SINAIS TEMPOS DOS
Publicação Trimestral 36o Ano › No 139 4º TRIM. 2016 › 2,00€
DESMOND DOSS O QUE É A RESISTÊNCIA PASSIVA? RESOLUÇÃO DE CONFLITOS QUAL SERÁ A SUA MENSAGEM?
O HOMEM
POR DETRÁS DO
HERÓI HACKSAW RIDGE
ÍNDICE
TEMÁTICA Desmond Doss: a génese de O Herói de Hacksaw Ridge.....................................................................04
Conheça a história do filme de sucesso do momento. TEMÁTICA O que é a resistência passiva?...........................08
O que necessitamos é de mais pacificadores. TEMÁTICA Resolução de conflitos ...................................... 12
TEMÁTICA Esperança e paz a partir das ruínas de Hiroxima......................................................... 20
Duas sobreviventes de Hiroxima dão o seu testemunho. TEMÁTICA Qual será a sua mensagem?............................. 22
O que está a fazer pessoalmente para promover a paz?
Aprenda a resolver os seus conflitos. TEMÁTICA Catorze soldados no exército de Deus.............. 16
Uma história de coragem e de fidelidade a Deus.
SINAIS TEMPOS DOS
Revista Internacional Edição Trimestral em Língua Portuguesa Ano XXXVI – Nº 139 4º Trimestre 2016 DIREÇÃO Artur Machado
DIREÇÃO DE REDAÇÃO Paulo Sérgio Macedo
DIREÇÃO Carlos Simões Mateus
Edição em Língua Italiana Edizione ADV
EDIÇÃO Paulo Lima
ANGOLA Caixa Postal 3 – Huambo
DIAGRAMAÇÃO Sara Sayal
S. TOMÉ E PRÍNCIPE Caixa Postal 268 – S. Tomé
Preços Número Avulso € 2,00 Assinatura Anual € 8,00
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MOÇAMBIQUE Av. Maguiguana, 300 – Maputo
PROPRIETÁRIA E EDITORA PUBLICADORA SERVIR, S.A. Rua da Serra, 1 – Sabugo 2715-398 Almargem do Bispo Portugal
Edição em Língua Espanhola Editorial Safeliz Edição em Língua Francesa Éditions Vie et Santé
Impressão e Acabamento Mário Macedo – Design e Impressão V. N. Famalicão Isento de Inscrição no ICS – DR 8/99 ISSN 0873-9013 Depósito Legal Nº 63193/93 Tiragem 20 000 exemplares
EDITORIAL
Um Herói de Paz Os Editores
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odos, desde crianças, estamos habituados a ouvir e a ler histórias de heróis e heroínas. Desde nobres cavaleiros em contos de fadas até seres com poderes sobre ou extra humanos, esses personagens, reais ou míticos, saltam das páginas dos livros e dos ecrãs de cinema e passam a habitar o nosso imaginário. Entre eles, sobressai, quase sempre, o mesmo tipo de herói. Ele é o justiceiro, aquele que, para aplicar a sua justiça retributiva, usa um grau de violência igual ou superior àquela infringida pelos perpetradores, a que chamamos “os maus”. E damos por nós a regozijar-nos e a aplaudir o braço forte da lei e da retidão. Que nem por isso deixa de ser violento. Não tão frequente e decerto muito menos imitado é um outro tipo de herói. Ele não retribui a injustiça com a violência, nem responde à agressão pela força. Não demonstra o poder dos seus músculos, mas usa o superpoder da contenção; não age para humilhar o outro na sua fraqueza, mas apela à consciência do outro com a sua razão; não vence através da sua capacidade bélica, mas convence ao ganhar o outro para a sua
causa. Não deixa, por isso, de ser justiceiro, pois está do lado da justiça, mas responde à injustiça com a retribuição da paz. E estes, geralmente, não saem de imaginadas estórias, mitos e lendas, mas sim das letras escritas a lágrimas e sangue da verdadeira História. Ao longo dos séculos, são muitos mais os heróis da primeira espécie que atrás apresentámos. Eles estão nos panegíricos gregos, nas sagas nórdicas, nas crónicas medievais, nos relatos das batalhas e das guerras, na sucessão das dinastias. Mas há alguns exemplos da segunda espécie, quase todos recentes, que nos tocam a emoção e nos interpelam a razão. Homens como Gandhi, Martin Luther King, Nelson Mandela, dedicaram a vida a um ideal, mas recusaram alcançá-lo a qualquer preço, recusando sacrificar, em benefício dele, a sua própria consciência. Nesta revista, apresentamos-lhe um desses heróis, que, não sendo um governante nem um líder, demonstrou ter a extraordinária força de vontade dos grandes homens. Desmond Doss, embora fosse objetor de consciência e se recusasse a usar armas, destacou-se como para-
médico militar, salvando 75 soldados feridos numa das mais sangrentas batalhas da II Guerra Mundial. Doss foi condecorado pela sua valentia com a Medalha de Honra do Congresso, a mais alta distinção militar norte-americana, e a sua história foi conhecida e celebrada desde então, o que levou Mel Gibson, famoso ator e realizador de cinema, a transportá-la recentemente para os ecrãs do mundo inteiro. É o homem por detrás desse herói de que lhe falamos nesta revista. E aproveitamos a memória e exemplo desses acontecimentos para o convidar a acompanhar-nos numa reflexão sobre a fidelidade a Deus e à consciência, a lealdade aos princípios morais e éticos, o dever de resistir à injustiça, mas também de promover a paz, de resistir ao mal, mas também de testemunhar do bem. Como nos ensinou Jesus, que amou a Humanidade ao ponto de dar a Sua vida por todos, ensinando o serviço pelo amor entre irmãos e promovendo definitivamente a paz entre os homens e o seu Criador. Os Editores
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TEMÁTICA
Desmond Doss: a génese de O Herói de Hacksaw Ridge VICTOR HULBERT
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omo é que um livro pode inspirar tanto um homem que ele passa os 40 anos seguintes da sua vida a tentar transformá-lo num filme? O livro The Unlikeliest Hero (O Herói Improvável) é a história corajosa de um herói que se recusou a combater, mas que, enquanto paramédico militar, salvou dezenas de vidas. Esta história captou a imaginação de um jovem canadiano chamado Stan Jensen. Embora ele não tivesse qualquer experiência na área da edição ou dos media, ele decidiu que a paixão da sua vida seria ajudar a contar aquela que, para ele, era uma história capaz de mudar vidas. Ele mudou-se para Los Angeles para estar mais perto de Hollywood, esperando poder contactar alguém que o pudesse ajudar a realizar o seu sonho. O nome do paramédico militar: Desmond Doss. Depois de muitas voltas e reviravoltas, e passados dez anos sobre a morte de Doss em 2006, um grandioso filme – O Herói de Hacksaw Ridge – transformou a leitura que Jensen fez na década de 70 do século XX do livro O Herói Improvável numa produção cinematográfica que traz um novo olhar sobre o campo de batalha. O Herói de Hacksaw Ridge relata a experiência militar de um jovem cheio de princípios morais que estava disposto a servir o seu país, mas não com uma arma na mão!
