SG MAG 03 | Julho 2017

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SUMÁRIO SG MAG Edição nº 3 Julho/Setembro 2017

EDITORIAL ........................................................................................................ CRÓNICA: O atraso de Santo António – por Maurício Cavalheiro ............... APRESENTAÇÃO: Decifra-me... ou Devoro-te! – por Isidro Sousa ........... ENTREVISTA: Guadalupe Navarro – por Ricardo Solano ............................ CONTO: Doces mensagens – por Lia Molina ................................................ APRESENTAÇÃO: Sexta-Feira 13 – por Isidro Sousa ................................... CRÍTICA LITERÁRIA: Almas Feridas – por José Bento Silva ...................... REPORTAGEM: Apresentações SG na Casa Bô – por Ricardo Solano ...... MENSAGEM: Exortação! – por Carlos Arinto ................................................ ENTREVISTA: Lucinda Maria – por Isidro Sousa .......................................... CONTO: O amor de Joana – por Lucinda Maria ............................................ CRÓNICA: Os sapatos – por Jeracina Gonçalves .............................................. DESTAQUE LITERÁRIO: A Viagem – por Jeracina Gonçalves ................... CONTO: Regresso a casa – por Rosa Marques ................................................. EVENTOS: Literatura nas escolas e Feira do Livro no Funchal ............... EXCERTO DE LIVRO: O Pranto do Cisne – por Isidro Sousa .................. APRESENTAÇÃO: Amargo Amargar – por Suzete Fraga ............................ EXCERTO DE LIVRO: Amargo Amargar – por Isidro Sousa ..................... OPINIÃO: O flagelo da Síria – por Estêvão de Sousa ...................................... CONTO: A íris azul de Cleópatra – por Júlio Gomes ..................................... REPORTAGEM: Lançamento de “Daqueles Além Marão” ...................... ENTREVISTA: Manuel Amaro Mendonça – por Isidro Sousa ..................... CONTO: Solidão – por Manuel Amaro Mendonça ............................................ REGULAMENTO: Filhos de um Deus Menor ...........................................

005 007 009 015 038 041 048 053 063 073 085 087 091 092 094 101 107 111 123 133 148 161 171 178

POESIA: Rafa Goudard .................................................................................... POESIA: Sandra Boveto ................................................................................... POESIA: Ângela Caboz .................................................................................... POESIA: Isidro Sousa ....................................................................................... POESIA: Everton Medeiros ............................................................................. POESIA: Lucinda Maria .................................................................................... POESIA: Isabel Martins ....................................................................................

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LIVROS: Antes Quebrar Que Torcer ............................................................. LIVROS: Refracções Zero ................................................................................ LIVROS: Em Busca da Felicidade ................................................................... LIVROS: Divagando... ....................................................................................... LIVROS: Terras de Xisto e Outras Histórias ................................................ LIVROS: Tráfico no Rio Geba ........................................................................ LIVROS: Momentos Poéticos .......................................................................... LIVROS: Sexta-Feira 13 ....................................................................................

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LIVROS SUI GENERIS: Novas edições ....................................................... 208 AUTORES SUI GENERIS: Vários autores nas páginas seguintes ........... 211 3



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Isidro Sousa Editor da SG Mag

sg.magazin@gmail.com https://issuu.com/sg.mag

EDITORIAL Apresentamos o terceiro número desta revista literária, uma publicação Sui Generis ao dispor de toda a lusofonia. A presente edição da SG MAG deveria ter sido disponibilizada em Julho; só foi possível publicá-la agora. Ainda assim, dentro do período da trimestralidade, compreendido entre Julho e Setembro. Dá especial atenção à autora Guadalupe Navarro, que reside no Rio de Janeiro, destacando também as entrevistas de Lucinda Maria e Manuel Amaro Mendonça e vários livros recentemente editados. Agradecemos todas as contribuições que tornaram possível esta edição, que contempla também artigos de opinião, crónicas, poesia, contos literários, entre outros conteúdos, e contamos com a vossa colaboração na sua divulgação. Recordamos que este Magazine Literário é composto por entrevistas, crónicas, reportagens, poesia, biografias, artigos de opinião, crítica literária, excertos de livros, contos ou outros textos de ficção, e disponibiliza igualmente espaço para outras artes: portfólios de fotografia, desenho, pintura, etc. Se deseja colaborar com a SG MAG, ou publicitar o seu livro (ou algum evento, espaço ou serviço), contacte-nos por email. Boas leituras, e até à próxima edição!

SG MAG – Magazine Literário Ano 1 – Edição Nº 3 – Julho/Setembro 2017 Editor e Director: Isidro Sousa Periodicidade: Trimestral ISSN: 2183-9573 Redacção e Publicidade: sg.magazin@gmail.com Endereço na Internet: https://issuu.com/sg.mag Colaboração nesta Edição: Ângela Caboz, Carlos Arinto, Carola Requena, Estêvão de Sousa, Everton Medeiros, Guadalupe Navarro, Isabel Martins, Isidro Sousa, Jeracina Gonçalves, José Bento Silva, Júlio Gomes, Lia Molina, Lucinda Maria, Manuel Amaro Mendonça, Maurício Cavalheiro, Rafa Goudard, Ricardo Solano, Rosa Marques, Sandra Boveto, Suzete Fraga Os textos publicados são da exclusiva responsabilidade dos autores que os assinam; os conceitos emitidos pelos autores não traduzem necessariamente a opinião da revista.

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CRÓNICA

O ATRASO DE SANTO

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ANTÓNIO

empre fui cético em relação a simpatias. Esse negócio de pedir ajuda aos santos para realizar desejos, para mim sempre foi perda de tempo. Quem quer tem que lutar pelo que quer e não depender de rituais estapafúrdios POR MAURÍCIO CAVALHEIRO que só servem para alimentar a ingenuidade da esperança. Mas nem todos pensam assim. Na adolescência, tive uma vizinha de poucos atrativos. Todos a conheciam como a “feinha do bairro”. A coitadinha era muito tímida, em razão de tanta feiura – mas jamais fiz qualquer magérrima, tinha o rosto povoado por espinhas, usava comentário escarnecedor a respeito dela –, me apaixoóculos e, segundo colegas de escola, suspirava por um nei. amor secreto. Fiquei noites inteiras pensando em estratégias para Certa vez, a mãe da menina deixou escapar que não verbalizar meu amor. Queria inovar, surpreendê-la com sabia mais o que fazer, pois estava cansada das simpaalgo diferente elaborado pelo meu romantismo. Mas, tias que a filha fazia para conquistar namorado. Contou só de vê-la, o coração esmurrava-me o peito, sentia que Santo António desaparecera do oratório e, mistetremores e suores. Sofri meses nessa ansiedade, até riosamente, aparecera dentro da geladeira. Desconfiaque num final de tarde a vi junto ao portão da casa da, interrogara a filha que negara a autoria do ato. «Sei dela. Atravessei a rua com argumento definido. lá, mãe. Vai ver ele estava com calor.» – Oi, vizinha, tudo bem? Vim pedir um favor. Você Noutro desaparecimento do santo casamenteiro, pode me emprestar o Santo António? Estou apaixonaencontrou-o de ponta cabeça, desbotando dentro de do por uma moça muito linda. Quem sabe ele possa um copo cheio de água, no quarto da filha. Sugeriram me ajudar a conquistá-la. que a menina fizesse um tratamento psicológico. E arrisquei uma piscadela. Ela sorriu, foi buscar o Durante as idas e vindas ao psicólogo, a melhora foi santo e, ao me entregá-lo, revelou: nítida. Recuperou a autoestima, eliminou espinhas com – Tomara que você seja atendido. Eu não fui. Pedi a creme miraculoso, se submeteu à cirurgia para eliminar vida inteira para que você fosse meu namorado e Sanmiopia, entrou na academia e ganhou um corpo desto António não me atendeu. lumbrante. Exultei. Quando abri a boca para pedi-la em namoA “feinha do bairro” se transformou na “miss do ro, um automóvel estacionou perto de nós. Ela beijou o bairro” e passou a ser assediada, diariamente, princimeu rosto e disse: palmente por aqueles que zombaram dela. Tratou-os – Tchau, vizinho! Até mais. Meu namorado chegou. com desprezo. Eu que, confesso, evitava olhar para ela 

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“O Acordo Ortográfico não funciona para a grande maioria dos PALOP. É preciso parar o mais depressa possível com a aplicação do Acordo nas escolas e reconhecer que houve um enorme desastre diplomático. Não tarda, no Word terei de utilizar o corrector do português de Angola, o que é uma boa lição porque o de português de Portugal está cheio de erros ortográficos.” Intervenção de José Pacheco Pereira na “Quadratura do Círculo” (18 de Maio de 2017, SIC Notícias)

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APRESENTAÇÃO

DECIFRA-ME... OU DEVORO-TE! ISIDRO SOUSA Nasceu em 1973, numa aldeia remota das Terras do Demo, concelho de Moimenta da Beira, e reside no Porto. Jornalista e editor de publicações periódicas desde 1996, fundou, dirigiu e editou revistas, jornais e guias turísticos, publicou a primeira antologia em Fevereiro de 2001, colaborou com três editoras, participou em três dezenas de obras colectivas, foi distinguido num concurso literário e é o responsável pelos projectos da Sui Generis, que criou em Dezembro de 2015. Publicou dois livros: «Amargo Amargar» e «O Pranto do Cisne».

“As doze estórias que compõem

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ricas na nobreza de sentimentos,

as cento e cinquenta páginas de Decifra-me... ou Devoro-te! são divinas, irresistíveis, autênticos bálsamos para a alma. Estórias despretensiosas que numa primeira instância podem afigurar-se bastante simples, porém, revestidas de uma sofisticada complexidade; algumas aparentemente sem nexo mas de uma profundeza intensa, de um humanismo sem igual,

nos afectos ou nas relações interpessoais, bem como nos contextos em que são inseridas, nas ambiências envolvidas. Estórias enigmáticas, magistrais, em que cada protagonista, cada personagem, cada enredo convida à leitura... à viagem, ao mergulho no seu universo, ao desafio de desvendá-la.” POR ISIDRO SOUSA 9


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uma tarde abrasadora, em pleno esplendor de Agosto do ano 2015, a autora Guadalupe Navarro surgiu no meu percurso literário. Embora o seu nome fosse familiar, de uma obra poética em que ambos participáramos no início desse Verão, nunca havíamos trocado uma palavra. Ela abordou-me pelas redes sociais, solicitando esclarecimentos sobre a antologia A Bíblia dos Pecadores, cujo regulamento acabara de tornar público. Elucidada sobre a essência do projecto, que só abrangia textos em prosa, volveu algo assim: «Eu sou poetisa, não escrevo prosa.» Lamentou o facto de a nossa Bíblia de Pecadores não contemplar poesia, reiterando o seu interesse em participar numa obra colectiva tão instigante. Exploradas todas as possibilidades, sem todavia conseguir contornar essa limitação, Guadalupe Navarro acabou por considerar «Posso tentar escrever um texto; talvez uma crónica...» e mencionou a ideia que, nesse preciso momento, se lhe delineava na mente, sobre Sodoma e Gomorra. Recordando que, meses atrás, eu também experimentara escrever poesia para uma antologia poética, e fi-lo com êxito, incentivei-a de imediato: «Se sente vontade de escrever uma estória, não hesite!» Ainda renitente, mostrando-se receosa em adentrar num terreno desconhecido, aceitou o desafio, porém, salvaguardando que não se comprometeria. Nos dias subsequentes, à medida que ela cimentava pedra sobre pedra naquela muralha em que se transformaria o texto, expunha-me ideias, dava conta de avanços e recuos, receios e dificuldades, buscando sempre uma palavra esclarece-

dora que facilitasse o contorno de obstáculos literários. Até que decidiu mostrar as páginas que já redigira, ansiando que eu lhe transmitisse uma opinião sincera. Mal li os parágrafos iniciais, gargalhei. A trama, sobre a bíblica esposa de Lot em estátua de sal transformada quando fugia do fogo devastador disparado do céu sobre Sodoma, achava-se incompleta, todavia, vislumbrei logo que se tratava de uma sátira inteligente, divertidíssima – uma relíquia! Era difícil conter-me; as gargalhadas prevaleciam. Se até aí, porque desconhecia a escrita de Guadalupe Navarro, receava transmitir alguma indicação, para não constrangê-la ou melindrá-la, nesse instante a minha posição alterou drasticamente. Fui peremptório: «Tem de concluir o texto! Sem qualquer hesitação! É uma ordem! Força, Guadalupe!» Entusiasmada, mergulhou com ainda mais afinco nesse universo da prosa tão temeroso quão desafiante. Finalizou o trabalho. Quando me chegou às mãos, li-o e reli-o; ainda hoje não canso de o reler. A autora nem acreditava no fascínio que a sua estreia na prosa me despertara! Refiro-me a A Estátua de Sal, a mesmíssima sátira sobre o episódio da destruição de Sodoma, abordando a falta de hospitalidade, os excessos e a imoralidade que grassava nessa cidade remota, bem como as incursões incestuosas daquelas filhas que, julgandose sozinhas no mundo, embriagam e seduzem o pai para, com ele, gerarem descendência. Essa estória, publicada em 2016 na antologia inaugural da Colecção Sui Generis, está compilada nas primeiras páginas deste livro que se acha nas vossas mãos. 10


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Daí em diante, a nossa cumplicidade, entre mim e a autora, acentuar-se-ia de dia para dia, embora não houvesse convívio presencial, somente comunicação virtual pelas redes sociais; e a amizade crescendo, solidificando, uma confiança mútua enraizando-se. Guadalupe interessou-se por todas as obras colectivas que eu viria a organizar na área da prosa, participando nelas com regularidade. Nessa época (a Sui Generis ainda inexistia), concebi outra antologia para a editora que então dinamizava, intitulada Boas Festas, dedicada ao Natal. A estória natalina (O Arrepio de Micaela, também incluída neste livro), num registo diferente do texto anterior, que a autora fez chegar às minhas mãos despertou-me igualmente a atenção. E ela foi mergulhando, de modo crescente, no universo da prosa. Mostrava-me, inclusive, textos destinados a projectos de outras editoras. Fosse qual fosse o tema envolvido em novas antologias, ela fabricava imediatamente uma trama, visando participar. E que tramas apresentava!

Uma imaginação fértil, prodigiosa, que surpreende constantemente. A sua capacidade de criar enredos complexos, quer sejam dramáticos ou humorísticos, aliada ao elevado grau cultural (os conhecimentos sobre História são soberbos), é incrível. E desenvolve cada tema com vontade férrea, inigualável, nunca vacilando perante obstáculos, só respira quando finaliza cada trama. Foi desse modo – atrevo-me a dizê-lo – que Guadalupe Navarro se viciou na construção de narrativas. Ao ponto de deixar para segundo plano a escrita poética, em prol da prosa. Um universo verdadeiramente irresistível que a emaranhou nas suas teias. Que a desafiou. Envolveu. Fascinou. Aprisionou! E muita água deslizou sob a ponte desde que ousou aventurar-se na espantosa e deslumbrante Estátua de Sal. Meses volvidos, em maré de confidências, ela revelaria pormenores da vida pessoal que vi reflectidos no perfil de algumas personagens; falaria também, despida de quaisquer complexos ou 11


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constrangimentos, sobre a paralisia cerebral de que é portadora e a forte depressão que a afectava na época em que me abordara. Naquele abençoado Verão de 2015 em que vários sonhos desencadearam o primeiro passo rumo à realidade... Frisou publicamente o quão bem o meu incentivo (a escrever prosa) lhe fizera, ajudando a superar essa fase menos boa – às vezes, basta um estímulo, um simples empurrãozinho para se ultrapassar o receio de falhar. Além disso, a solidariedade por ela manifestada, em momentos críticos da minha trajectória editorial, para contornar situações assaz delicadas, contribuiu mais ainda para aprofundar uma vera amizade, tornando-nos confidentes literários. E daí a considerar a possibilidade de editar uma obra pela Sui Generis, compilando textos redigidos ao longo dos últimos tempos, foi um salto. Na realidade, este livro, que marca um ciclo bastante significativo, verdadeiramente sui generis, no percurso da autora.

Decifra-me... ou Devoro-te! principia com o magnífico A Estátua de Sal, primeiro texto em prosa de Guadalupe Navarro, destinado à antologia inaugural da Colecção Sui Generis, e finaliza com Mea Culpa, um drama igualmente inspirado em episódios bíblicos, concebido propositalmente para o segundo volume da mesma antologia, A Bíblia dos Pecadores. Entre o primeiro e o derradeiro texto, desfilam uma dezena de contos e crónicas de igual modo marcantes – estórias totalmente distintas, do drama à aventura, recheadas de humor e uma certa malícia, ou mesmo sarcasmo, redigidas com uma simplicidade sofisticada e, não raras vezes, uma ironia refinada, para as diversas obras colectivas, em Portugal e no Brasil, em que a autora participou. São estórias aparentemente simples, mas que se revestem de uma sensibilidade e uma intensidade profundas, explorando, todas elas, universos verdadeiramente sui generis. E o que dizer da galeria de personagens? Magistral! Maioritariamente femininas, as personagens destas tramas são figuras singulares, especiais, numa primeira vista um tanto “malucas”, mas que se revelam seres humanos incríveis, salvo raras excepções, dotadas de grande humanidade, as fragilidades mesclando com fortes personalidades, mostrando fraquezas, mas também a força interior que delas emana. Como a bela Micaela e os seus sintomáticos arrepios enquanto se embrenha nos afazeres para o Natal ou a sensível e solitária Mónica, em A Máscara, a filha rejeitada que busca forças no talento para colmatar o desprezo familiar e se enamora pelo homem errado. E também a espevitada Ludmila e as suas deambulações vampíricas, em O Sonho, a enigmática Rosana cujo misterioso retorno à sua cidade natal desperta atenções porventura indesejadas, em Riacho, e a atrevida e sofisticada Olga, que se envolve carnalmente, em Mea Culpa, com um membro do clero para tentar compreender uma antepassada por todos considerada a mula sem cabeça da sua região. Sem ol-

Uma imaginação fértil, prodigiosa, que surpreende constantemente. A sua capacidade de criar enredos complexos, quer sejam dramáticos ou humorísticos, aliada ao elevado grau cultural (os conhecimentos sobre História são soberbos), é incrível. E desenvolve cada tema com vontade férrea, inigualável, nunca vacilando perante obstáculos, só respira quando finaliza cada trama.

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vidar a deliciosa discussão com Santo António da exuberante narradora de O Colar de Pérolas, que diverte com as peripécias libidinosas da madame inglesa que “virou duquesa” e escandalizou a sociedade do seu tempo ao desencadear um evento insólito, deveras incomum, que envolvia “homens sem cabeça”, e ainda a destemida e imperturbável Rosa Martina, em A Armadura de Sancho, que viaja pelos confins da História e convive com espectros enquanto planeia instituir o dia especial (ou internacional) dos fantasmas, desvendando a origem de alguns mitos ou superstições. E a histérica e inescrupulosa editora Branca de O Casarão, autêntica “amiga do alheio” inspirada em certas realidades que grassam no meio literário e afectaram, de algum modo, a autora, é igualmente digna de registo. Ou de atenção! Se as mulheres que embelezam estas estórias fascinam, magnetizam, emocionam, fazem vibrar, as figuras masculinas, embora em desigualdade numérica, são também envolventes, sedutoras, carismáticas. Veja-se o executivo, jovem e elegante, que procura achar, em O Lado Obscuro de Afonso, a mulher que a sua falecida avó conside-

raria ser “uma moça decente” para casar, mas alimenta uma vivência sórdida, doentia, na clandestinidade, algo inimaginável numa mente aparentemente sana. Ou o discreto e charmoso António em A Mulher de Branco que experimenta, após uma noite de diversão entre amigos, ainda que casualmente, um encontro surreal, deveras inusitado, numa instigante narrativa que aborda o universo fantástico, onde referências mitológicas marcam presença, como Daphne, a bela e estonteante ninfa em frondoso loureiro transformada para escapar à perseguição desenfreada de Apolo, o deus da beleza que lhe inspira profunda aversão. A propósito, realçam-se referências às mitologias mas não só; os frequentes contextos históricos também se destacam nestas peças literárias, com inúmeras menções devidamente enquadradas a reis e rainhas, príncipes e princesas, imperadores, pontífices e a outras personalidades emblemáticas ao longo dos tempos, que denunciam o arraigado conhecimento, o elevado grau cultural da autora, de que se socorre, vastas vezes, para caracterizar cenários, personagens ou as ambiên13


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em si reflectido algo de autobiográfico, a quem a autora empresta vivências ou emoções nitidamente pessoais. As doze estórias que compõem as cento e cinquenta páginas de Decifra-me... ou Devorote! são divinas, irresistíveis, autênticos bálsamos para a alma. Estórias despretensiosas que numa primeira instância podem afigurar-se bastante simples, porém, revestidas de uma sofisticada complexidade; algumas aparentemente sem nexo mas de uma profundeza intensa, de um humanismo sem igual, ricas na nobreza de sentimentos, nos afectos ou nas relações interpessoais, bem como nos contextos em que são inseridas, nas ambiências envolvidas. Estórias enigmáticas, magistrais, em que cada protagonista, cada personagem, cada enredo convida à leitura... à viagem, ao mergulho no seu universo, ao desafio de desvendá-la. Estórias arquitectadas e levadas a cabo por uma alma sensível, cativante, mulher guerreira, autora talentosa, um ser humano deslumbrante que, independentemente de vicissitudes do foro pessoal, contagia todos, à sua volta, com a magia das palavras que agora dispersa ao mundo nas páginas deste livro. Palavras que deliciam, seduzem, envolvem. Palavras que prendem, anestesiam, deleitam. Palavras que, atingida a derradeira linha de cada trama, deixam sempre um sabor a pouco. Decifra-me... Ou Devoro-te! Ei-lo nas vossas mãos. Pois então, decifrem-no! Não sejam devorados... pelo pecado da ignorância. 

cias que as rodeiam. E não se pense que é tudo! O mundo infantil, aliado ao reino animal, é recordado em Totó. Através da visão de uma adorável tartaruga, exilada num jardim zoológico após um acidente lhe ter danificado o casco, vamos conhecendo, numa narrativa profundamente nostálgica, uma saudade de corroer a alma, as complexas relações da sua família de acolhimento por tantos anos, que a adoptou como membro, onde se incluem três crianças que a adoram, particularmente a menina mais nova que “não é bem igual aos outros” e terá

Prefácio de Isidro Sousa incluído no livro Decifra-me... ou Devoro-te!, de Guadalupe Navarro

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ENTREVISTA

GUADALUPE

NAVARRO Guadalupe Navarro nasceu em Lima, Peru, e reside na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. É Bacharel em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, com Pós-Graduação em Filosofia Contemporânea. Gosta de música, artes plásticas e História. Devoradora de livros desde criança, interessase por temas relacionados com Direitos Humanos, refugiados e protecção de animais. Poetisa, cronista e contista, publicou os seus primeiros poemas em 2014. Dois anos depois, estreou-se na prosa, com a sátira A Estátua de Sal, na antologia «A Bíblia dos Pecadores». Os seus trabalhos encontram-se publicados em três dezenas de obras colectivas de diversas editoras, em Portugal e no Brasil. Tem dois livros editados: «Poemas da Alma» (Pastelaria Studios, 2015) e «Decifra-me... ou Devoro-te!» (Sui Generis, 2017). POR RICARDO SOLANO | FOTOS CAROLA REQUENA

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SG MAG – Quem é a Guadalupe Navarro e em que momento surgiram as letras na sua vida? GUADALUPE NAVARRO – Quem é Guadalupe Navarro? Hummm... não sei! Até há pouco tempo achava que não era nada além de uma portadora de paralisia cerebral, que o fato de ter perdido alguns neurónios ao nascer determinou a minha existência... Por mais que eu tivesse estudado, feito faculdade de Filosofia, pós-graduação, ser capaz de ler, escrever e falar em quatro línguas, nunca deixaria de ser a “coitadinha” que poderia ter sido tantas coisas. Porém, agora, encontrei algo que tem me ajudado a encontrar um lugar: ser autora. Não que seja mais feliz por isso, mas ao menos permitiu-me exorcizar os meus demónios e a encontrar um lugar no mundo. Sempre gostei de ler. Fui uma criança, adolescente e jovem solitária. Refugiei-me nos livros. E adorava... Já que não podia fazer muitas coisas, foi graças à leitura que não me tornei amargurada, nem recalcada. A leitura permitiu-me viajar, sonhar, fantasiar e ter o que conversar...

companheirinho de minha adolescência. Também o fato de ter dificuldade de fala contribuiu para desenvolver a minha escrita. Falar para mim é difícil, escrever é fácil.

Até editar o seu primeiro livro, «Poemas da Alma», em 2015, que caminho desbravou? E quais foram os momentos mais marcantes nesse percurso?

Como despontou o seu gosto pela escrita? Quando começou a escrever? Não recordo muito bem como comecei a escrever. O que me lembro é que escrevi uma espécie de resumo de Ricardo III para a minha aula de Inglês. E foi a partir deste fato, quase banal, que comecei a escrever. Também lembro que, como o meu pai viajava muito, mandava cartões postais para mim. E eu ficava inventando histórias com os lugares que estavam nos cartões; também adorava escrever cartas para a minha prima Elizabeth, e depois para os membros do fã clube do Queen. Ou seja, escrever para mim foi algo que começou gradativamente. Na faculdade de Filosofia comecei a escrever textos satíricos sobre a vida de certos filósofos. Não eram grandes, apenas algumas frases... Na faculdade de Letras é que comecei a escrever textos mais sérios...

Bem, após tentar ter alguns negócios próprios, ou em sociedade com meus irmãos, montei um site. Tive a ideia na época da eleição de Bento XVI. Por curiosidade, fui parar em um fórum virtual sobre o então novo Papa. De religião havia algo, mas o que eu adorei foi o espaço reservado, secreto... Havia gente de todo o mundo, vários seminaristas, noviças, senhoras respeitáveis que davam vazão às suas fantasias sexuais através de contos ou poemas eróticos. E foi assim que aperfeiçoei o meu italiano e relembrei o latim que estudei na faculdade de Letras. Como uma vez me desafiaram a escrever um poema para certo personagem da Cúria, que continua fazendo parte dela até hoje, escrevi um poema de que todos gostaram e passei a receber encomendas para escrever poemas. Também escrevia estroinas satíricas sobre Bento XVI e sua corte. E resolvi ter meu próprio site. Assim, comecei a divulgar os meus primeiros poemas. E a escrever sátiras. Mas, por volta de 2008, comecei a apresentar os primeiros sintomas de Síndrome de Pânico. Bem, na realidade, começaram alguns anos

E em que momento surgiu a poesia? O primeiro poema que lembro ter escrito foi para o meu cãozinho Freddie, que morreu de câncer. Era simples, mas era sobre a dor de perder um

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antes, mas esporadicamente. Resolvia a questão bebendo, para ter coragem de sair de casa. Chegou ao ponto de precisar beber meia garrafa de vinho e calmantes para conseguir sair de casa. Minha família notou que havia algo errado e levou-me a um psiquiatra. E voltei a fazer terapia. Como me tiraram o álcool, não conseguia sair de casa. Tinha um verdadeiro pavor. Foi indicado um segundo terapeuta para me tirar de casa. Ele tinha que convencer-me a sair. Ficou sabendo que eu escrevia poemas. E sugeriu que talvez gostasse de frequentar saraus. Aceitei. Também incentivou-me a escrever mais poemas. De certa forma, se hoje sou poetisa, devo isto a ele. Ele era a primeira pessoa que lia o que eu escrevia e deveria ser co-autor de vários poemas, pois ajudavame a corrigi-los. E foi assim que publiquei, em 2014, os meus primeiros poemas. Em 2015 recebi um convite para publicar um livro solo de poesia e surgiu «Poemas da Alma».

projectos que abrangem variadíssimas temáticas. De que modo é que estas participações, não só no Brasil mas também em Portugal, viriam a influir para a concretização de sonhos literários? Na medida em que permitem que tenha feedback sobre o meu trabalho. Sou muito autocrítica; com raras exceções, gosto do que escrevo. Para ser sincera, não acho que escreva bem. Talvez umas poucas coisas que escrevi eu considere dignas de serem lidas. Porém, acho que isto tem mais a ver com os meus problemas de autoestima, quando escrevo. Acho que, na prosa, escrevo melhor sátiras ou comédias do que dramas. Em versos, tenho mais facilidade em temas de denúncias, de injustiças ou de reflexões. Mas dor, sexo e amor também fazem parte de meu repertório em poesia. O poema de que falei, dedicado a um membro da Cúria, é sobre amor. Mas não um amor qualquer... um amor transgressor. Adoro histórias deste tipo de amor.

Começou a publicar poesia há poucos anos, em obras colectivas de diversas editoras. Daí a aventurar-se na prosa foi um passo, e continua a participar em

Que importância atribui às obras colectivas? Acho essencial participar em obras coletivas. Abrangem um público maior. E se o autor ainda não tem “repertório suficiente“ para aventurar-se em uma publicação solo, tornam-se imprescindíveis. Servem como termômetro para saber se o que você escreve é bom ou não. É uma espécie de bússola que te mostra em que direção deve seguir. Se um autor aventura-se com um livro solo sem ter passado por várias obras coletivas, corre o risco de poder ficar achando que a sua obra tem uma qualidade que não tem.

Acho essencial participar em obras coletivas. Abrangem um público maior. E se o autor ainda não tem “repertório suficiente“ para aventurar-se em uma publicação solo,

As antologias Sui Generis, nas quais participa regularmente, privilegiam a lusofonia. Em que medida considera importante este intercâmbio cultural?

tornam-se imprescindíveis. Servem como termômetro para

Considero importantíssimo pois permite a todos os autores conhecerem o que se escreve do outro lado do Atlântico e isto serve tanto para portugueses quanto para brasileiros. Amplia horizontes, abre mentes. Impede de ficar ensimesmado ou achando que cá ou lá escreve-se melhor ou pior. Na minha opinião, estamos no mesmo nível. Podemos até ter estilos um pouco diferentes, temáticas não tão homogêneas, mas o nível literário é semelhante.

saber se o que você escreve é bom ou não. É uma espécie de bússola que te mostra em que direção deve seguir.

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Qual foi o projecto que mais a fascinou? Qual é a obra colectiva em que mais gostou de participar? Sem sombra de dúvida «A Bíblia dos Pecadores». Não apenas por marcar a minha estreia na prosa, mas também pelos bastidores. O projeto sempre foi de Isidro Sousa, mas quiseram roubá-lo. Cheguei a receber ameaças e chantagens da editora que tentou roubar o projeto, mas não me importei. Se há uma coisa que não tolero é a injustiça. Seja de qualquer forma. E o texto que escrevi para esta «Bíblia» é um dos poucos que gosto. Refiro-me aos de minha autoria. Também foi importante participar neste projeto pois, na época, passava por uma depressão. E escrever este texto ajudou-me a superá-la. Acho que me recordou o tempo em que divertia-me muito escrevendo sátiras sobre a Cúria. o que publicam. Contentam-se com postar fotos no Facebook. Em Portugal as editoras divulgam mais. Mas também há uma questão pessoal. Um lançamento, para mim, é motivo de stress. Querem que fale, querem que pose com todo o mundo... Posar eu gosto, falar é difícil, mas isso é contornável. Só não tolero a cara de espanto de algumas pessoas quando percebem que sou “especial”. E por ignorância e falta de educação comentam sobre a minha capacidade intelectual sem a mínima discrição. Publicando em Portugal evito estes aborrecimentos, pois fica difícil comparecer a lançamentos. Mas sei por experiência própria que em Portugal, e na Europa em geral, o preconceito contra pessoas com necessidades especiais é menor. Portanto, assim que for possível, comparecerei a um lançamento.

Após ter rescindido o contrato de edição do seu primeiro livro com uma editora portuguesa, optou por publicar novamente em Portugal, embora o livro também tenha sido impresso no Brasil. Que razões pesaram nessa decisão? Residindo no Brasil, porque prefere editar em Portugal? No Brasil sempre tive problemas com editoras. Há uma total falta de respeito pelos autores. Já tive poemas publicados com títulos trocados, poemas publicados sem respeitar estrofes, contos lançados com uma paginação errada, contos em antologias em que no lançamento o livro ainda não estava pronto e os autores foram fotografados com o marcador de páginas. Os lançamentos parecem mais um desfile de egos do que um evento literário. Em Portugal, até o momento, trabalhei com três editoras. Excetuando a Pastelaria Studios, que lançou o meu primeiro livro, não tive problema algum com as outras. No Brasil as editoras raramente divulgam

O que a fez escolher a Sui Generis para editar a sua segunda obra? Após «A Bíblia dos Pecadores», Isidro Sousa e eu

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convite para publicar um livro com sessenta poemas. Confesso que fiquei surpresa, pois tinha pouquíssimas participações em antologias e nem estava em meus planos publicar um livro solo. Poemas, eu tinha. Selecionei os que me pareciam melhores e mandei para a editora. E aí foi editado «Poemas da Alma». Não foi um livro planejado e nem muito bem executado. Houve atraso no lançamento, não houve muita divulgação, mas serviu como experiência. Com «Decifra-me... ou Devoro-te!» foi o oposto: planejado, pensado e concebido com muito cuidado. E, como já disse, é o conjunto de textos publicados ou selecionados para posterior publicação tanto no Brasil como em Portugal. Textos que abordam vários aspectos da vida, desde o drama, amor, sátira até o humor negro.

