Ah! Isso é fácil. É... o quê?!?

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Paulo Jorge Silveira Ferreira

Ah! Isso é fácil. É… O quê?!?

Uma introdução à qualidade


FICHA TÉCNICA EDIÇÃO: Paulo Ferreira TÍTULO:Ah! Isso é fácil. É… O quê?!? – Uma introdução à qualidade AUTOR: Paulo Ferreira CAPA: Ana Oliveira REVISÃO/PAGINAÇÃO: Paulo Ferreira 1.ª EDIÇÃO LISBOA, 2011 IMPRESSÃO E ACABAMENTO: Agapex ISBN: 978-989-96688-2-9 DEPÓSITO LEGAL: 322780/11 © Paulo Ferreira PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO Sítio do Livro, Lda. Lg. Machado de Assis, lote 2 — 1700-116 Lisboa www.sitiodolivro.pt


Aos meus filhotes, Rui e Ana!

À Dra. Ausenda e ao Dr. Francisco: sem um convite vosso nada disto teria sido possível. Eternamente grato!

Ao Dr. Luís Barros Mendes que deu outra cor à qualidade

À Andresa, pela ajuda no Capítulo 2.

À Ana pela ilustração do livro: Excelente!

Aos meus formandos dos cursos de Técnico/a de Qualidade: António Ferreira, António Grou, Bárbara, Cátia, Emília, Gertrudes, Joana, Luzia, Maria, Marisa, Miguel, Nélia, Odete, Paula, Sandra e Sónia (São Manços) – o Capítulo 7 é dedicado a vocês. Ana, Bruno, Elisabete, Francisco, Jorge, Lurdes, Maria João, Marta, Mónica Sandra, São e Sílvia (Évora) – o Capítulo 5 também é vosso.

À Família e Amigos



Índice 0. Introdução ............................................................................................... 9 1. O que é a qualidade? ............................................................................ 13 1.1. Definição de qualidade ..................................................................... 13 1.2. Evolução do conceito de qualidade.................................................. 20 1.3. Os gurus da qualidade ..................................................................... 29 2. A qualidade numa organização ........................................................... 35 2.1. O que é uma organização? .............................................................. 35 2.2. O que é uma empresa? ................................................................... 42 2.3. O comportamento organizacional e a qualidade .............................. 49 3. Custos da qualidade ............................................................................. 55 4. A qualidade e as normas ...................................................................... 61 4.1. Os princípios da gestão da qualidade .............................................. 61 4.2. As normas ISO 9000 e ISO 9001 ..................................................... 66 4.3. O modelo de Excelência da EFQM e a norma ISO 9004 ................. 86 4.4. Metodologias de implementação de sistemas de gestão da qualidade ................................................................................................ 91 5. A gestão por processos ....................................................................... 99 5.1. O que são processos ....................................................................... 99 5.2. Mapeamento de processos ............................................................ 105 5.3. Objectivos e indicadores de medida .............................................. 114 5.4. Processos, procedimentos, registos, objectivos e indicadores de medida na Multieventos ........................................................................ 123


6. Ferramentas da qualidade .................................................................. 133 6.1. As ferramentas clássicas da qualidade .......................................... 136 6.1.1. Fluxogramas ........................................................................... 136 6.1.2. Diagrama de causa-efeito ....................................................... 138 6.1.3. Folha de registo de dados ....................................................... 141 6.1.4. Histogramas ............................................................................ 144 6.1.5. Diagramas de Pareto .............................................................. 153 6.1.6. Diagrama de dispersão ........................................................... 157 6.1.7. Carta de controlo..................................................................... 159 6.2. As ferramentas estratégicas da qualidade ..................................... 160 6.2.1. Diagrama de afinidades .......................................................... 161 6.2.2. Diagrama de relações ............................................................. 165 6.2.3. Diagrama de árvore ................................................................ 167 6.2.4. Diagrama matricial .................................................................. 169 6.2.5. Diagrama de decisões ............................................................ 176 6.2.6. Diagrama sagital ..................................................................... 177 6.2.7. Análise factorial de dados ....................................................... 185 6.3. As ferramentas de planeamento avançado da qualidade .............. 185 6.3.1. Análise modal de falhas e efeitos (AMFE) .............................. 186 6.3.2. Função desenvolvimento da qualidade (QFD) ........................ 190 6.4. Ferramentas de prioridades ........................................................... 195 7. Controlo estatístico do processo ...................................................... 199 7.1. A estatística e a qualidade ............................................................. 201 7.1.1. A estatística ao serviço da qualidade ...................................... 202 7.1.2. Distribuição binomial e distribuição de Poisson ...................... 206 7.1.3. Distribuição normal ................................................................. 213 7.2. Cartas de controlo .......................................................................... 223 7.3. Capacidade dos processos ............................................................ 228 8. Técnicas preventivas e melhoria da qualidade ................................ 237 8.1. Benchmarking ................................................................................ 237 8.2. Método Seis Sigma ........................................................................ 246 8.3. Os 5 S‘s ......................................................................................... 249 8.4. 5W2H ............................................................................................. 251


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0. Introdução A escolha do título de um livro é sempre algo importante, pois é ele a cara da obra. Então por que razão um título tão estranho? A verdade é que o conceito de qualidade continua a gerar muita confusão não só ao comum consumidor mas também aos gestores das empresas, principalmente os que se estão a iniciar na temática da qualidade. Como uma definição da qualidade sugere, ela diz respeito a algo que é fácil de identificar mas difícil de definir. Daí a confusão do título: começa por se pensar que é fácil, mas quando se pretende explicar, chega-se à conclusão que isso não é verdade. O objectivo deste livro não é resolver todas as dúvidas sobre a qualidade. Não é um guia espiritual sobre o tema nem um manual sobre uma disciplina. É, isso sim, uma visão particular da qualidade e uma tentativa de desmistificar um pouco esse conceito, sempre com aplicações às organizações. Este livro não vai tornar o leitor um guru da qualidade, mas dará certamente algumas pistas sobre como tratar esta problemática numa organização. O Capítulo 1 do livro trata daquilo que efectivamente é a qualidade: começa por abordar a problemática da sua definição, passando para uma breve evolução histórica do conceito e terminando com a apresentação dos gurus da qualidade e das suas ideias. Quanto ao Capítulo 2, ele trata da forma como a qualidade se enquadra numa organização. O capítulo começa por definir genericamente o que é uma organização e o que é uma empresa, identificando posteriormente alguns comportamentos organizacionais relacionados com a qualidade. No Capítulo 3 aborda-se a problemática dos custos da qualidade e dos custos da não qualidade, essenciais para se perceber alguns dos benefícios da implementação dos sistemas de gestão da qualidade, sistemas esses que são tratados no Capítulo 4 – começam por se analisar os princípios da 9


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gestão da qualidade, seguindo-se o enquadramento da qualidade com as normas ISO 9000 e ISO 9001. O capítulo prossegue com a análise do modelo de excelência da EFQM e termina com uma breve discussão sobre metodologias de implementação de sistemas de gestão da qualidade. A abordagem à gestão por processos é um dos princípios da gestão da qualidade, sendo essa temática abordada no Capítulo 5: começa por se definir o que são processos para depois se fazer o mapeamento dos mesmos. Definem-se também objectivos e indicadores de medida para os processos. O capítulo termina com uma secção dedicada a exemplos de processos, procedimentos e registos de uma empresa fictícia trabalhada em sessões de formação ministradas pelo autor do livro. O Capítulo 6, o mais longo do livro, trata das diferentes ferramentas da qualidade. Começam por se identificar aquelas que são consideradas as ferramentas básicas da qualidade, seguindo-se as ferramentas estratégicas. O capítulo termina com duas ferramentas utilizadas no planeamento da qualidade. No Capítulo 7 trata-se do controlo estatístico da qualidade, em que mais uma vez se mostra a importância da estatística na actividade corrente das organizações. São indicados alguns conceitos básicos e é feita uma abordagem à análise de uma ferramenta que pode ser muito útil às organizações: as cartas de controlo. O capítulo termina com a análise dos índices de capacidade do processo. Por fim, o Capítulo 8 introduz algumas técnicas preventivas e de melhoria da qualidade. Começa por se falar do benchmarking, uma metodologia que tem como principal objectivo perceber as boas práticas dos melhores e transpô-las para a nossa organização. Segue-se uma abordagem rápida ao método seis sigma, uma metodologia que tem como objectivo reduzir o número de erros numa organização. O livro termina com duas metodologias que têm como objectivo a melhoria contínua. 10


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Ao longo do livro vão sendo apresentados exemplos de exercícios que foram resolvidos nas minhas sessões de formação. A todos os formandos que colaboraram nos mesmos, desde já agradeço. Este livro tem também um pouco de vós! Qualquer erro ou imprecisão, a responsabilidade é do autor.

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1. O que é a qualidade? O que é a qualidade? Esta é efectivamente a primeira pergunta a fazer neste livro. Sem se perceber a definição de qualidade, não é possível entrar neste mundo que cada vez capta uma maior atenção dos empresários. Para muitos empresários, qualidade é sinónimo de certificação. Apesar da certificação obrigar a que a empresa tenha qualidade (se o objectivo da certificação for esse, claro), é possível uma empresa apresentar qualidade sem estar certificada (como se vai ver mais à frente, isso tem custos). Neste primeiro capítulo, analisa-se genericamente o conceito de qualidade, apresentando-se as suas diferentes dimensões. Na realidade não é muito fácil

definir

qualidade.

Ao

pensar

em

experiências

do

dia-a-dia

provavelmente até se consegue identificar melhor a falta de qualidade de bens ou serviços. Ainda assim, também é simples perceber que a qualidade de um produto está associada à sua capacidade para satisfazer os nossos requisitos. Neste capítulo analisa-se ainda a evolução do conceito de qualidade ao longo do tempo, percebendo que essa evolução está também ligada à evolução do ambiente empresarial. O capítulo termina com a apresentação de alguns dos que são considerados gurus da qualidade.

1.1. Definição de qualidade Como na maior parte das disciplinas, não existe uma definição única de qualidade. Existem, isso sim, várias definições que sendo mais ou menos abrangentes, acabam por se poder complementar. A norma ISO 8402:1994, uma norma direccionada para o vocabulário para a gestão da qualidade, define a qualidade como o ―conjunto de propriedades e características de uma entidade que lhe conferem aptidão para satisfazer necessidades explícitas ou implícitas‖, entidade essa que 13


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pode ser um produto, um bem, um serviço ou uma organização. Esta é uma definição que é corroborada pela European Foundation for Quality Management, fundação sem fins lucrativos que tem como objectivo desenvolver a melhoria da qualidade na Europa. Existem no entanto outras definições de qualidade mais focadas em questões mais particulares. Por exemplo, Philip Crosby define qualidade como ―a conformidade com os requisitos [do cliente]1‖ enquanto Gilmore a identifica a qualidade como a ―medida em que um produto se adequa ao projectado ou especificado2‖ em definições que estão mais direccionadas para o cliente. Focada no produto está por exemplo a definição de qualidade de Abbott que indica que ―as diferenças de qualidade são equivalentes às diferenças na quantidade de atributos desejados 3‖. No trabalho de Kim, Shim e Kim (2001)4 é possível consultar outras definições de qualidade, atendendo a outras dimensões. Existem definições mais generalistas, como duas que são identificadas por Juran: ―qualidade consiste nas características de um produto que vão ao encontro das necessidades dos clientes e dessa forma proporcionaram a satisfação em relação ao produto‖ e ―controlo da qualidade não significa o alcance da perfeição, mas uma produção eficiente com qualidade, de acordo com a expectativa do mercado5‖. Em qualquer uma das definições acima identificadas, não deixa de haver sempre margem para alguma subjectividade visto que a qualidade está muito associada à percepção que as pessoas têm de um determinado produto, serviço ou organização.

1 Crosby, P. 1979. Quality is Free. New York: McGraw-Hill. 2 Gilmore, H. 1974. Product Conformance, Quality Progress, June. 3 Abbott, L. 1955. Quality and Competition. New York Columbia University Press. 4 Kim, B., J. Shim e J. Kim. 2001. Managers‘ quality and performance perceptions: the case of the

Korean semiconductor industry, Total Quality Management, 12(5), pp. 643-655. 5 Juran, J.M – Controle da Qualidade. São Paulo: 4º Edição – Editora Makron, 1991.

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As próprias empresas têm diferentes formas de olhar para a qualidade. Existem diversos estudos que têm como objectivo perceber a forma como as empresas entendem este conceito, sendo que as respostas são muito variadas. Assim, enquanto algumas empresas indicam que a qualidade tem a ver com o cumprimento das exigências e requisitos dos clientes, outras definem a qualidade de acordo com as normas internacionais, outras entendem-na como executar bem as operações ou como um caminho de melhoria contínua dos processos. Por esse motivo, foi referido logo no início que não existe uma definição de qualidade. Deste modo, e se o leitor me permite a ousadia, gostaria de fazer referência a uma expressão que encontrei e que na minha opinião se ajusta melhor a uma possível definição de qualidade: ―fácil de reconhecer… difícil de definir‖! Na realidade, se atentarmos a expressões do nosso dia-a-dia, chegamos facilmente a estas conclusões. Expressões como ―refeição de boa qualidade‖, ―praia de excelente qualidade‖, ―reforço de qualidade duvidosa‖ ou ―má qualidade do ar‖ acabam por ser utilizadas nos mais variados contextos sempre com pessoas que provavelmente podem discordar destas opiniões. A questão é que, na óptica do consumidor, a qualidade pode estar relacionada com vários aspectos em particular. Nas minhas sessões de formação costumo contar uma história que se passou na realidade. Da primeira vez que ministrei um curso na área da qualidade, para explicar a subjectividade do conceito, utilizei um slide em que surgiam um Mercedes e um BMW em alta velocidade, seguidos de um Mini que aparecia de forma muito lenta. O objectivo era demonstrar que o conceito de qualidade depende de várias perspectivas. Nisto surge uma formanda, um pouco atrasada, que imediatamente pediu desculpas, sendo o motivo do atraso o facto do carro dela não ter pegado. Na realidade, o motivo do atraso não podia estar mais contextualizado do que o que estava a ser dado: para ela, provavelmente o Mini seria algo que ela precisava no imediato. 15


Uma introdução à qualidade

Como referido anteriormente, na óptica do consumidor a qualidade depende de várias questões: as características do produto/serviço, as suas especificações, o facto de ser adequado, a prontidão a usar, a sua duração, as expectativas que o consumidor tem, a sua estética ou design, a conformidade com padrões pré-determinados (por exemplo, relacionados com o ambiente), o serviço pós-venda, a simpatia no atendimento, a performance, a segurança, a fiabilidade ou até questões subjectivas como a marca ou os gostos, influenciados por questões como a publicidade. Ou então pode estar relacionado com um pouco de tudo o que foi referido neste parágrafo. Não é menos verdade no entanto que muitas vezes, e mais ainda em ambiente de crise, a decisão sobre a aquisição de um produto ou serviço é feita escolhendo com base no preço. Daí que na maior parte das vezes quando pergunto a formandos as características de qualidade que um produto deve ter, a maioria das resposta é… qualidade-preço! David Garvin6 é, alias, um dos primeiros autores a chamar a atenção para esta questão, identificando diferentes dimensões da qualidade, o que permite analisar de forma mais concisa este conceito. De facto, Garvin enumera

oito

diferentes

dimensões

da

qualidade,

identificadas

anteriormente, tendo como maior contributo a organização das referidas dimensões: 

performance, ligada ao desempenho do produto ou serviço (por exemplo, a qualidade de recepção de chamadas de um determinado telemóvel);

funcionalidades do produto, relacionado com funções secundários que complementam a oferta do produto (por exemplo, existência de câmara fotográfica ou aplicações para jogos num telemóvel);

fiabilidade, ligada à probabilidade do produto deixar de funcionar de forma adequada;

6 Garvin, D. (1987), Competing on the eight dimensions of quality. Harvard Business Review e

Garvin, D. 1988, Managing quality, New York, The Free Press. 16


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conformidade, medindo a forma como o produto se adequa às suas diferentes especificações;

durabilidade, que mede o tempo de vida do produto;

serviço, ligado a questões como a rapidez, a simpatia de atendimento e até a competência para a resolução de problemas no processo de pós-venda;

aparência, relacionado com a estética e design;

imagem, relacionado com uma percepção mais subjectiva da qualidade associada à marca de um produto.

