Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 2
25/11/16 10:58
Salvador Quintas
CACHAROLETE MISCELÂNEAS E OUTRAS MISTURADAS
Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 3
25/11/16 10:58
FICHA TÉCNICA edição: Edições Vírgula ® (Chancela Sitio do Livro) título: Cacharolete, Miscelâneas e Outras Misturadas autor: Salvador S. Quintas capa: Patrícia Andrade fotografia de contracapa: (Quedas de Água em Penedo Furado – Vila de Rei): Salvador Quintas paginação: Alda Teixeira 1.ª Edição Lisboa, dezembro 2016 isbn: 978-989-8821-37-9 depósito legal: 417882/16 © Salvador S. Quintas
publicação e comercialização:
www.sitiodolivro.pt
Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 4
25/11/16 10:58
Agradecimentos e Dedicatória Agradeço a mais um “empurrão” no sentido da publicação, dado por amigos espalhados pelas diferentes partes do mundo. Agradeço, em especial, á minha filha Ana Rita, pela disponibilização das imagens das suas obras, o que veio tornar mais apelativo este livro. Aos amigos Antenor, Odete Sanábio, Zilá, pelos poemas dispensados a este livro, e também à Lídia e à Marília, pela paciência de ler e fornecer as suas interpretações e opiniões, para além dos seus poemas. Agradeço, também, ao Universo, por me continuar a presentear com estas energias positivas que me fazem andar em frente, viver este presente, tendo como base o passado, para poder preparar o futuro. Dedico estas linhas a todos os que sonham e tentam alcançar esse sonho e vivê-lo plenamente. Salvador S. Quintas 5
Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 5
25/11/16 10:59
Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 6
25/11/16 10:58
Introdução Às vezes o amor por uma pessoa é forte e quente, como uma grande dor... john steinbek
E veio o vento e as nuvens, quais andarilhos, foram-se. Ficou ainda, no ar, o desejo da água e o cheiro da terra molhada. Tudo isto é como uma permanente iniciação, em cada letra, em cada palavra, em cada frase ou o seu conjunto.
7
Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 7
25/11/16 10:58
Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 8
25/11/16 10:58
introdução
INICIAÇÃO Cheguei um dia a tremer (seria frio?) e logo me trancaram sem ninguém ver, ou eu ver alguém! Logo (passado quanto tempo?) me tiraram os olhos e me passearam, sei lá por onde, até me largarem no negro triângulo, fechado, sozinho, que nem Creonte… De tudo pude dar nota e pensar o que seriam aqueles dizeres, artefactos, nem bem sei em tudo o que pensei… Tudo entendi, mas aquele escrever não me mostrava o que quereria dizer: VITRIOL! Pelo Grande Arquitecto, que seria bem aquilo que eu não entendia, e nem sequer já o via?!… …/…
9
Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 9
25/11/16 10:58
cacharolete, miscelâneas e outras misturadas
…/… De repente, sem saber quando, ou porquê, me tiram de novo os olhos, e levam-me por entre escolhos num passeio, ou caminhada, que não me dizia nada, até parar! E eu sem olhos!... Perguntaram quem eu era. Perguntaram coisas sem fim!... Perguntaram o que nem sei mas teimei e respondi! Foi um tempo que nem sei quanto durou, quanto foi… Eu via por olhos emprestados, falava como mandavam ou porque achava que sim, até que noutro momento, por fim, alguém pergunta o que quero… Não sabia, e assim esperei que a boca me instruísse… Mas alguém, e eram três, me disseram com barulho que fazia assim: TRUZ, quero a luz, a luz, a luz… …/…
10
Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 10
25/11/16 10:58
introdução
…/… Devolvem-me então os olhos e olhei, sem nada ver do todo onde fiquei… No final, demos as mãos, e nessa altura eu senti, pelos toques e sorrisos, que estava mesmo entre irmãos. 2016
11
Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 11
25/11/16 10:58
Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 12
25/11/16 10:58
I – CACHAROLETE
Nu Vermelho (Aguarela s/ Papel)
Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 13
Ana Rita
25/11/16 10:59
Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 14
25/11/16 10:58
I – CACHAROLETE Cacharolete é a palavra portuguesa para “Cocktail” e, como a sua essência, procura a harmonia entre alguns “sabores” diferentes para a condução a um caminho único. Estes escritos, da adolescência, estavam a ser publicados em 1969 sob o título “FLORES PARA A NOITE DO ENTENDIMENTO” mas, devido à situação política na altura, foram confiscados e a tipografia fechada. Da totalidade dos escritos apenas sobraram estes! Os outros desapareceram na voragem do intitulado Estado Novo. Podem não parecer congruentes mas, para mim, aos 18 19 anos, eram!