No Brasil as editoras raramente divulgam o que

publicam. Contentam-se com postar fotos no Facebook. Em Portugal as editoras divulgam mais. Mas também há uma questão pessoal. Um lançamento, para mim, é motivo de stress. Querem que fale, querem que pose com todo o mundo... Posar eu gosto, falar

Esta obra marca um ciclo importante no percurso da autora, nomeadamente aquele que a fez estrear-se e mergulhar na prosa. Como é que isso sucedeu?

é difícil, mas isso é contornável. Só não tolero a cara de espanto de algumas pessoas quando

Quando tomei conhecimento do projeto «A Bíblia dos Pecadores», interessei-me. Sempre gostei de satirizar temas religiosos, haja visto o que escrevia sobre a Cúria no Pontificado de Ratzinger. Então, perguntei a Isidro Sousa se haveria lugar para poesia e, não havendo, ele desafiou-me a escrever prosa. Quem me conhece, quem conhece a minha história de vida, sabe que adoro um desafio. Aceitei. E vendo qual a passagem da Bíblia que poderia satirizar, lembrei-me que quando era criança tinha lido algum livro de meus irmãos sobre a possibilidade de Sodoma e Gomorra terem sido palco de uma explosão nuclear, defendida por um autor alemão que segue a tese de que fomos visitados por extraterrestres... Li a passagem e satirizar uma história tão estranha, sob o olhar actual, não foi difícil. Respeito todas as religiões e as minhas sátiras não são ofensivas. Essa sátira, «A Estátua de Sal», é o texto que abre o meu livro. Além deste, há mais onze. Sendo que o último também aborda um tema religioso. Um romance; tem algo de história familiar... Sou tataraneta de um padre. Já escrevi um poema sobre isto.

percebem que sou “especial”. E por ignorância e falta de educação comentam sobre a minha capacidade intelectual sem a mínima discrição.

iniciamos uma “amizade”. De nossas conversas virtuais surgiu a ideia de lançar um livro com todos os meus textos já publicados. Por outro lado, quase pela mesma época, meu irmão mais velho sugeriu a publicação em Kindle da continuação de um conto vampiresco que eu tinha escrito para «O Beijo do Vampiro», uma antologia também da Sui Generis. Então, nada mais natural que escolhesse a Sui Generis para publicá-lo.

Em que é que «Decifra-me... ou Devoro-te!» difere do seu primeiro livro? Como é constituído e que temas aborda?

O editor Isidro Sousa escreveu no Prefácio que apaixonou-se de tal modo pela construção

Faltando poucos dias para o final de 2014, recebi o

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de narrativas ao ponto de deixar a poesia para segundo plano. Será mesmo assim? Após ter descoberto a paixão pela prosa, a poesia perdeu importância ou continua vincada na sua escrita?

me contam... transforma-se em possíveis enredos, possíveis contos. Mas a poesia está presente em várias coisas que escrevo, a forma com que as escrevo é de certa forma poética. E algumas das minhas estórias também contêm poemas. Mas tenho saudade dos tempos em que dedicava-me somente à poesia. Atualmente escrevo poemas com menos frequência. Gosto mais de meus poemas do que de meus textos. Mas isto é uma opinião pessoal. Pretendo, em breve, voltar a ser poetisa “integralmente”. Ao menos por algum tempo.

Isso em parte é verdade. Antes eu escrevia até três ou quatro poemas por dia. Minha mente estava completamente tomada por versos. Os poemas fluíam em mim, viviam em mim. Sou muito passional, muito intensa no que sinto, no que faço. Quando comecei com a prosa, ela dominou-me, apoderando-se de mim por completo. Tudo que vejo, tudo que leio, tudo que

Porquê o título «Decifra-me... ou Devoro-te!»? Que significa? E o que existe de especial neste livro? Leiam o livro e entenderão... hahahahah! Na realidade, está relacionado com cada personagem de meus textos. Todos eles não são o que aparentam ser. Todos acabam surpreendendo... como a Esfinge que alertava que era necessário decifrá-la, pois só assim era possível conhecer-se a si próprio. O que escrevo pode chocar, pois não tenho nenhum pudor, nenhuma censura. Desnudo-me em frases, e ao fazê-lo desnudo o íntimo de quem me lê, pois a leitura, quando verdadeira, é profunda, chega ao mais escondido recôncavo de nosso inconsciente. Meus personagens podem parecer, à primeira vista, amalucados, frívolos, inconsequentes, mas não são. São o oposto. O título é uma referência a isso... ao que precisa ir além das aparências. Procurar a essência, que é o que realmente importa.

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Os textos deste livro mesclam humor, sarcasmo e ironia com tramas dramáticas. Como caracteriza as doze estórias que compõem a obra?

O que escrevo pode chocar, pois não tenho nenhum pudor,

Diria que são estórias caracterizadas com tudo o que acontece na vida. Vejamos por exemplo «A Estátua de Sal»: uma sátira! Sim, mas a narradora é uma aspirante a poetisa que não consegue classificar um poema em um concurso. Fala com fantasmas, acredita em duendes, mas... no fundo, apesar de todo o humor, quem ler com atenção perceberá que ela é uma pessoa solitária.

nenhuma censura. Desnudo-me em frases, e ao fazê-lo desnudo o íntimo de quem me lê, pois a leitura, quando verdadeira, é profunda, chega ao mais escondido recôncavo de nosso inconsciente.

De qual dessas estórias gosta mais? Gosto muito de «Totó», uma estória inspirada em minha infância. Mas o meu texto favorito é «Riacho», não sei o motivo; emociono-me sempre quando leio o final. É uma estória inspirada em um fato que me contaram... sobre uma pessoa que nem conheço. Mas que me inspirou um conto.

O livro inicia com uma sátira, o primeiro texto em prosa que escreveu para a primeira antologia da Colecção Sui Generis, e termina com o conto que redigiu para o segundo volume da mesma antologia, «A Bíblia dos Pecadores». Um facto curioso... Mera coincidência ou é propositado? Isidro Sousa e eu tivemos dúvidas em relação a quantos textos publicar, e se deveria ser publicado algum texto inédito. A princípio eu pensei em traduzir a minha versão do que realmente aconteceu com Antinous, o cônjuge do imperador Adriano. Contei esta história em uma comunidade virtual sobre História e Realeza. Antinous não foi escravo como se pensa comumente. Nem Adriano era um tarado que dormia com garotinhos de onze anos. Li vários livros sobre o assunto, de historiadores renomados, e escrevi um relato com uma conclusão minha sobre o que realmente acontece a este belo rapaz de vinte anos, com status de cônjuge imperial... Mas está escrito em espanhol e teria de ser traduzido. Além de que optamos por marcar um ciclo: começando com e terminando com «A Bíblia dos Pecadores».

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Em que se baseiam essas estórias? Podemos considerá-las reflexos da vida da autora ou são meras ficções? Em que se inspiram? Em tudo. A última estória que escrevi tem como protagonista uma linda fox terrier cujo nome é em quéchua, língua dos incas ainda falada no Peru. Como estou passando uma temporada em Lima, notei que há um movimento de valorização de nossas raízes incas, o que chamou minha atenção. Antes era o contrário, tinha-se a tendência de negar as nossas origens. Também me inspiro em fatos autobiográficos, ou em coisas que leio. Agora, qualquer coisa que escrevo é muito bem pesquisada. Não invento nada, a não ser o enredo e a trama. cerebral. Não quero servir de exemplo para ninguém. Em vários textos, inspira-se em vivências pessoais. Num deles, inclusive, mergulha num período da sua infância, deixando antever que sente algumas limitações. O que a faz abordar a vida pessoal, ainda que ficcionada, nas estórias que escreve?

Até que ponto é condicionada pelo facto de ser portadora de paralisia cerebral? E como contorna os obstáculos que enfrenta?

Muitos autores utilizam vivências pessoais ao escrever. No meu caso, tenho uma história de vida que sai um pouco do comum. Durante algum tempo aventei a possibilidade de escrever uma autobiografia, mas desisti. Não quero ser conhecida como a portadora de paralisia cerebral que escreve. Quero ser reconhecida como autora, como uma escritora que, por acaso, tem paralisia

Vencer os obstáculos que a paralisia cerebral me impôs requereu anos de esforços, fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia. Tive a sorte de ter pais que tinham condições financeiras para custear todos estes tratamentos. O fato de minha mãe ser médica e de, ao saber que tinha uma filha com paralisia cerebral, ter-se especializado no tratamento da mesma, também ajudou. Mas,

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ao mesmo tempo, o nível de exigência aumentou. forma, ajudaram em minha luta para conseguir Não bastava andar. Tinha que andar o mais próximo superar as limitações que a vida me impôs. do “padrão normal”. Não bastava conseguir comer. Tinha que comer com garfo e faca sem derramar um grão Além do prefácio, quis também de arroz. Pois bem, consegui que o posfácio fosse assinado tudo isso. Disseram que tocar por uma autora portuguesa. Cada texto tem uma piano ajudaria a minha Porquê? coordenação motora. Aprendi. maneira de ser construído. Não só a tocar, como a compor Porque Suzete Fraga é uma Porém, o que me ajuda pequenas melodias. Atualmente autora excepcional! Seus sou totalmente independente... personagens, seus enredos, muito é a enorme Mas tudo isto teve um preço tudo e qualquer coisa que sai quantidade de livros que emocional muito alto. Como de sua mente é de tal qualidade, não poderia deixar de ser. de tal criatividade! Para mim li, a infinidade de filmes Depressões, frustrações, é uma honra que ela tenha que assisti e as situações tentativas de suicídio... aceitado escrever este posfácio, e Síndrome de Pânico. Chega que é brilhante. que vivi... Se algo de bom a ser irônico, pois forcei-me a paralisia cerebral fez a ter autonomia total. por mim, foi ter-me E consegui! Mas veio Quais foram os critérios de a Síndrome e não conseguia organização dos textos neste transformado em uma sequer sair de casa. Felizmente, livro? Existe um fio condutor, leitora voraz, em uma já estou melhor. Finalmente, algo que os interligue entre si, depois de quase seis anos, ou são um conjunto de episódios espectadora de filmes esta Síndrome está me independentes? de todos os gêneros, deixando. Estão organizados em uma conhecedora cronologicamente, em relação de música, ópera... pois A sua relação com o editor à data que foram concluídos, Isidro Sousa é muito sui generis, ou selecionados. «O Arrepio tive que preencher a minha transpira cumplicidade. Até que de Micaela» foi o meu primeiro vida com tudo isso. Ah, ponto o considera relevante texto publicado, mas não na sua trajectória literária? o primeiro selecionado. e também a possibilidade Faz parte de uma antologia de conhecer pessoas de Sem Isidro não me teria [«Boas Festas»] cujo idealizador aventurado na prosa. Graças foi Isidro Sousa, mas houve verdade. As máscaras caem a ele, tive coragem de escrever problemas com a editora quando se está diante prosa para publicação. Temos e saiu antes de «A Bíblia quase sempre a mesma opinião dos Pecadores». de alguém “especial”... sobre temas literários. Somos E isto para uma autora é muito parecidos em relação a gostos literários. Também Os universos das suas estórias um verdadeiro tesouro. somos muito sinceros quando variam do drama à comédia, não estamos de acordo com algo. recorrendo, com frequência, Se eu me tornei poetisa com a a cenários ou personagens ajuda de um certo terapeuta, me tornei escritora históricas e fornecendo sempre informações precisas com a ajuda de Isidro. Sempre lembrarei disso, para que o leitor se situe nas tramas. Como se pois sou grata a todos aqueles que, de alguma prepara?

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Depende de cada texto. Nunca gostei muito de vampiros. Mas, ao ser convidada para escrever uma estória vampiresca, puxei na memória tudo que sabia sobre vampiros. Filmes que tinha visto, lendas que conhecia, livros que tinha folheado e conversei com uma sobrinha que assistiu «Crepúsculo». Pesquisei também no Google e encontrei mais coisas. Verifiquei se o que tinha encontrado online era verdadeiro em uma comunidade virtual de gente que gosta de vampiros. Primeiro, tinha pensado em escrever sobre uma vampira fazendo terapia. Conversei com dois terapeutas

sobre quais seriam as suas reações se um dia recebessem um paciente afirmando ser vampiro. Ambos responderam de maneira muito interessante. Comecei a escrever... mas não fluía. Viajei para Lima e deram-me a ideia de escrever sobre uma vampira que veio conhecer a tão afamada culinária peruana. Também não fluía... Estava já no desespero quando, uma tarde em um café, me lembrei de um livro sobre Ana de Cleves, a quarta esposa de Henrique VIII. E finalmente, naquela tarde, naquele café, escrevi metade da estória.

Já «O Arrepio de Micaela» é totalmente inspirado em vivências pessoais ou de pessoas que conheço. Mas, logicamente, algumas situações foram exageradas ou levemente modificadas. Bem, o que quero mostrar com isso é que cada texto tem uma maneira de ser construído. Porém, o que me ajuda muito é a enorme quantidade de livros que li, a infinidade de filmes que assisti e as situações que vivi... Se algo de bom a paralisia cerebral fez por mim, foi ter-me transformado em uma leitora voraz, em uma espectadora de filmes de todos os gêneros, em uma conhecedora de música, ópera... pois tive que preencher a minha vida com tudo isso. Ah, e também a possibilidade de conhecer pessoas de verdade. As máscaras caem quando se está diante de alguém “especial”... E isto para uma autora é um verdadeiro tesouro.

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Como avalia as críticas e reacções ao seu livro?

Nem sempre teve tranquilidade com algumas empresas com as quais colaborou, ao ponto de rescindir o contrato de edição do primeiro livro. O que a faz tomar decisões tão extremas?

Avaliar uma crítica de um texto de minha autoria é difícil. Quando são boas, fico na dúvida se dizem isso para agradar a “coitadinha”. Se são negativas, penso que estão sendo demasiado duros com a “coitadinha”. Como já disse, lidar com as sequelas físicas é fácil. Já com as sequelas emocionais é, infinitamente, mais difícil. Acho que preciso de muitas horas de terapia para aprender a lidar com isso. Porque tudo isto é muito novo... Algo que era meu, só meu, de repente vira público. Talvez tivesse sido melhor publicar com pseudônimo e nunca sair do anonimato, continuar na toca... Mas, como me conheço bem, também não ficaria contente agindo assim.

A desonestidade e a total falta de respeito. Em Portugal, a editora com a qual tinha contrato, além de ameaças, sequer divulgou o meu livro. No Brasil, uma certa editora independente cobrou-me adiantado uma parte do custo da publicação de um livro de poemas. Descobri que se tratava de uma vigarista que me ameaçou caso eu divulgasse o golpe de que fui vítima.

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E que lhe apraz dizer sobre o trabalho e acompanhamento por parte da Sui Generis? Alguma desilusão?

gênios! Sinceramente, não saberia responder, pois seria uma resposta subjetiva. E este tipo de avaliação tem que ser puramente objetiva.

A Sui Generis difere das outras editoras pela qualidade de suas publicações. Desde a diagramação até o conteúdo de seus livros, são de alta qualidade. As capas de suas obras coletivas são muito bem elaboradas e primam pelo bom gosto. Também devo mencionar o acompanhamento, desde o início até depois do lançamento, de Isidro Sousa. Ele interessa-se em saber como o livro foi recebido, se está vendendo... diferentemente da grande maioria de editores.

Após «Decifra-me... ou Devoro-te!», que planos tem para os próximos tempos? Sabemos que já está a preparar uma nova obra... Sim, evidentemente. As ideias e projetos fazem parte de minha vida. Para ser sincera, tinha planejado que o meu próximo livro seria de poesia, talvez uma edição bilingue, espanhol/português, para ser lançado em Portugal, Brasil e Peru. Mas aconteceu algo inesperado e, em breve, lançarei a minha primeira novela. Nunca pensei que fosse capaz de escrever uma novela... Sério!!!... Quando pensava, dizia a mim mesma: «Você se enrola em suas tramas, se enrola com os diálogos, como vai escrever uma novela?»...

Sente-se realizada com a publicação deste livro? Quanto a Portugal, sim. O problema aconteceu no Brasil. Contratei uma gráfica para imprimir exemplares do livro no Brasil. A mesma gráfica oferecia serviços de divulgação. Não só houve uma enorme demora na impressão, como o serviço de divulgação era ineficaz. E como eu tinha de vir ao Peru, não pude fazer um evento de lançamento como tinha planejado.

Em que consistirá o próximo livro de Guadalupe Navarro? Que temas aborda? Fui convidada a escrever um conto policial para uma Antologia Sui Generis. Minha primeira ideia foi uma sátira. No Natal do ano passado, vi um vídeo sobre um ataque a um boneco de neve inflável nos Estados Unidos. O pobre boneco foi esfaqueado e “morreu”. A polícia, mesmo tendo o vídeo, não conseguiu descobrir quem foi o “assassino”. Pensei em escrever uma estória bem-humorada sobre este crime. Mas assisti a um casamento onde havia um mariachi. Comecei a desenvolver o enredo de um assassinato

Existem muitas influências na sua escrita ou nem por isso? Se sim, quais os autores que mais admira? Algum em especial que a inspire? Não sei... Talvez Oscar Wilde, talvez Garcia Márquez. Hahahaha! É muita pretensão minha! Ambos foram

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neste casamento. Uma convidada seria assassinada e um mariachi seria o principal suspeito. Não conseguia avançar com a estória... Até criar uma personagem que é uma famosa jornalista, que cobriu vários eventos de repercussão mundial e que, cobrindo a travessia do Mediterrâneo por parte dos milhares de pessoas que fogem de guerras, perseguições e miséria, acaba por ter um encontro muito especial que a faz rememorar um acontecimento trágico que marcou toda a sua vida. Mas, ao mesmo tempo, tem que comparecer ao casamento de uma prima querida, a quem considera sua irmã... Bem, escrevia, escrevia e, quanto mais escrevia, pensava «Isto não é um conto... Nem sei o que é, mas conto não é». E não conseguia terminar.

Entretanto, que sucedeu? Transformou em novela o projecto de um conto policial destinado a uma antologia? de seu assassinato», pensei. Hahahaha! Logo Isidro me pediu o final e disse que tinha uma surpresa para mim, mas que depois me daria detalhes. Fiquei curiosa... Quando escrevi o final, dei-me conta de que tinha escrito muitas páginas só para o final e ao reler todo o texto pensei na possibilidade de que talvez fosse possível publicá-lo como novela... Mas, como sempre, tinha dúvidas sobre a qualidade do texto. Perguntei a Isidro Sousa se seria possível publicar o texto como novela. Para minha surpresa, ele também tinha pensado o mesmo! Era a surpresa

Mandei o texto para Isidro Sousa, sem final, sem revisão... Expliquei que não sabia se estava bom, se deveria cortar, se deveria mudar o enredo. Mas, depois de o enviar, reli e levei um susto. Mesmo sem final, mesmo sem revisão, percebi que tinha escrito uma novela. Ao receber o texto formatado e revisado por Isidro, com a observação de que era muito longo, pois já tinha cerca de trinta páginas... pensei que ele iria recusá-lo. Fiquei preocupada e lembrei o boneco de neve. «Talvez tivesse sido melhor contar a história

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que queria propor, mas ele só falaria depois de ter o texto concluído. Só aí convenci-me que o texto era bom. Fiquei espantada! Escrevi uma novela! Ainda não acredito!!!...

E o que faz de alguém que escreve um bom escritor? Bem, estou lendo um livro de contos de Edgar Alan Poe. Um dos contos é sobre um condenado jogado em uma masmorra sem luz e tem que conhecê-la através do tato, passando do desespero à apatia, na medida em que toma consciência de que provavelmente nunca sairá dali. É impressionante como Poe consegue transmitir cada sentimento deste homem. É como se eu pudesse vê-lo em todo o seu sofrimento, sentir todo o seu desespero... O bom escritor é isso, é aquele que consegue que o leitor possa sentir ou “ver” o que ele quer transmitir através do que escreve.

O seu terceiro livro será editado novamente em Portugal ou no Brasil? E para quando está prevista a publicação? «Dolce Paola» será editado e lançado em Portugal. Mas vou também entrar em contato com editoras no Brasil para viabilizar uma edição brasileira.

O que é para si um bom livro? É algo que, quando se chega ao seu fim, faz sentir uma tristeza por ter acabado de lê-lo.

Concorda que aqueles que escrevem para publicar devem ser testemunhas do seu tempo? Para que serve a literatura? Sim e não. Se um autor quer escrever sobre o seu tempo está prestando um serviço à História. O que você escrever será usado para conhecer o mundo atual no futuro. Seu livro poderá até ser usado didaticamente. Mas isso dependerá da decisão do autor. Quase todos os livros ensinam algo sobre o tempo em que foram escritos. Excetuando os de ficção científica, evidentemente.

Conseguir o que respondi à questão anterior. Quando terminei de ler «Cem Anos de Solidão» chorei porque uma fase de minha vida acabou. O mesmo se deu com muitas das peças de Oscar Wilde que li. E com «A Casa dos Espíritos» de Isabel Allende. Com «Rainha Margot» (Alexandre Dumas), «O Nome da Rosa» (Umberto Eco), «Orgulho e Preconceito» (Jane Austen), «Guerra e Paz» (Liev Tolstói) e alguns outros...

Sendo natural do Peru, o que a fez adoptar o Brasil, especialmente a cidade do Rio de Janeiro, para residir?

Editores brasileiros, com raras Cheguei ao Rio de Janeiro com nove anos. Fui ficando, ficando, ficando... Mas agora estou pensando em voltar a morar em Lima, ou pelo menos a passar mais tempo em Lima. É uma cidade belíssima, diferente do Rio de

exceções, só estão interessados em arrancar dinheiro ou divulgação própria. É chique ser editor. 30


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Janeiro. Talvez os brasileiros não gostem do que vou dizer, mas Lima, atualmente, está muito mais limpa, segura e moderna do que o Rio de Janeiro. E infinitamente mais barata.

Viaja com frequência ao seu País de origem. Que contacto mantém com o meio literário do Peru? Ainda não tive muito contato com escritores, a não ser com os da família. Mas tenciono envolver-me no ambiente literário e também pretendo aperfeiçoar a minha gramática espanhola, pois é terrível. E começar a frequentar saraus, eventos literários. E estudar quéchua... não sei bem porquê, mas é algo que quero fazer.

Como caracteriza o meio literário brasileiro? Difícil para quem não tem nome. Recentemente, um ator da Rede Globo lançou um livro de poemas... A fila na porta do evento ocupava meio quarteirão. Em comparação, um amigo meu lançou o seu segundo livro. Pagou quase quatro mil dólares pela publicação através de certa editora. Quando foi queixar-se de que não estava vendendo por falta de divulgação, recebeu como resposta da editora que ela não era vendedora de livros. Porém, estava no contrato a distribuição do livro. E uma amiga de infância minha escreveu um bom livro e só vendeu 48 cópias... A editora diz que a divulgação não deu certo. Acho estes dois exemplos bem ilustrativos. Editores brasileiros, com raras exceções, só estão interessados em arrancar dinheiro ou divulgação própria. É chique ser editor. No Brasil o que vende são livros de auto-ajuda ou de histórias de sucesso pessoal. E com a crise econômica que o País está atravessando, ficou ainda mais difícil para autores novos ou que ainda não têm nome.

em geral e autores em particular? Que leiam tudo o que chegar às suas mãos. Tudo mesmo! Isto serve tanto para autores como para leitores. Aos autores, tentem todos os géneros: comédias, sátiras, romances, poesia... É necessário crescer sempre. Mesmo que não publiquem, escrevam como exercício.

Deseja acrescentar algo que não tenha sido abordado? Gostaria de agradecer à revista SG MAG pela oportunidade de estar dando esta entrevista. Posso ter sido um pouco estridente em minhas declarações, mas sou muito sincera. E se lerem o meu livro, critiquem sem pensar em quem escreveu.

Que mensagem gostaria de transmitir aos leitores

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CONTO

DOCES MENSAGENS LIA MOLINA Goiana, nascida em São Luís de Montes Belos, em 1955, Lia Molina, pseudónimo de Marilin Manrique, reside em Uberlândia (MG), Brasil. Publicou os livros «Dia a Dia em Poesia» (Books Editora), «A Busca Pela Felicidade e Outros Contos» (Editora Becalete) e «Momentos Poéticos» (Editora Becalete). Participações em obras colectivas: «Sarau Brasil 2014» e «Sarau Brasil 2015» (Vivara Editora); «Emoções Poéticas II» e «Inspiração em Verso II» (Editora Futurama); «Rede de Palavras» e «Memórias e Passagens de um Tempo» (Editora Scortecci); «Poesias Encantadas IX» (Editora Becalete); em Portugal, é co-autora de cinco antologias organizadas por Isidro Sousa: «Boas Festas», «A Bíblia dos Pecadores», «Vendaval de Emoções», «Graças a Deus!» e «Fúria de Viver». Página da Autora: www.facebook.com/marilin.molina.5

“As mensagens eram de acordo com a idade e as vivências de cada um. Embrulhou com muito cuidado, colando uma mensagem, e embrulhando em seguida com papel de presente colorido colava outra mensagem e embrulhava novamente. E assim ia fazendo até a bolacha ficar bem volumosa. Antes da ceia, chamou as crianças e, após um pequeno comentário, pediu que cada uma lesse a sua mensagem. Quando começaram, estavam meio acanhadas, mas depois prosseguiram com entusiasmo. E assim passaram momentos alegres, que se tornaram inesquecíveis.” POR LIA MOLINA

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uando Alice e Eduardo estavam conscuidado, colando uma mensagem, e embrulhando truindo sua casa, tiveram que enjeitar váem seguida com papel de presente colorido colarios passeios. Sabiam que para realizar esva outra mensagem e embrulhava novamente. E te sonho deviam deixar de lado outros interesses assim ia fazendo até a bolacha ficar bem volumoe se manter dispostos a sacrificar e inclusive adiar sa. a satisfação de outras necessidades secundárias. Antes da ceia, chamou as crianças e, após um Estavam casados há pouco tempo e não tipequeno comentário, pediu que cada uma lesse a nham filhos. Alice, porém, dedicava uma atenção sua mensagem. Quando começaram, estavam especial a seus três sobrinhos. meio acanhadas, mas depois prosseguiram com Quando percebeu que estava chegando a époentusiasmo. E assim passaram momentos alegres, ca do Natal, uma dúvida a angustiava: como pasque se tornaram inesquecíveis. sar essa data tão significativa sem presentear seus Apesar de não poder, na época, presentear sobrinhos? com brinquedos caros, Alice acreditava que essa Quem não pode ter esse era uma idéia simples que luxo precisa improvisar prepoderia agradar e contagiar a sentinhos que agradem e ditodos. E foi isso que ocorreu. Quando percebeu que virtam ao mesmo tempo. E foi Todos gostaram e com toda estava chegando a época justamente isso que ela teve aquela demonstração de aleque fazer, pois não podia pregria, sorrisos e abraços, até do Natal, uma dúvida a parar uma ceia de Natal como parecia que haviam ganhado angustiava: como passar nos anos anteriores. presentes muito especiais. essa data tão significativa Alice e Eduardo decidiram Outros Natais vieram e, que cada um iria passar esse neste último ano, resolveu sem presentear seus dia com sua família. Alice, fazer diferente. Aproveitando sobrinhos? Quem não porém, ficou em maus lençóis, a idéia de uma amiga, propôs pode ter esse luxo precisa pois precisava improvisar algo a eles que fizessem a brincasimples e bem interessante. deira de amigo invisível, eximprovisar presentinhos Sabendo que crianças gostam clusivamente com barras de que agradem e divirtam de ganhar presentes e não chocolate. ao mesmo tempo. aceitam desculpas, pensou em Todos gostaram dessa suprovidenciar algo bem difegestão. Pensou até que ficaria rente. meio sem graça, porém ficou Não podendo presentear com as novidades e sensibilizada no momento da revelação do amigo brinquedos da época, resolveu comprar bolachas invisível. Um deles resolveu fazer tal como foi recheadas e cobri-las com mensagens divertidas e feito naquele ano com as bolachas. Embrulhou as significativas para cada um deles. barras de chocolate e colou mensagens divertidas, Como estava concluindo o curso de informátiembrulhou novamente e assim por diante, exataca, ela havia anotado frases interessantes e se mente como foi feito quando eram crianças. lembrando delas teve uma idéia: iria escrever Enfim, a surpresa foi para ela, pois percebeu várias, colar nas bolachas e fazer embrulho de que aquela brincadeira foi lembrada depois de presente. Para cada um deles, prepararia uma muito tempo. Também desta vez risos e abraços “bolacha surpresa”. emocionantes tornaram o ambiente festivo, mais As mensagens eram de acordo com a idade e alegre, e assim comemoraram o Natal, de uma as vivências de cada um. Embrulhou com muito maneira divertida e prazerosa.  39



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APRESENTAÇÃO

SEXTA-FEIRA 13 “O grão-mestre, antes de ser atirado ISIDRO SOUSA Nasceu em 1973, numa aldeia remota das Terras do Demo, concelho de Moimenta da Beira, e reside no Porto. Jornalista e editor de publicações periódicas desde 1996, fundou, dirigiu e editou revistas, jornais e guias turísticos, publicou a primeira antologia em Fevereiro de 2001, colaborou com três editoras, participou em três dezenas de obras colectivas, foi distinguido num concurso literário e é o responsável pelos projectos da Sui Generis, que criou em Dezembro de 2015. Publicou dois livros: «Amargo Amargar» e «O Pranto do Cisne». Página no Facebook e Blogue: www.facebook.com/isidro.sousa.2 http://isidelirios.blogspot.pt

à fogueira, lançou uma maldição sobre Filipe IV e Clemente V. «Deus sabe que nos condenaram ao umbral da morte com grande injustiça. Não tardará a vir uma enorme calamidade para aqueles que nos condenaram sem respeitar a justiça autêntica. Deus vai responsabilizar-se pelas represálias da nossa morte. Vou perecer com essa garantia», foram as últimas palavras proferidas por Jacques de Molay. E, de facto, concretizaramse; um ano volvido, o rei morreu com um derrame cerebral e, pouco depois, o Papa também sucumbiu. O povo levou a sério a ameaça de Molay, que ecoou por todo o reino, e, desde então, qualquer sexta-feira 13 passou a ser vista com receio: o azar, nesse dia, podia bater à porta de qualquer um.” POR ISIDRO SOUSA 41


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ompreendem-se, há muito tempo, certos dias como sendo impregnados de algum tipo de infortúnio ou má sorte. O encontro da sexta-feira com o dia 13 é repleto de lendas e crendices que deixam os mais supersticiosos de cabelos em pé. Sexta-feira 13 não é um dia propriamente admirado; só nos EUA, estima-se que entre 17 e 21 milhões de pessoas o temem ao ponto de isso ser classificado, oficialmente, como fobia. Associa-se tanto a sexta-feira quanto (separadamente) o número 13 ao azar. O que faz, então, a sexta-feira 13 ser considerada um dia do mal? Muitos acreditam que as conotações obscuras da sexta-feira nascem no Cristianismo. A tradição cristã assume que Jesus Cristo foi crucificado numa sexta-feira, estudiosos da Bíblia crêem que Eva ofereceu a maçã do pecado a Adão ao sexto dia da semana, Caim terá morto Abel numa sexta-feira e o Templo de Salomão terá sido destruído também nesse dia. Outros defendem que a má fama da sexta-feira antecede o Cristianismo, já que a palavra Friday, em inglês, foi escolhida em homenagem a Frigga, deusa nórdica do amor, da beleza, da sabedoria e da fertilidade. Acredita-se que povos teutónicos consideravam a sexta-feira azarenta para casamentos, em parte devido à bela deusa que dá nome ao dia da semana. Por sua vez, em redor do número 13 existem sombras e desconfianças enraizadas em várias culturas e diversas possibilidades para explicar a sua origem, sendo a mais popular também decorrente do Cristianismo. É considerado de extrema

má sorte ter 13 pessoas sentadas a uma mesa para jantar, porque Judas, o traidor, era a 13ª pessoa na Última Ceia, e o capítulo 13 do Apocalipse assume que o número da Besta é o 666. A Cabala, um ramo do esoterismo com ligações ao Judaísmo, enumera 13 espíritos malignos e os hindus acreditam, de igual modo, não ser bom reunir 13 pessoas para qualquer finalidade. No Norte da Europa, os vikings dos tempos antigos contam algo similar. Segundo a mitologia nórdica, doze deuses festejavam no salão de banquetes no Valhala quando Loki, deus da discórdia, apareceu sem ter sido convidado (algumas escrituras referemno como o 13º convidado) e fez que Hod matasse o bom Balder com uma lança de visco, deixando todos em luto. Este é outro exemplo que demonstra não ser boa ideia reunir 13 pessoas para jantar... O que fez religiões distintas adoptarem uma tradição tão semelhante de demonizar o número 13? Há quem defenda que este número foi denegrido, de propósito, pelos fundadores das religiões patriarcais, para erradicar a influência de Frigga. Em culturas que adoravam deusas, era muitas vezes reverenciado, pois representava o número de ciclos lunares e menstruais que ocorrem anualmente. Os defensores desta teoria acreditam que tornouse um número suspeito à medida que o calendário solar de doze meses suplantava o calendário lunar de treze meses. Porém, nem todas as civilizações do mundo antigo temiam o 13. Para os egípcios, por exemplo, a vida era uma jornada espiritual que se desdobrava em etapas; eles acreditavam que doze desses es42


