A Consciência do Mundo

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A ConsciĂŞncia do Mundo

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Edição: edições Vírgula ® (chancela Sítio do Livro) Título: A Consciência do Mundo Autora: Maria do Carmo Chaves Capa: Patrícia Andrade Paginação: Sítio do Livro 1.ª Edição Lisboa, Setembro de 2015 ISBN: 978-989-8821-09-6 Depósito legal: 397328/15 © Maria do Carmo Chaves PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO:

Rua da Assunção, n.º 42, 5.º Piso, Sala 35 1100-044 Lisboa www.sitiodolivro.pt


Maria do Carmo Chaves

A ConsciĂŞncia do Mundo



INTRODUÇÃO

Desde há algum tempo que me propus escrever textos e poemas numa tentativa de aproximação do outro. Cada pessoa com quem me vou cruzando incita-me a escrever para informar sobre o modo de aperfeiçoar as nossas afectividades, as nossas emoções, porque são elas que fazem mover o mundo em que vivemos. Toda a mudança surge na nossa existência e é, primeiro que tudo, fruto da consciência, que é a arte de reconquistar a vida através da organização dos conteúdos mentais, que são levados para o cérebro de cada um de nós e que o cérebro organiza e arquiva. Foi com essa intenção que escrevi O REFLEXO DA ALMA e UM JEITO DE AMAR A VIDA. Este livro que agora vos trago, A CONSCIÊNCIA DO MUNDO, consta também de pequenos textos e poemas em que procurei dar a conhecer, sobretudo, o avanço das neurociências nos últimos 40 anos. Informei-me em livros e revistas da especialidade que se encontram facilmente no mercado. Consultei obras de António Damásio, Jon Kabat – Zinn, Edgar Morin, Boris Cyrulnik, Jean-Claude Kaufmann, Eduardo Lourenço, e tantos outros que me informaram sobre a investigação e a reflexão, sobre a interacção das novas ciências da mente consciente que influencia a cultura dos povos. Servi-me também da poesia e fui beber ideias a Fernando Pessoa, Sofia de Mello Breyner Andresen, Daniel Faria, António Gedeão, Maurice Pergnier, Vinícius, José Gomes Ferreira, e tantos outros poetas que me fazem companhia nas estantes da minha biblioteca. 7


Julgo que estamos no início de uma verdadeira revolução de ideias e de práticas, como comenta Christophe André, no último livro de Zabat-Zinn. «É uma iniciação à meditação, mas também um pouco como um curso de Física de Einstein, ou como uma leitura do Evangelho pelo Papa Francisco». Espero que o livro vos interesse e contribua para um melhor conhecimento de uma nova era que estamos já a construir. É preciso conhecer, como diz Morin, «a complexidade deste movimento para reformar o pensamento» face à crise contemporânea, e também mundial, estimulando as ideias e o dever de saber do conhecimento, do pensamento e da reflexão. Desde já os meus agradecimentos pela vossa atenção; que no momento em que embarquem nesta aventura possam melhorar a vossa vida e o vosso trabalho, instante após instante, dia após dia.

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RAÍZES DO PENSAMENTO, POEMAS DA UTOPIA

A mente é o trabalho dinâmico e incessante do cérebro e com ele se constrói o pensamento. Através das imagens e dos seus mapeamentos e composições, recolhem-se os sinais que são enviados pelo corpo em resultado da comunicação com o mundo que nos rodeia. É assim que se constroem as raízes do pensamento armazenadas na memória de cada um. Deste modo se cria a identidade que nos distingue uns dos outros e se constrói o nosso Si ou, como nos ensina Damásio, através do Livro da Consciência, o Eu. O cérebro criador da mente e, ao mesmo tempo, conteúdo deste processo mental é pertença do corpo físico onde habita. O cérebro é um prodígio fascinante de descoberta, de renovação, de simulação, de estudo e de compreensão cada dia mais alargada pelas neurociências; há outras ciências que se ocupam de áreas como a psiquiatria, a psicologia, as emoções a consciência, o sentido do Belo e de tantas mais que com elas se cruzam.

