Capa: Liza Minnelli e Robert de Niro em NewYork, New York, Martin Scorsese, 1977. Š MGM/UA
MÚSICA E CINEMA: UMA RELAÇÃO DE SIMBIOSE Desde o advento da linguagem cinematográfica, ainda quando se encontrava ao abrigo de um pretenso silêncio, a presença da música talvez evoque certo predomínio. Ali a composição dos quadros em movimento não seria plena sem essa figura eminente, sucedendose numa relação duradoura, em associação à evolução técnica e às complexas formas da sétima arte. Num ato contínuo de discursos enunciados por meio de uma sucessão de formas musicais, a produção sonora, entremeada a imagens e ao enredo, permite conduzir o espectador, às vezes de forma direta, outras, subliminar, por estados de ânimo que, não raro, interferem nos processos de fruição de uma obra. Tais aspectos estão presentes na exposição Música e Cinema: o Casamento do Século?, inédita no Brasil, dando continuidade ao projeto original de exposição da Cité de la musique - Paris, onde esteve exposta entre março e agosto de 2013, com curadoria de N. T. Binh, crítico, diretor, professor e curador de inúmeras exposições dedicadas ao cinema, e cenografia de Clémence Farrell. Ao apresentar a música de cinema de forma eclética e em profusão de estilos, a mostra aborda o universo das trilhas sonoras, por meio da história de grandes clássicos e da exibição de projetos concebidos entre cineastas e compositores como Fellini-Rota, HitchcockHerrmann, Leone-Morricone, Spielberg-Williams, Burton-Elfman, além de parcerias brasileiras como Diegues-Buarque. Vale destacar um componente de mediação cultural que orienta a realização dessa proposta: um espaço expositivo foi concebido de forma interativa, explicitando como a música está presente nas etapas de produção de um filme – roteiro, captação, filmagem, edição, pós- produção e o lançamento. Nesse trajeto, o visitante é convidado a (re)descobrir trechos de filmes, trilhas sonoras míticas, testemunhos raros de compositores e cineastas, apreciar documentos históricos como partituras originais, rascunhos e manuscritos, desenhos e storyboards, instrumentos emblemáticos, pôsteres, cartazes, fotografias e arquivos filmados. Ao associar as várias dimensões culturais aos processos de educação não formal e em caráter permanente, o Sesc concretiza sua ação sociocultural. Numa relação também simbiótica entre educação e cultura, em busca do aprimoramento humano e por meio da ampliação do acesso aos bens culturais, a instituição promove diferentes formas de fruição dos processos artísticos. Nesta mostra, tal fruição passa pela oportunidade do espectador de se encontrar com temas marcantes da história do cinema. Danilo Santos de Miranda Diretor regional do Sesc São Paulo
A CITÉ DE LA MUSIQUE
PALAVRA DO CURADOR
Nesse “casamento do século” entre música e cinema, houve tanto felicidade quanto rupturas e, sem dúvida também, tanto entusiasmo quanto ‘desprezo’, usando o título de um filme cuja música também se tornou uma referência. Mas, evidentemente, a permeabilidade entre esses universos sempre foi constante: basta pensar em Chostakovitch, Prokofiev, Michael Nyman ou Philip Glass, que compuseram para o cinema. Na França, a primeira música de filme foi escrita em 1912 por Camille Saint-Saëns, para O Assassinato do Duque de Guise. Se o cinema se utilizou da música, ele a restituiu à altura, pois, em geral, foi graças à sétima arte que um público grande conheceu obras-primas do repertório erudito: podemos pensar nas imagens de abertura de 2001, Uma Odisseia no Espaço de Stanley Kubrick ou de Manhattan de Woody Allen! Também podemos perceber que alguns ‘sucessos’ saídos da trilha original de um filme, geralmente a música tema, contribuíram para o seu sucesso comercial. Tanto num sentido quanto no outro, ainda é verdadeira a afirmação de Michel Legrand, que diz: “a boa música de filme deve servir tanto ao filme quanto à música”. Mas essa exposição não se limita apenas à música ‘de’ cinema, ela também tenta mostrar o papel da música ‘no’ cinema. E descobrese que a dimensão musical intervém em todas as etapas da realização do filme: desde a escrita do roteiro, quando é inspiradora ou tema até a pós-produção e em sua comercialização, sob a forma de ‘música do filme’. É precisamente esse fio condutor que organiza a trajetória da exposição criada na Cité de la Musique em Paris, concebida pelo curador N. T. Binh. Apresentar essa exposição no Sesc Pinheiros, numa versão que reflete também a riqueza criativa do cinema brasileiro, é uma honra e um prazer para nós. Trata-se de nossa terceira colaboração com o Sesc São Paulo, após as exposições dedicadas a Serge Gainsbourg e a Miles Davis, e queremos agradecer a todas as equipes. Nosso reconhecimento se dirige também a todos aqueles que contribuíram para a realização desse projeto tão vasto e aparentemente impossível, mas cuja riqueza não deixou de nos impressionar.
“Música e Cinema”: duas palavras com um poder evocativo irresistível. Mas, afinal, o que é boa música para o cinema? Ela deve ser notada ou passar despercebida? Em que sentido ela deve servir à imagem? De O Cangaceiro à Psicose, das chanchadas aos faroestes italianos, do Cinema Novo aos documentários de rock, dos filmes mudos às canções de sucesso escritas para o cinema, em cada filme acontece um encontro entre música e cinema. Essa exposição se propõe a contar histórias muito especiais, porque elas nascem da aventura de se fazer cinema. Ela conduzirá o visitante através dos vários estágios de produção de um filme – antes da filmagem, no set, na pós-produção e até mesmo após o lançamento – tudo para que se possa compreender como a música está engendrada na concepção e na história do filme. Em cada uma dessas etapas, é dado destaque àqueles que tornaram possível a mágica do encontro dessas duas artes, começando evidentemente, pelos diretores e compositores. Ao final da exposição, a projeção de cenas antológicas, acompanhadas da música, nos permite reviver a emoção enquanto espectadores. Criada na Cité de la Musique em Paris, esta exposição foi adaptada pelo Sesc Pinheiros, incluindo referências aos grandes cineastas brasileiros.