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de renunciar à coroa; como ele recusou, no dia seguinte tomou-a à força, na Batalha de Hastings, causando a morte de Haroldo. Esta é uma ideia moderna para explicar a origem do mito, sem base em qualquer história documentada. Mas outra versão, um evento de má memória relacionado com a prisão dos Templários, parece reunir maior consenso. No dia 13 de Outubro de 1307, o rei Filipe IV de França declarou ilegal a Ordem dos Cavaleiros Templários e executou alguns dos seus membros, que conheceram, desse modo, um fim sangrento após terem protegido o Reino de Jerusalém durante 189 anos. Dois séculos antes... tempos difíceis para os cristãos! Quem ia a Jerusalém, para rezar no berço do Cristianismo, era atacado pelos muçulmanos. Os cristãos careciam de protecção e um fidalgo francês decidiu criar, em 1118, uma organização de “anjos da guarda” para os peregrinos; Hugo de Payens juntou-se a oito cavaleiros e, com o aval do rei Balduíno II de Jerusalém, fez nascer a Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, que ganhou isenções e privilégios, dentre os quais o direito de o seu líder se comunicar directamente com o Papa. A Ordem tornou-se uma das favoritas da caridade em toda a Cristandade e cresceu rapidamente, tanto em membros quanto em poder. Os seus membros, conhecidos por Cavaleiros Templários, estavam entre as mais qualificadas unidades de combate nas Cruzadas e os membros não-comba-

tágios ocorrem nesta vida, enquanto o décimo terceiro é uma ascensão transformadora e feliz para uma gloriosa vida eterna após a morte. Portanto, o número 13 representava a morte para os egípcios, mas não a decadência e o medo. Sem dúvida que este número está associado a uma série de lendas, mitos, curiosidades e superstições, e se conjugado com o dia de azar da semana (sexta-feira) tem-se, pela tradição, o mais desditoso dos dias. Mas onde está a origem do azar supremo que é juntar a sexta-feira ao número 13? Quando se uniram como um símbolo de má sorte para aterrorizar as massas? Há quem aponte para o último dia do reinado de Haroldo II da Inglaterra (sexta-feira, 13 de Outubro de 1066), em que Guilherme II da Normandia lhe deu a oportunidade 43


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tentes geriam uma vasta infraestrutura económica, inovando em técnicas financeiras que constituíam o embrião de um sistema bancário e erguendo imensas fortificações por toda a Europa e na Terra Santa. Quem entrava na Ordem dos Templários fazia um voto de pobreza e castidade, entregando todos os seus bens à organização, que conquistou, durante dois séculos, um poder financeiro imensurável. Os Cavaleiros Templários eram vistos com grande prestígio na Europa, ganharam cada vez mais fiéis e a sua filosofia tinha de ser digna dos princípios cristãos. Mas um monarca francês, Filipe IV, O Belo, viu pouca pureza debaixo dos fatos brancos com a cruz de Cristo vermelha ao peito e armou-lhes uma cilada numa madrugada de Outubro de 1307. Era sexta-feira, dia 13. Filipe IV não gostava do poder que os Templários acumularam. A magnificência deles era tal que só o Papa, na época Clemente V, poderia ter mão sobre a Ordem. Por isso, tentou convencê-lo a acusar os Cavaleiros de crimes de heresia, mas a aliança do Papa com os Templários era útil para manter uma presença militar bem vincada na Palestina. Então, o rei planeou acusá-los de terem

relações homossexuais entre si, o que era deveras humilhante no século XIV. Os motivos não eram verdadeiros nem tinham qualquer fundamento, mas a perseguição impunha-se por razões económicas: o rei necessitava da fortuna dos Templários. A Ordem era demasiado abastada para continuar a ser agiota da coroa francesa e de outras nações europeias e Filipe IV sabia que, com o poder e prestígio que os Cavaleiros haviam conquistado, só a morte os arruinaria. Convencer Clemente V a colaborar na perseguição não foi fácil pois ele precisava do apoio militar dos Templários na Palestina. E quando o grão-mestre Jacques de Molay chumbou o projecto para fundir todas as ordens militares, de modo a que ficassem sob o poder de um rei, o Papa não viu motivos para aliar-se a Filipe IV. Mas não foi capaz de travar o plano do monarca porque os boatos sobre os Templários começavam já a denegrir a imagem da própria Igreja; se continuasse a defender a Ordem, o bom nome da Igreja Católica seria, também, arrastado pela lama. A gota de água, para o soberano, foi quando Jacques de Molay, último grão-mestre da Ordem dos Templários, solicitou ao Papa que averiguasse a razão dos boatos sobre os Templários e pediu um documento oficial que lhes pusesse termo. Clemente V acedeu, porém, informou o rei. Este bateu punho e enviou uma carta a todo o reino com instruções para que só fosse aberta na noite de 12 de Outubro. Na noite marcada, Jacques de Molay e a maior parte dos Templários foram capturados. Não houve oposição: estavam só, em França, os soldados mais velhos. Na madrugada seguinte, Filipe IV emitiu um comunicado no qual sugeria que o Papa concordava com a morte dos Templários. Enfurecido, o Papa enviou dois cardeais para repreender o rei e os cardeais regressaram com um negócio nas mãos: a Igreja ficava com uma parte dos bens dos Templários já confiscados pela Inquisição, mas o rei podia escolher o modo de os julgar. Decidiu condená-los de acordo com o direito canónico, o mais pesado. E, nas mãos do Papa Cle-

Os Cavaleiros Templários eram vistos com grande prestígio na Europa, ganharam cada vez mais fiéis e a sua filosofia tinha de ser digna dos princípios cristãos. Mas um monarca francês, Filipe IV, O Belo, viu pouca pureza debaixo dos fatos brancos com a cruz de Cristo vermelha ao peito e armou-lhes uma cilada numa madrugada de Outubro de 1307. Era sexta-feira, dia 13.

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mente V, eles foram acusados de sacrilégio à cruz, heresia, sodomia e adoração a ídolos pagãos. A Inquisição, recorrendo a torturas cruéis, obteve as confissões que desejava. Durante a leitura das sentenças em Notre-Dame, condenaram alguns a prisão perpétua; os outros seriam queimados pelo fogo. Todavia, o grão-mestre, antes de ser atirado à fogueira, lançou uma maldição sobre Filipe IV e Clemente V. «Deus sabe que nos condenaram ao umbral da morte com grande injustiça. Não tardará a vir uma enorme calamidade para aqueles que nos condenaram sem respeitar a justiça autêntica. Deus vai responsabilizar-se pelas represálias da nossa morte. Vou perecer com essa garantia», foram as últimas palavras proferidas por Jacques de Molay. E, de facto, concretizaram-se; um ano volvido, o rei morreu com um derrame cerebral e, pouco depois, o Papa também sucumbiu. O povo levou a sério a ameaça de Molay, que ecoou por todo o reino, e, desde então, qualquer sexta-feira 13 passou a ser vista com receio: o azar, nesse dia, podia bater à porta de qualquer um.

Embora o medo se espalhasse pelo mundo, a sexta-feira e o número 13 só ganharam verdadeira fama de azarados em meados do século XIX, quando os dois se terão unido como sendo o pior dia de azar. Esse medo foi ainda mais instigado já no século XX, com o lançamento do livro “Sextafeira 13” por Nathaniel Lachenmeyer, que argumenta que a sexta-feira é um dia pouco afortunado e o número 13 está cheio de fantasmas. Há outras versões acerca das origens da sextafeira 13 e é difícil deslindar qual é a correcta; o que se sabe ao certo é que este dia está relacionado com maldições e assombrações. E é justamente em torno dele que se debruçam os textos literários incluídos nesta antologia. Que contêm estórias verdadeiramente assombrosas, recheadas de mitos e superstições, ambientadas numa sexta-feira 13, tendo sido redigidas por 32 autores lusófonos. E que vão proporcionar, seguramente, boas leituras.  Prefácio de Isidro Sousa incluído no livro Sexta-Feira 13 – Antologia de Contos Assombrosos

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CRÍTICA LITERÁRIA

ALMAS FERIDAS Excerto da crítica literária do professor José Bento Silva, publicada na secção “Percursos e Memórias” do jornal quinzenário “Maria da Fonte”, edição Nº 4201 de 26 de Maio de 2017

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u não conhecia esta autora – a Suzete Fraga – e foi na feira do livro da Póvoa de Lanhoso, em 25 de Março, que tive conhecimento da obra que escrevera – «Almas Feridas» – e que viria a apresentar no dia seguinte.

Comprei o livro e a sua leitura foi uma magnífica experiência de deleite estético e humano, quer pela beleza dos textos, quer pela pertinência e profundidade das vivências e dos personagens que apresenta.

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«Almas Feridas» tem cerca de 155 páginas de texto ao longo das quais a autora nos oferece 34 belos contos, uns de pequena dimensão, outros mais desenvolvidos, que abordam temas diversificados da vida contemporânea. Exemplos: 1) o conto «Até à última gota» desenvolve o problema do alcoolismo e, consequentemente, da violência doméstica e da paternidade insegura; 2) «Sombras do passado», um dos contos de que mais gostei, narra o drama de uma menina, filha indesejada de um progenitor que preferia um rapaz, que foge de casa e encontra o pai que não tivera; 3) «Tentação de Natal» é um texto bem sensual que aborda os temas do desemprego e do assédio sexual; muito bom; 4) «Invisibilidade» é outro belo conto e uma bela lição de vida; 5) «Fora da redoma» trata da importância dos avós e da natureza na educação das crianças, tema que a narradora domina perfeitamente como se verifica no conhecimento da vida rural e no domínio dessa linguagem específica; gostei muito; 6) «Têxteis: a normalidade da anormalidade» e o seu olhar ana-

lítico e crítico do "típico dia-a-dia do mundo dos farrapos"; 7) «Tortura silenciosa» e novamente a temática da violência doméstica; 8) «Década 80 – os melhores anos» que fala da infância e da adolescência de uma criança do nosso mundo rural, dos seus encantos e desencantos. Em «Outros textos», uma subdivisão do livro, com "pequenas estórias", destaco duas delas, muito lindas e enternecedoras: 1) uma dedicada à «Avó» («A mais bela mulher que Deus criou dava pelo nome de Avó. Seguidamente, uma outra réplica perfeita: a minha mãe»); 2) a outra estória tem naturalmente o título de «Eternamente Mãe» que, para mim, leitor, fecha com chave de ouro este excelente livro de contos de Suzete Fraga, escrito numa linguagem clara, desenvolta, descomplexada, muito moderna e muito aprazível. Muito lindo e bom. Parabéns. Só desejo que atinja, junto do público leitor, o reconhecimento que o seu talento merece.  JOSÉ BENTO SILVA

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REPORTAGEM

APRESENTAÇÕES SUI GENERIS NA CASA BÔ

chancela Euedito. A sessão teve lugar na associação cultural Casa Bô, localizada na zona do Bonfim, cidade do Porto, e contou com a presença do poeta Vítor Hugo Moreira, autor de vários livros de poesia publicados pela Euedito e responsável pela dinamização das Noites de Poesia na Casa Bô,

POR RICARDO SOLANO

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ecorreu, no dia 4 de Junho, uma nova apresentação de obras colectivas organizadas pela Sui Generis e publicadas com a

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do Bonfim, as principais actividades desenvolvidas pela associação e, também, sobre as noites poéticas que dinamiza às quartas-feiras. Seguidamente, começou por referir as principais ausências nesta sessão. Primeira: a ausência do fotógrafo Dado Goes, que tem fotografado, desde Junho de 2016, todos os eventos Sui Generis em Lisboa e queria também fotografar este, mas viu-se impossibilitado de deslocar-se ao Porto. Segunda: a ausência da autora Marcella Reis, que sugeriu o interessante tema sobre as ruralidades de Portugal e Brasil e aceitou o desafio para coordenar o projecto, que resultou na be-

organizadas todas as quartas-feiras após um jantar poético. Noites muito agradáveis que se recomendam vivamente a quem estiver no Norte. Após fazer os agradecimentos habituais nestes eventos, o organizador e editor responsável pelas obras Sui Generis, Isidro Sousa, referiu a dificuldade de encontrar espaços disponíveis para eventos culturais aos domingos na cidade do Porto, dia em que tudo (ou quase tudo) encerra, a impossibilidade – ou inconveniência – de realizar a sessão noutros dias da semana e a amabilidade dos responsáveis por esta associação por terem cedido a sala cultural da mesma, desde o primeiro momento, para apresentar as diversas antologias Sui Generis. E pediu, logo a seguir, que Vítor Hugo Moreira falasse sobre o projecto Casa Bô, aberto há cerca de três anos na Rua 54


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Isidro Sousa e Vítor Hugo Moreira momentos antes do início da sessão de apresentação na Casa Bô

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líssima antologia luso-brasileira que é «Saloios & Caipiras», apresentada nesse dia. Terceira: a ausência de «Sexta-Feira 13» (32 autores), cujos livros não ficaram impressos atempadamente para serem apresentados nesta sessão – tendo expostos na mesa somente «Ninguém Leva a Mal» (30 autores), «Torrente de Paixões» (40 autores), «Saloios & Caipiras» (31 autores) e dois livros individuais («Almas Feridas» e «Decifra-me... ou Devoro-te!») – mas falou sobre a obra, uma das mais interessantes e pertinentes que já organizou, não obstante ser a mais horrorosa (“literatura horrorosa”, como frisou em tom de brincadei57


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ra), visto que, embora o tema seja subordinado aos mitos e superstições, com os textos ambientados numa sexta-feira dia 13, muitos dos 32 autores participantes apresentam estórias que contêm terror e horror como ingredientes principais; e não deixou de recordar alguns autores que começaram a participar em projectos Sui Generis justamente nesta «Sexta-Feira 13»: Everton Medeiros, Sandra Boveto, Márcio Rafael Lopes, Júlio Gomes, Carmine Calicchio, entre outros. Quarta: por fim, falou também sobre as ausências de grande parte dos autores participantes, que gostariam de estar presentes mas não reuniram condições que lhes permitissem viajar 300, 700 ou mesmo milhares de quilómetros para assistirem ao evento, visto que muitos residem na Grande Lisboa, Algarve, Alentejo, Açores, Madeira e noutras regiões do País distantes da Cidade Invicta... não esquecendo, claro, os autores que residem no Brasil, cujo principal obstáculo que lhes impede as presenças nestas ocasiões em Portugal é uma imensidão de água chamada Oceano Atlântico. 58


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Logo depois, Isidro Sousa contextualizou a Colecção Sui Generis, fundada em Dezembro de 2015, falando sobre a sua história, projectos desenvolvidos e outros a decorrer, a evolução para a edição de livros individuais – destacando as obras já editadas das autoras Suzete Fraga, Rosa Marques, Guadalupe Navarro e também dois livros de sua autoria – e, como não poderia deixar de ser, referiu as várias razões que provocaram o longo atraso na publicação destas antologias. E no momento de falar sobre a importância das obras colectivas – coisa que, aliás, todos ou quase todos os autores fizeram durante as suas intervenções, frisando o quão importante e vantajoso é participar em obras colectivas, desde que bem organizadas e que apresentem qualidade, independentemente de já terem ou não terem livros individuais publicados... Chegado a este momento, em vez de expor a sua visão, Isidro Sousa preferiu ler uma bela mensagem, que subscreve na íntegra e foi enviada por «um dos nossos autores mais importantes, presen61


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ça habitual tanto nas obras como nos eventos Sui Generis», mas que, desta vez, por razões pessoais e também pelo factor “distância”, não pôde estar presente: Carlos Arinto. A mensagem que enviou, além de ser uma «saudação aos participantes»,

era, acima de tudo, uma «exortação» para que «os presentes e os ausentes» continuassem a escrever, cujo texto foi divulgado na internet, nos dias seguintes, e está reproduzido, na íntegra, na página 63 (com fundo preto) desta edição.

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SAUDAÇÃO AOS PARTICIPANTES

EXORTAÇÃO! POR CARLOS ARINTO 4 DE JUNHO DE 2017

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articipo nas quatro antologias que agora são editadas pelo Isidro Sousa, nas suas edições Sui Generis. Impossibilitado de estar presente, por motivos profissionais e pessoais, quero lançar um repto a todos os autores: “os presentes e os ausentes” continuem a escrever! Escrever é um acto de coragem e uma prova de vida. Se o fazemos bem, com qualidade, se temos importância ou somos apenas nós... que alguém se pronuncie, pois não são questões que devam preocupar quem escreve. Temos de procurar colocar em palavras – em texto, em narrativa, em poesia, em conto ou romance – o que somos, o que experimentamos, o que vivemos, se possível com a ousadia de caracterizar uma época, uma realidade e um tempo, com as reflexões que nos colhem os pensamentos. Esperando que outros nos leiam. Esperando que o tempo possa ser juiz e sentença. Esperando que sobrevivamos, em gerações futuras, em prazer de outros leitores, que nos possam descobrir e ler. Esperando que as antologias sirvam para mostrar que existimos e que fazemos Portugal. Não tenhamos a veleidade de sermos escritores, nem poetas, mas apenas artesãos da escrita. Saúdo a coragem de quem edita, nos tempos difíceis em que vivemos (numa onda de livros e de edições que não chegam ao mercado) onde faltam leitores e poder de compra. Por isso, abençoados os que insistem em editar em papel.

Benditos os que continuam a escrever no papel e a ler no papel. E a fazer obra! Mais do que a sonhar, a fazer! Porque escrever é fazer arte, história, sonho, magia. É registar em fragmento o etéreo, a alma e a eternidade. É manipular a palavra para dela extrair o supremo. A todos os que colaboram nas antologias agora em apresentação quero expressar uma solidariedade de caminho em que gostaria de ser companheiro, amigo e confidente. Irei ler a todos e a todos agradecer os momentos de reflexão e de deleite que certamente não deixarão de me proporcionar, mesmo que discorde do que escrevem ou considerar que são muito diferentes – até opostos – de mim. (no formato, no estilo e no pensamento) A diversidade é uma riqueza e no contraste existe a criação e o belo. Se quiserem criticar os meus contos e textos, ou emitir opinião, façam-no! Todos serão bem-vindos e a todos responderei com os argumentos que puder colher para que em conjunto todos e cada um possamos ser os que se preocupam, os que escrevem, os que fazem. Aprendendo uns com os outros e sendo voz de portugueses, brasileiros ou africanos, interessados em trabalhar e engrandecer a língua portuguesa, na riqueza do seu vocabulário, mas também nas fecundidades dos rios de imagens e histórias que cristalizam o hoje, na escrita em coletivo. 

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E à medida que as três obras colectivas que se achavam presentes na mesa iam sendo apresentadas, além de falar sobre as temáticas de cada uma delas e sobre os autores participantes, dos dois lados do Atlântico, o seu editor e organizador foi citando alguns nomes, pedindo aos autores presentes que falassem sobre si, sobre as suas obras e sobre as razões que os levaram a participar nos projectos em foco, tornando a sessão mais interactiva, com intervenções e troca de opiniões por parte daqueles que se encontravam presentes. Foram, acima de tudo, momentos de partilha e de confraternização bastante descontraídos, num ambiente simples, quase simbólico, verdadeiramente sui generis, em que todos disseram o que tinham para dizer. Suzete Fraga, uma autora de Póvoa de Lanhoso presente em todas estas antologias, contextualizou a sua participação em diversos projectos lite-

rários até chegar à edição do seu primeiro livro, «Almas Feridas», a realização do seu sonho, um êxito Sui Generis lançado em Dezembro de 2016 que já foi objecto de várias (re)impressões, e levantou o véu sobre o texto que escreveu para «Ninguém Leva a Mal», uma antologia composta por 29 estórias carnavalescas de autores de Portugal, Brasil e Cabo Verde, cujas páginas iniciam e finalizam com os poemas «Exótico Seduzir» e «Vestígios de Luar» do jovem lisboeta João Santos, que participa, pela primeira vez, numa obra literária. Poemas que foram lidos, aliás, com uma performance poderosa, ao som de batuques carnavalescos efectuados pelas próprias mãos na cadeira onde se sentara e na mesa à sua frente, improvisada no momento e que arrancou fortes aplausos da assistência, por Vítor Hugo Moreira. Transcrevemos aqui o «Exótico Seduzir»:

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Rompem bombos, batuques, bengalas, tlintintins a acompanhar, remexem ancas, saltos... dos altos, há glúteos a rodopiar! No centro a mesa, em seu torno: safadeza; é euforia a começar. Sabe a Verão, é emoção, é calor para se dançar... Treme a bunda, abana o chão, os corpos dançam a cortejar.

Olívia Pinto, que assina com o pseudónimo Glória F. Pais, falou sobre o que a levou a participar na segunda antologia poética da Colecção Sui Generis, «Torrente de Paixões», incentivada pela autora Fernanda Kruz, e explicou as razões que a fazem preferir assinar com o pseudónimo, todavia, mostrou-se tímida quando foi convidada para ler um dos seus poemas. Há sempre uma primeira vez para tudo, mas a Olívia ainda não se sentia à vontade para responder a este desafio... o de ler em público os seus textos. No entanto, outra autora participante na mesma antologia, Amélia M. Henriques, que se achava presente e revelou-se bastante interventiva, tomou a iniciativa de ler, no meio da sala, um dos belos poemas de Olívia Pinto. Uma leitura estupenda, magnífica, que a todos agradou... Tal como leu, volvidos alguns minutos,

Dança o mineiro, dança o holandês, dança o intruso português, dança o velho, dança o novo, aqui samba todo o povo, dança quem se permite sentir este exótico seduzir, nascido, vivido para contagiar – o samba sabe apaixonar...

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outro poema de sua autoria, depois de referir, também, o que a faz participar nas antologias Sui Generis e de falar sobre si, sobre a sua arte e os livros que já editou. E também a autora Cristina Sequeira, que viajou de Cinfães do Douro para estar presente, falou sobre si... do cumprimento de um sonho... e leu, igualmente, um dos seus poemas incluídos em «Torrente de Paixões». Durante estas leituras, o nome do autor Rui Moreira, que não pôde estar presente devido à distância e assina como Alma Brota, foi várias vezes referido... cuja influência terá sido determinante nos percursos poéticos de algumas destas autoras.

Foi neste momento, antes de passar a palavra a mais autores, que Isidro Sousa fez uma breve apresentação do último livro individual com o selo Sui Generis, «Deciframe... ou Devoro-te!», de Guadalupe Navarro (natural de Lima, Peru, onde se encontra presentemente a passar férias, e residente no Rio de Janeiro, Brasil), editado no passado mês de Março; achavam-se presentes na mesa alguns exemplares, junto com o «Almas Feridas» de Suzete Fraga e com as antologias que se apresentavam. Trata-se de um livro que reúne doze contos, crónicas e sátiras, porém, alguns desses textos incluem pequenos poemas... e como a autora se achava fisicamente ausente, por razões óbvias, o editor fez questão de a tornar (mais) presente, ainda que espiritualmente, lendo – ele mesmo – o poema bíblico «A Mulher de Lot», que se encontra inserido algures na belíssima sátira «A Estátua de Sal», sátira essa bastante importante no percurso da autora, que marcou a sua estreia a escrever prosa, respondendo, com sucesso, ao desafio que lhe fora lançado, por Isidro Sousa, em Agosto de 2015. 66


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Já na recta final, Manuel Amaro Mendonça, que apresentou o seu terceiro livro, «Daqueles Além Marão», no dia anterior, em Leça do Balio, falou sobre os seus livros, sobre a sua preferência por temáticas relacionadas com as ruralidades e a região de Trás-os-Montes, e também por temas históricos como as Invasões Napoleónicas ou vivências em séculos passados, e explicou o que significa «Montês», título do seu conto incluído em «Saloios & Caipiras», tendo falado sobre essa estória rural ambientada no século XIX que, deixou escapar, poderá vir a originar um livro individual, com o texto mais desenvolvido. E referiu-se ainda o seu conto incluído em «Sexta-Feira 13», num registo diferente, que aborda um submundo bastante sombrio dos sem-abrigo num grande dia de muita sorte e azar na mesma proporção.

Fernanda Kruz, por sua vez, que foi interagindo durante toda a sessão, embora de um modo informal, quer com o editor quer com as outras pessoas, recordando sempre momentos específicos do percurso da Sui Generis e co-autora de várias obras presentes, frisou que se sente mais à vontade na poesia, tendo começado a escrever prosa para as antologias Sui Generis, à semelhança do que sucedeu com Guadalupe Navarro e outros autores. Isidro Sousa aproveitou para relembrar esse facto, tornando a frisar a importância de se participar em obras colectivas, o caminho que os autores vão trilhando até conseguirem concretizar objectivos individuais... ou sonhos literários; e citou alguns exemplos: ele mesmo, que começou por participar em diversas colectâneas e concursos literários de várias editoras e evoluiu

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para a organização e coordenação de obras literárias, até criar a Colecção Sui Generis e passar, também, a editar livros individuais; Suzete Fraga (presente na sala) e Rosa Marques, que publicaram os seus primeiros livros – com o selo e o dedo Sui Generis – após terem participado em variadíssimas obras colectivas, assim como o português Jorge Manuel Ramos e o brasileiro Antônio Guedes Alcoforado, ambos co-autores de «Saloios & Caipiras» e presentemente organizadores e editores, que iniciaram os seus percursos participando em antologias, inclusive nas primeiras obras da Colecção Sui Generis («A Bíblia dos Pecadores», «O Beijo do Vampiro»...), e evoluíram para a organização e edição de livros, além de terem publicado os seus próprios livros. A autora Fernanda Kruz, que participa com poesia em «Torrente de Paixões» e «Saloios & Caipiras» e com um conto em «Sexta-Feira 13», preferiu não ler algum dos seus poemas, embora falasse sobre si... não obstante, Isidro Sousa aproveitou para desvendar o desafio que lhe havia proposto, durante um encontro numa esplanada do Porto, há cerca de um mês: publicar o seu primeiro livro de poesia com o selo Sui Generis. Um desafio que ela aceitou logo no primeiro instante, após ter-lhe sido explicado como e em que condições poderá editar o livro, mas que ainda não fora divulgado.

Após as obras em foco terem sido apresentadas, o responsável pela Colecção Sui Generis foi questionado sobre outros projectos que estão em curso. Falou-se muitas vezes em «A Primavera dos Sorrisos», um hino à Primavera, e foram revelados os títulos das novas antologias que serão dedicadas, cada uma no seu tempo, a cada estação do ano («Sonhos de Verão», «Brisas de Outono» e «Sol de Inverno») e Isidro Sousa referiu as duas linhas de obras colectivas que tenciona seguir, em paralelo com as edições individuais: as antologias universais, com prosa e poesia, mais abrangentes e mais fáceis de organizar, e as anto69


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Por fim, quanto ao próprio organizador... O objectivo da sessão não era falar sobre si ou projectos individuais, e sim sobre as obras colectivas que – todas elas – incluem textos de sua autoria. Em «Ninguém Leva a Mal» publicou a narrativa intitulada «Os Amigos de Malachi», uma estória com contornos policiais ambientada numa noite festiva de Halloween, evento este considerado, nalgumas comunidades, um Carnaval fora de época, ao qual muito se assemelha (alguns personagens explicam isso), razão pela qual incluiu o texto numa Antologia de Estórias Carnavalescas; em «Torrente de Paixões», publicou um poema bastante sensual e apaixonante, que ocorre numa lagoa; em «Sexta-Feira 13» aventurou-se numa trama diferente do seu registo habitual, procurando experienciar a temática do terror, que narra o reencontro carnal de um homem desencantado da vida com a esposa que assassinara quan-

logias temáticas, com espaços mais alargados, à semelhança das anteriores, que irá manter, tendo já avançado com «Filhos de Um Deus Menor», dedicada aos filhos das discriminações... de todas as discriminações. Respondendo sempre às questões que lhe colocavam, fez o ponto da situação de todos os projectos Sui Generis que estão a decorrer e desvendou as novas antologias que serão apresentadas na próxima sessão de lançamento (muito provavelmente, outra sessão conjunta, de novo na Cidade Invicta): «Fúria de Viver», «Devassos no Paraíso», «Crimes Sem Rosto» e «Os Vigaristas», seguindo-se logo após, num terceiro evento, «Anjos & Demónios» e o segundo volume de «A Bíblia dos Pecadores», desta vez dedicado aos «Três Testamentos»: «Antigo Testamento, Novo Testamento e Testamento Poético». 70


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denado pela sociedade, mergulhando quer em ambientes áridos e agrestes como selvas de calhaus e pedregulhos para se protegerem, quer em esconderijos bucólicos mais agradáveis ou deslumbrantes no seio da verdejante Natureza serrana, durante a longínqua época da Revolta dos Cravos. «Espero que os apreciem e transmitam a vossa opinião sobre os mesmos. Críticas negativas também são bem-vindas, desde que sejam construtivas. Porque fazem-nos crescer!», declarou, antes de rematar: «Tal como espero que apreciem cada uma das obras colectivas (no seu todo) agora apresentadas, assim como todos os textos que incluem... de cada autor. Leiam, comentem, critiquem, divulguem, recomendem, manifestem-se do modo que desejarem. Os autores agradecem. E a Sui Generis também.» Concluiu-se o evento com agradecimentos aos autores que estiveram presentes, ao poeta Vítor Hugo Moreira pelo seu importante apoio nesta sessão de apresentação e à Casa Bô por ter cedido, sem qualquer restrição e desde o primeiro instante, o espaço cultural para que estas Antologias Sui Generis fossem apresentadas. 

do a surpreendera nos braços do amante, sendo que, na verdade, essa mulher é um succubus (demónio feminino); por último, em «Saloios & Caipiras» apresenta «O Segredo de Leonardo», que narra as vicissitudes pelas quais passam dois belos catraios do campo, prestes a atingirem a maioridade, que tudo fazem para manter oculto de olhares inconvenientes um sentimento amoroso con-

Leituras de vários textos incluídos nestas antologias disponíveis na página Sui Generis em https://issuu.com/sui.generis Livros à venda em www.euedito.com/suigeneris Mais informações sobre projectos e autores Sui Generis no blogue http://letras-suigeneris.blogspot.pt

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ENTREVISTA

LUCINDA MARIA «Sou serrana. Nasci na então vila de Oliveira do Hospital, planalto beirão. Rodeada de serranias, a Oriente a bela Estrela dos nevões. A Sul, o rio Alva serpenteia por um lindíssimo vale verdejante e acolhedor. Nasci num dia de Carnaval dos anos 50, século passado. Desde sempre, gosto de ler e escrever. Subscrevo Fernando Pessoa: “A minha Pátria é a Língua Portuguesa”! Gosto de a usar bem e faço tudo por isso. Sou professora e sempre incentivei muito os meus alunos para a leitura e para a escrita. Com eles, estudei bons escritores e suas obras. Nunca é demais o que se faz pela nossa Língua! Agora, frequento uma Universidade Sénior, onde sou aluna e dou aulas de Manualidades. Outro dos meus prazeres: a pintura e as artes decorativas. Cada vez adoro mais escrever, quer prosa, quer poesia. Assim, desnudo a minha alma... transmito os meus sentimentos... partilho os meus sonhos... Tenho participado em várias colectâneas e antologias. Já foram editados quatro livros meus a solo. “Escreverei até que a alma me doa” – um projecto de vida, que espero cumprir!» Eis as palavras iniciais da autora Lucinda Maria sobre si mesma. E, nas páginas seguintes, a entrevista... O pretexto? O seu último livro: «Terra do Meu Coração». POR ISIDRO SOUSA 73


Este livro contém prosa. Este livro contém poesia. Este livro contém algumas memórias... algumas recordações... Acima de tudo, contém sentimentos, que brotaram da minha alma e, com alma, transpus para o papel. Este livro é uma viagem... uma viagem onde encontrei pessoas, gente da minha terra, desta terra que tanto amo! Lembrando-as, fi-las reviver, quase perpetuei as suas vidas sacrificadas... as suas vidas úteis e genuínas... Este livro é fruto também da minha saudade de outros tempos... da nostalgia que sinto, ao recordar o passado... ao vivenciar acontecimentos que protagonizei ou de que ouvi falar... Este livro é uma homenagem a tantos oliveirenses que já só vivem no coração de quem, como eu, não os olvidou... jamais os olvidará... Este livro é um grito... um alerta... uma reflexão... porque o “ser” é sempre mais importante do que o “ter”... e os bens materiais são isso mesmo: materiais e, portanto, perecíveis e efémeros. Este livro é meu? Não, este livro é de quem o ler, porque foi a pensar na gente da minha terra que ele se foi construindo. Lucinda Maria 74


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SG MAG – Quando e como despontou o seu gosto pela escrita e qual foi o percurso trilhado desde então? Quais os momentos mais marcantes nessa trajectória? LUCINDA MARIA – Desde que aprendi a ler e a escrever que isso constitui, para mim, um gosto. Fui uma leitora compulsiva na adolescência e na juventude. Tinha muito jeito para as redacções, como se dizia na altura. Sempre fiz tentativas de poesia muito incipiente, mas de que gostavam, talvez por serem tão naturais/ingénuas. Depois, como professora, sempre incentivei os meus alunos para a leitura e a escrita. O que hoje se chama de Plano Nacional de Leitura já eu desenvolvia na minha escola, nos 3ºs e 4ºs anos de escolaridade. Como ensinar também é aprender, o meu prazer pela escrita foi-se desenvolvendo com o meu percurso profissional. Depois, com a aposentação e mais tempo disponível, posso dedicar-me quase a 100% a estes prazeres: a leitura, a escrita, a pintura, as artes decorativas…

modéstia à parte, que todos os meus conterrâneos deviam lê-lo!

