, a concentração de renda, os salários baixos, as dívidas, o desemprego e a falta de oportunidades profissionais para muita gente. Ela também leva em conta o fato de que o Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravidão.

“Estudei pedagogia e cheguei aos ensinamentos do educador Paulo Freire (1921-1997), que nos trouxe o conceito de empoderamento, de aquisição de poder. Criei seis cursos online, um deles chamado Finanças para quem não teve herança, e abordo componentes de classe, gênero e racialidade. Muitas vezes, o medo do dinheiro é por falta de conhecimento técnico ou por receio de perder tudo o que foi conquistado até agora”, explica.

Para mudar a mentalidade financeira e a nossa relação diária com o dinheiro, que precisa deixar de ser um tabu, a fundadora da plataforma NoFront ressalta que o primeiro ponto é entender que a economia afeta a vida de todos, quer nos apropriemos de seus conceitos ou não. “Mudanças nas taxas de juros e na inflação impactam diretamente os preços nos supermercados, as vagas de emprego. É uma estrutura da realidade da qual não escapamos,

Mestre em economia política mundial, Gabriela Chaves é fundadora da plataforma NoFront Empoderamento Financeiro, que desde 2018 atua junto à população negra e periférica.

por isso devemos entender a lógica do dinheiro, para que possamos nos beneficiar dela”, aponta a especialista em finanças.

Segundo Gaby Chaves, muitas vezes é preciso romper padrões familiares negativos, buscar outras referências, apostar em uma reserva de emergência (valor que gira em torno de seis meses do custo de vida, se você for empregado CLT, ou de até um ano, se for empreendedor) e investir, com paciência e sem falsas ilusões, em lucros rápidos.

Dentro da própria família, Gaby encontrou exemplos de contranarrativa: a avó materna sempre poupou metade do salário e, ao se casar, pagou 50% de um terreno à vista; já sua bisavó que veio do Maranhão comprou a casa própria trabalhando como empregada doméstica.

“Nas comunidades de mulheres negras, vemos muitas histórias de sucesso: lavadeiras, costureiras, quituteiras, vendedoras de acarajé. Nosso trabalho precisa trazer frutos e prosperidade individual e coletiva, uma vida com bem-estar. Temos direito a uma mesa cheia e saudável”, enfatiza.

VIRADA DE CHAVE

Feita mensalmente, desde 2010, pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC) revela que, em maio de 2024, o percentual de famílias que relataram ter dívidas a vencer foi de 78,8%, acima do resultado dos últimos meses. Dos 18 mil consumidores consultados em todas as capitais brasileiras

e no Distrito Federal, 17,8% se consideraram “muito endividados”. O endividamento aumentou com a ampliação da oferta de crédito e prazos maiores para pagamento, enquanto a inadimplência (não quitar uma conta até o vencimento) ficou estável.

Segundo dados de abril da agência Serasa Experian, 73,42 milhões de brasileiros estão hoje em situação de inadimplência, o que representa 44,6% da população adulta, principalmente entre 26 e 60 anos. Esse cenário se soma ao fato de que o Brasil é, segundo um estudo feito em 2018 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o segundo pior país do mundo em mobilidade social, em um ranking com 30 nações. Isso significa que, na nossa sociedade, os descendentes dos 10% mais pobres demoram até nove gerações para alcançar a renda média (R$ 2.979, em 2023).

Para virar essa chave, a jornalista baiana Amanda Dias fundou a plataforma de emancipação financeira Grana Preta, com foco em pessoas de baixa renda. Desde 2018, ela já orientou mais de 6 mil pessoas. “Esse projeto surgiu com o propósito de ajudar quem, muitas vezes, não teve experiências positivas com o dinheiro e de provar que é possível ressignificar esse passado”, avalia. Criadora e apresentadora do curso a distância Mentalidade Financeira, disponível na plataforma EAD Sesc Digital [leia mais em Planejamento em ação], Amanda recomenda que, antes de tudo, seja feito um diagnóstico para o cálculo do custo de vida de cada pessoa: qual o valor da hora-trabalho, quais são as despesas essenciais, o que pode ser cortado,

poupado ou negociado (como anuidades e taxas bancárias) e se é necessário aumentar a renda.

Segundo a consultora, tudo deve ser registrado em uma planilha ou caderno, e o orçamento mensal ideal pode se dividir desta forma: 60% para gastos essenciais (como moradia, alimentação e transporte), 10% para reserva de emergência, 10% para planos de médio prazo, 10% para a aposentadoria e 10% para gastar como quiser, como uma espécie de “dízimo pessoal”.

Outro ponto essencial para conquistar a liberdade financeira, na visão de Amanda Dias, é ter clareza sobre seus valores (pessoais, morais e monetários) e criar metas de curto, médio e longo prazos. Assim como ocorreu com Gaby Chaves em sua viagem para a África do Sul, estabelecer valores e objetivos ajudaram Amanda em diversas decisões. “Os valores que as pessoas mais citam são: segurança, organização e liberdade. Alguém que prioriza a segurança vai dar mais valor para a estabilidade, a casa própria ou um carro, enquanto o indivíduo que ama a liberdade pode aceitar um emprego em outra cidade, estado ou país, além de querer mais flexibilidade nos horários e local de trabalho”, explica. É por isso que, segundo a especialista, a área de finanças comportamentais considera influências psicológicas, emocionais, sociais e cognitivas para compreender como funciona a nossa relação com o dinheiro.

De acordo com Amanda Dias, as pessoas precisam entender a dinâmica da economia e do dinheiro para tomar melhores decisões, inclusive políticas, como na hora de votar. A consultora é neta de

uma empregada doméstica, que começou a trabalhar aos 10 anos, e faz parte da primeira geração da família que pôde “apenas” estudar e ser criança. “Minha avó sempre me incentivou a trabalhar, a ser independente e me espelhar em uma prima mais velha, que virou minha referência. Cheguei a ter dois empregos para me manter, minha história é reflexo da maioria dos brasileiros”, conta a consultora.

“Todos nós merecemos um mimo, um luxo, mas devemos nos perguntar se podemos naquele momento. Por outro lado, precisamos repensar o que são gastos supérfluos, pois, para a população negra, por exemplo, a forma como você se veste e aparenta determina como será tratado(a) na sociedade. Portanto, roupas, terapia e autocuidado também são importantes, assim como o capital cultural, isto é, investimentos em educação, conhecimento, idiomas e viagens”, ressalta Amanda. “Mas não podemos viver apenas na chave da sobrevivência, senão o risco de endividamento é enorme. Por isso, incentivo a mentalidade próspera e gosto de citar o rapper Emicida

na música ‘Levanta e anda’: ‘Jamais volte para a sua quebrada de mão e mente vazias’”, finaliza.

QUAIS SÃO SEUS SONHOS?

A planejadora financeira Myrian Lund, professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em cursos na área de finanças, acredita que um erro muito comum é olhar apenas para o mês vigente ou o passado e o quanto gastou em cada compra. Sua dica é sempre analisar o cenário anual. “Recomendo fazer um fluxo de caixa pessoal, o quanto entrou e o quanto saiu a cada mês. A planilha é o seu GPS. E, sempre que possível, não parcelar as compras. Quando você começa a fazer muitas prestações, pode acabar endividado ou superendividado (quando uma pessoa não consegue pagar as dívidas sem comprometer seu sustento básico). O risco desse comportamento é a perda do controle das finanças”, alerta.

Há três anos, o Brasil criou a Lei do Superendividamento (nº 14.181/2021) justamente para ajudar indivíduos e famílias em situação de extrema dificuldade

financeira. Inclusive, o Instituto de Defesa de Consumidores (Idec) produziu, em 2018, um documentário para explicar esse cenário complexo. A indicação é que as pessoas busquem auxílio no Procon, na Defensoria Pública ou no Tribunal de Justiça de sua cidade.

Do ponto de vista psicológico da relação com o dinheiro, Myrian Lund explica que a economia deixou de ser vista como algo meramente matemático há cerca de 40 anos, a partir das pesquisas do economista e psicólogo israelense-americano Daniel Kahneman (1934-2024), Nobel de Economia em 2002. “O cérebro humano tem dois sistemas de pensamento: um rápido, intuitivo, animado, que faz contabilidade mental; e outro lento, preguiçoso, que elabora planilhas. Este só é ativado pelo primeiro, e quando estamos em perigo. Por isso, nossas escolhas e compras precisam ser conscientes, registradas. Para juntar dinheiro, por exemplo, o ideal é que seja no débito automático ou descontado em folha. É como fazer exercício físico: aonde quero chegar lá na frente? O que preciso fazer hoje para isso?”, ensina Myrian.

