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Revista E | dezembro de 2023 nº 6 | ano 30 Professor Danilo
Direitos humanos
Lugar de afeto
Cinema de rua
Contribuições e legado do sociólogo para a cultura brasileira
Ações levam arte e dignidade a pessoas em situação de rua
Iniciativas preservam memória de bairros paulistanos
Kleber Mendonça Filho fala sobre novo filme e Oscar
CAPA: Registro fotográfico da interação de Danilo Santos de Miranda (1943-2023) com a instalação Sal sem Carne (1975-2006), do artista Cildo Meireles, durante abertura da exposição Entrevendo, no Sesc Pompeia, em 2019. A mostra, com curadoria de Diego Matos e Júlia Rebouças, reuniu o maior acervo de obras de Meireles já exposto na América Latina. Crédito: Carol Mendonça
Bem-estar e promoção da cidadania
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Promover o bem-estar dos trabalhadores do comércio de bens, serviço e turismo, assim como de seus familiares, sempre esteve no cerne das ações do Sesc – Serviço Social do Comércio. Criado em 1946 por iniciativa do empresariado do setor, atua para proporcionar qualidade de vida a seu público prioritário, mas também a toda a comunidade, por meio de uma vasta e diversificada programação nos campos da cultura, lazer, esportes, turismo, saúde e alimentação. Este propósito se concretiza em atividades realizadas nos centros culturais e esportivos presentes em todo Estado, com cursos, encontros, bate-papos, oficinas e apresentações artísticas, sempre com foco na valorização das múltiplas linguagens e saberes, e da celebração da diversidade. No encerramento de mais um ano, o Sesc renova e reafirma seu compromisso em contribuir para a construção de uma sociedade mais próspera e cidadã. Abram Szajman Presidente do Conselho Regional do Sesc no Estado de São Paulo
a frente e outra para trás. Isso para enfatizar uma característica determinante de sua gestão: respeitar as conquistas e contribuições do passado, assim como planejar e plantar o futuro. Tudo isso em sintonia com as aspirações e demandas da sociedade.
Acolher passados, sonhar futuros – ensinamentos de um legado Uma gestão não se apresenta apenas com dados, por mais eloquentes e incontestáveis que sejam. Mas, sobretudo, por seus valores, propósitos e realizações. Sendo assim, quais valores, propósitos e realizações constituem o legado da gestão de Danilo Santos de Miranda, alicerçada ao longo de quatro décadas nos princípios da permanência, do aperfeiçoamento e da inovação? O propósito essencial foi cumprir, da maneira mais qualificada e abrangente possível, a missão para a qual o Sesc foi criado, ou seja, contribuir para a melhoria da qualidade de vida para bem-estar dos trabalhadores do setor do comércio de bens, serviços e turismo dos seus dependentes e das comunidades em seu entorno. Certa vez, em uma fala pública, o professor Danilo – como era carinhosamente chamado – buscou ilustrar parte de suas ideias e conceitos acerca do trabalho desenvolvido na instituição recorrendo à imagem de uma divindade romana, Jano (da qual se origina o nome do primeiro mês do ano, janeiro), cuja especificidade era ter poder sobre todos os começos, além de influenciar mutações e transições. Era representado com duas faces, uma olhando para
Uma das formas de a instituição manter-se significativa e necessária foi, ao longo dos anos, ter afinado sua capacidade de escuta e diálogo com as diferentes instâncias sociais, estimulando debates e desenvolvendo propostas para as questões mais urgentes do mundo contemporâneo. Um dos responsáveis por tal permeabilidade com as demandas centrais de cada momento histórico foi o professor Danilo, atuando como mediador e articulador junto aos diferentes públicos internos e externos, desde funcionários e mantenedores aos formadores de opinião, gestores da iniciativa privada e agentes públicos. Tinha a fama de ser um ouvinte sagaz e implicado, capaz de interagir nos diversos ambientes, da informalidade à universidade, extraindo linhas de força para contribuir com ações modelares para a sociedade. Seria exaustivo listar aqui os campos com os quais o Sesc foi lidando ao longo dos anos por influência e provocação do seu diretor, sempre respaldado em suas decisões pelo Conselho e pelo presidente Abram Szajman. Nesse sentido, outro diferencial que distingue o gestor consciente é a coragem nas decisões – é o caso, por exemplo, da coragem para continuar ou descontinuar projetos ou serviços. Em 1984, quando o professor Danilo assumiu a Diretoria Regional do Sesc São Paulo, já existiam programas pioneiros e inovadores, como os de Turismo Social (1948) e do Trabalho Social com a Pessoa Idosa (1963) – isso sem falar da emblemática experiência do programa das Unimos (Unidades Móveis de Orientação Social, atuante sobretudo nas décadas de 1960 e 1970), que cumpriu múltiplos papéis, incluindo o de ser espaço de formação na prática. Aliás, essa foi a porta de entrada do jovem Danilo Miranda na instituição. Em momento de grave restrição democrática, a instituição desenvolveu uma tecnologia social que levou um grupo de jovens com formação no campo das Humanidades a mergulhar na realidade dos mais variados rincões do estado. Cada equipe, composta por três pessoas, dispunha de um veículo equipado com materiais diversos para a promoção de atividades sobre lazer, esporte, saúde, arte e cultura, entre outras. É nesse ambiente efervescente
e criativo, cujas possibilidades de experimentação e descobertas não encontram limites, que o futuro diretor foi acolhido. Foram intensos anos de atividade imersiva nos territórios, interagindo com as mais diversas pessoas e contextos, amadurecendo ideias e conceitos, testando metodologias. As marcas dessas vivências e os laços com os companheiros de tantas viagens acompanham suas pegadas, desviadas por ocasião de um chamamento a atuar na coirmã Senac – Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio.
às raízes – começa a tomar forma pelas mãos da nova administração: a aproximação dos princípios da educação permanente com o campo da cultura. O entendimento de educação e cultura como faces da mesma moeda passa a ser, cada vez mais, colocado em prática nos espaços do Sesc. Assim como uma série de valores orientados nesse mesmo sentido emergem no cotidiano: acolhimento, diversidade, sustentabilidade, transversalidade e memória, associados à experimentação e à inovação.
Esse intervalo de distanciamento fez com que o espírito curioso e inquieto de Danilo fosse se nutrindo de outras formas de conhecimentos e saberes compatíveis com uma estrutura cada vez mais diferenciada e complexa. Mesmo ainda atuando no Senac, passa a frequentar, observar e se aproximar do agitado ambiente do Sesc Pompeia – tanto em sua versão provisória nos anos 1970, como após a inauguração da unidade definitiva em 1982 –, pelo qual nutrirá especial atenção quando, pouco mais tarde, for convidado a retornar à instituição. No país, coabitavam ventos de mudança e as sombras dos estertores da ditatura. As crises econômicas, associadas às questões político-sociais, eram ingredientes capazes de entornar o caldo a qualquer momento. A estrutura física da instituição era então constituída por uma administração central e uma rede de centros desportivos e culturais presentes em algumas regiões da capital e do estado de São Paulo.
Passadas quatro décadas à frente da gestão do Sesc São Paulo, somos cerca de 8 mil funcionários e foram inauguradas ou requalificadas dezenas de unidades, totalizando atualmente 42 equipamentos físicos. Além disso, foi criado o Sesc Digital, a extensão para os meios digitais de tudo o que o Sesc faz. Aliás, foi pensando em atender mais e melhor ao seu público prioritário que o diretor regional Danilo Santos de Miranda chancela o avanço da implantação dos meios virtuais para facilitar o acesso dos comerciários às atividades e serviços do Sesc.
Da vivência desses tempos, uma ideia radical – no sentido etimológico do termo, que faz referência
Por fim, para falar em legados, no plural, é preciso recorrer a outra imagem, esta que nos foi transmitida pela tradição africana do povo Ashanti, atual Gana, mas que possui elementos simétricos no imaginário de povos originários em diversos continentes e entre os xamãs ameríndios: Sankofa, que em uma de suas representações assume a forma de um pássaro que olha para trás enquanto carrega um ovo na boca. Tal imagem, associada à figura de Jano inicialmente mobilizada, denota o interesse
SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO – SESC Administração Regional no Estado de São Paulo Av. Álvaro Ramos, 991 – Belenzinho
do professor Danilo pela diversidade cultural e suas interconexões complementares. Trata-se de uma metáfora que sugere olhar o ontem, trazer para o hoje e fazer florescer o amanhã. Para todos esses povos, o tempo não é linear, mas cíclico. Nesse sentido, um dos legados pelos quais o diretor do Sesc, o professor Danilo, desejaria ser lembrado insere-se nessas dimensões: uma relacionada ao passado, marcada pela criação e implantação do Sesc Memórias, em 2006; e a outra, apontando para o futuro, concretizada pela presença do Centro de Pesquisa e Formação, em 2012, um dispositivo corporativo de reflexão crítica, troca e circulação de ideias e pesquisas, aberto ao público. A mensagem por trás desse ideário é a da valorização e preservação do passado como alimento e inspiração para a construção de um futuro melhor e mais justo para um número maior de pessoas na sociedade brasileira. Outro ensinamento incontornável reside no propósito de continuar expandindo e aprimorando a rede física e os programas oferecidos, sublinhando o caráter educativo e o cuidado com as pessoas. Que todas as gentes encantadas das várias gerações que contribuíram para que chegássemos até aqui acolham o legado ímpar de Danilo Santos de Miranda, e que as mais diversas divindades, inspiradas por esse exemplo, sigam iluminando nossos caminhos atuais e futuros. Luiz Deoclécio Massaro Galina Diretor do Sesc São Paulo
CONSELHO REGIONAL DO SESC EM SÃO PAULO Presidente: Abram Abe Szajman Diretor Regional: Luiz Deoclécio Massaro Galina Efetivos: Arnaldo Odlevati Junior, Benedito Toso de Arruda, Dan Guinsburg, Jair Francisco Mafra, José de Sousa Lima, José Maria de Faria, José Roberto Pena, Manuel Henrique Farias Ramos, Marcus Alves de Mello, Milton Zamora, Paulo Cesar Garcia Lopes, Paulo João de Oliveira Alonso, Paulo Roberto Gullo, Rafik Hussein Saab, Reinaldo Pedro Correa, Rosana Aparecida da Silva, Valterli Martinez, Vanderlei Barbosa dos Santos Suplentes: Aguinaldo Rodrigues da Silva, Aldo Minchillo, Antonio Cozzi Junior, Antonio Di Girolamo, Antonio Geraldo Giannini, Célio Simões Cerri, Cláudio Barnabé Cajado, Costabile Matarazzo Junior, Edison Severo Maltoni, Marco Antonio Melchior, Omar Abdul Assaf, Sérgio Vanderlei da Silva, Vilter Croqui Marcondes, Vitor Fernandes, William Pedro Luz REPRESENTANTES JUNTO AO CONSELHO NACIONAL Efetivos: Abram Abe Szajman, Ivo Dall’Acqua Júnior, Rubens Torres Medrano Suplentes: Álvaro Luiz Bruzadin Furtado, Marcelo Braga, Vicente Amato Sobrinho CONSELHO EDITORIAL | Revista E Adauto Perin, Adriano Vannucchi, Aguinaldo Costa, Alberto Fuka, Alessandra Leite, Alexandre da Silva, Aline Ribenboim, Angela Belei, Ariane Carvalho, Caio Wallerstein, Camila Curaçá, Carmen Ferreira, Caroline Zeferino, Cléber Tasquin, Cristiane Gasiglia, Cristina Berti, Danny Abensur, Denise Fonseca, Diego Zebele, Eduardo Freitas, Eloá Cipriano, Emília Fonseca, Estevão Denis Silveira, Fábia Uccelli, Felipe Abdala, Fernanda Gehrke, Fernanda Vargas, Filipe Luna, Guilherme Luiz Souza, Hugo Nakagawa, Ivan Da Hora, Jailton Nascimento Carvalho, João Canola, João Paulo Gabriel, José Lima, Karen Pimentel, Ketty Valêncio, Kimberlly Brito, Ligia Zamaro, Lucas Rolfsen, Ludmila Almeida, Marcos Afonso, Mariana Marquiori, Mariana Prado, Marina Barroso, Marina Magalhães, Mateus Cuconato, Nicole Dias, Pollyana Asbahr, Priscila Dias, Raquel Fonseca, Ricardo Tacioli, Rizoneide Pereira, Romeu Marinho Ubeda, Sandra Alves, Sandra Mirabelli, Solange Rocha, Stephany Tiveron, Thiago Costa, Tiago Marchesano, Tim Fabril, Ueliton Alves, Vanessa Paula Coordenação-Geral: Aurea Leszczynski Vieira Gonçalves Coordenação-Executiva: Lígia Moreira Moreli e Silvio Basilio Editora-Executiva: Adriana Reis Paulics • Projeto Gráfico e Diagramação: Bruno Thofer e Larissa Ohori • Edição de Textos: Adriana Reis Paulics, Guilherme Barreto e Maria Júlia Lledó • Revisão de Texto: Pedro P. Silva • Edição de Fotografia: Adriana Vichi • Repórteres: Karla Dunder, Luna D’Alama, Manuela Ferreira e Maria Júlia Lledó • Coordenação Editorial Revista E: Adriana Reis Paulics, Guilherme Barreto e Marina Pereira • Propaganda: Edmar Júnior, Gabriela Amorim, Jefferson Santanielo, José Gonçalves Júnior • Arte de Anúncios: Ariane Ramos de Azevedo, Glauco Gotardi e Pedro Menezes • Supervisão Gráfica: Rogerio Ianelli • Finalização: Bruno Thofer e Larissa Ohori • Criação Digital Revista E: Lourdes Teixeira • Circulação e Distribuição: Nelson Soares da Fonseca Jornalista Responsável: Adriana Reis Paulics (MTB 37.488) A Revista E é uma publicação do Sesc São Paulo, sob coordenação da Superintendência de Comunicação Social. Distribuição gratuita. Nenhuma pessoa está autorizada a vender anúncios. Esta publicação está disponível para retirada gratuita nas unidades do Sesc São Paulo e também em versão digital, em sescsp.org.br/revistae e no aplicativo Sesc SP para tablets e celulares (Android e IOS). Fale conosco: revistae@sescsp.org.br
SUMÁRIO
Imagens registram a saudosa trajetória de Danilo Santos de Miranda, que se dedicou à arte e à cultura numa perspectiva humanista e democrática
dossiê
entrevista
turismo social
bio
gráfica
direitos humanos
Sentimento de comunidade e preservação da memória inspira iniciativas individuais e coletivas pelos bairros paulistanos
Projetos sociais e espaços culturais buscam a garantia de cidadania e o direito à arte para pessoas em situação de rua
p.11
p.16
p.24
p.34
p.40
p.54
Confira os destaques da programação do mês, como o lançamento do álbum Afeto, em celebração aos 90 anos do músico Carlos Lyra
A travessia de Danilo Santos de Miranda, que esteve à frente do Sesc São Paulo por quatro décadas e abraçou a arte e a cultura em sua dimensão educativa
Guilherme Castoldi (Dossiê); Matheus José Maria (Gráfica)
Em novo filme, cineasta Kleber Mendonça Filho reflete sobre preservação da memória, Oscar, cinemas de rua e novos formatos de exibição
Maria Carvalhosa
O percurso do dançarino, músico e educador Nelson Triunfo, cuja vida se confunde com a própria história do hip-hop no Brasil
encontros
inéditos
depoimento
almanaque
P.S.
Rafael Calça
em pauta
Jorge Bispo (Encontros); Adriana Vichi (Almanaque)
Artigos de Jefferson Del Rios e Giselle Beiguelman discutem a relação entre os monumentos e a memória da cidade
Conheça cinco espaços em São Paulo para a prática gratuita de esportes e atividades físicas
p.60
p.66
p.70
p.74
p.78
p.82
Juliana Fernandes Silveira
Oba! Férias! Uma programação de Turismo Social para crianças de até 12 anos, seus familiares e acompanhantes. Em janeiro, venha participar de circuitos a pé, passeios de um dia e atividades que estimulam a cultura da viagem e do lazer.
Inscrições a partir das 14h do dia 6/12, no portal do Sesc São Paulo ou presencialmente na unidade mais próxima de você. Acesse a programação em sescsp.org.br/obaferias
Matheus José Maria
em cena
Inspirado na vida e obra do escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), o espetáculo O Outro Borges mostra o autor de O Aleph (1949), entre outras grandes obras do realismo fantástico latino-americano, prestes a fazer sua derradeira viagem quando, de repente, recebe uma visita. Sob direção de Marcelo Lazzaratto, e texto Samir Yazbek, a peça fica em cartaz no Sesc Pinheiros até dia 11/12. Na foto, a atriz Chiara Lazzaratto, que interpreta a Jovem.
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SESSÃO ESPECIAL APRESENTA
Cristiano Burlan, diretor do documentário, fala sobre o processo de pesquisa e criação do filme. Com a participação de Antônio Pitanga.
13/12. Quarta, 19h30 Sesc Consolação Rua Dr. Vila Nova, 245 Retirada de ingressos online a partir das 12h e 14h nas bilheterias das unidades do Sesc.
Assista sob demanda em sesctv.org.br/antunesfilho
DOSSIÊ Em celebração aos 90 anos do músico Carlos Lyra, Selo Sesc lança o álbum Afeto com shows no Sesc Pompeia.
