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EM BUSCA DO SURREALISMO PERDIDO

As Pinturas de m. david cabra na galeria Azeredo sampaio

A Psicanálise não derrotou o Surrealismo. A lobotomia que foi o antisurrealismo e o novo racionalismo apenas me leva a penetrar mais profundamente nas paisagens interiores. A descoberta de que regiões do cérebro têm determinada actividade e de que as ligações sinápticas explicam algumas viagens de impulsos neurotransmissores ou de que uma zona dos miolos processa determinado mecanismo é-me perfeitamente indiferente quando viajo pelos infernos e paraísos ilimitados possíveis. Podia ser no joelho. No TEU Joelho? Queres um tiro no joelho?

Toma lá com uma pintura no meio dos olhos!

O surrealismo foi tomado como refém para instalações contemporâneas sem já se fazer referência a este mortificado movimento. O Surrealismo é também ele realismo, tanto literal como transfigurado.

O Surrealismo não foi perdido, ele está por toda a parte: na política, no Ballet, nas artes aplicadas, nas casas de emigrantes, nos sorrisos dos banqueiros... É verdade que certo surrealismo se tornou penoso em pouco tempo, que as perspectivas aceleradas e miasmas fundentes foram fazendo parte de um vocabulário cansativo, que muitos colegas meus mudaram de linguagem, alguns até chegaram a fazer repousantes lobotomias minimais e vogaram num eterno Om em direção ao total repouso, o Não-Ser ideal, a Não-Vida pacífica da Não-Totalmente-Morte.

Eu nunca navegarei para mares de especulações axiológicas nem em determinismos bochechudos! Seja bem vindo quem vier por bem ou por mal, desde que venha do mais completo desconhecido, da maior distância possível, de outros Mundos, Outros Mares, Deuses, diabos, risottos de cerebelos belos e tudo o que vier à mente do demiurgo. Mas é esse material que é importante, não as antenas-bigode do artista impressas em folhas de sala acompanhadas por um texto vomitado pelos seres bem pensantes, infernais parasitas de uma sociedade Com-Licença-Desculpe-Mas-Não-Deve-Ter Visto-O-Anúncio-«É Proibido Fumar».

As minhas pinturas fumam os espectadores, os espectadores são fantasmas nebulosos pensados pelas figuras das minhas pinturas.

Portugal colónia Interna e Externa (Galeria Nefertiti, Cuba).

Um povo sem passado é um povo sem presente. Esta exposição de Walter Campaniça redescobre todo um imaginário imbecil e erudito, desde a caricatura até ao Horror em supremo grau dos terríveis boçetos de Chapada Fernandes até à abstração de um Lopo Carmo (Sinphonia Maubere em G Maj.)

Desde o estilo Manuelino até aos cromos de raças do Mundo da editora Verme Juvenil, passando pelas exposições do Mundo Português e do Museu de Etnologia, colónias no Barroso e casas de emigrantes, perguntamo-nos porque é que esta exposição ainda nunca tinha sido feita.

A evidência de uma profunda falta de curiosidade por si próprio é no entanto uma característica endémica do português, o único povo no mundo com um índice de DNA Neanderthal acima dos 3%.

Este país é uma enorme Sala de Espera, terá dito a certa altura Walter Campaniça. Mas é também uma enorme sala de esperma, terá afirmado horas mais tarde depois de um silêncio pesado e infinito.

Já não estávamos à espera desta inacreditável exposição, tanto mais inacreditável como toda ela feita de pura especulação mística. O Autor não acredita na Arte conceptual como uma resposta válida para o trilema contemporâneo. Acredita antes, com Teofrasco (inventor do DDT) no antimónio da alma e no perdurar genético das dívidas fiscais.

A saga cantada por Camões é aqui redimida por um espírito do nosso Presente. Um presente para todos os que têm fome de Pátria. Esta é uma Arte do Presente por oposição à Arte contemporânea ou mesmo transcontemporânea.

Aqui condensados estão os nossos impulsos de conquista e descoberta, explicados os nossos profundos receios a uma ligação permanente com a nossa própria terra.

Angústia paralítica, a ânsia de fuga pela cultura do Outro, que olhamos com um olhar de criança, tentando continuamente apagar as nossas pisadas imortais.

Quanto à Helade... Portugal é que é a antiga Grécia e a Atlântida. É também a origem do primeiro alfabeto (gravuras do Alvão, 6000 a.C).

As tragédias gregas são piadas de urinol comparadas com as piadas de urinol portuguesas.

As verdadeiras ruínas gregas foram utilizadas em Portugal para a edificação de casas modestas e rurais, pelo que pouco delas sobra mas tudo na matéria dos nossos velhos edifícios se agita em urros de uma nobreza arrepiante.

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