NOSSO CÉREBRO BUSCA O CONSUMO E O PRAZER

Gabriela Chaves, fundadora do NoFront Empoderamento Financeiro

PLANEJAMENTO EM AÇÃO

Curso online Mentalidade Financeira, disponível na plataforma EAD Sesc Digital, ensina a organizar finanças, quitar dívidas, poupar e traçar metas

Lançado pela plataforma de educação a distância do Sesc São Paulo, o curso Mentalidade Financeira, apresentado por Amanda Dias, busca aproximar as pessoas (principalmente as de baixa renda, periféricas e empreendedoras) de conteúdos e orientações sobre educação financeira, com dicas e técnicas fáceis de pôr em prática. Em seis aulas online, a especialista ensina a calcular o custo de vida, entender quais são os gastos essenciais de uma pessoa e do núcleo familiar, estabelecer categorias para cada despesa, criar o hábito de quitar dívidas e economizar.

Além disso, as aulas mostram como fazer investimentos de baixo risco para assegurar um futuro estável financeiramente.

Um dos 20 cursos disponíveis na plataforma de EAD do Sesc – e um dos cinco mais acessados –, Mentalidade Financeira inclui material de apoio, como vídeos extras, exercícios e os e-books Plano de quitação de dívidas, Jornada da emancipação e Tecnologias africanas que vão revolucionar a sua vida financeira.

Segundo Fernando Amodeo Tuacek, gerente do Sesc Digital, o curso tem

um potencial transformador, com impacto positivo e direto sobre a vida das pessoas. “O acesso à educação financeira é um direito e, também, uma questão de utilidade pública para brasileiros(as) dos mais diferentes contextos. A virada de chave da mentalidade financeira passa por mudarmos a forma como lidamos com o dinheiro e, ainda, por discutirmos o que é prosperidade para cada um”, destaca.

Saiba mais sobre esse e outros cursos disponíveis gratuitamente na plataforma de educação a distância do Sesc São Paulo: sescsp.org.br/ead

Alexandre Nunis
A jornalista Amanda Dias, criadora da plataforma de emancipação financeira Grana Preta, conduz o curso Mentalidade Financeira, disponível gratuitamente na plataforma de educação a distância do Sesc São Paulo.

SELO SESC

Tulipa Ruiz, Rica Amabis, Gustavo Ruiz e Alexandre Orion juntos num projeto híbrido que alia artes visuais e música

Visite a loja virtual e conheça o catálogo completo sescsp.org.br/loja /selosesc

POSSÍVEIS ecologias

Cunhada em 1869, pelo biólogo e naturalista alemão Ernest Haeckel (18341919), a palavra “ecologia” designa o estudo científico das interações entre os organismos e o ambiente onde vivem. Do grego oikos ("casa") e logos ("saber"), essa ciência que faz parte da biologia também foi assimilada por outros campos do conhecimento, como as ciências sociais e a política. Isso porque as ações humanas que vêm provocando aquecimento global, poluição dos oceanos, insegurança alimentar, entre outros fenômenos, demandam estratégias de enfrentamento propostas por outras áreas do saber.

Como defende o cientista político norte-americano William Ophuls, autor de A vingança de Platão: política na era da ecologia (Edições Sesc São Paulo, 2017), é imprescindível desenvolvermos uma consciência política baseada na ecologia, uma vez que habitamos um mundo forjado na exploração dos recursos naturais, na opressão política e na desigualdade econômica. Em seu livro, Ophuls reúne leituras de filósofos, conceitos científicos, históricos e econômicos e suas implicações na contemporaneidade. “A reconciliação entre o homem e a natureza, implícita numa forma ecológica de pensamento e vida, restaurará a coerência e o significado perdidos depois que o homem converteu a natureza em inimigo”, observa.

Já em Ecosofia: uma ecologia para nosso tempo (Edições Sesc São Paulo, 2021), o sociólogo francês Michel Maffesoli defende a necessidade de construirmos uma nova ideia do social, baseada na transformação de nossa condição como habitantes da Terra. Para isso, o pensador indica o desenvolvimento e cultivo de uma “sensibilidade ecosófica”. A ecosofia corresponde, segundo Maffesoli, ao restabelecimento de laços entre o homem e a natureza, de modo a atingir uma solidariedade holística oriunda das experiências comunitárias. “As consequências funestas dessa destruição, tanto no ambiente natural como no social, nos estimulam a tomar consciência de que outro espírito do tempo está em gestação”, vislumbra.

Neste Em Pauta , leia trechos dos livros de William Ophuls e Michel Maffesoli que refletem sobre a necessidade da adoção de novas ecologias para habitarmos um futuro saudável e dialógico com a natureza.

Saiba mais sobre as duas obras disponíveis no site das Edições Sesc São Paulo.

A vingança de Platão: política na era da ecologia

A libertação do homem da natureza é tanto a virtude heroica da civilização como sua falha trágica. Torna possível as grandes realizações materiais e culturais que são sinônimo de civilização, mas também fomenta os males previamente enumerados; e quanto maiores as realizações, maiores os males. A tragédia da civilização industrial moderna reside em sua grandeza. Todas as civilizações anteriores exploraram o mundo natural, geralmente de modo autodestrutivo, mas nunca tentaram negar a necessidade relativa à natureza ou se afastar da natureza, muito menos se colocar sobre ela. Em contraste, a civilização industrial se jactanciou de sua capacidade de submeter o assim chamado mundo externo à sua vontade.

Essa vontade de poder sobre a natureza é a essência do húbris [arrogância] moderno: um fim presunçoso perseguido por meios excessivamente racionais e impulsionado por desejos irracionais. René Descartes [1596-1650] e Francis Bacon [1561-1626], dois dos principais autores do moderno estilo de vida, consideravam a natureza um poder hostil, a ser dominado sem misericórdia ou escrúpulo. Sigmund Freud [1856-1936], o último grande defensor do Iluminismo (apesar de sua própria redescoberta do irracional), indicou a origem e o caráter neurótico dessa hostilidade: “contra o temido mundo externo, podemos só nos defender... indo para o ataque contra a natureza e a sujeitando à vontade humana”. Assim, o húbris moderno origina-se no medo irracional e se manifesta como uma guerra ilimitada contra a natureza por riqueza, poder e domínio.

A preservação do meio ambiente é, portanto, a menor parte do problema. De fato, a civilização industrial deve parar de maltratar a natureza e exaurir os recursos antes de imitar civilizações anteriores

no cometimento do suicídio ecológico. No entanto, a única solução real é pôr fim ao próprio húbris, dissolvendo a hostilidade neurótica e motivada pelo medo da natureza, que alimenta o desejo de dominação.

A ecologia é a cura mais segura para o húbris moderno. Entender a ecologia é perceber que o objetivo de dominação é impossível – de fato, é demente – e que os meios crus que empregamos para esse fim estão nos destruindo. Entender a ecologia também é perceber que algumas das realizações mais louvadas da vida moderna – nossa extraordinária produtividade agrícola, as maravilhas deslumbrantes da medicina tecnológica e, de fato, até mesmo a afluência das economias desenvolvidas – não são, de jeito nenhum, o que parecem, mas, ao contrário, reduzem-se a castelos construídos sobre areia ecológica, que não podem ser sustentados a longo prazo. Em resumo, a ecologia expõe a grande ilusão da civilização moderna: nossa aparente abundância é, na realidade, escassez disfarçada, e nosso suposto domínio da natureza é, em última análise, uma mentira.

Posto de modo mais positivo, a ecologia contém uma sabedoria intrínseca e uma ética implícita, que, ao transformar o homem de inimigo em parceiro da natureza, tornará possível preservar o melhor das realizações da civilização por muitas gerações e, também, alcançar uma melhor qualidade de vida civilizada. Tanto a sabedoria como a ética derivam diretamente dos fatos ecológicos da vida: limites naturais, equilíbrio e inter-relação envolvem necessariamente humildade, moderação e ligação humanas.

Como quaisquer outras espécies, o Homo sapiens está sujeito a limites naturais. A tecnologia dá aos seres humanos a capacidade de manipular o meio ambiente – algo de que as outras espécies, em geral, carecem. Contudo, o sucesso da humanidade nesse aspecto é, em grande parte, ilusório, pois foi comprado por um alto preço, simbolizado pela extinção acelerada dessas outras espécies, com tudo o que isso implica para nosso próprio futuro a longo prazo.