Para Lyra, toda bossa Sesc celebra nove décadas de vida de Carlos Lyra, com lançamento de disco e espetáculo com participação de Gilberto Gil e Mônica Salmaso
C
Alberto Cerri
arlos Lyra, o “maior melodista do Brasil”, como defendia Tom Jobim (1927-1994), acaba de completar 90 anos. Conhecido por ser um dos fundadores e maiores expoentes da bossa nova, o compositor, cantor e violonista carioca é autor de sucessos como “Coisa mais linda”, “O negócio é amar”, “Identidade”, “Lobo bobo”, “Influência do jazz” e “Primavera”. Para celebrar a vida e a obra de Lyra, o Sesc São Paulo lança, neste mês, o disco Afeto (Selo Sesc, 2023), além de realizar um show comemorativo que reúne grandes amigos do artista no palco do teatro do Sesc Pompeia. Idealizado e produzido por Regina Oreiro, o álbum lançado pelo Selo Sesc reúne 14 faixas que propõem um passeio musical pelas diferentes fases do músico, a partir da interpretação de grandes vozes da MPB, como Caetano Veloso,
Gilberto Gil, Djavan, Edu Lobo, Ney Matogrosso e Mart’nália. Para completar o time de estrelas que celebram o legado do músico, os arranjos do disco foram feitos por João Donato (1934-2023), Marcos Valle, Jaques Morelenbaum, Gilson Peranzzetta e Antonio Adolfo. Fernanda Montenegro, que é contemporânea do “Carlinhos”, como costuma chamar o amigo, foi convidada para saudar o nonagenário no encarte do disco Afeto. Para a atriz, a inspiração de Lyra foi, é e será sempre inesgotável. “Você é um ser encantado. Um criador de sublime raiz herdada de nossa sensibilíssima lírica. E eu agradeço aos deuses e a Deus o milagre de termos em nossas mentes e corações, no melhor dos nossos verdes anos e para sempre, sua criatividade tão plena ao cantar a vida, o amor”, escreveu a atriz.
Para marcar o lançamento do disco, dias 2 e 3/12, no Sesc Pompeia, quatro amigos de Carlos Lyra sobem ao palco para cantar o legado de afeto construído na longeva trajetória do artista. Com direção e apresentação de Hugo Sukman, o espetáculo reúne Gilberto Gil, Joyce Moreno, Wanda Sá e Mônica Salmaso para executarem sucessos de Lyra compostos nas últimas sete décadas. Em números solo, duetos e encontros inéditos, os cantores são acompanhados pelo quarteto formado por Adriano Souza (piano e direção musical), Jefferson Lescowich (contrabaixo acústico), Marcelo Costa (bateria) e Eduardo Neves (sopros).
Conheça o disco Afeto em sescsp.org.br/selo e saiba mais sobre o show de lançamento em sescsp.org.br/pompeia 11 | e
DOSSIÊ
Pela Consolação Baseado em documentos e depoimentos de artistas e jornalistas, o livro Eram a Consolação: sociabilidade e cultura em São Paulo nos anos 1960 e 1970, lançamento das Edições Sesc São Paulo, relembra a vida social e cultural no Centro da capital paulista, num período em que a fusão entre intelecto, arte e política era configurada pelas dinâmicas da Faculdade de Filosofia da USP,
e um cenário ambientado por casas noturnas, cineclubes, museus e teatros. A publicação é assinada por Lúcia Helena Gama, doutora em sociologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), que se dedica, desde os anos 1990, ao estudo da sociabilidade na capital paulista e sua transformação urbana no século 20. Saiba mais em sescsp.org.br/edicoes
Entre várias atrações que celebram o Dia Nacional do Samba, o grupo Fundo de Quintal apresenta-se dia 1º/12, no Sesc Itaquera.
NA CADÊNCIA DO SAMBA Neste mês, várias unidades do Sesc São Paulo reúnem músicos, compositores, rodas de samba e blocos carnavalescos, numa programação gratuita, para comemorar o Dia Nacional do Samba (2/12), instituído em homenagem a Ary Barroso (1903-1964). Um dos destaques é o grupo Fundo de Quintal, criado a partir do bloco carioca Cacique de Ramos, que apresenta seu repertório de 45 anos de carreira no dia 1º/12, no Sesc
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Itaquera. No dia 2/12, o Sesc Vila Mariana recebe o Pagode da 27, encontro de sambistas do Grajaú, na rua 27, considerada nos anos 1990 uma das mais perigosas da zona Sul, e hoje patrimônio cultural da cidade de São Paulo. Nesse mesmo dia, a roda de samba Constelação do Samba Paulista: Samba e Prosa, com a Velha Guarda do Vai-Vai, acontece no Sesc 14 Bis. Confira mais atividades em homenagem ao samba em sescsp.org.br
Publicação quadrimestral do Sesc São Paulo que propõe, desde 1988, reflexões sobre o envelhecimento e a longevidade, a revista Mais60 lança uma edição comemorativa neste mês. Em celebração aos 60 anos de atuação do pioneiro Trabalho Social com Pessoas Idosas, a edição de número 86 traz uma entrevista com Leci Brandão; um ensaio fotográfico que retrata a beleza dos corpos velhos; uma reportagem sobre a história da velhice no Brasil, além de diversos artigos sobre temas como o envelhecimento na América Latina, as velhices negras, políticas sociais para a população idosa e o futuro das ações do Sesc nessa área. A publicação está disponível em sescsp.org.br/mais60
Washington Possato
Longeva idade
DOSSIÊ
O Coral Câmara LGBT+ do Brasil apresenta no dia 9/12 a Cantata de Natal: Celebrando a Diversidade, no Sesc 24 de Maio.
NATAL MUSICAL
Camila Vech (Natal musical); Matheus Jose Maria (Amazônias em Foco)
No mês das comemorações natalinas, uma série de corais formados por uma diversidade de vozes, culturas e gêneros musicais se apresentam gratuitamente no Sesc 24 de Maio. Composto por jovens imigrantes congoleses, o grupo Os Escolhidos homenageia, no dia 2/12, ritmos de seu país, como rumba congolesa e
zouk, em canções executadas a cappella. Já no dia 9/12 o Coral Câmara LGBT+ do Brasil apresenta a Cantata de Natal: Celebrando a Diversidade. O Mutrib, grupo que se dedica a investigar o repertório dos países bálcãs e do Mediterrâneo oriental, apresenta, nos dias 10 e 17/12, sons multiculturais
que representam a efervescência dessa região. E no dia 16/12, o grupo Coro Br apresenta canções que festejam os ritos natalinos a partir de uma perspectiva brasileira, com canções como “Se eu quiser falar com Deus”, de Gilberto Gil, e “Hoje é Natal”, de Cassiano. Mais informações em sescsp.org.br/24demaio
AMAZÔNIAS EM FOCO
Dirigido por Helena Bagnoli, o documentário Amazônias, um manifesto, estreia na programação do Sesc TV
O documentário Amazônias, um manifesto, dirigido por Helena Bagnoli, registra o processo artístico-pedagógico que resultou no espetáculo Amazonias - ver a mata que te vê [um manifesto poético]. Conduzido pela diretora Maria Thais por mais de seis meses no Sesc Pinheiros, o projeto trouxe jovens, em sua maioria moradores das periferias de São Paulo, para a construção de um espetáculo que debate as realidades amazônicas, das questões climáticas e políticas às culturais e históricas. O filme percorre todo esse processo criativo e formativo, tendo como protagonistas os participantes do projeto, suas realidades, aspirações e transformações. Estreia no dia 12/12, terça, às 20h. Confira em: sesctv.org.br/amazonias 13 | e
Ricardo Ferreira
FAÇA SUA CREDENCIAL PLENA
Pessoas que trabalham ou se aposentaram em empresas do comércio de bens, serviços ou turismo podem fazer gratuitamente a Credencial Plena do Sesc e ter acesso a muitos benefícios. São aceitos registro em carteira profissional (com contrato de trabalho ativo ou suspenso), contrato de trabalho temporário, termo de estágio e de jovem aprendiz, e pessoas desempregadas dessas empresas até 24 meses. e | 14
PARA FAZER OU RENOVAR A CREDENCIAL PLENA DO SESC SÃO PAULO
Para fazer ou renovar a Credencial Plena de maneira online e de onde estiver, baixe o app Credencial Sesc SP ou acesse centralrelacionamento.sescsp. org.br. Se preferir, nesses mesmos locais é possível agendar horário para ir presencialmente a uma das Unidades (compareça com a documentação necessária).
Sobre a Credencial Plena: • • •
• •
É gratuita Tem validade de até dois anos Pode ser utilizada nas Unidades do Sesc em todo o Brasil Prioriza os acessos às atividades do Sesc Oferece descontos nas atividades e serviços pagos
A Credencial Plena é o acesso para trabalhadores e dependentes ao uso dos serviços e programações nas Unidades do Sesc.
Acesse o texto Tudo o que você precisa saber sobre a Credencial Plena do Sesc
Faça a sua Credencial Plena online! Baixe o app Credencial Sesc SP ou acesse centralrelacionamento. sescsp.org.br
entrevista
Mais real que a ficção Com filme em disputa por indicação ao Oscar 2024, Kleber Mendonça Filho fala sobre a importância do cinema de rua em coexistência com as plataformas de streaming POR MARIA JÚLIA LLEDÓ
D Adriana Vichi
edicado à paixão pela sétima arte e movido, principalmente, pela experiência nostálgica dos cinemas de rua, o documentário Retratos Fantasmas (2023), de Kleber Mendonça Filho, é o representante oficial do Brasil na disputa por uma indicação ao Oscar 2024, na categoria Melhor Filme Internacional. No entanto, o peso inegável dessa premiação, que anunciará a lista com os pré-selecionados em 21 de dezembro, e os cinco finalistas, em 23 de janeiro do próximo ano, não tira o sono do cineasta e roteirista recifense. Em viagens pelo mundo afora para exibição em festivais e conversas sobre seu quinto longa-metragem, Kleber Mendonça Filho se interessa mais pela recepção do público. Fator que, definitivamente, confere a essa obra cinematográfica um lugar de prestígio. Afinal, o cinema de rua, seja ele no Centro do Recife (PE) ou em qualquer outra cidade do mundo, abriga memórias que ficaram impressas na história. São como cápsulas do tempo que atravessaram transformações sociais,
econômicas e culturais ao longo do século 20. Hoje, alguns desses espaços de exibição, convivência e formação resistem mesmo diante da falta de políticas públicas e da concorrência com centros comerciais e plataformas de streaming. Por acreditar no importante papel desses espaços, o diretor de Recife frio (2009), O som ao redor (2012), Aquarius (2016) e Bacurau (2019) desenhou em Retratos Fantasmas seu mapa sentimental do Centro do Recife, e cruzou recordações pessoais com a história de importantes cinemas de rua na capital pernambucana. Narrado em primeira pessoa, o documentário parte do apartamento, no bairro do Setúbal, onde morou com a mãe e o irmão, e que também foi locação para seus filmes, para flanar pelas ruas de um centro com ares de abandono. Nesta Entrevista, realizada no CineSesc, o diretor fala sobre o novo filme, selecionado para a mostra de melhores filmes de 2023, organizada anualmente pelo Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), sua expectativa em relação ao Oscar, a presença das plataformas de streaming e a diversidade na produção cinematográfica brasileira contemporânea.
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entrevista
Eu acredito que as coisas que você faz amadurecem no tempo certo e chegam na hora certa. Retratos Fantasmas é hoje conhecido como Retratos Fantasmas, mas eu vinha pensando, há muito tempo, num filme sobre a ideia da sala de cinema a partir da experiência histórica no Centro do Recife. Tanto é que em O som ao redor, há uma sequência no engenho, onde existe a ruína de uma sala de cinema. Em Aquarius, tem o [Cine] Moderno, que hoje é uma loja de eletrodomésticos. Ou seja, era uma ideia que já vinha sendo testada, de alguma maneira, e pensada ao longo de muitos anos. Porque eu realmente acho que o cinema, a sala de cinema, não deixa de ser uma máquina de viagem no tempo. Se você tem uma sala com 70, 80 ou 100 anos, e pensa em milhões de pessoas que já passaram por aquele lugar ao longo do século 20, isso para mim significa algo. Então, acho que esse filme vinha sendo pensado como
uma ideia de cinema, e uma ideia de imagem de cinema, porque eu realmente acredito que uma câmera consegue fotografar o tempo, e acho que a força do filme — e uma das coisas que mais me deu vontade de fazê-lo — foi exatamente essa manipulação do tempo. Às vezes, era uma manipulação tátil. Porque eu mesmo digitalizei minhas fitas e fotos. Manusear o tempo é uma das coisas que mais me deu energia para ir atrás desse filme.
Há um saudosismo dos cinemas de rua pela experiência do público de sair da realidade das ruas para adentrar um cenário de fantasia na sala escura. Quando saímos de uma sessão num cinema de rua, temos uma experiência muito diferente de quando saímos da sala de cinema de um shopping, ou quando terminamos de assistir a um filme em uma plataforma de streaming. Qual sua reflexão sobre essas distintas experiências? Eu gosto de somar experiências na vida e no trabalho. Por exemplo, fiz filmes de ficção e adoro que agora esse filme [Retratos Fantasmas] seja visto como um documentário.
Entre memórias pessoais e públicas da cidade do Recife, o cineasta Kleber Mendonça narra em primeira pessoa o documentário Retratos Fantasmas (2023), uma homenagem à sétima arte e aos cinemas de rua.
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Wilson Carneiro da Cunha
Ao longo da sua trajetória, o cinema de rua se manifesta como objeto de estudo em trabalhos como O som ao redor e Aquarius. Por que somente agora, em Retratos Fantasmas, você se dedica integralmente a essa temática?
Gosto da ideia de fotografar uma fantasia, e desafiar qualquer pessoa a dizer: “isso é mentira?”
Gosto de somar as experiências e o streaming deveria ser uma nova maneira, uma nova “torneira” para a gente ter acesso a imagens do audiovisual. O problema é que o mercado tem uma maneira muito destrutiva de apresentar um novo produto. Toda vez que o mercado apresenta um novo produto, ele quer que você jogue fora o velho. Tenho a tendência de gostar de acumular. Eu quero que os cinemas de rua continuem existindo e que eles sejam, inclusive, objeto de investimento de governos e de prefeituras, como acontece no Recife – o [Cine Teatro do] Parque é da prefeitura e o [Cinema] São Luiz é do governo de Pernambuco –, porque são salas de formação, de cultura e de educação. Múltiplas cidades mundo afora utilizam cinemas de rua como espaços de formação. O CineSesc [na capital paulista] é um espaço de formação. Isso me parece inteligente: cinemas de rua e uma rede cada vez mais fortalecida. Acho que esse deveria ser um plano de governo no Brasil como é na França: o de investir em espaços de formação de rua, espaços de convívio. Os cinemas comerciais, de shopping, particularmente, não fazem a minha cabeça, mas eu vou às vezes. É muito ruim quando a maior parte dos cinemas estão em salas de shopping, e as salas de rua, cada vez mais desprestigiadas. E quando o streaming propõe ser o maior de todos, o mais importante, aí eu não gosto. Eu gosto, sim, da ideia de meu filme entrar no streaming depois de passar pelas salas de cinema, porque essas plataformas ocupam um papel muito importante na vida das pessoas, no mundo, no Brasil. Então, é muito bom saber que Aquarius, O Som ao Redor – e Retratos Fantasmas – estão no streaming. Mas depois de percorrerem todas as salas que puderem percorrer.
Em algumas entrevistas, você já disse que filmes podem ser entretenimento, expressões artísticas, mas são, também, documentos históricos. Retratos Fantasmas talvez seja o filme que mais assume essa característica documental, inclusive, com o argumento da importância da história oral,
com a entrevista de sua mãe na primeira parte do filme. Quando essa preocupação começou a fazer parte da sua carreira como cineasta? Eu fui me dando conta disso aos poucos, em relação aos meus filmes. Talvez eu já estivesse ciente disso, mas em relação ao cinema como um todo. É um equilíbrio um tanto difícil de explicar ou de ensinar – eu acho que não dá para ensinar –, mas é um equilíbrio entre o filme ser interessante do ponto de vista de ser algo que diverte e, ao mesmo tempo, que tem um ponto de vista muito pessoal, verdadeiro e honesto sobre o que está falando. Acho que Retratos Fantasmas tem um ponto de vista muito honesto sobre o espaço urbano, sobre a cidade do Recife – ainda que seja adaptável para qualquer outra cidade. E, dos filmes que eu já fiz, acho que ele tem uma relação muito forte com Aquarius, porque Aquarius é um filme sobre arquivo. Lá tem um móvel especial, a cômoda, que também é um arquivo, é parte da história da personagem, tem as fotos que abrem o filme. Então, há uma relação muito forte entre Aquarius e Retratos Fantasmas. E eu acho que as pessoas têm captado isso de alguma maneira. Acho que tem tocado as pessoas porque todos nós temos uma história. Depende de cada família, cidade, lugar, mas todos nós temos histórias e tem muita gente que não tem imagens da sua vida, e isso é muito forte. E tem, também, muita gente com imagens da vida e que são acumuladas.