Laurent Bayle Diretor-geral da Cité de la Musique Éric de Visscher Diretor do Museu da Música
N.T. Binh curador
SOBRE O CURADOR A curadoria da exposição é de N.T. Binh: crítico de cinema, diretor e professor. N.T.Binh é editor da revista mensal Positif e crítico na revista Zurban. Autor dos livros: • Mankiewicz (Rivages Cinéma, Paris, 1988) • Lubitsch (com Christian Viviani, Rivages Cinéma, Paris, 1990, Prêmio do Syndicat de la critique / Sindicato dos críticos) • Ingmar Bergman, le magicien du Nord / Ingmar Bergman, o mágico do Norte (Découvertes Gallimard, Paris, 1993) • Paris au cinéma, la vie rêvée de la capitale de Méliès à Amélie Poulain / Paris no cinema, a vida sonhada da capital de Méliès a Amélie Poulain (Parigramme, Paris, 2003, relançado em 2006) • Sautet par Sautet / Sautet por Sautet (com Dominique Rabourdin, Éditions de La Martinière, Paris, 2005) • Jacques Prévert, Paris la belle / Jacques Prévert, Paris, a Bela (com Eugénie Bachelot Prévert, Flammarion, 2008) Curadoria de exposições: • Paris in Film, no Hôtel de Ville de Paris, março a junho de 2006 • Jacques Prévert, Paris, a Bela no Hôtel de Ville de Paris, outubro de 2008 a janeiro de 2009 • Monumentos, Estrelas do cinema, na Conciergerie, outubro de 2010 a fevereiro de 2011 Direção de documentários sobre o cinema: • Le cinéma britannique aujourd’hui, la tradition des francs-tireurs / O Cinema Inglês Hoje (1997, Kampaï Productions, distribuído por Arte) • Vamps et femmes fatales du cinéma européen / Mulheres Fatais do Cinema Europeu (2000, Kampaï Productions, distribuído por Ciné Cinémas) • Claude Sautet ou la magie invisible / Claude Sautet ou a Magia Invisível (2003, Les Productions Bagheera) • Bertrand Tavernier, cinéaste de toutes les batailles / Bertrand Tavernier, cineasta de todas as batalhas (2010, Nord-Ouest Documentaires, distribuído por France 5, série “Empreintes”) Manhattan, Woody Allen, 1979. © MGM
PRIMEIRA PARTE: A MÚSICA ANTES DA FILMAGEM A música inspiradora do filme A primeira ideia para um filme pode ser uma inspiração musical, seja por narrar a história da vida de um compositor famoso, seja por buscar a popularidade de uma música em particular. A fim de cativar o espectador e embarca-lo na história, dá-se vida aos personagens utilizando uma trilha musical conhecida. Seja erudita ou popular, clássica ou contemporânea, jazz, pop, rock ou world music, a música inspira as imagens das cenas futuras. É assim, por exemplo, que os coreógrafos e diretores de ópera sempre trabalharam. Tão logo Sergio Leone tinha uma ideia para um novo filme, ele imediatamente pedia a Ennio Morricone para compor os temas musicais. O diretor usou muitas vezes essas músicas como inspiração para escrever o roteiro do filme, e até mesmo para convencer os atores a aceitarem os papéis destinados a
Cartazete do filme Garota de Ipanema, Leon Hirszman – 1967. Cedido por Maria Hirzsman © Cinemateca Brasileira
eles. Orquestrada e gravada antes do filme ser rodado, a música era tocada para acompanhar a entrada dos atores e da equipe técnica no set do filme, para deixá-los ‘no clima’ de uma cena em particular. O cinema oferece, em uma escala sem precedentes, a possibilidade da “arte total” sonhada por Richard Wagner no século XIX: um mundo inteiro ganha vida ao som de uma trilha musical. A música também pode inspirar o cineasta em seus momentos mais introspectivos. Para ajudar na criação do roteiro, ele ouve repetidamente uma certa música até se impregnar com a ideia que ela suscita e, às vezes, até encontrar um lugar para aquela música na trilha do filme. Neste sentido, a música alimenta de uma maneira profunda a criação de um filme.
Cartaz do filme Veja esta Canção, Carlos Diegues. © Luz Mágica
Sergio Leone e Ennio Morricone. © Stavro Jabra
Yellow Submarine, Georges Dunning, 1968. Coleção TCD – Prod DB © King/DR
A música dita o ritmo Em alguns casos muito específicos, como em filmes que são inteiramente cantados ou dançados, a música toca do início ao fim, ininterruptamente, durante toda a projeção. Nestes casos, a música tem que ser gravada integralmente antes do filme começar a ser rodado: é a duração e o ritmo da música que se impõem a todas as demais etapas de produção! Isto ocorre em balés e óperas filmadas, e também em adaptações de musicais, como Evita, O Fantasma da Ópera e Os Miseráveis. Para o seu terceiro longa-metragem, Jacques Demy teve a ideia ousada de fazer um filme em que todos os diálogos fossem inteiramente cantados. A trilha sonora composta por Michel Legrand foi integralmente gravada antes das filmagens, impondo seu ritmo à direção das cenas e dos atores. No set de filmagem, os atores cantaram o filme todo em playback. No início, foi difícil convencer os produtores deste projeto, mas o enorme sucesso internacional do filme (e da música), coroados pelo prêmio Louis-Delluc e pela Palma de Ouro em Cannes, provaram que a inspiração do cineasta estava certa.
