A Utopia Antecipada acão directa na educação em direitos humanos
FICHA TÉCNICA edição:
Edições Ex‑Libris ® (chancela Sítio do Livro) A utopia antecipada. Ação direta na educação em direitos humanos autora: Giancarla Brunetto título:
Revisão: Giancarla Brunetto tradução de notas prévias: Cassandra Brunetto arranjo de capa: Patrícia Andrade desenho de capa: Leandro Michels fotografia na contrapaca: Rómulo Duque paginação: Paulo S. Resende 1.ª edição Lisboa, Julho 2014 isbn:
978‑989‑8714‑14‑5 377562/14
depósito legal:
© Giancarla Brunetto publicação e comercialização
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A Utopia Antecipada acão directa na educação em direitos humanos
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Bem Querer “A rosa não tem por quê; floresce porque floresce. Não se importa consigo, não indaga se é vista.” Angelus Silesius As ideias aqui se expressam em palavras e imagens, no texto e além das margens, na ciência que a sapiência não passa de incipiência. Para Thomas, Bruninho e Rafaela Snow e Duque “Que maravilha! Quantas criaturas graciosas temos aqui! Como são belos os humanos! Que admirável mundo novo, onde tem dessas pessoas magníficas!” Miranda, em A Tempestade, de William Shakespeare Para todas as pessoas que escrevem aqui sobre as existências distópicas e as vivências utópicas, minha gratidão e admiração. “Essa é uma história que comporta o relato de seus acontecimentos Um pouco a cada dia, e não é narrativa que se esgote num café da manhã” Próspero, em A Tempestade, de William Shakespeare Para os amigos da Liga dos Direitos Humanos, os ministrantes, participantes, apoiadores do Itinerantes, os amigos dos direitos humanos, os meus amigos “Faça o que quiser!” Rabelais
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Educação e direitos humanos são dois recortes de um mesmo processo civilizatório, considerando a essenciali‑ dade de um para com o outro. Em “A utopia antecipada. Ação direta na educação em direitos humanos”, Giancarla Brunetto destaca a inovadora política de ir ao encontro dos “agentes educacionais” onde eventualmente se encontrem, visando assim a qualificá‑los e muni‑los de conhecimentos fundamentais em matéria direitos humanos. Assim, cumpre assinalar a importância da estratégia inovadora deste tra‑ balho, tratando de forma concomitante direitos huma‑ nos e educação, eis que o atual contexto histórico exige de modo categórico uma reflexão profunda, com a participa‑ ção também da Academia. Parabéns, Giancarla! Com a pre‑ sente obra você nos enche de orgulho e esperanças em dias melhores em relação à observância aos direitos humanos. Jair Krischke Presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos Porto Alegre Brasil
O show tem que continuar?
A utopia antecipada. Ação direta na educação em direitos humanos analisa os resultados da ação “Itinerantes” para promover a educação em direitos humanos em 19 municí‑ pios no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. A ação direta aponta para as iniciativas de educadores itinerantes (“Os Itinerantes”) para buscar os alunos onde quer que eles estejam ‑ nas dimensões geográfica, social e educacional ‑ e transformar espaços não‑tradicionais em arenas educati‑ vas. A educação em direitos humanos foi implantada por meio de aulas abertas, debates, rodas de conversa, narrati‑ vas e filmes, com o objetivo de criar momentos de formação para desmantelar a sociedade do espetáculo e da distopia que o Estado tende a reforçar, com o uso da violência ins‑ titucional. Os educadores itinerantes em direitos humanos buscam as vivências dos alunos, registrando seu discurso como forma de conscientização transformadora em futuras ações educativas. Propõe‑se que a educação direta em direi‑ tos humanos promoverá a revolução educacional e social.
The dawning of early utopia. Direct action in human rights education analyzes the outcomes of the Itinerant “Wanderers” action to introduce human rights education into 19 municipalities in Brazil’s Rio Grande do Sul State. Direct action points to the iniciatives of Itinerant educa‑ tors (Wanderers) to seek students where they are geogra‑ phically, socially, and educationally and to transform non ‑traditional spaces into teaching arenas. Human rights education was implanted through lectures, debates, dialo‑ gues, narratives and films, with the objective of creating teaching moments that dismantle the dystopic society of spetacle that the State tends to fortify by institutional vio‑ lence. Human rights itinerant educators solicit the lived experiences of students, recording their discourse which is transformed into consciousness raising teaching in future classes. It is proposed that direct human rights education will promote educational and social revolution.