O homem tecnológico não aboliu a escassez natural, nem transcendeu os limites naturais. Simplesmen-

A ecologia expõe a grande ilusão da civilização moderna: nossa aparente abundância é, na realidade, escassez disfarçada, e nosso suposto domínio da natureza é, em última análise, uma mentira

te, ele arranjou a questão de modo que os efeitos de sua exploração sejam sentidos pelos outros. Outras espécies, outros lugares, outras pessoas, outras gerações sofrem as consequências do intensificado imperialismo ecológico da era moderna. A problemática ambiental corrente testifica o fracasso iminente dessa estratégia. (...)

A natureza não é uma máquina. Nem a humanidade se mantém afastada da natureza, merecedora do direito evolucionário de governá-la sobre a Terra. Em consequência, a política e o estilo de vida modernos, baseados na visão de mundo mecânica, estão se tornando obsoletos, tanto filosófica como praticamente. Na política, por exemplo, um princípio fundamental da filosofia política liberal clássica é o de que a liberdade individual acaba onde começa o dano aos outros. Na prática, isso não nos inibiu de modo considerável, pois outro princípio liberal afirma que os indivíduos estão separados uns dos outros e da natureza.

Portanto, somente o comportamento flagrantemente antissocial ou antiecológico se qualifica como dano. No entanto, se a interdependência generalizada nos torna parte inseparável do fluxo comum da vida, então a ficção liberal da separação desmorona. Não existem decisões verdadeiramente privadas. Tudo quanto eu faça em relação ao fluxo afeta todas as vidas, inclusive a minha. O comportamento até agora considerado legitimamente egoísta torna-se prejudicial de maneira evidente e, portanto, moralmente repreensível, mesmo nos padrões liberais.

De fato, a ecologia ensina uma antiga sabedoria: a da grande cadeia dos seres, embora numa forma nova e distinta. A natureza é mais teia do que cadeia, e a sabedoria baseia-se na ciência e não na teologia ou

revelação. As metáforas orientais, como o Tao ou a Teia de Indra, podem, portanto, ser representações melhores da realidade ecológica. Aliás, a ética que seguem alegraria o coração de um santo: amar a criação e considerar todos os seres como irmãos e irmãs. Assim, a inserção orgânica da humanidade muda tudo.

De fato, o desafio político diante da raça humana é assegurar sua sobrevivência digna e seu desenvolvimento moral adicional, incluindo todas as vidas no processo de governança. É assegurar que os interesses de todas as criaturas e de todas as gerações sejam levados em conta pelo processo político. (...)

Entre outras coisas, a reconciliação entre o homem e a natureza, implícita numa forma ecológica de pensamento e vida, restaurará a coerência e o significado perdidos depois que o homem converteu a natureza em inimigo. Não mais órfãos, outra vez estaríamos em casa no universo. Por todos esses motivos, a ecologia terá de ser a ciência principal e a metáfora norteadora de qualquer civilização futura.

William Ophuls é doutor em ciência política pela Universidade de Yale, nos Estados Unidos, já atuou como diplomata em Washington (EUA), Abidjã (Costa do Marfim) e Tóquio (Japão), professor na Universidade Northwestern e, atualmente, é escritor e pesquisador independente. Publicou vários livros sobre os desafios ecológicos, sociais e políticos que confrontam a civilização contemporânea.

*Trechos do capítulo “As fontes do Direito Natural – Ecologia”, do livro A vingança de Platão: política na era da ecologia (Edições Sesc São Paulo, 2017).

Ecosofia: uma ecologia para nosso tempo

Existe um conhecido ditado que lembra que o passado é a pedra do nosso presente. Poderíamos prosseguir assinalando que o presente nada mais é que a concretização do passado e do futuro. A intensidade (in tendere) vivida agora tem origem naquilo que é anterior e que permite que se desenvolva uma energia futura. Cadeia do tempo. Enraizamento dinâmico. Aquilo que, ao contrário do antropocentrismo, chama atenção para o que, no homem, atravessa o homem. Era assim que Blaise Pascal [1623-1662] definia o famoso “junco pensante”; temos nos esquecido, porém, de que, embora pensante, ele não deixa de ser junco. Podemos até dizer que ele só pode pensar quando se lembra de suas raízes. O que é outra maneira de recordar a comunhão estrutural com a natureza. Tudo se resume naquilo que eu chamo de sensibilidade ecosófica. Sensibilidade que é tão importante no Brasil.

Reencontramos ali o animismo de longa memória. Um paganismo que se reveste de uma forma contemporânea. A deep ecology poderia ser sua versão paroxística. Paganus. Existe, de fato, algo de pagão no sucesso dos produtos orgânicos e na recrudescência do vínculo com os diversos valores ligados à terra, ao território e a outras formas de espaço. O presente é o tempo que se cristaliza no espaço, que não projeta mais o divino no além, mas, ao contrário, o insere no terrestre. Quando assisto a um candomblé em Recife ou em Salvador, é exatamente isso que sinto, que pressinto.

Essa é, justamente, em contraste com o progressismo, a especificidade do progressivo. O primeiro destaca o poder do fazer, da ação brutal e do desenvolvimento desenfreado das forças prometeicas. O

segundo, em contrapartida, dedica-se a estimular o que vem de dentro, a usar uma potência natural. Novamente, Prometeu e Dionísio. Eles são figuras espirituais, mas também são símbolos operatórios, na medida que permitem ver com outros olhos uma vida cotidiana em que o bem-estar não é nada comparado ao melhor-estar. Vida diária em que, ao ritmo dos trabalhos e dos dias, o qualitativo reencontra um lugar de destaque: qualidade de vida. Expressão um pouco genérica, mas que define bem o espírito do tempo.

É isso que o filósofo Martin Heidegger [1889-1976] nos recomenda: “a lei oculta da terra a conserva na moderação, que se contenta com o nascimento e com a morte de todas as coisas, no círculo determinado do possível”. Moderação sábia decorrente da aceitação trágica de um presente precário e que, portanto, precisa da intensidade. Do prazer de existir a partir da existência das coisas. É isso que parece estar em jogo na socialidade própria à progressividade contemporânea.

Tudo isso já foi dito de inúmeras maneiras. Quanto a mim, numa época em que isso ainda não estava na moda, fiz uma análise crítica do mito do progresso (La Violence totalitaire, 1979) e de sua capacidade de destruição. O totalitarismo que ele induz leva inevitavelmente à destruição do mundo e da mente das pessoas. Em relação a isso, já não restam dúvidas. As consequências funestas dessa destruição, tanto no ambiente natural como no social, nos estimulam a tomar consciência de que outro espírito do tempo está em gestação. Mudanças climáticas estão ocorrendo, o que é muito delicado de se dizer. Mas eu não me canso de repetir aos meus amigos brasileiros que a máxima “ordem e progresso”, tomada de empréstimo a Augusto Comte [1798-1857], não combina mais com o espírito do tempo.

Quando temos a lucidez e a humildade de observar as histórias humanas na longa duração, percebemos que o apogeu de um valor sempre remete a seu hipogeu. São inúmeros os termos, eruditos ou coloquiais, que exprimem esse fenômeno. Os sociólogos se referem a um processo de saturação; os historiadores, de inversão quiasmática; os psicólogos, de

O que está em jogo é uma forma de conformidade com o ser do mundo em sua realidade múltipla. Não mais o

progresso, explicando a imperfeição e suprimindo as dobras do ser, mas o progressivo que o implica.

compensação. Pouco importa o termo empregado. Trata-se de uma inversão de polaridade, causa e efeito de uma profunda transformação societal ou antropológica. Nada é intocável. As metamorfoses fazem parte da ordem das coisas. De nada vale se apegar à modernidade como o mexilhão se apega à rocha. É preciso, portanto, saber expor o espírito do tempo. Isso não será fácil enquanto a rotina filosófica, chamada por Émile Durkheim [1858-1917] de “conformismo lógico”, ocupar o lugar da reflexão. Aliás, é na sabedoria popular que podemos, como sempre, encontrar mais lucidez. Como a frase escrita em um muro nos arredores de Porto Alegre: “A crise passa. A vida continua”. (...)

Eu sempre disse que, em períodos de transformação, é preciso encontrar as palavras menos falsas possíveis. Palavras essenciais que podem se tornar palavras fundadoras. Ou seja, palavras que descrevem o que advém. Tanto é verdade que o verdadeiro falar é, primeiramente, uma escuta. Escuta do advento daquilo que está aí. Era assim que Fernando Pessoa [1888-1935] descrevia a “sociologia das profundezas”, capaz de expressar, de dar forma àquilo que, vindo de muito longe, fala através de nós.