Como é constituído e em que se distingue dos anteriores? É constituído por prosa e poesia e nisso mesmo se distingue dos anteriores, que são só de poemas. Eu gosto dos dois registos e estou sempre a escrever. Neste momento, já poderia acrescentar muitos outros textos ao livro.

Publicou recentemente o seu quarto livro, «Terra do Meu Coração», com o importante e prestigiante apoio do Município de Oliveira do Hospital. O que a levou a escrever este livro e o que significa para si?

«Terra do Meu Coração» engloba prosa e poesia ao longo das suas páginas... poemas intercalados com pequenas estórias, crónicas que abordam vivências nitidamente pessoais e outros textos que implicam investigação ou conhecimentos sobre História, nomeadamente a História da cidade a que é dedicado. É uma preocupação da autora dar a conhecer a terra que a viu nascer ou será uma mera declaração de amor à terra onde sempre viveu?

Este livro foi sendo escrito. Amo a minha terra, amo-a de coração e, aproveitando a minha memória, fui contando episódios reais que eu própria testemunhei ou que me foram contados. Como a História e o Património Artístico e Natural também me interessam, estudei e fui escrevendo sobre eles, tanto em prosa como em poesia. Portanto, quando a minha Câmara se disponibilizou para a edição foi só organizar os textos e escolher o título. Porque é sobre a minha terra, o meu concelho, este livro significa muito para mim; mais, penso,

Sim, como oliveirense muito interessada/amante e,

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como já disse anteriormente, é uma preocupação minha dar a conhecer a minha terra. Faço-o através da escrita e não só. Já tenho sido convidada para servir de cicerone na visita de grupos a alguns monumentos da cidade. É algo que faço com tanto entusiasmo e prazer que as pessoas se sentem empolgadas com as minhas exposições orais e com a leitura de poemas meus. Mas… é também, e sem qualquer dúvida, uma declaração de amor ao rincão onde nasci, cresci, vivi e vivo.

pela Língua Portuguesa faz-me odiar o AO 90, faz-me detestar erros ortográficos, faz-me ser muito crítica quanto ao que hoje se escreve. Cada vez há mais “escritores”, mas cada vez há menos literatura. Cada vez há mais “poetas”, mas cada vez há menos poesia.

Escreve maioritariamente poesia... poemas tradicionais. Este ano, inclusive, propôs-se escrever um poema por dia, que divulga nas redes sociais. O que é para si a poesia e que importância tem na sua vida?

E quem é o ser humano que está por detrás da autora Lucinda Maria que redigiu este livro?

Sim, maioritariamente poesia, mas também gosto de escrever prosa. Quanto aos poemas tradicionais, é verdade e não é. Privilegio a rima, até porque rimo com extrema facilidade e as minhas rimas não são pobres. Também gosto de prosa poética… e, ultimamente, tenho feito mais incursões na poesia sem rima. Sim, desde o começo de 2017, faço um poema por dia (às vezes mais do que um)

Lá está: um ser mesmo humano, interessado, ávido de aprender, de saber e de partilhar. Penso que sou uma boa pessoa, privilegio a verdade e a genuinidade dos sentimentos e dos actos. Tenho uma alma inquieta… sou intranquila… sou insatisfeita. Por isso, persigo o conhecimento. Mais, este amor desmedido

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e, quando começo a escrever, não sei o que vai sair... vou escrevendo conforme a alma me dita, mas certo é que, sem dar por isso, saem sonetos, sextilhas, acrósticos… Gosto, pronto!

E a literatura em geral? Quando era mais nova, lia, mas não tinha livros. Agora, compro muitos e ando sempre a ler um. Durante cinco anos tive aulas de literatura, que adorei. É mesmo a minha praia! Gosto de muitos escritores actuais e não só. Gosto de romances históricos, de policiais, de mistério, mas a poesia… é sempre a poesia. Está-me no sangue.

Até que ponto são imprescindíveis as redes sociais para a divulgação da sua escrita? Posso dizer que têm sido importantes. Através do FACEBOOK é que comecei a divulgar o que sempre escrevi. Através do FACEBOOK é que conheci editores, participei em colectâneas e me aventurei mais a publicar. Sem as redes sociais, não sei se os meus escritos não continuariam na gaveta!

Quais são as suas maiores preocupações quando escreve um poema? E um texto em prosa? Quando escrevo um poema, a minha maior preocupação é ser genuína, natural e inteligível. Se idealizo um conto, estruturo-o minimamente na cabeça, mas, à medida que vou escrevendo, ele vai-se construindo quase por ele mesmo. Depois, lê-se, relê-se, corrige-se, volta a corrigir-se. Aí, entram os conhecimentos de Língua Portuguesa, quanto à ortografia, à gramática, à sintaxe, à pontuação… e, mesmo assim, há sempre algo que escapa, há sempre algo que podia sair melhor, emenda-se, substitui-se… A escrita implica trabalho aturado e sistemático. A génese é sempre o meu EU… a minha ALMA… o meu QUERER… o meu CRER!

Cada vez há mais “escritores”, mas cada vez há menos literatura. Cada vez há mais “poetas”, mas cada vez há menos poesia.

Participa regularmente em obras colectivas de várias editoras. Que importância atribui a esses projectos? Como já disse, isso foi importante para mim e gosto

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sempre de participar. Estimula-me… Não nego que gostaria que as selecções fossem mais criteriosas e, muitas vezes, espantam-me certas publicações. Poesia que não é poesia, prosa que não é nada, já para não falar na ortografia altamente deficitária… mas sei a razão disto acontecer. E penso: eu, de certeza que não tenho erros, portanto… como dizia a minha avó: «Cada um faz pessoa em si»!

Fizemos alguns acertos de comum acordo e resultou bem. Gostei muito. Depois disso, já fiz outros do género. Quanto a poesia, já foram muitas… e gostei de várias. Vou salientar uma antologia, em que tinham de ser apresentados dois poemas por cada um dos poetas Florbela Espanca, Fernando Pessoa, Natália Correia e Ary dos Santos. É evidente que pressupunha um certo conhecimento das suas vidas e das suas obras. Para mim, foi fácil, uma vez que os havia estudado em Literatura. É do GMH e chama-se COLECTÂNEA DE POETAS.

Quais foram as antologias, ou colectâneas, tanto de prosa como de poesia, em que mais gostou de participar? Há alguma que a tenha marcado especialmente? De que modo?

Sendo uma autora atenta ao mundo que a rodeia, muitas vezes bastante interventiva, como analisa o que se escreve hoje em dia?

Quanto a prosa, a escolha é fácil: A BÍBLIA DOS PECADORES da SUI GENERIS, por um facto muito importante: pela primeira vez, escrevi um conto de várias páginas, totalmente ficcionado por mim. Tive receio de o mostrar ao Isidro Sousa, mas, curiosamente, penso que gostou logo dele.

De certo modo, já respondi a esta questão. Sempre tivemos e temos belíssimos escritores. Hoje em dia, muita gente que se diz escritor não o é. A escrita implica trabalho, investigação, conhecimento…

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Penso que, agora, se enche papel com frases mais ou menos bem escritas e sai um romance, mas isso não é literatura. Atiram-se meia dúzia de palavras bonitas para o papel e sai um poema, mas isso não é poesia. Dizem-se escritores, mas são apenas “escrevinhadores”. Mas, atenção, temos escritores mesmo e de grande qualidade. Estou a lembrar-me de Mia Couto, José Luís Peixoto, Joaquim Pessoa, Alice Vieira, Lídia Jorge… esses e outros que perdoem aos que escrevinham!...

de causa. Sou uma aprendiz… uma simples autora… Não me movo muito bem nesses meios. Agora, e até de acordo com a resposta anterior, direi que as editoras deviam ser mais criteriosas no que editam e não lançar determinados trabalhos que só desprestigiam a Literatura. Vendem? Pois, deve ser aí que está a questão.

Tendo já quatro obras editadas (por editoras diferentes), como caracteriza o meio literário em geral e o funcionamento das editoras em particular?

São de poesia os três. O primeiro, «PALAVRAS SENTIDAS», só tem sonetilhos (sonetos com versos de sete sílabas)... o segundo, «ALMA», tem poemas de vários géneros e o terceiro, «DIVAGANDO...», nos mesmos moldes do segundo.

Pode descrever, sucintamente, cada um dos três livros que publicou anteriormente?

Sinceramente, não me sinto muito à vontade a falar disso. Penso que não tenho conhecimento

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Quem deseja adquirir os seus livros, onde pode encontrá-los? Ou como deverá proceder?

Breyner, Natália Correia, Ary dos Santos, Fernando Pessoa, David Mourão Ferreira, Joaquim Pessoa, Luís de Camões, Bocage, António Gedeão, Sebastião da Gama, Cesário Verde… Não são propriamente influências… Penso que tenho a minha linguagem própria… não copio, mas gosto de os ler, de os interiorizar… Também não quero deixar de referir aqui um poeta que descobri há pouco tempo e através do FACEBOOK: António Carlos Santos. A poesia dele é um pouco surrealista… sem rima… mas adoro o que ele escreve. Revela uma sensibilidade fora do comum, usa imagens maravilhosas, com muita correcção linguística. Um caso muito sério na poesia portuguesa, penso eu!

Penso que apenas em Oliveira do Hospital, numa Livraria e na Biblioteca Municipal. Têm sido edições limitadas e o lucro não é o meu principal objectivo.

Florbela Espanca é a sua maior referência (na poesia) ou existem outras? Se sim, quais? Florbela é uma das minhas referências, sim. Identifico-me com ela em alguns aspectos, sobretudo na sua insatisfação permanente, na sua paixão pela beleza, no seu eterno enamoramento. Acho os seus sonetos pejados de sensualidade e erotismo. Gosto. Mas admiro outros poetas, nomeadamente Sophia de Mello

Está a preparar o lançamento do seu próximo livro, «Sonho?... Logo, Existo!». Em que consiste esta nova obra e em que difere das anteriores?

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Será só poesia, mais ou menos noventa poemas, de vários géneros, sempre com prevalência dos sonetos. Espero que a maior diferença seja na qualidade e no seu todo. Confio no bom trabalho de Isidro Sousa… ele é impecável e ainda mais perfeccionista do que eu. Já está a trabalhar no livro… sinto-me descansada. Os poemas já seguiram e sinto que estou a melhorar… e é esse o meu objectivo: ser cada vez melhor. Não quero embandeirar em arco.

E que razões a levaram a escolher a Sui Generis para editar esse livro?

Não desistam de escrever,

Precisamente porque o Isidro Sousa me oferece garantias de um bom trabalho. Sei que é muito meticuloso em tudo o que faz e desce a cada pormenor. Não tem sido muito crítico com as minhas coisas, mas chamar-me-á à atenção para algo que não lhe agrade e, de comum acordo, procederemos a eventuais mudanças. Sempre na busca de um melhor trabalho e é assim que deve ser!

mas não desistam também de melhorar, de ultrapassar as falhas, de evitar os erros, de estudarem muito e tentarem fazer um trabalho cada vez mais profícuo. Não basta ter “jeitinho”

Deseja acrescentar alguma coisa que não tenha sido abordada ao longo da entrevista?

para a escrita; é preciso esforço e estudo

Só que gostaria muito de, para o próximo ano, editar um novo livro. Já que ando a fazer um poema por dia, se tudo correr bem, no fim terei 365. O título é quase óbvio. Vou começar

meticuloso/intenso.

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a juntar dinheiro e o Isidro Sousa fica já de sobreaviso. Também quero agradecer a oportunidade de falar de mim, da minha escrita e dos meus projectos enquanto autora. Bem haja, Isidro Sousa!

ter “jeitinho” para a escrita; é preciso esforço e estudo meticuloso/intenso. Aos leitores: leiam cada vez mais, interiorizem, saboreiem o prazer da leitura! Um livro é um amigo insubstituível, um amigo que nos leva a viajar, a sonhar, a viver outras vidas, a aprender... e, ao mesmo tempo, nos distrai e entretém. Lendo, mergulhamos num mar de tranquilidade, onde nos sentimos bem connosco e com os outros. Convivemos… partilhamos… amamos: a essência da vida! E, por muitos e-books que haja, nada, mesmo nada, se compara a um livro em papel. O folhear, o cheirar, o sentir a textura, as letras/as palavras que quase saltam para vir ao nosso encontro: pura magia!

Que mensagem gostaria de transmitir aos autores em particular e aos leitores em geral? Primeiro, acho muito bem que refira autores e não escritores. Pois, a eles (e a mim própria) transmito os meus votos de que não desistam de escrever, mas não desistam também de melhorar, de ultrapassar as falhas, de evitar os erros, de estudarem muito e tentarem fazer um trabalho cada vez mais profícuo. Não basta

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Em cima: Lucinda Maria lendo poemas durante a sessão de lançamento do livro «O Canto da Sereia» (que prefaciou) da poetisa oliveirense Juvenália Marques, na Biblioteca Municipal de Oliveira do Hospital

À esquerda: Lucinda Maria lendo poesia durante um almoço/convívio que decorreu na Universidade Sénior de Oliveira do Hospital

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CONTO

O AMOR DE JOANA

N

aquele dia, Joana sentia-se bonita. Ao sair de casa, olhou-se no espelho e viu um rosto, onde os

POR LUCINDA MARIA

olhos sorriam. Sentiu-se atraente e ansiosa. Sabia bem quem ia encontrar. Sabia que ia rever alguém que não via há muito tempo, alguém de quem nunca mais se lembrara até há meses. Daí a ansiedade... o esmero com que se preparou... Queria tanto aquele reencontro! Quando chegou, notou alguns olhares entre curiosos e apreciadores. E viu-o... os seus olhos encontraram-se. Espontaneamente, dirigiu-se-lhe e, num ímpeto, abraçou-o e beijou-o. Não saberia dizer quanto tempo durou aquele abraço! Talvez demasiado... talvez pouco. Sentiu-se bem dentro dos braços dele. Esqueceu até que havia gente à sua volta, gente que os mirava, com uma certa perplexidade! Joana não se importou... nada! Naquele momento da vida, sentia-se muito bem na sua pele, com um àvontade e uma auto-estima em grande! Sentiu que ele se encantou por ela... olhava-a com indisfarçável admiração e tratou-a com muito carinho. Lembrou-se – ainda hoje se lembra – de cada segundo, de cada palavra, de cada atenção, de cada olhar. Mas, de todos, há um momento que não esquecerá. Conversavam frente a frente, ele olhou-a e disse: – Que olhos! Ela simplesmente riu, mas foi como se uma onda de calor a invadisse toda, corpo e alma.

Soube então que aquele homem iria ser muito importante na sua vida. Sim, aquele homem ficaria no seu coração para sempre. Sentiu-o dela durante algum tempo, foi para Joana tudo o que ansiara! Completavam-se... mais, amavamse. Até que ele se afastou, sem explicação. Mesmo sabendo que a deixava mergulhada em pranto e dor, destruiu sem piedade todos os seus castelos de sonhos. A incerteza e a dúvida naufragaram-na num mar de desânimo crescente. Fê-la sofrer e, o que é pior, sabia bem o quanto ela sofria! Hoje, Joana não se sente tão bonita, nem tão à-vontade, nem tão bem como naquele dia. Só uma coisa se mantém: o seu amor por ele! Esse... jamais sucumbirá! 

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CRÓNICA

OS SAPATOS POR JERACINA GONÇALVES

“Desço a avenida da Boavista e enfrento a agressividade do vento, que me fustiga sem piedade e me põe o cabelo em alvoroço, a pele toda eriçada, e transmite-me um desconsolo, um desconforto tamanho, que me enregela os ossos e me convida a entrar numa loja de agasalhos que encontro no meu trajeto, do lado esquerdo, para procurar um cachecol que ajude a minorar o desconforto deste dia agreste, que mima a cidade do Porto.”

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O

sol e o vento varrem as ruas do Porto. Está ali a solução para o meu atual problema a Vento que trespassa os ossos sob um céu olhar descaradamente para mim. Está ali a variazul lavado. Sem mácula. nha mágica capaz de operar o milagre de minorar Desço a avenida da Boavista e enfrento a o incómodo de que se queixam os meus pés e agressividade do vento, que me fustiga sem pietornar bem mais agradável a caminhada ao longo dade e me põe o cabelo em alvoroço, a pele toda desta avenida até ao meu destino. Está ali a coneriçada, e transmite-me um desconsolo, um desvidar-me a entrar. E eu não resisto ao seu olhar conforto tamanho, que me enregela os ossos e tentador. Entro e dirijo-me imediatamente para a me convida a entrar numa loja montra onde os sedutores se de agasalhos que encontro no encontram: são mesmo aquemeu trajeto, do lado esquerles. Não quero outros. São do, para procurar um cachecol aqueles. Aqueles que despuÉ deles que eu necessito que ajude a minorar o descondoradamente me convocaram para que o céu se torne forto deste dia agreste, que o olhar e se me insinuaram ainda mais maravilhosamima a cidade do Porto. E não num convite irresistível. E coné difícil encontrá-lo. Também tinuam a insinuar-se, tirandomente azul e o vento passe não é caro. É de lã: vermelho me todo o interesse por quaisde fúria vergastadora e azul e dá um toque de cor e quer outros. a carícia amorosa, alegria à minha toilette, hoje à A vendedeira traz-me vábase de preto. É bem-vindo. rios pares para experimentar. a oferecer delícias e vigor Protege-me o pescoço e torMas... não. «Não são precisos à minha caminhada. na-me bem menos desagradáoutros. São aqueles» – digo, Os meus pés esperam vel o caminhar contra o vento apontando os atrevidos seduque varre este dia claro e limtores, que me cativaram o desesperadamente por eles po. olhar ainda na montra. São ree vão agradecer o meu Estou agora bem mais conalmente os ideais. São de ramcuidado. Não devo nem fortável; mas “nem tudo são pa, nem muito altos, nem derosas”. Nem tudo está ainda masiado baixos... posso fazê-los esperar perfeito. Os sapatos de salto É deles que eu necessito mais. É tempo de alto que escolhi para esta mapara que o céu se torne ainda acarinhá-los, de dar-lhes nhã principiam a demonstrarmais maravilhosamente azul e me que não fizera a escolha o vento passe de fúria vergasalgum conforto antes que mais acertada, e o peso do tadora a carícia amorosa, a feneçam irremediavelmente. percurso começa a pesar-me oferecer delícias e vigor à minas pernas e nos pés. Há que nha caminhada. Os meus pés fazer qualquer coisa. Os meus esperam desesperadamente pés começam a queixar-se e principio por deitar o por eles e vão agradecer o meu cuidado. Não deolhar sobre as montras de algumas lojas de calçavo nem posso fazê-los esperar mais. É tempo de do que vou encontrando pelo caminho. São elas acarinhá-los, de dar-lhes algum conforto antes que agora me cativam e detêm toda a minha que feneçam irremediavelmente. atenção: «Ali! Aqueles sapatos de rampa são os ideais!» – digo para os meus botões, ao passar por uma montra de uma sapataria onde estão expostos vários pares de sapatos. 88


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Calço-os e é “amor à primeira vista”: uma capa deliciosamente macia, envolvente e confortável cinge os meus pés num abraço amoroso e delicado. «Quanto custam?», pergunto. «Bem, o preço é...», responde a vendedeira. Nem quero acreditar no que oiço! São muito baratos. Se calhar não prestam, mas resolvem-me agora o problema e, de momento, é o que me interessa. Entrego os que trazia calçados para embrulhar e saio da loja com sapatos novos nos pés. Que maravilha! Sim, são estes. São pele sobre pele, veludo macio e acariciador a envolver os meus pés feridos pelo sofrimento da caminhada. E eles, os meus pés, gratos, ganham asas e voam sobre o empedrado do passeio, continuando o percurso pela avenida da Boavista, até ao Hotel Cidade do Porto. 

JERACINA GONÇALVES Nasceu numa vertente da Serra do Marão. Criada com simplicidade entre o verde dos campos, o alcantilado dos montes foi a sua alma formada e foi-lhe também facultado o ABC das letras, cumulado com o da vida. Desceu depois à cidade, prosseguiu a formação e obteve os requisitos para exercer a profissão. Aquém e além do mar, durante 36 anos, exerceu o Magistério: desbravou virgens terrenos e escreveu páginas belas de amor e devoção. Páginas que também leu. Com as quais se inebriou. Guarda-as no coração. Publicou poemas, crónicas de viagens, contos e dois livros: «Janela Aberta» (poemas, edição de autor) e «A Viagem» (Euedito, 2017). Durante vários anos, organizou os jornais «Rua da Imaginação», da última Escola onde exerceu, e «A Turma dos Estudiosos», ambos agraciados com um prémio do “Público”. Blogue da autora: https://aposviagem.blogspot.pt

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DESTAQUE LITERÁRIO

A VIAGEM Novo livro de Jeracina Gonçalves, lançado em Junho pela Euedito

muito trabalho, se não vier uma seca ou uma enxurrada que destrua o trabalho de meses, tem fartura de tudo. Mas não tem dinheiro. Não pode trazer quatro filhos a estudar, a pagar pensão, na cidade, ao mesmo tempo. E os três rapazes ficaram a trabalhar a terra. No devido tempo, só a menina mais velha e a mais nova estudaram. Os três rapazes também estudaram. Mais tarde. Não para mudarem a orientação da sua vida, mas porque a inteligência lhes pedia mais conhecimento. Daí, este livro, «A VIAGEM». Escrevi-o depois de um passeio que fiz à Noruega, em 1996, cujo Sistema Escolar me encantou: ninguém lá deixava de estudar por falta de meios económicos. Editei-o agora, com a finalidade de ajudar a concretizar um projeto de Bolsas de Estudo do Lions Clube de Barcelos. O produto total da sua venda reverterá, inteiramente, para esse fim. Se tiver capacidades e se for esse o seu sonho, ninguém deve ser impedido de estudar por falta de dinheiro. Tudo o que possamos fazer para evitá-lo, deve ser feito. Se isto também é importante para vós, queridos amigos, participem nesta causa.

Este livro é uma narrativa de factos reais, que aconteceram na íntegra, durante uma viagem aos países da Escandinávia em finais de julho de 1996, encanastrados num conjunto de personagens ficcionadas, que vão partilhando entre si informações e experiências, fruto de outras viagens feitas, que me alimentaram a alma. É um livro que narra uma viagem, mesclada de várias viagens. Voe nas suas asas e experimente um pouco da emoção que me fizeram sentir. Quem esteja habituado a este tipo de férias não estranhará o entrelaçar de personagens e a facilidade com que se criam subgrupos, que mutuamente se enriquecem culturalmente com as experiências de cada um. Toda a narrativa se desenvolve sob os holofotes do ambiente e da época em que a viagem aconteceu.  JERACINA GONÇALVES

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ra uma vez um casal de lavradores, que vivia numa pequena aldeia encarrapitada na encosta da serra, sustentada por pequenos socalcos onde não entrava qualquer tipo de máquina para poder trabalhá-los. Só a força humana fazia emergir das suas entranhas os alimentos para manter a vida das suas gentes. Para sair da aldeia, só a pé, de burro ou a cavalo. O autocarro para a cidade passava a horas de distância, a caminhar-se por veredas íngremes (estou a falar-vos dos anos 50). Esse casal teve cinco filhos: uma menina, três rapazes – os quatro muito próximos – e, mais tarde, outra menina. Todos foram os melhores alunos da sua classe, na sua escola da aldeia. A filha mais velha fez a quarta classe e foi para a cidade estudar. Ora, além dos livros, propinas (que pagou apenas no 1º ano) e do material escolar necessário, tinha de pagar a pensão, todos os meses, que era o mais caro e, portanto, o mais difícil: um lavrador, com

O livro «A Viagem» pode ser adquirido directamente à autora e está à venda na Livraria Euedito e na Amazon. Nestes endereços: www.euedito.com | www.amazon.com

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CONTO

REGRESSO A CASA ROSA MARQUES Nasceu na Madeira, onde viveu até aos dezoito anos. Após casar, mudou-se para Porto Santo, onde reside e trabalha como administrativa até à data. Preocupa-a a situação precária em que o mundo se encontra, a condição humana (principalmente as crianças) e todos os que vivem em condições desumanas, nos países subdesenvolvidos e nos países em guerra. Gosta de ler e de tudo o que está ligado à literatura e à arte. Participou em diversas obras colectivas, em Portugal e no Brasil, e publicou, em 2016, o seu primeiro livro de poesia, «Mar em Mim», pela Sui Generis.

Página da Autora: Facebook: Maria Correia

“Gonçalinho, como lhe chamava a avó, dormiu durante toda a viagem, mas agora, com o barco já quase parado, acorda. Talvez porque lhe faltasse o embalo do barco ou porque pressentisse a chegada, abre os olhos enormes e olha para a mãe como que a inquirir... estica um dos bracinhos e ia já choramingar, mas Ana Isa, com desvelos de mãe, aconchega-o logo, aquietando-o. «Deve ter fome», pensa, mas agora só quando chegarem a casa, e isso levará pelo menos meia hora, se tudo correr bem.” POR ROSA MARQUES

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alta um quarto de hora para as onze, o barco dirige-se já para a entrada do porto e dentro de alguns minutos estará atracado. Os passageiros poderão, então, começar a sair. Ana Isa observa pela janela toda a manobra do barco e é com enorme alegria que vê aproximarse a hora de chegar a casa, ao seu cantinho, como costuma chamar-lhe. Aninhado no seu colo está Gonçalo, o seu bebé, que dorme tranquilamente... e como já pesa, meu Deus! A viagem durou cerca de três horas e decorreu sem atritos de maior; não havia vento e o mar apresentava-se calmo e sossegado... em paz. Olhando em volta, Ana Isa tenta encontrar João, o seu marido (que anda a «explorar» o barco); precisa que ele a ajude com as coisas, especialmente com a sacola que contém os pertences do bebé e que não pode esquecer de maneira nenhuma. Haviam saído dali há uma semana para visitarem uns familiares que vivem na outra ilha e que apenas tinham visto o bebé quando este nasceu. Agora, já com oito meses de idade, Ana Isa queria que o vissem de novo... como está enorme e bonito! Até já vai dizendo algumas palavras, embora subentendidas somente pelos pais. Tal como Ana Isa previra, as tias ficaram encantadas com o bebé, principalmente a tia Luísa, casada há mais de trinta anos e a quem Deus não dera filhos.

Gonçalinho, como lhe chamava a avó, dormiu durante toda a viagem, mas agora, com o barco já quase parado, acorda. Talvez porque lhe faltasse o embalo do barco ou porque pressentisse a chegada, abre os olhos enormes e olha para a mãe como que a inquirir... estica um dos bracinhos e ia já choramingar, mas Ana Isa, com desvelos de mãe, aconchega-o logo, aquietando-o. «Deve ter fome», pensa, mas agora só quando chegarem a casa, e isso levará pelo menos meia hora, se tudo correr bem. Apesar de ser início de Verão, a manhã está sombria, mas não escura. De vez em quando, umas réstias de Sol pousam levemente sobre o barco, de mansinho, tal como uma criança que se arreceia da aventura e logo recua, envergonhada. Durante o desembarque começa a cair uma chuva miudinha, apanhando os passageiros desprevenidos. Ana Isa tapa o bebé com o casaco e vai descendo cautelosamente as escadas, para não escorregar. A chuva logo passa e o Sol dá novamente um ar da sua graça. No cais, é grande a azáfama. Todos querem reaver as malas o mais rápido possível, e João também por lá anda com o mesmo objectivo. Ana Isa, refugiada com Gonçalinho a um canto da pequena gare improvisada, espera... Aguarda, impaciente, a chegada de João com as malas, pois anseia chegar a casa para dar de comer ao bebé e retomar o curso normal da sua vida.  93


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EVENTOS LITERÁRIOS

LITERATURA NAS ESCOLAS E FEIRA DO LIVRO NO FUNCHAL Autora de «Mar em Mim» aborda literatura numa Escola Secundária de Porto Santo e promove a sua obra na Feira do Livro do Funchal

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o passado dia 10 de Maio, a autora Rosa Marques passou uma manhã na Escola Prof. Dr. Francisco Freitas Branco, em Porto Santo, a falar sobre literatura a alunos do 6º ao 9º ano. Foi uma iniciativa promovida pelos professores Luz Freire e António Duro em que abordaram diversos temas tais como «a leitura e a sua importância na nossa vida, a poesia e a escrita, o valor da amizade» sem esquecer o tema fulcral do próximo livro desta autora, que a Sui Generis irá apresentar em Setembro: «a fase de instabilidade que o mundo atravessa e a necessidade de uma mudança, de construir um mundo melhor». Segundo as palavras de Rosa Marques, também «lemos poemas e mostrámos imagens alusivas aos temas dos poemas. Foi uma manhã muito agradável. Um agradecimento especial aos professores que criaram e organizaram o projecto, e aos alunos pela colaboração e interacção. A todos, muito obrigada!» Logo após, o seu livro de poesia, «Mar em Mim», esteve presente na 43ª Feira do Livro do Funchal, no espaço da Livraria Esperança, que decorreu entre 26 de Maio e 4 de Junho. Rosa Marques marcou presença no dia 3 de Junho, onde promoveu a sua obra. 

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A autora Rosa Marques na Escola Prof. Dr. Francisco Freitas Branco, em Porto Santo. Em cima: com os professores Luz Freire e António Duro. Em baixo: numa sala de aulas (à esquerda) e com os alunos no pátio da escola (à direita)

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Rosa Marques no stand da Livraria Esperança promovendo o seu livro «Mar em Mim» na Feira do Livro do Funchal

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EXCERTO DE LIVRO

O PRANTO DO CISNE “O meu pai e o Tádzio acompanharam-me ISIDRO SOUSA Nasceu em 1973, numa aldeia remota das Terras do Demo, concelho de Moimenta da Beira, e reside no Porto. Jornalista e editor de publicações periódicas desde 1996, fundou, dirigiu e editou revistas, jornais e guias turísticos, publicou a primeira antologia em Fevereiro de 2001, colaborou com três editoras, participou em três dezenas de obras colectivas, foi distinguido num concurso literário e é o responsável pelos projectos da Sui Generis, que criou em Dezembro de 2015. Publicou dois livros: «Amargo Amargar» e «O Pranto do Cisne». Página no Facebook e Blogue: www.facebook.com/isidro.sousa.2 http://isidelirios.blogspot.pt

ao Aeroporto de Lisboa. Era uma quinta-feira friorenta, pluviosa, demasiado invernal para o início da Primavera. Uma carga de pesada energia pairava no ar, afectando-me psicologicamente. O meu espírito era vandalizado por estranhos temores, todavia, eu não conseguia compreender o que tanto me perturbava. Lamentava ter de viajar sem a companhia do meu amado pai. Raramente nos separávamos; só mesmo quando o jornal me destacava para fazer alguma cobertura. Felizmente, a viagem seria breve. O jogo realizar-se-ia na tarde seguinte. No sábado, pela manhã, apanharia o primeiro avião e regressaria aos braços do meu pai. Essa era a única certeza que me alegrava naquele momento.” POR ISIDRO SOUSA 101


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ias após eu ter completado vinte e dois anos de idade, fui destacado para fazer uma foto-reportagem em Madrid. Um grande clube português iria jogar contra o Real Madrid. O jogo prometia fortes emoções. Seria uma luta de titãs. No dia da partida, o meu pai e o Tádzio acompanharam-me ao Aeroporto de Lisboa. Era uma quinta-feira friorenta, pluviosa, demasiado invernal para o início da Primavera. Uma carga de pesada energia pairava no ar, afectando-me psicologicamente. O meu espírito era vandalizado por estranhos temores, todavia, eu não conseguia compreender o que tanto me perturbava. Lamentava ter de viajar sem a companhia do meu amado pai. Raramente nos separávamos; só mesmo quando o jornal me destacava para fazer alguma cobertura. Felizmente, a viagem seria breve. O jogo realizar-se-ia na tarde seguinte. No sábado, pela manhã, apanharia o primeiro avião e regressaria aos braços do meu pai. Essa era a única certeza que me alegrava naquele momento. Enquanto aguardávamos a hora do meu embarque, o Tádzio desabafava a sua infelicidade: já não suportava viver ao lado da mulher com quem casara há anos. Além das frequentes traições, ela vivia sempre ausente, preocupada com futilidades. Maltratava-o. Repudiava-o sexualmente. O Tádzio queria divorciar-se, porém, ela não se dispunha a abdicar das suas regalias enquanto esposa de uma celebridade futebolística. Era uma guerra psicológica sem fim à vista. Ultimamente, ela desconfiava que o marido tinha uma amante e protagonizava cenas de ciúme endiabradas. Ameaçava depená-lo até ao último tostão caso a abandonasse. – O meu erro foi ter casado em regime de co-

munhão de bens – lamentou-se o futebolista. – Como se não bastasse, decidiu engravidar nesta altura do campeonato. A víbora apanhou-me de surpresa. Como posso deixá-la, grávida de quatro meses? – Não devias ter deixado a vossa situação chegar ao ponto que chegou – volveu-lhe o meu pai. – Há tanto tempo que te aconselhei a separar-te dela. Nunca me deste ouvidos... – Vou aguentar até o meu filho nascer. Depois, tomo uma atitude. – Duvido que o faças, Tádzio – prosseguiu o meu pai, olhando-o frontalmente. – Tu borras-te de medo dela! – Desta vez, será diferente. Ela pode berrar, espernear, subir aos arames, às paredes ou onde quiser, mas não vou deixar que me domine mais. Podes acreditar, Vanderlão! – Disseste que ela foi passar uns dias a Paris, não foi? – perguntei por perguntar, somente com o intuito de não ser excluído da conversa. – Que foi lá fazer? – Esbanjar dinheiro – pigarreou o Tádzio, com desdém. – Deu-se ao luxo de ir a Paris fazer compras para o bebé. Isso cabe na cabeça de alguém? – E, com certeza, não vai hesitar em torrar os teus cartões de crédito para comprar mais vestidos da alta-costura – acrescentou o meu pai. – Dinheiro nenhum me compensa estes dias de liberdade – suspirou o futebolista. – Que gaste o quanto quiser, desde que não me apareça em casa antes da próxima semana, tal como prometeu! – O meu querido filhote também vai dar-nos uma folgazinha, não é meu amorzinho? – sibilou o meu pai, um tanto matreiro. – Não ficas com ciúme pois não, Vanderlito? Fulminei-os com um olhar ferino. Todavia, con102


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bem – limitei-me a dizer, cabisbaixo. – Sabes que a nossa cama é sagrada. – Não te preocupes, Valero – murmurou o Tádzio, abraçando-me com carinho. – Nos próximos dias vou estar mesmo sozinho em casa. A Natália só volta lá para segunda, terça-feira... – Natália?!!!... – exclamei, surpreendido. Era a primeira vez que o Tádzio me pronunciava o nome da esposa. – Disseste Natália?! O meu pai compreendeu logo o meu pensamento. Trocou um olhar fugaz com o Tádzio e, depois, virou-se para mim: – Sim, filho. A mulher dele também se chama Natália. Ouvir esse nome fez-me lembrar a minha mãe, trazendo-me recordações dolorosas. Se eu já chegara ao aeroporto meio esquisito, a lembrança dessa criatura abominável perturbou-me ainda mais. Foi a mulher que me pariu, deu-me a vida, não o podia negar. Mas, em contrapartida, desprezou-me. Traiu sem escrúpulos o meu pai e desapareceu há mais de onze anos sem deixar rasto. Em todos esses anos não deu sinal de vida. Nunca se preocupou comigo. Não me fez uma única visita, um simples telefonema que fosse! Odiava-a profundamente. Jurei nunca a perdoar. E não iria quebrar a promessa. Vislumbrando a tristeza que se apoderava do meu rosto, o meu pai abraçou-me com força e beijou-me, procurando confortar-me. – Não fiques assim, filhote. Natálias há muitas. Não te podes abater só por ouvires um nome. Vá lá, Vanderlito, levanta essa cabeça. Esboça um sorriso nesses lábios doces. – Falei alguma coisa que não devia? – indagou o Tádzio. – Não te preocupes – volvi, forçando-me a sorrir. – Não é nada contigo. Já passou. Nesse ponto, foi anunciado o embarque dos passageiros para Madrid. Despedi-me dos dois e dirigi-me para o avião, que não tardou a levantar voo.