EM SUMA Notas prévias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 Apresentação, prolegômenos ou... “Não basta conquistar o mundo. É preciso recriá‑lo” (grafitti em Chiapas) . . . . . . . . . . . 25 Avant‑propos O real é o visto ou o noticiado? . . . . . . . . . . . . . . 39 1. Na res publica, lugares se visibilizam e discursos emergem . . . . 49 1.1 Topos, Utopia, Heterotopia, Distopia, Paradoxo . . . . . . . 51 1.2. Que Estado é este? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 2. Na arena, o problema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 2.1 Na sociedade do espetáculo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 2.2 Na distópica sociedade espetacular . . . . . . . . . . . . . . . 101 3. Construir a ponte: educação e direitos humanos . . . . . . . . . . . 125 4. Itinerância em direitos humanos, a utopia antecipada . . . . . . . 133 4.1 Os personagens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151 4.2 Os sujeitos de direitos: Réus, Ilhéus, Perseus, Sísifos . . . . . 159 4.3 Itinerantes, educando em direitos humanos: uma análise do paradoxo, do espetáculo, da distopia e dos sujeitos de direitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 194 POST SCRIPTUM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 204 ESTANTE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217 a) Livros e Artigos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217 b) Documentos e Legislações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227 c) Sites de pesquisa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227 d) Links de filmes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 228 APOSTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 230 GAL ERIA DE IMAGENS: Itinerantes dos Direitos Humanos no Estado do Rio Grande do Sul . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 271
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Notas prévias A brief comment on Giancarla Brunetto: A utopia ante‑ cipada. Ação direta na educação em direitos humanos. The title entails four elements, utopia, direct action, education and human rights. Why to bring them together, for what goal to bring them together and how to proceed in order to bring them together? To answer this question, one needs a social diagnostic. Given a social diagnostic concerning a social disease, the very answer will constitute a social therapy for the disease at issue. The essay has got its social diagnos‑ tic from the 1967‑book “La société du spectacle” by Guy Debord, a diagnosis having a lot in common with Marcuse (the one‑dimensional man) Adorno (there no true life within a false one) or later with Baudrillard (society as simulation). Debord focuses on a total shift from authenticity to acting for each of us in a drama completely deprived of any sense. Giancarla Brunetto interprets Debord as giving a descrip‑ tion of a dystopia in the sense of what contradicts utopia. What about the therapy? The moral push of the norma‑ tive common denominator of modern societies, i. e. human rights taken seriously. Giancarla Brunetto does not give an analysis of what matters in human rights – freedom and
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well‑being of each person – but she understands the tea‑ ching of human rights as the very utopia we may realise. Her approach is not a fictional, but a real one, for she has contributed a lot to act within the network of direct edu‑ cational action in Rio Grande do Sul, Brazil. In my view, it constitutes a bitter criticism of what really happens in cer‑ tain democracies, when the core of democratically shared values become a matter of utopianism to be realised by education. Understanding human rights as a utopia to be made real by direct educational interaction is to observe a state of democracy as a state of suffering. As far as I can see, this observation is the essay’s main message.1 Prof. Dr. Bernhard H. F. Taureck Res Publica. Politisch‑philosophische Akademie Alf Germany 1
Um breve comentário sobre Giancarla Brunetto: A utopia antecipada. Ação direta na educação em direitos humanos. O título implica quatro elementos: utopia, ação direta, educação e direitos humanos. Por que reuni‑los, qual o objetivo de reuni‑los, e como pro‑ ceder a fim de aproximá‑los? Para responder a esta pergunta, é necessário um diagnós‑ tico social. Dado um diagnóstico social relativo a um mal social, a própria resposta cons‑ tituirá uma terapia social para o mal em questão. O ensaio tem seu diagnóstico social, a partir do livro de 1967 “La société du spectacle”, de Guy Debord, um diagnóstico que tem muito em comum com Marcuse (o homem unidimensional), Adorno (não há verda‑ deira vida dentro de um falso) ou com Baudrillard (sociedade como simulação). Debord se concentra em uma mudança total da autenticidade de agir para cada um de nós, em um drama completamente desprovido de qualquer sentido. Giancarla Brunetto interpreta Debord ao dar uma descrição de uma distopia, de modo que contradiz a utopia. E sobre a terapia? O impulso moral do denominador comum normativo das socieda‑ des modernas, por exemplo, os direitos humanos levados a sério. Giancarla Brunetto não dá uma análise do que tratam os direitos humanos ‑ a liberdade e o bem‑estar de cada pessoa ‑ mas ela entende o ensino dos direitos humanos como a própria utopia que podemos perceber. Sua abordagem não é uma ficção, mas uma abordagem real, pois ela tem contribuído muito para agir dentro da rede da ação educativa direta, no Rio Grande do Sul, Brasil. No meu ponto de vista, constitui uma crítica amarga do que realmente acontece em certas democracias quando o núcleo de valores com‑ partilhados democraticamente tornar‑se uma questão de utopia a ser percebida pela
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A obra registra o projeto Itinerantes, uma daquelas experiências genuínas que ficará como referência de edu‑ cação não‑formal em direitos humanos no Brasil. Os edu‑ cadores itinerantes viajaram por 19 cidades do Estado do Rio Grande do Sul realizando ações diretas de EDH em praças, cinemas, escolas, associações... onde pudessem. Conversaram sobre direitos, organizaram trincheiras de solidariedade, fecundaram esperanças e lutas de transfor‑ mação do mundo próximo, antecipando a utopia de um outro mundo distante, porém, possível. Essa orquestra – formada por colaboradores e militantes dos DH – tem uma maestrina incansável, criativa e com olhos nos livros... , mas com os pés na estrada: Giancarla Brunetto. Clodoaldo Meneguello Cardoso Presidente do Observatório de Educação em Direitos Humanos da UNESP Bauru São Paulo Brasil Human rights have been violated long before the con‑ cept of “human rights” was coined. Since their concep‑ tion, and even since their codification (itself incomplete) in 1948, human rights have been violated frequently, and in many places. What exactly they are, or in what they can or should be “founded” remains an open and aca‑ demic question. How human rights can be made part of legal systems, connected with possibilities to enforce them in tribunals etc., is a judicial and political question. How human rights violations can be addressed and counteracted is a practical question that can involve people in all walks of life and everywhere in the world, from politicians who make the fate of indigenous people part of their agenda to educação. Compreender os direitos humanos como uma utopia a ser concretizada pela interação educacional direta é observar um estado de democracia como em estado de sofrimento. Tanto quanto eu posso ver, essa observação é a mensagem principal do ensaio.