Alfred Hitchcock durante as filmagens de O Homem que Sabia Demais, 1956. Coleção National Film Infomation Service Margaret Herrick Library © Universal Pictures
“O HOMEM QUE SABIA DEMAIS”: UM ENCONTRO FATAL DE CÍMBALOS
Nas duas versões de O Homem que Sabia Demais, de Alfred Hitchcock, de 1934 e de 1956, um assassinato está para ocorrer no momento exato em que o som de um instrumento encobre o barulho do tiro. Neste caso, a trilha musical não pode ser separada da ação dramática. A heroína aos poucos se dá conta da situação: como ela irá reagir? O espectador, diferentemente do personagem do filme, já conhece a música e enquanto ela é executada num crescente, ele permanece em ‘suspense’, aguardando pelo encontro fatal dos címbalos. Na versão de 1956, os créditos começam com este aviso: “Como um único encontro de címbalos pode abalar a vida de uma família americana”. Durante esta famosa cena, o próprio compositor Bernard Herrmann rege sua adaptação feita para a segunda versão do filme, numa nova orquestração, da Storm Cloud Cantata, escrita por Arthur Benjamin para a versão de 1934. Jacques Demy e Michel Legrand, 1963. Foto de Agnès Varda © Ciné Tamaris
SEGUNDA PARTE: DURANTE A FILMAGEM Músicos no set, dos filmes mudos aos falados Na era dos filmes mudos, o diretor dava suas instruções para os atores em voz alta e, no set de filmagem, os músicos tocavam sem parar, proporcionando um “clima” para as cenas. Esta era uma prática comum da década de 1910 em diante, especialmente em Hollywood, inclusive nas cenas gravadas ao ar livre. Geralmente, havia um pianista e um violinista que improvisavam em cima das melodias de seus repertórios. Hoje, pouco se sabe sobre o tipo de música que eles tocavam. Nos anos 1920, Arthur Honegger, Darius Milhaud, Georges Auric, Arnold Schönberg e Érik Satie produziram acompanhamentos musicais retirados de seus próprios repertórios, mas também criaram algumas peças originais. Foi assim que Gottfried Hupperts compôs os temas musicais para Metropolis, de Fritz Lang, enquanto Arthur Honegger escreveu várias músicas originais para os filmes de Abel Gance. A música que acompanha os filmes mudos abrange um repertório que vai do clássico ao popular. Varia de acordo com o tom ou o caráter da cena, podendo ser engraçada ou dramática, romântica ou de ação. Os produtores cientes da importância dessa música, criaram livretos para os cinemas – que eram entregues juntamente com os rolos de filme – contendo várias músicas (originais ou coletâneas), bem como as músicas das sequências do filme. Os arquivos guardados por Paul Fosse, diretor musical do Palácio Gaumont, fornecem informação sobre essas práticas. As dicas de acompanhamentos musicais, baseadas numa decupagem extremamente precisa das cenas, revelam um crescente cuidado na produção do filme ao criar uma conformidade entre a música e a imagem, antecipando, assim, o que mais tarde, viria a ser a “trilha sonora original” dos filmes falados. Os filmes falados, com gravação ao vivo dos diálogos, exigiam silêncio total durante as filmagens e acabaram com a presença de músicos no set. Porém, antes do desenvolvimento das técnicas de mixagem, as cenas musicais demandavam a presença de uma orquestra inteira no set.
Charles Chaplin conduzindo a gravação de Um Rei em Nova York, 1957. © Rue des Archives
DOCUMENTÁRIOS DE ROCK E ATORES MÚSICOS A música no cinema é responsável pelo O momento em que um filme está sendo desenvolvimento de duas técnicas bem rodado não é a etapa de produção em que a música está mais presente, exceto nos filmes diferentes: a gravação ao vivo e o playback. onde a música possui um papel na história, Para documentários, o som direto é uma pois é nessa etapa que a verossimilhança máxima. No entanto, um show filmado é construída e a ilusão cinemática criada. pode ter sido gravado durante várias Músicos são retratados com frequência apresentações, montadas, posteriormente, em filmes. Às vezes, os diretores na edição de áudio e na mixagem, de forma a contratam músicos que sabem atuar, mas, dar a impressão de uma só performance. Em normalmente, eles escolhem atores capazes One + One, Jean-Luc Godard filma os Rolling de atuar como se fossem músicos. Se um Stones em longas tomadas feitas ao longo de ator ou atriz precisa cantar, mas não tem diversas sessões de gravação em estúdio da uma boa voz, eles podem ser dublados. Se música Sympathy for the Devil. Nos Estados um ator precisa tocar um instrumento na Unidos, os produtores impuseram ao diretor tela, é essencial um longo período de prática. que a edição final do filme terminasse com a Não importa se os atores estão “fazendo de música sendo tocada na íntegra e que o filme conta” ou não: o importante é que a música ganhe vida na tela. fosse lançado com o título da canção.
Jean-Luc Godard na filmagem de One+One, com Mick Jagger e Bill Wyman. © Keystone features / Hulton Archive / Getty Images
EDUARDO COUTINHO E AS CANÇÕES DA NOSSA VIDA
O filme documentário As Canções, do cineasta Eduardo Coutinho (1933 – 2014), nasce de uma única pergunta: qual é a música que marcou a sua vida? E narra por meio de relatos dos entrevistados, pessoas comuns, histórias e casos particulares relacionados à determinada canção. O projeto surgiu de uma ideia antiga do diretor de registrar pessoas cantando músicas de Roberto Carlos, mas mudou de ideia, e ampliou suas escolhas para a música brasileira em geral. No filme, cada pessoa canta e conta as razões que fizeram uma determinada canção ser a trilha da sua vida. Como o homem que canta Esmeralda, de Fernando Barreto e Filadelfo Nunes, e chora ao lembrar-se de sua mãe de 85 anos, que fazia vestidos de noivas cantarolando a canção. “A música sempre esteve nos meus filmes. Minha relação com a canção é algo muito antigo, já quis fazer um filme só com músicas do Roberto Carlos, mas seria um projeto difícil. A canção é a coisa mais rica que o Brasil tem. Não é nem sequer a música ou a melodia, é a canção.” (Eduardo Coutinho, 2011, entrevistado por Lucas Salgado)
Cartaz do filme As Canções, Eduardo Coutinho. © Videofilmes
“2001, UMA ODISSEIA NO ESPAÇO”
Melancolia, Lars von Trier, 2011. Foto de Christian Geisnaes © Zentropa Entertainments27 ApS
Apesar das regras de Hollywood e da insistência da MGM, Stanley Kubrick rejeitou a música composta por Alex North para o filme, em favor de uma seleção muito pessoal de músicas preexistentes assinadas por Richard Strauss, Johann Strauss e György Ligeti. Aparentemente, Kubrick avisou a North que não usaria sua música na segunda parte do filme. Na pré-estreia, o compositor descobriu que a sua música havia sido integralmente retirada do filme. A partir daí, o diretor passou a privilegiar o uso de músicas que já existiam, em detrimento das trilhas originais. E assim, abriu caminho para muitos cineastas considerados “modernos”. Laranja Mecânica (1971) utiliza ironicamente músicas de Purcell, Rossini, Beethoven e Cantando na Chuva. As músicas clássicas de Handel e Schubert escolhida para Barry Lyndon (1976) foram, ao mesmo tempo, habilmente integradas ao filme e criticadas pelos puristas por seus arranjos. Kubrick chamou a compositora Jocelyn Pook para compor as trilhas dos filmes O Iluminado (1980) e De Olhos Bem Fechados (1999), e, ao mesmo tempo, mixava sua trilha de músicas preexistentes, especialmente de Ligeti, que ele descobriu na época de 2001, Uma Odisseia no Espaço.