Há uma universalidade dos temas em Retratos Fantasmas, como o amor à sétima arte e a experiência do cinema de rua - o que pode ter contribuído para que o filme fosse indicado como representante do Brasil no Oscar 2024. O que essa indicação significa para o seu trabalho? Eu estou viajando com o filme fora do Brasil também, e é muito interessante porque, no final das contas, é um filme sobre cinema. É um filme sobre fazer cinema, mas também sobre a capacidade que o cinema tem de ser apresentado em lugares públicos, resultado de uma crise recente que
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veio com a pandemia e com o streaming. Dois golpes que a indústria recebeu, ou se deu, porque o streaming é fruto da própria indústria. Mas aí, como o capitalismo gosta de comer a própria mão quando está com fome, eu acho que o streaming também entrou nessa autofagia, de se alimentar de si próprio, ou seja, autodestrutivo. Então, acho que Retratos Fantasmas tem sido visto como um filme sobre o cinema e ele tem se mostrado muito prestigioso lá fora. Ele tem uma presença internacional bem grande e eu acho que eu estou pronto para seguir o filme, acompanhá-lo e trabalhar para ele, se assim o filme quiser. Eu gosto desse filme e ele tem se comunicado com as pessoas. O Oscar tem um peso muito grande, que é inegável e chama muita atenção. Mas, eu tento ficar bem tranquilo, me lembrar do filme que fiz, que recebeu elogios e demonstrações de prestígio. Acho que ainda tenho uma boa maratona até o fim do ano.
Eu gosto da ideia de fotografar uma fantasia, e desafiar qualquer pessoa a dizer: “isso é mentira?”. Recife frio, por exemplo, é um filme totalmente mentiroso, mas ele é 100% verdadeiro, porque quando eu vejo um Papai Noel no verão brasileiro, em dezembro, no engarrafamento ou num shopping, é muito engraçado. É a importação de uma cultura que não é a nossa. Será que a gente não poderia ter um Papai Noel próprio? Sei lá, a gente tem o Zé Gotinha, mas não tem o próprio Papai Noel, né? Eu sempre achei isso muito engraçado. Aí você coloca isso no filme e de repente faz sentido, mas todo mundo continua vendo Papai Noel em dezembro no Rio de Janeiro de 42 graus; em São Paulo, num daqueles dias de alta poluição, no semáforo; em Recife, claro, na praia. Esses são recortes do que ver num filme, e aí você, como cineasta, vai juntando essas ideias. Mas, é muito difícil chegar a esse conjunto de ideias. É uma das partes mais difíceis de fazer um filme. Você falou que os filmes sempre têm aspectos sociais, né? Eu vim agora andando pela rua Augusta, atravessei a Avenida Paulista e aí estava, simplesmente, lembrando que em dezembro [de 2022] levaram meu celular. Um ninja numa bicicleta levou meu celular. Isso é realidade, né? Agora, vai colocar isso no filme: “ah… você está fazendo um comentário social”. Não. Levaram meu celular, é só isso. Eu perdi meu celular, que era bem caro, foi uma chateação para cancelar tudo, e de repente essa pode ser uma cena de ação interessante num filme. Tudo pode virar material.
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Sua filmografia é atravessada por questões sociais, econômicas e históricas, pelas idiossincrasias do Brasil e, particularmente, de Pernambuco. Mesmo que seja pela ficção, o cinema age como um dispositivo que descortina a cegueira coletiva sobre temas da realidade?
Premiado em festivais nacionais e internacionais de cinema, como o Festival de Cannes, na França, que lhe rendeu o Prêmio do Júri em 2019, o longa-metragem Bacurau (2019) se passa num povoado do sertão pernambucano, onde moradores tentam reagir a uma série de assassinatos inexplicáveis.
Cinemascópio
Recentemente, o sucesso da série Cangaço novo (2023), dirigida por Fabio Mendonça e Aly Muritiba, foi apontado como fruto do sucesso de Bacurau, confirmando o interesse do público por um tipo de western que se passa no Nordeste brasileiro. Depois de quatros anos do lançamento, a que você atribui o sucesso de público de Bacurau? Em primeiro lugar, em Bacurau há uma combinação entre o Brasil, inquestionavelmente o Brasil, mas ao mesmo tempo existe alguma coisa ali do cinema universal. A gente filmou com lentes Panavision, que são as lentes do cinema de Hollywood, por exemplo, mas a locação é o sertão do Nordeste, e a lógica é do Brasil. Mas, existe também uma lógica que é do western e do thriller, meio futurista. Aquela combinação, que eu não sei até hoje como deu certo, e de que gosto muito, provocou uma reação muito forte. Eu acho que tem também a lógica
da violência no Brasil, e tudo isso as pessoas captaram. Porque uma coisa é ver essa lógica da violência no Jornal Nacional, que é muito deprimente, mas quando você vê isso reprocessado pelo cinema – e o cinema tem a capacidade de fazer uma fantasia em cima disso, e você viu anos de cinema americano, onde o americano é o dono do pedaço – tudo isso é muito interessante, até porque, surpreendentemente, os americanos se dão mal no filme.
Quanto ao mercado audiovisual, há um avanço de representatividade de cineastas do Nordeste e de outros estados fora do eixo Rio-São Paulo? Ou, como diretor, crítico de cinema e coordenador de cinema do Instituto Moreira Salles (IMS), você observa que ainda há muito espaço a ser reivindicado? Eu acho que hoje existe uma diversidade maior que vinte anos atrás. Nos anos 1990, quando eu me formei
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Eu fico com a curiosidade de desvendar, de enquadrar essa cidade, que é muito doida. São Paulo é muito louca para você tentar dar conta em uma imagem ou várias imagens.
e queria fazer cinema, ouvia de todo mundo que eu teria que vir para o eixo Rio-São Paulo. De lá para cá, houve um fortalecimento do cinema, por exemplo, em Pernambuco, no Ceará, de políticas públicas e até da própria tecnologia. Porque nos anos 1990, o cinema era filme 35mm, era laboratório, câmera, negativo, e isso não tinha no Nordeste, não tinha em Belo Horizonte (MG), em Brasília (DF). E aí, com a tecnologia e as políticas públicas, fomos empoderados, de uma certa forma, e ganhamos espaço. O som ao redor, por exemplo, e o filme de Halder Gomes, Cine Holliúdy (2012), foram frutos de cotas para diretores do Nordeste. Isso empurrou a produção. E 2019 foi um ano muito interessante, com Bacurau, A vida invisível, A febre. Houve um equilíbrio entre filmes de prestígio e filmes de mercado, como Turma da Mônica: Laços (2019), que é muito interessante. Teve a retomada pós-Collor e agora a gente está na segunda retomada. É muito curioso observar que, em termos de capacidade de se expressar artisticamente, o cinema brasileiro está mais diverso. Mas, eu observo que as séries da Netflix e da Amazon sempre vão parar nas mãos de produtoras do Sudeste. Vejo que existe uma lógica de 50 anos atrás que está sendo replicada pelos streamers. Isso é muito curioso.
Seus filmes se passam no Recife, onde você já disse ter um mapa sentimental da cidade. São Paulo também é uma capital que você
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costuma visitar frequentemente. Você faria algum longa-metragem que se passasse aqui? Eu sempre penso em fazer um filme em São Paulo ou no Rio de Janeiro (RJ), cidades onde eu não cresci, não vivi, mas eu já tenho uma relação. E por que não? O meu grande medo é fazer um “filme turístico”. Tipo: “ah… essa pessoa claramente não é daqui”. Quando você vê Vicky Cristina Barcelona (2008), de Woody Allen, tudo ali é quase língua na bochecha [expressão traduzida do inglês, tongue in cheek, usada para designar que uma declaração não deve ser considerada realista nem séria]. Filme de turista americano, mas, tudo bem, funciona. Porém, eu fico com a curiosidade de desvendar, de enquadrar essa cidade, que é muito doida. São Paulo é muito louca para você tentar dar conta em uma imagem ou várias imagens. É uma cidade muito complexa.
*Assista a trechos da entrevista com o cineasta Kleber Mendonça Filho, realizada no CineSesc.
24ª RETROSPECTIVA DO CINEMA BRASILEIRO Uma seleção de curtas e longas metragens nacionais, lançados entre novembro de 2022 e outubro de 2023.
7.12.23 – 10.1.24
Cena do filme Meu nome é Gal
CineSesc Sesc Digital
Acesse a programação em sescsp.org.br/cinesesc
afe Eva Uviedo
LUGAR DE
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turismo social
As ilustrações presentes nesta reportagem foram criadas para o projeto Paisagens Postais, em 2018, em comemoração aos 70 anos das ações do Sesc São Paulo em Turismo Social.
Iniciativas em diferentes bairros de São Paulo buscam preservar a memória local e estimular sentimento de comunidade POR MARIA JÚLIA LLEDÓ
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As lembranças da rua Cincinato Braga, 232 – hoje, um prédio – e do dia a dia no bairro jamais abandonaram um dos grandes pensadores do século 20, tanto que foram relatadas ao jornal O Estado de S. Paulo em outubro de 1985, quando Lévi-Strauss visitou a cidade. Na ocasião, observou uma paisagem urbana completamente diferente daquela que havia descrito e fotografado em Saudades de São Paulo (Companhia das Letras / Instituto Moreira Salles, 1996). Também constatou, no ensaio “Tristes Trópicos”, da série Terre humaine (Editora Plon, 1955), que a cidade de São Paulo está destinada a abraçar passado e futuro em seu curso, uma vez que se “desenvolve a
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o lado de um pé de carambola, o antropólogo francês Claude LéviStrauss (1908-2009) plantou uma bananeira no quintal da casa onde morou na Bela Vista, região central da capital paulista, na década de 1930. Na época, ele era um jovem professor na recém-criada Universidade de São Paulo (USP) e vagava por ruas onde carros e bondes conviviam com vacas e bois, enquanto lençóis nos varais das casas vizinhas acenavam para o primeiro arranha-céu da capital, o edifício Martinelli.
turismo social
tal velocidade que é impossível obter seu mapa: cada semana demandaria uma nova edição”. Assim como o antropólogo francês, moradores de diferentes regiões de São Paulo plantaram suas memórias em jardins, esquinas, casas e comércios. Recordações que, juntas, representam a identidade de uma rua, de um bairro, de uma região. A partir disso, na contramão de um crescimento urbano vertiginoso, capaz de apagar espaços que representam a memória local, multiplicam-se iniciativas que valorizam a preservação de endereços residenciais e comerciais, de parques e praças históricas. Ações que também estimulam o sentimento de pertencimento e comunidade na população.
IDENTIDADE PRESERVADA Reduto do samba na rua Horácio Lane, 21, em Pinheiros, o Ó do Borogodó é um exemplo de espaço cultural ameaçado pelo acelerado movimento de verticalização desse bairro na zona Oeste da cidade. Fato que vem provocando mobilizações, desde 2022, por parte de moradores, frequentadores e da proprietária, Stefânia Gola. Como resultado, em novembro, o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental de São Paulo (Conpresp) deu início ao processo de tombamento do espaço. Além do Ó, outras edificações vizinhas correm risco de desaparecer, segundo a ativista urbana Veronica Bilyk, que criou, em 2021, com a fotógrafa Rosanne Brancatelli, o movimento Pró-Pinheiros. Apaixonada pelo local onde vive, Bilyk já foi conselheira participativa municipal do bairro, além de presidente da Associação de Moradores e Amigos dos Predinhos de Pinheiros (Amapp). Atualmente, as ações do Pró-Pinheiros mobilizam moradores, comerciantes e simpatizantes da região pela preservação da identidade local. “Logo de início, fizemos um perfil no Instagram e fomos criando um polo de conhecimento a respeito de legislação e questões jurídicas. Realizamos manifestações e a mídia foi se interessando. Nosso objetivo é combater os excessos da verticalização, que é 27 | e
importante, mas precisa ser planejada e realizada com estudos de impacto, coisa que não acontece. Isso tudo [novas construções e demolições] está sendo feito sem preocupação ambiental, por exemplo, provocando danos aos lençóis freáticos”, pontua. O Pró-Pinheiros já colhe frutos. Recentemente, o Departamento do Patrimônio Histórico (DPH) iniciou o processo de tombamento de cerca de 600 espaços do bairro, como o Mercado de Pinheiros e a Escadaria da Bailarina. “Nós também estamos movimentando um projeto de plano de bairro, que traz o que os moradores, habitantes e comerciantes pensam para o futuro daquela localidade. Vamos pensar em lugares de comunidade, lugares de encontro, parques, bibliotecas, postos de saúde. Aliás, todo o processo de planejamento urbano, de pensamento urbano, deveria nascer dos planos de bairro”, reforça.
Criadora do projeto Ipiranga Feelings, a jornalista Bruna prefere manter o anonimato para continuar seu hobby de moradora-observadora-admiradora desse bairro na zona Sul de São Paulo que tem 439 anos de história. Um lugar “onde todos se conhecem e, com jeitinho, se acolhem”, como descreve no perfil do Instagram (@ipirangafeelings). Há sete anos, Bruna mora na “província”, apelido afetivo que ela deu ao bairro e, diariamente, pratica o exercício de olhar com atenção e afeto ao redor – um lembrete diário aos vizinhos, para que sigam apreciando, ou comecem a apreciar, cada lugar captado em imagens e textos publicados.
encantamento às amizades que fez na vizinhança. Como Dona Terezinha, “uma senhora de colar de pérolas e cabelo de nuvenzinha, que conversava com todos que vinham lhe cumprimentar na calçada”, recorda.
“Em 2016, eu criei o perfil para compartilhar as coisas que eu via, esses encantamentos. Não tinha pretensão de nada. As pessoas foram se aproximando ao perceber esse olhar. Acontece que quem está aqui, há muitos anos, também passa batido pelas coisas, tanto que comecei a receber mensagens do tipo: ‘eu moro aqui há 30 anos e nunca vi esse museu que você mostrou’. Como eu ando a pé, acho que isso também faz diferença, pois você tem outra relação com a cidade”, conta Bruna, que também atribui seu
Tanto no perfil do Instagram, quanto no site ipirangafeelings.com.br, criado em 2018, Bruna publica dicas de passeios, histórias de moradores, além de notícias sobre o comércio local, falta de energia, guia de feiras livres, e outros assuntos. “O Ipiranga Feelings fala ainda sobre patrimônio e defesa de patrimônio. Não entra na minha cabeça como esse bairro, com tantos edifícios históricos, não seja um lugar turístico na cidade”, reflete Bruna, que também se preocupa com a divulgação de serviços públicos. “Falamos
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NOSSA VIZINHANÇA
turismo social
ESTAMOS MOVIMENTANDO UM PROJETO DE PLANO DE BAIRRO, QUE TRAZ O QUE OS MORADORES, HABITANTES E COMERCIANTES PENSAM PARA O FUTURO DAQUELA LOCALIDADE Veronica Bilyk, ativista urbana cocriadora do movimento Pró-Pinheiros 29 | e
FAÇA UMA CAMINHADA, CONHEÇA SEU ENTORNO, CONHEÇA O SEU VIZINHO, SAIBA A HISTÓRIA DELE Bruna, jornalista e criadora do @ipirangafeelings
sobre a importância de aprender onde reclamar, como reclamar, com quem reclamar, sempre de forma didática. Há muitas pessoas que não sabem a quem recorrer, não sabem como funciona a cidade, o que faz uma subprefeitura e uma prefeitura”, explica. Para a jornalista enamorada pelo bairro que “tem cheiro de café passado na hora e de janta de vó”, o objetivo do perfil é que mais vizinhos reparem nas singularidades do Ipiranga. “Faça uma caminhada, conheça seu entorno, conheça o seu vizinho, saiba a história dele. O maior incentivo [do Ipiranga Feelings] é promover o bem-viver, é tentar trazer o olhar das pessoas para dentro, para o que está perto. Tem coisa melhor do que ajudar o lugar onde você mora?”, destaca.
RETRATOS DO BAIRRO Em outro ponto da cidade, na zona Leste, outra iniciativa que também tem o objetivo de mudar a percepção dos moradores sobre o próprio bairro é o perfil do Instagram e Facebook Cidade Tiradentes Lovers, criado pelo designer Wendel Gomes e pelo estudante Francisco Wildon, em 2021. Enquanto as manchetes da grande mídia se restringem a pautas sobre violência e desigualdades sociais na região, a dupla de jovens decidiu mostrar outros ângulos do lugar onde moram. “A zona Leste é um lugar malvisto até pelos próprios moradores. Então, nosso objetivo é
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mostrar outro lado, e a internet é um lugar bacana para fazer isso. Queremos mostrar o lado bom do bairro, reunir os apaixonados pelo bairro”, conta Wendel. Apesar de não se ausentar da publicação de notícias sobre acidentes de trânsito, buraco na rua, falta de luz, entre outros, a página, que funciona como uma rede comunitária, também valoriza empreendedores locais e dá dicas de lugares para se visitar no bairro, como o Parque Vila do Rodeio, a Fábrica de Cultura e o Centro de Formação Cultural. Ano passado, o Cidade Tiradentes Lovers também realizou um concurso de fotografia para os moradores exercitarem outro olhar para a região. “A gente faz entrevistas com os moradores como, por exemplo, um rapaz que dança break, e tira foto de espaços do bairro, como de um projeto que ensina as famílias a andarem de patins. Entrevistamos um pessoal que estava ‘escondido’ e que ninguém sabia. Porque Cidade Tiradentes é um bairro populoso [mais de 250 mil habitantes], então tem muita coisa desconhecida pelos próprios moradores, e a gente procura mostrar que é legal viver ali”, explica Gomes.