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individuals who write letters to prisoners of conscience all over the world. And everything in between. A world free from human rights violations is, strictly speaking, not impossible. Any concrete violation can exist or cannot exist, and a situation in which they all do not exist is thinkable. It is, to use philosophical language, onto‑ logically possible. However, it is at the same time highly unlikely, and we may call it utopian in the sense that we have no reason to assume that it will ever be the world we live in. This implies that the topic of human rights is there to stay, that people who actively engage in their protection and in the struggle against violation will always be impor‑ tant for the level of human civilization that we can enjoy worldwide, and that the testimonies and stories about human rights and their violations remain as important as they have ever been. They are part of what we may call “humanity’s critical memory” – and they range from the well‑known camp literature from Holocaust and Gulag to the private correspondence between prisoners and their relatives and friends. In her book A utopia antecipada. Ação direta na educa‑ ção em direitos humanos, Giancarla Brunetto offers an elabo‑ rate account and analysis of the activities of The Wanderers [Itinerantes] in the southern Brazilian state of Rio Grande do Sul. At the same time she combines this with a philosophi‑ cal approach in which she makes use of the ideas of Hannah Arendt, Guy Debord and many others. In this way, she is bui‑ lding a bridge between general philosophical considerations
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and principles and the concrete actions of engaged indivi‑ duals. Such a bridge is precisely what is needed.2 Evert van der Zweerde Professor of Political Philosophy, director of the Centre for Ethics, member of the Center for Contemporary European Philosophy at Radboud University, Nijmegen Netherlands 2
Os direitos humanos são violados muito antes do conceito de “direitos humanos” ter sido cunhado. Desde a sua concepção, e mesmo desde a sua codificação (ela própria incompleta), em 1948, os direitos humanos são violados com frequência, e em muitos lugares. O que exatamente eles são, ou o que eles podem ou devem ser “descobertos” permanece uma questão aberta e acadêmica. Como os direitos humanos podem ser parte dos sistemas legais, relacionados com possibilidades de serem tratados nos tribunais, etc, são uma questões jurídicas e políticas. Como as violações dos direitos humanos podem ser abordadas e combatidas é uma questão prática que pode envolver as pessoas em todas as esferas da vida e em todos os lugares do mundo, desde políticos que fazem o destino das comunidades indígenas parte de sua agenda, até os indivíduos que escrevem cartas para os prisioneiros de consciência em todo o mundo. E tudo mais entre isso. Um mundo livre de violações de direitos humanos, estritamente falando, não é impossível. Qualquer violação concreta pode ou não existir, e uma situação em que não existam é de se pensar. É, para usar a linguagem filosófica, ontologicamente possível. No entanto, é ao mesmo tempo altamente improvável, e podemos chamá ‑la de utópica no sentido de que não temos nenhuma razão para supor que ela será o mundo em que vivemos. Isso implica que o tema dos direitos humanos está lá para ficar, que as pessoas que se envolvem ativamente na sua proteção e na luta contra a violação sempre serão importantes ao nível da civilização humana mundial que fazemos parte, e que os testemunhos e histórias sobre os direitos humanos e suas violações permanecem tão importantes quanto sempre foram. Eles são parte do que podemos chamar de “memória crítica da humanidade” ‑ e que vão desde a literatura de campo do Holocausto e Gulag, à correspondência privada entre os presos e seus familiares e amigos. Em seu livro A utopia antecipada. Ação direta na educação em direitos humanos Giancarla Brunetto oferece um relato elaborado e análise das atividades dos Itinerantes no estado brasileiro Rio Grande do Sul. Ao mesmo tempo, ela combina isso com uma abordagem filosófica, na qual faz uso das ideias de Hannah Arendt, Guy Debord e muitos outros. Dessa forma, ela está construindo uma ponte entre as considerações filosóficas gerais e os princípios e as ações concretas de indivíduos envolvidos. Essa ponte é precisamente o que é necessário.