15
Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 15
25/11/16 10:58
Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 16
25/11/16 10:58
cacharolete
APRESENTAÇÃO Cheguei agora! Não sabem quem sou E, no entanto, Conheço todos Os que me olham… Que importam nomes?... Que importam convenções?... Chama-me irmão E vem comigo cantar. Podes chorar Quando cantas… Podes cantar teu chorar; Faze tudo o que quiseres, Mas vem, vem irmão… Tu que trabalhas E labutas, Tu que estudas, Tu que lutas… Brancos, pretos E mestiços, Vermelhos e amarelos, Que sei eu?!... Não importa! …/…
17
Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 17
25/11/16 10:58
cacharolete, miscelâneas e outras misturadas
…/… Deem as mãos, vocês todos E venham todos como irmãos, Para que neste despertar Da minha apresentação Chegue a ti, A cada um O que quer mesmo dizer A doce palavra irmão! 1969
18
Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 18
25/11/16 10:58
cacharolete
CANÇÃO DA SAUDADE Parti um dia P’ra longe terra E lá andei, Noite e dia Errando, errando… De ti falei, Por ti chorei, Em ti sofri Com ansiedade, Mas ao pensar Em te não ver, Óh, terra amada, Não mais vivi. Fui eu, somente Um ser que andou, Chorou, matou… Cantei por ti uma canção Que triste, triste Inda ouço agora O vento que chora Lá no sertão… Decerto saudades de ti! Mas ele é livre Pode voltar p’ra ti, um dia… E eu, sozinho ando a chorar Por ti, óh terra, Torrão natal Onde ao luar se leva a vida A labutar, mas sempre alegre, Sempre a cantar. …/… 19
Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 19
25/11/16 10:58
cacharolete, miscelâneas e outras misturadas
…/… E aqui bem longe, Longe de ti, Sofro por não ter Tuas noites belas de luar De doces sonos bem aninhados No seio amigo De uma mãe. E aqui tão longe Longe de ti, Não sei viver, não sei cantar Como o fazia Nas noites de luar, Quando na aldeia Eu via as espigas D’um milho loiro, Trigo de prata… E aqui tão longe Onde não há paz Cantam as balas… Porque nós, coitados Vivemos calados De rastos, no chão, Sem um cantar, Sem milho loiro, Sem essa lua de prata, Sem os teus rios Que cheiram a vida… Porque aqui, só cheira A morte, a fumo a tiros… …/…
20
Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 20
25/11/16 10:58
cacharolete
…/… E hoje aqui Eu choro… Choro as saudades Do medo dos bichos Que mal não faziam, Dos fantasmas que via Em cada sombra Das tuas árvores… Aqui, é tudo sombra, É tudo medo, Medo do nada, Medo do medo… Quem me dera ir, Só que fora Ver teus campos, teus bichos, Tuas árvores… Mas não me deixam! E dia e noite Errando, errando, De ti eu falo, E por ti choro, Em ti eu sofro Com ansiedade Com este fardo, Que é bem pesado, Que é bem duro… Que é a saudade 1969
21
Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 21
25/11/16 10:58
cacharolete, miscelâneas e outras misturadas
DEFENSORES Todos defendemos aquilo que pensamos, só que alguns não sabem, sequer, porque é que lutamos! Atiram o corpo de encontro à morte berrando que os tome, enquanto cá fora, na terra em que lutam continua a fome. Há um que dirige, uns quantos que morrem, esse outro que foge escudado nos corpos dos que não sabendo o que fazem, errando, matando, morrendo… E tudo isto para que, no fim, o mundo lá ande sempre, sempre à roda, sempre, sempre assim! 1969
22
Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 22
25/11/16 10:58
cacharolete
MENINA DOS OLHOS TRISTES Menina dos olhos tristes, Não chores, prende teus ais, Que o soldadinho não volta, Não volta mais! Pergunta ao mar que o levou, Que o levou de seus pais, Se o soldadinho não volta, Não volta mais! Pergunta às aves do céu,, Pergunta aos peixes do mar, Se o soldadinho já volta, Volta a cantar! Pergunta aos ventos que correm, Pergunta às nuvens mais altas, Se viram o soldadinho, Nas matas! Fala c’o Sol, co’as Estrelas, Que andam no espaço sem fim, Se o soldadinho já volta, Volta por fim! Eles te hão-de dizer, Conforme eu te direi mais, Que o soldadinho não volta, Não volta mais! E se vier, vem coitado Em uma caixa de pinho, Que o soldadinho morreu, Sozinho! …/…
