9 minute read

EDUARDO VII O DESIGNER, Pedro Portugal

eduArdo Vii, odesigner

Pedro Portugal

Alfred Edward, Princípe de Gales (1841-1910), Bertie, como era chamado em família o futuro rei Eduardo VII, teve de esperar 59 anos para ser rei — um record agora superado pelo Príncipe Carlos. A rainha Victoria dizia do filho o que a rainha Isabel podia dizer do filho hoje: «O pobre país com um sucessor terrivelmente inadequado e totalmente irrefletido! Oh! Isso é horrível! Ele não faz nada!»

Bertie teve uma vida aventurosa, complexa, escandalosa mas desenhou e mandou construir um dos dispositivos sexuais mais insanos e desconhecidos da história da humanidade: a Chaise-d’amour.

Os vários biógrafos estimam que Bertie tenha tido ao longo da vida cerca de 20.000 amantes. 55 consentidas pela mulher, Alexandra da Dinamarca (Alix). O príncipe aparentemente nunca fez qualquer esforço para esconder as novas amantes ou manter os affairs secretos.

O príncipe playboy era apaixonado por sexo, uniformes, roupa, comida, álcool e tabaco. Fumava por dia 20 cigarros Egípcios e entre 11 a 30 gargantuescos charutos Havanas, com nomes como Cornia y Corona, Henry Clay’s, Tsar ou Upmann’s.

Bertie cheirava sempre a Eau de Portugal e tinha forte pronúncia alemã, acentuando os rrrrs. Diariamente, era deixada uma galinha assada na mesa ao lado da cama antes de HRH se deitar. De manhã só restavam os ossos...

Bertie inventou o chamado Sandringham shoot, a dobra nas calças e o último botão do colete desapertado. O alfaiate da moda Henry Poole, em Savile Row, anota o progressivo aumento das medidas do peito e abdómen do príncipe ao longo dos anos. Almoça a janta sempre nos melhores restaurantes de toda a Europa. Nas suas várias residências as opulentas refeições são compostas por 12 a 18 pratos.

Os custos humanos do prazer de Bertie são vastos. Incontáveis os casos de abortos, chantagem relacionada com gravidez e escândalos com divórcios — abafados sempre que possível pelos secretários da coroa para proteger a monarquia.

Havia inúmeros rumores de que as aldeias à volta de Sandrigham e Balmoral seriam densamente povoadas com netos da rainha.

Pesquisa genealógica, confrontação com os bem documentados movimentos do príncipe e ligações sociais revelam que os alegados filhos ilegítimos eram míticos. O que levou à conclusão de que as técnicas sexuais preferidas de Bertie excluíam a penetração.

No fim do séc. XIX os ingleses praticamente não usavam contraceptivos, mas era um assunto sobre que se escrevia muito. Pelo contrário, os franceses não escreviam sobre contraceptivos, mas a indústria do sexo na capital francesa não poderia ter prosperado sem eles. Nos frequentes safaris sexuais a Paris, Bertie usava todo o tipo de dispositivos para se proteger.

Em 1875 HRH faz uma visita de estado à Índia. Está registada uma caça ao elefante organizada como uma campanha militar: 15.000 homens trabalharam durante duas semanas na selva do Ceilão para preparar barreiras e redes para a royal party. Os batedores provocaram um fogo florestal e os elefantes aterrorizados fugiram pela selva. Bertie fere um e mata outro.

O acampamento é estabelecido agora na base dos Himalaias e a caça ao tigre nunca foi tão luxuosa: 2.500 homens, 119 elefantes e 500 camelos. As refeições eram preparadas por chefs franceses e servidas por mordomos alemães. À noite eram feitas fogueiras com troncos de 80 cm de diâmetro e a banda militar de Gurkha tocava Mozart e Offenbach. O príncipe matou 28 tigres.