de muitos outros soldados. O seu Doss teve de suportar a troça e nome tornou-se num símbolo, na a pressão dos seus camaradas, que 77a Divisão de Infantaria, de exdesprezavam os seus princípios traordinária coragem muito para pacifistas cristãos. No entanto, além do dever militar.” quando chegou o momento certo, Isto é uma leitura entusiasmanele salvou-lhes a vida. Ele serviu te. Mas como é que se transforma nos sangrentos campos de batalha esta história num grande filme, do teatro de guerra do Pacífico duespecialmente quando se descobre rante a II Guerra Mundial, tornanque Doss não via filmes e não gosdo-se no primeiro objetor de constava de ir ao cinema? Foi aí que ciência a ser condecorado com a a providência levou Jensen para o Medalha de Honra do Congresso. caminho do guionista e produtor Numa das batalhas mais famosas Gregory Crosby, neto do lendário – aquela que dá o nome ao filme cantor e ator Bing Crosby. Nessa –, Doss transportou 75 homens data, Jensen era gerente de loja feridos, um a um, descendo-os de de um centro de venda de livros uma escarpa com 120 metros de cristãos em Glendale, Califórnia, altura até deixá-los em segurança. e Crosby estava lá para uma deO mesmo comportamento valoromonstração a realizar na loja. Jenso repetiu-se nos dias seguintes, à sen, percebendo a oportunidade medida que Doss se colocava dique se lhe deparava, aproximou-se retamente sob o fogo inimigo para de Crosby com um exemplar do liajudar os feridos. Nem sequer as vro O Herói Improvável, pedindosuas próprias feridas o detiveram, -lhe que o lesse porque, disse ele, e ele continuou a assistir os feri“eu sempre pensei que ele seria dos, mesmo quando outros procuuma grande ideia para um filme”. ravam assisti-lo! Crosby lembra-se de que Stan O texto do louvor que acompaJensen lhe pareceu ser nhou a Medalha boa pessoa, pelo que de Honra do lhe respondeu: “Com Congresso diz: NEM SEQUER AS certeza.” Mas não pas“Através da sua sou disso. Este tipo extraordinária SUAS PRÓPRIAS de pedidos é frequenbravura e inate na vida de todos os movível deter- FERIDAS O que estão envolvidos minação face a DETIVERAM, E na indústria cinemauma situação tográfica. “Eu tenho d e s e s p e r a d a - ELE CONTINUOU um número infinito de mente perigosa, pessoas que se aproo Soldado Doss A ASSISTIR OS ximam de mim para salvou a vida
FERIDOS, MESMO QUANDO OUTROS PROCURAVAM ASSISTI-LO!
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Courtesy Desmond Doss Council
que eu leia os seus roteiros ou as suas ideias para filmes, pelo que, na altura, não lhe prestei muita atenção. Embora, tenho de admitir, o conceito de Desmond Doss ter sido o primeiro objetor de consciência na História a ganhar a Medalha de Honra do Congresso me tenha intrigado, pelo que levei o livro para casa e coloquei-o na minha secretária já cheia de outros livros e papéis.” E foi aí que o livro ficou durante muitos meses, até que, um domingo, Crosby decidiu arrumar a secretária e descobriu o livro soterrado sob papéis e roteiros. “Duas horas mais tarde eu estava já a ler o último parágrafo, quando a minha mulher e o meu filho regressaram a casa e entraram no meu escritório. Ela ficou alarmada por ver lágrimas nos meus olhos e notar que a pele dos meus braços estava arrepiada. Preocupada, a minha mulher perguntou-me: ‘O que se passa? Estás bem?’ Eu respondi-lhe: ‘Acabei de ler uma das mais extraordinárias histórias de todos os tempos, e é uma história 6
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verdadeira, palavra por palavra!” De ali em diante o projeto deveria andar sobre rodas, excetuando um obstáculo principal: O próprio Doss não acreditava no cinema. De facto, ele não estava interes-
realmente se preocupava era fazer dinheiro à custa do homem comum.” É interessante que Crosby, enquanto produtor de filmes há muitos anos, identificava-se com a perspetiva de Doss – pelo menos até certo ponto. De facto, Crosby está interessado em produzir o tipo de filmes a que ele chama “filmes que acordam as ovelhas”. Ele viu que a história de Doss poderia ser exatamente isso: um filme que faria o espectador ponderar sobre aquilo que é realmente importante na vida. Ele disse: “Desde criança sempre gostei de ver os filmes de Frank Capra e sempre quis fazer filmes e séries televisivas sobre pessoas reais e sobre eventos reais que fizessem a diferença – histórias que decorreram na História e que mostrassem como se ser parte da solução, em vez de se ser parte do problema. O Herói de Hacksaw Ridge estava destinado para mim e eu estava decidido a torná-lo numa realidade.” Depois de muitas semanas de
AO ENTRAREM NUMA SALA CHEIA DE VETERANOS COM AS RESPETIVAS FAMÍLIAS, CROSBY E JENSEN ENCONTRARAM “ESTE HERÓI HUMILDE E GENTIL” A CONVERSAR COM UM SOLDADO MAIS JOVEM. sado que alguém fizesse um filme acerca da sua vida, recorda Jensen. “Desmond não via Hollywood com bons olhos, nem sequer ia ao cinema. Ele achava que a indústria cinematográfica era maléfica e irresponsável, pois promovia estilos de vida imorais e doentios, sendo que tudo com o que Hollywood
pesquisa, nomeadamente sobre as razões religiosas que moviam Desmond Doss, Jensen e Crosby finalmente encontraram-se com o próprio Doss numa reunião anual de confraternização de veteranos e de condecorados com a Medalha de Honra realizada em Los Angeles. Ao entrarem numa sala cheia
de veteranos com as respetivas famílias, Crosby e Jensen encontraram “este herói humilde e gentil” a conversar com um soldado mais jovem. “Depois, como se fosse conduzido por um Poder Supremo, Desmond apertou a mão do jovem com um grande sorriso, olhou para nós e caminhou na nossa direção, como se nos tivesse reconhecido como sendo seus amigos de longa data”, lembra-se Crosby. “Nunca o tínhamos encontrado; no entanto, Desmond soube de alguma forma quem éramos, como se fosse guiado por Deus. Foi certamente um momento emocionante, que nunca esquecerei.” Este encontro levou a uma longa e frutífera reunião, incluindo discussões profundas sobre a vida, a família, a moral, a religião e, finalmente, a grande questão: “Poderíamos fazer um filme sobre a sua vida?” Doss deu-nos a resposta que ele tinha dado a muitos
outros produtores de cinema ao longo das décadas: “Eu não quero ser glorificado pelo que fiz na II Guerra Mundial. Para mim, foi algo entre mim e Deus, por dever
para com o meu país.” Para Crosby, chegara o momento do tudo ou nada, pelo que ele recorreu à história da Igreja Adventista do Sétimo Dia. “Eu disse-lhe que compreendia as suas razões; depois, perguntei-lhe qual tinha sido a primeira coisa que a sua Igreja tinha comprado no início da
“EU NÃO QUERO SER GLORIFICADO PELO QUE FIZ NA II GUERRA MUNDIAL. PARA MIM, FOI ALGO ENTRE MIM E DEUS, POR DEVER PARA COM O MEU PAÍS.” sua história. Ele olhou para mim e disse: ‘Uma prensa – é a isso que se está a referir?’” Eu respondi-lhe: “Exatamente! E por que razão o pioneiro Adventista Hiram Edson emprestou à Igreja o dinheiro para comprar a prensa?” Doss explicou que os Adventistas queriam proclamar a sua mensagem ao mundo e a posse de uma prensa era um meio excelente para alcançar as pessoas através de jornais e publicações. Isto levou à discussão sobre o valor dos livros, tanto os excelentes livros cristãos, como “os livros tenebrosos, negativos e satânicos” que Doss nunca leria. “Eu penso que está a culpar o instrumento em si, em vez do que está a ser produzido por esse instrumento”, argumentou Crosby. “Temos aqui a possibilidade de levar uma história à Humanidade que pode fazer realmen-
te a diferença no mundo. Podemos partilhar a mensagem poderosa, especialmente para os jovens, de que é bom ser-se quem se é, percorrer o seu próprio caminho, e que não interessa o que as outras pessoas pensam, desde que se esteja a fazer o que é certo, segundo a nossa consciência.” O resto já é História. O filme foi feito. O Herói de Hacksaw Ridge foi realizado por Mel Gibson e é protagonizado por Andrew Garfield, que desempenha o papel de Doss. O que torna este filme diferente de todos os outros filmes de guerra? Em entrevista ao jornal Hollywood Reporter, Mel Gibson disse que achou “inspiradora” a história do “paramédico militar que não tocaria numa arma, mas que queria ajudar a salvar vidas no pior lugar do mundo”. Ele acrescentou ainda que “caminhar para o pior lugar da Terra sem uma arma, andar por ali, fazer o seu trabalho como paramédico militar e salvar tantas vidas é algo extraordinário”. Para Jensen, ver o filme é a realização de um sonho. Mas ele gostaria que o filme tivesse sido rodado mais cedo, antes da Guerra do Iraque. “É um filme de contracultura. Um filme como este pode dar às pessoas a esperança de que é correto tomar uma posição firme. Pode-se ser um herói e, ainda assim, permanecer-se leal aos princípios morais.” Ele conclui com o dilema experimentado por todos os que se opõem à guerra e à violência, mas que reconhecem que vivemos num mundo imperfeito. “Se é cidadão de um país, poderá ter de combater por esse país. Se é cidadão de um reino celestial, deveria ser um soldado desse reino. Por vezes, tem de ser ambas as coisas.” Jensen deixa uma pergunta aberta. Doss dá-nos uma resposta possível. Victor Hulbert J U L H O · A G O S T O · S E T E M B R O 2016
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TEMÁTICA
