Companhia de Cavalaria 1535 Dois anos em zona de combate Manuel Lopes da Silva
FICHA TÉCNICA EDIÇÃO: Edições Vírgula
® (chancela Sítio do Livro) de Cavalaria 1535 – Dois Anos em zona de combate AUTOR: Manuel Lopes da Silva TÍTULO: Companhia
REVISÃO: CAPA:
Manuel da Silva Patrícia Andrade
1.ª EDIÇÃO Lisboa, Abril 2014 ISBN:
978-989-8714-02-2 373365/14
DEPÓSITO LEGAL:
© MANUEL LOPES DA SILVA
PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO
Av. de Roma n.º 11 – 1.º Dt.º | 1000-261 Lisboa www.sitiodolivro.pt NOTA: Os erros ortográficos constantes do texto foram intencionalmente mantidos, para se reproduzir de forma mais fidedigna a forma expressiva dos intervenientes na narrativa.
Companhia de Cavalaria 1535 Dois anos em zona de combate Manuel Lopes da Silva
Nota Prévia Os sentimentos, assim como toda a bravura que envolveu os Militares da Companhia de Cavalaria 1535, são aqui relembrados, nestas simples linhas, pelos autores reais que durante dois anos lutaram e morreram em terras de Angola. A paixão por terras de Angola, onde os bravos da CCAV 1535, prestaram serviço militar, fizeram que ao escrever estas simples páginas, as cores quentes daqueles que as pisaram, dos sacrificios, e das vidas inútilmente perdidas, estivessem sempre presente neste trabalho, que nos fez correr lágrimas, testemunhas reais de uma memória que perdura e não esquece, dos muitos sacrificios fisicos, até à perca da vida Humana. Já em terras de Angola alguns dos responsáveis por estas pequenas linhas, escreveram para o Jornal do Batalhão, e nos poucos tempos livres acumularam-se histórias reais que nunca foram esquecidas, e sempre recordadas. Estes Bravos Lutaram em Angola nos quentes anos de 1966-1968, onde alguns destes elementos criaram o hábito de escrever para o jornal O DRAGÃO, com crónicas e poemas.
As profissões mais diversas destes Camaradas, percorreram o País, deixando sempre vincada a sua estirpe de verdadeiros lutadores. As pequenas Histórias aqui contadas, são a grande VERDADE de quem as viveu na realidade. A passagem á reforma, permitiram aos Camaradas germinarem os primeiros ensaios de Escrita. das Verdades vividas, que levaram á edição deste pequeno livro. Alberto David
Todas as histórias não são só feitas de letras, que o escritor escrevinha no papel, mas a verdadeira história dos sacrificios e do sangue derramado, esse está sempre nas folhas deste livro que que ficarão em branco. Este livro é dedicado a todos os Camaradas: Aos nossos Mortos E à memória das nossas queridas familias
Agradecimento É da mais elementar Justiça um agradecimento reconhecido a todos os restantes camaradas da CCAV 1535, que colaboraram com a feitura deste livro. Também a todos os amigos e camaradas que ajudaram nas imensas revisões efectuadas á estrutura do texto, assim como a tantos outros, o apoio e contributo importante que deram para que este livro possa ser uma realidade. A todos pedimos desculpas dos nossos erros ortográficos, fruto da nossa cultura. Queremos em particular deixar um agradecimento ao Alberto David, que sem ele não teria existido este livro.
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– DOIS ANOS EM ZONA DE COMBATE
Prefácio A pintura e a palavra escrita são a verbalização dos sentimentos e das emoções. Nesta obra, todos os que participaram nela conseguiram conciliar duas vertentes realistas, que se complementam harmoniosamente num desafio constante de contar a verdade e só a verdade, do que sofreram e do que fizeram sofrer. Uma obra de arte é um monumento aos sentimentos humanos, e este trabalho agora apresentado, foi executado pelas carinhosas mãos dos sonhos polivalentes e alimentados pelas maravilhosas formas, cores e palavras dos fantasiosos desejos de uns audaciosos Camaradas que não se cansaram de viajar pelos infinitos, êxtases da verdade, por contar. A sua natural intuição não se esgota nos actuais trabalhos com várias referências sobre paisagens e figurações, submetidas às incontáveis sensibilidades do momento, realista puro ou realista estilizado com a expressão africana. Os Camaradas, nas suas pequenas histórias, tentaram equilibrar a verdade nunca contada, com as fotos que a ilustram, como se fosse a pintura na ramagem da poesia, que tanta dor observaram. 11
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Apreciando esta obra no conforto do silêncio, sentimo-nos também combatentes na quimérica barca da liberdade do pensamento. Uns simples contos nesta obra documental, explica-se por si própria, não necessita de grande memória descritiva, mas se os autores tiverem o sublime saber de exteriorizar as suas sensações por meio de palavras e fotos, por vezes cruas, sentidas aquando da execução de uma recordação que teima em estar escondida hà demasiado tempo, a obra fica duplamente valorizada, por isto, parabéns Camaradas, vocês conseguiram demonstrar os seus valores com as suas recordações à tanto escondidas. O presente livro merece viver eternamente na fantástica biblioteca da Verdade e da verdade da Guerra porque todos de uma maneira ou doutra passastes... Alberto David