Em 1905 tem uma frota de dois Mercedes, um Daimler e um Renault Landaulet para uso em Londres. Todos sem matrícula que tornavam imediatamente reconhecíveis os carros do rei. A dirigir os veículos motorizados e vestidos a rigor, estavam sempre o engenheiro Charles Stamper no lado direito do chauffeur e Bertie no banco de trás. Cada deslocação era meticulosamente preparada e todas as estradas eram bloqueadas pela polícia para o rei fazer as viagens a uma média de 100 km por hora.

A grande performance artística de Bertie foi manter durante a década de 90 do séc. XIX uma suite no mais luxuoso bordel de Paris, o Le Chabanais, da famosa Madame Kelly. A suite hindu ostentava na porta o brasão do Príncipe de Gales. No interior uma banheira de cobre em forma de cisne servia para o príncipe se banhar com as amigas exclusivamente em Champagne Mumm Cordon Rouge aquecido.

Mas a peça central era a célebre Chaise d’amour, desenhada e encomendada por Bertie a Louis Soubrier, o melhor fabricante de móveis de Paris.

Sem livro de instruções, o bizarro objeto assemelha-se a uma cadeira pensada por um perverso ginecologista rococó. Na realidade, permitia ao corpulento Bertie assegurar sem grande esforço a prática de inúmeras posições com várias (até 3) demoiselles com toda a comodidade. O trône d’amour ou fauteuil de voluptés, possuía ainda um sistema de molas na base que permitia a impulsão na vertical do excessivo príncipe.

Já coroado, Bertie visita o primo Carlos I, em 1903, e um parque de 26 hectares recebe o seu nome em Lisboa. No seu diário anota que a aristocracia portuguesa se veste como os empregados de um restaurante de segunda classe...

contrAriedAdes

marão rato

Goebbels dizia: «Quando ouço falar em cultura puxo da minha pistola». Coisa ameaçadora, a Cultura, os artistas modernos, degenerados, incompreensíveis para os defensores do monstro Kitsch-académico nazi.

Hoje a Arte contemporânea não aquece nem arrefece ninguém — a cultura popular é outra coisa, talvez mais arte contemporânea do que a própria. É um divertimento para um exíguo mundo fechado em si próprio, com canais, é certo, para o exterior, mas que só servem para o legitimar, palco migratório da especulação financeira e vaidade intelectual. O Cubo Branco serve um jet set que se pavoneia pelas feiras de arte e que ele próprio é fatiado entre aqueles que percebem mais e aqueles que ainda não percebem grande coisa, paralelamente aos que têm muitíssimo dinheiro e os que só têm muito dinheiro, como um bolo com mais ou menos creme.

Da mesma forma que existe o Claro-Escuro, o ruído e o silêncio, também existe o paganismo e o cristianismo, euforia e depressão, o limitado e o não limitado.

Assim, quando o Limite deixa de existir em arte, esta sai do seu âmbito para outros domínios da vida, começa a invadir outros meios em que o impulso libertário (vindo paradoxalmente do velho Humanismo e da Velha ideia de Progresso da Humanidade), já superado em todas as formas de arte, se possa colocar.

Da velha dualidade arte-vida, esboroada teoricamente mas nunca com total sucesso (um actor precisa sempre de voltar a ser um não-personagem, um pintor tem às vezes de deixar de pensar em pintura, às vezes a arte é Arte e a vida é Vida), chega-se a um plano de confrontação com outros limites noutras áreas da actividade humana: legais, físicos, mentais, morais ou éticos, empurrando assim com a barriga a questão da arte ter, de facto, superado os limites contra os quais lutou desde o fim da Academia, muro há muito pulverizado mas sempre presente como fantasma de uma ópera há muito tempo fechada e entretanto transformada num centro comercial ou num circo tipo Cirque du Soleil, onde são proibidos os animais.

Há na arte contemporânea um paralelismo com o ar condicionado: as Iniciais. Outro: condiciona o ar cultural, desde cima, que alguns tentam respirar. Ainda outro: Forma um meio totalmente artificial que só comunica com a plebe (existe uma plebe cultural, com sucessivos níveis de acesso às decifrações) através dos discursos paralelos explicadistas, sem os quais a maior parte destes objectos deixam de fazer sentido, tal computadores sem energia eléctrica.