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Utopia é tudo o que não está em lugar nenhum. É sonho, um conceito do mundo de cada um. As palavras fazem-me olhar o mundo com poesia e siso. Nunca as encontro tão belas como queria Para dizer o que me encanta e me traz alegria. Escuto agora a voz da Gal, como um regato que corre Na direcção do mar. O recorte da palavra que morre Na sabedoria do canto, na delícia e nobreza Com que entoa a nossa língua, em correnteza Caudalosa como chuva selvagem de verão, Cada palavra certa que afaga e embala o coração. Utopia é também sonhar e querer um mundo melhor, Imaginar como Platão ou Santo Agostinho, Uma cidade de Deus, um prazer terreno e divino. Utopia é o meu conceito para a minha poesia. É o traço que ponho quando penso em ti, em cada dia.

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PODER MOVER-ME E CRIAR O MEU PENSAMENTO É CONSTRUIR UMA VIDA. É MARCAR A MINHA IDENTIDADE, O QUE DE MIM FICA, NA HORA DA DESPEDIDA. Enrolada, meio-morta, a folha caiu em cima da mesa. Olhei aquele pequeno embrulho de tristeza Que me foi oferecido por um raio de sol que a soltou Das folhas brilhantes da árvore, coalhadas pelo astro que a enviou. Tenho o coração seco e não sei encontrar espaços de silêncio Onde arrume toda a tristeza que me vence e não leva a nada. O mundo virou montra onde desfilam manifestações de vida perturbada. De vez em quando, há um ar musical que vem de mansinho E me empurra para o sonho, me deixa vaguear por entre passos do meu caminho. Sobressalto-me com a saudade do carinho que não dou e que a saudade me traz, Mas de receber sem dar uma resposta sou incapaz, porque fico em dívida para comigo. O absurdo, a confusão, o apagamento que me perturba a vida Faz-me perder as emoções, desadapta-me o corpo, fico de alma entorpecida. Volto aos espaços de silêncio, imagens que se desvanecem sem ruído. Olho a paisagem que me envolve e me convida a dormir, Vida vegetativa, reflexo ou suposição de mim, como espuma a fugir A cada novo pensamento que cria um estado de alma, o aviso de estar vivo. 11


Uma permanente vida celular que me permite ser eu, mesmo quando o desdigo. Um murmúrio ritmado que conservo na memória e me acalma Vem do parque cheio de movimento de seres animais e vegetais. Acorda-me para a exterioridade vazia e passageira da vida de todos os mortais. Às vezes dá-me vontade de pôr a alma a respirar, Deixar que parta para fora de mim para a ver voar. Seguir no céu, como um suspiro de nuvem, Ou nadando em lagos que se abrem no céu espumoso Transformando o meu pesado corpo em ar, espírito venturoso. Sair por aí, até à Via Láctea, e misturar-me com outras criaturas Tão distantes de mim, pertença da consciência das alturas. Afastar-me nem que fosse por um dia da sinfonia dos sons, das melopeias Que me deram para conviver com os outros, de ideias cheias. Num repente, a alma a respirar como o vento, rasgando, abrindo farrapos E transformando o mundo em que vivo numa bola de trapos, Descarnava-me e passava a ser um espírito diáfano, disforme Que desconhecia, por não ser de matéria feito, um enorme Adamastor. E, num absurdo ainda mais perfeito, ser criação do próprio amor Dum deus que criou um Cosmos para eu morar assim, neste paraíso enorme. 12


A LITANIA QUE FAZEMOS COM O DIA-A-DIA QUE VIVEMOS

Olho-te enquanto me falas de uma qualquer coisa trivial. O que escuto é o que vejo, são os gestos da tua face sempre desigual Que me diz como és, o que queres de mim, ao falares assim. Por isso, às vezes repito o que já te tinha dito. Mas, se me perguntares o que registei, o que me lembra e vi no teu olhar, Isso eu sei dizer-te num instante e é isso que conta para te dar. A conversa pode sair mesmo adversa, porque te escuto pensando só em ti. Para te conhecer, tudo me interessa e nada me prende. Aí, minha alma sorri Como uma criança inoportuna que me distrai e não me deixa pensar. E é nesta lenga-lenga que vou desfolhando com os outros, Que o mundo, a ladainha da comunicação, às vezes nos põe loucos. Deixo de ser dona das minhas horas, perco-me em amabilidades, Por vezes preocupada com gente que pouco me diz, sem curiosidade. Mas lembro com saudade palavras, carinhos, afectos que me deram há anos. Esses, eu não esqueço. As palavras foram, mas o resto alimenta os meus enganos.