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Nenhum outro título poderia descrever melhor o estudo que Giancarla Brunetto nos oferece das acções educativas na área dos direitos humanos realizadas por um grupo de voluntários em Rio Grande do Sul. Utopia antecipada é a prova de que a educação, mesmo que promovida em espaços infor‑ mais é a via para a transformação da distópica sociedade ‑espectáculo em que vivemos. A receita passará pela subver‑ são do sistema, por passarmos de espectadores‑consumidores a membros ativos, contribuindo para a consciencialização de que todos – mesmo todos! – têm direito a uma vida digna, com os direitos fundamentais garantidos. Utopia anteci‑ pada é um farol que alumia um caminho de mudança – e mostra que todos nós podemos ser agentes da utopia. Fátima Vieira Presidente da Utopian Studies Society / Europa Recebi com muita alegria a publicação da dissertação de mestrado de Giancarla Brunetto, que atua há muito tempo com competência, dedicação e criatividade na Educação em Direitos Humanos no Rio Grande do Sul, como tive a opor‑ tunidade de conhecer de perto. O livro é agora resultado deste trabalho que alia teoria, prática e metodologias inova‑ tivas para tornar a Educação em Direitos umanos algo pra‑ zeroso, interativo e participativo, utilizando vários recursos. Parabéns, Giancarla, por esse magnífico trabalho que vou divulgar imediatamente entre os professores e mestrandos do nosso Programa de Pós‑Graduação em Direitos Humanos. Giuseppe Tosi Professor e Coordenador do Programa de Pós‑Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas da Universidade Federal da Paraíba João Pessoa Brasil Giancarla Brunetto apresenta‑nos nesta obra uma pers‑ pectiva de sociedade, e de homem, onde a ética do cuidado do “eu” está intimamente ligada à ética do cuidado do
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“outro”. Nesta dimensão ‑ e entendendo o coletivo como o con‑ junto das individualidades ‑ a autora o reposiciona no centro das relações humanas em busca de novas possibilidades de organização social e política que viabilizem a constituição de uma sociedade mais justa e fraterna. Argumentando a favor de uma utopia ética que pode ser antecipada, defende que a educação em direitos humanos é a fonte do reavivamento do sonho e da esperança em uma nova política social e huma‑ nitária que pode nos conduzir a um novo mundo. Maria Cristina Bortolini Professora da Faculdade de Educação da UFRGS Porto Alegre Brasil Giancarla Brunetto’s ground‑breaking research places democracy at the very center of classroom teaching and learning. Based on Brunetto’s working belief that political democracy cannot exist without grassroots democracy, she illustrates in A utopia antecipada. Ação direta na educação em direitos humanos the myriad ways that ethical democracy can be fostered in and through teaching. Having participa‑ ted in this process with Brunetto, I saw how her core values of equitable power, ethical choices, and conceptual learning joined to create a truly revolutionary approach to education.3 Martha K. Huggins Favrot Professor Emerita at Tulane University, New Orleans EUA author of Operarios de Violencia: Policiais Torturadores e Assassinos Reconstroem as Atrocidades Brasileiras (UNB), and “Tortura em Dez Lições” in Tortura na Era Dos Direitos Humanos, by Cardia and Astolfi (EdUsp) 3 A pesquisa inovadora de Giancarla Brunetto coloca a democracia no centro da sala de aula, do ensino e da aprendizagem. Com base na crença de trabalho de Brunetto, de que a democracia política não pode existir sem a democracia de base, ela ilustra em A utopia antecipada. Ação direta na educação em direitos humanos as inúmeras formas que a democracia ética pode ser promovida dentro e através do ensino. Tendo participado desse processo com Brunetto, eu vi como seus valores fundamentais de
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Este livro é a consequência do brilhante trabalho que Giancarla Brunetto desenvolve na concretização dos direi‑ tos humanos. Se as utopias são inatingíveis, também são o que nos move para continuar aperfeiçoando nossa humanidade. E o Itinerantes, do qual tive a honra de par‑ ticipar a convite de Giancarla, agora corporificado, imor‑ talizado e difundido mundo afora neste livro, é a prova de que nossa humanidade tem jeito, e de que o caminho é a difusão do respeito à Dignidade da Pessoa Humana por meio da Educação em Direitos Humanos em todos os espa‑ ços. Onde quer que estejamos, carregamos nossa humani‑ dade e devemos respeito à humanidade do outro, porque somos sujeitos da construção da humanidade de todos. Mauro Luís Silva de Souza Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul Porto Alegre Brasil Trabalhar na defesa dos direitos humanos é como vigiar as fronteiras. É estar alerta, pronto, preparado. É avan‑ çar e retroceder quando necessário. Giancarla Brunetto tem sido esta vigia incansável das fronteiras que mesclam o humano com aquilo que nos desumaniza. É uma criadora de espaços de luta pela dignidade humana. Foi assim que seu Itinerantes, hoje de todos nós, ganhou corpo e consis‑ tência. Foi assim que a conhecemos: ampliando as frontei‑ ras porque era hora, era o momento. Espalhou os sonhos de uma Educação em Direitos Humanos que hoje alimentamos para vê‑los reais e para que permaneçam para além de nós mesmos, enquanto resistência. Rosângela Werlang Diretora Acadêmica FISUL Garibaldi Brasil
poder equitativo, escolhas éticas e aprendizagem conceitual, se juntaram para criar uma abordagem verdadeiramente revolucionária para a educação.