Ouvir esse nome fez-me lembrar a minha mãe, trazendo-me recordações

dolorosas. Se eu já chegara ao aeroporto meio esquisito, a lembrança dessa criatura abominável perturbou-me ainda mais. Foi a mulher que me pariu, deu-me a vida, não o podia negar. Mas, em contrapartida, desprezou-me. Traiu sem escrúpulos o meu pai e desapareceu há mais de onze anos sem deixar rasto. Em todos esses anos não deu sinal de vida. Nunca se preocupou comigo. Não me fez uma única visita, um simples telefonema que fosse! Odiava-a profundamente. Jurei nunca

a perdoar. E não iria quebrar a promessa.

tive as palavras que ia já disparar. Embora o Tádzio fosse nosso amante, não suportava a ideia de que eles se jogassem nos braços um do outro na minha ausência. Fui invadido por um ciúme atroz, que procurei sufocar. Amava demasiado o meu pai, o seu coração pertencia-me e, embora a nossa relação fosse aberta, era-me difícil aceitar que ele fodesse com outros sem que eu o acompanhasse na aventura. Mesmo que esse outro fosse o Tádzio Madjer! – Desde que não vão para a nossa cama, tudo 103


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Na tarde seguinte, finalizada a minha reportagem, retornei cansado ao hotel onde me hospedara. Na recepção, ao pedir a chave do quarto, fui surpreendido pela entrega de um telegrama. Era do director do jornal. Dizia «Urge que voltes. Assunto sério». – Que será que o Dr. Padilha quer de mim, desta vez? Consultei o relógio: dezanove e vinte. A redacção já estava fechada. Telefonei para a minha casa. Queria sondar o meu pai: se sabia porque me chamavam. O telefone não atendia. Liguei para o Tádzio. Tinha o telemóvel desligado. Então, pedi ao recepcionista informação sobre o horário do próximo voo para Lisboa. Era às vinte e cinquenta. Pedi-lhe também que contactasse uma rent-a-car no Aeroporto de Lisboa para me reservar um carro. Já a caminho do aeroporto madrileno, fantasiava animado: Vou fazer-te uma surpresa daquelas, papázinho querido. Julgavas que eu ia ficar

longe de ti por muito tempo, não é? Daqui a nada, estarei nos teus braços. E esta noite não quero ninguém entre nós! Por volta das onze da noite, desembarquei na Portela. Decorridos uns quarenta minutos, já me achava na nossa casa de campo. Estranhei a ausência do meu pai. Deve estar com o Tádzio, pensei enquanto tomava banho. A seguir, vesti o pijama e joguei-me no sofá da sala. – Será que o meu garanhão vai dormir na casa daquele cabrão? – interroguei-me, enciumado. – Ele não pode fazer-me essa desfeita! Decidi esperá-lo ali, na sala, esticado no sofá. Contudo, logo adormeci. Só despertei pela manhã, com o toque do telefone. Era o meu director. – Bom dia, Valero. – Viva, Dr. Padilha. – Liguei para Madrid e disseram-me já que tinhas regressado. – Voltei ontem à noite. Fiquei intrigado com o seu telegrama. – Viste os jornais de hoje? – sondou-me. – Ainda não. Acordei agora. O que se passa? – Prefiro falar-te pessoalmente. Vou já para aí. Não saias de casa. Volvida meia hora, o meu director estava sentado naquele mesmo sofá. E o meu pai não dera ainda sinal de vida. – Estou a ver que vai lixar-me o fim-de-semana, Dr. Padilha. Que jornada tão urgente é essa que tem para me incumbir? – Não vim falar de trabalho. Tenho uma péssima notícia para te dar. Subitamente, emudeceu. 104


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– Desembuche, doutor! – incentivei, ao vê-lo hesitar. – Despediram-me do jornal, foi? Não podem fazer isso comigo! Seria injusto... – Não é nada disso, meu rapaz – interrompeu-me. – Queria encontrar as palavras certas, mas vou directo ao assunto. Olhei-o ainda mais intrigado. Ele soltou a bomba: – O teu pai está morto. – Morto?!!! – sobressaltei, levantando-me de um pulo. – O meu pai?!... Isso não é verdade, doutor! Não pode ser verdade! De repente, recordei que era 1 de Abril. O dia das mentiras. – Essa brincadeira é de muito mau gosto, Dr. Padilha! Não tinha outra partida menos séria para me pregar? – vociferei, perdendo as estribeiras. – Não tem o direito de brincar comigo dessa maneira! – Prepara-te, Valero. Isto é sério. O Vanderlão foi assassinado – prosseguiu, firme, e estendeu o jornal que trouxera para me mostrar. Com o coração prestes a explodir-me pela boca, folheei rapidamente as páginas da publicação até deparar com a notícia: O cabeçalho paralisou-me. Em estado de choque, deixei-me cair de costas no sofá. Um pranto violento apoderou-se de mim. – A puta que me pariu matou o meu pai! – explodi aos gritos, entre lágrimas e soluços. – Oh, meu Deus!... Porquê, meu Deus?... Porquê?... Ao avistar uma moldura na estante, levanteime e fui pegá-la. – Ela estava casada com o Tádzio, pai – balbuciei para a fotografia, acariciando-a. – A mulher do nosso amante matou-te, meu amor. Tu sabias que era ela e escondeste isso de mim. Porquê, pai? Porquê? 

Escândalo homossexual no meio futebolístico VANDERLÃO SEDUZ TÁDZIO E É ASSASSINADO A esposa do futebolista Tádzio Madjer, que também fora casada com o treinador Vanderlão, apanhou os dois em flagrante na sua própria cama, em pleno acto sexual. Com o impacte da cena (a descoberta da homossexualidade do marido e o facto de ele a trair com o seu próprio ex-marido), Natália Madjer terá enlouquecido e alvejou-os com cinco tiros. Vanderlão não resistiu aos ferimentos. Tádzio corre risco de vida. A tragédia ocorreu ontem à tarde, após ela regressar de Paris. A homicida encontra-se já detida.

Excerto de Os Amantes, o primeiro conto incluído em O Pranto do Cisne. Se deseja conhecer toda a trajectória do jovem Valero, leia o livro...

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APRESENTAÇÃO

AMARGO AMARGAR “A vaidade que se apossou de mim ofuscou, momentaneamente, a grande responsabilidade SUZETE FRAGA Nasceu no ano de 1978 em Azurém, Guimarães, e reside em Póvoa de Lanhoso. Experimentou o árduo calejar da lavoura ainda na infância, aprendendo a usar, desde cedo, a escrita e os sonhos como um escape ou até mesmo como um meio de subsistência existencial. Tem textos espalhados em obras colectivas de várias editoras e foi distinguida em três concursos literários. Tem um livro publicado: «Almas Feridas» (Sui Generis, 2016). Página da Autora: www.facebook.com/suzete.fraga

que me recaía sobre os ombros. Depois, quando desci à Terra, o pânico apoderou-se dos meus dedos. Porque as minhas capacidades estão muito aquém de produzir o prefácio que o Isidro merece. Prefaciar «Amargo Amargar» é, portanto, uma tarefa hercúlea que me deixa estarrecida e petrificada. Da sua leitura já não posso dizer o mesmo... foi um deleite para a vista e para a alma! Fui abalroada com um cuidado extremo na escolha das palavras, um vocabulário rico e diversificado, enredos alucinantes e um incansável trabalho de pesquisa. Como se não bastasse, com esta obra o autor proporciona ao leitor ingressos para cenários distintos, descritos com uma mestria capaz de atordoar o maior descrente.” POR SUZETE FRAGA 107


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gosto pela escrita levou-me a conhecer pessoas fantásticas no meio literário, uma dessas pessoas é o meu caro amigo Isidro Sousa. A simpatia e o seu espírito de entreajuda cativaram-me logo. Com o tempo, fui-lhe detetando outras qualidades como a lealdade, humildade, perseverança, persistência e uma dose de perfecionismo que, garanto, roça a obsessão extrema, coisa rara de se encontrar, e, verdade se diga, muito tem contribuído para enriquecer a minha (modesta) bagagem de conhecimentos. Quando me endereçou o convite para fazer o prefácio do seu primeiro livro fui acometida por um sentimento de orgulho e felicidade tal que nem pensei duas vezes para aceitar semelhante honra e privilégio. A vaidade que se apossou de mim ofuscou, momentaneamente, a grande responsabilidade que me recaía sobre os ombros. Depois, quando desci à Terra, o pânico apoderou-se dos meus dedos. Porque as minhas capacidades estão muito aquém de produzir o prefácio que o Isidro merece. Prefaciar «Amargo Amargar» é, portanto, uma tarefa hercúlea que me deixa estarrecida e petrificada. Da sua leitura já não posso dizer o mesmo... foi um deleite para a vista e para a alma! Fui abalroada com um cuidado extremo na escolha das palavras, um vocabulário rico e diversificado, enredos alucinantes e um incansável trabalho de pesquisa. Como se não bastasse, com esta obra o autor proporciona ao leitor ingressos para cenários distintos, descritos com uma mestria capaz de atordoar o maior descrente. Ao ler «A Angústia de Manuela» e «O Casamento de Eulália» tem como destino um plano de ação ambientado no início do século XX, conver-

tendo-se, indubitavelmente, num intruso viciado nos usos e costumes da época, nos palacetes, bailes, casamentos e até nos momentos políticos mais conturbados da nossa História, muito bem corroborados com referências ao Regicídio e às revoltas entre monárquicos e republicanos. Para os restantes contos o autor recorreu à memória dos seus tempos de meninice e adolescência. Muitos plantaram e arrancaram batatas, ceifaram feno e centeio, colheram e desfolharam milho, cavaram terra, enterraram os pés descalços na água enquanto regavam hortas, batatais e morangais, muitos guardaram cabras e ovelhas nas encostas serris, como o Isidro, mas poucos descrevem a beleza bucólica de forma tão sentida e avassaladora. As narrações pormenorizadas fazem acreditar numa Serra Mourisca verídica e querer visitar as suas imediações: Vila Rica, o Rio Luzio, a Quinta do Mocho, a Igreja Matriz de Vila Rica ou o Parque Arqueológico da Mourisca. “Deus não é ciumento, pois não?” é uma questão que surge em «O Dilema de Beatriz». Ela, uma rocha lapidada na forja madrasta da vida, “sentiu vontade de vomitar o seu infortúnio numa raiva incontrolada...” porque “Até as rochas mais duras agradecem a suave carícia do mar.” Relatos quase fotográficos dão a conhecer o plano arquitetónico da Igreja Matriz de Vila Rica. É neste cenário religioso que: “Um longo silêncio tumular imperava na sua mente absorta em pensamentos que se emaranhavam entre o bem e o mal...” E se com estes excertos a curiosidade já fervilha freneticamente, espere para ler as peripécias 108


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em que a pobre viúva Matilde andou metida em «O Susto de Matilde». Mas, antes disso, assista ao romance que tem tanto de arrebatador como de surpreendente. Imperdível o final de João Carlos que “Desfrutou de todas, mas não amou uma única, e nenhuma decerto o amou...” Terá o sentimento que Celina nutria por este jovem aspirante a médico outro nome que não amor? E será mesmo verdade que este jovem não amou uma única mulher? Descubra a resposta em «A Emoção de Celina». Por esta altura, o coração palpitará, sem dúvida, descompassado com tantas emoções, mas terá de manter-se forte para descobrir o fado de Matias. O cenário agridoce, vou chamar-lhe assim, mexe com o espírito de quem vivencia esta história apaixonante entre Helena e Matias. Inicialmente, reina o silêncio sepulcral, típico dos cemitérios, apenas interrompido pelo piar duma coruja. Depois, com o desenrolar da trama, a morbidez tumular vai desaparecendo para dar lugar a ambientes idílicos e refrescantes. É este conto «Os Olhos de Helena» que o vai fazer implorar por um feitiço

que transforme a ficção em realidade, tal é o utopismo empregue. Poderia romper o teclado com infinitas apreciações sobre este «Amargo Amargar». Ou deixar no ar mais pistas sobre os enredos de «A Angústia de Manuela» ou «O Casamento de Eulália» (distinguido com o segundo prémio no 5º Concurso Literário da Papel D’Arroz), no entanto, esta é uma leitura que peca por tardia; não me parece justo privar os leitores desta obra maravilhosa com mais delongas. Para finalizar, só uma curiosidade: dou este prefácio por concluído exatamente à mesma hora em que Portugal é aclamado campeão europeu. Se isto não é um bom prenúncio não sei o que o será. Em ambos os casos, foi uma luta incansável contra ventos e marés. Venceu quem mais lutou e deixou tudo em campo. Também no caso do Isidro Sousa o único desfecho possível só pode ser o sucesso. Estou certa de que esta será a primeira de muitas vitórias. Eu serei das primeiras na fila para o desejado autógrafo. Parabéns, Isidro!  Prefácio de Suzete Fraga incluído no livro Amargo Amargar, de Isidro Sousa

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EXCERTO DE LIVRO

AMARGO AMARGAR “Preso ao fascínio da jovem viúva, encantado com a sua beleza física, ISIDRO SOUSA Nasceu em 1973, numa aldeia remota das Terras do Demo, concelho de Moimenta da Beira, e reside no Porto. Jornalista e editor de publicações periódicas desde 1996, fundou, dirigiu e editou revistas, jornais e guias turísticos, publicou a primeira antologia em Fevereiro de 2001, colaborou com três editoras, participou em três dezenas de obras colectivas, foi distinguido num concurso literário e é o responsável pelos projectos da Sui Generis, que criou em Dezembro de 2015. Publicou dois livros: «Amargo Amargar» e «O Pranto do Cisne». Página no Facebook e Blogue: www.facebook.com/isidro.sousa.2 http://isidelirios.blogspot.pt

espiritual e intelectual, compreendera que ela representava o seu sonho tantas vezes procurado nos sorrisos frívolos dos salões aristocráticos, nos contactos aventurosos e ocasionais. Identificava-se tanto com Eulália (com o seu modo de ser, de sentir, de sorrir, de falar) que lamentava não tê-la conhecido antes do seu infeliz casamento com Madalena. Descobrira que a amava durante as férias em Itália, mas temia não ser correspondido. Pior! Receava que o amor do marido ainda estivesse vivo no seu coração. Frequentava-lhe a casa com assiduidade, esperançoso de que ela viesse a amá-lo. Esforçava-se por isso, sem sair da posição respeitosa de amigo da família com a qual fora recebido.” POR ISIDRO SOUSA 111


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tual, compreendera que ela representava o seu sonho tantas vezes procurado nos sorrisos frívolos dos salões aristocráticos, nos contactos aventurosos e ocasionais. Identificava-se tanto com Eulália (com o seu modo de ser, de sentir, de sorrir, de falar) que lamentava não tê-la conhecido antes do seu infeliz casamento com Madalena. Descobrira que a amava durante as férias em Itália, mas temia não ser correspondido. Pior! Receava que o amor do marido ainda estivesse vivo no seu coração. Frequentavalhe a casa com assiduidade, esperançoso de que ela viesse a amálo. Esforçava-se por isso, sem sair da posição respeitosa de amigo da família com a qual fora recebido. Contava que o tempo fizesse o resto. Não lhe passava despercebida a sua emoção quando a surpreendia, aparecendo inesperadamente. Nem o seu tremor quando, no cumprimento habitual, lhe pousava os lábios, com carinho, na mão macia que ela lhe estendia. Numa tarde em que os primeiros albores do Inverno vergastavam as árvores lá fora e as chamas crepitavam na lareira, bebia uma chávena de chá. Os seus olhos lânguidos fitavam a figura da anfitriã ocupada em atar a fita da filha que se desprendera. Amava-a! Desejava-a! Era imperioso que Eulália lhe correspondesse. A menina regressou à outra sala onde brincavam Afonso e Francisco e a mãe, levantando os olhos, surpreendeu-lhe o olhar ardoroso em súplica muda. Enrubesceu. De coração aos saltos, apanhou um livro ao acaso para desviar a atenção, mas as mãos tremiam-lhe. Sem conseguir silenciar mais os seus sentimentos, Frederico não se conteve. – Eulália, preciso falar-lhe... – balbuciou, pegando-lhe nas mãos.

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fonso comparecia, todas as tardes, na residência dos Belmonte. Embora chegasse acompanhado pela ama, era o pai que ia buscá-lo, tomando invariavelmente o chá da tarde com Eulália. Isso tornara-se uma rotina e ela assumiu, certo dia, que sentia uma grande afeição por ele. A convivência no recanto agradável da sua sala enquanto as crianças brincavam fizera-a conhecer, com bastante profundidade, os sentimentos, o carácter, os hábitos, a inteligência, a cultura de Frederico Borgonha, cuja personalidade afigurava-se-lhe fascinante. Na verdade, ele era brilhante. Jamais deixara de conseguir conquistar uma mulher quando desejasse. Com Eulália, era sincero. Preso ao fascínio da jovem viúva, encantado com a sua beleza física, espiritual e intelec113


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– É melhor não falar, Sr. Deputado – esquivoubeijos fogosos. Quando ela o conseguiu acalmar se Eulália, impedindo-o de prosseguir; ergueu-se um pouco, sentaram-se um ao lado do outro, na nervosa do sofá, arrancando as suas mãos de enamorosa troca de confidências dos namorados. tre as dele com inquietação, e Frederico teve meFalaram das tristezas do passado, das alegrias do do de perdê-la. presente, dos projectos para o futuro. Ele desejaNo entanto, dominado por um forte impulso, va casar o quanto antes, ela preferia esperar pelo segurou-a com determinação, procurando-lhe a Verão. Acordaram que o enlace seria na Primaveboca numa necessidade inra. As crianças, vendo que a consciente de saber se era amizade fraterna que as unia amado. Ela não reagiu mais. concretizar-se-ia na junção Sentiu-se desfalecer... Pareciadas duas famílias, ficaram Dominado por um forte lhe que a vida se resumia nesmuito contentes e os dias subimpulso, segurou-a se beijo delirante do qual nunsequentes foram plenos da ca se julgara capaz. Ele tammais completa felicidade. Eucom determinação, bém se inebriara de emoções lália transbordava de alegria. procurando-lhe a boca nunca dantes imaginadas; e Frederico Borgonha era o nanuma necessidade beijava-lhe os lábios, as faces, morado ideal. Galante, atenos cabelos, numa vertigem incioso, apaixonado. O amor inconsciente de saber controlável. que lhe inundava a alma de se era amado. Ela não Assustada com o volume calor rejuvenescia-o. Vivera reagiu mais. Sentiu-se das emoções que os envolvia, sempre tão sozinho, mesmo ela tentou serená-lo, sussurquando na companhia da pridesfalecer... Parecia-lhe rando com carinho: meira esposa. Agora, enconque a vida se resumia – Tenha calma, Frederico. trara a companheira com a nesse beijo delirante Já não somos adolescentes. qual identificava os seus mais Por favor! caros ideais. Parecia-lhe a Terdo qual nunca se julgara Por instantes, os olhos dele ra o próprio Paraíso. capaz. Ele também se procuraram os dela com arinebriara de emoções dente fulgor. Apesar da viuvez, Eulália – Eulália, eu amo-a! Amo-a quis pedir consentimento aos nunca dantes imaginadas; como jamais amei alguém! pais, por uma questão de rese beijava-lhe os lábios, Nenhuma mulher invadiu o peito filial. Estava certa de que as faces, os cabelos, numa meu coração desta maneira. eles sentir-se-iam felizes por Há dias, queria perguntar-lhe vê-la refazer a vida e aprovavertigem incontrolável. se posso ter esperanças. Não riam o matrimónio. O fidalgo somos adolescentes, é certo, Heliodoro Albuquerque fora mas agora... para mim, é coamigo de infância do malogramo se fosse o primeiro amor. Pode compreender do Inácio Borgonha, pai de Frederico, e embora isso? não comungasse dos ideais republicanos profes– Sim, posso – respondeu a viúva, trémula e fesados pelo jovem Borgonha, sempre o distinguira liz, sem desviar os olhos dos dele. – Eu também o com amizade e deferência. Por outro lado, há amo. Parece que, na minha vida... parece que quatro anos, quando nada prenunciava a iminente também me acontece... pela primeira vez. tragédia que desabaria sobre os Belmonte, FredeArrebatado, ele cobriu-lhe o rosto corado de rico encontrara Miguel caído na estrada, desacor114


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dado, e socorrera-o, levando-o para casa, onde Miguel Belmonte viria a falecer, vítima de hemorragia interna provocada pela queda. Foram momentos de dor e desespero para Eulália, mas ela enfrentou, com coragem e dignidade, as cerimónias fúnebres e Frederico, solidário, mostrou-se incansável no andamento das providências necessárias, o que lhe valeu a gratidão do velho fidalgo. Quanto à mãe, nada receava; Dona Palmira não colocaria entraves ao casamento, já que sempre fora muito cúmplice do deputado. Por isso, rumou à casa paterna para fazer as primeiras participações, levando no olhar radioso o brilho esfuziante do amor correspondido. Foi com ares misteriosos que visitou a mãe e pediu, com insistência, a presença do pai, que se dirigiu, um tanto constrangido, à sala particular da esposa; o fidalgo não tinha

o hábito de entrar lá porque Dona Palmira não permitia, por estar sempre às voltas com as suas máscaras de beleza e os seus cuidados excêntricos. Ambos fitavam a filha com curiosidade e alguma preocupação, porém, a exuberância de Eulália tranquilizou-os: – Peço perdão se tomo o vosso tempo, mas o assunto é tão importante que não pude esperar mais. – Será algo inusitado porque pareces uma adolescente estouvada e não uma viúva recatada – comentou Dona Palmira, alçando as sobrancelhas. E virando-se para o marido: – Viste como entrou aqui? Heliodoro limitou-se a olhar para a filha, esperando a explicação que ouviu em seguida: – Venho consultar-vos sobre uma decisão muito séria. Pretendo casar-me outra vez. – Oh, Eulália... Que bom! – exclamou a mãe, satisfeita, procurando não enrugar o rosto a fim de o não marcar. Considerava a filha muito solitária, vivendo reclusa como uma freira, enterrada no seu convento, sem querer frequentar os salões aristocráticos; faltava-lhe, certamente, um bom marido que a orientasse. – Quando o Miguel morreu, deixou-te bastante jovem, e tu ainda nem tens trinta anos! Não posso esconder que isso tem-me preocupado – pronunciou-se Heliodoro, sorridente. – Precisas de um 115


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bom marido, Eulália. Um homem da nobreza que possa dirigir os teus bens com segurança e educar os teus filhos. Já quis falar-te várias vezes sobre este assunto, todavia, negavas-te sempre a ouvir-me. – Tem razão, meu pai – anuiu Eulália. – Nunca pensei em casar-me novamente, mas agora amo e sou amada. Sentimo-nos felizes juntos. Ele é um homem de bem, tão rico quanto eu, que os meus filhos adoram e que, por ser vosso amigo, creio que seja bem recebido na nossa família. – Alegra-me que seja pessoa das nossas relações – disse o fidalgo, aliviado. – A que família pertence? – É o deputado Frederico Borgonha! – revelou Eulália, levantando-se da poltrona com alegria. Enquanto Heliodoro Albuquerque abraçava a filha, rejubilando, a esposa empalidecia mortalmente. O rosto contraiu-se-lhe num rito de ódio que a custo conseguiu dissimular. No entanto, Dona Palmira percebeu que a olhavam esperando uma reacção e esboçou um sorriso. Eulália indagou: – A minha felicidade não lhe agrada, minha mãe? Desaprova a minha escolha por acaso? – Não se trata disso, filha. O teu casamento com o Miguel Belmonte foi muito feliz. Casaste bastante jovem, tinhas somente dezassete anos. És ingénua, desconheces a maldade da vida – argumentou Dona Palmira, procurando camuflar o que lhe ia no âmago. – O Dr. Frederico, apesar de ser nosso amigo, é um homem sofrido que foge ao convívio social, envolvido pelos seus dilemas do primeiro casamento. Além do mais, tem um filho problemático que te trará aborrecimentos.

Eulália abraçou-a efusivamente, e trataram dos detalhes do casamento. Porém, mal o pai e a filha se retiraram da sala, o sorriso de Dona Palmira desapareceu-lhe do rosto. «Miserável! Desprezou-me porque julgava-me velha!», rugiu, de dentes cerrados, visualizando na mente obscura a fisionomia atraente do futuro genro. «Não sabe que eu sou muito mais mulher do que a minha filha, uma menina ingénua que não sabe amar! Mas talvez seja melhor assim.

Estará nas minhas mãos. Ajustaremos contas, Frederico!»

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Temo pela tua felicidade. – Sempre foi uma mãe extremosa – sibilou Eulália, sorrindo com doçura – mas os seus receios não têm fundamento. O pequeno Afonso é amigo dos meus filhos e é por causa desse afecto que nos une que o Frederico nos tem visitado. Conheço-o bem. É um homem ainda jovem, sincero, encantador. É verdade que a morte da esposa o fez sofrer, mas por isso mesmo merece uma oportunidade de refazer a vida. – O Dr. Frederico Borgonha só peca pela apologia à República. Um tremendo disparate! – manifestou-se Heliodoro, que era monárquico convicto, de um modo sereno. – Apesar de ter esse defeito, é um homem honrado e um nome dos mais ilustres. Têm a minha aprovação e penso que de tua mãe também. Dona Palmira ouvia-os em silêncio, ruminando nos seus pensamentos. Incitada a responder, sorriu:

– Certamente, minha querida. Se te sentes feliz, seja! Eulália abraçou-a efusivamente, e trataram dos detalhes do casamento. Porém, mal o pai e a filha se retiraram da sala, o sorriso de Dona Palmira desapareceu-lhe do rosto. «Miserável! Desprezoume porque julgava-me velha!», rugiu, de dentes cerrados, visualizando na mente obscura a fisionomia atraente do futuro genro. «Não sabe que eu sou muito mais mulher do que a minha filha, uma menina ingénua que não sabe amar! Mas talvez seja melhor assim. Estará nas minhas mãos. Ajustaremos contas, Frederico!» E brandindo a mão com raiva, gritou, com vibrações de ódio: «Ele não perde por esperar!...»  Excerto do conto O Casamento de Eulália, incluído em Amargo Amargar. Se deseja continuar a história de Eulália Belmonte e Frederico Borgonha, leia o livro...

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OPINIÃO

O FLAGELO DA SÍRIA SUAS CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS “Por influência dos acontecimentos da Primavera Árabe, ocorrida nos outros países, começaram ESTÊVÃO DE SOUSA Nasceu em Lisboa, em 1937. Já aposentado, dedicou-se à escrita. Tem três obras editadas: «Nesta Terra Abençoada», «Tráfico no Rio Geba» e «Irina – A Guerrilheira». Além destas, tem mais duas obras no prelo: «Rapto em Londres», policial, e «Ouro Negro», romance de aventura. Tem ainda trabalhos em cerca de quinze antologias e colectâneas.

a existir manifestações de descontentamento

Página do Autor: www.facebook.com/francisco.estevao desousa

a tiro pelas tropas ao serviço do regime.

contra Bashar al-Assad, o qual grande parte do seu povo – nomeadamente os Sunitas que reclamavam liberdade religiosa – considerava um opressor-ditador. Algumas destas manifestações foram reprimidas com extrema violência, sendo muitos manifestantes mortos

O aumento da violência, por parte das forças da ordem, só contribuiu para incentivar a determinação dos manifestantes que queriam a saída de Assad do governo. Esta subida de repressão fez com que se começassem a formar grupos rebeldes, os quais se estenderam a todo o país, chegando as escaramuças, em 2012, à capital Damasco e à segunda maior cidade: Aleppo. Estava iniciada a guerra civil!” POR ESTÊVÃO DE SOUSA 123


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uando, em 18 de Dezembro de 2010, foi dado início àquilo a que se veio a chamar “Primavera Árabe”, com manifestações quase simultâneas em vários países do Oriente Médio e Norte de África (Tunísia, Egito, Argélia, Bahreim, Djibuti, Iraque, Jordânia, Omã e Iémen), dando origem à deflagração de uma guerra civil na Líbia e outra na Síria, ninguém previa quais as graves consequências políticas e humanas que daí adviriam para estes países.

Ao analisar a Síria – país que mais nos interessa, por ter sido o mais martirizado – verificamos que, por influência dos acontecimentos da Primavera Árabe, ocorrida nos outros países, começaram a existir manifestações de descontentamento contra Bashar al-Assad, o qual grande parte do seu povo – nomeadamente os Sunitas que reclamavam liberdade religiosa – considerava um opressor-ditador. Algumas destas manifestações foram reprimidas com extrema violência, sendo muitos manifestantes mortos a tiro pelas tropas ao serviço do regime. O aumento da violência, por parte das forças da ordem, só contribuiu para incentivar a determinação dos manifestantes que queriam a saída de Assad do governo. Esta subida de repressão fez com que se começassem a formar grupos rebeldes, os quais se estenderam a todo o país, chegando as escaramuças, em 2012, à capital Damasco e à segunda maior ci-

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dade: Aleppo. Estava iniciada a guerra civil! Guerra que, tendo origem no descontentamento do povo, em virtude da opressão a que estava a ser sujeito, e porque não dizê-lo: também influenciado pelos acontecimentos verificados nos países seus vizinhos, teve ainda como agravante a divisão existente entre esse mesmo povo, tornandose num conflito sectário que envolveu a maioria Sunita e os Xiitas alauitas – braço do Islamismo a que pertence o presidente Assad. Esta divisão de correntes do Islamismo arrastou para o conflito os povos da região que, não sendo Sírios, pertenciam àquelas correntes, pelo que deixou de ser uma guerra civil para passar a ser um conflito regional. Enquanto, no teatro bélico, a luta se ia intensificando, eis que entra outro ator em cena: o EI, ou Daesh, como queiram, já implantado em algumas zonas do vizinho Iraque. O seu mentor, Abu Bakr al-Baghdadi, um Iraquiano que se intitula califa, aproveitou a fragilidade em que a Síria se encontrava para a invadir com o, já numeroso, exército

do auto proclamado Estado Islâmico, cuja finalidade foi a de ocupar aquele país. A partir desta altura o conflito agravou-se desmedidamente, deixando de ser controlado pela oposição moderada Síria, para ser dirigido e radicalizado pelo Daesh e a frente Nusra, filiada na Al-Qaeda, os quais passaram a ter a supremacia na contenda. A entrada, no campo de operações, destes dois novos agentes que, cometendo as maiores atrocidades – executando milhares de civis, sem dó nem piedade – enquanto se digladiam entre si e combatem os opositores ao regime, causando, até agora, para cima de 470 mil mortos e um êxodo de 4,5 milhões de pessoas, a maioria das quais sem destino que as acolha. Enquanto esta matança ocorre, a Síria vai ficando destruída. A redução a escombros das cidades de Kobani, Palmira, Homs, Aleppo e outras, é bem o espelho disso. O equilíbrio das forças em contenda – movidas cada qual pelos mais variados interesses – é de modo a que se pense estar longe o fim desta Mini Guerra Mundial.