TERCEIRA PARTE: A PÓS PRODUÇÃO
A música preexistente: risco ou facilidade? Por que escolher uma trilha original ao invés de uma música que já existe? O que importa, na verdade, é menos a música em si, e mais como ela se conecta à imagem. Quando se trata de algo familiar ao público, a música pode dar um sentido especial às imagens, atuando como uma referência (A Cavalgada das Valquírias evocando a violência da conquista) ou como um contraponto (Maria Antonieta ao som de rock). A escolha por uma música preexistente pode também ser feita para atender o desejo do diretor de usar algo do seu gosto ou memória musical, ou simplesmente por temer lidar com um outro ‘criador’: o compositor da trilha original! Uma música preexistente, geralmente arranjada para
o filme e raramente usada na íntegra, de certa forma torna-se novamente uma peça original. Não raramente, trilhas temporárias conhecidas como temp tracks são usadas antes do compositor começar a trabalhar indicando onde a música deve entrar. Às vezes, essas trilhas se tornam “definitivas”. Johann Sebastian Bach é um dos compositores clássicos mais utilizados no cinema, seja diretamente ou através de citações musicais. Sua Toccata e Fuga em Ré Menor, em sua versão para órgão ou orquestrada, é muito usada para realçar a solenidade, às vezes fúnebre, de uma cena, de um personagem ou mesmo de todo um filme. Esta forma estereotipada de usar música erudita também gerou uma série de imitações e paródias.
Cartaz do filme 2001, Odisseia no espaço, Stanley Kubrick, 1968. Acervo FAAP © Robert McCall
A TRILHA ORIGINAL
O termo score é usado para designar a música do filme, do mesmo modo que “trilha sonora original”, mesmo que a música já exista. Normalmente, os compositores entram num filme depois que a edição de imagens é finalizada. A relação de deixas musicais a serem compostas é, então, passada a eles, juntamente com a duração exata que cada peça deve ter para casar com as imagens. Os compositores devem captar o que os cineastas e produtores esperam do seu trabalho. Eles precisam entender, (ou melhor, sentir), que papel a trilha terá no filme. A força de uma música para a compreensão de uma cena é imensa e, ao mesmo tempo, inconsciente: a música no cinema é feita para ser ouvida, ainda que não seja escutada. A música tem a capacidade de extrair a imagem de sua moldura. Os espectadores acreditam que podem ver o que estão ouvindo. A música pode acompanhar e engrandecer uma ação, ao mesmo tempo em que pode, voluntariamente, contradizê-la, dar a ela um significado inesperado, um ritmo diferente. A música pode acentuar uma emoção presente na imagem ou revelar outra emoção subjacente. Mas ela também pode, paradoxalmente, diminuir o impacto de uma sequência. Desde o início dos filmes sonoros, à exceção de Hollywood, onde a posição do produtor detinha muito poder, os diretores passaram a trabalhar com compositores e a formar parcerias duradouras, que iam de um filme a outro. Este tipo de colaboração aos poucos se tornou a regra nos anos 50 e 60, quando a teoria do autor se desenvolveu. Este conceito mais moderno se consolidou na Itália, por exemplo, com as músicas de Nino Rota para os filmes de Fellini, de Giovanni Fusco para os filmes de Antonioni e, posteriormente, de Ennio Morricone para os filmes de Leone. Até mesmo em Hollywood, duas das maiores parcerias nasceriam nesse período: Alfred Hitchcock - Bernard Hermann e Blake Edwards – Henry Mancini. A “monogamia” não é a única forma de cooperação fiel entre compositores e diretores, embora a lista desses duos criativos, que transformaram o casamento da música com o cinema em algo tão fértil, seja bem extensa. Isto prova que a música merece ser profundamente integrada ao processo de atuação. Idealmente, o sucesso da dupla deve-se a diretores que entendem de música e à compositores que conhecem o cinema. Orson Welles e Bernard Hermann durante a sessão de gravação da música de Cidadão Kane (1941). © Lebrecht / Rue des Archives
O TERCEIRO HOMEM: TRIUNFO DO SOLISTA
O sucesso de uma trilha não necessariamente depende de uma orquestra. Três das trilhas mais famosas de todos os tempos foram executadas em performances solo: Narciso Yepes, ao violão, para o filme Jogos Proibidos, de René Clément; Miles Davis, no trompete (com seu quinteto), para o filme Ascensor para o Cadafalso, de Louis Malles; e Anton Karas, na cítara, no filme O Terceiro Homem, de Carol Reed. Este último, filme britânico de estilo noir, filmado em 1948, ganhou o Grand Prix do Festival de Cannes de 1949. A música do filme é famosa até hoje. Durante onze semanas, entre abril e julho de 1950, a canção alcançou o topo dos discos mais vendidos nos Estados Unidos. Dizem que o diretor ouviu o músico tocar numa festa e, então, pediu ao seu editor para ouvir suas composições. Em Viena existe um museu dedicado exclusivamente a esse filme.