VAMOS FLANAR? Fotógrafo autodidata, André Gomes já percorreu a pé todas as regiões da cidade de São Paulo. No começo, saía sem destino, como a figura do flâneur descrita pelo poeta francês Charles Baudelaire (1821-1867), esse alguém que percorre as ruas sem objetivo aparente, mas atento à história dos lugares por onde passa. Assim, “acabei descobrindo uma cidade que não está nos livros técnicos ou didáticos, então aprendi muito nessa jornada”, conta Gomes. Há sete anos, ele conciliou a fotografia com a formação em arquitetura e urbanismo, o que ampliou seu foco para edificações históricas registradas, principalmente, no Centro, como o Theatro Municipal de São Paulo e outros ícones da arquitetura. Quando as restrições impostas pela pandemia o fizeram deixar de lado a câmera, sua esposa lhe sugeriu que voltasse a fotografar, dessa vez registrando as casinhas pelas quais passava todos os dias na Mooca, zona Leste da cidade. Depois de fotografar dez casas na rua onde morava e publicá-las em seu perfil do Instagram, André se surpreendeu com a repercussão. “Comecei a entender que, além da fotografia, aquilo ali trazia um 31 | e
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sentimento para as pessoas, uma certa nostalgia, o resgate de uma memória de infância, da arquitetura da cidade de São Paulo de uma outra época. Não era só, e simplesmente, uma cena congelada. Aquelas imagens se desdobravam nesses outros sentimentos”, observou. De lá para cá, além da Mooca, o fotógrafo e arquiteto voltou a flanar por bairros de todas as regiões – como Santana, Penha, Barra Funda e Saúde –, agora em busca não só de casinhas, mas de pequenos prédios e até mesmo de comércios cuja arquitetura permanece suspensa no tempo.
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André defende que um dos objetivos desses registros é aguçar seu olhar pela cidade e, consequentemente,
das pessoas que acompanham seu trabalho. Para ele, “reparar essas edificações que estão ‘perdidas’ no meio de tanto arranha-céu é, de certa forma, fazer um resgate da memória da cidade e de outra época”. Por isso, hoje ele celebra o fato de que outras pessoas inspiradas pelo seu perfil no Instagram (@andredvco) começaram a registrar prédios históricos dos bairros nas cidades onde moram. “Por mais que essas casinhas venham desaparecendo por questões imobiliárias, sociais e culturais, essa é uma caminhada que não tem fim. Manter essas casas também significa manter a história da cidade, da arquitetura, das famílias e, principalmente, a identidade de um bairro”, conclui.
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para ver no sesc / turismo social
CONSTRUIR MEMÓRIAS A partir de atividades em diferentes territórios, Turismo Social do Sesc São Paulo desperta consciência dos viajantes e valorização da história local
na região central da capital paulista, para reconhecimento de antigos quilombos, espaços de samba, terreiros e hortas. Com Romilda Almeida Correia, Fernando Penteado, Egbome Jennifer de Xangô e Michel Françoso, moradores da região. Dia 9/12. Sábado, das 10h às 15h. GRÁTIS.
CARMO
Conhecendo o território: Capela dos Aflitos Por meio de seu Programa de Turismo Social, o Sesc São Paulo convida seu público a despertar a consciência histórica, socioambiental e comunitária, seja quando em contato com diferentes locais, ao viajar, seja em sua própria cidade. Criado há 75 anos, o Programa visa democratizar o acesso às práticas turísticas, promover a educação pelo e para o turismo, ampliar a cultura de viagem e o protagonismo dos participantes, bem como valorizar e reconhecer os territórios como ambientes educadores e de convivência. “Quando pensamos em viagem, geralmente pensamos no longe, no fora da própria cidade, mas o que pode uma experiência de (re) conhecer a própria cidade que habitamos?”, questiona Fernanda Vargas, técnica de Turismo Social na Gerência de Educação para Sustentabilidade e Cidadania do Sesc São Paulo. Segundo a especialista, “cada vez mais temos grupos que tensionam modos tradicionais de contar a cidade, reivindicando o reconhecimento de patrimônios culturais, memórias
e histórias de pessoas, grupos e populações não contemplados nas narrativas oficiais. Afinal, se a cidade é produção de múltiplos e diversos grupos sociais, os modos de recontá-la são inúmeros”, defende Vargas. Dessa forma, as ações realizadas permanentemente pela instituição – passeios, excursões, oficinas, bate-papos e atividades online – buscam desenvolver processos voltados ao contato com o outro, o respeito à diversidade e pelos territórios, colaborando, assim, para a consolidação de cadeias econômicas éticas e sustentáveis no setor. Conheça alguns destaques da programação do Sesc São Paulo na área de Turismo Social, em dezembro:
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Pelos caminhos de Oxum, águas do Bixiga Caminhada pelos cursos d'água e várzeas do bairro do Bixiga,
Visita à Capela Nossa Senhora dos Aflitos, cuja trajetória demarca uma história ancestral negra e indígena no Centro de São Paulo, além de uma performance da Tapijás Cia. de Teatro sobre a história de Chaguinhas, importante personagem local. Após a visita, bate-papo sobre o bairro da Liberdade, Cemitério dos Aflitos e a história negra e indígena da região Dia 5/12. Terça, das 14h30 às 16h. GRÁTIS.
GUARULHOS
Revelando Guarulhos Lugares de memórias pretas na cidade Conheça espaços de Guarulhos que possuem memórias da presença preta na cidade. O objetivo do passeio é possibilitar que os participantes enxerguem os locais visitados sob outra perspectiva histórica e reflitam sobre o apagamento das memórias das pessoas pretas que construíram a cidade. Dia 10/12. Domingo, das 9h às 13h. GRÁTIS. 33 | e
TRAVESSIAS
de um caminhante A incansável jornada que fez de Danilo Santos de Miranda um dos alicerces da cultura no país POR MANUELA FERREIRA COLABOROU: ADRIANA REIS PAULICS
Com aquela mudança de rota, Miranda também predeterminou a estrada que trilharia dali em diante. Tinha 25 anos e trabalhava como professor quando leu no jornal sobre a abertura do processo de seleção para o Serviço Social do Comércio de São Paulo.
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Começava, assim, uma outra travessia, duradoura, firme, grandiosa e inestimável. Foram 55 anos de dedicação ao Sesc, sendo quatro décadas como diretor regional da instituição. Uma caminhada que primou pela defesa da cultura e da educação como elementos vitais para o desenvolvimento humano, que inseriu a diversidade como o cerne da promoção da cidadania e do bem-estar dos indivíduos, e que mudaria os paradigmas sobre políticas públicas de incentivo à cultura no Brasil. “Danilo tinha, desde a juventude, o desejo de olhar o todo, a perfeição como valor, como seu ideal, e trazia consigo a filosofia de que ninguém se salva sozinho”, revela o professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Fernando José de Almeida. Os laços de amizade, iniciados na infância, permitiram a Almeida testemunhar, de perto, o caminhar do amigo-irmão de toda a vida. Os sólidos pilares humanistas, o grande apreço pelos pensadores clássicos, a paixão pelo teatro, o gosto reservado ao futebol e o amor à família estavam na essência daquele caminhante. “Seu êxito como gestor se deu, muitíssimo, ao brilhantismo das equipes que ele conseguiu formar ao longo desse período. Ele queria terminar sua trajetória no Sesc. E, até o fim, seguia pensando no futuro”, recorda Almeida.
Ilustração: Bruno Corrente
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uando ainda era um jovem seminarista, o filósofo e sociólogo Danilo Santos de Miranda (1943-2023) viveu uma experiência reveladora, que trouxe solidez aos seus passos e maior clareza frente ao propósito de compreender o seu entorno. No período das chamadas “provações” do noviciado na Companhia de Jesus, entre estudos, práticas espirituais e serviços à comunidade, ele realizou uma peregrinação, momento obrigatório para os candidatos ao sacerdócio. A jornada foi solitária: após longas horas a pé, atravessando cidades, no interior de São Paulo, fazia intervalos para pedir água, comida ou um abrigo para o descanso noturno. Estas eram formas de experimentar, na prática, o conceito cristão de “confiança na Providência". Andando do nascer ao pôr do sol, ele pôde refletir sobre sua real vocação. No final do percurso, já não era o mesmo, e a renúncia ao seminário veio pouco tempo depois, assim que concluiu sua formação em filosofia.
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Danilo Santos de Miranda dedicou 55 anos ao Sesc São Paulo, onde primou pela defesa da cultura e da educação ao longo de quatro décadas como diretor regional da instituição.
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Acervo Sesc Memórias
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Junto ao presidente do Conselho Regional do Sesc no Estado de São Paulo, e da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo, Abram Szajman, na ocasião dos 50 anos da FecomercioSP.
ACOLHIDA PERMANENTE Ao iniciar seu itinerário no Sesc, Miranda estava acompanhado pelo sociólogo e economista Luiz Galina. Ambos ingressaram no mesmo processo seletivo e começaram a trabalhar na instituição na mesma data: 1º de novembro de 1968. Atuaram juntos, naquele início, como orientadores sociais no programa das Unidades Móveis de Orientação Social (Unimos), um amplo trabalho de intervenção na capital e nas comunidades do interior paulista, principalmente nas cidades que não dispunham de unidades do Sesc. Nas décadas seguintes, Miranda e Galina formaram uma bem-sucedida parceria, com o economista ocupando as funções de gerente de finanças, superintendente da área administrativa e consultor técnico da diretoria da entidade. No dia 9 de novembro, Luiz Galina foi nomeado o novo diretor do Sesc São Paulo.
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“Danilo sempre teve um olhar de cuidado com as equipes, com as pessoas. E isso culminou durante a pandemia”, reflete, enaltecendo aquela que é considerada por todos uma das características mais singulares de Miranda: a atenção que reservava às pessoas na prática cotidiana. “Ele tinha uma visão generosa, baseada na confiança e na lealdade. Quem trabalhava com ele se sentia encorajado a experimentar”, recorda Galina. “A agenda de um diretor regional é muito intensa, são muitas responsabilidades, muitas decisões. Mas, quando eu vinha conversar, ele tinha todo o tempo do mundo para me ouvir”, completa. É o respeito ao outro que permeia, também, as lembranças daqueles que compartilhavam a rotina de trabalho com Miranda na sede administrativa do Sesc, no bairro do Belenzinho, na zona Leste da capital paulista. Em entrevista ao Guia brasileiro de produção
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cultural, publicado pelas Edições Sesc São Paulo em 2022, Danilo Santos de Miranda refletiu sobre os valores que norteavam sua atuação pública – e que eram, também, a tradução de seu modo de transitar no mundo. “Os bens materiais sozinhos não fazem a felicidade de ninguém, embora grande parte, senão a maioria da humanidade, imagine que seja assim. Parece que o caráter humanizador da sociedade ficou relegado, mas o que nos torna humanos de fato, o que nos torna diferentes dos outros seres que habitam este planeta, é a cultura, a arte, o conhecimento e a capacidade de, através da análise e percepção das coisas, transformar a realidade e, assim, tornar a vida das pessoas melhor”, disse Miranda.
APLAUDIR E AGRADECER
Pai de Talita (à esquerda) e Camila Miranda (abaixo), casado com a assistente social Cleo Regina (à direita).
Nas palavras de despedida dos amigos da classe artística, com a qual Miranda andou sempre lado a lado, o tom é de reverência e gratidão. Inúmeras expressões de afeto vieram na hora da partida – de perto e de longe. “Mas e o Danilo, e nós? Como faremos sem seu olhar? A particularidade daquele olhar, isso perdemos para sempre, o que é muito grave. E a qualidade do abraço? Abraço que dava suporte às nossas angústias perenes”, escreveu a atriz e diretora teatral Bia Lessa, em homenagem publicada no jornal Folha de S. Paulo. Em sua visão, Miranda “moveu o mundo com serenidade e sem armas de fogo”. pontuou a encenadora.
Matheus José Maria
Ariane Mnouchkine foi outro grande nome das artes cênicas que lamentou a ausência de Miranda. Para a intelectual francesa, fundadora e diretora, desde 1964, do Théâtre du Soleil, a ausência de Danilo é uma perda enorme. "É como uma arvore imensa que acabou de ser arrancada e que deixa uma cratera escancarada na nossa floresta. A floresta dos artistas, dos educadores, dos trabalhadores sociais, de todos aqueles que sob seu estandarte trabalhavam a fazer recuar as ignorâncias, as patologias, os racismos, os obscurantismos e a fazer crescer os sentimentos humanos", escreveu Mnouchkine em depoimento de despedida ao amigo. Já a cantora e compositora Maria Bethânia definiu Miranda como “um dos maiores incentivadores, se não o maior, da arte brasileira e da cultura nacional”. “Chora o Teatro, chora a Música, chora a Arte brasileira. Todas as reverências a esse grande homem. Todas as palmas para essa figura ímpar na cultura deste país”, registrou a artista em seu perfil no Instagram. O antropólogo e filósofo francês Edgar Morin, com quem compartilhava
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a busca pela construção de uma política de civilização capaz de renovar o humanismo, também manifestou o afeto pelo amigo de longa data. Por intermédio da socióloga Sabah Abouessalam-Morin, sua esposa, o francês expressou a profunda gratidão pela influência de Miranda na difusão de sua obra no Brasil. Em editorial, o jornal O Estado de S. Paulo sintetizou o papel de Miranda na estruturação de espaços plurais para a ação cultural – e como mantenedor sério de um patrimônio que ficará para sempre. “Ele teve a sensibilidade e a inteligência de perceber, desde muito cedo, que a construção de um país democrático, justo e desenvolvido está umbilicalmente ligada ao desenvolvimento individual de seus cidadãos por meio da educação e da cultura. Muito mais do que somente centros culturais, Danilo expandiu as unidades do Sesc São Paulo como verdadeiros centros cívicos, espaços de cidadania e de convivência, nos quais os paulistas puderam encontrar de tudo, com a mais alta qualidade, para adquirir conhecimento, fruir a arte em suas múltiplas manifestações e se capacitar cada vez mais para a vida em sociedade”.
OLHAR ALÉM Pai de Camila e Talita Miranda, casado com a assistente social Cleo Regina e avô de quatro netos, Danilo Santos de Miranda recebeu diversos reconhecimentos e honrarias em sua jornada, enquanto figura pública – a exemplo da medalha de Ordem do Mérito Cultural, do governo brasileiro, e a Ordem do Infante Dom Henrique, condecoração da presidência de Portugal. Para Talita Miranda, entretanto, a percepção da dimensão do trabalho do pai ficou evidente somente em 2003, na comemoração dos 60 anos do gestor. Na ocasião, retornando ao Brasil depois de anos vivendo nos Estados Unidos, ela se surpreendeu com a quantidade de amigos na solenidade – seja pelos nomes famosos, como do músico Paulo Moura (1932-2010) e da atriz Eva Wilma (1933-2021), seja pelos inúmeros colegas de trabalho que abraçavam seu pai. “O sociólogo, o pensador e o humanista são inerentes ao pai; ele não foi outra figura dentro de casa. Vejo meu pai como uma árvore, que criou raízes profundas e que, agora, está se ramificando”, descreve Talita. Ao celebrar oito décadas de vida, em abril deste ano, Miranda disse, em entrevista à Revista E: “Eu, pessoalmente, tenho o privilégio e a responsabilidade de atuar no nível pessoal e de colaborar no nível institucional para, quem sabe,
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Acervo Sesc Memórias
Ao lado do rei do futebol Pelé, no Sesc Pompeia, no lançamento do Dia do Desafio, em 1995.
Matheus José Maria
bio
alcançarmos um futuro menos desigual”. De valores bem definidos, e ético, transmitiu às filhas fundamentos nos quais o humano se sobrepunha ao material.
Vieira Junior. Obras de Valter Hugo Mãe, Nélida Piñon (1937-2022), João Guimarães Rosa (1908-1967) e João Pinto Coelho estavam na lista de futuras leituras.
“Das idas, nos tempos de criança, ao Sesc Bertioga, no litoral paulista, ficaram as lembranças das árvores que nossa família plantou na área de vegetação densa que circunda a unidade”, recorda Talita. De tempos recentes, ela lembra as últimas leituras de um devoto dos livros: Escravidão (2019-2022), de Laurentino Gomes; Exercícios de Perplexidade (2023) de Mauro Maldonato, Antologia Poética (1962), de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), e Torto Arado (2019), de Itamar
A Serra da Bocaina, na divisa de São Paulo com Rio de Janeiro, seu estado natal, era o refúgio onde Miranda encontrava serenidade e descanso do trabalho. Um destino que o inspirava, segundo Talita. No silêncio do terreno cercado de verde, na vastidão da natureza de beleza ímpar, Miranda construiu uma casa no topo de montanha, para onde peregrinava nas férias, cercado de afetos. Um breve respiro para quem, sem nunca parar de caminhar, pavimentou estradas, construindo seu próprio caminho.