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Para que possamos entender melhor o porquê da eternização deste conflito, que teve início há sete anos, indicamos a seguir quem nele intervém, e a favor de quem: O Daesh luta ao lado das forças leais a Bashar al-Assad (são ambos Xiitas), tendo o auxílio do Irão, também de maioria Xiita, a quem interessa a aliança com Bashar, que lhe autoriza o trânsito de armamentos para o Hezbollah, no Líbano. Dizendo que está a combater o Daesh, encontra-se a Rússia, que

aproveita para auxiliar Bashar e bombardear os rebeldes, opositores ao regime deste, favorecendo assim o EI, com o intuito de salvaguardar os seus interesses na região.

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A combater Bashar (ao lado dos rebeldes), temos: os Estados Unidos e os seus aliados, incluindo a Arábia Saudita, utilizando a aviação e fornecendo armamento. Quando nos referimos aos aliados dos EUA queremos mencionar França, Inglaterra e a própria Turquia. Mas não podemos olvidar alguns grupos terroristas como o Nusra – braço da Al-Qaeda na Síria, por muito paradoxo que isso possa parecer, além de outros treinados pela própria CIA. E depois, no meio desta confusão toda, temos ainda os Curdos, que combatem o Daesh, e os Turcos, que combatem os Curdos, sem falar em grupos libaneses, iraquianos e iranianos que combatem ao lado do governo! Por último: a quem aproveita esta guerra? Em primeiro lugar, se conseguir manter-se no governo, a Bashar al-Assad. Seguidamente, ao Daesh, pela projeção adquirida. Terceiro, aos EUA, pelo papel estratégico que a Síria tem na questão Israel/Palestina por ser aliada do Irão, o qual utiliza o território para fazer chegar armas ao Hezbollah no Líbano e ao Hamas na Palestina, usadas

contra Israel, e ainda para conseguir a conclusão de um gigantesco gasoduto a construir pelo Qatar (maior exportador de gás natural do mundo), que passaria pela Síria até à Turquia, possibilitando exportar o gás natural para a Europa, com os benefícios que daí adviriam para Israel, EUA, Turquia, Chipre e Qatar; e a que o atual governo se opõe para proteger os interesses Russos, actualmente os maiores fornecedores de gás natural da Europa. Como já vimos, também a Rússia, a quem, para além da questão do gasoduto, convém manter a base naval que tem no Mediterrâneo, no porto Sírio de Tartous, a qual constitui a sua base naval para a frota do Mar Negro; e, ainda, a base aérea da cidade de Latakia, onde tem aviões e tropas. Assim, há aqui vários interesses em jogo: económicos, políticos, geoestratégicos e religiosos. Perguntamos nós: E onde ficam os interesses do povo? O tal que, no meio disto tudo, é o que sai tremendamente martirizado?  129





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CONTO

A ÍRIS AZUL DE CLEÓPATRA JÚLIO GOMES Pseudónimo de Fábio Gomes Borges. Brasileiro, carioca de gema, reside no Rio de Janeiro. Formado em História, lecciona nas redes públicas municipal e estadual. É casado, tem 36 anos, prefere ler Ficção Científica, Suspense, Terror e Fantasia. Iniciou a carreira de escritor em 2015; desde então, participou em antologias de várias editoras, tais como: «Nanquim» (Editora Andross), «Deitado em Berço Esplêndido» (AGA Edições) e «Mais do que Palavras» (Editora Scortecci). Da Sui Generis, é co-autor de «Graças a Deus!», «Ninguém Leva a Mal», «Sexta-feira 13» e «Fúria de Viver». Publicou um livro: «A Íris Azul de Cleópatra» (Amazon, 2016, ebook). Página do Autor: Facebook: Fábio Gomes

“A porta do elevador abriu. Uma explosão de sons e brilhos. Deparei com um imenso salão. Teto rebaixado. Chão de porcelanato preto. Paredes azulejadas permeadas por imensos vitrais transparentes. Lá fora, pela cobertura, via-se uma cidade explodir. Dentro do salão, um piscar das luzes coloridas, de fumaças, confetes e serpentinas. Batidas eletrônicas dos mais variados estilos. Mesas recheadas de frios circundavam o recinto. Um barman freestyle enlouquecido preparava os drinks. Garçons equilibravam-se, dentre a multidão, servindo bandejas recheadas. Dezenas de pessoas dançavam tresloucadas. Algumas conversavam. Umas já se beijavam. Outras dormiam nos imensos sofás. Um clima de libertinagem tomava conta do lugar.” POR JÚLIO GOMES 133


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nal 5467. Eu gostaria que o senhor tecesse algum comentário sobre esses primeiros seis meses da lei 13.287/ 001. – Bom, primeiramente eu quero agradecer a presença de todos os senhores e senhoras jornalistas e convidados nessa grande e importante coletiva. Sabemos que não se trata apenas de uma simples entrevista, mas de uma grande festa para comemorarmos essa nova etapa de combate contra as lamúrias de nossa monumental contrafação. Porém, antes de continuar, vou responder à sua pergunta, meu rapaz. Todos sabem que desde a nossa vitória esmagadora nas urnas, há vinte anos, que não passávamos por uma crise tão alarmante em todas as esferas de nossa querida pátria. Cansado de tanta desordem foi que criei essa nova lei. Ela trará a liberdade para nossos filhos e filhas em um mundo de paz e harmonia para todo o sempre. – Senhor presidente, aqui é Abelardo Brandão da Rede Protesto. O senhor poderia esclarecer melhor o artigo 225 dessa lei que diz sobre a obrigatoriedade da colocação, nas pessoas, da microcápsula eletrônica contendo a vacina libertadora? Isso não seria uma transgressão aos direitos inalienáveis do homem? Senhor presidente! – Próxima pergunta. Por favor!

1 Noite de Réveillon. Às oito horas em ponto o carro do governo imperial parou em frente à nossa residência. Apreensão. As sirenes silenciaram. Mãos suadas. As quatro portas do automóvel, que mais parecia um camburão, abriram e fecharam, com força, uma após a outra. Cinco homens saíram. Dois médicos sanitaristas. Três policiais federais. Canalhas. Na sala, eu, minha esposa e minhas duas filhas nos abraçávamos constrangidos. Além de nós, apenas minha tia Elisabeth estava conosco. Ao escutar os passos daqueles homens subindo as escadas da varanda do quintal, tia Beth levantou-se da poltrona. Andou em direção à janela. Disse: – Eles chegaram. Essa é a hora de vocês, finalmente, libertarem-se. Sua fascinação diante do inevitável terror que iriar nos acometer naquela noite era inacreditável. Covardes. Minha liberdade jazia na Taurus pendurada no coldre dentro de meu casaco. Olhos marejados. Tia Beth abriu a porta. 2 – Senhor presidente Hyolando Mello. – Pois não! – Aqui é da mídia Continental, TVC, ca134


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tura. Vi manchas turvas e borrões desbotados. Então meu corpo, paralisado, foi ao chão. Quando acordei, uma hora depois, já estava diante do imperador César. 4 – Senhor presidente, essa microcápsula faz algum mal ao corpo? – Não! De modo algum. Veja. É algo totalmente rápido e inofensivo. Essa microcápsula é um simples circuito eletrônico envolto em um vidro cirúrgico. Um fantástico biochip que, em segundos, descarrega uma vacina que atinge diretamente as sinapses neuronais do córtex pré-frontal

3 Na minha mão esquerda eu segurava a pistola semiautomática. Apontava-a, trêmulo, para os médicos. Nunca tinha dado um mísero tiro. Mas comprei aquela arma para esse momento que há meses se aproximava. – Não cheguem perto de minha família. – Gritei. – Senhor Silva – falou um dos sanitaristas de jaleco branco – viemos apenas fazer nosso trabalho. Não gostaríamos de usar a brutalidade. Abaixe a sua arma ou teremos que acionar a força policial. – Vocês não vão inserir essa maldita coisa nelas. – Berrei, enquanto empurrava minha esposa e as crianças para o porão. A porta fechou-se atrás de nós. Passei o trinco. Desci os degraus correndo. Escorreguei. A pistola caiu pela escada. – Não vou deixar que eles toquem nas meninas. – Disse, emocionado. – Não poderemos fugir deles. O seu coração pode não aguentar. – Que se dane o coração, Carla. Deve haver uma forma. Eu sei que... Algo interrompeu minha fala. Senti uma forte dor de cabeça seguida de ton135


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do cérebro humano. Ali, a nossa vacina, então, inibe permanentemente as ações relacionadas à impulsividade, à agressividade e à inadequação social dos indivíduos. Como consequência, as inclinações ao ato de se corromper, por qualquer motivo, são anuladas, assim como os impulsos ao roubo, a contravenção, o assassinato, etc. Após uma semana, o material plástico biodegradável da cápsula é assimilado pelo organismo humano. – Senhor presidente, fale-nos dos casos de uso da força policial. Há relatos de sumiços e espancamentos. – Mentiras! Puras mentiras! Devo lembrá-los de que esse é um procedimento padrão, obrigatório, sem dúvida, mas totalmente pacífico. Não há qualquer abuso por parte dos médicos sanitaristas e dos policiais que os acompanham. – Próxima pergunta. Por favor!

– Onde estou? – perguntei. – Fique calmo, amigo. – Falou a tal sombra. Voz calma e doce. – Quem é você? – Eu me chamo César e essa é... – César de quê? – Apenas César – disse o espectro – ou imperador como alguns me chamam. Eu tentei levantar-me. Incontrolado, não obtive sucesso. Correntes enferrujadas prendiam minhas mãos e meus pés. Aos gritos tentava soltarme: – O que fizeram com minhas filhas? Imundos! Essa maldita vacina nunca vai dar certo. Então a voz doce pronunciou-se: – Apague-o. Despertei duas horas mais tarde. Ainda continuava deitado no mesmo lugar. A voz doce e calma do dito César discorria ao meu ouvido: – Silva! Acorda! – Como sabe meu nome? – sentei na maca. – Eu sei tudo sobre você. – Disse César. – Sei que se chama Eloy Silva. É professor de Ciências. Desempregado. Mas posso garantir que não sou do governo. – Mentira! Seu hipócrita. Só o governo possui

5 Abri meus olhos. Observei atento. Estava deitado numa pequena maca. Local com pouca iluminação. Um intenso cheiro de cigarro. Uma sombra humana, que mais parecia um espectro fumacento, mexia-se sentada à minha frente.

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tais informações. – Acredita mesmo nisso? – Não sei. – Pois bem. – Afirmou o imperador. – Veja! Você está sem corrente agora. Não precisa gritar, nem espernear. Mas há uma arma apontada para você com um dardo tranquilizante para cavalo. Eu ponho você para dormir de novo, caso tente atacar-me. Refleti por alguns segundos. Então argumentei: – Não vou atacá-lo. Já passei dos 50, moço. Meu marca-passo não me deixaria ir muito longe. – Pois bem. – Repetiu César. – Acendam a luz. Grandes holofotes iluminaram o ambiente. Um pequeno quarto surgiu diante de meus olhos. Paredes brancas e sujas. Um sujeito gordo, careca, com barbas enormes e pretas ria de uma forma jovial. Era César. Atrás dele, pessoas fortemente armadas.

Grandes holofotes

– Bom, como pode ver – falou César, enquanto me ajudava a levantar da maca – nós somos um grupo que luta pela liberdade dos indivíduos nessa sociedade que vivemos. Aquela ali, com a íris azul no cabelo, segurando a carabina com o dardo, é minha companheira Cléo. Diminutivo de Cleópatra. O magrelo lá no canto é Marco Antônio, meu assistente. Nomes falsos para uma sociedade torpe. César continuou sua explanação por alguns minutos. Saímos do quarto. Passamos por um imenso corredor. Todo o prédio possuía uma arquitetu-

iluminaram o ambiente. Um pequeno quarto surgiu diante de meus olhos. Paredes brancas e sujas. Um sujeito gordo, careca, com barbas enormes e pretas ria de uma forma jovial. Era César. Atrás dele, pessoas fortemente armadas. 137


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cidades de escolher nosso destino, de se posicionar, de se corromper diante de situações, digamos, duvidosas... – Eu sei. Foi o que aconteceu com minha família. – Exato! – César acendeu seu cigarro. – Mas nós resgatamos você antes. Só acho que exageramos na carga de eletrochoque que fez você desmaiar. – Como sabiam dos meus pensamentos? – Já estávamos monitorando você, suas conversas e... – Como assim, monitorando? – interrompi. O imperador pareceu não importar-se. – Nós observamos todas as pessoas. Usamos o sistema de vigilância e controle do governo. Aquela singela câmera que tens em casa. Lembra? Escolhemos as pessoas que são contrárias à ordem burocrática Melloista. – Ele tragou o fumo lentamente. – E minha família? – perguntei. César fez fumaças redondas com a boca. Riu. Falou em seguida: – Estão bem. Só que agora possuem os biochips do governo em suas testas. Por enquanto, ainda desconhecem o seu

ra antiga com paredes manchadas de fungo, musgo e infiltrações. Porém, rodeada pela velha mobilha, perpassavam miríades de máquinas e instrumentos modernos, computadores de última geração, dispositivos eletrônicos e gente, muita gente trabalhando. Por fim, chegamos num grande ambiente oval com uma mesa retangular no meio. Sentamos ao seu redor. – O que é esse prédio? – perguntei. – Um local não governamental. Mas isso não importa agora. Concentre-se no fato de que esse governo ditatorial cometeu mais aberração contra os seus direitos e de todo o cidadão. Falo da legislação 13.287/0 01. No seu artigo 225, essa lei permite que indivíduos fortemente armados entrem nas casas das famílias – como entraram na sua – e coloquem um dispositivo biológico na testa de cada um. Essa tal cápsula possui uma substância inibidora de nossas capa138


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paradeiro. – César chegou para frente e encarou-me: – Eloy, você precisa entender que não se trata de uma luta a favor do crime. Mas sim pela defesa do nosso direito de escolher se queremos ou não fazer o certo ou o errado. – Eu sou contra essa lei e essa vacina. – Falei. – Eu sei – César sorriu – e é por isso que está aqui. – O que querem comigo? – Queremos te dar o antídoto. 6 – Senhor presidente, quais estão sendo os reais benefícios da nova vacina? – Claro. Vejam! Os benefícios dessa nova tecnologia são imensos. Principalmente com relação aos aspectos do comportamento social. Nossos técnicos, especialistas em neurociência, observaram, através das câmeras domésticas, que as famílias que estão usufruindo de nossa tecnologia inovadora tiveram mudanças totais nas suas posturas morais e éticas. Assim, as brigas entre familiares, entre amigos, as desavenças, os interesses mesquinhos, a inveja e as ambições foram finalmente sanadas. Por conseguinte, como podem ver nesse gráfico que temos aqui ao lado, os índices de trapaças, estelionatos, roubos, fraudes, subornos, latrocínios, assassinatos caíram vertiginosamente. Nossa fórmula é um sucesso. – Mas, senhor presidente, as pessoas assim não iriam mais reclamar de suas situações financeiras e econômicas. Isso não seria cômodo para o governo? Senhor! – Próxima pergunta. Por favor!

7 Em meia hora eu já estava deitado na mesa de operações. Vi tesouras, seringas e bisturis. Notei pinças, gazes e fios de costura. Observei pessoas, que me rodeavam, vestidas com aventais cirúrgicos. Perguntei: – Vocês vão colocar alguma coisa no meu corpo? Não consegui resposta. Ou sim! Obtive a resposta. – Eloy. Acalme-se. – Disse uma voz grossa, robusta. Era Cléo. Suas mãos carnudas seguravam meu braço, com força. Seu perfume, que exalava da íris azul, disseminava a beleza de sua face nada angelical. – Não há com que se preocupar. Esse dispositivo que eles programarão em seu corpo neutralizará os efeitos do biochip do governo. Você ficará livre para escolher seu destino. 139


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obscuridade, mais uma vez, apunhalou-me. Uma hora depois, encontravame numa enfermaria com centenas de leitos vazios. Meu cabelo, antes liso, curto e grisalho não existia mais. Rasparam-lhes. Apenas um fino avental cobria-me o corpo. Nem cordas, nem correntes prendiam-me. Então, eu resolvi levantar, apesar da tontura aparente. Andei em direção à porta de saída. No corredor fui abordado por uma voz conhecida: – Meu caro mestre Eloy Silva. – César vinha sorridente. – Vejo que já está melhor. – Não há nenhuma incisão no meu corpo. Como colocaram o mecanismo? – O mecanismo é líquido. – Explicou ele. – Entrou pela sua corrente sanguínea. Só houve um pequeno problema. Seu marca-passo rejeitou o líquido original. Tivemos que ajustá-lo às reações químicas do antídoto. Foi feita uma modificação na fórmula e só saberemos o resultado quando testarmos sua moral. César puxou-me pelo braço. Fomos até o elevador. Lá ele me entregou uma roupa social: smo-

Abrandei-me diante de seu aroma tenaz. – Ela brilha? – apontei para a íris azul. – Sim. Ela é feita de um material da natureza, raro e cristalino, como nossas almas quando nascem. – Cléo sorriu majestosa. Suas mãos acarinhavam meu rosto. Olhares temerosos encontraram-se por alguns segundos. – Quem garante que vocês não controlarão minhas escolhas? – Confie no que estou falando. – Ela sussurrou. – Você já fez sua escolha. Uma fina agulha adentrou em meu braço. A

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king, laço, botoeira, sapatos pretos de verniz. Com certo esforço, dentro do elevador parado, consegui vestir-me. Quando fiquei pronto, César apertou o botão n° 89. Subimos. Em seguida, ele disse: – O tamanho dessa roupa coube bem nesse seu corpo magricelo. Vamos lá aproveitar esse momento. Afinal não é todo mundo que aguenta fiel, por vinte anos, um casamento de aparências com a belíssima modelo Carla Bruna. Por isso, eu quero que conheça um pessoal bem bacana. A porta do elevador abriu. Uma explosão de sons e brilhos. Deparei com um imenso salão. Teto rebaixado. Chão de porcelanato preto. Paredes azulejadas permeadas por imensos vitrais transparentes. Lá fora, pela cobertura, via-se uma cidade explodir. Dentro do salão, um piscar das luzes coloridas, de fumaças, confetes e serpentinas. Batidas eletrônicas dos mais variados estilos. Mesas recheadas de frios circundavam o recinto. Um barman freestyle enlouquecido preparava os drinks. Garçons equilibravam-se, dentre a multidão, servindo bandejas recheadas. Dezenas de pessoas dançavam tresloucadas. Algumas conversavam. Umas já se beijavam. Outras dormiam nos imensos sofás. Um clima de libertinagem tomava conta do lugar. – O que todas essas pessoas fazem aqui? – perguntei. – Elas vivem aqui. – Vivem? – Isso mesmo! – Disse César. – Elas residem lá

em baixo no subsolo. Mas hoje estão pelas coberturas. Aqui nós temos todo o tipo de negociata e de gente: corrompidos, criminosos, assassinos, traidores. Mas também gente honesta e pacífica. O que une todos eles? Eu respondo: a crença na liberdade. Eles estão todos livres. As cápsulas do governo não funcionam neles. Somos uma grande comunidade que agora você faz parte. Não é uma beleza? Bom, deixa-

Vozes e risos perpassavam pela minha mente confusa. Fogos de artifício zuniam em desenhos bizarros através das imensas janelas do local. Ao fundo, percebi de relance, no reflexo da lua no céu, o brilho de uma íris azul cintilante de uma jovem. Era Cléo: terninho preto, blusa azul. Vestido abaixo do joelho.

Salto alto. Desajeitada. Linda. A moça riu com seu jeito bruto. Caminhou para um dos quartos. Apenas segui o cheiro daquela flor. 141


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xo do joelho. Salto alto. Desajeitada. Linda. A moça riu com seu jeito bruto. Caminhou para um dos quartos. Apenas segui o cheiro daquela flor. Lantejoulas, serpentinas e luzes multicoloridas entranhavam-se pelos poros de nossas grossas epidermes. Meus olhos, porém, percorriam as belas curvas de Cléo que ascendia pelas paredes de meu corpo como uma gata com suas presas nada inofensivas. No fim, eu adormeci. Acordei sozinho, assustado e nu numa imensa cama. Vestime e corri para o salão. A festa ainda rolava solta. A música alta. As pessoas dançando freneticamente. Num dos cantos do salão estava o imperador e seus seguranças. Cléo não estava lá. Fui em direção ao grupo. – Pronto para ir embora? – falou César. – Como assim? – perguntei. – Pensei que eu fizesse parte da comunidade. Pensei que vocês fossem trazer minha família. Minhas filhas. Resgatá-los. – Não seja cínico. Você nunca se importou com sua família. Não é mesmo, Eloy? Aquelas meninas nem são suas filhas de verdade... Nesse momento eu tive vontade de socá-lo. Mas pensei em Cléo. – Não faremos nada disso! – continuou César, ríspido. – Há pessoas da nossa comunidade que vivem lá fora também. Você será uma delas. O governo colocará o biochip em sua testa, mas ele não vai funcionar. E você viverá fingindo. – Quem garante? Vocês não mudaram o meu antídoto e sua fórmula? – Eu garanto! Faça um teste quando estiver lá fora. Roube uma flor. – Não sei se concordo com isso. – Falei sem rodeios. – Agora você não pode discordar de nada, meu amigo. Apague-o. – Não...

rei você aqui por algumas horas. Tenho que subir e resolver alguns problemas. Já passamos da meia noite. Divirta-se, meu caro Eloy. Afinal, hoje é o início de um novo ano. Feliz 2050! Não tive tempo de responder. César saiu rápido com seus seguranças. Sozinho, eu andei pelo ambiente festivo. Tomei algumas doses de Vodka. Ademais uma garrafa de Bacardi 151 misturada com alguma droga pesada. Em tempo, vozes e risos perpassavam pela minha mente confusa. Fogos de artifício zuniam em desenhos bizarros através das imensas janelas do local. Ao fundo, percebi de relance, no reflexo da lua no céu, o brilho de uma íris azul cintilante de uma jovem. Era Cléo: terninho preto, blusa azul. Vestido abai142


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opatia e no fim dos transtornos de personalidade antissocial. Essa cápsula redentora, meus caros, será responsável por acabar com todos os distúrbios causados por falhas cerebrais desde a infância, por falhas do desenvolvimento cerebral em áreas frontais e até por defeitos nos limites de nossa memória. É nisso que temos que nos concentrar... – Mas senhor, há relatos de rejeição para pessoas que possuem marca-passo e... – Próxima pergunta. Por favor! 9 Não lembro quando e nem como voltei para casa. Nem como fui recebido por minha família. Muito menos como reencontrei minha pistola. Mas lembro da noite em que os sanitaristas do governo voltaram. Eu, com a minha Taurus em punho, disse: – Não cheguem mais perto. Ou eu atiro. – Senhor Silva! – falou o médico. – Não puxe o gatilho. – Vocês não vão inserir essa cápsula em minha testa. – Berrei. – Carla, leve as meninas para o nosso carro. Minha esposa, no entanto, hesitou. Foi impedida por tia Beth. Olhei para elas. – Apague-o! – gritou um dos policiais.

8 – Senhor presidente, dizem que há contraindicações da vacina para as pessoas que sofrem do coração. O que o senhor tem a dizer sobre isso? – Sem dúvida que em alguns casos há algum tipo de rejeição. Mas nossos neurocientistas estão atuantes e monitorando todas as dificuldades. Não há nenhuma relação da vacina com problemas do coração. Isso são besteiras. O que temos que nos concentrar é no aspecto social, no caráter do indivíduo, no senso ético, na anulação da soci143


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Fui acertado com um tiro elétrico certeiro no queixo. Apaguei por uma hora. Tempo necessário para que programassem o biochip e a vacina.

– Agradeço a todos os presentes, jornalistas e repórteres, por essa entrevista coletiva online por teleconferência. Vamos juntos com Hyolando Mello! Até logo! – Senhor presidente...

10 – Senhor presidente, há indícios de alguns políticos do alto escalão do governo que interferem por interesses particulares nas atividades científicas! Qual sua opinião? – Eu sempre fui um entusiasta da democracia e da ciência. Nesses meus vinte anos de governo, eu sempre apoiei e incentivei as pesquisas para melhorar a base científica e técnica de nossa sociedade. Por isso hoje temos essa nova modalidade de ensino social e cultural que é a políticociência. Essa fantástica união dos esforços dos políticos em prol das inovações científicas. Temos o dever de intervir militarmente sempre que possível para frear iniciativas ineficazes e avançar para o bem dos cidadãos. Próxima pergunta. Por favor! – Senhor! Há, enfim, alguma possibilidade de burlar a vacina anticorrupção? – Não. – Senhor presidente...

11 Hoje eu acordei bem. Olhei-me no espelho do banheiro. Percebi uma pequena protuberância em minha testa. O dispositivo de anticorrupção estava lá. Mas não tive efeitos colaterais: nem choque traumático, nem disfunção mecânica, febre. O biochip do governo realmente funcionava? Só havia uma forma de saber. Terminei o banho. Fui comprar o pão. Voltei e sentei à mesa da cozinha com minha família. Agora, aqui, ao beber o café, tenho certeza do sucesso do antídoto de César. Como sei disso? Apenas observo, em silêncio, a pequena flor que descansa na palma de minha mão. Uma linda íris azul furtada da venda do seu José, quando retornei da padaria. Decerto, ainda posso escolher. Eu escolho ir atrás dela. Eu escolho Cléo. Eu escolho a íris azul de Cleópatra.  

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REPORTAGEM

LANÇAMENTO DE “DAQUELES ALÉM MARÃO” Manuel Amaro Mendonça apresentou o seu

se debruçam sobre realidades e vivências

terceiro livro, «Daqueles Além Marão», no dia 3

da região de Trás-os-Montes, e salientou a

de Junho. A sessão de lançamento ocorreu na

importância de continuar a participar em obras

Confeitaria Luso-Brasileira, em Leça do Balio,

colectivas, citando a Sui Generis e o seu editor,

tendo sido apresentada, num tom bastante bem-

Isidro Sousa, presente na sessão, que permitem

humorado, pelo seu irmão, Luís Mendonça, e teve

exercitar a escrita, divulgar mais os seus trabalhos

um momento musical protagonizado por Eduardo

e ir amadurecendo a sua arte – aliás, como se

Sousa e pela jovem Beatriz, sobrinha do autor,

reflecte neste terceiro livro: uma obra mais bem

que cantou pela primeira vez em público.

amadurecida, de acordo com Luís Mendonça.

Manuel Amaro Mendonça falou sobre o fascínio

A sala, num piso interno bastante iluminado e

que sente pela região de Trás-os-Montes, em

decorada com cartazes de obras colectivas em

parte graças à paixão pela sua esposa, Delmina

que o autor participou, esteve cheia... foi pequena

Mendonça, uma transmontana de gema com

para tanta gente... e muitos foram os risos

quem partilha a vida há três décadas, e também

arrancados da assistência, tal era a descontracção.

pelas vivências do século XIX, dando a conhecer

Ao longo do evento, mostraram-se excertos de

muito do seu trabalho literário, não só a obra

textos do livro, vídeos promocionais e, no final,

presente, mas também os primeiros livros e

além dos autógrafos, o convívio prolongou-se

outros projectos para os próximos tempos.

pela tarde fora, entre comes e bebes, em que

Descreveu sucintamente cada uma das oito

se destacou um soberbo bolo com a capa do livro

estórias incluídas neste livro de contos, que

desenhada. Parabéns, Manuel Amaro Mendonça!

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Manuel Amaro Mendonça com as suas sobrinhas Sylvie (em cima) e Beatriz (em baixo); esta protagonizou um momento musical com Eduardo Sousa (em baixo) durante a apresentação de Daqueles Além Marão

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Manuel Amaro Mendonça com o seu irmão, Luís Mendonça, que fez a apresentação de Daqueles Além Marão

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ENTREVISTA

MANUEL AMARO MENDONÇA Manuel Amaro Mendonça é português, do concelho de Matosinhos. Nasceu em 1965, na cidade de São Mamede de Infesta, é casado e licenciado em Engenharia de Sistemas Multimédia. Apesar de a sua carreira literária não ser muito longa, apresenta-se, até à data, bastante prolífica. Desde finais de 2014, altura em que decidiu a encarar a escrita com mais seriedade, ganhou um 1º e um 3º prémio em dois concursos literários e os seus contos foram seleccionados para mais de uma dezena de obras colectivas de diversas editoras. É autor dos livros «Terras de Xisto e Outras Histórias» (2015), «Lágrimas no Rio» (2016) e «Daqueles Além Marão» (2017), editados pela CreateSpace e distribuídos pela Amazon. POR ISIDRO SOUSA 161


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Quais são os momentos mais marcantes nessa trajectória seguida até hoje? Houve vários momentos importantes e se «Terras de Xisto e Outras Histórias», o meu primeiro livro, foi uma experiência fantástica, não foram menos as participações nas várias colectâneas das múltiplas editoras onde conheci outros como eu. Dali consegui grandes amizades naqueles que comigo partilhavam o amor por contar histórias e serem “ouvidos”. Os prémios obtidos nos concursos literários da Editora Papel D’Arroz foram um estímulo fantástico, mas o meu “crescimento” passava por não estar preso a nenhuma editora, para poder colaborar com todas e, ao mesmo tempo, não me sentir impedido da minha carreira como autor independente. Foi a amizade com o Isidro Sousa e o envolvimento desde a primeira hora no seu fantástico projecto «A Bíblia dos Pecadores» que me levaram a fazer parte do seu crescente grupo de autores do «Mundo Sui Generis».

SG MAG – Como, quando e onde despontou o seu gosto pela escrita e qual foi o percurso trilhado desde então? MANUEL AMARO MENDONÇA – O gosto pela escrita não é novo, muito embora só escreva com mais seriedade desde o final de 2014. Sempre gostei de imaginar histórias e recordo-me bem de fazer a minha própria banda desenhada, assim como de alguns dos textos mais antigos que escrevi, ainda muito jovem. Ao estilo da frase que já foi atribuída a diversos autores, quando não encontrava a história de que gostava escrevia-a eu próprio. Na escola, os meus textos chamaram a atenção dos professores por várias vezes e cheguei a ser premiado em pequenos concursos de escrita organizados pelos professores de Português. Com a vida adulta, a profissão tomava-me quase todo o tempo, inclusivamente o livre. A minha paixão pelas letras limitava-se ao pouco que conseguia “roubar” para ler e escrever uma história ou outra sobre algum tema que me tivesse interessado no momento... a maior parte desses trabalhos perdeu-se para sempre. Foi em Outubro de 2014 que decidi dar a conhecer alguns dos meus trabalhos... em Junho do ano seguinte publicava «Terras de Xisto e Outras Histórias».

Em que é que «Daqueles Além Marão» se distingue dos dois livros anteriores? O que o levou a escrevê-lo? Quais foram os principais desafios? «Daqueles Além Marão» é um conjunto de contos, alguns já publicados em colectâneas e outros são inéditos. Cada livro é um livro, não se pode fazer verdadeiramente comparações entre eles. Se «Terras de Xisto e Outras Histórias» tem um conto passado no século XIX, o que lhe dá título, todos os outros são contemporâneos e se «Lágrimas no Rio» também é passado no século XIX, as lições, os personagens e as histórias não têm nada a ver... «Daqueles Além Marão» fala dos transmontanos pelos transmontanos e mostra a sua diversidade: bons e maus, conta a tristeza da diáspora, mesmo naquele longínquo século.

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Além de se ambientar na região transmontana, como é composto e que temas aborda? São apenas oito contos, mas, na maior parte das vezes, nada mais têm em comum do que o espaço/tempo. Fala-se de superstição, do sobrenatural, da fome, dos maus tratos, de crimes, de amor, das invasões francesas... apenas oito contos, mas muitos temas.

Em que se inspira para escrever? Não há realmente UMA coisa que me inspire. São imensas, ou podem ser milhares. Um conto pode nascer de uma música, de um filme, de um livro, de uma pessoa, uma conversa ou uma simples palavra. Acho que, como um escultor, consigo ver por dentro do material em bruto a imagem que lá está aprisionada e que eu tenho que soltar. Vou tomando as minhas notas, quando surgem ideias. Algumas dão trabalhos de imediato, outras aguardam a sua vez. Como exemplo, o conto «Esperança» que fez parte de «Terras de Xisto e Outras Histórias» nasceu quase de uma só vez, ao som da música «Fico até adormeceres» do Paulo Gonzo. O conto «Passagem de Ano», que foi seleccionado para a colectânea «Labirintos da Mente», surgiu com «Happy New Year» dos saudosos ABBA, mas já para fazer nascer a Ângela Mello do conto «Tudo por Amor», seleccionado para a antologia «A Bíblia dos Pecadores», necessitei de conhecer melhor a Jezebel do Antigo Testamento.