Já na óptica do produtor, a qualidade está muito relacionada com o grau de conformidade do produto ou serviço, sendo que essa conformidade pode ser ao nível da legislação, das especificações, de segurança ou qualquer outro aspecto. No entanto, tal como o consumidor, também o produtor tem implícita uma questão económica por detrás: o custo. Na realidade, uma empresa pretende sempre produzir o produto de acordo com as especificações/requisito dos clientes, ao menor custo possível. Para além disso, uma das preocupações das empresas ao nível da qualidade deve ser o facto de nunca ter que pedir desculpas aos clientes. Quando começo a falar de qualidade nas minhas formações, os formandos referem-se que raramente conseguem ver a forma como as empresas demonstram essa qualidade. Utilizo normalmente o exemplo dos CTT, empresa que publica mensalmente os índices de qualidade, para exemplificar que na vida real as empresas se preocupam com estas questões. A Tabela 1.1 mostra os índices mensais de qualidade dos CTT para o mês de Novembro de 20107. O que se pode ver na tabela é que a empresa tem uma série de objectivos definidos, para determinadas variáveis. Por

7

http://www.ctt.pt/fectt/wcmservlet/ctt/institucional/grupoctt/resp_social/indices_mensais.html, retirado em 23 de Dezembro de 2010. 17


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exemplo, para o correio normal, o objectivo da empresa é que esse tipo de correio seja entregue até 3 dias úteis em 96,3% dos casos sendo que nos últimos 12 meses a percentagem de entregas foi de 97,2%, superando os objectivos. É possível identificar que de todos os indicadores, apenas a percentagem de entregas de correio normal até 15 dias úteis não alcança os objectivos, sendo que isso acontece apenas num valor muito residual (0,04 pontos percentuais), o que demonstra que os objectivos da empresa são cumpridos8. Tabela 1.1. Índices de qualidade dos CTT (Novembro de 2010) Objectivos

Últimos 12 meses

a) CORREIO NORMAL % de entregas até 3 dias úteis % de entregas até 15 dias úteis

96,30 % 99,86 %

97,20% 99,82%

b) CORREIO AZUL % de entregas no dia útil seguinte (Continente) % de entregas até 2 dias úteis (Açores e Madeira) % de entregas até 10 dias úteis

94,50 % 87,00 % 99,85 %

94,70% 92,20% 99,86%

c) JORNAIS E PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS % de entregas até 3 dias úteis

96,30 %

99,10%

d) CORREIO INTERNACIONAL (EUROPA) % de entregas até 3 dias úteis % de entregas até 5 dias úteis

88,00 % 97,00 %

93,70% 98,30%

e) ENCOMENDA NORMAL % de entregas até 3 dias úteis

92,00 %

93,80%

f) TEMPO DE ESPERA NAS EC % de atendimento até 10 minutos

85,00 %

89,80%

g) OPINIÃO DOS CLIENTES % opiniões favoráveis

77,00%

h) RECLAMAÇÕES nº de reclamações respondidas tempo médio resposta (dias calendário)

52.573 15,40

8 Nesta fase não nos interessa tanto se os objectivos são ou não bem definidos, até porque

algumas considerações sobre este tipo de questão serão abordadas posteriormente neste livro. 18


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Qualquer empresário reconhece que apostar na qualidade será certamente benéfico para a empresa. No entanto, também qualquer empresário sabe que isso terá custos, pelo que há que avaliar os prós e os contras de uma eventual decisão no sentido de melhorar a qualidade. Existem vários estudos sobre a importância da qualidade, sendo que os resultados que se seguem reportam-se a um desses estudos9: 

em 20 clientes insatisfeitos com um determinado serviço, 19 não dirão nada. 14 irão procurar directamente a concorrência;

um cliente insatisfeito conta em média a 10 pessoas a sua má experiência; 12% contam-na a até 20 pessoas; pelo contrário, clientes satisfeitos transmitem a sua experiência positiva a uma média de 5 pessoas (até na qualidade as más notícias se espalham mais depressa…);

custa 5 vezes mais o atrair um novo cliente do que manter um cliente na empresa, pelo que a aposta na qualidade, no sentido de procurar satisfazer os clientes actuais da empresa, pode ser muito frutífero (é por isso que, por exemplo, os bancos muitas vezes igualam imediatamente propostas da concorrência);

90% dos clientes insatisfeitos deixam de comprar os produtos sem indicar as suas razões;

em vários sectores, a qualidade de serviço é uma das poucas variáveis que permite fazer a diferença em relação à concorrência;

qualquer um de nós, clientes, está disposto a pagar mais por um melhor serviço;

95% dos clientes insatisfeitos acabam por se tornar clientes fiéis quando as suas reclamações são tratadas de uma forma satisfatória e expedita por parte da empresa.

9 Infelizmente não foi possível chegar à fonte bibliográfica, pelo que os resultados são

apresentados mas sempre tendo alguma cautela nas suas conclusões. 19


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Os factos acima apresentados mostram de certa forma a importância da qualidade nas empresas. Apesar de não haver uma definição única de qualidade, a verdade é que não é possível negar as suas vantagens. E, como tal, ser algo que tanto as empresas como os indivíduos devem pensar.

1.2. Evolução do conceito de qualidade Para além de não se encontrar apenas uma definição para qualidade, a própria forma como este conceito tem sido visto tem evoluído ao longo do tempo. Como é fácil perceber, a preocupação com a qualidade não é algo que surge de um momento para o outro. Por exemplo, já na Idade Média vários artesãos se preocupavam com a qualidade dos seus produtos. No entanto, é a partir do século XX que as preocupações com a qualidade se tornam mais visíveis. A Figura 1.1 mostra em termos genéricos a forma como a qualidade evoluiu ao longo do século XX. O processo genérico apresentado e que vai ser explicado em seguida é resultado de uma evolução gradual do pensamento sobre a qualidade mas que não pode ser visto como generalizado a todos os sectores de actividade ou países. Por exemplo, um dos sectores que sempre serviu de charneira à evolução da qualidade foi o sector da produção automóvel, enquanto o Japão é visto como o país tipo da preocupação com a qualidade. A primeira etapa, que começou com a Revolução Industrial e que durou até cerca da década de 30 do século XX, é a etapa da inspecção do produto final, ou inspecção da qualidade. Esta etapa surge com a massificação da produção e com a produção que é feita em grandes linhas de montagem. Ainda que por vezes comece a existir preocupação com a qualidade dos produtos, a principal preocupação é com a quantidade dos mesmos. Ainda assim, começa a actividade dos inspectores da qualidade, que têm como função inspeccionar a totalidade dos produtos, separando os que estão 20


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conforme dos que estão não conforme. Nesta fase não há propriamente uma grande preocupação com a causa dos defeitos, sendo que a solução para os problemas encontrados muitas vezes acaba por ser externa ao departamento de inspecção dos produtos.

Fig. 1.1. Evolução do pensamento sobre a qualidade10

A segunda etapa, com início por volta dos anos de 1930 e com duração até aproximadamente aos anos de 1950 é a fase do controlo estatístico da qualidade. Uma das razões para a transição para esta fase deveu-se ao facto de que a inspecção total dos produtos, como era feita na fase anterior, era demasiado onerosa para as empresas. Deste modo começam a ser utilizadas técnicas estatísticas através da amostragem, inspeccionando apenas uma parte do total dos produtos. Um dos principais contributos para esta alteração foi dado por Walter Shewhart, americano que trabalhava para os laboratórios da Bell e que desenvolveu a aplicação de cartas de controlo, não só para controlar os processos mas ainda para que se tomassem acções correctivas de modo a actuar também sobre as causas dos

10

(Adaptado de http://www.spi.pt/documents/books/inovint/iq/conteudo_integral/ acesso_conteudo_integral/ capitulo1_texto/capitulo1_2_texto/acc1_2_texto_sel.htm). 21


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problemas da qualidade de uma empresa. A questão fundamental nesta fase é começar a identificar pontos críticos nos processos e variações no mesmo, distinguindo entre causas esperadas e não esperadas. A terceira etapa é a da garantia da qualidade, numa altura em que as empresas começam a mudar o paradigma da sua produção, apostando muitas delas na diferenciação pela qualidade e não numa estratégia de massificação do produto. Um dos propulsores para esta evolução teve a ver com o surgimento das primeiras normas associadas à qualidade, normas essas que surgiram dentro da esfera militar. O facto de que grandes empresas começam a exigir a qualidade dos produtos finais aos seus clientes acaba também por despoletar esta nova forma de olhar para a qualidade, numa altura em que se começa a abarcar todo o processo produtivo e a desenvolver os sistemas de gestão e garantia da qualidade, até porque as empresas se apercebem rapidamente dos custos da falta de qualidade. A última etapa considerada é a etapa da gestão pela qualidade total. Iniciada nos últimos anos do século XX, esta forma de gestão entende a qualidade como algo global à empresa. Assim, para além da satisfação das exigências dos clientes externos, a gestão pela qualidade total também se preocupa com os clientes internos, incluindo colaboradores e funcionários. Para além disso, a gestão pela qualidade total considera um elemento fundamental da visão moderna da qualidade: a melhoria da qualidade. Na verdade, a gestão pela qualidade total pretende ir para além do carácter estático de uma certificação da qualidade. Essa é, aliás, a essência da definição deste conceito proposta por Feigenbaum, em que identifica que a gestão pela qualidade total é o ―sistema organizacional que integra o desenvolvimento, a manutenção e a melhoria da qualidade efectuados por diferentes grupos internos e externos à empresa com o objectivo de garantir que o projecto, o fabrico, a comercialização e o serviço pós-venda sejam efectuados ao menor custo, tendo no entanto como objectivo permanente a

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obtenção da total satisfação do cliente11‖. A Figura 1.2. acaba por ser uma representação genérica do que se entende pela gestão pela qualidade total: não mais do que um puzzle em que não há uma preocupação apenas com o produto, processo ou cliente, como na visão clássica da qualidade, mas também uma preocupação com os fornecedores e inclusivamente com a própria estrutura empresarial (e, obviamente, a sua rentabilidade).

Fig. 1.2. Gestão pela qualidade total

Visto ser esta a etapa mais abrangente actual, convém que nos retenhamos um pouco sobre ela. Implementar a gestão pela qualidade total não é fácil, visto que requer uma forma de trabalhar numa organização que tem pouco a ver com comportamentos clássicos. Em primeiro lugar, é necessário que na organização se compreenda que uma das formas de alcançar melhores níveis de rentabilidade é através da qualidade dos produtos, serviços e processos, até porque existirão poupanças pela redução dos custos da não qualidade o que permite aumentar a produtividade. No fundo, é possível produzir o mesmo com custos mais baixos, podendo conquistar com isso o mercado a um melhor

11 Feigenbaum, A. 1991. Total Quality Control, 3ª. ed., McGraw-Hill.

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preço. Para além disso, dado que se conseguem satisfazer também as pretensões do cliente, as vendas aumentarão e isso permite estar à frente no mercado, continuando a ser pró-activo na procura da melhoria da qualidade. Esta é de facto uma forma de olhar para a qualidade, partilhada por William Deming, um dos gurus da qualidade (ao qual nos debruçaremos mais adiante) e que é possível ser consultada na Figura 1.3.

Fig. 1.3. A cadeia de Deming

Um segundo princípio desta filosofia de gestão é a produção à primeira ou produção com zero defeitos. Este conceito, introduzido por Philip Crosby (outro guru da qualidade), é uma filosofia que tem como objectivo a procura da perfeição no trabalho, apostando-se na prevenção para eliminar os erros e, assim, os desperdícios. Na verdade não é mais do que aquilo que Deming identifica, procurando-se a melhoria para reduzir os custos da não qualidade12. Para que a filosofia da gestão pela qualidade total tenha sucesso, é ainda necessário que as empresas se avaliem continuamente a si mas também à forma como estão posicionadas em relação à concorrência. O objectivo é

12 O Capítulo 3 deste livro aborda os custos da qualidade e da não qualidade.

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nunca descurar o mercado, para que a empresa mantenha a sua vantagem competitiva. Outro elemento essencial para a prossecução do objectivo da gestão pela qualidade total é o envolvimento de todos os elementos de uma empresa. Este é, aliás, um dos princípios de gestão da qualidade que dão depois origem às normas da qualidade. É essencial que se perceba que a qualidade não pode ser algo que apenas esteja centrado na mão dos gestores, pois muitas vezes estes desconhecem a realidade do que se passa na parte operacional da empresa. Na verdade, a participação de todos os trabalhadores acaba por ter grandes vantagens para a empresa. Um dos exemplos tradicionalmente utilizados vem do Japão e da Toyota (empresa para a qual se podem encontrar inúmeros estudos de caso associados às mais diversas questões da qualidade): esta empresa nipónica tem um sistema em que os trabalhadores indicam sugestões de modo a melhorar a qualidade dos seus produtos, sendo que o número de sugestões é muito elevado. Só para se ter uma ideia, existe um livro apenas dedicado a este tema: ―40 year, 20 million ideas: the Toyota suggestion system‖, de Yuzo Yasuda. Apesar de grande parte dos exemplos apresentados serem de empresas japonesas, existem vários casos de sucesso de outros produtos ou serviços que acabam por aparecer em virtude da liberdade de colaboração que se dá aos trabalhadores numa empresa: gmail, ipod ou o post-it não são mais do que três exemplos de produtos que surgem do envolvimento de todos os colaboradores na procura de produtos inovadores, e que neste caso não são originários do Japão. O essencial do sucesso deste princípio não é mais do que a descentralização em questões como a liberdade de iniciativa ou poder de decisão. Com o envolvimento de todos no trabalho empresarial não só se motiva os trabalhadores, que se sentem incluídos nas actividades da empresa mas também no seu processo de evolução, mas também porque isso potencia o trabalho em equipa e o aparecimento de sinergias das competências dos diversos indivíduos envolvidos neste tipo de projectos. 25


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Esta descentralização permite ainda a responsabilização dos diferentes grupos de trabalho, arma essencial para que a melhoria da qualidade seja potenciada. O objectivo é de facto aproveitar todo o potencial interno da empresa. Claramente relacionado com o ponto anteriormente discutido está a questão do reconhecimento do trabalho feito pelos colaboradores. Uma vez que estes estão envolvidos nos diferentes trabalhos e projectos das empresas, é essencial que a gestão mostre que reconhece esses esforços, associando ao mesmo um sistema de recompensas que seja eficaz nos seus propósitos. Veja-se o caso da Google, que em plena época de crise decide aumentar a partir de 2011 os salários dos seus empregados em pelo menos 10%. Ainda que alguns apontem o facto de a concorrência pretender recrutar alguns dos seus colaboradores, a verdade é que esta atitude não deixa de ser também uma forma de reconhecer a colaboração de todos no sucesso da empresa. Estes são princípios que são fundamentais para que uma empresa consiga implantar uma filosofia de gestão pela qualidade total mas, para tal, é necessário que os gestores sejam também um exemplo para todos, no que diz respeito á forma como se olha para a qualidade. De facto, o comprometimento da gestão é não só um princípio da qualidade como um dos pontos fundamentais das normas para a implementação de um sistema de gestão da qualidade, como será visto adiante. A verdade é que a implementação de um sistema de gestão pela qualidade total obriga a uma visão da empresa longe da visão clássica, hierarquizada, rígida, com chefias bem definidas e centralizada. É necessário isso sim uma estrutura

mais

horizontal,

com

delegação

de

competências

e

responsabilidades, em que se valoriza a capacidade para resolver os problemas, a autonomia, o trabalho em equipa e em que é necessário o envolvimento de todos. A Tabela 1.2 resume a evolução do conceito de qualidade para 7 itens diferentes: interesse, visão da qualidade, ênfase, métodos, papel do 26


Ah! Isso é fácil. É… O quê?!?

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profissional da qualidade, quem é o responsável da qualidade e foco de cada uma das etapas.

Tabela 1.2. Síntese das etapas da evolução da qualidade13

Interesse principal

Inspecção da qualidade Verificação

Controlo da qualidade Controlo

Visão da Um problema a Um problema a qualidade ser resolvido ser resolvido

Ênfase

Produto uniforme

Métodos

Instrumentos de medição

Técnicas estatísticas

Papel do Inspeccionar, profissional classificar e da avaliar qualidade

Solucionar problemas e aplicar métodos estatísticos

Garantia da Gestão pela qualidade qualidade total Coordenação Impacto estratégico Problema resolvido e enfrentado proactivamente

Diferenciação da concorrência

Produto Garantia de Necessidades uniforme sem toda a cadeia do cliente em necessidade de de fabrico e particular inspecção total participação de e do mercado todos em geral Programas e sistemas

Planeamento estratégico da organização

Planear, medir Estabelecer a qualidade e metas e fazer desenvolver de ponte entre programas departamentos

Quem é o Departamento Departamentos Todos os Todos os responsável de inspecção de produção e departamentos departamentos, pela engenharia com grande qualidade envolvimento da gestão de topo Foco

Inspecção da qualidade

Controlo da qualidade

13 Adaptado de Garvin (1988), já citado.

27

Construção da qualidade

Gestão da qualidade


Uma introdução à qualidade

Uma das formas de perceber a evolução do conceito de qualidade é também olhar para as mudanças que ocorreram no meio envolvente às empresas, ao longo das décadas consideradas. É uma daquelas alturas em que se compara o ―antigamente‖ com a ―actualidade‖ mas que acaba por conseguir explicar a evolução deste conceito ao longo do tempo. O facto é que quando a qualidade começou a ser uma preocupação por parte das organizações, o ambiente empresarial era relativamente estável, com um nível competitivo entre empresas relativamente reduzido em que o cliente não era propriamente o centro das empresas. Nessa altura a qualidade era responsabilidade de apenas um departamento e dizia respeito apenas ao produto final e era vista como algo isolado. Por esse motivo, não havia uma grande preocupação com a formação. Como já foi referido

anteriormente,

a

própria

estrutura

empresarial

era

mais

hierarquizada, num ambiente mais rígido, pelo que a falta de qualidade acabava por ser culpa dos funcionários, sendo que a melhoria da qualidade era feita com base no controlo dos funcionários. Com o evoluir dos tempos, o ambiente económico tornou-se muito mais competitivo e muitas vezes a qualidade é, como já vimos, um sinal de redução dos custos, de maior produtividade e consequentemente rentabilidade, podendo ser nalguns sectores o ponto de partida para a sobrevivência da empresa. Para além disso, o cliente passa a ser o objectivo central da empresa. A qualidade passou também a ser responsabilidade da gestão de topo, ainda que como foi referido anteriormente todos devam estar envolvidos no processo, pelo que a formação na área se torna obrigatória. O paradigma da culpa da falta de qualidade passa do trabalhador para os processos e procedimentos adoptados, sendo a prevenção essencial para a melhoria da qualidade e redução dos custos da não qualidade. É possível então concluir que a própria evolução do ambiente económico conduziu à evolução do conceito de qualidade ao longo do tempo.