Jeanne Moreau e Miles Davis durante a sessão de gravação do filme Ascensor para o Cadafalso, Louis Malle (1957). © Vincent Rossell / Rue des Archives
O compositor Max Steiner no piano, 1940. © Rue des Archives
Anton Karas durante a gravação da música do filme O Terceiro Homem, Carol Reed, 1949. © London Film Prod. / DR
ENTREVISTA COM NINO ROTA
SM: Já que o primeiro impulso vem necessariamente do diretor, pela sua experiência, como acontece a transposição? NR: O diretor cria uma imagem na qual sente a necessidade de ter certa música, mas ele não sabe defini-la. E é essa definição que cabe ao músico.
Quando componho a música de um filme, tento não fazer “música de filme”
SM: Se me lembro bem, você disse numa entrevista que era preferível não divulgar o tempo necessário para escrever os trechos de música de um filme, pois isso poderia ser mal interpretado. NR: Em geral, preciso de quinze dias.
Entrevista de Nino Rota a Sergio Miceli1 Sergio Miceli: Maestro, gostaria de saber seu ponto de vista sobre a opinião bastante difundida de que ouvir música de filme fora do contexto cinematográfico não é justificado. Nino Rota: Independentemente do cinema, que parte da música atual realmente vale a pena ser ouvida? Em minha opinião, uma música de filme pode muito bem ter sua própria coerência. Nós a compilamos num disco e dá certo, ela tem seu charme, sua continuidade. Realmente, quando faço a música de um filme – e isto é uma qualidade que penso possuir mesmo se ela não transparece muito claramente –, sou capaz de fazer algo que tem seu próprio desenvolvimento interno. Mas é bem difícil dizer se essa música – que não possui um fim em si mesmo, mas encontra sua razão de existir num filme, que pode ser de grande qualidade artística e que a música pode até melhorar – é mais válida, ou não, do que uma música que talvez tenha sua própria autonomia, mas que não tem vida. Há alguns dias, no conservatório de Bari, falei com jovens que tinham ido ouvir um concerto onde havia um trecho de Nono. Eu perguntei a eles: “Vocês gostaram?” Eles responderam: “Parecia com música de filme; música de filme de terror... de Hitchcock, com aqueles sons.” Se você for dizer a Nono que a música dele parece com música de filme, vai ver uma coisa! Mas eu sempre evitei fazer esse tipo de ‘música de filme’. Quando componho a música de um filme tento não fazer ‘música de filme’. SM: Há uma valsa em 8 1/2 (1963), chamada E poi (“ E depois”), cuja necessidade no filme eu realmente não consegui entender. Parece até que ela poderia existir fora do filme. NR: E ela realmente vem de outro filme. Foi Fellini que a quis em 8 1/2. Às vezes, quando está em busca de algo, ele se lembra de
Retrato de Nino Rota nos anos 1970. Coleção Cinémathèque française - Iconothèque © Associated Press
algumas peças minhas, as ouve novamente e me diz: “Essa daqui ficaria bem ”. O que posso dizer? Tenho uma particularidade: Fellini tem a certeza de que sou distraído demais para entender o que eu vejo em seus filmes. Ele chega a pensar que, naquele momento, penso que estou vendo um trecho de outro filme! Então me diz: “Atenção, Nino, não é a A Doce Vida…” É por isso que às vezes coloco alguns elementos num filme, simplesmente porque ele gostou. SM: Então não se trata de uma exigência comercial… NR: Não. Ali não foi o caso. Mas fiz, por exemplo, um filme com a Paramount, O Poderoso Chefão (1972), e eles insistiram para ter temas que pudessem constituir uma canção. Eu incluí três, que se destacam bem, mas foi um erro, pois se quisessem criar um efeito só era preciso colocar um, e isso num plano estritamente comercial. Para fazer bem música de filme, é preciso talento musical do compositor e talento musical do diretor. Senão, fica difícil. Senão, faz-se um desses filmes em que a música não tem um papel realmente determinante.
SM: Até para um filme como 8 1/2 ? NR: Claro. Mas sabe em quanto tempo Mozart escreveu “As Bodas de Fígaro”? Para esse último trabalho, Fellini me deu o filme uns quarenta dias antes. Nós decidimos juntos os momentos da minha intervenção, eu entendi mais ou menos o que ele queria e comecei a trabalhar, mas sem ele. Depois ele voltou durante uns três dias, e nós finalizamos tudo. Nos Estados Unidos há outra maneira de trabalhar: eles deixam cada um fazer sua parte de uma vez só. Um escreve o roteiro; o outro filma; um terceiro fornece a música. De maneira que as coisas acontecem de uma forma alucinante e, quando o músico escreve a trilha – a partitura –, ela já deve estar pronta. Mas eu, pelo contrário... Você viu hoje [na gravação da música de Roma de Fellini]? A todo momento eu interrompia, mudava um instrumento ou outro e modificava uma coisa ou outra. Quando tocadas no piano, algumas coisas parecem boas, mas, na realidade... E imaginemos que uma música deva ser tocada mais lentamente, então será preciso mudar alguns tempos, pois a orquestra não tem o mesmo peso que o piano. Quando escrevi a trilha de O Poderoso Chefão, os americanos queriam que eu a enviasse, mas isso estava fora de questão. Com Fellini, isso não acontece. Ficamos muito próximos, pois avançamos aos poucos. Fellini é alguém que nunca poderia, nem por todo ouro do mundo, ouvir uma música que, de certa forma, não lhe pertencesse. Posso dizer que ele nunca foi a uma ópera, ou a um concerto, e ele não gosta de ouvir música, fica irritado, pois é muito sensível e não gosta de se deixar levar. Ele só quer se deixar levar por suas imagens. Não é um “ viciado”, como eu! Em compensação, quando trabalhamos juntos, durante a fase de pesquisa da ideia inicial, ele pode ficar três, quatro horas ouvindo sem que sua percepção enfraqueça. Ele tem uma sensibilidade musical que combina com seu universo. Fellini tem a capacidade de sentir o que Stravinski faria, ele dá liberdade à sua originalidade de orquestrador anticonformista, confiando em sua intuição de neófito. Ele observa pequenas coisas por analogia ao que conhece, não em virtude do seu conhecimento, mas produz uma expressão estilística moderna. E de forma geral, é preciso dizer mais uma coisa: para Fellini, o cinema deve ser explicitamente um espetáculo, com todos os elementos que o tornam assim. Dessa forma, como pensar que a música pode ter um papel menor ou secundário? SM: Eu entendo, mesmo se, às vezes, acho que nos filmes dele há elementos simultâneos excessivos à banda sonora: diálogos, barulhos, muita música... NR: Veja bem, não sou totalmente responsável por isso. Nunca assisto à mixagem dos filmes de Fellini pois se estivesse presente, manteria a música baixa e a interromperia o tempo todo. Não vou à mixagem pois sei que ele a usa demais. Digamos que a
música está em boas mãos! Ele chega a brigar com os técnicos de som. O técnico sempre procura defender os diálogos, porque quando não se ouve os diálogos, o público percebe, mas quando não se ouve a música, só o compositor percebe. E Fellini obriga o técnico a ouvir a música e é até capaz de aumentar o volume para cobrir uma réplica que não o agrada. É ele que controla a música. SM: Em alguns casos, há músicas já existentes. Penso sobretudo na cena do harém ou na das termas em 8 1/2. Eu me pergunto se, nesses casos, você deu sugestões. NR: Não, não. Foi ele que decidiu. Eu intervim depois. Na cena do harém, por exemplo, fiz uma reorquestração do trecho de Wagner apenas para alguns instrumentos. Foi uma barulheira dos infernos, parecia a verdadeira “Cavalgada das Valquírias”. Já o Tchaïkovski ficou mais ou menos idêntico ao original. SM: O processo que você descreveu foi o mesmo em todas as obras que fizeram juntos? NR: Na verdade, algumas vezes foi diferente. Em A Estrada da Vida (1954), em especial, Fellini usou um disco, um ritmo surgido de uma variação, falsa, inclusive, não original, de “Follia”, de Corelli. Foi filmado nesse ritmo, que vemos em alguns movimentos do violino e movimentos dos pistões do trompete. E eu fiz o tema que conhecemos, pois estava convencido de que o que ele tinha usado não ficava bem.
SM: Então não há dissociação nem atritos entre as duas facetas? NR: Há um lado claramente negativo no cinema: é o lado prático, o aprisionamento da pessoa ao trabalho cinematográfico, o cansaço físico, não no plano musical. Estamos à mercê dele. O cinema prende você durante vários meses e, de repente, pode prender novamente, sem aviso prévio, pois uma necessidade surge acima da outra. Com um diretor que tem uma boa sensibilidade, posso fazer a música numa semana. Se só houvesse o trabalho estritamente musical, não seria difícil. Mas é o contexto inteiro. Não sabemos aonde seremos levados no último momento. Imagine que todos os dias encontramos a montagem modificada e é preciso repensar a música toda... Há o montador americano que tem sua ideia, o diretor, o produtor... Cada um a imagina de uma maneira. E assim perde-se um dia. Um dia ? Não, meses! E é cansativo. Fisicamente cansativo. Já com Fellini, é o contrário. São férias. Antes de mais nada porque cada coisa é decidida de antemão e não se muda mais. E com ele nos divertimos. Então faço com prazer, como se não fosse um trabalho. Trechos de uma entrevista publicada em Musica e cinema nella cultura del Novocento, por Sergio Miceli, Roma, Bulzoni, 2010. A entrevista aconteceu em Roma, no dia 29 de janeiro de 1972, numa trattoria perto da Piazza delle Coppelle, à ocasião da gravação de trechos de música destinados ao filme Roma de Fellini. 1
Trata-se da Sinfonia sopra una canzone d’amore (Sinfonia sobre uma canção de amor), datada no catálogo Ricordi de 1947 mas que foi tocada pela primeira vez em 1972, após seu sucesso no cinema. 2
SM: Você trabalhou de forma satisfatória no plano musical com outros diretores? NR: Sim, claro. Com vários. Visconti, sobretudo. Nós já éramos amigos, tínhamos amigos em comum, ele é milanês como eu e nós nos encontrávamos. Mas ele nunca desceu do seu Olimpo, praticamente só se interessava por música alemã. (…) Em Sedução da Carne (1954), ele quer Brahms, mas uma certa hora ele muda e começa o segundo tema. E ele me diz: “É, até aqui está tudo bem, mas depois tem que prolongar esse tema.” E eu digo: “Olhe, meu caro, posso fazer esse trabalho, mas não posso fazer acréscimos à música de Brahms… Não dá para manipulá-la.” Então procuramos outra coisa. E eu digo a ele: “Ouça, se tiver sequências que duram vinte minutos, será preciso achar um compositor que não mude de clima durante vinte minutos: Bruckner.” Foi assim que usamos a “Sinfonia no 7”, de Bruckner, e eu achei uma maneira de ‘manipulá-la’ sem modificála, pois o encadeamento do pensamento do autor ainda é preservado e cobre essas sequências intermináveis. Foi assim que fizemos esse trabalho. (…) E houve um caso justamente oposto a isso. Ele me disse: “Em O Leopardo (1962) não quero uma música de comentário, quero uma sinfonia composta por você intitulada O Leopardo.” Ele queria me tornar um compositor clássico, de quem se usa uma música já existente. Então, toquei para ele temas diferentes, dentre eles, um de uma sinfonia que tinha escrito em 1944-1945. Uma sinfonia assim, romântica2. Na verdade, não estava muito seguro sobre ela no plano do estilo e nem tinha orquestrado. Mas era algo que tinha ficado bastante razoável. Então eu toquei e ele logo disse: “Esse é o tema de Leopardo.” SM: Você percebe uma dissociação entre o compositor Rota no cinema e o compositor Rota que escreve para si mesmo? NR: Às vezes pode haver uma dissociação, mas também uma associação. Por exemplo, compus uma ópera, Il cappello di paglia di Firenze (“ O Chapéu de palha de Florence ”), que talvez seja a obra mais tocada no palco e na qual há muitos temas de filmes. Eles me forneceram as bases para começar.
Luchino Visconti, com Claudia Cardinale e Burt Lancaster, durante a filmagem do filme O Leopardo, 1963. Coleção Fondation Jérôme Seydoux - Pathé © 1963 - Société Nouvelle Pathé Cinéma - Titanus
OS 35 DUOS MAIS FAMOSOS DO CASAMENTO ENTRE CINEMA E MÚSICA Jean Cocteau / Georges Auric Jean Vigo / Maurice Jaubert S.M Eisenstein / Serguei Prokofiev Kenji Mizoguchi / Fumio Hayasaka Michelangelo Antonioni / Giovanni Fusco Federico Fellini / Nino Rota Satyajit Ray / Ravi Shankar Claude Chabrol / Pierre Jansen Roman Polanski / Krzyztof Komeda Blake Edwards / Henry Mancini Joseph Losey / John Dankworth Carlos Diegues / Chico Buarque Rainer Werner Fassbinder / Peer Raben Claude Sautet / Philippe Sarde Nanni Moretti / Franco Piersanti Akira Kurisawa / Tôru Takemitsu Peter Greenaway / Michael Nyman David Cronenberg / Howard Shore
Alexandre Desplat e Jacques Audiard, 2009. © Xavier Forcioli
Joel e Ethan Coen / Carter Burwell Krzystof Kielslowski / Zbigniew Preisner Paoli e Vittorio Taviani / Nicola Piovanni Luc Besson / Eric Serra Joe Hisaichi / Hayao Miyasaki Tim Burton / Danny Elfman Theo Angelopoulos / Eleni Karaindrou James Cameron / James Horner Atom Egoyan / Mychael Danna Emir Kusturica / Goran Bregovic Spike Lee / Terence Blanchard Ken Loach / George Fenton Claire Denis / Tindersticks Pedro Almodóvar / Alberto Iglesias Wong Kar Wai / Shigeru Umebayashi Walter Salles / Antônio Pinto Benoit Jacquot / Bruno Coulais
A DUPLA HITCHCOCK - HERRMANN Desde 1930, os departamentos de música dos grandes estúdios de Hollywood têm sido gerenciados por produtores. Sendo assim, cineastas não escolhem seus compositores, a não ser que os diretores atuem como seus próprios produtores. Hitchcock tentou seduzir Bernard Herrmann desde o filme Quando Fala o Coração (1945), mas como o compositor já estava engajado em outra produção, foi Miklós Rózsa que assinou a trilha deste filme de suspense psicológico. A intuição de Hitchcock estava absolutamente certa, pois a partir de O Terceiro Tiro (1955) e até Marnie – Confissão de uma Ladra (1964), os dois formaram uma das duplas mais influentes do cinema. Devaneio mórbido em Um Corpo que Cai, tontura ritmada e alegria melódica em Intriga Internacional, horror dissonante e avassalador em Psicose, Herrmann impulsionou os filmes de Hitchcock a um sucesso sem precedentes. Durante as filmagens de Cortina Rasgada (1966), Hitchcock interrompeu brutalmente uma sessão de gravação da trilha de Herrmann, repreendendo-o por não ser ‘pop’ e atual. A substituição de Herrmann por John Addison pôs um fim à parceria de doze anos e oito filmes; um golpe duro e difícil do compositor esquecer.
Steven Spielberg e John Williams, 1977. © Rue des Archives / BCA
TRILHAS SONORAS ORIGINAIS BRASILEIRAS Na época do cinema mudo, as projeções de filmes no Brasil eram acompanhadas de músicas escolhidas tanto do repertório erudito quanto popular, como pode ser observado na faixa musical do clássico de vanguarda Limite (1931). O mais famoso compositor de música erudita da época, Heitor Villa-Lobos, se interessou pelo cinema ao escrever a primeira partitura original do cinema brasileiro, para o filme O Descobrimento do Brasil (1937). O cinema falado deu origem às chanchadas, filmes musicais que durante mais de trinta anos deram destaque a cantores oriundos do palco, da rádio ou do disco, em ritmo de samba. Paralelamente, filmes de gênero (comédias, dramas, policiais, filmes de ação) integram, no modelo hollywoodiano, trilhas sonoras originais, escritas por músicos de formação clássica como Guerra-Peixe, Claudio Santoro e Gabriel Migliori, ou ainda, por compositores especializados como Remo Usai. Nos anos 1960, a explosão do Cinema Novo não hesita em revisitar a tradição musical, transformando-a ou subvertendo-a. As músicas preexistentes são usadas de maneira irônica ou transgressiva, como um excerto de VillaLobos relembrada em Deus e o Diabo na Terra do Sol de Glauber Rocha, ou um sucesso do cantor Roberto Carlos transformado em Macunaíma de Joaquim Pedro de Andrade. Simultaneamente, nesse movimento inovador, a imensa popularidade dos músicos de Bossa Nova é favorável ao cinema, e a sua maioria está, até hoje, entre os compositores das memoráveis trilhas originais para o cinema, como os conhecidos compositores: Luís Bonfá, Gilberto Gil, Chico Buarque de Hollanda, Francis Hime, Tom Jobim, Zé Kéti, Edu Lobo, Vinícius de Moraes ou Caetano Veloso. Desde então, surgiram novas gerações de compositores e cineastas contemporâneos como Hector Babenco, Walter Salles e Fernando Meirelles. Estes novos cineastas se inspiram tanto na música tradicional brasileira quanto na música de cinema americana ou europeia: André Abujamra, Luiz Avellar, Egberto Gismonti, John Neschling, Wagner Tiso, José Miguel Wisnik ou, mais recentemente, Pedro Bromfman, Antonio Pinto, Heitor Teixeira Pereira e Marcelo Zarvos.
Cartaz do filme Cidade de Deus, Fernando Meirelles, 2002. © Videofilmes
Carlos Diegues e Chico Buarque. © Luz Magica
MONTAGEM E MIXAGEM Na maioria dos filmes, a música só interfere esporadicamente e o diretor tem que “dirigir” estas intervenções. A maneira como a música entra ou sai de cena pode ser mais ou menos sutil: entra um personagem, uma atmosfera é criada, a câmera corta para outra cena. O legado de Hollywood foi impor um tratamento musical que é, ao mesmo tempo, presente e discreto, passando imperceptível do primeiro plano para o plano de fundo, de acordo com a narrativa. Desde então, os cineastas modernos têm questionado a noção de “transparência” musical, impondo deixas violentas ou inesperadas, o que, paradoxalmente, faz com que o espectador as perceba. Em regra geral, quando os compositores entregam a música, ela se encaixa perfeitamente com as imagens. Atualmente, os recursos tecnológicos são inúmeros e há programas específicos para os ajustes definitivos nas gravações.