Acho que o século XIX sempre me fascinou (se calhar vivi nessa época, numa vida passada)... a forma como viviam, o romantismo, as guerras terríveis que se travaram, as relações entre homens, mulheres, senhores e servos. Era admirável a forma como podiam ser estóicos e fortes, resistir à mais dura das provações e, no entanto, viverem “calcados” pelos donos das terras, incapazes de reagir, educados num mundo onde a submissão era o que era esperado deles. A História é uma das minhas paixões, o nascer desta série de livros, que têm o século XIX como pano de fundo, é fruto do estudo feito para aquela que deveria ter sido a minha primeira obra, que tem como tema as invasões francesas... e que ainda não está terminada. A ruralidade é o ambiente em que tudo é menos complexo, os que mandam são poucos, os meios são pequenos e tudo se passa numa escala mais controlada, contudo, outros ambientes

As ruralidades, especialmente a região de Trás-OsMontes, são uma presença constante nas suas obras. Mas também temas históricos relacionados com as Invasões Napoleónicas ou vivências no século XIX, como sucede em «Antes Quebrar Que Torcer». O que o fascina nas ambiências de épocas passadas?

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mais “amplos” se preparam... aguardem.

E porquê antes quebrar que torcer? «Antes Quebrar Que Torcer», pois então! Não eram assim os portugueses daquela época? Desorganizados, desmoralizados, inferiores em armamento e preparação, mas não era por isso que deixavam os invasores passar sem sofrerem duras perdas, ainda que as portuguesas fossem maiores. Podiam quebrar, mas não era qualquer um que os vergava. De resto, num dos retratos do general Bernardim Freire de Andrade, assassinado pela população descontrolada dessa altura, surge o lema «Frangor, non Flector» que, grosso modo, tem o mesmo significado do título deste livro.

O que o levou a participar no livro «Antes Quebrar Que Torcer» juntamente com outros quatro autores? Em que consiste este projecto? Esse foi outro projecto muito agradável de participar. Nasceu de uma reunião informal de um grupo de cinco amigos/autores que se conheceram nestas andanças das escritas: Ana Paula Barbosa, Carlos Arinto, Jorge Santos, Suzete Fraga e, claro, eu próprio. Chamamos-lhe «O Desafio», pois foi isso mesmo, um desafio a nós próprios, à nossa capacidade de escrever sobre um tema que me pediram para nomear. Que é que eu haveria de escolher? A invasão do Norte de Portugal em 1809 pelas tropas napoleónicas sob o comando do general Soult! Este foi o primeiro desafio, creio que haverá mais.

Em que medida a sua participação em diversas obras colectivas contribuiu para a concretização e êxito dos seus livros?

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Êxito é uma palavra muito forte. Tenho alguns leitores ávidos e fiéis, que não perdem cada um dos meus livros e normalmente encomendam o próximo, que ainda nem está escrito, quando recebem a última publicação. Êxito tem o José Rodrigues dos Santos, o Valter Hugo Mãe ou mesmo o Paulo Coelho, que vendem milhares de livros.

Participa com regularidade nalgumas antologias promovidas pela Sui Generis. O que lhe atrai nestes projectos? Como os caracteriza? Como disse atrás, as participações ajudam-nos a evoluir e a tornar-nos multifacetados. A Sui Generis tem o dom de escolher (muitas vezes) temas aliciantes que trazem à tona muitas ideias. Esta editora começou de forma muito dinâmica e logo com o seu, na minha opinião, projecto mais emblemático: «A Bíblia dos Pecadores», já referido várias vezes nesta entrevista. Tive receio recentemente, como essa dinâmica tinha sido perturbada e a saída regular das antologias sofreu uma severa interrupção, que fosse o fim da editora, mas agora, porém, parece que tudo está a voltar ao normal.

E o que o faz manter participações nos projectos colectivos? Que importância lhes atribui? As participações são importantes para conhecer o que se escreve por aí e para nos ajudar a “crescer” como autores, aceitando os desafios dos temas e fugindo da área de conforto em que nos baseamos para escrever. Como dizia Pessoa “Eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura”, logo, quanto mais vemos outros mundos pelos olhos de outros autores, maiores nos tornamos.

Qual foi (ou quais foram) a obra colectiva em que mais gostou de participar? Porquê? Há alguma que o tenha marcado especialmente? De que modo?

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Venceu um concurso literário, em 2016, cujo prémio lhe possibilitou editar um livro sem qualquer custo. No entanto, abdicou desse prémio, o sonho de muitos autores, optando por publicar o mesmo livro na Amazon, recorrendo aos seus próprios meios. Que razões pesaram nessa decisão? Não me vou alargar muito nas razões, excepto para dizer o seguinte: a obra que deveria ser publicada era o «Daqueles Além Marão», o meu terceiro livro. Não foi o que me custou mais a fazer, esse foi o primeiro, onde tudo era novidade. Este beneficiou de ter o “caminho trilhado” pelos anteriores e por isso caminhou mais depressa. Foi o motivo principal para eu ter abdicado do “prémio”. As expectativas da editora, em termos de prazos, eram muito diferentes das minhas, acho que isso vai ser sempre uma dificuldade que vou ter, se algum dia deixar de ser autor independente. Nenhuma editora vai conseguir entregar os primeiros exemplares da minha obra apenas uma semana após ter dado ordem de publicação.

Até ver, não sei se foram catorze ou quinze antologias onde tive o orgulho de ver os meus trabalhos publicados. Todas elas me deram muito prazer em participar, mas claro que o orgulho de saber as minhas histórias premiadas, como aconteceu com «Tudo em Jogo» que entrou no «Poder do Vício» e «O Assalto» para «Um Dia de Loucos», dá um sabor muito especial. Mas tão importante como a própria participação é o convívio na entrega dos livros, onde convivemos com outros autores e conhecemos pessoalmente este ou aquele que nos impressionou com o seu trabalho. Assim aconteceu com a Suzete Fraga, o Carlos Arinto, o Sérgio Sola, a Ana Paula Barbosa, sem esquecer, claro, o amigo Isidro Sousa.

Prefere editar e distribuir os seus livros na Amazon, ao invés de recorrer às editoras que existem em Portugal, por alguma razão especial? Que mais-valias lhe oferece a Amazon? Há vários motivos, sendo que o maior e mais importante é o investimento inicial, que em termos de Amazon é quase zero. É certo que todo o trabalho é feito por nós, desde a revisão à paginação, passando pela capa... e se queremos alguma divulgação, somos nós que a fazemos. Em contrapartida, os meus livros estão à venda em todo o mundo e não tenho que

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o próximo. Isso dá-me uma alegria imensa. No meu sítio de autor em http://manuelamaro.wixsite.com/autor, na opção “Livros Publicados”, encontrarão uma página para cada um deles, um vídeo promocional e um botão que vos mostrará alguns dos comentários dos leitores.

Que balanço faz da sua trajectória literária? Sente-se realizado? Realizado? Diz-se que um homem deve na sua vida plantar uma árvore, fazer um filho e escrever um livro. Já tenho um filho e não prevejo mais, já plantei algumas coisas (árvores não) mas a agricultura não me atrai por aí além, contudo, escrevi, não um, mas três livros. Claro que não me sinto realizado, isto é apenas o início. Sinto uma grande alegria quando lanço um livro e começo a preparar o próximo.

Como analisa o panorama das editoras portuguesas em particular e do meio literário em geral? E a literatura que se produz em Portugal?

“comprar” uma centena ou mais de exemplares para garantir os custos da editora, a Amazon imprime nem que seja apenas um simples volume, para exibir na minha estante. Tem desvantagens, claro, mas para já resolve as minhas necessidades.

Acho que estamos num período muito confuso, como o são todos os períodos de revolução.

Como avalia as críticas ou reacções aos seus livros, especialmente ao último?

Um bom livro não pode ser O meu primeiro livro, «Terras de Xisto e Outras Histórias», esteve praticamente limitado aos amigos, até à saída do segundo, «Lágrimas no Rio», onde começaram a aparecer pedidos por correio electrónico, de pessoas que eu não conhecia e que, passado pouco tempo de o receberem, encomendaram também o primeiro. «Daqueles Além Marão» foi encomendado praticamente por todos os que leram os dois primeiros e muitos deles, no fim da leitura, mandam reservar

separado do folhear das páginas e do cheiro do papel e da tinta. Já para não falar na alegria que se sente a olhar as prateleiras cheias e recordar cada uma das histórias que ali estão. 167


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Está a acontecer uma revolução no mundo da palavra escrita, como já ouvi dizer por aí, nunca se publicaram tantos livros e nunca se leu tão pouco. Para começar temos o dilema livro digital / livro físico. Pessoalmente, apesar de estar no ramo das informáticas há muitos anos e as publicações digitais fazerem parte da vida, acho que um bom livro não pode ser separado do folhear das páginas e do cheiro do papel e da tinta. Já para não falar na alegria que se sente a olhar as prateleiras cheias e recordar cada uma das histórias que ali estão. Depois temos o mundo das editoras dividido maioritariamente pelas “empedernidas” com grandes impérios, que não querem arriscar com o escritor que ninguém conhece, e temos as arrivistas cujo objectivo é simplesmente o lucro e publicam qualquer coisa que o autor possa pagar. Há as que estão no meio-termo, como é lógico, mas são muito poucas. Como todas as revoluções, também esta acabará por passar e quando a “poeira assentar” veremos o que sairá daqui, espero que seja o melhor para a literatura.

se sabe, há muitos autores em cada uma dessas categorias e nem sempre o que está na última delas é o que escreve melhor... E não estou com isso a dizer que eu deveria estar nesta ou naquela classificação. Sei o meu valor e que tenho ainda muito que aprender antes de me considerar um escritor a sério. De resto, sem a espectacular ajuda da minha grande amiga Alcídia Amorim, nas revisões, acho que nunca me teria atrevido a publicar.

Quais são as suas referências literárias? Existem muitas influências na sua obra? Alguém que o inspire particularmente? Quem? Influências... é praticamente impossível não ser influenciado por este ou aquele autor, inclusivamente por aqueles sem obra publicada, conhecidos apenas nas antologias em que participo. Nesta altura, com o tema do século XIX, tenho lido muito de vários autores: Camilo, Silva Gaio, Arnaldo Gama, José Marques Vidal, Miguel Torga... sem me referir àqueles “sérios” que contaram a História, em vez de contarem histórias, como o Luz Soriano, Rui Cardoso, José Mattoso e Gabriela Terenas, só para citar alguns.

O que é para si a literatura? Para que serve? Das definições do dicionário Priberam (https://www.priberam.pt), a que mais gosto é: “Conjunto de escritores e poetas de uma determinada sociedade”. Para que serve? Para além do seu objectivo didáctico e académico, serve para “Trazer novos mundos ao mundo”. É por isso que o meu lema é “A imaginação fez-se palavra”.

Consta-nos que tem novos projectos na manga. Vão seguir a linha dos livros anteriores ou trarão algo diferente? Em que consistem? Pode levantar a ponta do véu? O próximo já está decidido: será um tipo de continuação de «Lágrimas no Rio». Intitular-se-á «Samara» e a acção irá passar-se uma parte na cidade do Porto em plena Guerra Liberal e a outra em São Cristóvão do Covelo, a imaginária aldeia transmontana, palco do livro anterior. O sobrenatural estará de volta,

O que faz alguém que escreve ser um bom autor? Que é um bom autor? Aquele que escreve muito? Aquele que escreve bem? Aquele que escreve muito e bem? Aquele que vende muitos livros? Como bem

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finamente entrançado no dia-a-dia das pessoas, por vezes de forma quase imperceptível.

as entregas sem cobrar portes em todo o Portugal Continental.

Quando prevê publicar o próximo livro? A edição continuará a ser feita pela Amazon?

Que mensagem transmite aos leitores em geral e autores em particular?

Dizem que “O futuro a Deus pertence” e essa é uma decisão que irei tomar a seu tempo. Não sendo uma pessoa impulsiva, também não sou de procrastinar e, por isso, quando decido uma coisa e esgotado o tempo que eu acho que é suficiente para que ela aconteça, “ou essa coisa anda ou eu passo por cima”. (Risos)

Escrever é uma sensação maravilhosa. Imaginar um mundo e descrevê-lo, torná-lo real, é algo de indescritível. Alguém ler o que nós escrevemos e gostar, é simplesmente maravilhoso. Para os autores: Escrevam, irmãos e irmãs, escrevam! Há tantas almas ávidas das nossas palavras, desejosas da nossa imaginação. Para os leitores: Obrigado, amigos, pela vossa paciência, carinho e amizade. Não se cansem nunca de ver os mundos para além do mundo. Cada vez que vertem uma lágrima por uma frase, cada vez que soltam uma gargalhada, ou apenas um sorriso, por uma história, dão alento ao meu prazer de escrever e fazem jus ao meu trabalho. Bem hajam!

Como se podem adquirir os seus livros? Somente através da Amazon ou existe algum outro meio mais acessível? Através da Amazon, num dos seus sites espalhados pelo mundo, mas eu aceito encomendas por correio electrónico para amaro.autor@gmail.com e faço

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CONTO

SOLIDÃO MANUEL AMARO MENDONÇA Nasceu em São Mamede de Infesta, reside no concelho de Matosinhos e é licenciado em Engenharia de Sistemas Multimédia pelo ISLA de Gaia. Tem três livros publicados pela CreateSpace e distribuídos pela Amazon: «Terras de Xisto e Outras Histórias» (2015), «Lágrimas no Rio» (2016) e «Daqueles Além Marão» (2017). E tem participações com contos de sua autoria em mais de uma dezena de obras colectivas de várias editoras como a Papel D’Arroz, Sui Generis, Silkskin Editora e Lua de Marfim. Foi distinguido com o 3º Prémio no 6º Concurso Literário da Papel D’Arroz Editora e com o 1º Prémio no 7º Concurso Literário da mesma editora. Mantém um blogue, onde se apresenta publicamente e publica alguns dos seus trabalhos.

Blogue do Autor: http://manuelamaro.wixsite.com/autor Página do Autor: www.facebook.com/manuel.amarome ndonca

“Há vários anos que não dormimos juntos, desde que ela começou a ficar doente e os meus movimentos na cama a faziam sofrer. Tratamentos e mais tratamentos, mas os ossos não se conseguiam curar e ela foi ficando cada vez com menos mobilidade, cada vez saía menos do quarto... Agora aparece assim, veste-se sozinha e vem sentar-se ali à minha espera... não sei porquê. Agora que penso nisso, não me lembro a última vez que entrei no quarto dela, o que conversámos. Não me recordo mesmo. Se calhar é por isso que está zangada.” POR MANUEL AMARO MENDONÇA

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om o cotovelo, derrubei o copo sobre a de que ela começou a ficar doente e os meus momesa e um rio de leite correu parcialmente vimentos na cama a faziam sofrer. Tratamentos e sobre o tampo antes de cair no chão. mais tratamentos, mas os ossos não se consegui«Merda», lamentei-me mentalmente. «Só faço am curar e ela foi ficando cada vez com menos porcarias.» mobilidade, cada vez saía menos do quarto... AgoLimpei rapidamente o líquido alvo que ainda ra aparece assim, veste-se sozinha e vem sentarrestava na mesa enquanto, de soslaio, vigiava o se ali à minha espera... não sei porquê. olhar reprovador e silencioso da minha mulher. Agora que penso nisso, não me lembro a últiOlhei para os pés. Os chinelos de pano aos ma vez que entrei no quarto dela, o que converquadrados estavam algo vesámos. Não me recordo meslhos e agora empapados em mo. Se calhar é por isso que leite. Tenho que me lembrar está zangada. de comprar outros. Olhei-a pelo canto do olho; Cheguei a assustar-me Deixei pegadas brancas pecontinuava lá, impávida. O la cozinha até chegar à esfrechão não ficou muito limpo e a primeira vez que dei de gona, estrategicamente coloviam-se as marcas da sola dos caras com ela ali, assim cada no balde a um canto da chinelos aqui e ali. «Não tem parada. Perguntei o que divisão. Silenciosamente, limmal... hoje vem a... rapariga, pei todo o chão e retornei a a... Júlia, trazer-me algumas se passava, se se sentia esfregona ao seu descanso. coisas e fazer a limpeza. Ela bem, se precisava de Com novo copo de leite, diz que é minha filha, mas a alguma coisa. Limitou-se sentei-me e provei uma bolaminha filha é ainda uma criancha. «Está mole, tenho que ir ça, não pode ser aquela mua devolver-me um sorriso comprar mais um dia destes.» lher com tantos anos. A coitatriste e acho que correu Ela continuava a observarda não deve ser boa da cabeuma lágrima... mas não me, de rosto inexpressivo, do ça.» outro lado da mesa. Agora Molhei uma bolacha no leisoltou uma palavra. Desde nunca me falava, limitava-se a te e saboreei a textura mole e então, quando me levanto estar simplesmente ali. Não doce que me enchia a boca e já está acordada e sentada me respondia às perguntas, parecia trazer à memória doapenas esboçava um sorriso ces e antigas recordações... o à mesa... acho que ou uma careta de desagrado, meu pai na longínqua aldeia à minha espera. uma vez por outra. Praticatransmontana: calça de cotim, mente deixei de lhe falar tamcamisola grossa de lã e o insebém. parável chapéu na cabeça, à Cheguei a assustar-me a espera para me acompanhar à primeira vez que dei de caras com ela ali, assim carreira que me levaria à escola. A minha mãe parada. Perguntei o que se passava, se se sentia sempre com um «Despacha-te rapaz, que o teu bem, se precisava de alguma coisa. Limitou-se a pai está à espera» ou «Acorda, não durmas em devolver-me um sorriso triste e acho que correu pé, não vês o que estás a fazer?». O ar frio que uma lágrima... mas não soltou uma palavra. Desde nos mordia o rosto e as mãos enquanto corria paentão, quando me levanto já está acordada e senra a camioneta... tada à mesa... acho que à minha espera. Não pude evitar um sorriso. «Já lá vão tantos Há vários anos que não dormimos juntos, desanos... sessenta, setenta? Hmmm, deixa ver, eu 172


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tenho... bolas, quantos anos tenho? Também não interessa, já foi há muitos anos e os pobres coitados devem estar no céu, que Deus os tenha, porque aturar-me não deve ter sido fácil.» Estão a mexer na porta; deve ser ela, a Júlia. Sim, tem o mesmo nome da minha filha, mas não pode ser ela, porque a minha filha é ainda uma criança... deve estar na escola talvez, não sei. Por aqui não está agora. A mulher magra de rosto cansado, cabelo escuro e casaco comprido cumprimentou-me com um «Olá pai» e um beijo na face como de costume. «Coitada, deve sentir-se sozinha. Ao menos, eu ainda tenho a Celeste. Não fala, mas pelo menos está ali e ouve-me.» – Então? Como está hoje? – Perguntou-me na voz musical que as mulheres que nos têm carinho conseguem fazer. – Como estão os ossos? Dormiu bem? – Sim, estou bem, obrigado. – Assenti enquan-

to ela vestia a bata que usava para fazer a limpeza à casa e que representava o passo inicial antes do ataque frenético à sujidade e desarrumação que eu, por muito que me esforçasse, não conseguia evitar.

A mulher magra de rosto cansado, cabelo escuro e casaco comprido cumprimentou-me com um «Olá pai» e um beijo na face como de costume. «Coitada, deve sentir-se sozinha. Ao menos, eu ainda tenho a Celeste. Não fala, mas pelo menos está ali e ouve-me.»

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Tão depressa acabei o leite como o copo e o prato desapareceram da minha frente por magia. – E então? – Recomeçou ela enquanto lavava a loiça que estava amontoada no balcão da cozinha. – Pensou no que lhe disse? Não me recordava de nada da última conversa, nem de alguma pergunta que me tivesse feito... fiquei a cismar. – Não se lembra? – A voz entristeceu de repente. – Sobre ter alguém que cuidasse de si a tempo inteiro. Ir para um sítio onde as pessoas estão treinadas para o ajudar no que é preciso e lhe mantêm a roupa limpa e o ajudam nos banhos... enfim, melhor que eu, que só posso vir uma vez por semana e a muito custo.

Franzi o sobrolho. Não me lembrava daquela conversa, mas também não me agradava nada a ideia: – Ir? Sair daqui? Que queres dizer com isso? Porque deixaria a minha casa? – Oh, pai, falámos disso na semana passada. Não percebe que precisa de uma ajuda maior do que a que eu lhe posso dar? – Insistiu. – O pai não consegue cuidar de si sozinho, já tem mais de noventa anos. – Não, não me lembro de nada disso. – Retorqui deixando a cadeira e avançando para a janela, onde me quedei, de costas voltadas para ela. – De resto, como me iria embora daqui? Deixava a tua... mãe sozinha?

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Senti uma tontura e uma SG MAG #03 | JUL 2017

pressão no peito. O ar parecia faltar-me; ela estava sempre ali e agora não estava. Uma

e tantas noites a velar o sono inquieto e o respirar pesado dos seus últimos dias... Agora recordava-me de tudo, as memórias vinham em catadupas dolorosas, regadas com lágrimas que sentia correr livremente no rosto. As gotas salgadas queimavam-me os lábios, enquanto chorava mansamente um choro velho de anos, chorado já tantas vezes. Júlia, encostada no umbral da porta, chorava comigo a revisitação daquela cena, de uma peça vista vezes demais. – Pai. – Pediu. – Não chore, por favor. Mas as lágrimas não paravam e eu só tinha olhos para aquela cama vazia onde em tempos esteve a mulher amada, companheira durante tantos anos. – Deixa-me, deixa-me! – Solucei. – Vai embora, por favor. Ela retornou à cozinha num passo arrastado e eu deixei-me ficar parado, a tentar apagar da minha mente todas as recordações, toda a tristeza que me sufocava em catadupas de dor. Deixei-me ficar à espera que ela se fosse e eu pudesse ficar novamente em paz... entregue ao doce oblívio. Deixei-me ficar afundado na poltrona, à espera que aquela imensa dor na alma abrandasse, que a doença e os anos retomassem conta de mim, que a memória da sua partida se apagasse... e talvez então ela voltasse... mesmo sem falar. 

sensação terrível de estar a reviver algo que já tinha acontecido atingiu-me com violência.

– Oh, meu Deus! – Havia lágrimas na voz dela enquanto continuava a lavar furiosamente a loiça. – Outra vez isso? A mãe morreu há quase dez anos! Por favor! – Morreu?!? – Indignei-me, voltando-me para Júlia. – Como morreu? Não a vês ali sentada? – Rodei para a mesa e instiguei: – Celeste, diz alguma coisa... – Mas ela não estava lá! Senti uma tontura e uma pressão no peito. O ar parecia faltar-me; ela estava sempre ali e agora não estava. Uma sensação terrível de estar a reviver algo que já tinha acontecido atingiu-me com violência. – Pai? – A voz de Júlia estava preocupada. – Pai, está bem? Está muito branco. Venha, sentese, desculpe falar assim... Afastei os braços que me estendia e caminhei o mais rápido que pude para o quarto de Celeste. A porta estava fechada à chave, mas com a chave do lado de fora. Tremendo, abri-a de par em par e irrompi como um furacão. O cheiro a naftalina invadiu-me as narinas enquanto olhava em volta; a cama estava apenas com uma coberta por cima do colchão, a arca que estava sempre aos pés da cama com roupa para costurar estava sem nada. Abri o guarda-fatos. Vazio! Sem forças, deixei-me cair pesadamente sobre o cadeirão que estava à cabeceira da cama... onde passei tantas horas

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REGULAMENTO

FILHOS DE UM DEUS MENOR Antologia Sui Generis dedicada ao preconceito e às discriminações. Submissão de contos literários sobre os filhos de todas as discriminações até 5 de Outubro de 2017...

«Filhos de Um Deus Menor» é um projecto literário que visa seleccionar textos inéditos subordinados ao tema do Preconceito e das mais variadas

Discriminações para publicá-los sob a forma de um livro... uma Antologia de Contos sobre os filhos de todas as discriminações integrada na Co178


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lecção Sui Generis, dirigida por Isidro Sousa, a ser editada com a chancela Euedito. A discriminação é a conduta de transgredir os preceitos legais de uma pessoa, baseando-se num raciocínio sem o conhecimento adequado sobre a matéria, tornando-o injusto e infundado. E pode ocorrer em diversos contextos, porém, o contexto mais comum é o social, através da discriminação

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E são imensos os Filhos da Discriminação... pessoas que sofrem qualquer tipo de preconceito ou são discriminadas por alguma razão. Eis alguns exemplos destes Filhos de Um Deus Menor: pobres, semabrigo, desempregados, órfãos, surdos, mudos, invisuais, imigrantes, refugiados, idosos, gordos, anorécticos, bissexuais, homossexuais, transexuais, negros, asiáticos, mestiços, índios, ciganos, povos indígenas, aleijados, deficientes físicos ou motores, analfabe-

social, cultural, étnica, política, religiosa, sexual ou etária, que podem, por sua vez, levar à exclusão social. 180


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tos, incultos, feios, prostitutas, pessoas com profissões não desejadas (recolha de lixo, por exemplo), portadores de diversas patologias (paralisia cerebral, seropositivos, etc), portadores de deficiências mentais, desempregados, prisioneiros, ex-presidiários, sobredotados, dependentes de álcool ou de drogas, jogadores compulsivos, famílias monoparentais (mães solteiras, por exemplo), diversas minorias: sexuais, étnicas, religiosas... O organizador/coordenador convida os Autores Lusófonos que se interessam por este tema a submeterem os seus textos – sobre qualquer um destes Filhos de Um Deus Menor – ao processo de selecção para esta nova Antologia Sui Generis. Todos os Autores são bem-vindos, incluindo aqueles que escrevem para a gaveta e nunca ousaram publicar... Eis a oportunidade da vossa estreia literária numa grandiosa obra colectiva!!!... REGULAMENTO | CONDIÇÕES DE PARTICIPAÇÃO Participem!... Surpreendam-nos!

1. «Filhos de Um Deus Menor» é um projecto literário integrado na Colecção Sui Generis, organizado e coordenado por Isidro Sousa, que visa seleccionar textos inéditos, escritos na Língua Portuguesa, de Autores Lusófonos

Leiam o Regulamento e não hesitem em contactar o Coordenador para dissipar qualquer dúvida que porventura possa existir. E bom trabalho! 181


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que residam em qualquer parte do Mundo, independentemente das suas raças, crenças, orientações sexuais e identidades de género, para serem publicados num livro. Só se aceitam participações que obedeçam a este Regulamento. A utilização do Acordo Ortográfico é facultativa. 2. Cada Autor pode apresentar 1 (um) texto em Prosa, sob a forma de Conto, com o mínimo de 1 (uma) e o máximo de 6 (seis) páginas A4 – se preferir, pode apresentar duas ou três estórias diferentes, ou independentes umas das outras, desde que a totalidade das mesmas não exceda 6 páginas A4. Os textos (revisados pelos Autores) devem ser digitados no Word, Times New Roman, letra tamanho 12, espaçamento simples entre linhas e parágrafos. Os ficheiros não devem conter nenhum outro tipo de formatação. Rejeitam-se formatos de apresentação que sejam diferentes do Word. 3. Os Contos Literários a serem apresentados devem obedecer à temática das Discriminações (qualquer tipo de discriminação) e conter, como ingredientes preferenciais, qualquer item sugerido no texto introdutório deste Regulamento, ficando o desenvolvimento dos 182


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mesmos (drama, comédia, aventura, terror, policial, tragédia, teatro, etc) ao critério dos Autores. 4. Os textos devem ter títulos próprios (diferentes do nome da Antologia) e ser enviados para o email letras.sui generis@gmail.com, com a referência «FILHOS DE UM DEUS MENOR» na linha de assunto, até ao dia 5 de Outubro de 2017. Os Autores podem assinar os textos com Nome ou Pseudónimo – devem expressar claramente, logo após o título, qual deles e como assinará. Além disso, devem declarar no corpo do email que aceitam as condições do Regulamento (caso contrário, as participações serão desconsideradas) e enviar uma nota biográfica, até 10 linhas, para nosso conhecimento, uma fotografia para fins promocionais, endereço de email e contacto

telefónico. O Organizador reformulará as notas biográficas (para um apêndice no qual constarão os Autores por ordem alfabética) e ignorará qualquer informação de carácter pessoal que as mesmas possam conter (dados pessoais, nomes de familiares, etc); privilegiar-se-á somente, para efeitos de publicação, descrições, gostos ou hobbies do Autor, ano e local de nascimento, localidade onde reside e

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respectiva obra (participações em projectos colectivos, livros individuais, distinções, trabalhos jornalísticos, etc). 5. A selecção dos textos será efectuada pelo Organizador e o resultado da selecção será divulgado num prazo máximo de trinta dias, após a data limite para recepção dos trabalhos. Todos os passos efectuados na produção desta obra colectiva (ou eventuais alterações ao Regulamento) serão sempre comunicados aos Autores intervenientes.

6. Não existe taxa de inscrição. Porém, os Autores seleccionados que cumpram o Ponto 2 deste Regulamento devem adquirir 2 (dois) exemplares da obra finalizada à Sui Generis e expressar claramente esta intenção no corpo 184


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do email – caso contrário, desconsiderar-se-á a submissão do texto.

ordenação um comprovativo de pagamento para que o mesmo seja validado. Os exemplares adquiridos serão entregues durante a sessão de lançamento da obra finalizada e enviados por CTT, após essa data, num prazo de trinta dias (podendo ser enviados antes), a quem não estiver presente no evento – aos envios por correio acrescem as despesas dos Correios.

7. O PVP (preço de venda ao público) da Antologia será definido após a selecção de textos e paginação do livro, tendo em conta o número de páginas da obra a ser editada. Autores participantes podem adquirir quantos exemplares pretenderem, sempre com desconto de 10% sobre o PVP (podendo variar entre 14 e 16 euros cada exemplar), desde que os mesmos sejam adquiridos directamente à Sui Generis.

9. A não liquidação dos respectivos exemplares no prazo estipulado pode comprometer a edição da obra. Este incumprimento, caso se verifique, implica a exclusão imediata da participação do Autor neste projecto, salvo situações excepcionais previamente justificadas. Com essa exclusão, o Autor fica inibido de participar em qualquer outro projecto promovido pela Sui Generis, ou que esteja de algum modo associado à mesma.

8. O pagamento dos livros será efectuado, por Transferência Bancária (Paypal, Western Union ou Vale Postal Internacional – vulgo Boleto – no caso de Autores que residam fora de Portugal), num prazo máximo de 2 semanas após a divulgação dos textos seleccionados (indicaremos os dados necessários, por email, a cada um) e os Autores devem enviar à Co185


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10. O envio de um texto para o email indicado no Ponto 4 implica (automaticamente) a aceitação de todas as normas deste Regulamento e a autorização dos direitos de publicação na antologia «Filhos de Um Deus Menor», sem qualquer outra contrapartida além do desconto de 10% nos exemplares adquiridos pelos Autores desta obra colectiva. A cedência de publicação será confirmada com a Transacção Bancária, do valor correspondente à aquisição dos livros, para o IBAN que será posteriormente facultado (ou para a conta Paypal) – não havendo, desse modo, necessidade de preencher qualquer documento formal, excepto a declaração no email (referida no Ponto 4) atestando que aceitam as condições do Regulamento.

11. «Filhos de Um Deus Menor» é uma Antologia Sui Generis, integrada na Colecção Sui Generis, que será publicada com a chancela Euedito. As Edições Sui Generis e a Editora Euedito não reservam a exclusividade ou os direitos dos trabalhos editados. Após o lançamento do livro, cada Autor pode utilizar livremente os seus textos noutras publicações que considere pertinentes. 12. Se porventura se verificar algum tipo de infracção na originalidade, autenticidade e autoria de um texto apresentado, será da exclusiva responsabilidade do respectivo Autor, ficando o Organizador e a Editora isentos de qualquer responsabilidade legal sobre a in-

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Esperamos as vossas tramas… as vossas estórias sobre os Filhos das Discriminações. Surpreendam-nos! Sejam bem-vindos... e bom trabalho! *** fracção cometida – nesse caso, o Autor em questão responderá perante a Lei por plágio, cópia indevida ou outro crime relacionado com direitos de autor.

FILHOS DE UM DEUS MENOR Uma antologia Sui Generis com a chancela Euedito Organização e Coordenação: Isidro Sousa Email: letras.suigeneris@gmail.com

13. Recomenda-se que os Autores adiram ao grupo «Antologias SG» no Facebook, através do qual o Organizador se manterá em contacto permanente com todos os participantes. Os Autores podem também seguir o Blogue e a Página abaixo indicada. Para esclarecimento de dúvidas ou informações adicionais, devem contactar por email.

Letras Sui Generis: https://www.facebook.com/letras.suigeneris Edições Sui Generis: http://letras-suigeneris.blogspot.pt

Para mais informações sobre as Edições Sui Generis, quer para adquirir livros como para submeter participações, contacte através do email letras.suigeneris@gmail.com

Desde já, estão convidados a participar nesta nova Antologia Sui Generis.

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POESIA

RAFA GOUDARD AMIGOS VERDADEIROS Por algum tempo, nas redes sociais, Acompanhei seu trabalho inovador. Encontramo-nos num evento, Lançamento de uma revista. Tiramos uma foto juntos Para registrarmos aquele momento. Surgiu assim uma amizade, Tornamo-nos amigos verdadeiros. Mulher de fibra, com garra, Alto astral, com seu sorriso Encanta todos à sua volta. Sei como você também sabe Que um pode contar com o outro Quando precisar.