28


Ah! Isso é fácil. É… O quê?!?

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1.3. Os gurus da qualidade O objectivo desta secção é elencar alguns dos especialistas desta área da qualidade, que são conhecidos entre o meio como gurus da qualidade. Talvez o especialista mais conhecido nesta área seja William Deming, um dos precursores da qualidade a nível mundial. Deming define a qualidade em relação à conformidade de um produto com as especificações técnicas e requisitos que os clientes pretendiam. Contemporâneo da Segunda Guerra Mundial, Deming era um apologista da aplicação de ferramentas de controlo estatístico da qualidade na produção, ferramentas essas que havia partilhado com Walter Shewhart, outro guru fortemente dedicado ao controlo estatístico da qualidade, conhecido como o pai das cartas de controlo (ferramenta da qualidade que será abordada mais à frente neste livro). Com o terminar da Segunda Guerra, a verdade é que a principal preocupação da economia americana passava não pela produção com qualidade mas sim em quantidade, pelo que a preocupação com estas matérias foi caindo no esquecimento. É também nessa altura que Deming é recrutado para apoiar o desenvolvimento de um recenseamento no Japão. Nessa época no Japão começou também a crescer um grande interesse sobre o tema da qualidade, nomeadamente o controlo estatístico da mesma, sendo que Deming acaba por leccionar vários seminários nesta temática, direccionados para a parte operacional das empresas. Contudo, a visão e experiência de Deming levou-o a entrar em contacto também com os gestores de topo das empresas, pois entendia que não era suficiente envolver apenas os trabalhadores. De facto, Deming defendia que toda a organização deveria ser adaptada às necessidades da qualidade, tendo proposto uma filosofia da qualidade assente em 14 princípios, ainda hoje conhecidos como os 14 princípios de Deming. A saber: 

orientar a organização para a melhoria constante de produtos e serviços; 29


Uma introdução à qualidade

fomentar um clima organizacional em que falhas e negativismo não são aceites mas sim encarados como oportunidades de melhoria;

acabar com a inspecção em massa dos produtos para garantir conformidade, substituindo pelo desenho de produtos e processos com qualidade intrínseca;

desenvolver relações de longo prazo com fornecedores do processo e não tomar decisões apenas com base em contratos com o preço mais baixo;

procurar a melhoria contínua dos processos, melhorar a qualidade e com isso reduzir os custos;

fomentar o treino e a formação;

substituir a supervisão pela liderança;

fomentar um clima de confiança no interior da empresa;

eliminar barreiras entre áreas funcionais na empresa;

evitar que se centre o pensamento da organização nos aumentos da produtividade;

terminar com a prática de gestão por objectivos, sendo a liderança uma forma de substituir essas práticas;

fomentar o orgulho do trabalho por parte dos colaboradores;

implementar o controlo estatístico da qualidade ao nível dos operadores;

promover o envolvimento de todos os colaboradores no processo de transformação da organização.

Por detrás deste conjunto de princípios está sempre o envolvimento de todos os trabalhadores, de forma a estarem motivados para o esforço da melhoria contínua. Isso permite não só uma motivação por parte dos colaboradores

mas

também

que 30

haja

uma

descentralização

das


Ah! Isso é fácil. É… O quê?!?

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responsabilidades. E ainda que os princípios anteriormente referidos estejam muito orientados para os produtos e especificações dos mesmos, continuam a ser válidos ainda hoje. A verdade é que, com o contributo de Deming, o Japão melhorou de forma significativa a qualidade dos seus produtos e, assim, a sua própria produtividade, tornando-se rapidamente líder em vários mercados. Joseph Juran é outro dos nomes fortes da qualidade, sendo que também ele lidou de perto com Walter Shewhart. Tal como Deming, também Juran integrou a equipa que visitou o Japão no período do pós-guerra, tendo contribuído de forma intensa para a forma como a cultura nipónica olha para a qualidade. Segundo Juran, a definição de qualidade estava intimamente ligada à forma como o consumidor final pretende utilizar o produto. Uma das suas inovações está também na apresentação de um modelo de custos da qualidade (matéria essa que será abordada no Capítulo 3 do livro). Para além disso, Juran entende a qualidade nas empresas como um processo contínuo, dividindo-o em três fases: planeamento da qualidade, controlo da qualidade e melhoria de qualidade. Esta visão mais dinâmica da qualidade acaba por obrigar as empresas à criação de diferentes equipas para lidar com cada uma das fases. Na primeira fase pretende-se identificar objectivos ao longo do tempo que serão monitorizados através de indicadores. Na fase do controlo da qualidade pretende-se medir a forma como os processos decorrem dentro do previsto, tomando acções que visam não só melhorar a qualidade mas também corrigir os potenciais problemas encontrados. É com base nestas acções correctivas que se pretende alcançar a última fase: a melhoria contínua da qualidade. Armand Feigenbaum é outro guru da qualidade, o responsável pela utilização da expressão gestão pela qualidade total, filosofia de gestão orientada para a qualidade e que já foi apresentada anteriormente neste livro. Recorde-se que o foco desta filosofia passa pelo envolvimento de todos na actividade da qualidade, sempre com o objectivo em mente da

31


Uma introdução à qualidade

melhoria contínua, uma filosofia de gestão e de compromisso com a excelência organizacional. Philip Crosby fica conhecido no meio da qualidade como o defensor do conceito zero defeitos, na produção de um bem. Crosby era funcionário de uma empresa que fabricava mísseis para o exército americano e que recebeu uma encomenda de um míssil que, para além da ausência de defeitos, deveria ser entregue num prazo relativamente reduzido. Nessa empresa funcionava o paradigma da inspecção dos produtos. No entanto, em virtude do prazo de tempo mais reduzido, essa inspecção não seria possível fazer, tendo sido nesse caso pedida a produção do míssil com qualidade à primeira montagem (tendo sido feito com sucesso). O carácter inovador das ideias de Crosby está no facto de considerar a qualidade como um processo gratuito, na medida em que compensa o investimento desde que se consiga garantir a produção com zero defeitos (eliminando assim os custos da não qualidade). A produção sem defeitos e à primeira é possível, segundo este autor, através de uma boa gestão de recursos humanos e da criação de uma consciência colectiva para a qualidade, através da motivação e do reconhecimento dos esforços por parte dos trabalhadores. No entanto, e para além do envolvimento de todos, Crosby defende que a falta da qualidade deve ser da responsabilidade do gestor e não do trabalhador. Kaoru Ishikawa é conhecido como guru da qualidade pelo desenvolvimento daquelas que são conhecidas como as ferramentas básicas da qualidade, ferramentas que têm como objectivo analisar os problemas da qualidade, no sentido de minimizar as suas consequências (estas ferramentas serão tratadas no Capítulo 6). Para além disso, Ishikawa é considerado também como o idealista da criação de círculos da qualidade, grupos de trabalho com reuniões periódicas e que têm como objectivo discutir e resolver os problemas da qualidade das empresas. Um dos grandes ênfases das suas teorias está também na participação e preocupação com a satisfação dos clientes internos da empresa. 32


Ah! Isso é fácil. É… O quê?!?

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Genichi Taguchi dá uma grande importância ao design dos produtos como forma de garantir a qualidade. Se o design não servir como facilitador da produção com qualidade, não haverá grandes possibilidades de se conseguir a melhoria da qualidade. Uma das grandes preocupações de Taguchi é efectivamente o custo para a sociedade, no que diz respeito ao que esta vai perder, do facto de um produto não ter qualidade. A estes gurus da qualidade, alguns autores juntam ainda o nome de David Garvin, autor este que já foi identificado neste livro como tendo contribuído fundamentalmente para a clarificação dos conceitos associados à qualidade, nomeadamente a identificação de diferentes dimensões da mesma.

33



Ah! Isso é fácil. É… O quê?!?

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2. A qualidade numa organização Como

a

introdução

indica,

este

é

um

livro

que

se

preocupa

fundamentalmente com a visão da qualidade e a forma como esta se pode aplicar em empresas ou organizações. Por esse motivo, alguns temas que são abordados não o são feitos de forma aprofundada pois fogem ao objectivo central do livro. E é o que acontece neste capítulo. Existem manuais de grande qualidade que se debruçam sobre os fundamentos das organizações em geral e das empresas em particular. O objectivo deste capítulo não é esse, daí que a abordagem às problemáticas da organização e da empresa sejam apenas abordagens sintéticas. Este capítulo começa se identificar o que é uma organização, passando para o lado na empresa na secção seguinte. O capítulo termina com a análise

de

algumas

questões

do

comportamento

organizacional

relacionadas com a qualidade

2.1. O que é uma organização? Uma organização é um conjunto de pessoas que combinam esforços individuais para atingir um propósito ou objectivo comum, objectivo esse que individualmente não seria possível alcançar. Em qualquer organização existem características que são comuns. Por um lado a organização em si é impessoal, sendo que são as pessoas que a compõem que podem imprimir depois diferentes características. Para além disso, todas as organizações acabam por ter relações de hierarquia que, sendo mais ou menos definidas e formais, configuram as suas relações e funcionamento internos. Por fim há também uma característica comum: o facto de todas as organizações, sejam de que tipo for, terem como objectivo a busca pela eficiência. Isso advém do facto de trabalharem com recursos que são escassos. É também um facto que todas as organizações têm determinados objectivos definidos, sendo esses objectivos enquadrados e relacionados com a 35


Uma introdução à qualidade

missão da organização. Como tal, é necessário que a organização tenha a clara noção da razão pela qual existe e daquilo que efectivamente quer vir a ser no futuro (mais à frente veremos que estes aspectos não são mais do que a visão e missão). É perante estas circunstâncias que uma organização define depois os seus objectivos e metas, sendo que são estas as bases do relacionamento com o meio envolvente. Os objectivos, esses, podem ser os mais diversos: maximização do lucro (no caso das empresas privadas), maximização do bem-estar da sociedade (no caso das empresas públicas), satisfação das necessidades dos clientes (supostamente objectivo de todas as empresas), objectivos ambientais (no caso, por exemplo, de grupos ambientalistas), satisfação das necessidades dos colaboradores, entre outros que podiam aqui ser indicados. Estes objectivos deverão ser definidos internamente e estar relacionados com aquilo que a organização pretende ser no futuro, sendo ela responsável pela criação de uma estrutura que deve fornecer os recursos para alcançar os objectivos previamente definidos. E tudo isto sem descurar um aspecto fundamental: sendo que as organizações não são algo estanque, todas elas têm sempre um potencial de crescimento que deve ser identificado na própria estratégia. Em todo o caso, e independentemente do tipo de organização, o seu objectivo último é sempre a criação de valor para os diversos agentes envolventes, sejam eles clientes, detentores do capital, colaboradores ou a própria sociedade. De resto, uma organização acaba por ser sempre um sistema de relações que pode ser genericamente identificado pela Figura 2.1. Todas as organizações têm inputs que são processados e que dão origem a outputs (produtos ou serviços finais). Durante este processo há sempre momentos de retroacção e de feedback que tanto pode ser interno como externo. Cada organização apresenta uma estrutura organizacional que não é mais do que o padrão de relações entre as diversas partes que constituem a organização.

À

representação

formal

dessa

estrutura

chama-se

organograma, servindo este para identificar as funções e responsabilidades 36


Ah! Isso é fácil. É… O quê?!?

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das diversas estruturas internas, a forma como a comunicação é feita entre elas e os mecanismos de controlo e autoridade formal existentes, explicitando os diferentes centros de decisão. No entanto, para além do organograma que indica a estrutura formal da organização existe também nas organizações uma estrutura informal, composta pelas diferentes redes de relações pessoais e sociais, relações essas que são estabelecidas fora da esfera formal e que resultam das interacções entre as diferentes pessoas.

Fig. 2.1. Organização como um sistema

Estes dois tipos diferentes de estrutura coexistem nas organizações e apresentam características diferentes. A organização formal é planeada, sujeita a controlo, apresenta as relações de liderança formais foca-se nas autoridades e responsabilidades definidas na organização. Para além disso esta estrutura é estável, na medida em que não está sujeita a grandes mudanças. No entanto ela não é estática, uma vez que é normalmente revista periodicamente e, de acordo com os objectivos da organização, pode vir a mudar ao longo do tempo. Por seu turno, e dado que deriva da interacção entre pessoas, a estrutura informal é mais espontânea, não está documentada (como a estrutura formal está no organograma) e não é reconhecida oficialmente. Também não está sujeita ao controlo mas sim a sentimentos e nesse sentido é mais instável. 37


Uma introdução à qualidade

De forma mais ou menos marcada, estas duas estruturas acabam por coexistir em todas as organizações. Apesar da estrutura formal ser necessária, a verdade é que uma estrutura informal saudável pode também gerar grandes benefícios à empresa visto que permite uma maior rapidez de processos e comunicação e pode ser uma grande fonte de motivação para as pessoas quando os objectivos individuais e organizacionais estão alinhados. No entanto, visto que não há um reconhecimento explícito das relações de chefia, este tipo de estrutura pode ser gerador de conflitos pessoais e de indisciplina e por isso ser difícil de controlar. Tudo se torna mais difícil quando não existe motivação ou quando os objectivos individuais não são comuns aos objectivos organizacionais. Dois elementos que a estrutura formal pretende clarificar são a autoridade e a responsabilidade. Ainda que muitas vezes sejam confundidos, estes conceitos têm significados diferentes. A autoridade diz respeito ao direito de tomar decisões e dar ordens, podendo essa autoridade ser do tipo hierárquico/vertical (identificado no organograma) ou funcional (que deriva da função que se desempenha). Quanto à responsabilidade, ela diz respeito à prestação de contas para com o responsável e está vigente na departamentalização. Apesar de caminhar em paralelo com a autoridade, não significa exactamente o mesmo. Estes dois conceitos estão intimamente ligados com a filosofia de gestão e decisão numa organização, que pode ser mais ou menos centralizada. A história

tem

mostrado

alguma

evolução

no

comportamento

das

organizações no que a esta questão diz respeito, com uma passagem de organizações mais centralizadas para organizações mais descentralizadas. É neste contexto que surge o conceito de empowerment. De uma forma breve este conceito significa a delegação de autonomia e poder de decisão aos colaboradores, ou seja, descentralização das decisões. A Figura 2.2 mostra o antagonismo entre estas duas filosofias de direcção de organizações: quanto maior foi o grau de controlo da gestão de topo maior é a centralização das decisões, pelo que o nível de empowerment será mais reduzido. 38


Ah! Isso é fácil. É… O quê?!?

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Fig. 2.2. Centralização vs. Descentralização

Por vezes as organizações tendem a descurar a importância da sua estrutura organizacional, o que pode acabar por ser um erro. Na verdade, essa estrutura é essencial no processo de comunicação, pois sob ela está implícito o que deve ser comunicado, quando e porquê, pelo que uma má estrutura pode acabar por deturpar a informação. Por esse motivo, essa estrutura deve ser clara e coerente e servir sempre para unificar os elementos da empresa. Não sendo a única estrutura possível de apresentar, a estrutura linear é aquela que mais se verifica nas empresas. É uma estrutura onde há, por exemplo, um presidente, ao qual reportam directores que, por sua vez têm a responsabilidade de gerir departamentos, divisões e secções. Um exemplo genérico pode ser consultado na Figura 2.3. Como é fácil perceber, a estratificação será tanto maior também quanto maior for a dimensão da empresa, sendo que para empresas de muito pequena dimensão a estrutura formal pode até nem estar definida. As vantagens desta estrutura organizacional clássica estão na sua facilidade de aplicação e de leitura, uma vez que indica uma definição clara dos deveres e das responsabilidades dos colaboradores da organização. No entanto, esta é uma estrutura que por vezes é demasiado rígida e que por 39


Uma introdução à qualidade

esse motivo não favorece o espírito de equipa, levando muitas vezes a rivalidades entre secções ou departamentos.

Fig. 2.3. Exemplo genérico de uma estrutura linear

Existem outros tipos de estruturas organizacionais e organogramas. Por exemplo, é possível acrescentar assessorias entre diferentes funções. Uma assessoria é uma estrutura que basicamente serve de aconselhamento, geralmente à gestão de topo, mas que normalmente não está sujeita à formalidade da organização14. Uma outra realidade presente em muitas organizações, nomeadamente as de maior dimensão, é a departamentalização. Esta forma de estruturar uma organização tem a ver também com o objectivo de descentralizar as decisões, aproveitando a especialização dos colaboradores. Acaba também por ser um modo mais fácil de coordenação e controlo das actividades. A departamentalização pode ser de vários tipos. Um desses tipos é a departamentalização geográfica. As entidades bancárias normalmente

14 Existem outros tipos de organogramas tais como os circulares, os de barras ou os radiais,

entre outros. Este tipo de organogramas apela a uma visão mais conjunta do que é uma organização. Qualquer organização deve olhar para o seu interior e perceber qual a melhor forma de identificar a sua estrutura. 40


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promovem este tipo de estrutura, identificando responsáveis de zonas do país. É possível ter também departamentalização por tipo de clientes. Por exemplo, no contexto actual das universidades pode ser interessante existir um departamento para cada um dos três ciclos de ensino (ou uma divisão entre o primeiro ciclo e os restantes dois). É possível ter também uma departamentalização por tipo de produto (por exemplo, uma parte da empresa preocupada com produtos para adultos e outra para produtos para crianças), por tipo de processo (numa empresa de produção, é possível ter, por exemplo, secções de preparação, corte, pintura, montagem, etc.) ou até departamentalização por projecto. Ao longo do seu curso, a turma de Técnico/a de Qualidade em Évora desenvolveu um trabalho em torno de uma empresa de eventos fictícia a que os formandos decidiram chamar Multieventos. Uma das primeiras tarefas foi a identificação do organograma da empresa. A Figura 2.4 mostra o organograma desenhado pelos formandos. No topo foi colocada a direcção da empresa, sendo que sob a sua égide estão os cinco departamentos existentes: administrativo e de recursos humanos, comercial e de clientes, organização e manutenção, compras e aprovisionamento e por fim qualidade. A contabilidade é feita externamente, estando identificada como assessoria.