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A pedagogia é uma arte pela qual o ser humano se distingue do ser animal, ensinava o filósofo alemão Immanuel Kant, nas suas preleções sobre a pedagogia (1803). E acrescentava que a pedagogia trabalha com a ambição de conduzir os educandos a um mundo melhor. É exatamente nesta linha que Giancarla Brunetto escreveu sua admirável obra A utopia antecipada. Ação direta na educação em direitos humanos. Apesar de todos os avanços econômicos, a sociedade brasileira está longe de ter superado atitudes racistas, de discriminação, marginalização, exclusão social, e tantas outras formas de violência. É verdade que a mídia tematiza isso tudo. No entanto, a maneira puramente iconográfica de fazer isso não contribui muito para superar os males e cla‑ rear o lado obscuro da vida social. À pergunta de como se pode diminuir a quantidade e a diversidade nas maneiras de violar os Direitos Humanos, Giancarla Brunetto dá a única resposta evidente :Pela educação! A autora vem praticando a educação na área dos direitos humanos durante quase uma década. Por muitos anos liderou um grupo de educadores que viajava pelas comunidades do Rio Grande do Sul fazendo as pessoas falarem sobre suas experiências de violação, dialogando com elas sobre possíveis vias de aliviar o seu fardo e procurando saídas de um sofrimento aparentemente sem saída. Depois disso iniciou e liderou dois cursos sobre Ética e Educação em Direitos Humanos na UFRGS, ocorrendo aos sábados, no qual participaram membros de órgãos civis – policiais e agentes penitenciários, advogados e educadores, professores e representantes de ONGs. A aprendizagem baseou‑se na visualização e debate de filmes, em preleções de especialistas convidados e em discussões animadas entre os participantes.
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A obra que o leitor segura nas mãos é a quinta‑essência destas experiências inéditas. Thomas Kesselring Professor da Universidade Pedagógica de Berna, Suiça Professor‑visitante na Universidade Pedagógica de Moçambique
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Apresentação, prolegômenos ou... “Não basta conquistar o mundo. É preciso recriá‑lo” (grafitti em Chiapas) Um livro sempre fala e aquele que diz (o autor) é sempre responsável pela escolha e apresentação dos fatos expostos, pelas opiniões que se expressam na obra e... necessariamente se compromete com aquilo que diz ou escreve. Como bem disse Spinoza, “... investigar a natureza das coisas é diferente de investigar os modos pelos quais nós a percebermos. Se confundir isto não poderemos enten‑ der nem os modos de perceber nem a própria natureza, pior ainda, o que é mais grave, por causa disto incidiremos nos maiores erros...”. Pensar direitos humanos no terceiro milênio parece um exercício de imaginação, quando não uma tendência inveterada e radical de tentar transcender o momento histórico, pois nos remete a uma ação de esco‑ lha, a condição humana oculta no curso da história que
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busca uma resposta para a situação do ser humano quando em convivência, quando em relação com o outro. A utopia antecipada. Ação direta na educação em direi‑ tos humanos ‑ título deste livro, como todo título, é redutor e não sugere as ambiguidades dos problemas que esta correlação pode apontar. O texto da autora Giancarla Brunetto propõe sinalizar ao leitor que na temática dos direitos humanos subjazem processos convergentes, específicos e complementares que precisam ser qualificados, visto que direitos humanos enquanto temática fundamental para a cidadania situam ‑se em posição instável e imprecisa, entre a filosofia, economia, a sociologia e a política. Assim como a autora deste livro, temos boas razões para provocar esta aproximação, principalmente quando se conhecem as ênfases que as mídias divulgam: os efeitos perversos e de ordem social provocados pelos excluídos sociais ou pelos rebeldes sonhadores, o que atingiu seu ponto máximo nas mani‑ festações de rua no Brasil, na Europa, na África, e de que é preciso, de alguma forma, se defender. “... Especialistas em racismo e xenofobia na Europa negaram que o continente esteja vivenciando uma explo‑ são de preconceito contra estrangeiros. Atos pontuais, afirmam, não significam que o problema seja maior hoje do que era há 50 anos, ao mesmo tempo em que as dife‑ renças nos mecanismos de controle das estatísticas em cada país impossibilitam, atualmente, qualquer comparação provando que a Europa está mais avessa aos imigrantes.