Administrador, músico, pianista, escritor, poeta, cronista e compositor. O seu hobby é ler livros; também adora tocar piano nas horas vagas, escrever poesias de madrugada, andar a cavalo quando sobra um tempo e escutar e estudar vários estilos de músicas. Tem poesias publicadas, desde 2015, em várias editoras do Brasil e de Portugal. Em 2016, participou em três concursos e obteve um prémio literário. Em Portugal, participou nas antologias «Boas Festas», «Vendaval de Emoções», «Saloios & Caipiras», «Torrente de Paixões» e «Fúria de Viver». Página no Facebook: www.facebook.com/rafa.goudard

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POESIA

SANDRA BOVETO SANDRA BOVETO Reside em Maringá (PR), Brasil. Com formação académica em Letras e Direito, ingressou no universo da escrita em 2015, ao buscar a publicação do seu primeiro livro: «O Mundo Exclamante». Possui poemas e contos publicados em diversas obras colectivas (Brasil e Portugal), destacando-se, pela Sui Generis, as antologias «Graças a Deus!», «Sexta-Feira 13», «Torrente de Paixões» e «Fúria de Viver». Página da Autora: www.facebook.com/sandra.bovetodasi lveira

ASFIXIA Preciso escrever! Não consigo respirar! Procuro nas letras meu oxigênio. Quero sorvê-las suavemente e, então, expirar esse gás tóxico de uma só vez, rápido, forte. Não quero pensar, quero escrever. O que sinto não quer significar, quer apenas o sentido de ser escrito. Mas a crueldade do que sinto é tal que me nega o instrumento. Se não há palavras, então como descrevo tal tormento? Ele rebenta no centro e espalha-se, numa metástase de inconformismo. Sádico sentimento, que busca saída em todos os sentidos, mas nenhum deles liberta ou faz sentido. Quer ser esculpido – argila não há. Quer ser pintado – nesse espectro, cores não há. Escrito nunca será, pois palavras certas também não há. É um conjunto de um tudo que beira o nada. Então que nada seja, seja esse nada. Pois nada sou se não escrevo.

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POESIA

ÂNGELA CABOZ

ÂNGELA CABOZ Tem 50 anos, é natural de Tavira (Santiago) e apaixonada desde sempre por leitura, música e cinema. Escreve com o “coração nas mãos” sobre os sentimentos que lhe habitam na alma e que reflectem a sua maneira de ver e sentir o mundo real, que a rodeia. Publicou, em Setembro de 2014, o seu primeiro livro exclusivamente de poesia «À Procura de Um Sonho»; em Julho de 2016, publicou «Amo-te Miúdo Tonto» e tem várias participações em obras colectivas. Página da Autora: www.facebook.com/angela.caboz

PELO TEMPO ADENTRO Caminho pelo tempo adentro Pelos minutos que juntos fazem as horas Perco-me em becos onde as estrelas não chegam. Vejo o luar Caminho nas pegadas do tempo, sem te encontrar Olho para trás e as minhas pegadas desapareceram. O mar apagou a minha passagem O meu coração está cansado A minha alma tem fissuras do passado Sou o que resta de um sonho A âncora que se desprendeu do seu barco. Caminho pela vida com o rosto tristonho de quem vê os seus pássaros a voarem e as suas casas a desmoronarem.

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O corpo está exausto. O sonho já passou a barreira do holocausto. Já não existe mais caminho, para caminhar. Já não existe mais sonho, para sonhar. Restam os recantos da saudade e esquinas decoradas de lembranças... Agora vou para onde? Para a montanha que era nossa onde escondemos a imaginação das crianças? Para o prado verde, onde plantamos a esperança? O caminho é de tormento E a flor da esperança já murchou Há muito que o sonho acabou!

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POESIA

ISIDRO SOUSA ISIDRO SOUSA Nasceu em 1973, numa aldeia remota das Terras do Demo, e vive no Porto. Jornalista desde 1996, fundou, dirigiu e editou revistas, jornais e guias turísticos, colaborou com várias editoras, participou em diversas obras colectivas, foi distinguido num concurso literário e é o mentor de todos os projectos da Colecção Sui Generis, que criou em 2015, cujas antologias organiza e coordena. Em 2016, publicou dois livros de contos: «Amargo Amargar» e «O Pranto do Cisne». Blogue do Autor: http://isidelirios.blogspot.pt Este poema foi incluído na antologia poética «Torrente de Paixões», lançada pela Sui Generis em Junho de 2017

NO SILÊNCIO DA LAGOA Sentado na rocha, agasalhado por uma calma turbulência nestas horas tardias escorrendo tão prenhes da tua ausência relembro o derradeiro mergulho nas águas límpidas da lagoa quando me tornaste a amar antes de abalares para Lisboa Habitavas-me e percorrias-me à beira deste mar cristalino buscando (febrilmente) os mistérios do meu corpo franzino e os teus belos cabelos (desgrenhados) pelo vento zurzidos chicoteavam o silêncio em redor da lagoa povoada de gemidos Acariciando-nos, o Sol ardia (num fundo azuláceo) inclemente as águas cúmplices e revoltas lambendo os pés languidamente – a inquietude vislumbrando as areias rasgadas pelo caranguejo enquanto me apertavas e abraçavas (raivosamente) com desejo

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Antes de me deslumbrar com a força portentosa do teu abraço e depois de mergulhar o rosto nesse tórax vigoroso feito de aço o teu cheiro convocou o cio... esta sede que só tu sabias saciar quando (poderoso) me esmagavas, apressando no peito o arfar Libertando sussurros perdidos no areal vagando sem dimensão buscavas a certeza de que permanecia contigo no mesmo chão Venceste-me (louco de prazer) na orla penumbrosa de outrora e abraçando-me (vestido de seiva) fizeste tenção de ir embora Estava transfigurado, convertido em líquido, todavia fascinado – êxtase sublime de quem se sente amado, plenamente saciado Mas atirando-nos novamente nas águas translúcidas da lagoa amaste-me outra vez (loucamente) antes de retornares a Lisboa

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POESIA

EVERTON MEDEIROS EVERTON MEDEIROS Nasceu na cidade de Porto Alegre/RS e reside na cidade de Maringá/PR, Brasil. É engenheiro químico e Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, desde 2006. Casado com uma escritora, amante da literatura, foi muito incentivado a ingressar nesse fantástico universo literário do qual não pretende sair. Em 2000, já havia iniciado na arte da escrita com a produção de um roteiro cinematográfico, voltado ao mercado norte-americano. Participou em diversos concursos desse género nos EUA, mas acabou interrompendo esse projecto. O primeiro roteiro de longa-metragem foi registado no Brasil e nos EUA em 2001. Participa em antologias de prosa e poesia no Brasil e em Portugal, além de concursos literários espalhados Brasil afora. Página do Autor: facebook.com/everton.medeiros.br

INDIGESTO Às vezes, acho que não presto que sou um resto funesto e indigesto de um intestino retumbante ignorante e sem destino. Faça ou não faça, faço errado. Sinto-me de lado, emperrado. Nunca quis, mas fiz, desfiz e não refiz como esperado. Açodada, uma semente foi plantada em terra estéril, assim acreditada. Que não cresça, que morra e desapareça! Pífio cancro já não mais me causa espanto. Desejo ser um ser diletante mas percebo-me pouco importante. Tento, não me contento. Forço e reforço, mas não me sustento. Em desalento, vejo um ser distante.

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POESIA

LUCINDA MARIA LUCINDA MARIA Lucinda Maria Cardoso de Brito nasceu em Oliveira do Hospital, em 1952. Fez um percurso académico muito bom e tirou o curso do Magistério Primário, começando a leccionar em 1972. Encontra-se aposentada, mas continua a ensinar, agora artes decorativas, na Universidade Sénior de Rotary de Oliveira do Hospital. Tem quatro livros publicados – «Palavras Sentidas» (2013), «Alma» (2014), «Divagando...» (2015) e «Terra do Meu Coração» (2016) – e participações em variadíssimas obras colectivas. Da Sui Generis, participou em «A Bíblia dos Pecadores», «Graças a Deus!», «Vendaval de Emoções», «Torrente de Paixões» e «Fúria de Viver». Como autora, gosta de identificar-se apenas por Lucinda Maria e não escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990. Página da Autora: facebook.com/lucindamaria.brito

SONHANDO... Este sonho sonhado que sonho Por sonhar que sonho contigo É um sonho que me dá abrigo, Sonhando amor... tão risonho! Sonhar este sonho é só querer, Mesmo num sonho que é meu. Se sonhares, o sonho será teu. Eu só sonho para não te perder. Continuarei a ser a sonhadora, A que sonha... a que é credora Deste sonho de amor perfumado... É melhor viver o sonho sonhando Do que não sonhar e quebrando A vida... sem nunca ter sonhado!

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POESIA

ISABEL MARTINS ISABEL MARTINS Leitora atenta que acompanha diversos e variados eventos literários. Escreve pontualmente poemas e divulga-os na sua página do Facebook. Participou em três antologias organizadas pela Sui Generis: «Graças a Deus!», «Torrente de Paixões» e «Fúria de Viver». Reside em Palmela. Página da Autora: facebook.com/isabel.martins.395669

AZUL Adorava ser a água que bebes, E poder entrar nessa tua boca, Poder lá ficar até me engolires. Molhar-me em ti sem o pedires E sentir as mãos que a segura, Tecerem doces teias de ternura Que me deixam ávida de paixão E me fazem galopar o coração. Seria um rio azul a inundar-te... Que não queria senão amar-te. Saciaria esta loucura que tu és, Pôr-me-ia de joelhos a teus pés!

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LIVROS

ANTES QUEBRAR QUE TORCER 1809 – A Invasão do Norte de Portugal

ANTES QUEBRAR QUE TORCER Autores: Ana Paula Barbosa, Carlos Arinto, Jorge Santos, Manuel Amaro Mendonça, Suzete Fraga Editora: CreateSpace Publishing ISBN: 978-1542357630 1ª Edição: Maio 2017 Páginas: 242 páginas Distribuição: Amazon Encomendas: www.amazon.com www.amazon.es

Cinco autores – dois do Sul (Carlos Arinto, Ana Paula Barbosa) e três do Norte (Jorge Santos, Manuel Amaro Mendonça, Suzete Fraga) – encontraram-se e lançaram um desafio: escrever sobre este facto histórico. Alguns desses autores gostam de escrever sobre factos reais, outros nem tanto, que a invenção e o desatino, por vezes, colhe vencimento. Pela imaginação e o esforço de uma aventura, fazem romance, conto, entretém e ensaio. São todos artesãos do português. Como são todos diferentes, cada história e cada olhar é diverso e único. E foi nesta imparidade que se entretiveram a escolher o facto que os haveria de conduzir ao livro que agora existe: «Antes quebrar que torcer». A segunda invasão francesa foi o pretexto e a conclusão de uma jura, que um brinde selou. Cinco olhares. Para o todo, uma parte, uma fresta ou uma guerra reinventada. Com a liberdade e a ousadia ou maledicência de cada qual. Sim, que os embustes aqui narrados apenas responsabilizam os autores, de per si, nunca o todo. Embora sejam solidários. São cinco apóstolos a olhar e a narrar um mesmo facto. Que o leitor, se é que existe essa espécie em vias de extinção, se pronuncie. Segundo as palavras dos autores na contracapa da obra, «não existem inocentes, nem inocências nestas páginas. Somos todos culpados dos erros e das omissões, mas pedimos a absolvição se não soubermos cativar, prender e emocionar o leitor pelo mau uso das palavras ou a inabilidade em construir efabulações».

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LIVROS

REFRACÇÕES

ZERO O fenómeno da refracção é regido por duas leis. Primeira Lei da Refracção: o raio incidente, o raio refractado e a normal, no ponto de incidência, estão contidos num mesmo plano, ou seja, são coplanares; isto é, o plano de incidência e o plano da luz refractada coincidem. Segunda Lei da Refracção: a Lei de Snell-Descartes é aquela em que se calcula o valor do desvio sofrido pela refracção da luz. Postula que os senos dos ângulos de incidência e refracção são directamente proporcionais às velocidades da onda nos respectivos meios. Se a incidência da luz no meio for normal, ou seja, se apresentar o ângulo de incidência igual a zero, a luz não sofrerá desvio e, portanto, o seu ângulo refractado será nulo. Há formas de poesia que se constroem em torno da procura destas refracções zero da existência.

REFRACÇÕES ZERO Autor: Sara Timóteo Editora: Orquídea Edições Nº de Páginas: 88 páginas 1ª Edição: 2016 ISBN: 978-989-8796-86-8 Depósito Legal: 408483/16 Encomendas: windsith@gmail.com Páginas da Autora: www.facebook.com/wind.sidh www.facebook.com/sara.timoteo.5

Sara Timóteo, a autora, nasceu em 1979 em Torres Vedras e reside na Póvoa de Santa Iria há 28 anos. Escreve para responder a uma compulsão interna e para tomar conhecimento de vários desafios. Publicou diversos livros: Deixai-me Cantar a Floresta e Chama Fria ou Lucidez (ambos em 2011, pela Papiro Editora, na sequência da atribuição, respectivamente, do 1º e do 2º lugar no 2º Concurso de Poesia Aníbal Faustino em 2009); Refúgio Misterioso (Lua de Marfim, 2012), Os Passos de Sólon (Lua de Marfim, 2014 – Prémio NotávelMensagem atribuído pela Lua de Marfim Editora), Elixir Vitae (Lua de Marfim, 2014) e Os Quatro Ventos da Alma (Lua de Marfim, 2014 – Menção Especial no Prémio Literário Glória Marreiros); O Telejornal (Cadernos de Santa Maria, 2015); O Corolário das Palavras (Rui M. Publishing, 2016, e-book); Refracções Zero (Orquídea Edições, 2016). Tem três livros publicados nos Estados Unidos pela Spero. Trabalha na área de assistência em viagem e frequenta o mestrado em Teoria da Literatura.

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LIVROS

EM BUSCA DA

FELICIDADE Qualquer que seja o conceito que se tenha de Felicidade, e do ponto de vista que cada pessoa defende, para si própria, sobre este maravilhoso bem, e do que mais deseja para ser Feliz, a verdade é que toda a gente busca, com mais ou menos perseverança, uma condição de vida: seja material, seja espiritual, seja as duas dimensões, para viver, o máximo de tempo possível, gozando de uma situação que ela considera de Ventura. Neste livro, cujo autor não pretende que seja um manual para a Felicidade, mas ambiciona, de forma simples e acessível para todas as pessoas, fornecer algumas sugestões através das dezenas de reflexões naquele contidas, a maior parte das quais baseadas em situações vivenciadas pelo escritor, em investigações aturadas sobre a vida e a sociedade, o que, salvo melhor e científica opinião, poderá ajudar na busca incessante da Felicidade, que todos nós tanto ambicionamos e a ela temos direito, aliás, segundo proclama, com toda a razão, uma amiga da sua família e insigne defensora deste princípio: «Nascemos para sermos felizes» (MARCELO, Lina Inglês – Moçambique, 2016).

EM BUSCA DA FELICIDADE Autor: Diamantino Bártolo Edição: Chiado Editora Género: Ensaio Colecção: Compendium Nº de Páginas: 454 páginas ISBN: 978-989-51-9547-3 1ª Edição: Março 2017 Encomendas: www.chiadoeditora.com/livraria Página do Autor: www.facebook.com/diamantino.ba rtolo.1

Sobre o autor: Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo, casado, nascido no dia 5 de Julho de 1948, na Freguesia de Venade, Concelho de Caminha, Distrito de Viana do Castelo (Portugal). Tem duas filhas e quatro netos. Actualmente está aposentado da Armada Portuguesa (Polícia Marítima). Militar da Armada, Operador de Telecomunicações na Companhia de Diamantes de Angola, sócio-gerente em algumas empresas, Polícia Marítima, docente nos ensinos médio e superior, formador em diversos domínios do conhecimento e diferentes escolas, presidente da Junta de Freguesia de Venade. Intercalando com as suas múltiplas actividades, foi estudando, à noite, a partir da antiga 4ª classe, com o seguinte percurso: Licenciatura em Filosofia; Mestrado em Filosofia Moderna e Contemporânea; Doutorado (Curso Livre) em Filosofia Social e Política – Especialização: Cidadania Luso-Brasileira, Direitos Humanos e Relações Interpessoais. 200


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LIVROS

DIVAGANDO...

Neste livro de poesia, Lucinda Maria divaga sobre vários temas, em que o amor está sempre presente. Divagando, encontra-se e encontra a Natureza, os outros, os problemas sociais, os valores esquecidos, as recordações, ou seja, são estes temas a matéria-prima desta sua obra, «Divagando...», escalpelizando-os sob a forma de poesia, em sonetos preferencialmente, mas também acrósticos, poesia livre, sextilhas, oitavas e quadras. No entanto, mais do que poesia, estes textos são, para Lucinda Maria, um extravasar de sentimentos, que, muitas vezes, lhe amarfanham a alma inquieta, a perturbam, a deixam insatisfeita… O sonho, a utopia, a imaginação, um certo idealismo são seu apanágio. Defensora acérrima da verdade e da transparência, é com sinceridade que escreve. Poder-se-á dizer que aqui, nestes poemas talhados com muito amor, está o seu “eu” mais íntimo e original.

DIVAGANDO... Autor: Lucinda Maria Editora: Orquídea Edições Nº Páginas: 90 Páginas 1ª Edição: 2015 ISBN: 978-989-8796-41-7 Encomendas: cindamar@hotmail.com Página da Autora: facebook.com/lucindamaria.brito

Lucinda Maria nasceu em Oliveira do Hospital, em 1952. Fez um percurso académico muito bom e tirou o curso do Magistério Primário, começando a leccionar em 1972. Encontra-se aposentada, mas continua a ensinar, agora artes decorativas, na Universidade Sénior de Rotary de Oliveira do Hospital. Teve sempre uma grande paixão pela Língua Portuguesa, pela escrita e pela leitura. Desde muito nova, gosta de escrever, tanto em prosa como em poesia, embora goste mais de se expressar em poemas, que brotam do seu coração sensível. É uma idealista, às vezes utópica, uma sonhadora... características que a definem. A sua poesia é o seu EU... a sua alma sempre insatisfeita... Nela, faz uma catarse íntima dos sentimentos que a avassalam, muitas vezes de forma saudosista e nostálgica. Tem variadas participações em obras colectivas de diversas editoras e quatro livros publicados – Palavras Sentidas (2013), Alma (2014), Divagando... (2015) e Terra do Meu Coração (2016). Publicará brevemente o seu quinto livro, Sonho?... Logo, Existo!, pela Sui Generis. 201


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TERRAS DE XISTO E OUTRAS HISTÓRIAS Terras de Xisto e Outras Histórias é uma colectânea de contos diversos sem preocupações com um tema ou mote que os una. Em muitos deles, circunstâncias dramáticas obrigam a transformações ou acções do mesmo nível e os personagens são muitas vezes levados a contrariar a sua própria natureza. Noutros, as guerras são interiores, com tempestades de sentimentos antagónicos.

TERRAS DE XISTO E OUTRAS HISTÓRIAS Autor: Manuel Amaro Mendonça Editora: CreateSpace Publishing ISBN: 978-1511420853 1ª Edição: Julho 2015 Páginas: 174 páginas Distribuição: Amazon Encomendas: amaro.autor@gmail.com www.amazon.eu Páginas do autor: http://manuelamaro.wix.com/autor facebook.com/manuel.amaromendonca

Eis os comentários de alguns leitores: «Sente-se uma ideia transversal a todos os contos, que se traduz no facto de não existirem verdades absolutas mas muitas verdades: uma (ou mais) para cada indivíduo. Faz-nos recordar que entre o preto e branco há uma variedade infinita de cinzentos. E tu descreves muito bem esses cinzentos a que normalmente não se dá tanta atenção.» (Luís, Vila Nova de Gaia); «As histórias são curtas, intensas e muito envolventes para o leitor. Ideal até para quem não costuma ler, cativa e não cansa.» (Sandra, Guimarães); «Este livro é de fácil leitura e com histórias muito interessantes. A que eu mais gostei foi "O Reencontro", mas também o conto da "Rute" e "Terras de Xisto" são muito bons. É um livro que recomendo para quem não tem gosto/paciência para ler, pois é composto por várias histórias pequenas e com muito significado.» (Inês, Porto). Terras de Xisto e Outras Histórias, publicado em Julho de 2015 na Amazon, é o primeiro livro de Manuel Amaro Mendonça, um engenheiro de sistemas multimédia que nasceu em 1965, em São Mamede de Infesta, Portugal, e reside no concelho de Matosinhos. Em 2016, o autor publicou Lágrimas no Rio, o seu segundo livro (romance), em Março deste ano lançou Daqueles Além Marão (contos) e participa regularmente em obras colectivas de diversas editoras. 202


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LIVROS

TRÁFICO NO RIO GEBA O narcotráfico era o seu negócio secreto, cujo lucro lhe permitia levar uma vida de tanto fausto que a todos intrigava. Um dia, sem que algo o fizesse prever, tudo se modificou. Sem saber como, viu-se, repentinamente, envolvido numa aventura que alterou toda a sua vida, forçando-o a abandonar a família, os amigos e a vida cómoda, desaparecendo para onde muito dificilmente seria encontrado. Para onde teria ido? O que o teria levado a deixar tudo e a desaparecer? Que mistério estaria por detrás do seu desaparecimento? Quem era o Barão da Droga? Qual o papel do Toninho no meio desta trama toda?

TRÁFICO NO RIO GEBA Autor: Estêvão de Sousa Edições Vieira da Silva ISBN: 978-989-736-402-0 Depósito Legal: 3894105/14 1ª Edição: Dezembro 2014 Encomendas: estevaodesousa@hotmail.com Páginas do Autor: www.boa-leitura.simplesite.com www.facebook.com/francisco.estev aodesousa www.facebook.com/francisco.deso usa.5473

Isto e muito mais descobrirá o leitor neste romance de acção e aventura de Estêvão de Sousa intitulado «Tráfico no Rio Geba», passado em Portugal, Holanda, Guiné-Bissau e arquipélago dos Bijagós, que o prenderá até ao final. Estêvão de Sousa nasceu em Lisboa, em 1937. Aposentado, é autor literário de seis obras. Editadas: «Nesta Terra Abençoada», «Tráfico no Rio Geba» e «Irina – A Guerrilheira». Por editar: «Retalhos de uma Vida», «Ouro Negro» e «Rapto em Londres». Tem diversas colaborações em obras colectivas de várias editoras, em Portugal e no Brasil: «A Mulher do Próximo», «Crime Sem Castigo», «Sete Pecados Capitais», «Amar (S)Em Desespero», «Quando o Amor é Cego», «Deitado em Berço Esplêndido», «Obsessões», «Enigmas», «Boas Festas», «A Bíblia dos Pecadores», «O Beijo do Vampiro», «Saloios & Caipiras», «Fúria de Viver», entre outras.

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MOMENTOS POÉTICOS A partir das pesquisas do artigo «Alternativas de amenizar o stress», foi possível escrever poesias que podem levar os leitores a reflectirem sobre a importância de programar actividades de lazer para recarregar as baterias, atitude tão necessária para aliviar as tensões do dia-adia. Dentre elas: livro abandonado, vírgulas pausa, novidades, momentos alegres, superação e como amenizar as tristezas. Actividades de lazer desempenham um papel importante para evitar estados depressivos e promover uma vida mais saudável. É justamente esta a proposta deste livro, «Momentos Poéticos», de Marilin Manrique.

MOMENTOS POÉTICOS Autor: Marilin Manrique Editora: Becalete ISBN: 978-85-69358-47-3 1ª Edição: 2017 Encomendas: marilinmanrique31@gmail.com Página da autora: facebook.com/marilin.molina.5

A leitura desta obra proporciona, de acordo com a professora/poetisa Lucilaine de Fátima no prefácio, “minutos de verdadeiro deleite. Sempre com uma mensagem de otimismo ao final de cada poema. Ler «Momentos Poéticos» é adentrar no universo da autora e apreciar a beleza de sua alma. Aqui, caro leitor, você se surpreenderá com a simplicidade e intensidade do sentir”. E mesmo quando o assunto é saudade, “seus versos são de pureza e alegria. A poetisa escreve suas doces lembranças e nos vemos retratados ali. Em nenhum momento ela está sozinha porque seu sentir suplanta o existir de si mesma. É como se cada poesia tivesse um endereço certo: o coração desavisado do leitor. Ali a gente se encontra e se percebe e pensamos: Eu poderia ter escrito isso.” Marilin Manrique, a autora, nasceu em São Luís de Montes Belos, GO, Brasil, em 1955. Lançou o seu primeiro livro, «A Busca Pela Felicidade e Outros Contos», em 2016, pela Editora Becalete, e publicará a sua terceira obra, «O Presente», no segundo semestre deste ano. Participou em diversas obras colectivas das editoras Futurama, Scortecci e Becalete. Em Portugal, é co-autora de várias antologias organizadas por Isidro Sousa: «Boas Festas», «A Bíblia dos Pecadores», «Vendaval de Emoções», «Graças a Deus!» e «Fúria de Viver». 204


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LIVROS

SEXTA-FEIRA 13

SEXTA-FEIRA 13 Antologia de Contos Assombrosos Organização: Isidro Sousa Autores: 32 Autores Edições Sui Generis Editora Euedito Nº de Páginas: 270 Páginas 1ª Edição: Maio 2017 ISBN: 978-989-8856-40-1 Depósito Legal: 425237/17 Encomendas: letras.suigeneris@gmail.com www.euedito.com/suigeneris letras-suigeneris.blogspot.pt

Certos dias são compreendidos como impregnados de algum tipo de infortúnio ou má sorte. O encontro do dia 13 com a sexta-feira é repleto de lendas e crendices que deixam os mais supersticiosos de cabelos em pé. Em redor do número 13 existem sombras enraizadas em várias culturas: estavam presentes 13 pessoas na Última Ceia, o capítulo 13 do Apocalipse assume que o número da Besta é o 666, a Cabala enumera 13 espíritos malignos e Loki, deus da discórdia na mitologia nórdica, surge como o 13º convidado. A sexta-feira tem igualmente conotações obscuras: Jesus foi crucificado numa sextafeira, estudiosos da Bíblia crêem que Eva ofereceu a maçã a Adão ao sexto dia da semana, Caim terá morto Abel numa sexta-feira e o Templo de Salomão foi destruído, também, nesse dia. De facto, o número 13 está associado a uma série de mitos, lendas, curiosidades e superstições, e se conjugado com o dia da semana de azar (sextafeira) tem-se, pela tradição, o mais azarado dos dias: sexta-feira 13. Que terá origem num evento de má memória, em 13 de Outubro de 1307 (sexta-feira), quando Filipe IV de França declarou ilegal a Ordem dos Templários e perseguiu os seus membros, executando alguns deles por heresia. Há outras versões acerca da origem da sexta-feira 13 e é difícil deslindar qual é a correcta; o que se sabe é que essa data permanece relacionada com maldições e assombrações. É em torno desse dia que se debruçam os 32 textos incluídos nesta antologia, Sexta-Feira 13, recheados de mitos e superstições – estórias verdadeiramente assombrosas, ambientadas numa sexta-feira dia 13, redigidas por 32 autores lusófonos, de Portugal, Brasil e Cabo Verde. Organização e Coordenação: Isidro Sousa. Autores: Ademir Pascale, Akira Sam, Ana Paula Barbosa, Angelina Violante, Boriska Petrovna, Carlos Arinto, Carmine Calicchio, Everton Medeiros, Fernanda Kruz, Fernando Magalhães, Florizandra Porto, Guadalupe Navarro, Hélio Sena, Isidro Sousa, Jonnata Henrique, José Teixeira, Júlio Gomes, Manuel Amaro Mendonça, Marcella Reis, Márcio Rafael Lopes, Marizeth Maria Pereira, Paula Homem, Ricardo de Lohem, Ricardo Solano, Rosa Marques, Sandra Boveto, Sara Timóteo, Sertorius, Stephanie Donnovan, Suzete Fraga, Teresa Faria, Wesley Pio.

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LIVROS SUI GENERIS

À venda em http://www.euedito.com/suigeneris Leituras gratuitas em https://issuu.com/sui.generis


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LIVROS SUI GENERIS

NOVAS EDIÇÕES Das estórias sensuais e eróticas às tramas policiais. De louvores à vida às trapaças protagonizadas pelos “amigos do alheio”. Das edições individuais às obras colectivas. Do conto à crónica... Do drama à comédia... Da prosa à poesia... Livros individuais e antologias. Leituras Sui Generis para todos os gostos! A Sui Generis está a preparar o lançamento de novas obras colectivas. Quatro antologias organizadas e coordenadas por Isidro Sousa, responsável pela Colecção Sui Generis: «Devassos no Paraíso», «Crimes Sem Rosto», «Os Vigaristas» e «Fúria de Viver». E também de dois novos livros (individuais) de poesia: «Sonho?... Logo, Existo!» de Lucinda Maria e «Prisioneiros do Progresso» de Rosa Marques. «Devassos no Paraíso», a primeira antologia Sui Generis dedicada à sedução e ao erotismo, e «Os Vigaristas», focada nos vigaristas, reúnem textos em prosa de cerca de meia centena de autores lusófonos, sendo que a segunda contempla também, nas suas páginas, crónicas e poemas intercalados com contos do vigário. Além destas, serão também publicadas «Fúria de Viver», um Hino à Vida com textos em prosa e poesia de 56 autores, e «Crimes Sem Rosto», uma obra dedicada ao género policial, que inclui contos de duas dezenas de autores lusófonos. Previa-se que alguns destes livros ficassem impressos no início do Verão. Tal não se verificou,

por razões de força maior, sendo as respectivas publicações adiadas para o início do Outono. É objectivo da Sui Generis promover uma sessão de apresentação conjunta destas quatro obras colectivas, no Porto. De modo a evitar eventuais imprevistos (como sucedeu em Junho, no último lançamento Sui Generis, em que um livro não ficou impresso atempadamente para o evento), este novo evento será agendado após a última das quatro antologias estar impressa. Logo que a data de lançamento seja definida, será comunicada aos autores e divulgada na internet. Quanto às edições individuais, o lançamento de «Sonho?... Logo, Existo!» já está marcado para o dia 28 de Outubro, na Biblioteca Municipal de Oliveira do Hospital; em relação a «Prisioneiros do Progresso», ainda em fase de impressão, a sessão de apresentação, que irá ocorrer na ilha de Porto Santo, será brevemente agendada. Na próxima edição, divulgaremos informações mais concretas sobre cada um destes livros, que ficarão disponíveis para venda a qualquer momento na livraria Euedito e noutras outras plataformas digitais (Livros.CC, Amazon, etc).

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Jonnata Henrique é co-autor de A Bíblia dos Pecadores, O Beijo do Vampiro, Vendaval de Emoções, Graças a Deus!, Ninguém Leva a Mal, Saloios & Caipiras, Torrente de Paixões, Sexta-Feira 13 e Fúria de Viver


Jorge Manuel Ramos é co-autor de A Bíblia dos Pecadores, O Beijo do Vampiro, Vendaval de Emoções, Saloios & Caipiras e Fúria de Viver


Marizeth Maria Pereira é co-autora de Graças a Deus!, Ninguém Leva a Mal, Torrente de Paixões, Sexta-Feira 13 e Fúria de Viver


Paula Homem é co-autora de A Bíblia dos Pecadores, Graças a Deus! e Sexta-Feira 13


Carla Santos Ramada ĂŠ co-autora de Saloios & Caipiras e FĂşria de Viver


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Tânia Tonelli é co-autora de A Bíblia dos Pecadores, Graças a Deus!, Saloios & Caipiras e Fúria de Viver


As noites de poesia da Casa Bô decorrem a todas as quartas-feiras desde 2015, num ambiente de partilha e de dádiva de poesia, literatura e arte no seu plano geral. Todos são convidados a esta partilha de forma livre e espontânea, seja com poesia, com música, dança ou outra arte de expressão. Até mesmo que seja em silêncio. Afinal, o importante é o estar e o partilhar de boas energias.

Tragam Poesia, instrumentos e a vossa presença.

Sempre a todas as quartas a partir das 22h na Casa Bô, na Rua do Bonfim, número 356, Porto (próximo ao campo 24 de Agosto). Entrada livre mas solicitamos um donativo consciente.


Marcella Reis é co-autora de A Bíblia dos Pecadores, O Beijo do Vampiro, Vendaval de Emoções, Graças a Deus!, Ninguém Leva a Mal, Saloios & Caipiras, Torrente de Paixões e Sexta-Feira 13


Suzete Fraga é co-autora de A Bíblia dos Pecadores, O Beijo do Vampiro, Vendaval de Emoções, Graças a Deus!, Ninguém Leva a Mal, Saloios & Caipiras, Torrente de Paixões, Sexta-Feira 13, Fúria de Viver e Crimes Sem Rosto


Florizandra Porto é co-autora de Ninguém Leva a Mal, Torrente de Paixões e Sexta-Feira 13


Paulo Galheto Miguel é co-autor de Graças a Deus!, Torrente de Paixões, Saloios & Caipiras e Fúria de Viver



Angelina Violante é co-autora de A Bíblia dos Pecadores, O Beijo do Vampiro, Vendaval de Emoções, Graças a Deus!, Ninguém Leva a Mal, Saloios & Caipiras, Torrente de Paixões, SextaFeira 13, Fúria de Viver e Crimes Sem Rosto


Cadu Lima Santos é co-autor de Graças a Deus! e Saloios & Caipiras


Luís Altério é co-autor de Saloios & Caipiras


Jonnata Henrique é co-autor de A Bíblia dos Pecadores, O Beijo do Vampiro, Vendaval de Emoções, Graças a Deus!, Ninguém Leva a Mal, Saloios & Caipiras, Torrente de Paixões, Sexta-Feira 13 e Fúria de Viver




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