Fig. 2.4. Organograma da empresa Multieventos

41


Uma introdução à qualidade

2.2. O que é uma empresa? Até ao momento neste capítulo falou-se apenas praticamente de organizações em termos genéricos. Uma das poucas referências a empresas é o último parágrafo da secção anterior, tendo servido para mostrar o exemplo de um organograma. De facto, uma empresa não é mais do que uma organização que é gerida por uma filosofia de negócios e avaliada de forma contabilística. O seu objectivo último é o lucro (no caso das empresas privadas) ou a rentabilidade social (no caso das empresas públicas). Uma empresa é sempre um sistema de forças com interesses diferentes: por um lado os accionistas ou donos da empresa que têm como objectivo maximizar o lucro da; por outro os trabalhadores que têm como objectivo maximizar os seus ganhos. Existem ainda os clientes cujo objectivo é sempre comprar os melhores produtos ao mais baixo preço. Mas a esfera de influência da empresa não fica por aqui: qualquer empresa é um sistema aberto, afectada também pela concorrência, pelos fornecedores, por autoridades reguladoras e por um grande conjunto de factores políticos, sociais, económicos, legais, culturais, tecnológicos e até a própria conjuntura internacional. Esquematicamente é o que se pode consultar na Figura 2.5.

Fig. 2.5. Empresa como um sistema aberto 42


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Mas não é só no relacionamento com o exterior que podem existir conflitos numa empresa: isso pode acontecer também pelo próprio funcionamento interno da mesma. Isto é verdade porque uma empresa é composta por diversas funções internas, algumas das quais acabam por ser conflituosas entre elas. Completamente departamentalizadas ou em conjunto, as principais funções internas das empresas são as funções administração, comercial,

desenvolvimento,

financeira,

pessoal,

produção,

aprovisionamento e comunicação. A função administrativa diz respeito à gestão da empresa e faz o enquadramento com outras funções. É à função administrativa que cabe o desenho da estratégia, o planeamento, organização e controlo das actividades e que toma iniciativas relacionadas com a comunicação e a motivação dos colaboradores. A função comercial é aquela que tem como objectivo perceber como é que se devem vender os produtos/serviços da empresa. Num ambiente de concorrência cada vez maior, esta acaba por ser uma função essencial e que está muito relacionada também com o marketing. Apesar deste não ser um livro específico sobre gestão, é importante referir que o marketing não diz apenas respeito à publicidade e é muito mais do que isso: o marketing é o elo de ligação entre a empresa e o cliente, na tentativa de perceber quais são as intenções deste. Pode ser vista como uma forma de comunicação com o cliente e, por isso, fundamental na área da qualidade (como ficará bem patente mais à frente). A função desenvolvimento é também essencial no ambiente competitivo actual, se bem que por outros motivos: cabe-lhe não só perceber aquilo que o cliente e o mercado querem mas também colocar em prática mudanças no produto e/ou na empresa de forma a manter a inovação e a diferenciação como actividades constantes. Temos depois a definição financeira, uma das funções centrais da empresa. O seu objectivo passa por obter os recursos financeiros necessários para o 43


Uma introdução à qualidade

funcionamento da empresa e utilizá-los de forma a que a empresa alcance o maior valor possível. A sua importância tem a ver com o facto da função financeira de certa forma condicionar todas as outras funções, na medida em que todas as outras necessitam de meios financeiros para alcançar os seus objectivos. Como à função financeira diz respeito a obtenção desses recursos financeiros, ela acaba por influenciar todas as outras funções. Um dos aspectos fundamentais desta função é o controlo da tesouraria, sendo que esta acaba por estar relacionada com o equilíbrio de forças entre dois horizontes temporais: o curto prazo que controla actividades como a concessão e obtenção de créditos, a gestão de stocks e a disponibilidade imediata de tesouraria; o médio e longo prazos que estão relacionados com actividades como o investimento nas diferentes actividades e a forma de financiar as mesmas. Também a política de distribuição de dividendos diz respeito a esta parte da função financeira. Assim, no curto prazo esta função relaciona-se fundamentalmente com fornecedores e clientes, enquanto na perspectiva de longo prazo o relacionamento é normalmente feito

com

as

instituições

financeiras,

accionistas

e

entidades

governamentais. À função pessoal associa-se fundamentalmente à selecção, admissão, recrutamento e controlo de funcionários mas também à forma como se comunica com os mesmos, como se motivam e como os ajudam a desenvolver-se através da formação. Por seu turno, cabe à função produção produzir os diferentes produtos ou serviços de forma a satisfazer as necessidades do mercado, produzindo com a máxima qualidade, dentro das normas, de acordo com os prazos da função comercial mas também com o mínimo custo possível. Esta função tem uma ligação relativamente forte à função aprovisionamento, uma vez que esta tem como objectivo assegurar a disponibilidade de matériasprimas e subsidiárias, essenciais para a produção da empresa. Cabe-lhe também fazer a gestão de stock dos produtos finais, permitindo sempre que o normal funcionamento da empresa esteja assegurado. 44


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A última função identificada é a função comunicação que tem como objectivo estruturar, gerir e desenvolver informação e assegurar que esta circula de forma rápida e eficiente. Como foi referido anteriormente, estas diferentes funções podem estar completamente separadas ou juntas em um ou mais departamentos. O essencial é que a empresa deve perceber a forma mais eficiente de se organizar de modo a que nenhuma destas funções falhe. Por exemplo, numa pequena empresa não será possível ter um departamento para cada um das funções, mas não será certamente por esse motivo que as funções não são normalmente desempenhadas. Dado que à partida qualquer empresa se pretende perpetuar no tempo, é necessário que a sua gestão seja cuidada. A gestão não é mais do que o conjunto de práticas desenvolvidas na empresa de forma a combinar do melhor modo possível os meios que a empresa tem ao seu dispor com o intuito de alcançar os seus objectivos. Por seu turno, o gestor é a pessoa responsável em coordenar o trabalho dos restantes colaboradores de modo a que se atinjam os objectivos definidos. Em empresas de maior dimensão, podem coexistir inclusivamente três diferentes tipos de gestores: os gestores de topo, os gestores intermédios e os gestores de primeira linha, sendo estes os que estão mais perto da parte operacional das empresas. Qualquer um dos três tipos de gestor deve ser eficaz e eficiente nas suas tarefas e devem todos deter aptidões conceptuais, de relações humanas e técnicas. As aptidões conceptuais estão relacionadas com aspectos distintos como o reconhecimento e resolução de problemas, e a identificação de oportunidades de inovação. As aptidões humanas (ou interpessoais) estão relacionadas com a forma como o gestor se relaciona com as outras pessoas, sendo neste caso capacidades ligadas ao trabalho em equipa e em rede e ao trabalho em diferentes contextos e culturas. Por fim, as aptidões técnicas estão mais relacionadas com a capacidade de

45


Uma introdução à qualidade

resolução de problemas mais específicos com a actividade produtiva da empresa. Em virtude de terem posições diferentes na estrutura da empresa, e apesar de todos os tipos de gestor deverem apresentar as diferentes aptidões, à gestão de topo estão mais associadas as aptidões conceptuais. O gestor de topo deve por isso perceber bem o modelo de gestão da empresa e deve ter credibilidade

junto de colegas e

subordinados, ter presença,

apresentação e discurso fácil. Por seu turno, o gestor intermédio deve saber contrabalançar as diferentes aptidões, enquanto o gestor de primeira linha, mais próximo da parte operacional da empresa, deve fundamentalmente dominar as aptidões técnicas. O papel da gestão acaba por ser fundamental em várias áreas de funcionamento da empresa. Entre outras questões, cabe à gestão decidir a localização da empresa, qual o layout da produção, que equipamentos e processos devem ser utilizados, quanto se deve produzir, quais os sistemas de retribuições aos colaboradores, quem são os fornecedores, como é feita a gestão de stocks, entre muitas outras decisões. Mas para estas decisões, o gestor tem que ter a perfeita noção de qual o produto ou serviço que está a ser produzido e procurado pelo mercado, quem são os clientes actuais e potenciais, quem são as partes interessadas na empresa (stakeholders) e de que forma a empresa cria valor para eles e também como é que a empresa é afectada por variáveis externas. Uma boa ferramenta que pode ajustar a gestão na tomada de decisão é a análise SWOT. Para perceber a base desta ferramenta basta olhar para uma frase de Sun Tzu, autor do sempre actual ―Arte da Guerra‖: Concentrese nos pontos fortes, reconheça as fraquezas, agarre as oportunidades e proteja-se contra as ameaças. Esta ferramenta faz isso mesmo: analisa os pontos fracos e os pontos fortes de uma organização contrapondo com oportunidades e ameaças. No fundo, compara o ambiente interno (os dois primeiros elementos analisados) com o ambiente externo (os dois últimos).

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A identificação de cada um dos pontos depende do contexto de cada empresa. A Tabela 2.1 é mais uma adaptação de um exercício feito por alguns formandos. Desta feita a empresa em causa chama-se Ponto Didáctico e é uma empresa que se dedica à comercialização de material didáctico e de escritório.

Tabela 2.1. Exemplo de uma análise SWOT Análise SWOT Pontos fortes Diversidade de produtos Análise interna

Pontos fracos Elevados manutenção

gastos

de

Boa localização Falta de específica

Atendimento personalizado

formação

Espaço agradável Oportunidades

Análise externa

Ameaças

Pouca concorrência

Burocracia

Actividade em expansão

Contexto de crise

Criação de emprego

Carga fiscal elevada Necessidade diferenciação

de

Existem outros modelos de gestão que podem ser utilizados para ajudar à tomada de decisão. Como já foi referido anteriormente, o objectivo deste livro é analisar como a qualidade pode ajudar as empresas, daí que não se aprofundam estes temas. Existem vários manuais de gestão que podem ajudar nesta questão em particular. Ainda assim fazem-se referência a alguns dos modelos que podem ser utilizados. Os exemplos identificados

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Uma introdução à qualidade

são de modelos relativamente simples mas que, por esse mesmo motivo, podem ser aplicados pelas empresas. Um desses modelos é o modelo BCG. Basicamente este modelo faz uma análise da carteira dos produtos, associando as decisões ao ciclo de vida do produto15. Este modelo relaciona duas variáveis: por um lado a quota de mercado relativa da empresa, por outro o crescimento do mercado. O objectivo é identificar quatro tipos de produtos diferentes: os produtos estrela (com crescimento do mercado e quota de mercado relativa elevados), os pontos de interrogação (elevado potencial de crescimento mas com quota de mercado reduzida), as vacas leiteiras (produtos com crescimento reduzido mas em que a empresa tem uma quota de mercado relevante) e cães (produtos tanto com baixa participação no mercado como crescimento baixo). Cada um destes quadrantes apresenta depois características diferentes quanto a forma como a empresa deve actuar no mercado, à capacidade do negócio para gerar lucro, ao tipo de investimento que a empresa deve fazer e ao fluxo de caixa gerado por esses produtos. A matriz Ansoff (que relaciona produtos novos e existentes com mercados novos e existentes), a matriz GE (que relaciona três níveis de força competitiva do mercado – baixa, média e alta – com os mesmos três níveis de atractividade do mercado) ou o modelo das cinco forças de Porter (cuja representação esquemática está presente na Figura 2.6) são apenas mais alguns exemplos de modelos que a gestão pode utilizar para ajudar a sua tomada de decisão.

15 Regra geral, todos os produtos passam por quatro fases durante a sua vida: a fase de

lançamento, a fase de crescimento, a fase de maturidade e a fase de declínio. 48


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Fig. 2.6. Representação esquemática do modelo das 5 forças de Porter

2.3. O comportamento organizacional e a qualidade Não sendo propriamente resultado de uma pesquisa, existem várias características desejáveis para uma empresa. Uma dessas características é o foco no cliente e no mercado, essencial para que os resultados sejam satisfatórios para a empresa. Para além disso, o foco no cliente é também um elemento essencial da gestão pela qualidade. A valorização do pessoal interno não só ao nível da formação mas também na oferta de boas condições de trabalho, a procura constante pela inovação (associada à visão do futuro) e a procura da melhoria contínua são também preocupações cada vez mais enraizadas nas empresas de sucesso. Uma outra questão que tem sido muito abordada nos últimos anos tem a ver com a responsabilidade social e ética das empresas. São cada vez mais as empresas que têm preocupações não só ambientais mas também de protecção de toda a sociedade, com medidas e políticas nessas áreas.

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Uma introdução à qualidade

Também a forma de estar das empresas evoluiu ao longo do tempo. Sempre correndo o risco de fazer uma divisão demasiado estereotipada, é possível distinguir características de dois grupos de empresas a que chamaremos ―empresas tradicionais‖ e ―empresas modernas‖. Assim, enquanto as empresas tradicionais se apresentam como demasiado hierárquicas, estáveis e individualistas, focadas no trabalho, com empregos permanentes e onde praticamente apenas os gestores decidem, as empresas modernas apresentam características diametralmente opostas, mais dinâmicas e orientadas para a equipa, com decisões conjuntas, focadas nas capacidades das pessoas, mais viradas para o cliente e com maior participação dos colaboradores nas decisões. A verdade é que hoje já não existem empresas só do tipo tradicional e será difícil encontrar empresas com todas as características identificadas como pertencendo ao tipo das empresas modernas. É no fundo uma mistura de ambas que existe e que deve estar presente na forma como elas se comportam no mercado. Ainda assim, aspecto essencial que as empresas devem ter para alcançarem o sucesso é procurarem de forma continuada a melhoria e a excelência. No entanto, se as características essenciais para a implementação de um sistema de gestão da qualidade (SGQ) e para alcançar o sucesso empresarial estão identificadas, por que razão nem todas as empresas as aplicam? Existem vários aspectos que podem conduzir a esta questão, nomeadamente problemas ao nível da motivação e da moral (associados muitas vezes à pouca autonomia dos colaboradores ou à pouco clara definição de funções e responsabilidades), da qualidade da tomada de decisão (por falta de informação ou por sistemas de comunicação deficientes), da coordenação (pela existência de objectivos conflituosos ou incapacidade da empresa responder a alterações do meio envolvente), da resistência à mudança, da falta de cultura de responsabilização pessoal ou até da falta de envolvimento da gestão de topo. Estes são alguns dos aspectos

relevantes

que

impedem

o

melhor

funcionamento

das

organizações e, em particular, das empresas. Sem querer entrar em 50


Ah! Isso é fácil. É… O quê?!?

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pormenores técnicos, pretende-se nesta secção identificar algumas destas fontes de bloqueio. Para uma abordagem mais pormenorizada e técnica destes temas pode consultar-se por exemplo o livro Manual de comportamento organizacional e gestão de M. Cunha, A. Rego, R. Campos e Cunha e C. Cabral-Cardoso (RH Editora, 2004). Um aspecto essencial é a questão do tipo de liderança que é efectuado na organização. Um bom líder tem que ser alguém que tenha capacidade de influenciar um grupo de indivíduos, mais do que debitar ordens de trabalho. É por isso fundamental que o seu perfil tenha também características de influência social de modo a conseguir apelar aos colaboradores para estes se empenharem na prossecução dos objectivos de trabalho e da organização. Cabe por isso à liderança fazer também passar a mensagem da importância da qualidade na organização, mas sem se desligar ela própria do problema, pois ninguém quer participar num projecto com o qual não se identifica mas com o qual também a liderança não se empenha ou no qual não acredita. Deste modo, a gestão acaba por ter um papel também muito importante na medida em que cabe-lhe identificar a pessoa capaz de servir de líder para a implementação de um sistema de gestão da qualidade e para o manter activo na empresa. A pessoa escolhida deve possuir um perfil mais associado a um gestor intermédio, com competências conceptuais, técnicas e interpessoais que lhe permita ser reconhecido por todos como capaz no desempenho da sua função. Porque os processos associados à qualidade são normalmente complexos, o líder deve ser uma pessoa que consegue construir relações fortes com os restantes elementos com quem trabalha, através do apoio que lhes destina, da capacidade de gestão de conflitos, da motivação que incute e do reconhecimento que dá a quem o rodeia. Outra questão essencial é que o líder deve ser capaz de delegar responsabilidades aos restantes elementos com quem trabalha. Por um lado, esta delegação de responsabilidades permite às pessoas sentirem

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Uma introdução à qualidade

que lhes é depositada confiança, mas também sentirem-se envolvidas no projecto. Para além da importância da liderança, é essencial que todas as pessoas envolvidas no projecto da qualidade estejam motivadas. São várias as teorias da motivação, sendo que neste caso as teorias mais relevantes são as que estão relacionadas com o trabalho. Mais do que explicar as teorias interessa

identificar os factores

que conduzem à motivação dos

trabalhadores. O sentimento de realização pessoal é fundamental para um bom desempenho das pessoas numa organização. Essa realização pessoal está relacionada com aspectos como o reconhecimento, o desafio do trabalho e a autonomia na tomada de decisões. Para tal é mais uma vez fundamental que os colaboradores compreendam o projecto em que estão envolvidos e sintam que podem fazer parte dele e isso só acontece se houver uma partilha de objectivos individuais e organizacionais. É neste contexto que a expressão ―vestir a camisola‖ entra em cena: os resultados da implementação prática do projecto da qualidade serão tanto melhores quanto mais envolvidos estiverem os colaboradores e quanto mais eles se sentirem identificados pela cultura e pela mística da organização. Um dos aspectos com o qual os responsáveis pela qualidade mais terão com que se preocupar é a resistência à mudança. Expressões como ―Sempre fizemos assim… para quê mudar?‖ são relativamente recorrentes quando se pretende implementar um projecto associado à qualidade. A implementação de um novo projecto traz sempre incertezas, sendo que essa incerteza pode ser sempre um facto de resistência para os colaboradores por desconhecimento sobre as consequências futuras, até porque os projectos associados à qualidade obrigam à existência de auditorias e estas normalmente acabam por assustar as pessoas. É por isso fundamental que os líderes passem a mensagem que as auditorias não servirão para avaliar as pessoas mas sim o sistema propriamente dito.