Conscientes do vitalismo ambiente, em vez de nos lamentarmos, está na hora de aplicarmos um novo Discurso sobre o método, que ilumine retrospectivamente. Ou seja, que saiba retroceder do derivado ao essencial. Compreender o primeiro à luz do segundo. É assim que poderemos, em seu sentido etimológico e em sua plenitude, compreender a metamorfose em curso. Aquela que nos faz passar de um progressismo (que foi poderoso e eficaz, mas que está se tornando um pouco enfermiço) a uma

progressividade que reinveste os “arcaísmos” –povo, território, natureza, sentimentos, humores – que pensávamos ter superado. É isso que chamo de invaginação do sentido, um retorno à natureza essencial das coisas.(...)

O que está em jogo é uma forma de conformidade com o ser do mundo em sua realidade múltipla. Não mais o progresso, explicando a imperfeição e suprimindo as dobras do ser, mas o progressivo que o implica. Ou seja, aceitando suas dobras. Um sim, apesar de tudo ao que existe. É esse o fundamento, inconsciente, da sensibilidade ecosófica. Aceitação das voltas e dos desvios, dos labirintos e dos corredores mal iluminados de todas as peças escuras e desordenadas da casa (oikos) individual ou comum. Talvez seja isso que a mística, como a da gloriosa Teresa d’Ávila, chama de “moradias” (“moradas”).

Michel Maffesoli é doutor em ciências humanas. Considerado um dos maiores especialistas em pós-modernidade, é autor de mais de 30 livros sobre o assunto, é professor emérito da Universidade Sorbonne (Paris V), na França, fundador e diretor do Centre d'études sur l'actuel et le quotidien (Centro de estudos sobre atualidade e cotidiano), vice-presidente do Instituto Internacional de Sociologia e secretário-geral do Centre de recherche sur l'imaginaire (Centro de pesquisa sobre o imaginário).

*Trechos do “Prefácio à edição brasileira” do livro Ecosofia: uma ecologia para nosso tempo (Edições Sesc São Paulo, 2021).

RINGUE OURO de

Campeã mundial e medalhista olímpica, boxeadora

Bia Ferreira reflete sobre a presença de mulheres no esporte e aposta no topo do pódio nos Jogos de Paris

Campeã nos Jogos Pan-Americanos de 2019 (foto) e de 2023, Bia Ferreira foi escolhida quatro vezes como a melhor atleta de boxe do Brasil.

Na infância em Salvador (BA), a coreografia de braços e pernas de Bia Ferreira imitava os movimentos do pai, o pugilista bicampeão brasileiro Raimundo Oliveira Ferreira, o Sergipe. Desde então, o fascínio pelo esporte foi amadurecendo. Apesar do apoio do pai, que passou a treinar Bia, sua mãe, a professora Suzana Moraes, precisou checar se aquilo era apenas um capricho ou se era para valer. “Minha mãe me disse: ‘É isso que você vai fazer? Então, você vai ter que ser boa’. Acho que sou boa no boxe e que valeu a pena”, reconhece a medalhista de prata em Tóquio 2020, campeã dos Jogos Sul-Americanos Cochabamba 2018, dos Jogos Pan-Americanos Lima 2019 e Santiago 2023, além do Mundial de boxe nas edições de 2019 e 2023.

Neste mês, a atleta sobe ao ringue para lutar por uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Paris 2024, despedindo-se da trajetória nas Olimpíadas, mas não da carreira profissional. Referência para jovens atletas, a boxeadora celebra o reconhecimento das mulheres nesse esporte ao longo de sua trajetória. Até mesmo porque, no princípio, ela treinava apenas com homens e eram eles que estavam, predominantemente, no ambiente das competições. "Hoje, há mais atletas e mulheres em outros papeis de destaque na equipe, mas ainda há muito a conquistar. A gente está na briga e não sossegou, mesmo nesses Jogos 2024”, destaca a boxeadora, referindo-se a esta edição histórica dos Jogos Olímpicos, marcada pela inédita igualdade numérica entre atletas homens e mulheres.

Empenhada em trazer para o Brasil a medalha de ouro – depois

da sua estreia nos Jogos de Tóquio 2020, onde conquistou o segundo degrau do pódio –, Bia Ferreira arrisca dois palpites: a disputa final em Paris será com a irlandesa Kellie Harrington, e a brasileira trará a medalha dourada para casa. Neste Encontros, a boxeadora revela como estão os preparativos e expectativas para a participação nos Jogos de Paris 2024 e reflete sobre os desafios que enfrenta junto a outras atletas no mundo dos esportes.

FILHA DE PEIXE

Acho que fui sortuda por ter um pai que entendia do esporte, que pôde me direcionar. Não sei como cheguei a me interessar pelo boxe, mas acredito que tenha sido por assistir ao amor e dedicação que meu pai tinha ao esporte. Às vezes, eu não entendia porque ele não comia com a gente, não bebia água com a gente. Eu o via treinando e pensava: “Nossa! Por que ele gosta de fazer isso?”. Conforme fui crescendo, eu fui entendendo: para a gente que gosta, que se dedica a ser atleta de alto rendimento, não é sacrifício. Compensa quando a gente sobe no ringue, quando se apresenta bem e está no alto do pódio. É gratificante. Ter meu pai ali como referência, como exemplo, foi muito glorioso na minha trajetória. Meu pai não teve tanta oportunidade como eu tive. Vendo o que ele viveu, eu sabia que era muito difícil. Quando foi a minha vez, eu falei: “Meu pai não teve isso, e agora eu tenho que agarrar com unhas e dentes”. Todas as oportunidades que me deram, eu aproveitei da melhor forma possível, porque eu já tinha um exemplo de como não era fácil. Eu falava que esse negócio de pai treinador não era legal, mas hoje eu

digo que não poderia ter escolhido um pai melhor que um pai treinador. Ele me ensina muita coisa até hoje.

PRIMEIRA OLIMPÍADA

Nos Jogos do Rio 2016, fiz parte da seleção brasileira como reserva da Adriana [Araújo]. Até então, não sabia o que era ser uma atleta de alto rendimento. Mas convivendo com grandes nomes da seleção, tive uma noção. Participar do programa, vivenciar o que eram os Jogos Olímpicos, conhecer as pessoas que trabalham ali foi surreal. Foi quando virou a chave: “Quero participar dos Jogos, ver meu nome ali e representar a minha nação”. Cumpri minha palavra e estive nos Jogos de Tóquio 2020. A gente não pode se contentar em só participar, tem que botar o nome no livro. Então, fui para Tóquio com o pensamento de ser campeã. Por alguma obra do destino, não foi isso que planejaram para mim. Me desafiei lá mesmo, “não aceitando a minha medalha de prata” – uma medalha muito amada, claro –, mas eu quero a mãe de todas, a dourada. Depende muito do sorteio das disputas, mas se depender da equipe brasileira, a gente vai ter muito mais do que quatro medalhas. Quem sabe duas de ouro para fazer todo mundo rir à toa.

EQUIDADE DE GÊNERO

A gente está na briga, não sossegou, mesmo nesses Jogos de Paris 2024, que vão ser da igualdade [no número de atletas homens e mulheres]. Acho que ainda tem que ter mais oportunidades para as mulheres. A gente tem uma treinadora na equipe olímpica, nunca teve, é a primeira vez que

ela está trabalhando com a gente. Isso faz a diferença. É bom ter uma referência feminina para você ficar mais à vontade, mais confortável. Eu acredito que, daqui para frente, vão ter outras treinadoras. Temos nutricionista e psicóloga também, e isso está mostrando que as mulheres querem estar ali, presentes com as atletas de alto atendimento. A gente tem que brigar para quebrar esse preconceito, quem sabe até ter uma mulher presidente da confederação brasileira.