Apaixonado pela literatura, Danilo Miranda fez da sua vida os versos do poeta espanhol Antonio Machado: "Caminante, no hay camino/ se hace camino al andar" (Caminhante, não há caminho/ o caminho se faz no andar)
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Filósofo e sociólogo, Danilo Santos de Miranda dedicou sua trajetória a promover a arte e a cultura numa perspectiva humanista, educativa e democrática POR ADRIANA REIS PAULICS
Diretor do Sesc São Paulo desde 1984, Danilo Santos de Miranda em visita ao Sesc Belenzinho.
Fernanda Procópio
UMA VIDA
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EXTRAORDINÁRIA
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le viveu 80 anos e construiu um sólido legado como gestor cultural. Diretor do Sesc São Paulo desde 1984, Danilo Santos de Miranda (1943-2023) promoveu a arte e a cultura como elementos fundamentais para a cidadania e o bem-estar social e, portanto, com o dever de serem sempre acessíveis ao público. Em quatro décadas à frente da instituição, trouxe ao Sesc nomes importantes das artes e do pensamento crítico, possibilitando que os frequentadores das unidades se aproximassem e se apropriassem da produção cultural contemporânea do país e também do exterior. “A arte é indispensável para que possamos avançar e nos faz ainda mais humanos e capazes de sentir e perceber a realidade a nossa volta”, dizia.
E
pensamento do “professor”, como era chamado, trouxe novos significados para a cultura e tornou-se referência na valorização da pluralidade de saberes e expressões, tendo a diversidade como valor a ser celebrado.
As contribuições de Danilo receberam reconhecimento amplo, inclusive em âmbito internacional. Ao considerar a essencialidade da arte para a formação humana, o
Parafraseando Danilo em uma de suas palavras recorrentes ao se deixar encantar pelas artes: foram oito décadas de uma vida “extraordinária”.
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A seguir, estão reunidas algumas das reflexões que dão a dimensão humanista e plural que são marco do trabalho de Danilo, acompanhadas por fotos que constroem a narrativa visual sobre essa trajetória. Os trechos de depoimentos foram extraídos de entrevistas publicadas pelo Guia brasileiro de produção cultural: ações e reflexões (Edições Sesc São Paulo, 2022) e da entrevista que Danilo concedeu à edição de abril de 2023 da Revista E, por ocasião de seu aniversário de 80 anos.
Fotos: Matheus José Maria
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Ao lado da atriz Fernanda Montenegro (foto acima), e junto, também, da atriz e cantora Zezé Motta, do escritor Ignácio de Loyola Brandão e da bailarina Marika Gidali, na abertura da atividade Trabalho Social com Pessoas Idosas - 60 anos, realizada no Sesc Pinheiros, em setembro de 2023.
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Fotos: Matheus José Maria
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Premiado, em fevereiro de 2017, pelo Prêmio Cidadão São Paulo, na categoria Cultura (foto acima): reconhecimento de seu trabalho no Sesc, fundamental para o acesso democrático da população a atividades culturais, esportivas e educativas. Com os atores Celso Frateschi, Alexandre Borges, Pascoal da Conceição e outros artistas no Ato em Defesa do Sesc e do Senac, em frente ao Theatro Municipal de São Paulo, em maio de 2023.
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Evelson de Freitas
Junto ao músico André Abujamra na abertura da exposição Rigor e caos - Antônio Abujamra, no Sesc Ipiranga, em novembro de 2018.
LONGEVIDADE Do ponto de vista do acúmulo da experiência, me considero privilegiado. Tive uma infância muito ativa e feliz, uma formação razoavelmente sólida, e uma vida profissional também bastante variada. Minha vida foi sempre divertida. Tive momentos muito efusivos e tive, como todo mundo, momentos intensos e problemáticos, além de ter enfrentado dificuldades em função das minhas opções. E eu, sobretudo, acredito no futuro – pessoal, coletivo – e me coloco como alguém que, dentro do meu pedaço, batalho por um mundo melhor.
PENSAR
Ao lado do fotógrafo Sebastião Salgado, na abertura da exposição Gold – Mina de Ouro Serra Pelada, no Sesc Avenida Paulista, em julho de 2019.
Alexandre Nunis
O que noto, muito gravemente, é que falta pensamento no mundo hoje. Com frequência, as coisas são feitas de maneira superficial ou instintiva, não refletem a verdadeira vocação do ser humano, que é refletir, pensar nas coisas, pensar na vida. Acredito que a pandemia até ajudou nesse freio de arrumação para podermos pensar com um pouco mais de seriedade nas coisas e na indispensável necessidade de aprofundar, estudar, analisar para tomar decisões, para ver o que é melhor para todos. A solidariedade está um pouco embutida nisso também.
Adauto Perin (Marina Abramovic); Paulo Preto (Ariane Mnouchkine); Evelson de Freitas (Bob Wilson)
De cima para baixo: Com a artista Marina Abramovic na abertura da exposição Terra Comunal – Marina Abramović + MAI no Sesc Pompeia, em março de 2015. Na coletiva de imprensa com Ariane Mnouchkine sobre a montagem Os Náufragos da Louca Esperança (Auroras), do Théâtre du Soleil (França), no Sesc Belenzinho, em 2011. Com o encenador Bob Wilson na estreia do espetáculo teatral Garrincha: Uma ópera das ruas, no Sesc Pinheiros, em abril de 2016.
SENTIDO A arte é indispensável para que possamos avançar e nos faz ainda mais humanos e capazes de sentir e perceber a realidade à nossa volta. Os artistas têm essa característica de ser alguém que vislumbra, que imagina, que está além do tempo, que inventa, que força, que cria a beleza, mas cria também a dúvida, a indagação e coloca um ponto de interrogação na cabeça das pessoas ao mesmo tempo em que cria a beleza na música, no teatro, na dança, nas artes visuais, na literatura, no cinema. Sem isso, o humano perde o sentido. Somos iguais aos outros seres e participamos da vida sobre a terra da mesma forma que todos, mas somente a arte nos torna mais humanos e mais capazes.
EDUCAÇÃO Somos [Sesc] uma instituição educacional que atua na educação não formal. A cultura – por meio de temas, modos de fazer, levantamento de pontos de vista positivos e negativos a respeito de qualquer situação – faz parte de um processo educacional. A educação formal é parte do processo cultural, e a educação informal é permanente. Estamos sendo educados desde o momento do primeiro choro, no colo da mãe, do reconhecimento da voz... Por quê? Porque se transmite, assim, um modo de fazer ou de ser – e isso difere de uma cultura para outra. Temos, na vida, um tempo da educação formal, organizada por intermédio da escola, mas, depois dela, permanece – ou deveria permanecer – a perspectiva da informação e do conhecimento.
Alexandre Nunis
Lado a lado do amigo, o filósofo Edgar Morin, durante o lançamento da coleção Diários de Edgar Morin (Edições Sesc São Paulo, 2012), no Sesc Pompeia, em 2012.
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Tenho sempre uma atenção especial pelo teatro pelo seguinte fato: o teatro consegue falar o que ninguém fala, consegue botar o dedo na ferida em que ninguém tem coragem de pôr, em todos os sentidos, até provocando coisas aparentemente absurdas, que não têm senso, não têm sentido nenhum e, no entanto, provocam. O teatro é rico. Essa troca fantástica que a gente consegue fazer, levar e trazer, para mim, é o
Adriana Vichi (Antunes Filho); Alf Ribeiro (Laura Cardoso)
TEATRO grande segredo da ação cultural séria e bem feita. E uma peça, por mais que seja montada milhares de vezes, não é a mesma nunca, é sempre própria daquele momento, porque cada pessoa que está ali, que está assistindo, tem uma história, uma vida e, por isso, a troca é diferente a cada vez. (...) O teatro tem uma missão extraordinária de poder fazer essa provocação de maneira bastante sólida, e as outras linguagens também, óbvio.
No Sesc Consolação (foto acima), em abril de 2007, com o diretor Antunes Filho em coletiva de imprensa sobre parceria da TV Cultura e do Sesc São Paulo em projeto experimental de teledramaturgia. No CineSesc, junto à atriz Laura Cardoso, na abertura do Festival Sesc Melhores Filmes de 2014.
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Matheus José Maria
Acompanhado pelo diretor José Celso Martinez Corrêa e pelo ator Lima Duarte no lançamento do livro Fernanda Montenegro – Itinerário fotobiográfico (Edições Sesc São Paulo, 2018) no Teatro Anchieta, Sesc Consolação, em agosto de 2018.
PROVOCAÇÕES A cultura tem um papel central para as pessoas perceberem onde estão e o que têm que fazer. Diria o seguinte: pensem sempre neste país, pensem no Brasil, pensem que a cultura tem um papel central para mudar isso que está aí. A cultura não é um complemento, não é simplesmente algo que vai trazer alegria, diversão e entretenimento. Vai além. Se não provocar o pensamento, a cultura não realiza sua missão. Edgar Morin é quem diz: “A cultura que não provoca não é cultura”. É indispensável melhorar esse país, então provoquem. Pensem no Brasil e provoquem, em todas as linguagens. Temos gente admirável em todos os campos.
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DIVERSIDADE
Piu Dip
Ladeado pelos músicos Caetano Veloso e Gilberto Gil, então Ministro da Cultura, na comemoração aos 60 anos do Sesc São Paulo, em 2006, no Sesc Pinheiros.
Temos uma capacidade enorme de produzir no campo da música, temos uma variedade imensa nesse nosso país-continente, com gente de todo tipo, formação de todo tipo. A multiculturalidade brasileira, um fenômeno também bastante trabalhado, é um fato muito especial com essas influências todas: as originárias, dos indígenas, negros, brancos e europeus, mais os que vieram depois, nessa variedade imensa de gente que está chegando e deve ser bem recebida. O grande papel que aqueles que pensam na cultura têm que ter é com relação ao país, com a realidade brasileira, e, para isso, a gente tem que trabalhar, resistir, batalhar muito e provocar muito também.
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Cumprimentando o cantor e compositor Criolo na pré-estreia da unidade do Sesc Guarulhos, em maio de 2019.
Matheus José Maria
FUTURO O Brasil tem condições de melhorar as coisas para o futuro, mas tudo isso envolve política, sim, envolve economia, sim, mas envolve, sobretudo, a cultura e o convencimento a respeito de quem nós somos. E que papel temos nós – os brasileiros comuns – nisso? Temos que colaborar no nosso nível, na nossa atividade, no nosso dia a dia. Eu, pessoalmente, tenho o privilégio e a responsabilidade de atuar no nível pessoal e de colaborar no nível institucional para, quem sabe, alcançarmos um futuro menos desigual. 53 | e
a casa que
HABITAMOS Se por um lado cresce o número de pessoas em situação de rua no país, por outro espalham-se iniciativas para garantir dignidade e autonomia a essa população POR KARLA DUNDER
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oradia é um direito humano. No entanto, estima-se que hoje, no Brasil, mais de 236 mil pessoas não tenham um lugar para morar e estejam em situação de rua. É o que mostram dados de um relatório divulgado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, publicado em setembro deste ano. Somente na cidade de São Paulo (SP), esse número ultrapassa 53 mil pessoas. “Estamos falando de uma questão social, presente em quase todo o mundo e, no caso de São Paulo, com uma taxa de crescimento maior que a da população da cidade”, explica Silvia Maria Schor, professora da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e pesquisadora da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Mesmo países ricos, como os Estados Unidos, não escapam dessa triste estatística e contabilizam
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um grande contingente sem lar. Segundo Schor, em uma noite de fevereiro de 2023, o governo estadunidense contou 580 mil pessoas dormindo nas ruas do país. Coordenador do Movimento Nacional População de Rua (MNPR), Darcy Costa aponta que a pandemia deixou muitas pessoas sem renda e, portanto, sem possibilidade de pagar aluguel, o que levou muita gente para as ruas. Para o dirigente do MNPR, que é ex-morador de rua, quando falamos sobre esta realidade, estamos falando de pessoas, em sua maioria, entre 30 e 50 anos, homens pretos e pardos. “Uma população que sofre com racismo, exclusão, marginalização e que é criminalizada com a política de combate às drogas.” Costa observa que esse cenário só vai mudar com políticas públicas efetivas de moradia e de trabalho. Trata-se de uma situação complexa e que se arrasta por décadas, principalmente nas grandes cidades.
Encontrar uma solução deveria ser desejo de toda a sociedade, mas saber os caminhos para a mudança nem sempre é simples. Há, porém, um número também crescente de iniciativas individuais e coletivas no sentido de se aproximar das pessoas em situação de rua, compreender de perto suas necessidades e se mobilizar na busca do resgate da dignidade e da autonomia dessa população, seja no campo assistencial, na valorização social e também no acesso às artes e à cultura.
COMIDA NO PRATO Padre Júlio Lancellotti é referência na luta pelos direitos humanos, pedagogo e coordenador da Pastoral do Povo de Rua de São Paulo. Já trabalhou com adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas e crianças com HIV. Há 40 anos, ele serve café da manhã e distribui
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roupas para os “irmãos da rua” que vão à paróquia São Miguel Arcanjo, no bairro da Mooca, zona Leste da capital paulista. Foi o padre Júlio que popularizou o termo “aporofobia”, um neologismo originado da junção das palavras gregas poros [pobres] + fobos [medo], e que representa aversão ou rejeição aos mais pobres.
João Leoci
“Eu aprendi uma senha para conviver com os irmãos de rua: o olhar. Você tem que conseguir captar o olhar… ler o que os olhos deles estão dizendo”, afirmou em entrevista à revista Mais60, em janeiro de 2022. Padre Júlio reforça que a população em situação
de rua é muito heterogênea. “Então, na rua, tem tudo o que tem na sociedade”, explicou. Em suas redes sociais, ele também denuncia a “arquitetura antipobreza” na cidade de São Paulo. Intervenções hostis que têm como objetivo impedir que a população de rua descanse ou durma em espaços públicos. Pedras, grades, cacos de vidro e até espetos de ferro são instalados para evitar a presença e a permanência dos mais pobres no local. Em agosto passado, padre Júlio Lancellotti participou do Festival Cultura e Pop Rua – População em
Situação de Rua e Direito à Cultura, idealizado pelo Museu da Língua Portuguesa e pelo Sesc São Paulo, uma correalização da Prefeitura da Cidade de São Paulo. A proposta do festival foi a de ser um espaço para a visibilidade da população em situação de rua e um chamado para as instituições culturais compartilharem experiências e imaginarem estratégias de ação cultural que possam se somar e melhorar a vida das pessoas e das cidades. Também participaram da programação representantes de movimentos que promovem a inclusão social por meio da arte, como o Pagode na Lata e a Cia. Mungunzá de Teatro.
Presente no Carnaval de São Paulo, o Blocolândia (bloco da Cracolândia) é uma articulação de trabalhadores, usuários e ativistas do Centro da cidade: a festividade propõe a reinserção social por meio da cultura e do lazer.
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NA CADÊNCIA DO SAMBA Com o intuito de aproveitar o potencial da música, mais especificamente do samba e do pagode, foi criado, em 2017, o Pagode na Lata. O grupo usa a música para reduzir danos e gerar renda para a população de rua e dependentes químicos no território da Luz, região central de São Paulo. “O samba e o pagode são caminhos para estabelecer vínculos com as pessoas da região e o melhor insumo para a redução de danos, para dar encaminhamento e cuidar. Quando estamos juntos no Pagode, eles não estão usando
drogas, e o cachimbo vira baqueta no tamborim”, descreve o sociólogo Marcos Maia, que trabalhou por dois anos com redução de danos no programa Braços Abertos e já foi gerente de um hotel social. No início, o ponto de encontro do grupo era na região conhecida como Cracolândia. “Um dia, estávamos indo nos encontrar quando uma pessoa saiu correndo atrás de nós; era a Nice. Ela ofereceu o bar para que pudéssemos tocar lá”, recorda Maia. O Pagode na Lata, como explica o sociólogo, organiza a vida das pessoas, porque é um trabalho: “tem ensaio, reunião, tudo com hora marcada – isso é organizador”.
O território onde o projeto é realizado abrange os bairros da Luz, Santa Ifigênia e Bom Retiro e possui equipamentos culturais que passaram a abrir espaço para as pessoas em situação de rua. O Pagode na Lata, por exemplo, já se apresentou no Museu da Língua Portuguesa e no Sesc Bom Retiro. O valor do cachê recebido é dividido igualmente entre os músicos. Foi em uma dessas apresentações que Jurandir, um dos integrantes do grupo, e que vive há 30 anos na região, decidiu usar o dinheiro para comprar um pandeiro. “Ele pensou na música, e não em comprar drogas”, relembra Maia.
Sede da iniciativa Birico, no Centro de São Paulo: uma das mais antigas desenvolvidas na região e que busca formas de inserção da população de rua como a criação do jornal Trecheiro.
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João Leonci
direitos humanos
direitos humanos
E foi na primeira apresentação do Pagode na Lata, na Pinacoteca do Estado, que Jurandir se emocionou. “Por um ano, ele viveu na calçada em frente ao museu e, com os olhos marejados, disse que nunca imaginou que um dia entraria em um lugar como aquele. ‘Entrei, toquei e fui ovacionado’”, relembra Maia.