O Cangaceiro, Lima Barreto, 1953. Coleção pessoal de Vanja Orico
É durante a mixagem que a relação som-imagem se consolida: a escolha do volume da música, por baixo dos diálogos, em divergência ou em harmonia com outros sons e o ambiente. Desde a criação do estéreo, passando pela evolução do dolby e da tecnologia digital, a dimensão espacial da música transformou a experiência sensorial do espectador. Nas palavras do compositor norte-americano, Aaron Copland, mais do que nunca, a música é uma “pequena chama colocada por detrás da tela para ajudar a inflamá-la”. Esta frase também nos faz lembrar que a música ainda deve servir aos objetivos do filme.
“O CANGACEIRO”, DE LIMA BARRETO, 1953
UM ESTÚDIO DE MIXAGEM NA EXPOSIÇÃO!
O Cangaceiro, cuja história se inspira na lendária figura de Lampião, foi o primeiro filme brasileiro a conquistar as telas do mundo e ganhou o prêmio de melhor filme de aventura e de melhor trilha sonora no Festival Cannes de 1953. Com trilha de Gabriel Migliori, a música tema Mulher Rendeira foi arranjada por Zé do Norte, a partir de uma canção composta pelo próprio Lampião nos anos 1920, e interpretada no filme pelo grupo Demônios da Garoa e a atriz Vanja Orico. O sucesso em Cannes levou o filme para mais de 80 países.
Os visitantes são convidados a utilizar um estúdio de mixagem onde podem alterar os níveis da música, impactando nos diálogos e no som, em trechos de três filmes: Nos meus lábios (Jacques Audiard, 2001, música de Alexandre Desplat), Inimigo Público Nº 1 – Instinto de Morte (Jean-François Richet, 2008, música de Marco Beltrami e Marcus Trumpp) e Cidade de Deus (Fernando Meirelles, 2002, música de Antônio Pinto e Ed Côrtes).
Foto do estúdio de mixagem da exposição. © Matthias Abhervé - Cité de la Musique
SESC - SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO Administração Regional no Estado de São Paulo
MÚSICA E CINEMA: O CASAMENTO DO SÉCULO?
PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL Abram Szajman
Sesc Pinheiros Programação Lígia Moreli (coordenação), Sandra Kaffka (supervisão do projeto), Caio Csermak, Cristiano Luiz Sottano, Suamit Barreiro | Comunicação Fernanda Monteiro (coordenação), Walter Bertotti | Alimentação Adriana Iervolino | Serviços Claudio Hessel | Administrativo Luciano Amadei | Infraestrutura Marcela Weege
DIRETOR DO DEPARTAMENTO REGIONAL Danilo Santos de Miranda
SUPERINTENDENTES Técnico Social Joel Naimayer Padula | Comunicação Social Ivan Paulo Giannini | Administração Luiz Deoclécio Massaro Galina | Assessoria Técnica e de Planejamento Sérgio José Battistelli GERÊNCIAS Ação Cultural Rosana Paulo da Cunha | Adjunta Kelly Adriano | Assistentes Henrique Rubin, Sonoe Juliana Ono Fonseca, Rodrigo Gerace e Talita Rebizzi | Artes Visuais e Tecnologia Juliana Braga | Adjunta Nilva Luz | Assistentes Juliana Okuda e Kelly Teixeira | Assessoria de Relações Internacionais Aurea Vieira | Estudos e Desenvolvimento Marta Raquel Colabone | Adjunto Iã Paulo Ribeiro | Artes Gráficas Hélcio Magalhães | Adjunta Karina Musumeci | Sesc Pinheiros Flávia Carvalho | Adjunto Ricardo de Oliveira Silva
CITÉ DE LA MUSIQUE Diretor geral Laurent Bayle | Diretora delegada das relações internacionais Clara Wagner | Diretor do museu Eric de Visscher | Diretora adjunta Alice Martin | Diretora das exposições Isabelle Lainé | Coordenadora do projeto Julie Bénet | Operações cenográficas Olivia Berthon, Dictino Ferrero | Concepção e coordenação audiovisuais | Matthias Abhervé, Inès Saint-Cerin Supervisão das obras | Charlotte Marland
Curadoria N.T.Binh | Pesquisa na França Pierre Berthomieu, Alexandre Desplat, Stéphane Lerouge, François Porcile, François Ribac, Nicolas Saada, L’Union des Compositeurs de Musiques de Films | Pesquisa de filmes brasileiros Neusa Barbosa (consultoria), Juliana Okuda, Rodrigo Gerace, Sonoe Juliana Ono Fonseca (equipe Sesc) | Pesquisa de documentos brasileiros Yolanda Barroso (coordenação) e Anita Prunet-Touche (assistente) Cenografia e iluminação França e Brasil Agence Clémence Farrell | Coordenação Mélinée Kambilo | Arquitetura no Brasil Alvaro Razuk e Marcella Verardo | Projeto gráfico original Ich&Kar | Adaptação REC Design | Engenharia sonora Philippe Wojtowicz Coordenação audiovisual Matthias Abhervé | Desenhos Maxime Rebière | Tradução Sophie Wise, Marina Barbosa e Cristiana Brindeiro | Interface interativa Atelier 144 | Técnico de som – mixagem Jean Goudier Produção Bonfilm - Christian Boudier (direção), Emmanuelle Boudier e Vânia Matos (coordenação), Luzimar Valentim (administrativo)
Sesc Pinheiros Rua Paes Leme, 195 Tel: (11) 3095.9400 Estação Faria Lima sescsp.org.br/pinheiros /sescpinheiros
APOIO CULTURAL
APOIO
IDEALIZAÇÃO
Uma adaptação da exposição organizada pela Cité de la Musique, Paris, 2013
REALIZAÇÃO