ALTOS E BAIXOS

Ser atleta de alto rendimento tem seus altos e baixos, mas a gente não pode desistir. Em uma fase ruim, a gente tem que saber o porquê daquela fase e tirar o positivo dela – parece clichê, mas não é. No meu primeiro campeonato mundial, perdi na segunda luta para uma atleta de quem eu tinha ganhado há menos de um mês. Na época, eu me lembro de muita gente falar: “Você já é campeã mundial, é a melhor, não tem ninguém para você”. E quando eu perdi, sumiu todo mundo. Foi o primeiro baque da minha carreira, nunca vivi aquilo. Eu soube separar quem era quem porque muitas máscaras caíram naquele momento. Me vi um pouco

perdida. Mas luta é luta: você treinou, seu adversário treinou, e acontece. É normal. Só que você não pode se contentar com a derrota. Eu não aceito derrota: tenho tantas vitórias que não consigo contar, mas derrotas, eu tenho oito. Falo que vou perder pouco para poder memorizar. Hoje, sei que é normal ter altos e baixos, não é o fim do mundo. A gente tem que tirar o aprendizado daquela situação.

CARREIRA HÍBRIDA

A gente acha que é o mesmo esporte, o mesmo treino, mas não é. Estou curtindo treinar boxe profissional, só que é bem cansativo. Estou me despedindo dos Jogos Olímpicos e tentando um desafio novo. Eu não tinha em mente ir para o profissional, e veio essa oportunidade bem legal, porque no Brasil, infelizmente, o boxe profissional não é tão valorizado. No meu caso, vi que era uma empresa de fora e que eu ia ter uma estrutura. Então, por que não? Mantive minha equipe, treino com a minha equipe olímpica, o mesmo treinador, e acho que isso me ajudou, mas ainda é bem complicado. Por exemplo, equipamento: diferentemente do olímpico, a gente não usa protetor de cabeça no profissional.

Outra coisa: no olímpico, a gente acaba fazendo mais lutas. No profissional é uma luta só, porque o desgaste do corpo é surreal. Estou gostando de fazer os dois, e isso não seria possível se eu não tivesse essa parceria com a equipe olímpica, com a CBBoxe [Confederação Brasileira de Boxe], se eles não tivessem me apoiado. Já estou finalizando a trajetória olímpica, e aí vou focar no profissional, mostrando que outros atletas podem fazer essa carreira híbrida também.

DEPOIS DE PARIS

Vou dar mais ênfase à minha carreira profissional. Já tenho um título mundial, faltam mais três na minha categoria [peso leve, até 61 kg]. Também quero fazer história: depois desses quatro títulos, quero descer uma categoria e juntar mais quatro títulos. Fico com oito cinturões e encerro a carreira. Esse é o plano, sei que pode mudar, mas é o que tenho em mente. Depois disso, quero continuar trabalhando no esporte, não sei de que maneira, se na CBBoxe ou em casa, mas quero retribuir, ajudando outras atletas. Porque o começo é bem difícil. Por mais que eu tenha nascido em uma família que entendia o esporte, foi difícil para

Depois de Paris 2024, a pugilista deve se aposentar do boxe olímpico e seguir com a carreira no boxe profissional.

mim também. Tive que trabalhar para poder comprar equipamentos e treinar até conseguir vitórias. Eu não tinha bolsa. É muito difícil se manter assim. Então, quero ajudar essa galera que não tem apoio, porque muitos atletas bons a gente acaba perdendo. Neste momento, uma atleta não tem estrutura mental e física para fazer escolhas e, às vezes, desistir é a opção mais fácil. Então, quero ajudar outros atletas para que sonhem, assim como eu, em participar e conquistar uma medalha olímpica. Quero dar esse empurrãozinho.

ATÉ O FIM

Tem muita gente boa aí que só falta acreditar em si, e que às vezes escuta algumas coisas de

outras pessoas que na verdade estão morrendo de inveja. Nunca se contente com “não” e nunca duvide de você. Você tem que ajudar seu sonho a se realizar. Muita gente fala que tive sorte, mas eu treino todos os dias, em dois períodos, desde quando me entendo por gente. Eu treino duro. Até aos domingos, que é folga, corro meus 10 km. Aí, quando a pessoa fala que eu tenho sorte, respondo: “Eu ajudo a minha sorte a ter sorte todos os dias”. Então, acredite até a luta acabar. O [boxeador] Hebert Conceição é a prova disso: a luta só acaba quando ela termina. Ele foi campeão olímpico perdendo, e nos últimos instantes da luta, fez um nocaute. Portanto, só se entregue quando não der mais. Fora isso, fique na luta e acredite até o fim.

Ouça a íntegra da conversa com Bia Ferreira, que esteve presente na reunião virtual do Conselho Editorial da Revista E, no dia 24 de maio de 2024. A mediação do bate-papo é da educadora física Thaís Monteiro da Silva, supervisora do núcleo físico-esportivo do Sesc Santo André.

Alexandre Loureiro / COB

INTRUSO

Ninguém nunca aperta a campainha da entrada do bar e restaurante Pito’s, pelo menos ninguém que mora por essas bandas. O homem que chega, sim, aperta e fica olhando o tempo, um troço esquisito, “é só sentar aí que a gente já vai atender”, o garçom fala secando as mãos em um pano de prato, os olhos medindo, ô bicho folgado, todo mundo sabe que a campainha está ali para ser deixada em paz, ainda mais num calor desses. O estranho caminha entre as mesas atravessa os olhares que o cercam como água, uma água densa, uns olhares curiosos (alguns diriam “indignados”) com a falta de educação do recém-chegado, a folga pra bem dizer a verdade, ele vai para o balcão, para o final do balcão – as mães puxam seus filhos para junto do corpo – ele realmente não é daqui ou está querendo arrumar caso, porque vai sentar bem ao lado da menina da Sônia. A almofada bufa quando ele se arrasta na borracha do banquinho até conseguir uma posição boa. A menina da Sônia como sempre está escondida atrás de um livro enorme, grande demais, um livro que desce como a janela de um carro sendo aberta. Ele – o estranho – acena com a cabeça. A cidade inteira para de respirar. Tudo a seguir acontece pendurado num instante: os ventiladores expirando sem pausa. O calor esquecendo o sal na pele. Os olhos famintos das pessoas será que ela vai riscar o rosto dele com a faca será que ela vai estrangular ele como a mãe dela fazia junto da onça – quando será que a onça vai descer (foi ele quem não deixou a filha da Sônia quieta, a gente não fez nada)? Muita gente viu com os próprios olhos, uma geração depois da outra, não era lenda, não. Bom se fosse. Ninguém nem chegava perto da família delas, a Sônia só era a pior porque era mais nova e descansada. Desapareceu tem uns anos, como é que a

inéditos

filha criança ficou se cuidando sozinha? Já pensou nisso? Muita gente queria saber o que ficou na casa, se a menina dormia com a onça, se a mãe tinha juntado os pedaços das vítimas, muita gente queria entrar na cozinha e comer a comida toda delas, eles descobriram isso num dia de muita cerveja e falta de luz em mais de três cidades da região, “eu também queria”, “eu também”, os homens se olhando, mas não faziam nada disso por conta da onça. A menina? Pelo avesso arregala e tenta não olhar em volta os olhos famintos e torce para estar errada, achou que nunca ia ter que descobrir se a onça viria por ela, achou que nunca ia ter que confirmar o que ela sentia à noite antes de dormir, quando um uivo lá fora mexia uma sombra dentro da casa, achou que podia ficar bem com a fama da mãe da vó das tias, talvez eles nunca tivessem que descobrir o medo dela os dentes mordendo no meio da noite, talvez ela nunca tivesse que descobrir que por ela a onça não levantaria do sono e desceria folheando o mato, a boca faminta faminta. Mas pendurados nesse instante todos eles esperam a fera chegar, uns querendo mais que os outros, ela mais do que todos, o estranho olhando as letras do cardápio e pensando que almoçar na estrada às vezes é como pedir um prato na festa de uma família que não é a sua, você nunca sabe em que história vai acabar sujando as mãos e se perguntando como diabos foi parar naquela situação. Então a onça – a onça não veio. Mais tarde, a menina ouve o vidro quebrando, o barulho brilhante do vidro partindo em pedaços e decorando o chão da sala, corre pro quarto. Implora para o mato, tenta ouvir os passos da onça mas ouve a porta abrindo como um livro pesado, a capa contra a parede, vrum, ela engatinha para baixo da cama varrendo com os cotovelos a poeira de alguns dias uma xuxinha de cabelo uma tampa de garrafa que ela não sabe como foi parar ali, junta as mãos. Por favor, por favor. Ela não ouve o peso do passo da onça amedrontando o chão ela ouve só o silêncio atrás dos gritos das pessoas ela ouve as coisas caídas no chão os pés pesados amassando latinha com tudo o que era da mãe. Ouve até a poeira arrastando com calma muita calma as células mortas do seu braço. Mas não ouve a onça ou ouve uma onça fria pálida, uma onça chegando no quarto, derrubando suas coisinhas, como dizia a mãe, pisando nas folhas estralando suas coisinhas quebradas, não é uma onça quem caminha, quem abaixa, quem levanta a colcha, mas podia ser uma onça até o exato momento em que a menina se vê encontrada pelos olhos de cortina fechada da tia da escola e por favor por favor, não diz pra ninguém que eu estou aqui, shhh com o dedo cruzando a boca ela pede com os olhos por favor por favor com as mãos de rezar estranguladas de por favor por favor mas a tia – a tia sorri só com o queixo e