JULIAN HIBBERT
O que é a
resistência passiva? O
Pacifismo é geralmente definido como “a crença de que a guerra e a violência não são justificáveis e de que todas as disputas devem ser resolvidas por meios pacíficos”.1 No entanto, não nos devemos deixar enganar pelo 8
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Dicionário, pensando que o Pacifismo é algo tão simples como parece nesta definição. O conceito inclui um vasto espectro de posições possíveis: desde o Pacifismo Absoluto, que defende que toda a violência, matança e guerra são incondicionalmente er-
radas, até ao Pacifismo Condicional, que considera a guerra e o uso da força como procedimentos errados, exceto em circunstâncias extremas, passando pelo simples Pacifismo, em que a paz é preferida à guerra, e não ser no caso de a guerra se tornar necessária para promover a causa da
paz. Assim, podemos concluir daqui que uma discussão adequada do Pacifismo torna-se inevitavelmente complexa.2 Pacifismo e resistência
Embora seja verdade que o Pacifismo defende que “todas as disputas” devem ser “resolvidas por meios pacíficos”, isto não implica que todos os pacifistas evitem automaticamente oferecer resistência à injustiça social e política. Pelo contrário, há uma longa história de resistência passiva (não violenta) associada com o Pacifismo. Um exemplo interessante ocorreu na Nova Zelândia do século XIX, em que a resistência passiva foi usada como instrumento estratégico na resistência à confiscação e à ocupação pelo governo britânico das terras tradicionais dos Maori, as quais foram subsequentemente dadas a colonos europeus. Um dos motores por detrás desta resistência não violenta foi Te Whiti-o-Rongomai, que, em 1865, se recusou a retaliar contra os soldados que queimaram a sua aldeia e confiscaram a terra adjacente. Mais tarde, ele inspirou os seus guerreiros Maori a “defender o que é justo sem o uso de armas” e sem resistir à prisão. Por exemplo, numa certa ocasião, em 1881, ele persuadiu 2000 Maori a convidarem para a sua aldeia os soldados britânicos enviados contra eles, de modo a que estes desfrutassem da hospitalidade tradicional Maori.3 A sua influência espalhou-se por toda a Nova Zelândia e muito em breve os Maori estavam a responder por meio de “desobediência civil” e de “obstrução passiva” às incursões dos colonos nas suas terras. A obstrução passiva era especialmente atraente para os Maori, devido ao seu senso de humor, e revelou ser muito difícil de contrariar por
parte do governo. Ela envolvia arar as estradas locais e os pastos confiscados pela força aos Maori, juntamente com a remoção perturbadora das marcações dos agrimensores ao serviço do governo!4 Será que a estratégia de Te Whiti-o-Rongomai funcionou? Sim, ela impediu um derramamento de sangue em larga escala, salvou muitas vidas e atraiu a atenção benevolente do mundo para a causa Maori. Pouco mais de uma década depois, a resistência passiva (não violenta) iria voltar a demonstrar o seu poder, com consequências de longo alcance. Os direitos fundamentais de milhares de Indianos que viviam sob o governo britânico na colónia do Cabo e em Natal, bem como nas adjacentes Repúblicas Boers do Transval e do Estado Livre de Orange, foram ameaçados devido a várias leis injustas a partir de 1885. A sua liberdade de movimento, as suas oportunidades de emprego e os seus direitos de voto foram severamente restringidos.5 Inicialmente as coisas pareciam estar bastante sombrias para eles, até que um advogado indiano, jovem, magro e usando óculos, de nome Mahatma Gandhi, avançou para lançar uma forma de resistência passiva, que, por volta de 1906, ficou oficialmente conhecida como satyagraha. Esta filosofia, baseada num termo sânscrito e hindi, que significa “Apegar-se à verdade”, levou alguns a falar da satyagraha como sendo a “força da verdade”, a resistência determinada, mas não violenta, ao mal.6 A satyagraha exige que os seus executores estejam totalmente comprometidos com a verdade e com a justiça do seu ponto de
vista, evitem toda a violência (até mesmo nos seus pensamentos), sejam transparentes nas suas intenções e evitem usar truques ou segredos nas suas táticas. Estas táticas incluem atos de desobediência civil, como queimar documentos de identificação discriminatórios, bloquear linhas de caminho de ferro e realizar marchas de protesto. Gandhi empregou mais tarde táticas semelhantes para desafiar as opressivas leis do sal na Índia (1930-1931). Isto levou a uma ampla campanha de desobediência civil que acabou por envolver milhões de cidadãos comuns. O Vice-Rei respondeu com espancamentos brutais, mortes violentas e tantas detenções (mais de 60 000) que o sistema prisional quase colapsou.7 Tal resistência não violenta foi bem-sucedida? Esta é a avaliação objetiva feita pela Base de Dados da Ação Não Violenta Global: “A satyagraha do Sal tornou-se numa campanha icónica no seio da história da luta não violenta, não porque tenha alcançado os seus objetivos de curto prazo – pois estes não foram alcançados – mas porque retirou a legitimidade ao domínio britânico sobre a Índia.”8 Outros seguiram-se
Estes exemplos de resistência passiva inspiraram muitas pessoas ao redor do mundo a procurarem O U T U B R O · N O V E M B R O · D E Z E M B R O 2016
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alcançar mudanças sociais e políticas por meios não violentos. O mais conhecido destes foi o Dr. Martin Luther King Jr., durante o Movimento Americano pelos Direitos Civis (nos anos 50 e 60 do século XX), que também utilizou estas técnicas de protesto. Um exemplo foi o boicote aos autocarros de Montgomery, desencadeado pela recusa de Rosa Parks de ceder o seu lugar, sentado, num autocarro quando um homem branco tentou ficar com ele. A pressão cumulativa de tais ações não violentas acabou por assegurar o respeito pelos direitos civis dos Americanos negros. Foi ele o pacifista-modelo?
Muitos pacifistas na História parecem ter-se inspirado no exemplo de Jesus Cristo, visto por eles como tendo estabelecido o método para se alcançar mudanças sócio-políticas em face de uma rígida oposição. A questão que se coloca é: Será que eles entenderam quão radical era realmente o Seu exemplo?
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O mundo em que Jesus nasceu era violento e cruel, sendo a oposição habitualmente esmagada pelo uso da força impiedosa. Entre aqueles que O rodeavam, muitos desejavam um destino semelhante para aqueles que estavam então no poder. Como é que Ele reagiu a isso? A Sua posição foi clara como cristal: “Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus; mas, agora, o meu reino não é daqui” (João 18:36). Ele foi ainda mais longe na demonstração da Sua total aversão à violência: “Então Jesus disse-lhe: Mete no seu lugar a tua espada; porque todos os que lançarem mão da espada à espada morrerão” (Mateus 26:52). Pedro tinha ferido gravemente um dos que vieram prender Jesus por um crime que Ele não tinha cometido, mas, segundo Jesus, mesmo isso não justificava uma resposta agressiva!
Outros teriam, sem hesitação, seguido Jesus no caminho da desobediência civil. Uma grande oportunidade seria organizar-se um protesto contra o sistema de impostos dos Romanos. Milhares poderiam ter boicotado as mesas dos coletores de impostos, enquanto os comerciantes se escapavam sem pagar as taxas. Mas Jesus não estava de acordo com isso. Ele foi abertamente desafiado sobre a questão do pagamento do imposto: “É lícito dar o tributo a César, ou não? Daremos, ou não daremos?” A Sua resposta foi igualmente desafiadora: “Trazei-me uma moeda, para que a veja.” Eles trouxeram-Lhe a moeda, e Ele perguntou-lhes: “De quem é esta imagem e inscrição?” “De César”, responderam. “E Jesus, respondendo, disse-lhes: Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Marcos 12:13-17). Assim, é interessante que, contrariamente às expectativas, Jesus não parece apoiar tal resistência passiva. De facto, o Seu ensino indica claramente que o governo daquela altura tinha direito a recolher os impostos e que estes deviam ser pagos de boa mente. No que toca às expectativas que o Estado podia ter sobre os seus súbditos, Jesus introduziu algo que deve ter suscitado algumas reservas: “Se alguém te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas” (Mateus 5:41). O que significa isto? A palavra grega que é traduzida aqui por “obrigar” é um termo técnico usado para indicar a prática romana de requisitar suprimentos locais ou trabalho forçado sempre que isso servisse os seus interesses. Portanto, Jesus estava, de facto, a dizer: “Mesmo se exigirem algo de ti que preferias não dar, dá-o e disponibiliza-te
para fazeres ainda mais do que eles estão à espera.” Esta resposta teria certamente chocado os “ativistas” do tempo de Cristo, mas não devemos ler nas Suas declarações algo que não está lá. Ele já tinha dito claramente: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.”César deveria receber o que lhe era devido, mas não pode haver qualquer compromisso no que toca ao que Deus exige de nós!
also: http://www.britannica.com/topic/satyagraha-philosophy. 7. http:// www.history.com/topics/salt-march. 8. https://nvdatabase.swarthmore.edu/content/Indians-campaign-independence-salt-satyagraha-1930-1931.