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Quando acontecem casos isolados, a indignação geral da população dá a impressão de que o problema está cada vez pior.” BBC Brasil. 01.05.13 “A crise econômica também provoca um aumento pon‑ tual das ocorrências de aversão a estrangeiros, uma vez que os próprios governos começam a adotar medidas protecio‑ nistas para conter os efeitos da turbulência. O exemplo mais recente é a greve “anti‑estrangeiros” dos trabalhadores de uma refinaria inglesa, ocorrida na semana passada. Depois de uma semana de mobilizações ‑ em uma greve que acabou motivando os empregados de outras 20 empresas do país, os funcionários da empresa Total em Lindey con‑ seguiram que a direção reservasse 50% das vagas para os ingleses.Em dezembro a Espanha, fortemente afetada pela crise, também registrou incidentes de xenofobia. ‑ É claro que um momento econômico delicado causa imediatamente repúdio a tudo aquilo que possa parecer uma ameaça. Mas tão logo as coisas voltem ao normal, todas essas demonstra‑ ções de preconceito também voltarão aos seus níveis habi‑ tuais em cada país”. Jornal do Brasil – 14.06.13. “O aumento dos casos de racismo e xenofobia na Espanha, em meio ao crescimento da imigração no país, tem causado preocupação na União Europeia. Segundo o Observatório Europeu do Racismo e da Xenofobia, órgão ligado à União Europeia, a cada ano são 4.000 casos de agressão motivados por discriminação no país. A organi‑ zação também diz que o número de neonazistas identifica‑ dos na Espanha subiu de pouco mais de 2.000 em 1996 para 10,5 mil no ano passado. O aumento da imigração também deixa mais claras as divisões na sociedade espanhola e, neste fim de semana, grupos de direita e de esquerda rea‑ lizam eventos em Madri para se manifestar sobre o tema. Segundo um informe de um órgão ligado ao Conselho da Europa, a Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância, a Espanha está entre os cinco Estados da
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União Europeia onde as agressões racistas têm aumentado, juntamente com Alemanha, França, Grã‑Bretanha e Suécia.” Folha de São Paulo – 19.06.13
As longas citações tem sentido, no contexto deste livro sobre utopia e direitos humanos, porque paradoxalmente, nesse momento também começa a reação mais contun‑ dente da sociedade civil contra esse avanço xenófobo atra‑ vés dos movimentos de apoio aos “deserdados do sistema capitalista”, visto que a própria categoria de ser “excluído” revela a situação daqueles que tem na questão do direitos humanos e da cidadania o seu sentido mais substantivo. A delimitação temática neste livro, muito mais que uma questão de lógica ou exercício intelectual, nos remete a uma questão de fundo, pois (e isto não é jogo de pala‑ vras) significa que a fronteira de direitos humanos não está subordinada a existência de fronteiras jurídicas ou a protocolos legais; a utopia dos direitos humanos não só antecipa, mas demonstra que direitos humanos são con‑ dição necessária e suficiente para que todos se percebam como sujeitos de direitos e como proprietários de direitos que, na contemporaneidade, precisam ser inalienáveis. ‑ utopia e direitos Obviamente essas duas questões humanos não se resumem aos códigos e/ou protoco‑ los legais, mas revelam muito sobre as mudanças sociais e como as mesmas são percebidas pela sociedade em pro‑ cesso de globalização acelerado. Se a cidadania está inti‑ mamente ligada à ideia de nacionalidade, as mudanças de “olhar” sobre acesso à cidadania nos fazem pensar sobre
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o conceito de inclusão social e perguntar, por exemplo: cidadania é um status concedido? Ou, cidadania antes dos tempos globalizados era um princípio de igualdade “que não entrava em conflito com as desigualdades da socie‑ dade capitalista, porque os direitos que garantia eram, ao contrário, necessários para a manutenção daquela forma de desigualdade? (Marshall, 1967.p.69). A reflexão da autora sobre a temática dos direitos humanos não traduz apenas suas inquietudes; seu texto recoloca a temática da questão social do ser sujeito de direitos através das seguin‑ tes perguntas: Afinal, o que é mesmo que as estratégias de sobre vivência das pessoas no Brasil (e nos países latino ‑americanos) sinalizam? Na contemporaneidade as fronteiras estão sendo abertas para o fluxo de mercadorias, de dinheiro, mas onde se situam as ideias que legitimam os indivíduos como pessoas de direitos? Qual o lugar do educador neste processo? Estas perguntas não surgiram por alguma misteriosa razão, mas por uma necessidade de resignificação concei‑ tual do que é “ser cidadão” quando não se está no seu ter‑ ritório e principalmente porque em tempos de “sociedade líquida” é preciso garantir e retomar certos pressupostos éticos e ter bem claro que em uma sociedade de direito tudo se correlaciona.