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Depois nos meus poemas escrevo o que sinto para que o sentir seja já passado Como, quando era jovem, tricotava ou bordava com o pensamento noutro lado. Hoje revivo as sensações de férias gostosas, os mares de rosas, paisagens de luar. Esqueço rendas e fatinhos de bebé, como se fossem cartas de um baralho por dar. Desenrolo nova meada e escrevo sempre, enleada neste meu modo de amar Renovado, como se construísse figuras com pedaço de cordel que tecia Com as mãos espetadas, lançado e entrelaçado entre os meus dedos. Crio imaginados amores, príncipes encantados, amores alados Que os meus sonhos embalavam deixando-me enamorada da vida. A miséria da minha condição humana, assim estouvada, só hoje eu a sinto. Amar e ser amada é coisa apenas dada aos deuses. Com os mortais, eu minto.

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O ABSURDO DO MUNDO QUANDO O CORPO SE TORNA ESFINGE FALSA, SEM SABERMOS O QUE SOMOS

No recôncavo da duna, acoitados de um vento acutilante, Gozávamos a nossa amizade, um amor amante. Passava os meus dedos pelos teus cabelos, com carinho, Enquanto tu olhavas para a sombra da minha alma, sozinho. Sentias a inconstância do desejo, o abismo do ser, A distância que medias em cornucópias de afectos, de ter ou não ter. Havia apenas o som cadenciado do mar como ruído de fundo E esse vento infernal que não me deixava acompanhar o teu olhar profundo. Sonhava outros sonhos, amores adolescentes, subterfúgios de infância, Muros de audácia absurda, que eu procurava na ânsia De te conhecer melhor e saber o que era amar-te. Traçava armas em noites calmas, estiolava em palavras sem nexo Porque precisava de me encher de amar, de viver com os meus afectos. E nessa tarde em que o Sol ia caindo, ou uma Lua no céu ia subindo, Pouco me importava o que se passava. Cavaleiro na volta da estrada Da vida, reminiscências ou presente não partilhado, mãos lassadas Deixando o tempo correr. Contigo era então um tempo de negras áleas vividas Gestos e atitudes do que somos ou fomos, almas de amar desprevenidas. 15


QUANDO VIVEMOS MAS NÃO SENTIMOS A VIDA FICAMOS DE ALMA PARADA, PERDIDA.

Quem dera que os sonhos fossem sentidos Como acontece com a fome, a dor, o calor, que são vividos. Se tenho fome é porque devo ou quero comer, É um sentimento que me alerta para a vida até morrer. A música faz-me sonhar, um sonho vigilante que procuro agarrar Quando me agrada, num instante. Tenho até a capacidade de repetir O que me fez sentir: se melancolia, se paixão, se fantasia. Mas o sonho, aquele que é a nuvem que vagueia no meu sono, Que eu vejo sem saber porquê e que não domino Porque sai e entra por meandros, em desatino, Deixa-me um sentimento ou uma emoção que procuro descrever Mas que não racionalizo, não sei pôr em equação. Essa é uma sensação do não-vivido, só conhecido da alma que o produziu. Absurdo, talvez uma esfinge falsa de mim, mas que me persegue, me domina, Me empurra e me enche de esperança falsa perante o real – também sonho –, Que me dá caminhos de vida, sem sinal de saída. É tão bom poder assim sonhar, fantasiar, criar meu pensamento poético Dando cor à luz que a não tem, à flor que se desfolha e à qual dá vida, Aos amores que construo ou destruo quando me sinto traída. 16


Esta minha folia é pura porque, sendo emoção, não minto, Parte cá de dentro, modo de vida com que me alimento, Construo-a à minha maneira e sei que é obra só minha, Porque cada emoção é uma personalidade e um estado de alma Que me pertence, faz parte da minha intimidade que só sei que tenho, Mas desconheço. Não me interessa escrever sobre o que me é consciente, Isso não me satisfaz, é o que sabe, ou não sabe, toda a gente. Estados de alma são provas de que somos mais do que só gente Que vive e que morre até de repente. Que vida é a deles, aquela que não se lembram que têm dentro de si, Que lhes permite estar aqui, neste mundo, enquanto a vida o quer? Viver é mover-se, é participar, é alquimia e ciência celular Que nos deixa ser alguém, ser gente de corpo inteiro, Mas, se o pensamento, se o fio condutor do destino Que trazemos em nós desde meninos falta, e deixamos de poder organizar a energia, A combustão celular, aquilo que é a matéria do universo e a ele torna, Então não somos nada. Ficamos de alma parada.

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