TEATRO PARA TODOS Realizar um trabalho artístico sem perder a conexão com o compromisso social e político. Essa foi a motivação de um grupo de jovens atores na criação, em 2017, do Teatro de Contêiner Mungunzá, localizado no bairro Santa Efigênia, região central de São Paulo. “O teatro está em um território de grande vulnerabilidade social e não tem como se ausentar dos conflitos, assim todas as ações artísticas estão relacionadas aos direitos humanos, ao lazer e à convivência”, explica Marcos Felipe, artista da Cia. Mungunzá, companhia teatral responsável pela gestão do espaço e uma das que ocupam o local. “Recebemos as pessoas que não são aceitas em muitos equipamentos culturais da região, e posso dizer que o Teatro de Contêiner é o principal espaço sociocultural de direitos humanos dali”, destaca. Além de manter o espaço físico, a Cia. Mungunzá constrói seu trabalho artístico baseado em um repertório atravessado pelas questões sociais no entorno da Luz. “Nosso trabalho é pensado como insumo artístico de redução de danos. Naquele momento em que a pessoa está ali no teatro, ela sai do consumo abusivo das drogas para ver a peça ou atuar”, conta Felipe. O grupo tem até o Blocolândia – bloco de carnaval
da Cracolândia –, coordenado pelos agentes e o mais “careta” do Carnaval: “enquanto o bloco passa, estão apenas aproveitando aquele momento”, descreve o artista.
PRIMEIRO, A CASA É também na região central de São Paulo que funciona o Birico Artes, coletivo de artistas de diferentes linguagens e de realidades socioeconômicas distintas: enquanto alguns de seus integrantes vivem nas ruas da Cracolândia, outros têm um lar estabelecido. O trabalho começou durante a pandemia, segundo explica Daniel Mello, integrante dos coletivos Birico e Craco Resiste, quando todo o comércio fechou as portas e alguns serviços da prefeitura foram suspensos. “Ficamos preocupados, porque são pessoas que dependem de doação de marmitas e água." O grupo decidiu vender impressões e pôsteres de obras feitas por artistas que vivem nas ruas e os recursos arrecadados são divididos entre os artistas e um fundo de ajuda, que permite, por exemplo, o pagamento de aluguel. “Seguimos o conceito de housing first: a partir de uma moradia, as pessoas conseguem se organizar”, explica Mello. O Birico atua na área assistencial, ao pagar quartos de hotéis no próprio território e, também, na geração de renda. As obras do coletivo já foram expostas em diferentes espaços culturais da região, como a Biblioteca Mário de Andrade.
TRAGO NOTÍCIAS Outra iniciativa social – e talvez uma das mais antigas
desenvolvidas na região, é o jornal O Trecheiro. O nome do periódico remete a um termo que era usado como sinônimo de andarilhos, pessoas em deslocamento. Alderon Costa, da equipe do jornal, conta que em 1983 viveu em situação de rua, condição que ele considera invisibilizadora. “Não existia diálogo com a sociedade e o poder público. Não havia a ideia de organização para lutar por direitos”, recorda. “Na época, tínhamos a experiência de escrever cartas, mas achávamos importante ter um instrumento que chegasse na mão da população em situação de rua e na sociedade”, conta Costa. Assim, começaram as primeiras edições do que viria a ser um jornal. Tudo mimeografado em folhas de sulfite, recheado com as notícias da rua, com relatos de reuniões e de encontros. Já nos anos 1990, com a criação da Rede Rua, o jornal ganhou forma e passou a levar informações do que se passava nas ruas, bem como relatos compartilhados pelos próprios moradores para a sociedade civil. “Surgiu por conta da invisibilidade que essa população tinha e tem. Hoje, vários grupos, e até escolas, recebem o jornal. Sempre tem algum trecheiro na discussão da pauta e na produção. Já tivemos vários escritores da rua conosco e pessoas de outros estados também. As histórias são muito fortes”, ressalta Costa. Além de ser um elemento importante para a luta pelos direitos da população de rua, e uma fonte de renda, o veículo é um registro histórico. Iniciativa que, somada a tantas outras, joga luz sobre a questão social, cuja resolução passa pelo engajamento de toda a sociedade. 57 | e
Confira alguns destaques da programação:
24 DE MAIO
7ª Feira de Ideias Em parceria com a ONG Conectas Direitos Humanos, essa feira apresenta iniciativas que contribuem para a efetivação dos direitos humanos no Brasil. Dias 2 e 3/12, sábado e domingo, das 11h às 18h.
MC Lucas Afonso, do Slam da Ponta, é um dos convidados da Sarauzada dos Direitos Humanos, no Sesc Santo Amaro.
CULTURA DO RESPEITO Na busca por fomentar equidade e justiça social para todas as pessoas, Sesc São Paulo realiza ação permanente no campo dos direitos humanos A educação e os direitos humanos são foco permanente das ações do Sesc São Paulo por meio de programações realizadas, durante todo o ano, nas unidades ao redor do Estado. Sejam no campo artístico, do lazer, dos esportes, da saúde ou da alimentação, essas atividades visam promover a cultura do respeito, valorizando a diversidade e os princípios democráticos de maneira transversal. Segundo Flávia Andréa Carvalho, gerente da Gerência de Estudos e Programas Sociais do Sesc São Paulo, a realização dessas ações acaba fomentando percepções críticas do reconhecimento das violações de direitos e das estruturas de desigualdade. “As
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ações voltadas à promoção e ao respeito aos direitos humanos são inseparáveis da história do próprio Sesc, instituição que considera a dignidade humana e a promoção do bem-estar como valores basilares, orientando todas as ações e programas em suas múltiplas dimensões”, afirma. As iniciativas do Sesc no campo dos direitos humanos e da valorização social fazem parte de programações diversas, idealizadas pelas equipes da instituição, e também por meio de parcerias com projetos voltados à promoção da equidade e da justiça social para todas as pessoas, em especial para as populações vulnerabilizadas, incluindo pessoas em situação de refúgio e migração.
SANTO AMARO
Sarauzada dos Direitos Humanos Em celebração poética aos 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, feira de livros e sarau com a presença dos MCs Elizandra Souza (Sarau das Pretas) e Lucas Afonso (Slam da Ponta), além de poetas. Curadoria de Eleilson Leite. Dia 10/12, domingo, das 11h às 18h30 (Feira de Livros), e das 17h30 às 18h30 (Sarauzada).
CINESESC E SANTO AMARO
DH Fest – Festival de Cultura em Direitos Humanos Realizado pelo Sesc São Paulo, Instituto Vladimir Herzog e Pardieiro Cultural, o festival reúne debates, cineconcerto, filmes e documentários com temáticas relacionadas aos direitos humanos no campo da cultura. De 6 a 10/12, quarta a domingo, horários variados. Acesse a programação completa em sescsp.org.br/dhfest
Renata Armelin
direitos humanos / para ver no sesc
LANÇAMENTO SELO SESC
O legado de um dos fundadores da Bossa Nova, num álbum com 14 canções representativas de sua carreira. Com Mart’nália, Gilberto Gil, Joyce Moreno, Ivan Lins, Caetano Veloso, Lulu Santos, Djavan, Marcos Valle, Patrícia Alví, Fernanda Abreu, João Donato, Leila Pinheiro, Wanda Sá, Paula Morelenbaum, Roberto Menescal, Edu Lobo e Mônica Salmaso.
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MONUMENTOS
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MEMÓRIA
N
avegadores, políticos, colonizadores, soldados, artistas e cientistas. Até mesmo animais e figuras míticas habitam, em formato de estátuas e bustos, as avenidas, praças e parques da cidade de São Paulo. Feitos de concreto, bronze e outros materiais, monumentos perpetuam na memória capítulos da História.
Nortearia
Tamanha é a força simbólica da presença dessas peças no cenário urbano que elas são capazes de provocar reações contraditórias. A exemplo do incêndio à estátua de Borba Gato, em julho de 2021, no bairro de Santo Amaro, zona Sul da capital paulista. Inaugurado em 1963, o monumento vem sendo criticado por celebrar a memória de Manuel de Borba Gato (1649-1718), bandeirante acusado de estar ligado à exploração e dizimação de negros e indígenas da região. Além de alvo de protestos, muitas estátuas são relegadas ao esquecimento e apagamento histórico. Quando a artista Giselle Beiguelman, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), visitou o Depósito de Canindé — galpão da prefeitura que guarda, na região central de São Paulo, monumentos retirados de seus espaços originais para dar lugar a obras públicas — ela se surpreendeu com um número significativo de esculturas de heróis, musas, entre outras
peças invisibilizadas. Em Memória da amnésia: políticas do esquecimento (Edições Sesc São Paulo, 2019), a pesquisadora não só reflete sobre quem decide o que deve ser esquecido, como também sobre o direito à memória em contraposição às ações e políticas de apagamento do passado. Para o jornalista e pesquisador cultural Jefferson Del Rios, cabe ao poder municipal impedir a deterioração e o esquecimento de monumentos públicos em locais inadequados. No entanto, “a lista de abandonos é enorme”, ressalta. “Numa megalópole de cracolândias e pessoas em situação de rua, o assunto pode parecer descabido. Trata-se, contudo, de educação e história. Descuido com o patrimônio cultural é atraso”, argumenta Del Rios. Neste Em Pauta, excertos do capítulo “Monumentos nômades”, do livro Memória da amnésia: políticas do esquecimento, de Giselle Beiguelman, e artigo de Jefferson Del Rios suscitam um novo olhar sobre a relação entre os monumentos e a memória da cidade de São Paulo.
Acesse o site das Edições Sesc São Paulo e saiba mais sobre o livro Memória da amnésia: políticas do esquecimento (2019), de Giselle Beiguelman.
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Monumentos nômades POR GISELLE BEIGUELMAN
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A cidade de São Paulo possui uma tradição no que diz respeito à mudança de monumentos e esculturas de lugar. Ela remonta ao seu processo de metropolização e às transformações urbanas que se deram nas primeiras décadas do século 20. Para as celebrações do primeiro Centenário da Independência (1922), uma série de novos monumentos foi encomendada, a fim de dar um novo status à capital do estado, enriquecida pela economia cafeeira e pelo primeiro surto de industrialização. Essas implantações, que um cronista da época, lembrado por Nicolau Sevcenko, chamou de “febre estatutária”, corresponderam à primeira onda de movimentação de esculturas na cidade. Em 1922, os seguintes monumentos são implantados em São Paulo: Alfredo Maia (no largo General Osório, hoje praça João Mendes), Monumento a Olavo Bilac (na atual praça Marechal Cordeiro de Farias, desmembrado em 1936), Monumento a Carlos Gomes (na esplanada do Theatro Municipal), Giuseppe Verdi (na praça, localizado nas escadarias da Líbero Badaró) e o Monumento à Independência (que foi inaugurado, ainda inacabado, no Parque da Independência). Além dessas implantações, há que se destacar a Glória imortal aos fundadores de São Paulo (autorizado em 1922 e inaugurado em 1925, no Pátio do Colégio), as reformas do Obelisco e do Largo da Memória, e o projeto do Monumento às Bandeiras, de [Victor] Brecheret [1894-1955], concebido, inicialmente, para celebrar o Centenário da Independência. As “pioneiras” foram três estátuas de mármore – A menina e o bezerro, Amor materno e Leão –, que ficavam na esplanada do Theatro Municipal, no
Parque do Anhangabaú, no Centro de São Paulo. Elas faziam parte de um conjunto encomendado a empresas francesas pelo prefeito Raymundo Duprat (1911-1914), com o objetivo de embelezar os parques da cidade. As estátuas foram deslocadas para a implantação do Monumento a Carlos Gomes, obra do arquiteto genovês Luiz Brizzolara [1868-1937], doada pela comunidade italiana em homenagem ao Centenário da Independência. As obras Amor materno e A menina e o bezerro rumaram para o Largo do Arouche, a 1 km do ponto original, sendo que só a primeira foi diretamente para lá. Amor materno passou antes pelo Jardim da Luz (1,6 km de distância), e não se sabe quando exatamente aterrissou em seu ponto final, o Largo do Arouche. Já a escultura Leão teve como segunda localização, em 1922, o parque Dom Pedro II, no Brás, na região Leste, a 1,7 km da sua origem, e depois, nos anos 1960, foi transportado ao Ibirapuera, na região Centro-Sul, 6 km adiante, onde se encontra até hoje. Dos anos 1920 para cá, a movimentação nunca cessou, incluindo, além dessas esculturas decorativas, uma série de monumentos. Atualmente registram-se, de acordo com dados do Departamento do Patrimônio Histórico, 64 obras implantadas em logradouros públicos que já foram relocadas pelo menos uma vez. É bastante comum que tenham sido remanejadas pelo menos duas vezes; algumas, como João Mendes e Beijo eterno, mudaram até cinco vezes de lugar. Via de regra, três são as motivações que explicam a mudança de monumentos de lugar em São Paulo: obras urbanas, questões orçamentárias e argumentos de cunho ideológico ou moral. A primeira delas é a mais comum. A implantação de um viaduto, o alargamento de uma avenida e a abertura de uma estação de metrô “justificam” a mudança de um monumento de lugar. A segunda também vem se tornando recorrente. A administração municipal prefere delegar aos órgãos de patrimônio o serviço de transporte de um monumento para um depósito da Secretaria Municipal de Cultura, em vez de investir parte de seu orçamento em restauração. A terceira motivação ocorre quando a população protesta pela presença de um monumento
Ao mudar de lugar, os monumentos perdem escala e, em diversos casos, sua carga simbólica
ou quando grupos políticos forçam a remoção de determinada obra. Alguns casos que marcaram a história paulistana foram o do Fauno, de Brecheret, o do Monumento a Federico García Lorca, de Flávio de Carvalho [1899-1973], e o do Beijo eterno, um dos fragmentos do Monumento a Olavo Bilac. Pivô de uma disputa entre o prefeito [Francisco] Prestes Maia (1938-1945) e o arcebispo dom José Gaspar [1901-1943], o Fauno foi centro também de uma querela religiosa. Para sua implantação, nos jardins que eram, então, instalados atrás da Biblioteca Municipal, parte da residência episcopal foi desapropriada, além de derrubado o caramanchão onde dom José costumava rezar. A figura lasciva do Fauno naquele local foi considerada ultrajante pelas entidades religiosas, e há relatos de que sua presença passou a atrair cultos e rituais populares. Com a designação de José Macedo Soares [1883-1968] como interventor de São Paulo (1945-1947), sua esposa, dona Matilde, tomou as providências para a remoção da estátua, que foi transferida para o Parque Tenente Siqueira Campos, mais conhecido como Trianon, em 1946, em local escolhido pelo próprio Brecheret. No seu lugar [anterior] foi implantada uma cruz de granito, com uma inscrição que recorda que ali dom Duarte Leopoldo e Silva [18671938] e dom José Gaspar (que hoje dá nome à praça) rezavam o breviário. Não menos cheia de revezes é a história do monumento a [Federico] García Lorca [1898-1936]. De autoria de Flávio de Carvalho, a obra foi implantada, em 1968, na Praça das Guianas e pouco depois ba-
nida do espaço público, durante a ditatura, por considerar-se afrontosa a homenagem a um poeta comunista (e que era também homossexual). Alvo de atentados terroristas do CCC (Comando de Caça aos Comunistas), em 1969, a obra foi colocada em um depósito da prefeitura, por ordem dos militares. Em 1971, Flávio de Carvalho restaurou-a para levá-la à Bienal de Arte de São Paulo. Com muito custo e sem o apoio das autoridades responsáveis, o artista conseguiu colocá-la do lado de fora do prédio da Bienal, no Parque Ibirapuera, onde ficou por apenas dois dias. Na ocasião, o embaixador da Espanha reclamou da presença da “escultura do comunista”, e ela voltou ao depósito, até ser sequestrada por estudantes da ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes) e da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo), em 1979. Os estudantes restauraram a peça e a depositaram no vão livre do Masp (Museu de Arte de São Paulo) no dia em que o prefeito Olavo Setúbal [1923-2008] visitava o museu. Pietro Maria Bardi [1900-1999], então diretor do Masp, e o prefeito não aprovaram o ato, mas se viram forçados a tomar uma atitude. Dias depois, finalmente, a obra foi reimplantada na Praça das Guianas, seu local de origem. Ao mudar de lugar, os monumentos perdem escala e, em diversos casos, sua carga simbólica, seja naquilo que representam oficialmente, ou mais cognitivamente, do ponto de vista afetivo e como referência do sujeito no espaço urbano. Alguns deles, no entanto, têm seu nomadismo interrompido abruptamente ao serem relegados a depósitos onde foram alocados, anos a fio, tornando-se verdadeiros monumentos sem-teto ou, melhor dizendo, sem-chão. (...)
Giselle Beiguelman é artista e pesquisa a preservação de arte digital, arte e ativismo na cidade em rede e as estéticas da memória no século 21. Desenvolve projetos de intervenções artísticas no espaço público e com mídias digitais, e é professora livre-docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP).
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A solidão das estátuas POR JEFFERSON DEL RIOS
O poder municipal pode impedir a deterioração e abandono de monumentos públicos em locais inadequados. É algo que vem de longe. Estátuas e monumentos não cumprem o papel pedagógico-histórico que poderiam ter.