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É importante destacar que o diferencial deste livro não está no fato de apresentar uma reflexão sobre uma dada realidade brasileira. Aliás, as informações podem até fazer menção a uma dada especificidade, mas a sua análise per mite romper com a lógica do reducionismo – do estudo de caso – para remeter o olhar às condições e circuns tâncias de abandono e de pauperização daqueles que na sociedade capitalista apenas sobrevivem, de forma anônima e coisificada. De fato, se a gente fica preso a uma leitura superficial, a impressão que se tem é de que os depoimentos nos emo‑ cionam. Mas atenção para não cair na armadilha de buscar nas narrativas daquele que é excluído um pretenso conhe‑ cimento lógico do lado não‑lógico da natureza humana “nas quais o ser humano é humilhado, escravizado, aban‑ donado, desprezível”, (Marx ‑Engels, 1977:p.385). Esta armadilha a autora evita ao identificar na variedade das histórias individuais o singular de um processo mais amplo: de natureza política/filosófica. Importante desta‑ car que a autora explicita nas narrativas e evidencia que no Brasil os protocolos legais que garantem os direitos dos indivíduos são espaços, territórios de convivência social, mas que tendem cada vez mais a se fechar e, nesse sen‑ tido, as leis manejadas pelos países têm‑se tornado cada vez mais duras. As histórias sobre excluídos sociais têm sido (re)escri‑ tas ao longo dos tempos, pois demonstra que evidente‑ mente há outros fatores que não as estritas regras do jogo
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jurídico que normatiza como as pessoas de uma dada comunidade podem ou não ter uma história de sucesso ou não‑insucesso. A reflexão sobre a utopia (parte importante deste livro) não foi exercício solipsista de uma pesquisa‑ dora em Educação, mas o artifício heurístico atestando que na temática dos direitos humanos está a complexi‑ dade de uma sociedade que pretende ser espaço social da livre determinação da pessoa. Nesse sentido resgatar e antecipar a utopia passa ser exigência do educador que se confirma no acolhimento, no fortalecimento e na pro teção da autonomia estritamente exigida pela ética e não pela utilidade. O tempo todo a leitura do texto explicita que as trans‑ formações da sociedade não se apresentam de forma lógica e coerente, são tendências contraditórias e depen‑ dendo do recorte teórico, do recorte ideológico podem ser ainda mais confusas, porque apontam para um crise e, não só do pensar. Ou, como diz Hannah Arendt (1968: 223), “Uma crise nos obriga a voltar às questões mesmas e exige respostas novas ou velhas, mas de qualquer modo julga‑ mentos diretos. Uma crise só se torna um desastre quando respondemos a ela com juízos pré‑formados, isto é, com preconceitos... atitude dessas que não apenas aguça a crise como nos priva da experiência da realidade e da oportuni‑ dade por ela proporcionada à reflexão”. Em todo caso, a autora Giancarla Brunetto está a nos dizer que a teoria não deve reduzir a realidade ao que existe, mas dependendo da leitura de mundo que se faz
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pode ‑se estar enviando uma dupla mensagem, pois se não temos claros os pressupostos do que é integração ou inserção podemos, ao contrário do que pretendemos, estar promovendo um determinado tipo de adequação à ordem e à normalidade. E a partir deste lugar singular ganha des‑ taque na sua pesquisa o contexto de desigualdades sociais, injustiça social e exclusão social. Nesse sentido convergimos porque entendo que direi‑ tos humanos precisam ser compreendidos como um lugar plural e aberto; como um movimento de resistência de ocupação dos espaços públicos. É um lugar para explicitar o olhar, é criar condições de materializar a palavra a quem sempre foi silenciado, é construir essa palavra com aquele que é diferente e a partir deste lugar configurar outro(s) modo(s) de ser e de conviver. Essa inflexão lógica passa a ser fundamental porque aponta para um processo aberto e plural no qual pensar direitos humanos implica em ter presente o outro, na sua singularidade, na sua diferença, em termos de reciprocidade. Significa apropriar‑se de um conjunto de informações no qual a crítica é método que permite identificar vozes: hegemônicas, progressistas, subalternas, marginalizadas, conformistas, transforma‑ doras, contraditórias, desviantes, silenciosas, silenciadas, polêmicas. Pensar direitos humanos na contemporaneidade supõe alguns elementos prévios que eu gostaria de eviden‑ ciar para vocês que estão iniciando a leitura deste livro: o papel e a estruturação de uma cultura de direitos ou do
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reconhecimento de direitos não derivam apenas de uma “vontade” que sirva de discernimento para a ação pública. Digo isso porque a vontade que não se constitui em ação da comunidade é uma vontade boa, mas uma ação isolada que contempla apenas os desejos e as satisfações de um individuo. O conceito de igualdade perante a lei, proto‑ colo importante e de importância em nosso contexto, nem sempre significou sociedade democrática e igualitária. Este livro parte do pressuposto que: reconhecer o direito do outro, ao contrário, em vez de tornar‑nos estranhos e alheios uns aos outros, dá demonstração de responsabilidade e sentimento de respeito no habi tar e compartilhar um mundo limitado pelo querer que quer o bem. A hipótese que se entrevê no avesso dos seus capítulos é: na contemporaneidade, direitos huma nos sinalizam e traduzem uma percepção da realidade, um espaço de reconhecimento do(s) outro(s) diferente(s) de mim que materializam nos espaços públicos (da edu cação) uma trincheira para se contrapor à barbárie da insensibilidade social que provoca a exclusão social. Trincheira porque pensar ou discutir direitos huma‑ nos reatualiza conceitos em processo acelerado de dete‑ rioração semântica tais como ética, respeito, dignidade. Para a autora, este esvaziamento semântico não é gra‑ tuito, aponta para uma lógica social na qual o indivíduo se apresenta como sendo independente, autônomo e, por consequência, essencialmente não‑social. Por isso, pensar direitos humanos hoje supõe antecipar a utopia que