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Como se formou a Companhia de Cavalaria 1535 A CCAV 1535 foi formada no Regimento de Cavalaria 3 em Estremoz e teve o seu inicio no dia 3 de Janeiro de 1966, dia em que nos apresentámos nesta unidade para fazer a especialidade de atiradores, a quase totalidade dos Praças que a compunham tinha acabado de fazer a Recruta no Batalhão de Caçadores 8 em Elvas, e quando ingressamos no Regimento de Cavalaria 3, já sabíamos que éramos para formar uma Companhia com destino á Guerra do Ultramar. Os elementos Especialistas tais como: Enfermeiros, Condutores, Mecânicos, Cozinheiros, Amanuenses, Vaguemestre, e Transmissões só se juntaram aos atiradores para fazer o I.A.O. de preparação para o Embarque destino Angola. A nossa Companhia tinha como Comandante o Tenente Jorge que deveria ir connosco para Angola mas... á ultima hora foi substituído pelo então Capitão D. António Diogo de Brito e Faro, que estava previsto ser o Comandante de Operações, cabendo a ele comandar a nossa especialidade. Passo a citar todos os Graduados que nos deram a especialidade. Tenente Jorge, como refiro substituído á ultima hora e os seguintes Aspirantes, Santos, este substituído antes do 13
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embarque pelo Alferes António Anes Azevedo, o Ramos, o Pais e o Vacas.
2.º Sargentos: Moisés Dionísio e Joaquim Ganhão
Os Cabos Milicianos, Boucela, o Cunha, o Gil, o Sousa, o Fernandes, o Pereira o Ascensão, o Guerra o Neves e o César. Foram estes Os Superiores que nos deram a respectiva especialidade e que connosco partiram dia 15 de Abril de 1966 rumo a Angola, ressalvo aqui que os Aspirantes Milicianos todos eles passaram a Alferes e no caso dos Cabos Milicianos os mesmos passaram a Furriéis Milicianos, era assim que a Hierarquia funcionava. Manuel Silva
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Os Nossos Oficiais
“Os 6 Oficiais que compunham a Cª Cavª 1535 no seu inicio em Kicabo, Angola” Digníssimos Oficiais do Quadro e Milicianos da digna Companhia de Cavalaria 1535. Da esquerda para a direita, os Alferes Milicianos, José Manuel Malta Nunes Vacas, Francisco Alberto Duarte Ramos, Comandante de Companhia, Capitão, D. António Digo de Brito e Faro, Alferes Miliciano, Dr. António Bernardo Carvalhais Figueiredo, Alferes Milicianos, José Manuel Macedo Azeredo Pais e António Anes de Azevedo
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A primeira dificuldade vivida Estávamos à pouco tempo em Quicabo e foi o 1º grupo de combate da 1535 do qual eu fazia parte, incumbido de ir fazer um reconhecimento na margem direita do Rio Lifunde, na zona em que o rio passa a leste de Balacende, esta missão visando saber de possíveis abrigos do inimigo feita ao longo da margem do referido Rio deveria ser cumprida até ás 5 horas da tarde, hora em que se prespectivava encontrar uma picada à direita e onde as viaturas nos iriam recolher para fazer o regresso ao quartel em Quicabo, azar, da pressuposta picada já nem vestigios haviam, porque a mesma não teria sido utilizada provávelmente desde 1961 e a Mata mais o Capim terão crescido pois a existencia da água potencia o fácil desenvolvimento dessas espécies e assim não encontramos a dita picada porque já não existia, mas pelas 5 horas da tarde e como estava préviamente estabelecido as viaturas terão-se deslocado para nos ir buscar, ao longe nós ouvimos o roncar dos motores, mas éra mesmo muito longe, as viaturas também não terão conseguido o seu destino pois a picada pelos motivos atrás explicados tinha sido obstruída, tentamos o contacto via rádio com as viaturas mas provávelmente pela densidade da Mata a propagação da onda de rádio seria dificultada e assim não conseguimos a necessária comunicação 17