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Ah! Isso é fácil. É… O quê?!?

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Por todos os motivos atrás descritos, a comunicação é um factor essencial: os colaboradores devem estar impregnados dos valores da organização e só o podem estar se tiverem informação sobre os mesmos. Também para que conheçam o projecto ou para evitar a resistência à mudança, a comunicação é essencial neste processo. Não existe uma única receita, pois todas as organizações são diferentes. A forma como a mensagem deve ser passada depende do contexto da própria organização: do tipo de actividade, do tipo de pessoas envolvidas, e até do seu número. No entanto, as estratégias definidas para comunicação entre pessoas devem ser feitas do modo mais directo possível, para evitar a existência de ruído à volta da mensagem. É preciso perceber que factores como a falta de confiança em relação à pessoa que comunica assim como a sua credibilidade, o tipo de linguagem e o estilo da própria comunicação são algumas das várias barreiras à comunicação. Como tal, a escolha do modo como a comunicação é feita e a pessoa que o faz é também fundamental para o sucesso do projecto. No fundo, o que os líderes e responsáveis da equipa da qualidade têm que perceber é o ambiente da própria organização e a forma como se comportam os seus colaboradores, encontrando posteriormente as melhores estratégias de comunicação e motivação adequadas a esse caso concreto. É fundamental que todos os colaboradores se sintam envolvidos e integrados no processo para que as barreiras sejam minimizadas.

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3. Custos da qualidade Quando se fala em qualidade, muitas vezes pensa-se imediatamente nos custos que uma organização tem para conseguir implementar um sistema de gestão da qualidade. É um facto que esta implementação tem um custo, mas esse não é necessariamente o único custo da qualidade. Na realidade, para além dos custos associados a colocar em pé os projectos relacionados com a qualidade, também há custos de não qualidade que devem ser considerados numa organização. Assim, os custos da qualidade não são mais do que a soma dos custos para estar conforme e os custos associados às não conformidades. Neste caso os custos estão relacionados com o facto de não se conseguir fazer algo certo logo à primeira vez. Como os resultados de uma organização são apresentados em termos financeiros, também os custos da qualidade devem estar identificados na sua componente monetária. Muitas vezes associa-se os problemas da qualidade à imagem de um iceberg: quem olha superficialmente para um problema identifica as reclamações e os retrabalhos como as principais consequências da falta da qualidade. Mas abaixo da linha de água está uma quantidade de gelo bem maior: desperdícios de matérias-primas e/ou tempo que é consumido em excesso, stocks de matérias-primas que estão parados, custos com reembolsos de mercadorias, custos de inspecções, perda de credibilidade e imagem da organização, perda de mercado, custos com programas de melhoria e vários outros problemas associados à falta da qualidade. Estes custos acabam por ser custos invisíveis mas que no final podem ter um impacto significativo na contabilidade da organização. Ainda que não haja um consenso na literatura existente, normalmente dividem-se os custos da qualidade em quatro tipos diferentes: custos de 55


Uma introdução à qualidade

falhas internas, custos de falhas externas, custos de prevenção e custos de avaliação (ou de inspecção, segundo alguns autores). Os primeiros dois estão associados aos custos da não-qualidade e aos esforços necessários para (re)alcançar a qualidade e os últimos dois aos custos da qualidade propriamente ditos. Os custos de falhas internas são os custos associados aos defeitos e que são detectados antes do produto chegar ao cliente. Em primeiro lugar estão os desperdícios de trabalho e materiais que são utilizados na produção do produto defeituoso. Em segundo lugar são contabilizados neste tipo de custo, os custos associados aos retrabalhos para correcção de produtos defeituosos. São também considerados eventuais custos com a reciclagem dos produtos defeituosos, com o envio para sucatas, com a reinspecção e novos testes aos produtos que são refeitos, os tempos de paragem que são feitos tanto pelos empregados como pelos equipamentos motivados pela correcção dos defeitos e também os stocks adicionais que são necessários para suprir estas falhas. Quanto aos custos de falhas externas, estão relacionados com o facto do cliente não ficar satisfeito com o produto, em virtude de este lhe ser fornecido com defeito. Estes custos nem sempre são fáceis de quantificar e muitas vezes acabam por ser subestimados pelas organizações. Dentro desta tipologia estão os custos com reclamações e com todo o processo de investigação e resolução das queixas dos clientes, com devoluções (recepção e substituição dos produtos defeituosos) ou com garantias (para respeitar este serviço fundamental para a satisfação do cliente). Mas estes custos não são apenas directos: há também custos indirectos como os custos associados à perda de negócios futuros, perda de clientes ou custos associados à imagem e ao prestígio da organização. Os custos de prevenção contabilizam os custos que a organização tem para prevenir falhas de qualidade. Consideram-se então os custos de planeamento, de desenvolvimento e implementação de sistemas de gestão da qualidade, de formação, de controlo dos processos, de recolha e análise 56


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de dados, de distribuição de informação pelos colaboradores, de projectos de melhoria, de avaliação de novos projectos, custos associados a projectos de investigação e desenvolvimento e até custos de prevenção de compras (associados à revisão da capacidade dos fornecedores em oferecerem produtos que cumprem os requisitos da organização). Por fim têm-se os custos de avaliação, associados aos testes efectuados aos produtos antes de estes serem enviados para o cliente. Contabilizam-se neste caso todos os custos associados à inspecção e testes de materiais, produtos finais e equipamentos (como por exemplo os custos de calibração) e ainda os custos de avaliação de stocks, pois pode ser necessário efectuar testes a produtos armazenados para avaliar eventuais estragos ou deterioração. À partida espera-se que haja uma relação entre os diferentes tipos de custo. Por exemplo, ao investir na prevenção, espera-se uma redução tanto dos custos de falhas internas como nos custos de falhas externas, ainda que esses ganhos não sejam imediatos, pois as actividades de prevenção acabam por ter efeitos que por vezes podem gerar resultados visíveis apenas a médio ou longo prazo. Genericamente é o que mostra a Figura 3.1: o investimento em prevenção e na melhoria contínua do sistema faz aumentar os custos da rubrica de prevenção. No entanto, os custos das falhas diminuem e como há menos falhas também os custos de avaliação serão mais pequenos. No final a margem da organização aumenta, tornando o negócio mais rentável.

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Uma introdução à qualidade

Fig. 3.1 – Diferentes tipos de custos da qualidade

Realça-se mais uma vez o facto de se deverem medir os custos em valores monetários pois estes são valores que todos entendem e porque a tradução em valores financeiros chama a atenção ao problema em causa, fazendo a ligação entre a falta de qualidade e os resultados e estimulando a obtenção da melhoria contínua. Uma questão que se pode colocar é se vale a pena a todas as empresas produzir sem qualquer tipo de defeitos. Se à partida a resposta pode parecer que sim, a verdade é que isso depende dos investimentos necessários para garantir essa situação. Para tal considere-se a Figura 3.2. Os custos de falhas, representados pela linha a tracejado, são crescentes à medida que a percentagem de defeitos é maior, sendo nulos no caso de não existirem falhas. No entanto, existem também custos de controlo e de prevenção (a linha ponteada) que podem ser muito elevados para garantir que não existem falhas. A linha a cheio representa os custos totais, sendo que numa análise que tem apenas em conta os custos, o nível óptimo é o mínimo dos custos. No entanto a análise não pode ser vista apenas pelo lado dos custos, visto que existe também a parte das receitas. E as receitas 58


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podem ser significativamente menores no ponto do mínimo dos custos pelo facto dos clientes exigirem 0% de defeitos. O que esta figura chama a atenção é que analisando apenas os custos, a existência de zero defeitos não é necessariamente o melhor para a empresa. Tudo dependerá também de outras variáveis como a exigência dos clientes.

Fig. 3.2 – Produzir com 0% de defeitos?

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4. A qualidade e as normas Muitas pessoas associam directamente a qualidade às normas ligadas aos sistemas de gestão da qualidade, nomeadamente as normas ISO. E de facto, apesar de não serem sequer sinónimos, estas normas acabam por ter um papel fulcral para as empresas. No Capítulo 3, em que se falou dos custos da falta de qualidade, identificaram-se os vários tipos de custos associados e o facto de que muitas vezes os defeitos ou não conformidades nos produtos ou serviços são sinónimo de que algo está mal na forma como a empresa está organizada. O papel fundamental das normas da família ISO 9000 é orientar as empresas para estas se organizarem de modo a conseguirem ter um sistema de gestão que garanta um produto/serviço com qualidade. A certificação por estas normas não implica que as empresas façam tudo bem feito, não significa que não existam erros – apenas significa que estão aptas a desenvolver a qualidade na sua organização. E que, como vimos no Capítulo 1 do livro, vai mais além do que fazer produtos sem defeitos. Neste capítulo começam por se analisar os princípios da gestão da qualidade, passando-se em seguida para uma breve análise das normas ISO 9000 e ISO 9001. O capítulo continua com a análise do modelo de excelência da EFQM e a sua relação com a norma ISO 9004, culminando com uma visão sobre as metodologias de implementação de sistemas de gestão da qualidade

4.1. Os princípios da gestão da qualidade Como foi referido, as normas ISO 9000 e ISO 9001 têm como objectivo fazer com que as organizações implementem sistemas de gestão da qualidade, sendo que esses sistemas estão assentes em oito princípios de gestão da qualidade. Estes princípios são como que regras para se 61


Uma introdução à qualidade

alcançar a qualidade e a melhoria contínua, considerando-se todas as partes interessadas. A saber então: 

Focalização no cliente

Liderança

Envolvimento das pessoas

Abordagem por processos

Abordagem da gestão como um sistema

Melhoria contínua

Abordagem à tomada de decisão baseada em factos

Relações mutuamente benéficas com fornecedores

Um a um, vamos falar um pouco dos princípios de gestão da qualidade. O primeiro princípio é o da focalização no cliente. Segundo a ISO, “as organizações dependem dos seus clientes e por isso convém que compreendam as suas necessidades, actuais e futuras, satisfaçam os seus requisitos e se esforcem, por exceder as suas expectativas”. Os clientes são de facto o objectivo último de uma qualquer organização, compreender o que eles pretendem é essencial para que depois se consiga satisfazer os seus requisitos e exceder as suas expectativas, como é referido. Ter em conta este princípio obriga a uma pesquisa das necessidades e expectativas do cliente, a uma boa comunicação interna sobre o que o cliente efectivamente pretende e, claro, medir a sua satisfação. A Figura 4.1 representa um pouco a preocupação que a empresa deve ter e a forma circular como é feito o relacionamento com o cliente. O cliente tem um determinado bem ou serviço que espera consumir. Essa expectativa é depois comunicado a quem o produz através de contactos que podem ser mais ou menos formais. A empresa tem então uma determinada percepção do que o cliente quer para o produto ou serviço e realiza-o. Após consumir o produto ou serviço, o cliente fica também com uma percepção sobre o mesmo. 62


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Fig. 4.1. Focalização no cliente

Este ciclo acaba por ter dois momentos de avaliação distintos. Por um lado a empresa mede o desempenho, verificando se o produto ou serviço pretendido pelo cliente é o mesmo que é efectivamente produzido ou realizado. Por outro lado, há um momento de avaliação do lado do cliente em que é medida a sua satisfação em relação ao que é consumido, verificando se o que o cliente espera é efectivamente o que é colocado ao seu dispor. Se bem aplicado, este princípio tem vantagens para a empresa, pois acaba em primeiro lugar por fidelizar os clientes. Como a cadeia de Deming identifica, isso conduz posteriormente ao crescimento da quota de mercado e ao aumento da rentabilidade da empresa. Quanto à liderança, a ISO identifica que “os líderes estabelecem unidade nos objectivos e nas linhas de orientação da organização. Devem criar e manter um ambiente interno no qual as pessoas se tornem plenamente empenhadas na prossecução dos objectivos da organização”. Este princípio obriga os líderes a empenharem-se nas questões da qualidade, não apenas 63


Uma introdução à qualidade

para alcançar a qualidade mas também para a criação de um ambiente interno propício ao mesmo, motivando os colaboradores e fazendo com que todos entendam a filosofia da empresa, reduzindo as barreiras internas. É por isso fundamental a definição clara da missão e da visão da organização, elementos essenciais da estratégia, alinhando também estes elementos com os valores da empresa e definindo de forma correcta objectivos e metas16. A liderança deve também criar mecanismos de motivação e reconhecimento por parte dos colaboradores, até porque o princípio da gestão da qualidade que se segue é o princípio do envolvimento das pessoas: “as pessoas, a todos os níveis, são a essência de uma organização e o seu total empenhamento leva a que as suas capacidades sejam utilizadas em benefício da organização”. Se os clientes são o fim último da organização, as pessoas são a sua essência, sem elas a organização não existe. Daí que o envolvimento de todos seja essencial para se alcançarem os objectivos pretendidos. Para além disso, e como qualquer organização é composta por pessoas com diferentes capacidades, este princípio pretende ainda aproveitar todas as suas potencialidades, mantendo os colaboradores motivados, empenhados e envolvidos mas sem nunca esquecer a importância da responsabilização dos desempenhos. Porque algumas das barreiras à implementação de sistemas de gestão da qualidade estão relacionadas com os colaboradores da organização, é necessário que todos conheçam aquilo que se pretende e que todos compreendam o seu papel, aceitando as devidas responsabilidades e sempre tendo em conta que se devem procurar oportunidades de melhoria, não só ao nível organizacional mas também pessoal. Daí que os processos de autoavaliação do desempenho sejam um bom contributo para a prossecução deste princípio. O princípio da gestão da qualidade que se segue é a abordagem por processos: “os resultados pretendidos são alcançados da forma mais eficiente quando as actividades e os recursos que lhes estão associados

16 O próximo capítulo aborda estas questões de forma mais aprofundada.

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são geridos como um processo”. A gestão das actividades como processos permite ter resultados mais previsíveis e mais fáceis de medir, de forma a prosseguir o objectivo da melhoria contínua. Com esta abordagem conseguem-se utilizar também os recursos de forma mais eficiente e identificar oportunidades de melhoria na organização. Como é óbvio, é fundamental neste caso a definição dos processos bem como das competências e responsabilidades de cada pessoa envolvida nos mesmos. Obriga também ao fornecimento dos recursos necessários e à medição do desempenho por parte da empresa17. A abordagem da gestão como sistema é o quinto princípio da gestão da qualidade: “identificar, compreender e gerir processos inter-relacionados como um sistema contribui para que a organização atinja os seus objectivos de uma forma eficiente e eficaz”. No fundo este princípio não faz mais do que relacionar os vários processos existentes na empresa, considerando o sistema como um todo e não como a soma de várias partes distintas e autónomas. O objectivo é atingir os resultados da forma mais fácil possível, pelo que deve haver uma concentração nos processos-chave da organização, garantindo a eficiência e eficácia da mesma. Este princípio implica

ter

um

sistema

estruturado

em

que

estão

patentes

as

interdependências entre processos, identificando de forma clara o papel e as responsabilidades de cada elemento da organização e percebendo as potencialidades e capacidades desta como um todo. Segue-se o princípio da melhoria contínua: “a melhoria contínua do desempenho

global

deve

constituir

um

objectivo

permanente

da

organização”. Este deve ser um objectivo permanente e para toda a organização. Requer o fornecimento de formação em métodos e ferramentas de melhoria contínua, assim como a definição de metas que sirvam de orientação e que através da medição tornem possível o reconhecimento dos progressos da organização.

17 A definição de processos e o seu mapeamento são objecto de estudo também no próximo

capítulo do livro. 65


Uma introdução à qualidade

O penúltimo princípio da gestão da qualidade é a tomada de decisão baseada em factos: “as decisões eficazes são tomadas com base na análise de dados e de informações”. O objectivo deste princípio é a tomada de decisões que devem ser sempre objectivas e de acordo com informações concretas e não em opiniões. Implica por isso que a organização tenha capacidade para assegurar a transmissão de informação exacta e fiável e que os dados estejam acessíveis a todos, para ir de encontro ao objectivo pretendido. Por fim, tem-se como princípio as relações mutuamente benéficas com fornecedores: “a organização e os seus fornecedores são interdependentes e uma relação mutuamente benéfica reforça a capacidade de ambos para criar valor”. Basicamente o que se pretende é motivar todos os agentes envolventes à empresa e não apenas os agentes internos visto que se todos ganharem essa motivação é maior e há uma maior aptidão por parte de todos para a criação de valor. Não se pode esquecer que o fornecedor é também essencial para o bom funcionamento da empresa e que este pode ser um bom parceiro para assegurar flexibilidade e rapidez para responder a alterações do mercado. No entanto isso implica que haja uma abertura para que possa existir intercâmbio de recursos e experiências, definindo de forma clara quais são as responsabilidades de cada um dos intervenientes. É por isso também essencial que se definam estratégias de forma conjunta.