23
Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 23
25/11/16 10:58
cacharolete, miscelâneas e outras misturadas
…/… Enterram-no na aldeia Em que tudo era amar, E o soldadinho não volta Do mar! E tu, menina tão triste, Pensa em meio de teus ais Que o soldadinho não volta, Não volta mais! 1969
24
Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 24
25/11/16 10:58
cacharolete
ZÉ SOLDADO Um soldado vai, Chorando vai Para uma guerra Que não é sua, Para um lugar Que nem sequer Sabe onde é… Mas vai. Chorando vai. Em terra, chorando, Fica a mãe a mulher, a filha… E ele vai, Chorando vai… Leva uma medalha ao peito Que lha pôs sua filha pequena… E ele beijando-a vai, Chora mas vai. Cá fora toca a música! E ele chora mais Mas vai!... Não sabe, tão pouco Se volta, mas, por entre lágrimas, Sorri porque leva a medalha Junto a si. E o barco geme E as ondas choram Por aquele que um dia foi E não pode voltar agora. …/…
25
Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 25
25/11/16 10:58
cacharolete, miscelâneas e outras misturadas
…/… Chorando foi, Mas nunca veio!... Jaz agora, lá no mato Zé Soldado Que um dia partiu. Morreu por lá, Ninguém sabe onde! Só sabem que morreu a chorar Beijando a medalha que sua filha Lhe pôs ao peito. Em terra há uma prece Por aquele Que chorando um dia morreu! Lá longe continua A música das balas Que cantam em volta Do corpo, Procurando outro Zé soldado Que um dia partiu chorando, Para o arrancar abruptamente Daquela guerra Que não é sua, Daquela terra que não conhece, Da sua família que ama, Deixando-lhe só, No seu corpo que apodrece, A medalha que sua filha Lhe pôs ao peito. 1969
26
Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 26
25/11/16 10:58
cacharolete
CRIANÇAS Sem ninguém, andam na vida Tantos pequenos que, um dia, Foram felizes. De seu pai Só sabem que morreu na guerra. Sua mãe, triste, saiu um dia E, como louca, correu para o mar. Esse mar que o levou E metendo-se nele, desapareceu! Olhem vocês que fomentam a guerra Quantos homens mortos Que podiam trabalhar. Quanta mulher louca Que podia ser feliz. Quantos pobres inocentes Que seguem pela rua Nas mãos do “deus dará” Porque não abdicaram dessa guerra. Mas é isso que querem, Homens mortos, Mulheres loucas, Crianças mutiladas e sem carinho, Famintas, e sem lar, Rotas e sem calor!... …/…
27
Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 27
25/11/16 10:58
cacharolete, miscelâneas e outras misturadas
…/… É preciso parar enquanto é tempo, É preciso não forçar a cegueira, Porque a cada passo, num milagre, Se abrem os olhos com uma criança Que, sem ter para onde ir, Se refugia numa gruta, ela própria, Porque, ainda pequena, Não sabe dizer-vos a desgraça Que sofreu, Enquanto quem a fomentou Dorme feliz e descansado E só pensa em si. 1969
28
Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 28
25/11/16 10:58
cacharolete
ASSASSINOS Vitimas de um mal que não fizeram, Vemos tanta gente que, no caminho do mal, Segue uma vida sem pensar!... Crianças vítimas de todos vós Que as atiraste para os braços De uma guerra. Crianças que cansadas da vergonha, Da fome e do sofrimento, Se escondem no mal procurando, Encontrar aí, o carinho que um dia Morreu com os seus pais Numa guerra absurda, onde não se sabe Porque se mata e, muito menos, a razão Porque se morre. Mas, qual a importância de muitos Se meia dúzia estão em causa? Que interessam as crianças Se os velhos se querem salvar? Chamam-lhes delinquentes! …/…
29
Cacharolete, Miscelaneas e outras misturadas.indd 29
25/11/16 10:58