Pacifista ou Pacificador
Considerando as nossas breves observações sobre a vida e os ensinos de Jesus, é claro que Ele não era semelhante aos pacifistas promotores da resistência passiva dos dias de hoje. Eu atrever-me-ia a sugerir que Jesus seria melhor descrito como sendo um Pacificador, e não um Pacifista: “Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus” (Mateus 5:9). Certos pacifistas, nomeadamente aqueles que promovem a resistência passiva, não podem simultaneamente pretender ser pacificadores. Logo que alguém se envolve numa provocação, seja de que tipo for, essa pessoa torna-se num adversário: parte do problema, não da solução. O papel do pacificador é único. Ele está ali para reduzir a fricção e o conflito, promover a reconciliação e assegurar uma paz duradoura. Talvez seja a altura de sugerir que aquilo de que realmente necessitamos é de menos pacifistas e mais pacificadores! Julian Hibbert 1. http://www.oxforddictionaries.com/definition/english/pacifism. 2. http://www.iep.utm.edu/pacifism. 3. https://en.wikipedia.org/wiki/ pacifism. 4. http://www.teara.govt.nz/en/1966/te-whiti-o-rongomai-or-erueti-te-whiti. 5. https://en. wikipedia.org/wiki/Indian_ South_Africans. 6. http://gandhi.south africa.net/ – see
A marcha do Sal
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Os Britânicos tinham obtido o controlo do tráfico de sal na Índia, não permitindo que mais ninguém recolhesse ou distribuísse esse bem essencial, sendo que os que desrespeitassem esse monopólio estatal seriam severamente punidos. Em março de 1930, Gandhi decidiu desafiar esta lei, partindo com 78 companheiros numa viagem de 250 quilómetros até à costa do Índico. Ele tinha declarado a sua intenção de apropriar-se ilegalmente de algum sal das salinas sem pagar o imposto. À medida que ele passava de aldeia em aldeia na sua viagem de 24 dias, milhares de Indianos juntaram-se a ele. “Quando Gandhi infringiu as leis do sal às 6:30 da manhã do dia 6 de abril de 1930, ele desencadeou atos de desobediência civil em larga escala contra as leis do sal, promulgadas pelo Raj Britânico, por parte de milhões de Indianos. A campanha teve o efeito significativo de mudar a atitude do mundo e dos Britânicos para com a questão da soberania e da autogovernação da Índia e levou um grande número de Indianos a juntar-se à luta pela primeira vez” (en.wikipedia.org/wiki/Salt_March).
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TEMÁTICA
Resolução de Conflitos HELEN PEARSON
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s conflitos são como o fogo: acalorados, excitantes, disparando em todas as direções, perigosos, mas também reconfortantes e poderosos. Eles atraem-nos para a disputa. Assistir a conflitos ficcionais de filmes ou de dramas televisivos pode ser entusiasmante; mas estar envolvido pessoalmente num conflito faz frequentemente com que a pessoa se sinta impotente. 12
SINAIS DOS TEMPOS
Quando vemos um bom filme, gostamos de acompanhar as várias fases de um conflito. Normalmente, compreendemos o que se passa; sabemos o que está em causa. Mas quando nos deparamos com um conflito à escala pessoal, na nossa família, com os nossos amigos ou no local de trabalho, as coisas não são tão nítidas. O conflito pode surpreender-nos. E mesmo quando o prevemos, ele faz-nos sentir bastante vulneráveis.
No meu trabalho como conselheira e formadora, aprendi que os conflitos ao nível familiar permanecem frequentemente por resolver, porque poucos entre nós sabem como resolver bem um conflito. Na nossa família e nas nossas escolas, nunca falámos sobre as razões por que surgem conflitos, nem nos foram dadas ferramentas ou estratégias para resolver conflitos. A habilidade de resolver conflitos é como cozinhar. Essa habi-
“UM CONFLITO É UMA LUTA EXPRIMIDA ENTRE DUAS OU MAIS PARTES INTERDEPENDENTES QUE, PROCURANDO ALCANÇAR OS SEUS OBJETIVOS, JULGAM ESTAR PERANTE OBJETIVOS INCOMPATÍVEIS, RECURSOS ESCASSOS E INTERFERÊNCIA DA PARTE DO OUTRO.”
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lidade básica aprende-se – ou não – na família. Pense nas famílias que melhor conhece. De que modo as pessoas que lhes pertencem abordam instintivamente o conflito? Num extremo do espectro estão aqueles que acreditam instintivamente que o melhor modo de lidar com um conflito é “pôr tudo cá fora” e “descarregar o que vai cá dentro”. Estes são os “guerreiros”. Noutras famílias, no outro extremo do espectro, “a fuga” é a abordagem
mais usada. Nestas famílias, nunca se levanta a voz; o conflito é varrido “para debaixo do tapete”. Para as pessoas que “fogem” o mote é: “deixar tudo em águas de bacalhau.” Nenhuma destas ferramentas é o melhor modo de proceder à resolução de conflitos. É verdade que “pôr tudo cá fora” pode serenar a atmosfera e os dois lados podem continuar com a sua vida. No entanto, por vezes “pôr tudo cá fora” espontaneamente significa que as pessoas dizem coisas que não sentem verdadeiramente e que, depois, não podem retirar. As pessoas ficam feridas, e, se as cicatrizes dessas feridas não fecham, elas podem criar ou intensificar um novo conflito mais tarde. “Deixar tudo em águas de bacalhau” também pode ser uma estratégia útil. O tempo pode curar. Uma nova compreensão pode surgir sem confrontação. Os oponentes podem encontrar novos modos de se verem mutuamente e ao mundo que os rodeia. No entanto, por vezes, feridas e injustiças não discutidas podem desenvolver-se como um gás num balão que se enche lentamente – até que um dia o balão rebenta. O sentimento de se ser ignorado ou desprezado pode aprofundar-se até ao dia em que surge um conflito. Assim, se não há uma maneira certa de lidar com conflitos, porque é importante refletir se a nossa família é composta de “guerreiros” ou de “temerosos”? O que é importante aqui é conhecermo-nos bem, termos consciência das nossas respostas instintivas. Conhecermos as nossas prováveis respostas relacionais ajuda-nos a distanciarmos-nos e a perguntarmo-nos que outras estratégias poderíamos usar. Nos bons velhos tempos do cinema, quando um filme era feito
de milhares de fotografias projetadas de forma muito rápida, era possível passar o filme em câmara lenta e ver uma imagem de cada pequeno movimento. Se pusermos em câmara lenta o filme da nossa vida, e virmos as pequenas imagens que constituem a nossa reação, na próxima vez que houver um conflito podemos descobrir que temos várias escolhas à nossa disposição. Poderemos ver que numa determinada ocasião precisaríamos de abordar o conflito de um modo particular, enquanto noutras vezes a reação necessária precisava de ser muito diferente. O que temos de retirar daqui é que estaremos assim a escolher a nossa reação, em vez de ter uma reação por reflexo condicionado. Mas, antes de dizermos mais alguma coisa sobre possíveis reações perante um conflito, pensemos um pouco sobre o que é um conflito. Uma definição que eu uso habitualmente foi proposta por Kirsten Zerger, Diretora de Educação e Formação no Instituto para a Paz e para a Resolução de Conflitos do Kansas. Ela diz o seguinte: “Um conflito é uma luta exprimida entre duas ou mais partes interdependentes que, procurando alcançar os seus objetivos, julgam estar perante objetivos incompatíveis, recursos escassos e interferência da parte do outro.” Há algumas palavras importantes nesta definição. As primeiras são “partes interdependentes”. Sem a existência de dependência mútua, não há conflito. A reconciliação é sempre o resultado de se melhorar o relacionamento. Não necessariamente para se decidir quem tem razão, mas para se restaurar a ligação. Não necessariamente para nos tornarmos amigos chegados, embora a restauração de relações íntimas seja, claro está, o objetivo O U T U B R O · N O V E M B R O · D E Z E M B R O 2016
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obterem mais afeto, níveis superiores de compromisso, por responsabilidades desiguais no lar – a lista é interminável. É sempre importante perguntar: “Que recursos estamos ambos a procurar obter?” Finalmente, o mais importante nesta definição são as palavras: “interferência no alcance dos objetivos.” Uma pessoa quer algo e a outra está a usar ou a abusar de algum tipo de poder para a impedir de o obter. Mais uma vez, os objetivos invisíveis e o exercício invisível do poder são os aspetos mais significativos e mais difíceis de identificar e de admitir. Um cônjuge tem em vista o sucesso social, que conduz ao sucesso profissional, e isso parece requerer que o casal passe mais tempo em convívio social. O outro cônjuge tem por objetivo ter mais sossego ou mais privacidade. Surge assim um conflito de objetivos. Assim sendo, se você é alguém que quer criar bons relacionamentos, como é que deve começar a lidar com o conflito? Eis aqui algumas questões simples que deve colocar a si mesmo, antes de falar com a outra pessoa envolvida no conflito, e, depois, algumas estratégias práticas para usar quando falar com o seu oponente. Antes de falar, esclareça a sua mente.