4.2. As normas ISO 9000 e ISO 9001 Como foi referido, a referência à qualidade traz directamente associadas as normas, nomeadamente as normas ISO. A ISO (International Organization for Standardization) é uma organização não governamental que elabora e aplica normas internacionais de qualidade tendo a melhoria contínua como objectivo. Essas normas, como será visto mais adiante, não têm carácter obrigatório. Servem isso sim para garantir a qualidade a todos os elementos da organização, não só a própria mas também todos os colaboradores, clientes, fornecedores e inclusivamente a sociedade em geral. 66


Ah! Isso é fácil. É… O quê?!?

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O aumento das exigências de clientes e parceiros comerciais, que cada vez apresentam uma maior preocupação com a qualidade é uma das razões para o surgimento das normas, cujo objectivo é efectivamente conduzir as empresas

a

implementar

sistemas

de

gestão

da

qualidade.

O

desenvolvimento dos países e do comércio mundial e a própria globalização acabam por ter também influência nesse sentido. A certificação não é mais do que o reconhecimento formal em como uma organização cumpre os requisitos do sistema de gestão da qualidade acabando por ser o passo final que comprova a qualidade. No entanto é preciso perceber que a certificação de empresas através das normas ISO não certifica produtos, não é para sempre, tem vantagens mas também tem custos. Para além dos custos financeiros, o facto de ser um processo longo, de poder desviar as atenções na empresa e a própria resistência à mudança são outros riscos do processo. O tempo de certificação não é igual para todos os casos, mas o processo de certificação acaba por ser relativamente linear: em primeiro lugar dá-se a candidatura, seguida da análise da documentação e da auditoria inicial. Esta auditoria dará lugar à tomada de acções correctivas, sendo depois tomada a decisão – uma avaliação positiva levará ao pedido do certificado enquanto uma avaliação negativa dá origem a uma nova auditoria. Como é óbvio, aquando da candidatura a organização já deverá ter muito trabalho interno feito, sendo que estas questões serão abordadas na última secção deste capítulo. As normas ISO 9000, ISO 9001 e ISO 9004 apresentam linhas de orientação

para que se alcance a qualidade numa

organização,

especificando os requisitos mas sem indicar como se deve fazer para que os requisitos se cumpram, pois essa questão já depende de cada uma das organizações.

67


Uma introdução à qualidade

A primeira das normas que deve ser consultada é a norma ISO 9000:200518 – Sistemas de gestão da Qualidade – Fundamentos e vocabulário, que descreve os fundamentos dos sistemas de gestão da qualidade sendo o ponto de partida para todas as outras normas, na medida em que explica as terminologias e conceitos aplicáveis. Segue-se a norma ISO 9001:2008 – Sistemas de gestão da qualidade – Requisitos, que identifica os requisitos de um sistema de gestão da qualidade. Por fim, a norma ISO 9004:2009 – Sistemas de gestão da qualidade – Directrizes para a melhoria do desempenho está vocacionada para a melhoria contínua nas organizações. Um sistema de gestão da qualidade (SGQ) é um sistema existente numa empresa que abarca a sua estrutura organizacional, os seus processos e procedimentos e que fornece os recursos que são necessários para que se possa fazer a gestão da qualidade na organização de forma planificada. Acaba no fundo por ser uma ligação entre a estratégia da empresa e a política da qualidade, com o objectivo de implementar um sistema que garanta a qualidade da organização. A política da qualidade que aqui se refere e que é exigida para a certificação através da norma ISO 9001 não é mais do que a missão e os objectivos de qualidade da organização, sendo um compromisso escrito e do conhecimento de todos. A sua existência deriva do facto de ser necessária para que toda a organização se focalize na questão da qualidade. Como é óbvio pretende-se que os objectivos definidos para a qualidade sejam coerentes e consistentes com a política e que sejam possíveis de medir. Um SGQ pode existir numa organização por diversos motivos. Em primeiro lugar, pode ser uma exigência de um cliente, para que este tenha também garantia que os seus fornecimentos são de qualidade. Mesmo que não seja por exigências dos clientes, a certificação acaba sempre por transmitir um sinal de confiança ao mercado. A empresa pode também por si só decidir implementar um SGQ para manter a qualidade do seu produto ou serviço e/ou manter os seus processos sob controlo. Por vezes a aposta na entrada

18 O ano refere-se à última actualização da norma

68


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em novos mercados obriga também a que certas especificações sejam obrigatórias, e esta é outra razão para implementar um SGQ. A procura constante pela melhoria contínua acaba por ser outra razão e que pode estar relacionado com o seu interesse em obter ou manter uma vantagem concorrencial e reforçar a imagem da organização. Como foi referido, os requisitos dos SGQ são os estabelecidos pela norma ISO 9001, requisitos esses que são genéricos e aplicáveis a qualquer sector económico. Os requisitos para produtos ou serviços não são estabelecidos por qualquer norma mas sim por contratos com clientes ou até por legislação. Para implementar um SGQ é necessário começar por determinar as necessidades e expectativas dos agentes interessados, estabelecer os objectivos da qualidade e identificar e definir os diferentes processos e responsabilidades. Cabe à gestão colocar à disposição os recursos necessários para atingir esses objectivos, identificar e aplicar medidas nesse sentido e também contribuir para a existência de meios de prevenção de não conformidades tentando eliminar as causas das mesmas, sempre tendo em conta a melhoria contínua. Este é um elemento essencial da gestão pela qualidade total, em que a aplicação das normas também se enquadra. Como tal devem também estar estabelecidos objectivos de melhoria da organização e devem ser identificadas soluções para atingir esses mesmos objectivos. A norma ISO 9001 dá uma importância grande ao papel da gestão de topo. Para além de ser da sua responsabilidade o estabelecimento da política, a sua promoção por toda a organização, o incentivo à colaboração e envolvimento de todos os elementos e a revisão periódica do SGQ, todo o processo deve começar pela gestão de topo. Na realidade devem ser os gestores os primeiros a entrar no projecto, começando por aprender acerca das

normas

que

pretendem

implementar

e

chamando

a

si

as

responsabilidades de planeamento do projecto. Para além de se comprometerem

com

o

projecto,

devem

também

tornar

esse

comprometimento visível fornecendo os recursos necessários mas também premiando a participação no projecto. Esta questão é essencial pois 69


Uma introdução à qualidade

ninguém pretende entrar num projecto sem saber o que está por trás, daí se dever explicar a toda a organização a importância do SGQ, como isso pode facilitar o trabalho no interior da empresa e também as suas implicações nos resultados da organização. Cabe também à gestão afastar alguns dos receios que os trabalhadores possam ter, nomeadamente ao nível das auditorias, pois é fundamental que todos percebam que o papel das auditorias é analisar a organização e não as pessoas. A documentação é outro dos elementos essenciais de um SGQ, sendo muitas vezes identificada como uma das desvantagens do mesmo, aliada à burocracia que isso envolve. No entanto é a documentação que permite a troca de informação entre os elementos da organização, que assegura a rastreabilidade dos processos, que avalia a eficácia e adequabilidade do SGQ e que proporciona também evidências objectivas do que se está a passar na organização. Convém não esquecer que a tomada de decisões baseadas em factos é um princípio da gestão da qualidade, pelo que se mostra aqui a importância da documentação. A documentação nunca deve ser vista como um fim mas sim algo que gera valor à organização. É nesse sentido que os documentos que interessa ter são aqueles que descrevem o modo como o sistema é aplicado, os que estabelecem requisitos ou especificações ou os que demonstrem recomendações ou sugestões, na medida que são estes que ajudarão a que todos compreendam o SGQ. A avaliação do SGQ é também elemento essencial da sua aplicação, sendo essa avaliação feita a vários níveis. Por exemplo, ao nível dos processos é importante verificar continuadamente se estes estão bem definidos, se são eficientes e se dão os resultados pretendidos. É aqui que entram as técnicas estatísticas que apoiam a detecção de problemas e falhas da organização, criando espaço para a procura de melhores soluções. Ao nível dos procedimentos é possível verificar se estes estão a ser efectivamente implementados e também verificar se as responsabilidades estão ou não atribuídas. A avaliação do SGQ é feita regulamente recorrendo a auditorias que podem ser internas ou externas, sendo que estas podem ser requeridas 70


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por clientes ou efectuadas por organizações independentes no âmbito do processo de certificação. Um SGQ, como qualquer outro sistema de gestão, tem como objectivos o crescimento de uma empresa e a melhoria dos seus resultados. Mas um SGQ vai mais além, preocupando-se também com questões como a satisfação dos trabalhadores. Nunca esquecendo a melhoria contínua, é possível com um SGQ tentar alcançar também um patamar superior: o da excelência. Como tal, o SQG pode servir para identificar pontos fortes e fracos na avaliação da organização e efectuar comparações não só com outras organizações mas também comparações ao longo do tempo na própria organização. Passemos agora a olhar directamente para as normas. A norma ISO 9000:2005 identifica, como foi referido, o vocabulário e os conceitos necessários para a implementação de um SGQ. Na realidade, muito do que foi identificado já neste capítulo do livro pode ser consultado também nessa norma, que começa por apresentar os oito princípios de gestão da qualidade

(identificados

na secção

anterior)

e

prossegue

com

a

identificação dos fundamentos de um SGQ, explicados nesta secção (ainda que não identificados como tal). O essencial para uma boa aplicação de um SGQ é perceber que este é de facto um sistema, um conjunto de processos relacionados e não um conjunto de peças montadas ao acaso. A Figura 4.2, adaptada da norma, mostra efectivamente como o SGQ deve ser visto como um sistema. Um SGQ tem que ter por base o cliente, daí que um dos inputs é efectivamente os requisitos do cliente. As setas a tracejado representam fluxos de informação com os clientes, sendo os mesmos responsabilidade da gestão. Por seu turno, as setas com linhas a cheiro representam elementos que são valor acrescentado para a organização, como por exemplo os requisitos 19. Estes, após serem analisados, vão dar origem a produtos ou serviços que

19 Por si só os requisitos não são valor acrescentado, terão que ser posteriormente transformados

no produto ou serviço que o cliente efectivamente pretende. 71


Uma introdução à qualidade

são fornecidos ao cliente e consumidos por estes, que darão depois feedback da sua satisfação. Como se pode verificar na figura, os clientes são a entrada e a saída do SGQ sendo que este é representado por um fluxo circular em que está identificada a responsabilidade de gestão, a necessidade de gestão dos recursos, a realização do produto e a medição, análise e melhoria. Estes são os grandes motes para a implementação de um SGQ (os números indicados dizem respeito à organização da norma ISO 9001) e como se pode ver pertencem a um sistema circular, que está em constante avaliação e sempre com um objectivo no topo: a melhoria contínua.

Fig. 4.2. Sistema de gestão da qualidade

O resto da norma ISO 9000:2005 trata dos diversos conceitos relacionados com a qualidade e mostra em termos gráficos como os conceitos de relacionam. Convém recordar que a compreensão dos conceitos é fundamental para a implementação do SGQ pelo que qualquer projecto de implementação deve começar pela leitura e análise desta norma.

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Ah! Isso é fácil. É… O quê?!?

Paulo Ferreira

A norma ISO 9001:2008 é a norma que identifica os requisitos necessários para implementação de um SGQ numa organização com base nos oito princípios de gestão da qualidade. Um dos primeiros elementos que a norma apresenta é efectivamente a necessidade de fazer a abordagem ao SGQ por processos, reforçando a ideia apresentada anteriormente. Seguem-se algumas informações genéricas e a referência aos conceitos e definições apresentadas na norma ISO 9000. As novidades propriamente ditas da norma começam no capítulo 4, sendo a estrutura da norma a representada na Figura 4.3.

Fig. 4.3. Estrutura da norma ISO 9001:2008

O estudo que se segue não pretende ser exaustivo em relação às diferentes cláusulas da norma. Essa é uma tarefa árdua e muito extensa, bastando por exemplo olhar para o guia interpretativo da norma, composto por 116

73


Uma introdução à qualidade

páginas20. O objectivo é identificar em traços gerais algumas das características da estrutura da norma. O capítulo 4 da norma aborda então os SGQ identificando os requisitos gerais e os requisitos da documentação. Em relação aos requisitos gerais de um SGQ eles já foram identificados: a norma indica que a organização deve identificar os processos, a sua sequência e interacção, deve identificar formas de assegurar o controlo das operações e fazer a monitorização e medição dos processos e ainda garantir a disponibilidade dos recursos, sempre tendo em vista a melhoria contínua. Em relação à documentação, o sistema de gestão da qualidade deve incluir a política e os objectivos da qualidade, manual da qualidade, procedimentos documentados e os registos requeridos pela norma e ainda todos aqueles registos e documentos que a organização achar necessários para assegurar o controlo dos processos. O manual da qualidade deve identificar o campo de aplicação do SGQ e incluir eventuais exclusões das cláusulas da norma (elementos que podem não ser incluídos se não disserem respeito à actividade da empresa), deve ter identificada a interacção dos processos e ter também os procedimentos documentados. O capítulo 5 da norma trata da responsabilidade da gestão sendo que este capítulo tem cinco secções diferentes: compromisso da gestão; focalização no cliente; política da qualidade; planeamento; responsabilidade, autoridade e comunicação; e revisão pela gestão. O compromisso da gestão está associado ao que já foi identificado anteriormente: cabe à gestão desenvolver, implementar e proceder à melhoria contínua do SGQ, fazer a revisão do mesmo, estabelecer a política e os objectivos da qualidade, identificar os requisitos do cliente e regulamentar e fornecer os recursos necessários para a implementação do SGQ, quer recursos financeiros quer recursos associados à formação e informação dos colaboradores.

20 Pode ser obtido em http://www.apcer.pt/arq/fich/Guia_9001.pdf.

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Ah! Isso é fácil. É… O quê?!?

Paulo Ferreira

Quanto à focalização no cliente, aspecto fundamental de um SGQ, a norma indica que a gestão de topo deve identificar os requisitos do cliente e assegurar que eles se verificam, com o objectivo de aumentar a satisfação do cliente. Em relação à política da qualidade, ela deve ser apropriada ao propósito da organização e deve conter informação explícita sobre o comprometimento com o cumprimento dos requisitos e com a melhoria contínua. Para além disso deve ter ainda informação sobre a sua revisão e a comunicação da mesma no interior da organização. Sobre o requisito do planeamento, a norma indica que é responsabilidade da gestão de topo assegurar que os objectivos da qualidade são estabelecidos, objectivos esses que devem ser mensuráveis e consistentes com a política da qualidade e que todos estes aspectos devem ser alvo de planeamento adequado. Para além disso os resultados devem ser medidos e analisados de forma a se adaptar o SGQ se necessário. A secção da responsabilidade, autoridade e comunicação defende que cabe à

gestão

de

topo

assegurar

que

todos

sabem

quais

as

suas

responsabilidades dentro da organização, identificando ainda as relações de autoridades vigentes. Isso pode ser feito, por exemplo, através da descrição de funções e do desenho do organograma. Para além disso, a gestão de topo é ainda responsável por assegurar a comunicação interna para levar a cabo a implementação do SGQ. Essa comunicação deve abarcar todos os sectores da organização e deve incidir sobre os processos, os resultados e a importância do cumprimento dos requisitos. Deve ainda ser designado, também pela gestão, um representante da gestão que assegure que os processos são implementados, que faça a ligação ao resto da organização e que reporte à gestão de topo as informações

sobre

a

qualidade.

Este

elemento

tem

também

a

responsabilidade de representar a gestão perante entidades externas no que diz respeito às questões relacionadas com a qualidade (por exemplo, perante entidades certificadoras). 75


Uma introdução à qualidade

A última secção do capítulo 5 diz respeito à revisão pela gestão. A revisão do SGQ é requerida pela norma, apesar de não existir um intervalo pré-definido. No entanto essa revisão deve estar planeada, mantendo-se sempre orientada para a melhoria contínua. Todos os registos da revisão pela gestão devem ser mantidos na organização. Qualquer elemento que possa servir para melhorar o SGQ pode ser entendido como um input da revisão pela gestão, nomeadamente os resultados das auditorias, a informação obtida junto de clientes, a informação dos resultados sobre os processos, os resultados de acções preventivas e correctivas e de acções resultantes de anteriores revisões e qualquer tipo de recomendações para a melhoria. Por seu turno, são outputs da revisão a informação sobre necessidade de recursos e os resultados ao nível da melhoria nas organizações. O capítulo 6 da norma diz respeito à gestão dos recursos e é composto por quatro secções: provisão de recursos, recursos humanos, infra-estruturas e ambiente de trabalho. Em primeiro lugar a organização deve determinar e colocar ao dispor dos seus elementos os recursos para implementar o SGQ e para aumentar a satisfação do cliente. Nesse sentido, é necessário ter recursos humanos que tenham competências apropriadas para alcançar os objectivos propostos pelo SGQ, daí que a identificação das necessidades de formação assim como o desenvolvimento e avaliação dessas acções sejam fundamentais, apelando-se sempre à consciencialização dos colaboradores para a importância da qualidade na organização. A norma requer que sejam mantidos registos sobre a escolaridade, formação, saber-fazer

e

experiência

dos

colaboradores

da

organização.

As

infra-estruturas devem possibilitar aos colaboradores que estes consigam ter condições para atingir a conformidade dos requisitos do produto, dizendo respeito aos edifícios e ao espaço de trabalho, aos meios e equipamentos necessários e também a serviços de apoio necessários à prossecução dos objectivos. Também em relação ao ambiente de trabalho se requer que a organização possibilite que este tenha as condições necessárias para o bom desenvolvimento da sua actividade. De notar que 76


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por ambiente de trabalho não se entende apenas o ambiente entre colaboradores mas também factores físicos e ambientais tais como condições de ruído, temperatura e outras relevantes. O capítulo 7 da norma, respeitante à realização do produto, é o mais comprido e provavelmente mais complexo capítulo, sendo composto por seis secções diferentes: planeamento da realização do produto, processos relacionados com o cliente, concepção e desenvolvimento, compras, produção e fornecimento do serviço e controlo do equipamento de monitorização e medida. É o único capítulo que poderá ter cláusulas excluídas num determinado SGQ por em determinados casos poderem ter aspectos que não se aplicam a determinadas áreas específicas. É importante aqui reter que realização do produto ou realização do serviço dizem respeito à mesma realidade. Em relação à primeira secção, não se pretende mais do que fazer o planeamento e desenvolvimento dos processos necessários para a realização do produto, devendo esse planeamento ser coerente com os requisitos do SGQ. Mais uma vez é importante definir os objectivos da qualidade e, claro, os requisitos do produto, fornecendo os recursos necessários para tal e tendo documentadas as evidências de que o processo de realização do produto vai de encontro aos requisitos. Acrescenta-se ainda a necessidade de identificação de actividades para verificação, validação, monitorização, medição, inspecção e ensaio do produto, assim como devem estar definidos os critérios de aceitação dos mesmos. Tudo isto pode estar presente, por exemplo, num contrato. Para a secção dos processos relacionados com o cliente, em primeiro lugar é necessário que se determinem os requisitos relacionados com o produto, incluindo se necessário aspectos relacionados com as actividades de entrega, garantia, manutenção e assistência do mesmo. Para além disso devem também estar documentados outros requisitos necessários para a realização do produto, tais como requisitos estatutários, regulamentares ou qualquer outro considerado necessário pela organização. É também 77


Uma introdução à qualidade

necessário que os requisitos sejam revistos periodicamente, sendo que os registos dos resultados das revisões e das acções subsequentes devem ser mantidos na organização. A exigência de documentação destas alterações deve-se também ao facto de que todos os colaboradores que estão envolvidos no processo de realização do produto têm que saber sobre a revisão dos requisitos. Por fim, a organização deve ter sistemas eficazes de comunicação com o cliente sobre o produto e eventuais alterações, devendo dar retorno de informação do cliente, incluindo as suas reclamações. A secção de concepção e desenvolvimento é talvez uma das mais importantes e uma das secções que é mais descurada pelos responsáveis da gestão porque em muitos casos se pensa que é possível de excluir, quando na verdade isso não deveria acontecer. Utilizo um exemplo para demonstrar esta questão. Como já foi referido anteriormente, um dos grupos de formandos trabalhou uma empresa de gestão de eventos (Multieventos). Poder-se-ia pensar que por estar a produzir serviços, se pudesse excluir do SGQ este requisito. No entanto, um dos processos da empresa é exactamente a criação de eventos inovadores, pelo que há efectivamente actividades de concepção e desenvolvimento (neste caso de um serviço). Esta secção começa por abordar o planeamento da concepção e do desenvolvimento, sendo que a organização deve controlar as etapas do processo e tornar possíveis as revisões, verificações e validações necessárias. São inputs deste processo os diferentes requisitos (de desempenho, estatutários, regulamentares ou outros quaisquer aplicáveis), enquanto nos outputs se têm o produto ou serviço que vai de encontro aos requisitos que serviram de input, a informação necessária para a produção, fornecimento ou compra do serviço, os critérios de aceitação do produto e também as suas características. Também a concepção e desenvolvimento deve ser revista de modo a avaliar se os resultados da sua actividade estão a ir de encontro aos requisitos, tomando medidas para corrigir os desvios no caso de existirem. Devem ainda ser tomadas actividades de verificação (para assegurar que os outputs da concepção e desenvolvimento vão de 78


Ah! Isso é fácil. É… O quê?!?

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encontro aos inputs) e de validação (para assegurar que o produto final vai de encontro aos requisitos). Tanto num caso como no outro os registos dos resultados devem ser mantidos. Sempre que existam alterações neste processo, também elas devem ser revistas, verificadas, validadas e aprovadas antes da implementação, novamente com a manutenção dos registos. Segue-se a secção de compras, que tem como objectivo fazer com que a organização consiga assegurar que o produto comprado está conforme os requisitos por si especificados. O cuidado a ter com este processo deve ser tanto maior quanto maior for a importância do produto comprado no efeito do produto final. Como tal, é essencial que a empresa seleccione e avalie os seus fornecedores com base na sua capacidade de fornecimento de um produto que esteja conforme os seus próprios requisitos. No entanto outros critérios como a assistência pós-venda, o apoio técnico, a rapidez de atendimento, preços e condições de pagamento, o facto de ter um SGQ também implementado ou até a saúde financeira podem ser também válidos para avaliação dos fornecedores, e não apenas a capacidade para fornecer produtos que estejam conforme as especificações. Também a avaliação dos fornecedores deve ser revista, pois as condições de mercado e de concorrência alteram-se ao longo do tempo. É possível também que a organização proceda a actividades de inspecção dos produtos comprados, de forma a assegurar que o mesmo vai de encontro aos requisitos. Segue-se nova secção com informação bastante relevante para todas as organizações: produção e fornecimento do serviço. Esta secção começa com o controlo da produção e do fornecimento do serviço, sendo que para tal

a

organização

deve

fazer

o

planeamento

desta

actividade

disponibilizando informação sobre as características do produto e instruções de trabalho. A organização deve ainda ter disponível o equipamento apropriado para utilização do produto assim como equipamento de monitorização e medição que permita que essa monitorização e medição sejam implementadas. Devem estar também definidas as actividades 79


Uma introdução à qualidade

relacionadas com a liberação e a entrega dos produtos e as condições para serem implementadas. A validação de algo diz respeito à sua capacidade para demonstrar aptidão para atingir os objectivos e resultados planeados. No âmbito da validação dos processos de produção e de fornecimento do serviço, é preciso ter em atenção que a norma não requer que todos os processos sejam validados – apenas os processos especiais têm que o ser. Um processo especial é um processo que apenas após a utilização do produto é possível verificar as suas condições, não sendo possível de testar. Os casos típicos são produtos de uma só utilização (os fósforos, por exemplo) ou os serviços, casos em que não é possível testar o produto em causa. O que se requer é que as condições sejam as necessárias para a produção, pois se as condições forem as ideais, então a probabilidade de erro é muito baixa. Outro elemento importante, ainda dentro desta secção, é a identificação e rastreabilidade dos produtos. Este aspecto diz respeito à capacidade que a organização tem em identificar e controlar o estado de um determinado produto ao longo das suas actividades de produção, para garantir o reconhecimento de problemas e a identificação das suas causas. O objectivo é mesmo acompanhar o produto ao longo do seu ciclo de produção e saber o seu circuito, tendo conhecimento histórico sobre o mesmo tanto a montante como a jusante da empresa, sendo apenas obrigatório de implementar se for requisito do cliente. A cláusula da propriedade do cliente indica que a organização deve cuidar deste aspecto em particular enquanto estiver sobre o seu controlo, de modo a que a propriedade do cliente seja identificada, verificada, protegida e salvaguardada. Isto diz respeito não só ao produto mas também a outros elementos essenciais como informações pessoais (como é o caso das fichas de cadastro, por exemplo em instituições financeiras). Sempre que haja perda, dano ou utilização inapropriada da propriedade do cliente por parte da organização, o cliente deve ser informado e os registos mantidos.

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Esta secção termina com a cláusula da preservação do produto, em que a organização se obriga a preservar o produto, sendo que essa obrigação é feita não apenas no processo de produção mas também até à entrega no destino (a não ser que haja disposição em contrário, como por exemplo através de um contrato). O objectivo é garantir que até à sua utilização, o produto mantém a conformidade com os requisitos. A última secção do capítulo 7 da norma é o controlo do equipamento de monitorização e de medição. A organização deve determinar quais os equipamentos que devem ser alvo de monitorização e de medição, para que se possa prosseguir o objectivo da conformidade do produto. Deste modo, é preciso compreender que nem todos os equipamentos numa organização estão sujeitos a esta prática. Pode acontecer até que o mesmo tipo de equipamento, consoante a sua utilização, possa ter um comportamento diferente. Retomando o exemplo da empresa Multieventos, uma das suas actividades é a produção de concertos em tendas que devem estar climatizadas de acordo com os requisitos do cliente. Como tal, um ar condicionado utilizado numa tenda deve estar calibrado. No entanto, o ar condicionado dos escritórios da empresa não terá essa necessidade, pois não influencia directamente o fornecimento do produto. Os equipamentos de medição devem então ser calibrados e/ou verificados em intervalos especificados face a padrões de medição rastreáveis a padrões de medição internacionais ou nacionais. Os registos dos resultados de calibração e verificação devem ser mantidos pela organização. O último capítulo da norma é o capítulo da medição, análise e melhoria, composto por cinco secções: generalidades, monitorização e medição, controlo do produto não conforme, análise de dados e melhoria. O objectivo é que a organização tenha um plano de implementação para estas actividades e o ponha em prática, de modo a demonstrar a conformidade com os requisitos, a assegurar a conformidade do próprio SGQ e a permitir a sua melhoria contínua recorrendo, se necessário, a técnicas estatísticas.

81


Uma introdução à qualidade

As actividades de monitorização e medição acabam por ter várias dimensões diferentes. Em primeiro lugar, essas actividades devem ser colocadas em prática no âmbito da satisfação do cliente, encontrando informação relativa à sua satisfação. Os métodos para a obtenção dessa informação e sua subsequente utilização devem estar identificados, podendo ser feitos por exemplo através de inquéritos, análise de negócios perdidos, elogios, reclamações ou outra qualquer informação relevante. Por outro lado, há a dimensão das auditorias internas, que devem estar planeadas pela organização de modo a verificar se o SGQ está conforme as disposições planeadas e se está a ser implementado e mantido com eficácia. As auditorias devem também estender-se aos processos. Como em qualquer processo de avaliação, os auditores devem ser imparciais. Como noutras actividades, os registos das auditorias também devem ser mantidos21. A organização deve ainda assegurar que as falhas identificadas pelas auditorias devem ter tanto quanto possível acções correctivas rápidas, de forma a eliminar as não conformidades detectadas assim como as suas causas. Estas acções correctivas devem posteriormente ser analisadas para se verificar se tiveram efeito prático. A secção segue com a cláusula da monitorização e medição dos processos, segundo a qual a organização deve aplicar métodos apropriados para a monitorização e medição dos processos do SGQ, quando aplicável. O objectivo é verificar se os pro0cessos estão aptos a atingir os resultados pretendidos, sendo tomadas acções correctivas quando isso não se verifique. Para além dos processos, também o produto deve ser alvo de monitorização e medição, sendo essas actividades efectuadas em etapas consideradas apropriadas durante o processo produtivo. Devem ser mantidos registos destas actividades, incluindo informação sobre a decisão de liberação do produto e identificação da pessoa responsável por essa

21 O tratamento das auditorias é uma temática demasiado vasta e específica, como tal não é

tratada no âmbito deste livro. Existe uma norma para orientação sobre auditorias – ISO 19011 – Linhas de orientação para auditorias a sistemas de gestão da qualidade e/ou de gestão ambiental. 82


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liberação, sendo que esta só deve ser feita quando todas as disposições planeadas tenham sido completadas, a não ser em casos em que seja aprovado por autoridade relevante ou pelo cliente. É aqui que entra o conceito de derrogação: é possível fornecer ao cliente um produto que não cumpre os requisitos, desde que este concorde. A secção seguinte da norma diz respeito a um requisito da norma que dá origem a um procedimento mandatório: o controlo do produto não conforme. Segundo esta cláusula, a organização deve assegurar que o produto não conforme seja identificado e controlado, de modo a que este não chegue às mãos do cliente para ser utilizado. Como tal, deve existir esse tal procedimento documentado e que define os controlos que são feitos, assim como as responsabilidades e autoridades para o seu tratamento. De acordo com as diferentes situações, a organização deve empreender acções para eliminar a não conformidade detectada, impedir a utilização do produto ou serviços e também proceder a medidas para responder aos efeitos ou potenciais efeitos da não conformidade, no caso de esta ser detectada apenas após a entrega do produto ou no início da sua utilização. Após correcção da não conformidade, o produto deve ser sujeito a reverificação para demonstrar conformidade e todos os registos devem ser mantidos. As intervenções devem ser tão mais rápidas quanto maiores forem as consequências para os clientes. A secção que se segue é a da análise de dados e diz respeito à recolha e análise dos dados gerados pelo SGQ para verificar a aptidão, eficácia e contínuas melhorias do sistema. Estes dados devem fornecer informação sobre a percepção e satisfação do cliente, a conformidade com especificações e requerimentos, as tendências dos produtos e dos processos, as oportunidades para acções preventivas e informação sobre os fornecedores. Finalmente temos a secção da melhoria, que começa por identificar o papel da melhoria contínua: a organização deve manter a atitude de incrementar o desempenho do SGQ através da utilização da política e objectivos da 83


Uma introdução à qualidade

qualidade, dos resultados das auditorias e da análise de dados, da revisão pela gestão e da tomada de acções correctivas e preventivas. As acções correctivas são acções tomadas a cabo para eliminar as causas de não conformidades identificadas para evitar que estas não se repitam. O procedimento para tratamento de acções correctivas é também mandatório e deve definir informação para revisão das não conformidades (incluindo reclamações de clientes), determinar as suas causas, avaliar a necessidade de tomada de acções para evitar que as não conformidades não se repitam, implementar as acções identificadas, registar os resultados das acções e rever a sua eficácia. Por seu turno as acções preventivas são acções que a organização deve tomar para eliminar potenciais causas de não conformidades, prevenindo a sua ocorrência. Este é também um procedimento mandatório, que fornece informação semelhante à do procedimento das acções correctivas. A norma ISO 9001 é talvez a principal norma da qualidade, mas as organizações não têm que se ficar por aí. Existe uma norma, a ISO 9004, que vai um passo mais além: partindo da ISO 9001, esta norma pretende alcançar a excelência através da melhoria contínua. No fundo ela aumenta os aspectos da organização que são cobertos, aumentando também os stakeholders envolvidos. O futuro das normas passa por acrescentar conceitos como a ética ou os problemas

sociais.

Na

verdade

existe

uma

norma

para

a

responsabilidade social (norma SA 8000) e a própria ISO tem já planeada para lançamento a norma ISO26000, ligada à responsabilidade social. O objectivo é avançar para problemáticas globais da sociedade, com preocupação com questões como o trabalho infantil, trabalho forçado, discriminação ou saúde e segurança no trabalho, entre outras. São várias as críticas apontadas às normas ISO, com a burocracia à cabeça. Para além disso, normalmente a aplicação destas normas exige o dispêndio de muitos recursos não só financeiros mas também de tempo, o

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que pode ser problemático para pequenas organizações, sem pessoas especializadas na área da qualidade. De facto, estes são argumentos contra a aplicação das normas. Mas se é verdade que há problemas, também é verdade que são cada vez mais as organizações a seguir este caminho. E isso acontece porque estão também associados vários benefícios à implementação de um SGQ e consequente certificação. Em primeiro lugar, um SGQ permite melhorar a performance da empresa, situação que acarreta logo um grande conjunto de vantagens: aumenta a satisfação e retenção dos clientes e a forma como percepcionam a organização. Para além disso a imagem da organização também sai melhorada, o que permite aumentar a sua procura. Reduzem-se também os custos e desperdícios, pelo que os resultados da empresa saem beneficiados sob vários aspectos. No fundo, esta pode ser considerada como uma vantagem competitiva o que pode facilitar os negócios da empresa. Em termos internos, a implementação de um SGQ permite identificar potenciais problemas, melhorar a comunicação interna, aumentar a satisfação dos trabalhadores, manter um maior controlo sobre os processos e potenciar a focalização no cliente. Envolvendo todos os elementos e também fornecedores, é possível alcançar benefícios mútuos para todas as partes. Sem nunca esquecer, claro, a busca pela melhoria contínua que permite potenciar de forma contínua todos estes efeitos positivos. A questão muitas vezes está no facto de existirem algumas barreiras à certificação: não só os custos associados, como referido anteriormente, mas a própria resistência à mudança, a duração do processo, a falta de conhecimento dos colaboradores sobre aquilo que é efectivamente a certificação, o envolvimento insuficiente da gestão de topo e a falta de recursos (não só financeiros mas também humanos) acabam por os principais obstáculos à implementação de um SGQ.

85


Uma introdução à qualidade

4.3. O modelo de Excelência da EFQM e a norma ISO 9004 Como foi visto no início do capítulo, um dos princípios da gestão da qualidade é a melhoria contínua. E é através da melhoria contínua que as organizações conseguem chegar a um patamar superior no que diz respeito à qualidade: a excelência. Alcançar a excelência pode ser visto como um caminho em que a organização começa por compreender o seu trabalho e, numa segunda fase, procura padronizar os seus processos e procedimentos, analisar falhas, eliminá-las e depois manter esse comportamento ao longo do tempo. Este é um processo que não pára, pelo que a melhoria contínua deve ser um desafio permanente até que se alcance a excelência. Uma organização ser excelente significa que esta tem um desempenho superior comprovado pelo alcançar dos seus objectivos e quando comparado com outras organizações. Esse desempenho superior deve ser demonstrado em todas as áreas da organização, deve poder ser comparado a outras empresas de excelência e, claro está, diz respeito também aos resultados da organização, que devem também ser sustentados. O livro In Search of Excellence22 identifica várias condições para as empresas serem excelentes: inclinação para a acção, proximidade do cliente, autonomia individual, aposta nas pessoas, criação de valor, manter-se na área que domina, simplicidade formal e existência em simultâneo de rigidez e flexibilidade na organização. Estas características até são relativamente unânimes e fáceis de entender, mas numa organização

não

é

fácil

implementar

simultaneamente

todas

características.