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constrói consensos de cidadãos livres, e esta capacidade não se encerra no sujeito devido ao entendimento prático que pensa por si mesmo, mas que se abre e pensa o cará‑ ter comunitário e social. O tempo todo o texto aponta para a necessidade de uma política de direitos a ser cons‑ truída no espaço intra‑social, que ao ser acordada organiza diversidades de acordo com uma igualdade relativa – são arranjos tácitos onde o que está em jogo não é a liberdade individual, mas a continuidade da vida. Insisto, ler o livro de Giancarla nos incita ter presente que a realidade social não é um sistema estruturado na qual as mudanças são resultado de um único ou último fator localizado na lógica do capital. Em particular, ela nos diz que não existe uma lógica única, inevitável e simplificadora para explicar a utopia buscada através dos direitos humanos e que “a” possibili‑ dade dos indivíduos acessarem concretamente as políticas dos mínimos sociais, que permita evitar as desigualdades sociais é lugar de disputa política (em especial os latino ‑americanos). Em especial, a autora, ao resignificar os con‑ ceitos de “direitos humanos” e “cidadania” ao contrário da visão liberal que enfatiza o sincronismo ‑ direito e não participação ‑ ela nos diz que estes não podem ser reduzi‑ dos a uma interpretação de direitos de acordo a princípios políticos e não necessariamente sociais. Isso nos permite dizer que ao retratar situações limites a autora nos apresenta o avesso da cidadania. Nesse sen‑ tido, introduzir o quádruplo “atractor” ‑ utopia, direitos
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humanos, ação direta e educação ‑ como dimensões ope‑ rantes de um mesmo fenômeno, significa ter presente que as subjetividades e os desejos sociais atuam como as principais forças inovadoras de conhecimento sobre as realidades sociais, as quais nem sempre se definem como reflexo das grandes representações sociais produzidas pelo Estado. Nesta perspectiva, o conhecimento sobre os processos pedagógicos itinerantes não se apresenta como resultado de uma perspectiva técnica que se pretende universal, senão como atividade constante da invenção humana tanto na construção de suas múltiplas formas de sociabilidade como na desarticulação de práticas sociais viciadas (inclusive da política representativa). Para finalizar: O livro de Giancarla Brunetto evidencia a fragilidade do modelo cidadão ligado a uma concepção de nação que se baseia na especificidade de sua cultura e des considera as outras culturas e é, sobretudo, ideológica, e demonstra que na América Latina, o Brasil é um país que ignora deliberadamente os regulamentos e artigos da Declaração dos Direitos Humanos. A reflexão proposta neste livro torna visível que: • Os processos de exclusão social não são uniformes nem universais, mas atuam como o contraponto que impede ao indivíduo ser reconhecido e perten‑ cer a sociedade de direito.
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• Estar excluído socialmente é uma destas situações dialéticas que demonstram que não se constrói cidadania a partir do pressuposto errado de que o objetivo da sociedade é o consumo. Ao contrário, este ao se realizar, envolve contradições de dife‑ rentes ordens que acabam provocando crises que maximizam as saídas individuais em detrimento de saídas coletivas: politicamente coresponsáveis. • O ser cidadão implica em reivindicações, em con‑ testação. Fato que nos países latino‑ americanos se apresenta profundamente alterado pela crise econô‑ mica, pelo desmanche do Welfare State e também porque as políticas públicas passaram a centrar‑se na necessidade de conter e controlar as reivindica‑ ções da sociedade. • A perspectiva não cidadã baseada numa concepção individualista da sociedade civil dominada pelas organizações empresariais tem na domesticação da participação popular o agente corruptor que entende equivalência entre iguais como principio regulador da sociedade. • Todo homogêneo tende a converter‑se, mais cedo ou mais tarde, em violência excludente de socieda‑ des fechadas. Exclusão social nunca foi, nem servirá de base, para a opção democrática ou será princípio regulador das relações sociais.
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Para nós leitores, compreender o sentido das “utopias e dos direitos humanos” nos remete ao imaginário social que dependendo de “onde se fala” pode ter diversos signi‑ ficados, e isto é uma verdade. Até porque “quando parece que não fica nada, ficam os princípios” – outro grafitti em Chiapas. Boa leitura e bom proveito! Paulo Peixoto de Albuquerque Professor da Faculdade de Educação Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre Brasil
Referências ALBUQUERQUE, Paulo P. Trabalho e sociedade em transfor‑ mação. Revista Sociedade em Debate.V.10, n3. Dezembro de 2004. ARENDT Hannah A condição humana. 9 ed.. Rio de Janeiro Editora Forense Universitária,1999. ________ Entre o passado e o futuro. São Paulo: Editora Perspectiva, p 223. 1968. BACHELARD, G. O novo espírito científico. Rio de Janeiro. Ed. Tempo brasileiro. 1985. _______ Epistemologia. Textos escolhidos. Rio de Janeiro Zahar Editores. 1985. _______ O raciocínio da ciência contemporânea : Uma analise da epistemologia de Gaston Bachelard. Rio de Janeiro. Antares Universitária. 1981. BICUDO, Helio. Migração e Política Pública. In: MILESI, Rosita Maria Luiza (org) Migrante cidadão. São Paulo: Loyola/IMDH, 2001 CALVO, Garcia. Heraclito de Efeso, Madrid. Ed. Crítica: 1985.
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