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Outras são homenagens oportunistas, como nomes descabidos de vias públicas e rodovias. Uma solução/sugestão é existirem alamedas de estátuas em parques – como o Ibirapuera, o Villa-Lobos e outros. A prefeitura teria certamente a assessoria do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp), do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB/SP), da Academia Paulista de Letras e de fundações com metas culturais. Seriam visitados por estudantes – sobretudo do Ensino Fundamental – com monitores para detalhar os fatos e méritos (ou não) dos homenageados em bronze e pedra. Também poderiam estar em locais de valor histórico-simbólico, como o Museu Afro Brasil, o Largo do Paissandu, em torno da
Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Placas dariam um resumo dos feitos de cada pessoa representada. A inércia burocrática e o avanço imobiliário feroz causam danos e confusão à História. Um exemplo doloroso: a atriz Ruth de Souza (1921-2019) morou na Bela Vista. Por eloquente coincidência, na rua da Abolição, que termina numa praça que deveria levar seu nome. Ocorre que essa praça se chama Craveiro Lopes, presidente-general daquele Portugal ainda colonialista dominando Angola, Moçambique, Cabo Verde e Guiné-Bissau, e que visitou o Brasil em 1957. Esqueceram a Ruth do filme Sinhá Moça (1953), um clássico biografado, recentemente, por Ygor Kassab em Ruth de Souza: a menina dos vaga-lumes – 100 anos de história (Giostri, 2022). Sigamos. Na confluência da avenida Henrique Schaumann x rua Cardeal Arcoverde, os bustos esfumaçados da pianista Antonieta Rudge (1885-1974) e do pintor e escultor John Graz (1891-1980) olham-se em muda diagonal. Antonieta foi uma das maiores intérpretes brasileiras de Beethoven e Chopin. O polonês Arthur Rubinstein (1887-1982), gênio do piano, registrou em suas memórias sua paixão em ouvi-la interpretando esses dois compositores. Antonieta Rudge apresentou-se na Inglaterra, França e Alemanha e, ao se casar com o escritor Menotti Del Picchia (1892-1988), passou às atividades pedagógicas. Foi uma das fundadoras do Conservatório Musical de Santos (1927), onde lecionou por mais de 40 anos. Orientou José Antonio de Almeida Prado (1943-2010) e Gilberto Mendes (1922-2016), ambos da primeira linha da música brasileira de vanguarda. Seu busto deve/deveria estar no saguão do Theatro Municipal de São Paulo.
A inércia burocrática e o avanço imobiliário feroz causam danos e confusão à História
Estátuas e monumentos não cumprem o papel pedagógico-histórico que poderiam ter
Nascido na Suíça, John Graz veio ao Brasil, onde já conhecia os irmãos pintores Antonio e Regina Gomide, com a qual se casou. Relação estreitada quando os três estudavam na Escola de Belas Artes de Genebra. Em São Paulo, foi apresentado ao escritor Oswald de Andrade (1890-1954). Expôs sete obras na Semana de Arte Moderna de 1922. Criou móveis, vitrais e decoração para casas projetadas por Gregori Warchavchik (1896-1972), ucraniano de Odessa, naturalizado brasileiro, e expoente da primeira geração de arquitetos modernistas do Brasil. O jovem Oscar Niemeyer foi desenhista em seu escritório. Saltando no tempo. Em 1983, homenageou-se o ensaísta literário Alceu Amoroso Lima (1893-1983) com uma praça na Marginal Pinheiros. Instalou-se ali uma escultura – tubos de aço verticais com cores diferentes – de León Ferrari (1920-2013), argentino exilado no Brasil. Veio o alargamento do trecho e a obra desapareceu nos depósitos da prefeitura. Pessoalmente, durante várias administrações levantei o caso. Nada. Só em 2005, enfim, ela ressurgiu e está na Biblioteca Alceu Amoroso Lima, na avenida Henrique Schaumann. A lista de abandonos é enorme. O mapeamento dessas obras, e a transferência para um local frequentável, resolverão uma anomalia urbana. Numa megalópole de cracolândias e pessoas em situação de rua, o assunto pode parecer descabido. Trata-se, contudo, de educação e história. Descuido com o patrimônio cultural é atraso. No principal cemitério de Lisboa, há um setor dos artistas onde estão sepultados os notáveis das artes. Em São Paulo, destruíram o Teatro Leopoldo Fróes,
na praça da rua General Jardim, hoje denominada Rotary. Poderia ser Antunes Filho (1953-2019) – que criou sua obra extraordinária ao lado, no Sesc Consolação, com o Teatro Anchieta. Nela estariam esculturas dos grandes do palco. A começar por Leopoldo Fróes (1882-1932), que brilhou nos anos 1920 no Brasil e em Portugal. Para finalizar, um depoimento do maestro Júlio Medaglia no seu programa Fim de Tarde, na Rádio Cultura FM. No início do século passado, o compositor italiano Pietro Mascagni (1863-1945), autor da célebre ópera Cavalleria Rusticana, amigo e admirador de Carlos Gomes (1836-1896), apresentou-se em São Paulo. Quis ver o busto do autor de O Guarani, no Anhangabaú. Ficou indignadíssimo. Aquele não era Carlos Gomes (1836-1896). Espanto geral. O fabricante do monumento trocara o músico pelo busto do gaúcho Pinheiro Machado (1851- 1915), um dos donos do poder nas oligarquias da chamada República Velha. Foi preciso um italiano para descobrir o paulista Carlos Gomes, nascido em Campinas (SP).
Jefferson Del Rios Vieira Neves é jornalista, crítico de teatro e pesquisador cultural independente. Autor de Bananas ao vento – Meia década de cultura e política em São Paulo (Senac, 2017); O teatro de Victor Garcia – A vida sempre em jogo (2012); e Teatro, Literatura, Pessoas (2020), ambos lançados pelas Edições Sesc São Paulo.
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livros para
OUVIR A
Maria se viu afastada dos livros que tanto amava, até que, no primeiro ano do Ensino Médio, teve como leitura obrigatória a tragédia grega Antígona, de Sófocles, e encontrou um audiolivro em inglês. Após passar alguns anos desconectada das novidades literárias e das redes sociais por falta de acessibilidade, um universo totalmente novo se abriu. E o que era uma paixão se transformou em profissão.
Jorge Bispo
A paixão pelos livros e a busca pela inclusão literária de todas as pessoas com deficiência moveram Maria Carvalhosa a criar, em 2021, a editora Supersônica, junto à escritora Beatriz Bracher, à produtora Mariana Beltrão e à artista multimídia Daniela Thomas.
os 21 anos, Maria Carvalhosa lembra muito bem quando começou a ter dificuldades em ler palavras escritas na lousa do colégio, no início da adolescência. A situação piorou quando ela não viu uma mochila no chão da sala de aula, tropeçou e caiu. Naquele mesmo dia, em setembro de 2015, sua mãe a levou a uma consulta com um oftalmologista. A garota saiu de lá com o diagnóstico de hidrocefalia cerebral, e, ao ser submetida a uma cirurgia, foi vítima de um erro médico que afetou sua visão. “De repente, meu mundo virou de cabeça para baixo, e nada mais era feito para mim. Eu não podia mais ler, ver filmes, ir a uma exposição. Não conseguia mais lidar com tudo aquilo a que estava acostumada”, conta.
encontros
Idealizadora da Supersônica, editora especializada em audiolivros, Maria Carvalhosa celebra as potencialidades desse formato que ganha novos leitores-ouvintes pelo mundo POR LUNA D’ALAMA
Estudante de Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), ela se uniu, em 2021, à escritora Beatriz Bracher, à produtora Mariana Beltrão e à artista multimídia Daniela Thomas para fundar a editora Supersônica, especializada em audiolivros. Os primeiros títulos da editora foram lançados em agosto deste ano e, poucos meses depois, seu catálogo mais que dobrou. Entre as obras adaptadas para o áudio estão clássicos como O Amor em 5 Contos, de Machado de Assis (1839-1908) e Os mortos, de James Joyce (1882-1941), além de livros contemporâneos, como O acontecimento e O Jovem, ambos da escritora francesa Annie Ernaux, ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura em 2022. Para dar voz às histórias, foram escolhidos artistas do teatro e do cinema, como Caio Blat, Isabel Teixeira, Sandra Corveloni, Guilherme Weber e Roberta Estrela D’Alva. Acompanhada desde 2022 por seu cão-guia Café, um labrador de cor preta, Maria considera que está em paz pelo jeito que é, mas ainda não pela forma como é tratada pela sociedade. Para
mudar esse cenário, aposta na expansão da Supersônica, no número de ouvintes de audiolivros no Brasil e na inclusão literária de todas as pessoas com deficiência. Neste Encontros, Maria Carvalhosa fala sobre capacitismo, mercado editorial e o futuro dos audiolivros.
CONTRA O CAPACITISMO A raiz do preconceito contra pessoas com deficiência está na noção de capacidade, pois nossa cultura ocidental foi construída sobre conceitos como potência corporal e produtividade. Somos todos perseguidos por um ideal de eficiência. Inclusive, na palavra deficiência está contido esse conceito de não eficiência. Por séculos, pessoas com deficiência não foram vistas como capazes de produzir, de trabalhar, de praticar esportes. Essa discussão passa pela nossa relação com o corpo, com a vida e com o mundo. E o capacitismo atravessa todos os tipos de deficiência: visuais, auditivas, físicas, cognitivas. Sinto isso quando vou a uma exposição, por exemplo, e não há recursos de acessibilidade. Ou quando me tratam mal, me subestimam ou não me consideram capaz
de entender algo por causa da deficiência. Acessibilidade deveria ser a regra, inclusive está na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência [nº 13.146/2015], mas acaba sendo parte da luta anticapacitista. Quantos amigos com deficiência você tem? Já se apaixonou por um(a) PCD? Nós ainda estamos muito segregados na maioria dos lugares, esses são efeitos do capacitismo. Desejo que todo mundo entre nessa luta comigo para construirmos um país mais acessível e as pessoas com deficiência estejam presentes para debater esses temas coletivamente.
TENDÊNCIA MUNDIAL Em muitos lugares, principalmente em países nórdicos como Suécia, Noruega e Finlândia, o audiolivro, ou livro falado, já ultrapassou o formato e-book e já é quase tão expressivo quanto a obra física. É um hábito que essas pessoas já têm, enquanto aqui no Brasil, a gente está muito mais acostumada(o) a ouvir música ou podcast. Temos uma cultura radiofônica, mas o audiolivro ainda não pegou – embora tenha todo o potencial para isso. Desde o início da Supersônica, em 2021, queríamos fazer uma 67 | e
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seleção fascinante de títulos, interpretados por grandes vozes da cultura brasileira. Porque quando você desenvolve um audiolivro, está adicionando uma outra camada, uma nova textura ao texto. Uma voz que tem sotaque, gênero, intenções. É um universo que abre portas também para a diversidade na leitura, não é um suporte neutro. O audiolivro, aliás, quebra qualquer forma de neutralidade. Pode virar um incômodo, ou pode fazer você se aproximar mais de um livro, justamente por causa disso.
CONSTRUÇÃO DO CATÁLOGO O audiolivro pode conter tanto uma leitura neutra quanto mais interpretativa, performática. Na Supersônica, procuramos não pecar por excesso em nenhum dos lados: nem por tanta neutralidade, nem por dramaticidade demais. Esses dois extremos podem fazer o ouvinte se afastar do texto. Existe um ajuste fino, que estamos buscando, em que o tom se encaixa perfeitamente ao texto, variando em um livro de poesia,
ficção, teoria, em primeira pessoa, em terceira. A cada obra, a gente quer experimentar, fazer projetos artísticos independentes, com efeitos sonoros ou não. Estamos num momento de construção do nosso catálogo. Muitas outras produtoras estão surgindo, e acho que nos complementamos. Não tem competição. Todos queremos fazer obras acessíveis com qualidade. Nos preocupamos em balancear obras antigas, novas, brasileiras e estrangeiras.
VOZES PARA O TEXTO Após o primeiro momento de escolha de um novo audiolivro para o nosso catálogo, vem a decisão sobre quem fará a interpretação do texto, dando voz aos personagens e narradores. Uma voz é capaz de criar movimentos e acender partes do texto que podem não estar muito claras quando você lê um livro. Talvez algumas pessoas escutem nossos audiolivros por serem fãs desses grandes nomes envolvidos, como Sandra Corveloni, Isabel Teixeira, Guilherme
Weber e Roberta Estrela D'Alva, mais do que pela obra em si. Todos os convidados, até agora, identificaram-se muito com o texto, gostaram dessa aventura e se abriram para uma nova experiência. Isabel Teixeira, por exemplo, diz que interpretar um audiolivro é diferente de fazer cinema, televisão ou teatro. É outra mídia, e a voz está em outro lugar. O público produz imagens mentais, o palco é a cabeça do ouvinte. Além disso, a leitura e a escuta acontecem simultaneamente, então emissor e receptor constroem essa relação de mãos dadas, de forma coletiva.
MERCADO EDITORIAL No início de outubro, a Audible – maior plataforma de audiolivros do mundo, de propriedade da Amazon – chegou ao Brasil. E isso transforma tudo. Além disso, o Spotify está testando a venda de audiolivros em países de língua inglesa. Se essa experiência der certo, no futuro poderão começar a vender por aqui também. Por outro lado, como ainda não existe por aqui
QUANDO VOCÊ DESENVOLVE UM AUDIOLIVRO, ESTÁ ADICIONANDO UMA OUTRA CAMADA, UMA NOVA TEXTURA AO TEXTO. UMA VOZ QUE TEM SOTAQUE, GÊNERO, INTENÇÕES.
Ouça, em formato de podcast, a conversa com Maria Carvalhosa, que esteve presente na reunião virtual do Conselho Editorial da Revista E, no dia 25 de outubro de 2023. A mediação do bate-papo é de Hugo Nakagawa, técnico de programação do Sesc Pinheiros.
Jorge Bispo
Ao lado de seu cão-guia, Café, Maria participa ativamente da luta anticapacitista, e busca a expansão do mercado editorial brasileiro de audiolivros.
um público grande de audiolivros, as pessoas não sabem direito como ou onde comprá-los. É por isso que a Supersônica faz tutoriais explicativos. Temos que detalhar esses passos para o público, porque a maioria dos brasileiros nunca consumiu um audiolivro na vida. Acho, porém, que o audiolivro é uma tendência mundial, e que está crescendo exponencialmente em todos os lugares. Há um potencial artístico incrível a ser explorado, e muitas editoras já estão apostando na criação e na adaptação de audiolivros.
E O BRAILLE? Quando fiquei cega, a primeira coisa que fiz foi perguntar para uma amiga, também deficiente visual, se eu teria que aprender braille. Criei uma rede de apoio essencial para continuar estudando, fazer faculdade e trabalhar. E essas pessoas me explicaram que, para lidar com o mundo e com o mercado, seria mais importante saber mexer bem no computador e no celular, ou seja, ser boa em tecnologia. Aliás, os cegos e as pessoas com deficiência se apoiam
muito na tecnologia como um jeito de equalizar as diferenças e diminuir nossas barreiras no mundo. Eu senti falta de aprender braille quando tive a necessidade de catalogar coisas, ler bulas de remédios ou, simplesmente, ler em silêncio. Às vezes, é exaustivo lidar o tempo todo com tanto som, voice-over [técnica de narração sobre um vídeo]. Eu sentia falta de poder ler e ficar quieta. Aprendi braille, no fundo, para um dia ler Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa [1908-1967]. Entendo que a experiência de uma pessoa que ficou cega após a alfabetização, como eu, é muito diferente daquela que nasceu sem visão ou a perdeu antes de aprender a ler. Na minha opinião, o braille é uma ferramenta tão valiosa quanto outras. E quanto mais você domina todas as técnicas disponíveis, melhor. Pode ser que, no futuro, uma criança em fase de alfabetização possa ouvir um audiolivro enquanto acompanha o texto em braille. São ferramentas complementares. 69 | e
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Rafael Calça é roteirista, escritor, quadrinista e ilustrador. Recebeu, em 2019, dois troféus HQ MIX – Melhor Edição Especial Nacional e Melhor Publicação Juvenil –, além do prêmio Jabuti na categoria Melhor História em Quadrinhos pela HQ Jeremias – Pele (Panini, 2018), em coautoria com o ilustrador Jefferson Costa.
o quinto
ELEMENTO Dançarino, músico e educador, Nelson Triunfo protagoniza a história do hip-hop no Brasil POR ROBERTA DELLA NOCE
depoimento
Também sou old school, mano, mas não sou da sul Eu sou do Nordeste, cabra da peste O preconceito eu senti na pele, nas tudo que sobe, desce Disso eu já sabia, contando a minha história eu crio a rima Assim como criei meu grupo Funk e Cia Que permanece hoje em dia quebrando as barreiras com a força do som Eu sou Nelsão, cabelão e tal, fora do normal Visual, resistência, aí não pago pau Passista do carnaval tradicional, mano Já misturei até Carlinhos de Jesus com James Brown Sou filho do soul, pai do hip-hop do Brasil Quem não acredita, é só perguntar pra quem viu "Se liga, meu!" (1995), de Nelson Triunfo
N
Carol Balza
ão há texto (e nem rima) que dê conta de apresentar Nelson Triunfo tão bem quanto os versos escritos por ele na música "Se liga, meu!", composta em 1995 no freestyle na zona Sul de São Paulo. Aliás, se existe alguém que pode dizer que conhece esta cidade e seus extremos profundamente, esse alguém é Nelson Triunfo. A sua história, desde que desembarcou na estação da Luz, em 1977, funde-se com a história do nascimento da cultura hip-hop no Brasil. Não à toa, a alcunha de “pai do hip-hop" o acompanha há gerações. E há quem diga que além dos quatro elementos que compõem tal cultura urbana – o rap, o grafite, o break e o DJ – tem também o Nelson, uma espécie de amálgama entre eles: dançarino de breaking, músico, compositor, ativista social, educador. O quinto elemento do hip-hop.