22 Peters, R. e T. Waterman, 1992, In Search of Excellence, HarperCollins Publishers.

86

as


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Os países desenvolvidos reconhecem a importância da qualidade nas organizações e instituíram vários prémios de excelência, destinados a empresas. No Japão existe o prémio Deming, nos EUA o prémio Malcolm Bridge e na Europa o prémio europeu para a qualidade. O objectivo deste prémio é incutir nas empresas os objectivos da competitividade com base nos princípios da gestão da qualidade. Este prémio segue de perto a filosofia da European Foundation for Quality Management (EFQM), uma fundação sem fins lucrativos, fundada no final da década de 1980 com o objectivo de prosseguir a qualidade na Europa, atrasada à época em relação aos EUA e ao Japão em relação a este aspecto em particular. Este prémio é baseado num modelo da EFQM, modelo esse que segundo as palavras da própria fundação é um “referencial ambicioso e exigente no que diz respeito à definição, implementação e desempenho das organizações no domínio da gestão pela qualidade total”. Esse modelo tem como objectivo acelerar a aceitação da qualidade como uma estratégia global da organização e estimular o desenvolvimento de actividades de melhoria tendo em conta que a excelência é uma visão abrangente sobre a qualidade. É ainda objectivo da implementação do modelo da EFQM satisfazer clientes e colaboradores, utilizar racionalmente os recursos da empresa, respeitar o ambiente mas ao mesmo tempo obter também os melhores resultados. Para além disso a aplicação deste modelo serve também para autoavaliação. A Figura 4.4 mostra os oito princípios por detrás do modelo de excelência da EFQM: orientação para os resultados, focalização no cliente, liderança e coerência nos objectivos, gestão por processos e factos, envolvimento e desenvolvimento das pessoas, aprendizagem e melhorias contínuas, desenvolvimento de parcerias e responsabilidade social. Alguns destes conceitos estão intimamente ligados aos princípios da gestão da qualidade já abordados anteriormente.

87


Uma introdução à qualidade

Fig. 4.4. Princípios do modelo de excelência da EFQM

A orientação para os resultados indica que deve existir um equilíbrio na satisfação das necessidades de todos os intervenientes e não apenas dos donos da empresa. Os resultados positivos devem estender-se também a trabalhadores, clientes, fornecedores e à própria sociedade. Quanto à focalização no cliente, este é um dos pontos intimamente ligado aos princípios da gestão da qualidade, pelo que não há muito a acrescentar. O terceiro conceito (liderança e coerência nos objectivos) está relacionado com a forma como a gestão de topo define os objectivos e os alinha com a estratégia da empresa, sendo também necessário que todos entendam o compromisso para alcançar a excelência. Também a gestão por processos é um dos princípios da gestão da qualidade: o que se pretende é que a gestão da empresa seja feita de forma o mais objectiva possível. Ao envolvimento de todos no processo, aproveitando todo o potencial das pessoas, o modelo da EFQM acrescenta o desenvolvimento das pessoas, ligado à sua formação. No que diz respeito à aprendizagem e melhorias contínuas, mais uma vez existe partilha de objectivos com o princípio da gestão da qualidade. O penúltimo conceito do modelo da EFQM é o desenvolvimento de parcerias para obtenção de benefícios mútuos na partilha de conhecimentos e na integração de processos conjuntos, já identificado também no princípio da gestão da qualidade de obtenção de 88


Ah! Isso é fácil. É… O quê?!?

Paulo Ferreira

relações

mutuamente

benéficas

com

fornecedores.

O

maior

desenvolvimento deste modelo, em relação aos princípios da gestão da qualidade, é o facto de considerar a responsabilidade social como um aspecto a ter em conta pela empresa, inserindo nela a preocupação com a sociedade

e

com

questões

como

a

ética,

o

cumprimento

das

regulamentações e a satisfação das expectativas da sociedade como um todo. O modelo de excelência da EFQM é um modelo que permite a avaliação das empresas, através de nove critérios, de acordo com o esquema da Figura 4.5. Tanto os meios como os resultados têm metade do peso, na avaliação das empresas (1000 pontos no total), sendo as pontuações referentes a cada um dos critérios a que está indicada. Quanto aos meios, pretende-se verificar se a empresa tem uma base sólida, se está orientada para as necessidades de todos e se tem algumas das características identificadas como presentes em empresas de excelência (por exemplo, se é inovadora, flexível e se busca a melhoria contínua). Sobre os resultados, pretende-se verificar se estes abrangem todas as partes interessadas, verificar se as metas foram alcançadas e também se são comparáveis com outras empresas de referência do sector.

Fig. 4.5. Estrutura da avaliação do modelo de excelência da EFQM 89


Uma introdução à qualidade

O critério da liderança pretende pontuar a forma como os líderes são facilitadores da missão da empresa e da procura pela excelência e a forma como interagem com todos os restantes agentes. Questões como a envolvência dos líderes são também contabilizadas. Sobre a gestão das pessoas, pretende-se avaliar se o potencial dos colaboradores é aproveitado pela organização e se há envolvimento e responsabilização dos mesmos. Quanto à política e estratégia, os critérios utilizados têm por base informação disponibilizada pelos indicadores de desempenho e pretendem verificar se a estratégia se baseia nas necessidades dos agentes envolvidos, se é revista e actualizada e também se é comunicada no interior da organização. Quanto às parcerias e recursos servem para avaliar o relacionamento com entidades externas e se os recursos da organização (desde infra-estruturas físicas à tecnologia e até à informação e conhecimento) estão a ser devidamente utilizados. Quanto aos processos, último critério de avaliação relativo aos meios, pretende avaliar como são concebidos e geridos os processos no sentido de verificar se estes geram efectivamente valor acrescentado à organização. É avaliado também se os processos são feitos de modo a ir de encontro às expectativas dos clientes e se as relações com os mesmos são geridas e valorizadas pela organização. Dentro dos critérios dos meios, o dos processos é o que tem um maior peso na avaliação final. Os resultados são analisados face a quatro dimensões diferentes: resultados dos clientes, para as pessoas (colaboradores), para a sociedade e para a própria empresa. Em relação aos três primeiros, 75% da análise é feita através de medidas de percepção dos intervenientes sendo os restantes 25% referentes a indicadores de desempenho. Este tipo de avaliação deixa uma perspectiva interessante pois obriga a que no processo de avaliação não sejam só os resultados divulgados pela empresa que são tidos em conta mas também a opinião dos próprios intervenientes, sendo que a sua opinião acaba por ter inclusivamente um peso maior. Quanto aos resultados da própria organização, metade da avaliação é feita de acordo 90


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com os resultados propriamente ditos e a outra metade através de indicadores de desempenho. De realçar ainda a importância da avaliação sobre os clientes, que no total fornece 200 pontos: quase metade da avaliação dos resultados e um quinto do total da pontuação do modelo. Este modelo de excelência acaba por poder ser uma boa ferramenta de autoavaliação para a empresa e se comparado com outras empresas de excelência ou do sector pode também ser uma boa ferramenta que serve de benchmarking. Cada organização pode obter a sua própria pontuação ou até fazer avaliação critério a critério. Para além disso, este modelo é um processo rigoroso e estruturado e que por isso é um referencial seguro para a empresa. Na medida em que identifica potenciais áreas mais frágeis na organização, permite manter a procura da melhoria contínua e ser também um instrumento de medição dos progressos da organização ao longo do tempo. O modelo de excelência da EFQM é adaptável a várias realidades diferentes, podendo por exemplo ser aplicado não apenas a grandes empresas mas também a pequenas e médias empresas, a unidades operacionais de grandes empresas ou até ao sector público.

4.4. Metodologias de implementação de sistemas de gestão da qualidade Neste

capítulo

foram

apresentadas

algumas

das

razões

para

a

implementação de um SGQ: identificação de potenciais falhas, clarificação das tarefas, responsabilização e motivação dos trabalhadores, satisfação das expectativas do cliente, fidelização de clientes, melhoria da imagem do mercado, redução de custos internos e procura pela melhoria contínua são apenas alguns dos benefícios identificados. São por isso motivos mais do que suficientes para as empresas poderem pensar em implementar um SGQ. Não

existe

uma

única

metodologia,

uma

única

receita

para

a

implementação de um SGQ. O que se apresenta nesta secção não é mais 91


Uma introdução à qualidade

do que uma sugestão de metodologia, sempre aberta a possíveis alterações e adaptações em virtude da realidade específica de cada organização. O que se assume é que a implementação do SGQ é feita de acordo com os requisitos da norma ISO 9001. O primeiro passo na implementação de um SGQ passa sempre pela tomada de acções de sensibilização e formação sobre a importância de um SGQ, sobre a norma e sobre as diferentes etapas de implementação. Estas acções devem ser feitas para todos, incluindo gestão de topo, e não apenas para a equipa da qualidade. É preciso não esquecer que o envolvimento de todos é um dos princípios da gestão da qualidade. O passo seguinte consiste na identificação das expectativas dos clientes, essencial para prosseguir também outro princípio da gestão da qualidade – focalização no cliente. Segue-se a definição do organograma. A não ser que a organização esteja a ser criada de base, já não será necessário definir o organograma da mesma. No entanto, este pode ter que ser adaptado em função das necessidades, pelo que deve ser feita essa revisão. Deve também ser identificado quem é o responsável da qualidade e o representante da gestão. É também nesta fase que se devem começar a definir a política e os objectivos da qualidade, sem se esquecer que os mesmos devem ser divulgados por toda a organização. A política da qualidade deve servir para focalização dos colaboradores, quase como um guia, identificando os resultados pretendidos. Esta deve reflectir claramente o compromisso da gestão de topo identificando o relacionamento com os clientes internos e externos e reforçando a necessidade da competitividade e da melhoria contínua. Os objectivos da qualidade devem ser consistentes com a política da qualidade e, como todos os objectivos, devem ser mensuráveis e claros, devendo ser ainda comprometidos com a melhoria contínua. É nesta fase que começa a parte burocrática do SGQ. Devem então começar a ser definidos os processos e procedimentos, após analisar as práticas de trabalho internas. Convém recordar que os processos não 92


Ah! Isso é fácil. É… O quê?!?

Paulo Ferreira

devem ser vistos isoladamente mas sim em conjunto, pelo que deve ser tida em conta também a interacção entre os processos. Em conjunto com os processos devem ser identificados também os indicadores de medida que servirão de monitorização aos mesmos e os desvios admissíveis que podem ocorrer. Dado que os processos identificam responsabilidades dos seus intervenientes, é também nesta altura que são definidas as funções dos

diferentes

responsáveis,

as

competências

requeridas

para

o

desempenho dessas funções e as eventuais substituições a serem feitas se os responsáveis estiverem ausentes. Após descrever os processos, os mesmos devem ser implementados para ver se na prática conseguem ser eficazes. Após a implementação, os processos devem ser revistos se necessário. A organização nesta altura está capaz de ter o manual da qualidade pronto para ser divulgado por toda a organização. O passo seguinte é a realização de uma auditoria interna. Esta auditoria serve para identificar potenciais não conformidades, devendo-se tomar acções correctivas caso se encontrem essas não conformidades. Convém não esquecer que antes da certificação a gestão é obrigada a fazer a revisão do SGQ e todos os processos têm que se auditados. Para além disso a organização tem que mostrar evidências sobre a eficácia de acções correctivas e preventivas que já foram implementadas. Com toda a estrutura burocrática definida, é possível dar entrada do processo na entidade certificadora, elaborando o caderno de candidatura com toda a documentação necessária. Será então feita uma visita prévia pelo organismo certificador, antes da auditoria de concessão. Após esta auditoria, a organização deve responder às não conformidades, enviando ao organismo certificador o plano de acções correctivas bem como as evidências da sua implementação para que no final a decisão possa ser a esperada pela organização. A confirmação da certificação pela qualidade não faz com que este seja um processo encerrado. A organização deve prosseguir com revisões 93


Uma introdução à qualidade

periódicas do SGQ, até porque a melhoria contínua é um princípio da gestão da qualidade e a própria certificação não é para sempre. A implementação de um SGQ é um processo moroso e complexo, por esse motivo deve ser bem programado e calendarizado, não só para não se queimarem etapas como também para que os prazos sejam cumpridos. É por isso também necessária a colaboração activa de todos e que todos estejam sensibilizados para o processo. Por fim, e porque é uma questão crítica para uma boa implementação de um SGQ, reforça-se a importância do empenhamento e envolvimento da gestão de topo Uma palavra final neste capítulo para a concepção da estrutura documental do SGQ, muitas vezes referido como um problema devido à burocracia que lhe está associada. A necessidade de um sistema documentado deriva do facto de ser necessário mostrar a conformidade do sistema a terceiros, de se ter que uniformizar práticas e de servir como análise histórica também para evidenciar a melhoria ao longo do tempo. A documentação deve permitir a troca de informação e proporcionar evidências objectivas sobre as actividades realizadas e os resultados obtidos pela organização pois é a documentação que permite avaliar a eficácia e adequabilidade do SGQ. Esta documentação pode ser feita em suporte papel ou electrónico, sendo neste caso reconhecidas uma série de vantagens pois permitem o acesso à informação actualizada a qualquer hora e o acesso remoto, sendo mais fácil a remoção ou substituição de documentos obsoletos. A própria distribuição da documentação pode ser mais facilmente controlada. A norma NP 4433:2005 – Linhas de orientação para a documentação de sistemas de gestão da qualidade, identifica vários benefícios ao nível da documentação identificando que esta é útil, entre outras coisas, para: 

descrever o SGQ da organização;

melhor compreender as relações internas;

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comunicar aos colaboradores o comprometimento da gestão para com a qualidade;

ajudar os colaboradores a compreender o seu papel na organização;

servir como base das expectativas quanto ao desempenho do trabalho;

declarar como actuar para atingir os requisitos especificados;

evidenciar de forma objectiva o alcance dos requisitos ;

integrar novos colaboradores e actualizar os actuais;

servir de base para a melhoria continua;

estimular a confiança dos clientes/utentes baseada em sistemas documentados;

demonstrar às partes interessadas as capacidades existentes na organização;

servir de base para auditar e avaliar a eficácia e adequação contínua do SGQ.

Existe um conjunto de documentos internos que acabam por surgir num SGQ, que podem ser resumidos na pirâmide presente na Figura 4.6.

Fig. 4.6. Estrutura documental de um SGQ 95


Uma introdução à qualidade

No topo da pirâmide está o manual da qualidade, que define as disposições e descreve de forma genérica o SGQ. Seguem-se os processos que são o conjunto de actividades que acrescentam valor ao cliente, transformando inputs em outputs, podendo ser distinguidos entre processos de negócio e processos de suporte. Após os processos existem os procedimentos, identificando quem faz o quê, e em que momento. A norma ISO 9001 requer 6 procedimentos de forma mandatória: controlo de documentos, controlo de registos, controlo do produto não conforme, auditorias internas, acções correctivas e acções preventivas. Alguns destes procedimentos podem juntar-se num só. Mais pormenorizados que os procedimentos têm-se as instruções de trabalho, suportes de trabalho mais ligados à acção. A sua existência num SGQ está dependente da complexidade do trabalho e da competência e experiência de quem executa. Por fim temos os registos que constituem a evidência do funcionamento do SGQ. A norma obriga a um mínimo de 21 tipos de registos, a saber: 

revisões pela gestão;

escolaridade, formação, saber fazer e experiência;

evidência de que os processos de realização e o produto resultante vão ao encontro dos requisitos definidos;

resultados da revisão dos requisitos relacionados com o produto e das acções decorrentes da revisão;

entradas da concepção e desenvolvimento;

resultados de revisões da concepção e desenvolvimento e quaisquer outras acções necessárias;

resultados da verificação da concepção e desenvolvimento e quaisquer outras acções necessárias;

resultados da validação da concepção e desenvolvimento e quaisquer outras acções necessárias; 96


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resultados

de

revisões

de

alterações

na

concepção

e

desenvolvimento e quaisquer outras acções necessárias; 

resultados de avaliações de fornecedores e das acções resultantes das avaliações;

validação dos processos em que a saída resultante não possa ser verificada através da subsequente monitorização ou medição;

identificação única do produto, quando a rastreabilidade é um requisito;

comunicação ao cliente, no caso da propriedade do cliente se perder, danificar ou de outra forma ser considerada inapropriada para utilização;

a base utilizada para calibração ou verificação nos casos em que não existem padrões de medição rastreáveis a padrões de medição internacionais ou nacionais;

validade dos resultados de medições anteriores quando o equipamento de medição estiver não conforme com os requisitos;

resultados da calibração e verificação de equipamentos de medição;

auditorias internas e seus resultados (relatório);

evidência da conformidade do produto com os critérios de aceitação e indicação da entidade responsável pela liberação do produto;

natureza das

não conformidades e de quaisquer acções

subsequentes que tenham sido implementadas, incluindo acordos obtidos; 

resultados das acções correctivas;

resultados das acções preventivas.

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Uma introdução à qualidade

No seguimento do que é dito acerca da documentação, poder-se-iam introduzir aqui exemplares de documentos para exemplificar o que foi referido. Optou-se por incluir esses exemplos no final do próximo capítulo em conjunto com outra informação com o mesmo objectivo.

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