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A EXTRAORDINáRIA FANTASIA MEGALíTICA
A extrAordináriA fAntAsiA megAlíticA de luís gArdete
Pedro Portugal
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Depois de várias tentativas e através de um amigo comum consegui falar com o Dr. Luís Gardete. O Dr. Sucata, como é conhecido em Castelo Branco, construiu sozinho, 5 km a nordeste desta cidade, o maior monumento megalítico do mundo.
Os dois alinhamentos paralelos de pedras têm 200 metros de comprimento, 30 de largura e termina com uma formação rectangular mais elevada com 50 por 30 metros. As pedras movimentadas têm entre 20 a 130 toneladas, 4 a 5 m de altura e a preços actuais um empreendimento como este, entre aluguer, operadores de máquinas e movimentação de terras custaria mais de 2 milhões de euros.
Os locais dizem que ele «não sabe o que está a fazer» ou «não sabe onde gastar o dinheiro»... Mas o que fez Luís Gardete, 62, erigir um gigantesco parque pós-neolítico durante os últimos 20 anos?
Combinámos um encontro num café do centro de Castelo Branco ao fim da tarde. Estava acompanhado de dois amigos e bebiam águas. Luís estava todo vestido de preto, barba descuidada, elegante, 1,75m, pequenos óculos elípticos — podia ser um revolucionário bolchevique. Diz que não fuma nem bebe desde os 20 anos. É comunista e anarca, nunca votou, não tem filhos e recusa ser fotografado. É médico de formação e fala várias línguas entre as quais o russo. Herdou do avô e do pai os negócios e fortuna da sucata e construção.
A motivação para a construção deste neo-recinto arqueológico de escala faraónica não é no entanto religiosa ou artística. É desarmantemente prosaica: uma homenagem ao avô. A orientação dos megalitos corresponde à direcção em que o avô fugiu para Espanha. A sua admiração pelo avô é notória. O avô de Luís, lia, escrevia e falava em russo. Esteve envolvido na Guerra dos Montes em Malpica do Tejo (1923) contra os grandes latifundiários da Beira Baixa e mais tarde no fornecimento de carne de porco às tropas opositoras a Franco na Guerra Civil Espanhola (1936/39).
Do pai, alcoólico, guarda memórias menos boas. Um homem de 50 kg que ninguém conseguia deter e que batia na mulher todos os dias.
Mostrou-me no telemóvel uma fotografia da mãe quando era nova porque prefere lembrar-se dela quando era bonita.
Mas os detalhes da construção do supernovo Cromeleque de Castelo Branco são impressionantes. Primeiro, Luís Gardete terraplanou 20 hectares para que o seu monumento pudesse ser visto da N233. Depois começou a retirar da terra as pedras e a dispô-las ordenadamente. Uma máquina levanta o seu peso em carga e para retirar da lama sob o efeito de sucção uma pedra de 100 toneladas são necessárias duas giratórias de 50 t. a operar no máximo da potência. Para arrastar uma pedra com 130 t. é preciso usar duas giratórias de 50 t. e uma máquina de arrasto de 50 t. a trabalhar ao mesmo tempo. As giratórias recuando à frente da pedra e a máquina de arrasto atrás. Para empilhar as pedras foram construídas rampas de acesso às máquinas com milhares de toneladas de terra que foi depois cuidadosamente removida. Este devaneio construtivo é hoje irrealizável porque as
máquinas alugadas pela Volvo, Caterpiller ou Komatsu têm ligação GPS e quando uma máquina está mais de 30 minutos ao ralenti ou ultrapassa o esforço máximo são desligadas. Neste delírio construtivo e sem objectivo aparente, anexo à megalitolândia, foi pavimentada com pedra uma área de 16 hectares.
O Luís entretanto pede à empregada do café, Clea, para mudar o canal da televisão para o Mezzo porque não suportava mais o futebol. Não conseguiu atinar com o número do canal e pediu 4 bagettes mistas sem manteiga «bem aviadas» para todos e mais uma rodada de águas. Nunca deixa ninguém pagar.
Na conversa sobre o neo-cromeleque percebi que sabia vagamente do alinhamento de Carnac na Bretanha (manifestou indiferença), desconhecia a Spiral Jetty de Robert Smithson ou as colunas de pedras coloridas de Ugo Rondinone no deserto perto de Las Vegas. Ignora a Earth Art e todas a realizações de Michael Heizer ou Nancy Holt. Procura residualmente reconhecimento mas é totalmente alheio ao mundo da arte ou da arqueologia.
Como definir esta intervenção histórica sem enquadramento artístico, académico ou o que quer que seja? Como é que será estudada dentro de 1.000 anos esta megalitomania?
Luís Gardete é estranho a contextos. Considera quase concluídos os trabalhos e planeia montar uma tenda de circo (200.000€), com amarrações às pedras no rectângulo de 50 por 30 metros que preparou para o efeito, dispor radialmente 12 camiões pintados de preto, plantar um bouquet feito com asnas de betão com 12 metros de altura e ainda construir uma espiral de 100 metros com pedras de demolições...
Tudo feito da sua cabeça, sem informação especializada ou pretensiosismo. Uma maneira poética de dispersar os fantasmas e ocupar o tempo.
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