inéditos

puxa a menina pelos braços arrasta a tampa de garrafa vai parar do outro lado do quarto e se você olhar de cima consegue ver no chão o que as pernas dela se debatendo desenharam (nada muito poético; uma ovelha ou um prato de spaghetti, eu acho). Ela coloca a menina em cima da cama, agora elas têm quase a mesma altura. Ela pega a mão da menina quase arrancando e oferece o próprio pescoço como um pedaço só de carne, “toma, sente a minha garganta pra você entender como vai ser difícil para mim não te matar quando eu for te estrangular”, ela ri diante dos olhos atravessados da menina a boca aberta revela duas obturações do lado direito, talvez um dente faltando, “tem gente que não serve mesmo pra isso, pode segurar de verdade, sente o meu pescoço, anda”, ela está certa, eu não sirvo pra isso, eu não sirvo pra matar, eu não consigo sem nervosismo sentir com as mãos as cordas tensas de um pescoço esticado, a provisoriedade sanguínea da carne que se oferece ao risco, a onça sim conseguiria, ela saberia desarreganhar a boca nessa carne e acho que por isso acabo confundindo o pescoço com o pulso / a vibração do sangue com um barulho / as batidas do meu coração com as passadas de uma onça chegando, é só o nervoso ou o meu coração fazendo enxurrada a onça correndo no sangue descendo as montanhas dentro de mim uma fúria vermelha que a tia da escola também sente, dá pra ver. Dá pra ver porque bem na hora ela arregala os olhos, bem na hora que minha mão desarreganha meus dedos mordem seu pescoço e separam, sem gentileza, sua cabeça e seu corpo. Foi a onça. A onça que a gente às vezes nem sabe que tem.

Sheyla Smanioto é autora dos livros Desesterro (Record, 2015) — vencedor do Prêmio Sesc de Literatura, do Prêmio Machado de Assis da Biblioteca Nacional e do Prêmio Jabuti (terceiro lugar na categoria Romance) — e Meu corpo ainda quente (Nós, 2020). É formada em estudos literários e mestre em teoria e história literária pela Universidade de Campinas (Unicamp), com pesquisa sobre a relação entre escrita, corpo e sonho.

Julia Jabur é artista visual e ilustradora que une expressão visual com narrativa escrita. Possui experiência na área editorial e jornalística, com trabalhos realizados para publicações do Instituto Serrapilheira, para as editoras Antofágica (O curioso caso de Benjamin Button, 2022) e Biruta, e para as revistas Claudia, Exame, Veja Saúde e Pesquisa Fapesp.

DAQUILO QUEeu sei

Aos 79 anos, Ivan Lins celebra longevidade de uma carreira de mais de meio século dedicada à música

Filho de militar. Engenheiro químico. Carioca da Tijuca. Um típico “suburbano da gema”, como ele gosta de se autodeclarar. Ivan Lins jamais poderia imaginar que suas composições e canções conquistariam o gosto popular. Considerado um dos grandes nomes da música popular brasileira, e um dos artistas mais gravados no exterior, o pianista, compositor e cantor conta que sua carreira musical não foi, exatamente, como planejava. “O ano era 1970, eu estava com duas músicas estouradas nas rádios. ‘O amor é meu país’, premiada com o 2° lugar no 5° Festival Internacional da Canção, da Rede Globo, e ‘Madalena’, interpretada por Elis Regina (1945-1982), que era a grande cantora da vez. Mas, ainda assim, eu procurava emprego como engenheiro químico industrial, porque precisava de uma carreira estável, como insistia e aconselhava meu pai”, recorda o músico.

Na época, o artista viajou até Minas Gerais para fazer uma entrevista de emprego com o presidente de uma fábrica de cimento. Assim que acabou a conversa, o cargo de engenheiro estava garantido. Ao receber de seu entrevistador um pedido de autógrafo, o músico teve certeza sobre qual carreira deveria seguir.

De lá para cá, já são 54 anos de discos e realizações na música, como a conquista do Grammy Latino, em 2005, na categoria de Melhor Álbum do Ano, sendo ele o primeiro e único cantor-compositor de língua portuguesa a conquistar o prêmio. O artista acumula mais de 800 composições e participações em canções de outros artistas, dez indicações ao Grammy e mais de 90 trilhas sonoras de filmes e novelas. Suas canções foram interpretadas por nomes como Ella Fitzgerald (1917-1996), Sarah Vaughan (1924-1990),

George Benson, Michel Legrand (1932-2019), Sting, Diana Krall e seu grande amigo Quincy Jones.

Aos 79 anos, e com a certeza de que contrariar o diploma de engenheiro químico foi a decisão certa, Ivan Lins revela, neste Depoimento, um dos momentos mais emocionantes de sua trajetória: o dia em que conquistou a admiração do pai. “‘Bandeira do Divino’ é a música que marca a minha história de

No Sesc Rio Preto, em maio, o músico interpretou sucessos de mais de 50 anos de carreira, acompanhado por Marco Brito (teclados), Nema Antunes (baixo) e Teo Lima (bateria).

um jeito especial. Foi esta canção que ‘derrubou’ meu pai. Demorou, mas a partir dela, ele se tornou meu fã. O maior de todos”, diz. Além desse momento, o músico compartilha, nas próximas páginas, reflexões, críticas e outras histórias de sua frutífera carreira.

madalena

Minha mãe sempre soube que eu tinha uma musicalidade fora da curva. Sou autodidata e aprendi a tocar só de ouvido. Quando vi

Luizinho Eça (1936-1992), do Tamba Trio, tocando piano, fiquei fascinado. Comprei o disco deles, botava na vitrola e ia tentando tirar de ouvido. Em 1965, com 20 anos, eu já estava tocando na noite, nos bares da Tijuca [bairro do Rio de Janeiro], e nos festivais universitários, com a minha banda, Alfa Trio. Mas eu ainda enxergava a música como hobby. Por insistência do meu pai, me formei em engenharia química. E sem que eu me desse conta, a música

invadiu a minha vida. Um dia, recebi o telefonema de Nelson Motta dizendo que Elis Regina queria gravar uma composição minha. Demorei para acreditar. Como eu tinha algumas músicas prontas, mandei três opções. Elis escolheu “Madalena”. Liguei imediatamente para o Ronaldo (Monteiro de Souza), que compôs a letra comigo, e saímos juntos para festejar. Essa música tocou à beça. Me vi como um possível compositor para os artistas.

depoimento

país

Achava que eu poderia ser engenheiro químico e compositor como hobby e paixão. Mas, aí, veio o 5° Festival Internacional da Canção, da TV Globo, e decidi inscrever “O amor é meu país”, música que fiz com o Ronaldo também. O apresentador, que era um locutor de futebol, chamou meu nome duas vezes errado. Ele anunciou: “Canção de Ivan Lima e Ronaldo Monteiro de Souza. Quem canta é Ivan Luiz”. Eu, que tinha pânico de palco e já estava nervoso, fiquei ainda mais apavorado. Mas, fui e me entreguei. Eu não cantei, eu gritei para mais de 25 mil pessoas, no ginásio do Maracanãzinho. Foi a primeira vez que cantei e toquei piano ao mesmo

tempo, por insistência do Ronaldo. No fim, ganhei no júri popular, mas fiquei em segundo lugar no júri técnico. O que veio depois foi um sucesso que eu não havia planejado.

autógrafo

Mesmo diante daquele sucesso explosivo, eu continuava procurando emprego como engenheiro químico industrial. Meu pai dizia que a carreira de música tinha muitas fases de vacas magras e que seria mais seguro se eu tivesse um salário. Ele pensava no meu futuro, com casamento e filhos, e eu achava que ele estava certo. Fui para uma entrevista de emprego com o presidente de uma fábrica de cimento, em Barbacena (MG).

Com mais de 800 composições e participações em canções de outros artistas, dez indicações ao Grammy, e mais de 90 trilhas sonoras de filmes e novelas, Ivan Lins mantém dedicação a novos projetos musicais.

O presidente fez uma projeção de como seria minha carreira. Assim que ele acabou a entrevista, apertamos as mãos, mas, antes que eu saísse, ele disse: “Ivan, espera só mais um pouquinho –enquanto tirava três folhas de papel em branco de uma gaveta. Será que você poderia dar um autógrafo para a minha mulher e minhas filhas? Elas são suas fãs!”. Ali, durante o autógrafo, eu pensei: “Papai se ferrou, acabou química. Vou ser músico”. Foi assim que decidi a minha carreira.

paraquedas

Achei que meu pai teria um ataque cardíaco ao saber que eu tinha desistido de ser engenheiro. Já minha mãe, que notava minha musicalidade desde criança, não se manifestou contra nem a favor. Segui meu coração, acreditei na minha arte e decidi fazer carreira com a minha música. Meu primeiro emprego foi na TV Globo, em janeiro de 1971, comandando o programa Som Livre Exportação, ao lado de Elis Regina. Fizemos muito sucesso nos primeiros dois meses, mas logo rompi meu contrato. A verdade é que eu não estava preparado para nada daquilo. Hoje eu sei que meu sucesso caiu de paraquedas. Nunca mais tive um emprego fixo, mas passei a construir minha carreira encarando os "sobes e desces" do ofício. Só que nunca parei de produzir, sou inquieto. E o que mais me orgulha é ser coerente comigo e com os meus padrões e critérios de qualidade musical. Meu compromisso é fazer beleza com a música, é levar uma mensagem para as pessoas. Sei que o conceito de belo é extremamente pessoal. É difícil explicar, mas se não for belo aos meus ouvidos, não adianta. Eu insisto até que a música fique bela para mim. Aí eu a entrego para o mundo.

Adriana Vichi

A ARTE TEM ESSE PODER: VOCÊ PODE CONTAR TODA

UMA HISTÓRIA SOCIAL E POLÍTICA DE UMA COMUNIDADE PELAS ENTRELINHAS. PARA MIM, A MÚSICA É A FORMA MAIS BONITA DE SE CONTAR HISTÓRIAS.

queridas

Sou um repórter do meu tempo. Nas minhas músicas, falo sobre as coisas que me cercam e me comovem, sobre tudo o que observo e mexe comigo. A arte tem esse poder: você pode contar toda uma história social e política de uma comunidade pelas entrelinhas. Para mim, a música é a forma mais bonita de se contar histórias. Mas, para além desse serviço, percebo que a música também me faz companhia. Tenho muito medo da solidão, mas, sempre que canto e tenho o público cantando comigo, me sinto amado e pertencente. É uma sensação indescritível. Se o público canta comigo, tenho a certeza de que minhas músicas atingiram um objetivo. Sempre sou questionado se me canso de cantar as mesmas músicas, repetidas vezes, há tantos anos. Minha resposta é: não. As músicas mais queridas do público são as minhas também.

exterior

Quando eu canto no exterior, canto o meu país. Sou um representante da música popular brasileira e quero mostrar o que temos de melhor.

Me julgo parte do contingente de músicos que levam um produto de primeiro mundo e mostram um Brasil maravilhoso. Acho que o Brasil produz música diversificada e de extrema qualidade. E não tem nada igual no mundo. Quando me perguntam se eu fico chateado por fazer mais sucesso no exterior do que aqui, respondo na lata: “De jeito algum. Me sinto honrado por representar meu país”.

streaming

Hoje, a música fica de pano de fundo de alguma atividade. Ou você está dirigindo, cozinhando, ou fazendo alguma outra coisa, enquanto a música toca. A verdade é que o mercado mudou muito com a chegada do streaming. Um dos pontos negativos dessa tecnologia é a monetização do artista. Quantas vezes tem que tocar uma música para ganhar em execução? Já o ponto positivo da modernização é que antigamente você tinha que importar o disco para levá-lo fisicamente para outras cidades e países. Hoje, sua arte pode chegar a qualquer lugar do mundo, sem que você saia da sua casa.

leveza

A maturidade me ensinou a tirar as pedras das costas. As pedras são aquelas coisas que te perturbam, como os sentimentos pesados, a raiva e a intolerância. A maturidade me ensina muito sobre gentileza e paciência. Entendo que a saída é buscar cada vez mais leveza, mas sem fechar os olhos. Como artista, quero cantar as coisas bonitas da vida e deixar isso de legado. Vejo que construí uma história bonita por acreditar na minha arte. Quando me pedem conselhos, sempre digo: “Se você acredita na sua arte, faça. Não arrede pé”. Como dizia meu sábio pai: “A história não fala dos covardes”.

Assista ao vídeo com trechos da entrevista com o músico Ivan Lins, gravada em maio de 2024.

ALMANAQUE

Para viver as Olimpíadas

No mês dos Jogos de Paris 2024, conheça cinco espaços na cidade de São Paulo e região metropolitana que oferecem a prática de diferentes modalidades esportivas

As Olimpíadas modernas tiveram início em Atenas, na Grécia, em 1896. Desde então, já foram realizadas 29 edições, das quais o Brasil participou de 20, acumulando um total de 150 medalhas em distintas modalidades esportivas. Entre os dias 26 de julho e 11 de agosto, serão realizados os Jogos Olímpicos de Paris, na França, e já é possível entrar no clima da competição em

São Paulo. Isso porque a prefeitura da capital, a Universidade de São Paulo (USP) e a cidade de Caieiras, na região metropolitana, oferecem espaços – a maioria gratuitos – para a prática de esportes olímpicos. Confira onde é possível treinar, junto a atletas de alto rendimento, modalidades como ginástica artística, remo, arco e flecha, ciclismo e judô. Que comecem os jogos!

Localizado na zona Sul, o Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa, é um dos principais espaços públicos de formação de ginastas e outros atletas no país.
Adriana Vichi

GINÁSTICA ARTÍSTICA

Reinaugurado no fim de maio, após um ano em obras, o Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa (COTP) é um dos principais espaços públicos de formação esportiva do país, com foco no desenvolvimento de jovens talentos. A reforma incluiu a revitalização dos vestiários, piscinas, pisos das quadras de vôlei, basquete e handebol, além da troca da cobertura do ginásio. Destaque para a sala dedicada à ginástica artística – considerada esporte olímpico desde 1896 –, com um painel que detalha os movimentos do salto da atleta Rebeca Andrade (nascida em Guarulhos), medalha de ouro em Tóquio, no Japão, em 2021, e imagens do ginasta Arthur Zanetti (natural de

JUDÔ

Depois de fazer sua estreia olímpica em Tóquio, no Japão, em 1964, o judô está na lista permanente de modalidades desde 1972. Porém, as competidoras mulheres começaram oficialmente apenas em Barcelona, na Espanha, em 1992. O Brasil tem várias medalhas nesse esporte, conquistadas por judocas como Aurélio Miguel, Tiago Camilo, Mayra Aguiar, Sarah Menezes e Rafaela Silva. Em Paris, o Brasil vai disputar com seis atletas na equipe masculina e quatro na feminina, incluindo Rafaela Silva, campeã olímpica dos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016. Para quem quiser praticar judô em São Paulo, a prefeitura oferece, na zona Leste, aulas gratuitas no Centro Esportivo Mooca – Salim Farah Maluf. As aulas são para crianças a partir dos cinco anos, até maiores de 13 anos. Aos sábados, das 10h30 às 12h, as turmas são livres. O CE Mooca também ensina judô paralímpico, para pessoas com deficiência visual. Para participar, basta solicitar a carteirinha pelo Portal 156 ou presencialmente.

Centro Esportivo Mooca – Salim Farah Maluf Rua Taquari, 635, Mooca, São Paulo (SP). Próximo à estação Bresser-Mooca, da Linha 3-Vermelha do metrô. Funcionamento: segunda a sexta, das 7h às 22h. GRÁTIS. prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/ esportes/centros_esportivos/?p=309761

São Caetano do Sul), campeão olímpico e mundial na prova das argolas. Para além da ginástica, a Secretaria Municipal de Esportes e Lazer de São Paulo quer, ainda, incentivar a prática de breaking na cidade, em especial para crianças a partir de seis anos, com o intuito de formar futuros dançarinos de alto rendimento.

Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa (COTP)

Av. Ibirapuera, 1315, Vila Clementino, São Paulo (SP). Acesso também pela Rua Pedro de Toledo, 1651. Próximo à estação AACD-Servidor, da Linha 5-Lilás do metrô. GRÁTIS. adcentrolimpico.org.br

É possível fazer gratuitamente aulas de judô e judô paralímpico no Centro Esportivo Mooca.