1. Pergunte a si mesmo quanto tempo e energia está disposto a conceder à outra pessoa. Quão importante é ela para si, e porquê? Explore quais são os resultados que pretende obter com esta tentativa de resolver o conflito. Seja preciso. Por exemplo: “Uma vida tranquila” não é uma formulação suficientemente precisa. Um pedido claro é, por exemplo: “Gostaria que o meu cônjuge não trouxesse trabalho para casa mais do que um dia por semana.” 2. Qual será a melhor ocasião e o lugar para se conversar melhor? Muitos de nós sabem
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de muitos esforços de reconciliação da família. A segunda palavra importante é “luta”. Uma luta implica a existência de energia focada num determinado objetivo. Uma questão importante que nos devemos colocar sobre cada relacionamento é: “Sobre o que está focada aqui a minha energia?” O que quero eu realmente deste relacionamento? O que pode querer a outra pessoa sem o dizer? São as nossas necessidades e os nossos desejos compatíveis? A terceira palavra importante na definição apresentada é “julgar”. Julgar como as pessoas veem e valorizam as coisas é uma questão fulcral no conflito. De que modo se avalia cada uma das partes a si mesma, à outra parte e aos recursos disponíveis? São estas avaliações corretas? Foram estas avaliações articuladas e verificadas recentemente? Os recursos são sempre significativos no conflito. Os indivíduos podem ser como países em guerra, combatendo por recursos materiais escassos – por exemplo, por dinheiro. Os recursos invisíveis podem ser ainda mais significativos. A rivalidade entre irmãos, por exemplo, ocorre para se obter a atenção dos pais. Os parceiros e os cônjuges podem degladiar-se para
bem que, quando estamos cansados, dizemos coisas de que, quando estamos calmos, nos arrependemos. Sabemos que não as queríamos realmente dizer. Pode ser útil encontrar uma ocasião e um lugar mais neutros e mutuamente agradáveis. Isto significa provavelmente esperar até que ambas as partes estejam mais serenas. 3. Pergunte a si mesmo: “Estou pronto para ouvir a outra pessoa?” Avalie o seu comportamento numa conversação normal. Quanto tempo consegue ouvir silenciosamente alguém? Numa situação de conflito, nós queremos contar a nossa história, expressar o nosso ponto de vista, explicar a nossa posição. Pense como também quer ser ouvido e esteja disposto a dar esse tipo de atenção ao seu oponente.
amiga queixou-se de que a sua mãe não o tinha tratado de modo justo em algo que ela tinha feito. Ele apresentou vários argumentos. Ela não conseguia ver qualquer injustiça cometida, mas algo mais começou a despontar. Finalmente, ela disse-lhe: “Pensas que estou a dar mais atenção à tua irmã do que a ti?” “Sim”, foi a resposta murmurada. “Então tu pensas que eu amo mais a tua irmã do que a ti? Acreditas mesmo nisso?” “Não, claro que não!” Ele ficou quase surpreendido por ter descoberto a raiz do próprio problema. Seguiu-se um abraço e acabou a discussão. Por vezes uma escuta honesta pode ajudar ambas as partes a compreenderem como se sentem e qual o efeito que uma tem sobre a outra. Quando falar, preste atenção
Quando a outra pessoa falar, ouça e continue a ouvir. Dê atenção ao que está a ser dito, mas também ao modo como está a ser dito. Ouça o tom de voz, os pressupostos, as conceções. Ouça o que não está a ser dito. O filho adolescente de uma mãe minha
ACONTECE QUANDO O MEU
“A RECONCILIAÇÃO
INIMIGO ME CONTA A MINHA HISTÓRIA DE UM MODO EM QUE EU POSSO DIZER: ‘SIM, É ISSO MESMO!’.”
ao seu tom de voz. Seja direto e positivo. Vigie a sua linguagem. Responsabilize-se pelos seus pensamentos, sentimentos e ações. Diga: “Quando não temos tempo para falar eu sinto que...” Não diga: “Tu, fazes-me sentir...” Use linguagem “Eu” e não linguagem “Tu” que aponta o dedo acusador. Não se coloque numa posição de superioridade moral. Esteja pronto para falar com a outra pessoa com respeito, especialmente se ela é alguém que você vê como tendo um estatuto inferior ao seu. Explore e faça perguntas, não para marcar pontos, mas para compreender. Não se coloque numa posição de inferioridade moral. Por mais que pense ter sido prejudicado, não se apresente como sendo uma vítima. É igual à outra pessoa. Rebaixar-se apenas perpetua relações de poder desigual. Não leia a mente do outro e não espere que ele leia a sua. Diga o que precisa e o que quer. Esta é a altura de dizer algo como: “Gostaria que tivéssemos meia hora no fim do dia para estarmos juntos e falarmos.” É claro que isto não é uma lista exaustiva de estratégias. Mas conhecermo-nos a nós próprios, sermos claros acerca das nossas necessidades e dos nossos desejos, e ouvirmos atentamente as outras pessoas pode gerar um melhor entendimento e melhorar as nossas relações. Um bom objetivo a ter em vista é o tipo de reconciliação que Stanley Hauerwas descreve: “A reconciliação acontece quando o meu inimigo me conta a minha história de um modo em que eu posso dizer: ‘Sim, é isso mesmo!’” Helen Pearson
TEMÁTICA
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uitos dos objetores de consciência da I Guerra Mundial – apelidados de “conscis” – foram desprezados e tratados com severidade por causa das suas posições políticas ou pacifistas. No entanto, houve um pequeno grupo cujas preocupações foram para além dessas posições. Eis um breve vislumbre das provações por que passaram alguns deles. Um grupo de catorze homens Adventistas do Sétimo Dia durante a I Guerra Mundial preferiu suportar os espancamentos, a privação de alimento e o terrível castigo da “crucificação” do que trabalhar no sábado, que eles entendiam ser o dia bíblico de repouso e adoração. Estes soldados britânicos pousavam as suas ferramentas às 16:00 de sexta-feira para se prepararem para o Sábado.
Mas os sargentos estavam prontos para reagir, armados com bastões, revólveres e botas militares. Seguiam-se espancamentos brutais. Depois, magoados e feridos, estes soldados eram lançados em celas da prisão, com correntes que prendiam fortemente os seus pulsos até que ficassem em carne viva, com as mãos atrás das costas. A provação tinha apenas começado para estes 14 jovens que tinham sido incorporados um ano antes, depois de terem sido arrancados dos seus estudos de teologia no Stanborough Missionary College de Londres (que daria mais tarde lugar ao Newbold College). Eles iriam continuar a enfrentar as consequências brutais de se recusarem a trabalhar no sábado durante a I Guerra Mundial. A prisão “tinha de ser pior do que as trincheiras, simplesmente para desencorajar os desertores”, disse Garth Till, cujo pai, Willie, esteve entre os 14 prisioneiros. Histórias semelhantes de Adven-
tistas fiéis que permanecerem firmes na sua observância do Sábado e se recusaram a empunhar armas estão apenas agora a ser conhecidas passados 100 anos. Mais de 65 milhões de soldados combateram na I Guerra Mundial. Mais de oito milhões e meio deles morreram e vinte e um milhões ficaram feridos. Os historiadores descrevem a guerra de 1914-1918 como tendo sido horrível, devido à combinação de armas modernas com táticas militares ultrapassadas. No entanto, quanto a eles, os soldados Adventistas experimentaram um tipo diferente de horror às mãos dos seus compatriotas. Determinados a guardar o Sábado e a não empunhar armas, eles foram espancados, passaram fome, foram forçados a limpar latrinas sem equipamento para o fazer e foram punidos com a temível “crucificação”, em que os soldados eram acorrentados e amarrados dolorosamente a uma roda de canhão durante horas sob o sol escaldante.
Catorze soldados no exército de Deus
VICTOR HULBERT
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Depois da guerra, muitos Adventistas recusaram-se a falar acerca das suas experiências, mesmo às suas famílias. Mas os detalhes da sua coragem e da sua devoção a Deus estão a aparecer lentamente devido à descoberta de cartas raras, a uma mão cheia de artigos e a entrevistas com membros das suas famílias. Os delegados Adventistas reunidos em Londres, para uma reunião administrativa, no mesmo fim de semana de 1914 em que a guerra começou tinham pouca noção das provações que os jovens Adventistas iriam enfrentar. Em orações especiais os delegados imploraram que “as forças em conflito possam ser detidas na Europa e a vida dos nossos irmãos e os interesses da Causa possam ser divinamente guardados”, segundo um número especial do Advent Messenger, comemorativo do centésimo aniversário da obra na Inglaterra e que foi publicado em 1992.
Os delegados fizeram bem em orar À medida que prosseguia a I Guerra Mundial, o governo britânico precisava de mais milhares de tropas para combater nas trincheiras e cerca de 130 Adventistas acabaram por ser incorporados de 1916 a 1918. Entre os primeiros a serem chamados estavam 14 jovens de Stanborough. Os jovens foram alistados no 3º Corpo Oriental Não-Combatente, estacionado no quartel de Bedford, a 23 de maio de 1916, e rapidamente foram enviados para França. Apesar do seu estatuto de não-combatentes, os Adventistas tiveram de enfrentar problemas mesmo antes de desembarcarem em França. No navio foram-lhes dadas espingardas, mas eles recusaram-se a pegar nelas. Ao chegarem ao porto francês de Le Havre, o sargento separou os Adventistas do resto do grupo e forçou-os a ficarem em pé num dos lados da doca. Depois ele ordenou ao mais alto e mais forte
dos Adventistas, que julgava ser o líder do grupo, que carregasse grandes pedras de uma ponta da doca até à outra ponta. Depois de o soldado ter completado a tarefa, ele teve de carregar de novo as pedras para o seu lugar inicial. No entanto, o sargento rapidamente suavizou a
“ASSEGURA-TE DE QUE ESTES HOMENS FICAM LIVRES DE TAREFAS DO PÔR DO SOL DE SEXTA-FEIRA ATÉ AO PÔR DO SOL DE SÁBADO”
sua disposição devido às ordens superiores de um Coronel, que visitou os Adventistas uma noite e os interrogou sobre a sua anterior ocupação e sobre a sua religião. “Ao saber que éramos Adventistas do Sétimo Dia, os oficiais perguntaram-nos quais eram as nossas crenças específicas e quais eram as nossas objeções à guerra. Virando-se para o nosso sargento, o Coronel disse: ‘Assegura-te de que estes homens ficam livres de tarefas do pôr do sol de sexta-feira até ao pôr do sol de sábado’”, escreveu o soldado H. W. Lowe, numa carta datada de 28 de maio de 1916. “Que alívio estas palavras nos trouxeram a todos!”, disse Lowe. “Note que fora-nos concedido aquilo que desejávamos, mesmo antes de o termos pedido. Acreditámos que Deus tinha sido extremamente bom para todos nós.” Os 18 meses seguintes decorreram sem problemas, com os Adventistas a trabalhar sobretudo como estivadores, descarregando navios nas docas de Le Havre e noutros portos. Mas um novo oficial, mais jovem, assumiu o comando em novembro de 1917 e declarou que o trabalho ao sábado seria obrigatório. Quando os Adventistas se recusaram a trabalhar, foram julgados num tribunal militar e condenados a seis meses de trabalhos forçados na prisão militar nº 3 em Le Havre. “O funcionamento da prisão era rigoroso e, obviamente, organizado psicologicamente para controlar um lote de homens duros”, escreveu Lowe muitos anos mais tarde. No portão da prisão os guardas imediatamente confiscaram todas as Bíblias dos prisioneiros. Mas um deles conseguiu esconder um exemplar do Evangelho de João, que o grupo dividiu em folhas separadas, as quais esconderam nos seus bonés.
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Os guardas sem a bênção da bondade humana
Os Adventistas foram isolados uns dos outros, forçados a trabalhar muitas horas a um ritmo frenético, e enfrentavam castigos severos, se se atrasassem no trabalho, disse Lowe. “Os guardas armados não tinham a bênção da bondade humana quando administravam os castigos”, disse ele. “Em algumas ocasiões um homem era amarrado a uma roda numa espécie de crucificação, ficando horas ao sol. Todos os prisioneiros temiam o que eles chamavam a “crucificação.” Escrevendo 40 anos mais tarde a um jovem que lhe perguntou sobre a sua experiência na guerra, outro prisioneiro Adventista, Worseley W. Armstrong, disse: “Não vou entrar nos detalhes sobre o tratamento horrível que recebemos, mas por fim cada um de nós foi lançado numa pequena cela, com poucos metros de área, paredes de ferro e chão de cimento. Estávamos no meio do inverno. Ali, depois do castigo, as nossas mãos foram postas atrás das nossas costas e presas com o que nós chamávamos ‘oitos’. Isto era muito doloroso.” Armstrong desenvolveu uma doença cardíaca na prisão, tendo vivido com as sérias consequências da sua encarceração durante o resto da sua vida. Um terceiro prisioneiro Adventista, Alfred F. Bird, morreu prematuramente em 1944, em parte devido a problemas de saúde causados pela sua estadia na prisão. A sua filha disse que as marcas das algemas nos seus pulsos ainda eram visíveis à hora da sua morte. Não se sabe bem como é que as autoridades Adventistas da Grã-Bretanha tiveram conhecimento do tratamento cruel infligido aos prisioneiros Adventistas. O alerta pode ter vindo de um capelão que realizava reuniões se-
manais na prisão. Ele ouviu gritos vindos das celas ao passar um dia na prisão, parou e pediu para ver os Adventistas. O seu pedido foi recusado, e ele não voltou a ter autorização para entrar na prisão de modo a realizar as suas reuniões. Quando os líderes Adventistas apelaram ao Ministério da Guerra por causa do tratamento dado aos prisioneiros, em janeiro de 1918, cerca de três meses após a sua detenção, as autoridades responderam que o assunto já tinha sido investigado e que os oficiais responsáveis já tinham sido censurados ou despromovidos. Uma reunião entre os líderes Adventistas e um General que estava a investigar as suas queixas levou à libertação dos 14 Adventistas um mês mais tarde. Albert Penson, um dos 14, disse que eles caminharam para fora da prisão “com alegria – invencíveis e indomados, embora quase irreconhecíveis entre si. Eles deram-nos rações para três dias e os nossos pertences e quase nos expulsaram da prisão sob uma escolta armada com baionetas”, escreveu ele num artigo publicado em 1974. Depois de uma audição pelo Tribunal Central, os Adventistas foram desmobilizados do exército e da prisão, sendo transferidos para o Centro de Trabalho de Knutsford. Todos os 14 foram libertados em julho de 1918. A guerra acabou a 11 de novembro de 1918. Muitos dos 14 Adventistas vieram a ocupar cargos de chefia na Igreja Adventista e tornaram-se fortes defensores dos direitos dos objetores de consciência quando a questão do alistamento voltou a surgir na II Guerra Mundial. O seu primeiro sábado na prisão
Estes 14 jovens Adventistas na Prisão Militar nº 3 nunca esqueceram o seu primeiro sábado ali, o
dia que eles prepararam ao depor as suas ferramentas às 16:00 horas de sexta-feira. Segundo uma carta escrita em 1957 por Armstrong, eis o que aconteceu: “Quando a manhã de sábado chegou, eu lembro-me de ouvir a porta da cela à minha direita abrir-se e o sargento ordenar a um dos nossos jovens que fosse trabalhar. Eu não pude ouvir a sua resposta, mas ouvi-o deixar a cela, tendo a porta sido trancada. A mesma coisa aconteceu com o jovem do outro lado, e eu fui deixado sozinho. Eu ouvi as outras portas serem abertas e trancadas do mesmo modo e finalmente a porta da minha cela foi aberta e foi-me ordenado que fosse trabalhar. Eu recusei-me a fazê-lo de uma forma cortês, explicando mais uma vez a razão da minha recusa. Estava à espera de ser maltratado e espancado. Mas, para minha surpresa, o sargento foi bastante afável. Ele disse-me para não ser parvo, pois todos os outros jovens tinham tido juízo e tinham ido trabalhar como bons ‘Britânicos’; disse-me que eu apenas iria meter-me em sarilhos, se fosse teimoso. É claro que estas notícias me surpreenderam e mal podia acreditar nelas, mas recordei-me de ter feito a declaração de que, o que quer que fizessem os meus irmãos, eu deveria permanecer firme na defesa da verdade de Deus, pelo que tentei suscitar algum tipo de compreensão espiritual na mente daquele sargento. No entanto, soube mais tarde que todos os nossos jovens nas celas tinham permanecido fiéis.” A atitude do sargento mudou abruptamente
quando Armstrong se recusou a trabalhar, seguindo-se o espancamento habitual. Mas este não foi o fim da história. Armstrong disse: “Pouco tempo depois, ao fundo do corredor, eu ouvi alguém assobiar um dos nossos conhecidos hinos, embora não me recorde de qual foi. Fiquei admirado por ouvir isto, porque assobiar ou cantar eram considerados uma grave insubordinação. Mas, para minha surpresa, ouvi uma voz cantar acompanhando o assobio, e foi apenas uma questão de segundos até muitas outras vozes começarem a cantar aquele belo hino.