O artista durante a gravação da websérie Olhares sobre São Paulo: especial hip-hop, disponível na plataforma Sesc Digital.
Foi de Triunfo, sua cidade natal – um pequeno município serrano a 400km de Recife (PE), na divisa
com a Paraíba –, que Nelson herdou o sobrenome artístico. E foi lá, também, que aprendeu a dançar. Àquela altura, James Brown (1933-2006) já estava nas paradas de sucesso e Os Beatles já eram Os Beatles. “Ele [James Brown] foi tipo um amor à primeira vista, foi quando eu disse: É isso que eu quero fazer!”. Em mais de quatro décadas de trajetória, Nelson já dançou com Tim Maia (1942-1998), Sandra de Sá, Jimmy Cliff e Tony Tornado, foi condecorado por James Brown e atuou em filmes nacionais, como A marvada carne (1985) e Uma onda no ar (2002). Essas e outras histórias fazem parte da biografia Nelson Triunfo – Do sertão ao hip-hop (LiteraRUA), assinada pelo jornalista Gilberto Yoshinaga, e do documentário Triunfo, ambos lançados em 2014. Do sertão pernambucano à Bahia, da Bahia a Brasília e de Brasília a São Paulo, Nelson desembarcou, definitivamente, na capital paulista e popularizou sua presença pelos bairros periféricos. Sobretudo, 75 | e
O HIP-HOP NÃO PODERIA TER SURGIDO NO BRASIL EM OUTRO LOCAL QUE NÃO FOSSE SÃO PAULO, A CIDADE MAIS BRASILEIRA DE TODO O PAÍS pelas ruas do Centro, onde circula todos os dias. Nelson Gonçalves Campos Filho é da Penha, bairro onde reside desde 1985, mas é também de Diadema (SP), onde ajudou a construir a Casa do Hip-Hop. Ele ainda tem passagens históricas pelo Bixiga e por Itaquera, nos anos 1970. A mobilidade do “homem-árvore” – apelido que recebeu de Tony Tornado – pelos extremos da cidade o faz ser reconhecido em todas as quebradas, mas é na região central que ele se sente em casa. “O Centro é o meu quintal!”, diz. Nos bailes e na rua, o artista triunfou como uma autoridade da dança urbana e da cultura hip-hop, incorporando referências norte-americanas, mas priorizando a cultura nacional. Inserindo a capoeira da Bahia e o frevo de Pernambuco nos saltos adaptados do breakdance. Criando, assim, o hip-hop brasileiro em sua essência. Foi dançando, circulando por São Paulo e militando que Nelson cravou seu nome na história da cidade, tornando-se símbolo da cultura de rua, inicialmente com o soul e o funk, gêneros que serviram de base para o hip-hop e que fortaleceram o movimento negro na cidade dos lendários bailes black, como a Chic Show.
Admirador do “funk falado”, Nelson descobriu, anos depois, que o gosto vinha de suas origens nordestinas, a partir de referências como a embolada e o repente. Neste Depoimento, composto por trechos da entrevista para a websérie Olhares sobre São Paulo: especial hip-hop (2023), Nelson Triunfo, esse híbrido de Luiz Gonzaga e James Brown, como ele se autodefine, aborda o papel da cultura como agente transformador nas periferias e relembra o início de sua trajetória como um dos personagens fundamentais para o desenvolvimento do movimento hip-hop na cidade de São Paulo.
hip-hop Em 1973, surge o hip-hop nos Estados Unidos, mas desembarca no Brasil com um atraso de dez anos. Embora os quatro elementos (rap, grafite, DJ e breaking) já existissem, foi o filme Beat Street (1984) que mostrou ao mundo a junção deles no contexto de uma cultura urbana chamada hip-hop. Foi uma virada de chave, o “TCC” que validou aquilo que já fazíamos, mas não sabíamos o nome. A base do hip-hop vem do soul e do funk, do movimento black power, que aqui em São Paulo já era muito representativo. Ainda em 1972, eu formei o primeiro grupo de dança black do Nordeste,
Os Invertebrados, antes mesmo do nascimento do hip-hop. Quando o filme estourou, eu já dançava na rua.
breaking No Brasil, o primeiro elemento a chegar foi a dança. Os Gêmeos eram b-boys antes de começarem a pintar. O Marcelinho Backspin tinha que buscá-los em casa porque eram pequenininhos e a mãe não deixava que fossem sozinhos para a [estação de metrô] São Bento. Fabiano Minu, também grafiteiro, começou na dança, ele tinha a própria crew, só depois foi para o grafite. Marcelinho fez a São Bento crescer, divulgou muito o breaking porque ele, sim, sempre foi b-boy, andava com Thaíde e DJ Hum. Mano Brown e Thaíde também começaram na dança.
educador Não quero as coisas para mim, eu quero para todos. Quando comecei na rua, no hip-hop, não existia trabalho social, eram só os assistencialistas. Muitos moleques que tirei da rua hoje são doutores, engenheiros, advogados. Outros são campeões mundiais de dança. Conheço hoje o mundo inteiro, um cara que nem sequer saía de São Paulo, pensava que nunca ia conhecer o estrangeiro e que através do hip-hop andou nos
depoimento
melhores aviões, se hospedou nos melhores hotéis e ainda ganhou alguns euros. Quem diria?
preconceito
Penna Prearo
O primeiro shopping que eu conheci em São Paulo foi o Iguatemi. Estava caminhando com o meu cabelão black e fui preso porque uma mulher falou que tinha um cara estranho andando no shopping. Se fosse hoje eu poderia processar, mas naquele tempo não tinha isso. Não foi nada fácil, passei por momentos difíceis. Tinha um delegado no Bixiga que toda vez que eu aparecia, me dizia: ‘Você de novo?’”. Eu respondia que não gostava de ir, mas os ‘caras’ me levavam. Muita gente ficou pelo
caminho, gente que tinha que trabalhar, que teve filho, que precisava ter outro sustento. Nós perdemos muita gente. Tantos morreram pelo caminho, eu poderia ter morrido também.
viajavam e traziam para cá a cultura do gueto. Ricardo Guedes era uma dessas pessoas. E o hip-hop em São Paulo já fervia antes do [filme] Beat Street, a gente só não sabia que essa cultura tinha um nome.
essepê O hip-hop não poderia ter surgido no Brasil em outro local que não fosse São Paulo, a cidade mais brasileira de todo o país. Em lugar nenhum você vai encontrar mais representantes de cada estado do que aqui. No início, eu morava no Bixiga, o primeiro bairro noturno de São Paulo. Ali eu encontrava Almir Guineto [1946-2017], Djavan e outros nomes importantes da música. Tivemos também a sorte de ter caras que
Assista ao episódio "Quem é que vai assinar minha carteira na rua, doutor", da websérie Olhares sobre São Paulo: especial hip-hop (2023), com participação de Nelson Triunfo.
Nelson Triunfo no show de James Brown durante o baile Chic Show, dia 11 de novembro de 1978, no ginásio do clube Sociedade Esportiva Palmeiras, em São Paulo (SP).
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ALMANAQUE Anderson Rodrigues
Ao ar livre Com entrada gratuita, parques e outros espaços públicos da capital paulista são ótimas opções para praticar esportes e atividades físicas POR LUNA D’ALAMA
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érias escolares, recesso de fim de ano, início do verão. A equação perfeita para sair de casa à procura de lugares para a prática de atividades físicas a céu aberto. A seguir, listamos cinco espaços públicos da cidade de São Paulo onde é possível andar de patins, bicicleta e skate, jogar basquete, futebol e futsal, ou treinar parkour. Tudo de graça. Aproveite o verão para se exercitar e lembre-se de tomar bastante água, usar protetor solar e fugir dos horários de sol e calor extremos. E não se esqueça dos equipamentos de segurança, se a modalidade assim exigir. Bora mexer o corpo!
PARQUE IBIRAPUERA Com mais de 1,5 milhão de metros quadrados em área verde, o Ibirapuera, na zona Sul de São Paulo (SP), é um dos maiores parques urbanos da capital e o campeão em visitas, atraindo até 300 mil pessoas nos finais de semana. Para quem gosta de se exercitar ao ar livre, o espaço – que completa 70 anos em 2024 – reúne diversas opções, como dez quadras poliesportivas (quatro delas de basquete), que funcionam diariamente, das 5h às 23h. Não é preciso fazer reserva, mas a demanda é alta – por isso, é bom chegar cedo. As outras quadras atendem praticantes de
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tênis, futebol soçaite, vôlei, pickleball (mistura de tênis e pingue-pongue) e modalidades de areia. Há, ainda, ciclovia, pistas de corrida e de skate, e aparelhos de ginástica em vários pontos do parque. Aos sábados e domingos, das 10h às 17h, também são oferecidas aulas gratuitas de yoga, fitdance e alongamento, com vagas limitadas.
Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº (portões 1, 2, 3, 3A, 4, 9 e 10), Vila Mariana, São Paulo (SP). Entrada também pela Av. IV Centenário e pela Av. República do Líbano.
Anderson Jacob
PARQUE LINEAR BRUNO COVAS Ciclistas amadores e profissionais encontram, nesse parque, uma ótima opção de pedalada a céu aberto, diariamente, das 5h30 às 22h. Instalada em 2022, na margem oeste do rio Pinheiros, a via tem 8,2 quilômetros de extensão, e vai da ponte Cidade Jardim, na zona Oeste, até a região de
Santo Amaro, na zona Sul. O espaço administrado pelo governo do Estado de São Paulo recebe mais de 150 mil pessoas por mês e oferece, ainda, pista de caminhada e corrida, quadras poliesportivas, estações de ginástica e área para andar de patins. Além disso, uma passarela flutuante liga o
Parque Bruno Covas à ciclovia Franco Montoro, do outro lado da marginal.
Três acessos disponíveis ao longo da Marginal Pinheiros: Ponte Eng. Roberto Rossi Zuccolo – Cidade Jardim, Ponte Laguna e Ponte João Dias.
Um percurso de 8,2 quilômetros atrai ciclistas ao Parque Linear Bruno Covas, à margem do rio Pinheiros.
MINHOCÃO Ao longo dos 3,4 quilômetros de extensão do Elevado João Goulart, que há 52 anos faz a ligação LesteOeste da capital paulista – entre a Praça Roosevelt, no Centro, e o bairro de Perdizes, na zona Oeste –, é possível praticar várias atividades físicas quando a via fecha para veículos e abre aos pedestres. Essa extensa área de lazer da região central, batizada de Parque Minhocão, funciona de segunda a sexta, das 20h às 22h, e aos sábados, domingos e feriados, das 7h às 22h. Por lá, é comum ver pessoas andando de
patins e bicicleta. É importante levar, além dos rollers e afins, itens de segurança, como capacete, joelheiras e cotoveleiras. O Minhocão também é bastante utilizado para as práticas de skate, yoga, caminhada e corrida.
Quatro acessos disponíveis: Rua Amaral Gurgel, s/nº, Vila Buarque (Praça Roosevelt); Rua Ana Cintra, s/nº, Santa Cecília (Largo da Santa Cecília); Av. São João, s/nº, Santa Cecília (Praça Marechal Deodoro); e Av. Francisco Matarazzo, s/nº, Barra Funda.
Ligando o Centro à zona Oeste da cidade, o Elevado João Goulart, mais conhecido como Minhocão, torna-se parque urbano e espaço para diversas atividades físicas nas noites de segunda a sexta e durante os finais de semana e feriados.
PARQUE ECOLÓGICO DO TIETÊ Com projeto arquitetônico e paisagismo de Ruy Ohtake (19382021), esse parque inaugurado há 41 anos, na zona Leste da capital, concentra mais de 14 milhões de metros quadrados de flora da várzea do rio Tietê. Para os fãs de futebol e futsal,
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o local conta com cinco campos para uso livre durante a semana, e liberados, por sorteio, aos sábados e domingos, sempre das 6h às 17h. Quem quiser se exercitar de outra forma encontra, ainda, quadras poliesportivas, trilhas de até 9 km de extensão e
aluguel de bicicletas ou triciclos. Os percursos feitos a pé ou sobre rodas dão aos visitantes a oportunidade de contemplar a vegetação da Mata Atlântica, além da fauna local.
Rodovia Parque, 8.055, Engenheiro Goulart, São Paulo (SP).
Adriana Vichi
ALMANAQUE
No bairro do Bom Retiro, o Centro de Esportes Radicais tem um espaço voltado ao parkour, no qual os praticantes fazem manobras radicais, apenas com o corpo, para superação de obstáculos.
SEME
CENTRO DE ESPORTES RADICAIS Instalado próximo à Marginal Tietê, desde 2016, esse centro esportivo entre o Centro e a zona Norte abrange 38.500 metros quadrados para a prática de diferentes tipos de atividades físicas, diariamente, das 8h às 22h. Nas pistas e rampas de skate e em um espaço exclusivo para o parkour, é possível fazer manobras radicais e
superar obstáculos usando apenas os movimentos do corpo, por meio de técnicas de corrida, salto, escalada e equilíbrio. Durante a prática, é essencial se equipar com capacete e demais itens de proteção. O local possui, ainda, espaço para caminhada, ciclovia e um circuito de bicicleta chamado pump track, em que o praticante
atravessa uma série de lombadas ao movimentar o corpo para cima e para baixo, em vez de pedalar. Além disso, o local conta com uma academia ao ar livre para idosos, um ginásio de sumô e uma estação de alongamento.
Av. Castelo Branco, 5.700, Bom Retiro, São Paulo (SP). 81 | e
P.S.
Navegar paisagens à procura de si Vivi até os 17 anos em Guararapes, no noroeste do estado de São Paulo, município avizinhado pelo rio Tietê e cortado pela antiga Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. A cidade tem cerca de 32 mil habitantes, o que equivale, aproximadamente, ao bairro do Bom Retiro, por onde chegaram, nos séculos 19 e 20, boa parte das pessoas que transformaram a capital paulista na metrópole que é hoje. É possível contar nos dedos de uma mão os edifícios com mais de três andares em Guararapes. Além da área urbana reduzida, que concentra a maior parte da população em casas térreas ou sobrados, a cidade possui a topografia plana que possibilita que habitantes de todas as idades usem a bicicleta como meio de transporte. Há uma igreja matriz em frente à praça central com fontes de água, e os estabelecimentos comerciais e de serviços estão organizados nos quarteirões contíguos, desenhando o quadriculado de 100 metros de lado recorrente no urbanismo de colonização portuguesa. Cheguei a São Paulo há quase duas décadas como a maioria das pessoas chega cotidianamente a esta cidade: para buscar uma vida melhor. Vim para um curso universitário e passei esses primeiros anos entre os bairros Butantã e Pinheiros. Antes disso, o Largo da Batata já marcava presenças indígenas, negras, do Nordeste brasileiro e de outras regiões. O comércio popular e as linhas de transporte público que ligam a região a áreas periféricas da cidade temperam o caldo de origens e manifestações diversas que garantem a riqueza local.
Anos depois, de volta a Pinheiros para trabalhar no Sesc, notei a transformação pelos edifícios altos, residenciais e comerciais que estão substituindo casas e lojas térreas por ação do mercado imobiliário desde a implantação da Operação Urbana Faria Lima e da Linha Amarela do Metrô. As diferenças estão cada vez menores na região, pois os grandes empreendimentos, imobiliários ou de negócios, estão mais e mais dominantes ali e, com o tempo, irão homogeneizar a realidade local e suas nuances. Nesse sentido, é preciso destacar o importante papel do Sesc para a manutenção da diversidade, facilitando a convivência entre faixas etárias, classes sociais, experiências de vida. Todas as vezes que uma ação sai de uma unidade e se aventura pelo entorno, voltamos para casa com uma nova peça para o complexo mosaico da vizinhança. Nesse sentido, roteiros do programa de Turismo Social são os que mais se aconselham com o escritor português José Saramago (1922-2010): “Ir buscar a Ilha Desconhecida, à procura de si mesmo”. Que cada frequentador e frequentadora do Sesc possa continuar navegando paisagens, figuras e memórias ricas e particulares como nós mesmos.
Juliana Fernandes Silveira é arquiteta e urbanista, com experiência em museus e instituições culturais. Integra a equipe de programação do Sesc Pinheiros. Nortearia
A jornalista estadunidense Jane Jacobs (1916-2006) já havia sintetizado, em 1961, a ideia fundamental para a vitalidade
dos bairros nas grandes cidades: “A própria diversidade urbana permite e estimula mais diversidade”. Segundo ela, há um equilíbrio entre o número de edificações de idades e estados de conservação variados, assim como os tipos de uso (residencial, comercial ou de serviços públicos ou privados) e de usuários. As crianças vão para a escola, os comerciantes abrem suas lojas, as pessoas frequentam bares e restaurantes; todo mundo manifestando a vida pública e estimulando a tolerância e a convivência entre os diferentes. A convivência com a diferença nutre a democracia.
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Marco Antônio (foto); Nortearia (colagem)
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