É como se um Veronese fosse completamente inexplicável sem a passagem da bíblia ou da história pagã que tomou por tema, como se os negros de Goya fossem qualquer coisa de completamente neutral e indiferente ao público a partir do momento em que este não tivesse informação verbal sobre o tema que o autor aborda. Curiosamente, algumas obras do passado são ainda mais interessantes quando não conhecemos o tema.

Mas a Arte Contemporânea hoje precisa das massas nos museus. Democraticamente, dá jeito. Esta consegue ser mais popular que a Arte Moderna, que punha o povo a ironizar («isto também eu fazia»), pois só o facto de existir público, afluência e estar num museu já é uma legitimação, e nesta matéria a Arte Contemporânea consegue rivalizar no plano da aridez emocional com a religião católica e em abundância de emoções com a Igreja do Reino de Deus.

O grupo Homeostético (que pessoalmente detesto — chumbei aliás alguns participantes quando professor na ESBAL) foi responsável em Portugal por esse impulso piqueniquista de grandes festas nocturnas no museu de Serralves e que se expandiu para outros locais.

A Arte Contemporânea usa temas do discurso político e social, mais ou menos batidos, mais ou menos politicamente correctos, mais ou menos pedagógicos. Mas usa também outros, étnicos, científicos, pessoais, etc.

Ao contrário de Goebbels, eu gosto de Arte Contemporânea.

Quando ouço falar de Arte Contemporânea puxo do meu charuto. Um sítio onde há pequenos peixes que só podem produzir pequenos papéis, e grandes tubarões da arte que fazem não só aquários com tubarões mas ainda caralhos das caldas de cem metros de altura, se tiverem cotação para isso (cotação igual a compradores influentes mais críticos mais curadores afamados mais museus mais galerias de prestígio, reconhecidas pelos precedentes). Gosto desta pescadinha de rabo na boca porque é como a mercearia da anedota que diz «temos sandes de tudo». Não se trata contudo de uma anarquia mas sim de um sistema de castas cuidadosamente mantido à custa do dinheiro dos privados e das instituições, como a arte antiga, aliás, mas que se distanciou bastante mais do gosto e do entendimento do público não-iniciado. Essa distância é a base da sua existência e da tensão necessária para que exista o sistema.

Enfim, como disse a comissária Dária da Fossa: «ainda não tínhamos educado o público para a arte moderna e zás, lá vem a arte contemporânea». Bom, então vamos brincar e explicar, introduzir um elemento lúdico e mandar vir camionetas com excursões.

A analogia com a arte religiosa é mais simples com a arte contemporânea do que, por exemplo, com um artista tipo Picasso. Os objectos feitos pelos novos artistas (ou por quem lhes faz os objectos) têm mais vezes ressonâncias com o mundo das relíquias religiosas do que com o abstracionismo geométrico, e os artistas muitas vezes manifestam-se como xamãs, padres ou professores. E ainda como membro de uma etnia ou minoria sexual, simplesmente, transformando-se assim num exemplo que acaba por roçar a santidade por mais escabroso que seja.

Um professor que fala uma linguagem que ninguém na realidade compreende. Um alfabeto irrequieto. Mas quem compreende a Bíblia? Quem compreende a Matemática? Quem compreende os desígnios do Senhor?

Simultaneamente e antes pelo contrário acontece o mesmo com o tripé verbal deste monstro conceptual: os enunciados explicadistas falam claramente dos temas prementes, preocupantes e actuais. Aí tudo é mais claro do que na obra e a obra torna-se clara. Volta a suspeitar-se da linguagem pré-verbal, selvática e irresponsável.

Como dizia não sei quem, no princípio era o verbo. É às crianças da terceira classe que se dirige a nova Arte Contemporânea.

This article is from: