
5 minute read
MANIFESTO CONCEPTISTA
Nihil videt per speculum et in aenigmate, sed facie ad faciem omnia intuetur (Abelardo)
Somos artistas Conceptuis-Conceptistas.
Advertisement
Há que entender o conceito, e o uso das metáforas num âmbito mais vasto. O conceito etimologicamente implica predação e manducação. O conceito, seguindo Nietszche, é um caso de catacrése, de metáfora morta, ou seca, um pouco como o presunto e os chouriços (faz parte das palavras sujeitas aos fumos que as secam e conservam). Os conceitos são as redes de metáforas mortas que constituem o pensamento abstracto. Esse pensamento é desritmado (é uma forma de prosa) e em boa parte descorporalizado (ou se preferirem, sublima o corpóreo na isca teorética). No conceptismo o conceito é a chama dos encontros verbais. É não só analogia essencialista, como na filosofia, como relação entre metáforas e metáforas, conceitos e conceitos, e metáforas e conceitos.
Queremos explorar o filão da estética barroca em relação com a estética serial-conceptual americana.
O que é interessante no conceptismo é a fulguração das pontas e das agudezas, o que supõe quer o in-génio (ou engenho) como carácter inato e astuto, cassim como a exercitação retórica. O witt.
Coexistem em nós contrários: a elipse-hipérbole, o Barroco-Primitivo, (ou o Natural-Artifícial), Duchamp-Picasso. Estamos interessado nos aspectos literários de Duchamp e Picasso. Algo os une.
A arte como pulsão + proceesso + Ideia Lapidar + Florido — pedras que se fazem flores que se fazem pedras que se fazem flores.
Somos conceptualistas de cama — é de manhã, ao acordar nos surjem a maior parte das ideias enquanto não nos levantamos. O pensamento deitado. O pensamento como devaneio. O pensamento quando se caminha. O pensamento quando se anota. O pensamento quando se parodia e quando se refuta. Aceitamos o filão dos dicionários e enciclopédias como paródia do trabalho pretencioso de Kosuth. Kosuth ofereceu-nos borrachas — borrachas para apagar dicionários. Gostamos das definições (tautológicas também), do saber condensado, das relações verbais e diagramáticas, das ilustrações que acompanham os dicionários. Sempre nos deleitaram os dicionários ilustrados e as enciclopédias. O que testemunha uma pulsão pela interface alegórica entre imagens e defenições. Usamos o Larousse (de que o Lello era uma versão Portuguesa), o Hobson-Jobson, a Enciclopédia Britânica, o Monier Williams, o Bleauteu, o Johnson, etc.
A obra visual-literária dos escritos do Picasso pode muito bem ser aplicada às ferramentas conceptuais. De algum modo Picasso é afim de Arno Schmidt no Zettel’s Traum. Fazer um Zettel’s Traum em interior de arquitectura — seguir os passos de Bernardete Bettencourt. Ou de outra maneira, fazer um Merz Baum menos complicada e mais ornamental.
Uma antologia de falsos romances conceptuais, ou de Selected Pseudo-writters. Antologias de sistemas, antologias de art worlds. O Selected Art World. O Selected Art World Fiction como projecto.
A linhagem Duchamp, o witt, o jogo de palavras que abre, o lúdico. A tradução, livre, auxiliada, fiel ou desvirtuada é fundamental. Assumimo-nos, em boa parte, como tradutores (viver é traduzir) — traduzir a arte contemporânea em antigo, e a cultura e o pensamento antigos ou não-ocidentais em contemporâneo (actual). Traduzir a arte americana em «europeu», em sul-americano, etc. Assumir os grandes filões culturais (China, India, Suméria, Greco-romanos, etc.)
Voltar a Shakespeare (e despoletar os processos seriais Pessoa-Llansol, mas em art world). Hamlet como condição do artista contemporâneo poeta — teatralidade pop. Mas como? Insistir nos 3 pontos: FALSIFICAÇÃO, TRADUÇÃO e VARIAÇÃO.
Acolher um bom número de apetecíveis variações (a variação é infinita). Ser contemporâneo é acolher e combinar variações agora.
Em muitos textos e pinturas que foram lambidos/corrigidos há fragmentos ou versões que podem ter sido melhores do que o que ficou. Das notas à obra.
A arte mais do que poética é um poetar que sugere poéticas.
Genealogia por antecipação — Broodthaers, Arno Schmidt, Finlay, Baldessary, Haroldo de Campos, Álvaro de Campos, Marcel Duchamp. Lewis Carrol, Herberto Helder, Baltazar Grácian, Emilio Villa, Rothemberg.
Entrar numa exposição como num livro complexo que contém bibliotecas.
Not Boring (ou Boring), Sexy, Fake, Confessional, Auto-Irónico, Retórico, Divertido.
Bad Grammar, Solecismos, Mistoqueros (Batarda), Combining (combines de Rauschenberg).
Folhear como arte — o aperçu.
Desenvolver o Museu Ambulatório das Teorias de Arte (o MATA/AMAT) — MUITO IMPORTANTE. E em força!
Instalações com rasuras, anotações, recontextualizações.
O caminho dos dicionários, o caminho dos antigos tratados. O dicionário é o local privilegiado dos conceitos. Dicionários de estética. Dicionários ou léxicos de fins de livros (Bateson, Watzlavicz, Morin, etc.). Thesaurus. Dicionários para traduzir.
O nosso conceptualismo é anti-essencialista. Trata-se mais de entender as definições e os conceitos como redes activas de significado que solicitam outras relações, do que de se cingir ao significado como sinónimo de essência.
Colecções de vidas de artistas ou de poetas. Recolhas, sumários. O carácter novelístico. As ficções ensaísticas como em Savinio. A escolha de genealogias e de predecessores. A escolha por intuição antes de constituir vera influência. A deformação dos antepassados. Vidas como as dos trovadores provençais. Les seules bonnes copies sont celles qui nous font voir le ridicule des méchants originaux. Escreveu La Rochefoucauld. Uma cópia de um artista conceptual tem grandes hipóteses de ser melhor que os seus entediantes originais.
Depois de Duchamp a arte é uma exercitação literária que recai sobre objectos e espaços menos limitados. A tipografia tornou-se um aspecto essencial dessa prática literária afim da lápide ou do aforismo. O espaço entre as artes e a poesia fez-se quase nulo, embora poucos se tenham aproveitado disso.
Exposições-poemas, exposições-inscrições, exposições-jardins, exposições-arquitecturas, exposições-casas, exposições cidades.
O conceptismo sendo aparentemente um fenómeno literário ibérico, e que não anda longe de algumas teorias italianas sobre o concetto (Pietro Pallavicino, Mateo Peregrini e mais tarde Emanuele Thesauro), estende a sua influência ao espaço que hoje designamos America Latina. Sente-se-lhe, a contra-corrente, a influência francesa mas que nunca lhe chega ao gosto. A impaciência italo-ibérica está no seu cerne.
Architectura-Tatoo.
Utilizar biografias e teorias da biografia como modelo para forjar presumíveis autobiografias. Biografias em notas. Notas a outras biografias e auto-biografias. Factos por vezes confusos (nas datas, na memória). A memória, à medida que envelhecemos, torna-se um pouco incerta, logo, mais falsificável (como diria a Augustina).
Somos de fora cá dentro. A insegurança nunca nos abandona.
Para aprender a desaprender é necessário desaprender a aprender.
A arte é aquilo que os artistas fazem contra os outros artistas para se tornarem artistas.
Há arte e arte. Há rir e Voltaire.