Cantarmos aquele hino trouxe-nos um maravilhoso conforto e uma grande força enquanto estivemos ali na prisão.” O hino também teve um efeito sobre o sargento e sobre os oficiais que se reuniram no corredor sem saber o que fazer. Eles acabaram por ficar tranquilos e, disse Armstrong, “concluímos aquele hino numa atmosfera de silêncio absoluto”. Embora muito do horror da prisão tenha acabado por se desvanecer com o passar dos anos, aquele momento permaneceu na memória de todos. Mesmo 40 anos depois, Armstrong pôde afirmar: “Havia algo no próprio hino, bem como no espírito com que ele foi cantado, que afetou aqueles homens brutais, pois eles eram, de facto, extremamente brutais. E embora tivéssemos experimentado depois uma forte perseguição, senti que aqueles homens passaram a ter bastante mais respeito por nós depois de nos ouvirem cantar.” Victor Hulbert realizou uma alargada pesquisa sobre os Adventistas que foram alistados durante a I Guerra Mundial e descobriu então que um dos 14 prisioneiros, Willie G. Till, era seu tio-avô. Pode-se encontrar mais informação sobre a pesquisa efetuada por Hulbert e também um documentário relacionado com ela no site adventist.org. uk/ww1. Victor Hulbert O U T U B R O · N O V E M B R O · D E Z E M B R O 2016
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TEMÁTICA VICTOR HULBERT
Esperança e paz a partir das ruínas de Hiroxima
Courtesy Victor Hulbert
A
s pequenas lanternas de papel flutuam rio abaixo com uma beleza serena. Durante um período de algumas horas, muitos milhares delas passam por mim. É uma experiência comovedora estar de pé no crepúsculo, observando uma cena tão pacífica, mas com a memória do horror, da morte e da destruição que ela comemora. A festa é o Toro-nagashi, quando se faz flutuar lanternas de papel ao longo do rio Motoyasu, na baixa de Hiroxima. Este ano o evento atraiu muita gente. Os remanescentes hibakusha (sobreviventes da bomba atómica) juntam-se a dezenas de milhares de residentes locais, turistas e peregrinos para 20
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recordarem a morte e para orarem pela paz. Ainda é difícil de crer, mesmo passados mais de 70 anos, que, a 6 de agosto de 1945, uma única bomba detonada a 580 metros de altitude do centro de Hiroxima matou instantaneamente 70 000 pessoas e veio a matar um número semelhante entre os feridos, passados alguns meses. No entanto, há esperança para o futuro ao recontarmos tais histórias do passado. Os Adventistas do Sétimo Dia têm tido, desde há muito, uma presença em Hiroxima. Perto da área central da cidade eles têm uma escola muito conceituada que faz parte de uma bela igreja. Foi aí que eu encontrei a Senhora Sako e
Sra. Sako e Sra. Kino
a Senhora Kino, sendo ambas hibakusha. A Senhora Kino tinha cerca de vinte anos em agosto de 1945. Ela vivia a cerca de 4 quilómetros do epicentro da explosão e escapou aos principais efeitos da detonação. Sendo formada em primeiros socorros, ela empregou o seu tempo a ajudar aqueles cujos corpos foram queimados pelas ondas térmicas da explosão. Muitos tinham a sua pele a pender dos braços, enquanto outros estavam feridos por pedaços de vidro. A história dela faz-nos perder o sono. No entanto, ela não a contou com um sentimento de amargura. Ela falou de esperança. Ela contou como Deus protegeu a sua comunidade Adventista, de tal
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forma que não se perdeu uma única vida. Ela contou como ela e a sua igreja puderam ajudar os sobreviventes. A Senhora Kino disse-me: “Eu conhecia as promessas de Deus na Bíblia de que, embora muitos possam cair, eu serei salva. Na verdade, eu posso sentir que essa promessa foi cumprida na minha vida. Muitas coisas acontecerão no mundo, mas penso que a mais importante é pôr de parte os conflitos, pois, se nos aproximarmos uns dos outros, de mão na mão, e acreditarmos na paz, penso que teremos um futuro brilhante.” A Senhora Sako não foi tão afortunada. Ela era uma jovem estudante de 17 anos. Quando o avião Enola Gay voou sobre a cidade e lançou a sua bomba solitária, ela estava apenas a um quilómetro e meio do epicentro. Ela contou-me que viu um grande clarão. Uma mistura de azul e laranja. Foi lançada sobre uma parede de dois metros de altura, tendo caído, cega pela explosão, entre a parede e um tanque de água. Ela não sabe dizer quantas horas permaneceu ali, mas após algum tempo, começou a recuperar a visão, pelo que rastejou daquele lugar apenas para encontrar uma cena de total devastação. Todos os soldados e os homens que estavam ali na altura da explosão desapareceram. As casas estavam derrubadas. Não havia nada. A Senhora Sako sobreviveu devido ao amor de um pai que nunca desistiu dela. Os postos de primeiRua da 1 – Sabugo rosSerra, socorros recusaram-se a tratá2715-398 Almargem -la, dizendo ao seu pai que deviam do Bispo ajudar prioritariamente aqueles sinais@pservir.pt
que tinham alguma possibilidade de sobreviver. Ela sofreu durante semanas devido à dificuldade de respirar, às queimaduras severas nas partes expostas do seu corpo, às feridas infestadas de vermes e à doença da radiação. “Desde essa altura eu não gosto de guerra. Eu odeio a guerra. Eu realmente não quero que os meus filhos experimentem aquilo por que passei. Faço o meu melhor para impedir que isto volte a acontecer.” A Senhora Kino e a Senhora Sako são pessoas excecionais. Devido a tudo o que passaram, seria compreensível que continuassem a sentir dor e amargura no seu coração. Mas, em vez disso, oferecem o perdão. A Senhora Sako casou-se quando fez 21 anos. Apesar do risco de mutação ou deformação, ela deu à luz um filho. Felizmente, ele nasceu perfeito, mas este evento fê-la pensar sobre religião. Ela percebeu que precisava de algo na sua vida. Uma explicação para o que acontecera. Ela pesquisou diversas religiões, começando pelas suas raízes Budistas e Xintoístas, mas também incluin-
do várias Igrejas cristãs. Um dia ela recebeu um convite para uma reunião evangelística Adventista. Segundo ela, foi nessa reunião que encontrou “a coisa que não mudou. Tudo ao meu redor pode mudar, mas creio num Deus que não muda”. Isso foi decisivo para si e ela tornou-se numa luz brilhante na igreja Adventista de Hiroxima. Ela diz: “Não tenho dúvida de que a minha fé me ensinou o perdão. O meu pai era Budista e foi a bomba atómica que me direcionou para o Cristianismo. Eu perguntei ao meu pai se me podia tornar Cristã. O meu pai disse-me: “Sim, o Cristianismo ensina o amor. O Budismo ensina a compaixão. Não tenho qualquer objeção.” Apesar dos acontecimentos no seu passado horrível, a Senhora Sako encontrou esperança no futuro. Ela foi restaurada pela sua fé num Deus Criador. Ela declara: “A primeira vez que fui à igreja depois das conferências evangelísticas, o assunto era o Génesis. Eu apaixonei-me pela história do Génesis, da Criação e, especialmente, pela ideia de que nós somos especiais, de que somos feitos à imagem de Deus. Isso torna todas as pessoas especiais para mim. Isso dá-me ânimo. Eu realmente aprecio o facto de Deus ser meu amigo e de a Igreja ser um apoio.” Visitei Hiroxima para relatar uma tragédia. Deixei a cidade com uma história de esperança. A vida é realmente cheia de surpresas. A Senhora Kino e a Senhora Sako já faleceram, mas deixaram um legado duradouro. Victor Hulbert O U T U B R O · N O V E M B R O · D E Z E M B R O 2016