Adriana
Vichi

ALMANAQUE

REMO

Incluído na lista de esportes olímpicos em 1900, na primeira edição realizada em Paris, o remo terá dois representantes brasileiros nos Jogos deste ano: Beatriz Tavares e Lucas Verthein. Para quem for aluno da Universidade de São Paulo (USP) ou morador da capital e região, a Raia Olímpica da USP oferece aulas de remo e canoagem – outro esporte olímpico. Paralelo à Marginal Pinheiros, o conjunto esportivo, inaugurado em 1973, conta com vestiários, sala de musculação, pista rústica, barcos e garagem. A raia tem 2.250 metros de comprimento, 110 metros de largura e até 5 metros de profundidade. O curso de remo possui três níveis (iniciação, aperfeiçoamento e treinamento), aceita pessoas a partir de 18 anos, e o

Alunos da Universidade de São Paulo e moradores da capital e região podem fazer aulas de remo e canoagem na Raia Olímpica da USP.

principal pré-requisito é saber nadar. Além de trabalhar a preparação física, para os iniciantes, num primeiro momento, é feita uma vivência com barco-escola e diferentes tipos de barcos, a quatro ou oito remos.

A USP fornece todo o equipamento para a prática.

Raia Olímpica da USP

Av. Professor Mello de Morais 1382, Butantã, São Paulo (SP). Localizada dentro da USP, paralela à Marginal Pinheiros e próxima à estação Cidade Universitária da Linha 9-Esmeralda da CPTM. Funcionamento: segunda a sexta, das 5h às 21h30, e aos sábados e domingos, das 5h às 13h. Informações em cepe.usp.br/courses/remo

ARCO E FLECHA

A prefeitura da capital possui 46 centros esportivos espalhados pelas cinco regiões da cidade, com diversas aulas e atividades gratuitas, incluindo modalidades olímpicas como arco e flecha, que faz parte dos Jogos desde 1900. As aulas desse esporte são oferecidas no Centro Esportivo Cambuci – Rubens Pecce Lordello, às segundas e quartas, das 19h30 às 21h30. Para participar, é necessário fazer a carteirinha de usuário, de

forma gratuita, por meio do Portal 156 ou presencialmente. Administrado pela Secretaria Municipal de Esportes e Lazer, o CE Cambuci oferece, ainda, outras modalidades olímpicas, como ginástica artística, caratê e taekwondo, além de atividades físico-esportivas, como balé, jazz, futsal e tai chi chuan. O espaço conta com uma academia ao ar livre, ginásio, piscinas semiolímpica e de recreação, quadra poliesportiva,

cancha de bocha, playground, sala multiuso, vestiários e cozinha.

Centro Esportivo Cambuci – Rubens Pecce Lordello Av. Lins de Vasconcelos, 804, Cambuci, São Paulo (SP). Funcionamento: segunda a sexta, das 7h30 às 21h. GRÁTIS. prefeitura.sp.gov.br/ cidade/secretarias/esportes/ centros_esportivos/?p=309775

Adriana
Vichi

CICLISMO

Há cinco modalidades olímpicas de ciclismo: estrada, pista, mountain bike, bicycle motocross (BMX) e BMX estilo livre. O ciclismo de pista foi o primeiro a surgir, em 1896, mas só homens podiam competir. As mulheres foram autorizadas somente na edição de Seul, na Coreia do Sul, em 1988. A cerca de 40 quilômetros do centro da capital paulista, na região metropolitana, está localizado o Velódromo Municipal de Caieiras Agenor Moraes da Silva – Zague. Inaugurado em 2003, esse é um dos poucos velódromos do estado de

São Paulo (há outros em Indaiatuba e Americana) e de toda a América Latina. O espaço é de uso livre, sem necessidade de agendamento, mas cada pessoa deve levar a sua própria bicicleta e equipamentos de segurança. A parte de baixo do lugar atende todas as bikes e faixas etárias, e a pista oficial de concreto, com inclinação e 250 metros de comprimento, abriga apenas as bicicletas oficiais de ciclismo de velódromo, que não têm freio nem marchas. Profissionais de alto rendimento costumam treinar no

local, que já recebeu importantes provas do calendário nacional.

Velódromo Municipal de Caieiras

Rua João Dártora, 146-152, Centro, Caieiras (SP). Funcionamento: segunda a sexta, das 8h às 21h30, e aos finais de semana, das 8h às 17h . GRÁTIS.

O Velódromo Municipal de Caieiras é um dos poucos velódromos na América Latina e pode ser utilizado sem necessidade de agendamento.

Uma agulha, uma linha e um ponto atrás, eu bordo o mundo

Vou aprender a ler Pra ensinar meus camaradas!

“Yá Yá Massemba”, composição de Jose Carlos Capinam e Roberto Mendes

Pego a agulha.

Me perguntaram como sei o que sei. Eu sei de distintas maneiras, por muitos saberes e diversos aprendizados. Sei de ouvir, sei de ver, sei de sentir, sei de tocar, sei de tentar, sei de errar. Aprender que as pessoas aprendem de formas diferentes foi um dos aprendizados mais bonitos do mestrado. Cada ser tem uma forma de ser e de aprender. Tem gente que lê e entende. Tem gente que vê e aprende. Tem gente que ouve e sente. Tem gente que elege o manual e, mão a mão, tece a vida e costura histórias.

Estico o braço e corto uma linha que venha da ponta dos dedos ao coração. Como educadora me encanta aprender e observar como cada um aprende. E amo, além de tudo, aprender para ensinar. Sei que o modo como aprendi não é único. Sei que meus alunos me mostrarão como aprendem melhor, um a um; e eu, no árduo ofício desejo anseio de que eles aprendam, aprenderei novamente com eles a melhor forma de ensiná-los. Nós, das tramas do ensino, nos encontramos em constante movimento nas linhas das vidas que se entrecruzam. Passo a linha na agulha ou vice-versa.

Eu apreendo hoje o que meu ser aprendeu ontem. Não estamos aqui sós. Aprendemos em todas as educações vivenciadas, seja na formal (escolar, acadêmica), informal (família, amigos) e não formal (instituições sociais, culturais). A vida segue refletindo nossos conhecimentos passados. Passados de geração em geração, pela herança deixada por minha avó materna, sua máquina de costura, por exemplo. Comecei a costurar somente depois de sua partida. Cada técnica nova, aprendida e ensinada, expõe meus avessos e descortina o poder da manualidade e de ouvir histórias enquanto se tece como tecnologia ancestral.

Dou um nó.

No Ateliê de Costura: Bordado e Ancestralidade, curso que estou ministrando junto à artista e educadora Rochele Beatriz, propusemos o estudo individual da ancestralidade e a escolha de pessoas e imagens para compor sua obra autoral. Ao desenvolver meu projeto pessoal, fui atravessada pela doença de minha avó paterna. Decidi fazer um último bordado-presente e neste ato, desatei tantas dúvidas: “De onde vem minha ancestralidade?”. Aprendo pelo sangue que corre em minhas veias, mas também pelas memórias de minhas ancestrais que transcendem a genética… das que viveram, lutaram e que sobrevivem em mim. Compreendo que a ancestralidade transpassa a ascendência e pousa na herança cultural, familiar, na curiosidade em aprender novas técnicas e misturar tudo. Minha avó amava pintar rosas em panos de prato e fazer crochê.

Avanço para frente e volto no ponto anterior.

Findei o bordado e o entreguei em vida, no Dia das Mães deste triste 2024. Após cinco dias, ela partiu. “Dona Ruth, muito obrigada por tudo! As manualidades compõem o nosso ser.”

Com o ponto atrás eu bordo o mundo.

Para seguir é preciso voltar no ponto anterior. Nenhuma metáfora melhor para pensar a ancestralidade do que esta. Compreender nossas origens, entender nossa ancestralidade para, então, avançar. Que possamos honrar nossas ancestrais. Agradeço às minhas avós, artesãs e aos encontros com aprendizes ao longo destes 20 anos dedicados às artes e à educação. Sigamos compartilhando as conquistas e sorrisos a cada descoberta em se perceber capaz de criar algo com as próprias mãos.

Marcela Gomes Pupatto é artista e educadora, mestra em Educação: Currículo e educadora do Programa Tecnologias e Artes do Sesc Pinheiros.

P.S.

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Maira Acayaba (foto); Nortearia (colagem)
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