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(os próprios rádios já seriam obsoletos, os PRC10) nas viaturas não nos conseguiram avistar nem comunicar e nestas circunstâncias regressaram ao aquartelamento, nós ficámos na margem do Rio isolados e sem comida, pois só tinhamos levado ração de combate para o almoço, sentimos a aviação andar à nossa procura ao fim da tarde do primeiro dia e manhã do segundo, também aqui foram infrutiferas as tentativas de comunicar via Rádio certamente pelos mesmos motivos já descritos, perante este cenário o nosso Alferes Azevedo, Homem de coragem, falou ao grupo fazendo o ponto da situação e quais as hipoteses que tinhamos para conseguir chegar ao quartel, só tinhamos uma solução e que foi posta em prática, continuar a caminhar por perto da margem do Rio, tentar resistir pois esse Rio passava numa Fazenda perto de Quicabo chamada Fazenda do Pires, uma vez atingida a dita fazenda estariamos salvos, daí ao quartel éram poucos Kms. Foi o que fizemos mas o sofrimento foi terrível, sem ter que comer, fazendo um esforço enorme para abrir caminho na mata para não ir por trilhos que podiam estar armadilhados, apenas tinhamos a água barrenta desse Rio para beber mas nem sequer possuiamos os cumprimidos de olozone para lhe adicionar, caiu a noite éra preciso descansar um pouco, subimos a um ponto mais alto para que em qualquer eventualidade de ataque tivessemos uma posição que nos beneficiasse face ao inimigo, o ponto escolhido tinha capim, baixamos o capim o burnal serviu de almofada e com permanentes sentinelas conseguimos descansar um pouco não sem que levassemos uns quantos sustos com os ruidos que se faziam na mata mas qe seriam provávelmente de animais que se delocavam nessa direcção, manhã cêdo lá fomos caminhando mas as forças iam desaparecendo, houve a certa altura um Camarada que se virou para o Alferes e dise-lhe, Ò meu 18
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Chegada á Fazenda do Pires, Margem do Lifunde
Alferes dê-me um tiro, não me deixe sofrer mais, conseguimos animá-lo fazendo crer que o pior já estava passado, e caminhando ao fim do segundo dia lá atingimos a dita fazenda, então as nossas já poucas forças como que instintivamente se transformaram em muita força pois ali já sabiamos o que restava andar para chegar ao quartel e podermos comer uma refeição, já éra tarde o jantar no Quartel já havia sido servido, mas arranjou-se uma refeição para um grupo que já tinha sido dado como desaparecido, fizeram-nos peixe frito com feijão frade, que final de dia Feliz para quem tanto tinha sofrido. Manuel Silva
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O 1º Combate da Cª. Cav.ª 1535 Saímos de Quicabo não sei em que dia do mês de Junho, mas lá fomos por aquela rude picada de Quicabo para a Maria Fernanda, não me recordo quanto tempo demorámos a fazer o trajecto entre estas duas localidades, sei que chegámos à Maria Fernanda no dia 26 de Junho 1966, aqui pernoitamos dormindo como sempre que saíamos no (Cama) chão do dia 26 para o dia 27, após esta noite de repouso lá retomamos a viagem rumo ao objectivo, passámos pela Maria Amália, fomos até à Missão onde se apanhou uma picada à direita rumo ao destino e já ao escurecer atingimos o fim da picada onde as viaturas nos deviam deixar para depois prosseguir-mos apé, isto já no periférico da Famosa Cunha & Irmão, aqui a nossa função seria apear das Viaturas que fariam o regresso à Maria Fernanda, enquanto nós seguiriamos apé para o interior da Cunha & Irmão para um necessário golpe de mão a um reduto do inimigo, só que o inimigo terá detectado o nosso percurso e jogou forte na antecipação, quando apeavamos das Viaturas o inimigo desencadeou um fortissimo ataque que não só fez com que as viaturas ali ficassem como nos inibiu de prosseguir o objectivo que seria atingir a sua área 21
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de implantação, foi um tiroteio pegado durante toda a noite de 27 para 28 de junho, o inimigo na defesa da sua guarnição obrigou-nos a um combate sem tréguas para o conseguir repelir, e, demanhã estavamos esgotados mas felizmente sem baixas, eu fiquei encostado a um monte de terras proveniente do empurrão das Máquinas que terão aberto a picada até aquele sitio, por ser muito escuro evitei ao maximo os tiros mas ao me aperceber donde me faziam fogo logo atirava para esse sitio uma granada de mão, usei as defensivas as ofensivas, todas as que possuía e outras que uns camaradas me deram para me reabastecer, não sei quem mas deu, pois de noite não dava para esse pormenor, quando começou a amanhecer já o inimigo havia recuado, por um lado para não ser visto com o aparecimento da claridade do dia, mas também certamente para se reagrupar em defesa do seu reduto, nós estávamos exautos e foi então enviada outra Companhia, não sei qual para nos render, e prosseguir o objectivo, recordo que o atirador de Metralhadora do 4º Grupo que tinha ficado no enfiamento da picada se manteve agarrado à Metralhadora apesar de uma bala do inimigo lhe ter atingido o fecho de segurança da mesma abrindo-lhe o suporte, mas ele lá consegui repo-la no apoio e continuou a mandar fogo em tudo que mexia, foi a noite mais longa da minha vida, para quem sofria o 1º combate não podia ter sido pior.
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