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TEMÁTICA
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será a sua mensagem? IAN SWEENEY
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ara muitas pessoas o dia 21 de setembro talvez não seja uma data com um significado especial. No entanto, em 1981, o Dia Internacional da Paz foi estabelecido pela Assembleia Geral das Nações Unidas e 21 de setembro foi escolhido como a data anual fixa destinada a lembrar ao mundo a necessidade de se devotar à promoção dos ideais da paz – tanto no interior das nações, como entre todas as nações e todos os povos do mundo. A data foi originalmente escolhida para coincidir com a sessão de abertura da Assembleia Geral da ONU e o primeiro Dia da Paz foi observado a 21 de setembro de 1982. Em preparação para o Dia da Paz de 2015, o Secretário-Geral da ONU lançou este apelo: “Apelo a todas as partes em guerra para deporem as suas armas e observarem 22
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um cessar-fogo global. A elas digo: Parem com a matança e com a destruição e criem espaço para uma paz duradoura.” Ban Ki-Moon pediu ao mundo para dar lugar à paz, começando por um dia! Infelizmente, apesar de o Secretário-Geral da ONU ter pedido apenas um dia de paz, ele não foi atendido. Os apelos à paz não são novidade. Há cerca de 2000 anos, Jesus, durante o Seu primeiro discurso público registado, fez a seguinte declaração: “Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus” (Mateus 5:9). Enquanto fundador da maior religião mundial, Jesus pronunciou uma bênção sobre os “pacificadores”. Ora, eu tenho a consciência de que é frequentemente lançada a acusação de que “a religião é a causa de muitas guerras”. No entanto, Jesus disse enfaticamente que os Seus
seguidores deveriam ser pacificadores! Sempre que vemos, ouvimos ou lemos as notícias, são-nos apresentadas as baixas e as consequências da guerra. Assim, este é seguramente um bom momento para reexaminarmos o que Jesus quis dizer quando apelou aos Seus seguidores para serem pacificadores. A ONU está a apelar ao mundo para que cessem as hostilidades no dia 21 de setembro, mas, para Jesus, ser pacificador é mais do que a cessação das hostilidades ou a ausência da guerra. As partes em conflito podem parar de disparar balas ou mísseis, mas o catalisador para as hostilidades recomeçarem pode ainda assim estar presente onde as fações continuam a acarinhar o ódio e a desconfiança. Para Jesus, ser pacificador abrange a área dos nossos sentimentos e atitudes. De facto, no mesmo dis-
TAMBÉM TEM DE SER DITO QUE
JESUS
PRONUNCIOU UMA BÊNÇÃO SOBRE OS SEUS SEGUIDORES QUE SÃO
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PACIFICADORES.
curso que Ele pronunciou no início do Seu ministério, Jesus também desafiou a Sua audiência a examinar as suas ideias preconcebidas, quando disse: “Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e aborrecerás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem... para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus” (Mateus 5:4345). O que Ele pretendia dizer não pode ser mais claro: os “filhos” ou seguidores de Deus não devem estar apenas envolvidos na promoção da paz. Eles devem, de facto, amar
aquelas pessoas que os podem odiar intensamente! A palavra grega que Jesus usou em Mateus 5:9 traduz a palavra hebraica “shalom”. Embora a palavra “shalom” seja usada como saudação, num sentido mais profundo ela descreve a paz como sendo uma relação harmoniosa assente na boa vontade entre pessoas. A paz (shalom) de que falou Jesus descreve não apenas o que está ausente, mas também o que está presente. Para Ele, a ausência de guerra não é suficiente para garantir a paz (shalom), mas a presença de relações felizes e harmoniosas é. De facto, se houver boas relações entre as pessoas, é evidente que não haverá razão ou necessidade de guerra, pois as pessoas não fazem a guerra a quem elas amam e com quem elas se preocupam. Também tem de ser dito que Jesus pronunciou uma bênção sobre os Seus seguidores que são pacificadores. Ele não pronunciou uma bênção sobre aquelas pessoas que são amantes da paz. Uma pessoa amante da paz não é o mesmo que um pacificador. Os amantes da paz evitarão cenários de conflito para manter a sua paz, mas um pacificador intervirá numa arena de conflito entre fações em guerra, mesmo arriscando a sua saúde e segurança. Os pacificadores sabem que a paz não é ganha através da evasão ou da evitação, mas sim através de uma intervenção decidida. Os pacificadores são pessoas que trabalham ativamente para alcançar os seus objetivos de paz! Os pacificadores podem atuar a nível nacional ou internacional, ou até mesmo no nível interpessoal, apenas entre duas pessoas. Os pacificadores focam-se em restaurar relacionamentos quebrados. Os seguidores de Jesus tornam-se pacificadores porque Ele, como
seu líder, deu-lhes o exemplo. De facto, entre os muitos títulos que Jesus recebeu conta-se o de “Príncipe da paz” (Isaías 9:6). Quando o Seu nascimento foi anunciado aos pastores em Belém, os anjos cantaram: “Glória a Deus nas alturas, paz na terra, boa vontade para com os homens” (Lucas 2:14). Numa das conversas finais de Jesus com os Seus discípulos, Ele deixou-lhes a Sua paz: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá” (João 14:27). A história sobre a morte de Jesus descreve-O como um verdadeiro pacificador, tentando reconciliar a Humanidade com Deus, levando-nos para uma relação harmoniosa e amorosa com o nosso Criador. De facto, algumas das palavras finais de Jesus sobre a cruz foram dirigidas ao Seu Pai, ao orar pelos Seus inimigos que O tinham crucificado: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lucas 23:34). Jesus é, na História, o exemplo supremo de um pacificador! Assim, os pacificadores dos nossos dias farão tudo o que é possível para serem semelhantes a Jesus, esforçando-se para “estabelecer relacionamentos corretos entre homem e homem” (William Barclay, The Plain Man Looks at the Beatitudes, p. 94). O Dia Internacional da Paz deste ano pode não ter resultado no fim das hostilidades no Planeta, mas certamente recordou-nos de como a paz é necessária. No Dia da Paz de 2015, mais de 1000 trabalhadores da ONU posicionaram-se nos terrenos circundantes do edifício do Secretariado e “escreveram” uma mensagem que podia ser claramente lida do céu: “O QUE ESTÁS A FAZER PELA PAZ?” Qual será a sua mensagem? Ian Sweeney
O U T U B R O · N O V E M B R O · D E Z E M B R O 2016
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