O Diรกrio de Marisa Isabel Ferreira
FICHA TÉCNICA EDIÇÃO: Vírgula (Chancela Sítio do Livro) TÍTULO: O Diário de Marisa AUTORA: Isabel Ferreira CAPA: Sítio do Livro, Lda. PAGINAÇÃO: Nuno Ferreira DESIGN CAPA: Nuno Moreira 1.ª EDIÇÃO LISBOA, AGOSTO 2012 IMPRESSÃO E ACABAMENTO: Publidisa ISBN: 978-989-8413-70-3 DEPÓSITO LEGAL: 347241/12 © Isabel Ferreira PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO Sítio do Livro, Lda. Lg. Machado de Assis, lote 2 — 1700-116 Lisboa www.sitiodolivro.pt
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
PREFÁCIO Fiquei surpreendido quando, depois de submetida a sua dissertação de mestrado, a Isabel me apresentou este diário. Num certo dia, enquadrando isso no âmbito do processo reflexivo que acontece quando se escreve uma dissertação, eu tinha-lhe sugerido que era útil anotar, num caderninho, alguns sentimentos e reflexões, à medida que fossem ocorrendo. E foi assim que a ideia foi agarrada e o diário surgiu! Esta é uma marca identitária da Isabel: agarrar as sugestões, enfrentar os desafios, com uma total dedicação e com uma forte resiliência. A elaboração de um estudo científico, e no caso da Isabel o estudo da inserção profissional de professores com deficiência, é sempre acompanhada de sentimentos mais ou menos felizes, mais ou menos contraditórios quanto à importân5
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
cia do objecto de estudo, à pertinência dos dados recolhidos, à utilidade das conclusões e resultados. Colocam-se igualmente muitas questões de cunho mais pessoal referentes ao modo como sinto que estou a ser reconhecido pelo orientador, se estou ou não a avançar ou se vale a pena todo o esforço. Agradeço à Isabel ter-me dado oportunidade de me ver enquanto orientador, pelos seus olhos. Tenho para mim que os desafios que vale a pena enfrentar são os que parecem impossíveis. São esses que nos libertam dos nossos limites actuais e nos fazem entrar em novas áreas do conhecimento e da experiência. Por isso, com ou sem diário, desejo à Isabel toda a coragem para os novos desafios que se propôs enfrentar. João Rosa
6
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
O processo de realização de uma tese, pode parecer um trabalho solitário, mas de facto, esta é a parte da vida que envolve contextos, situações, actores que não surgem nos manuais científicos.
7
O Diรกrio de Marisa Isabel Ferreira
8
O Diรกrio de Marisa Isabel Ferreira
DEDICATร RIA Este pequeno Diรกrio vou dedicรก-lo ao meu orientador e amigo, que ao longo de um ano me ajudou, me apoiou e me deu forรงas para concluir a minha tese.
Com amizade
9
O Diรกrio de Marisa Isabel Ferreira
10
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
INTRODUÇÃO Neste diário que dedico ao meu orientador e amigo, fui registando todas as minhas alegrias, tristezas, emoções e ansiedades que passei até à conclusão da minha tese. Houve de tudo, até aconteceram coisas que eu penso que devem ficar registadas. Posso dizer que este diário me serviu muitas vezes de refúgio e de desabafo. Chorei e ri muitas vezes ao escrevê-lo. Foi o meu companheiro diário durante este tempo. Nele fui escrevendo e registando todas as minhas opiniões acerca de tudo quanto se passou. Foram tempos vividos muito intensamente quer ao nível da tese, quer ao nível pessoal. Estava já eu a meio da minha Tese de Mestrado quando o meu orientador me lançou a ideia de fazer um diário da minha experiência. 11
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
Pensei, um diário sobre o quê? Sobre a minha vida? Sobre a minha experiência no Mestrado? Não sabia, pois o meu orientador não me tinha especificado sobre o quê. Isto aconteceu no passado dia 9 de março de 2010 num de muitos encontros que tive com o meu orientador. Depois desse encontro, pensei em falar com mais alguém sobre o assunto para saber até que ponto esse diário era “prata da casa”. Falei com uma mestranda que entrevistei e perguntei-lhe se o meu orientador lhe tinha também pedido tal coisa. Qual foi o meu espanto quando a resposta dela foi negativa, então resolvi perder a timidez e mandei um novo email ao meu orientador a perguntar em que moldes queria que eu fizesse o diário. Fiquei estupefacta quando recebi de resposta que era apenas uma graça, que eu já tinha muito trabalho que chegasse. Parecendo que não a ideia agradou-me. Consultei algumas pessoas acerca da ideia e deramme alguma força e apoio, dizendo que até seria 12
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
engraçado depois de feito oferecê-lo ao meu orientador. Trabalho, tenho muito, mas a disponibilidade e o gozo que tudo quanto faço fala mais alto. Por isso meti mãos à obra e em todos os intervalos em que não tinha crianças comecei a escrever. O tema da minha tese é “A integração do professor com deficiência no seu local de trabalho”. Este tema surgiu-me em virtude de eu há 2 anos atrás sentir que tinha sido vítima de discriminação por ter Paralisia Cerebral e estar a apoiar uma criança que também tinha Paralisia Cerebral. Só que a criança estava numa cadeira de rodas e eu ando pelo meu pé. Antes de entrar propriamente na tese e em tudo o que me envolve nela, convém escrever um pouco sobre o meu historial, dizendo quem sou e o que faço. Sou professora e, neste momento, já estou no quadro do Ensino Especial, em Campo de Ourique. Todo o meu percurso de vida foi feito muito a pulso lutando sempre, uma vez que tive Paralisia Cerebral e a vida não me foi assim tão fácil, pois 13
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
estive 5 dias em coma devido à picada de um mosquito que me causou o Paludismo Falciparum. Isto aconteceu-me quando eu já tinha 22 meses. Fui uma lutadora e consegui vencer o estado de coma, ficando com lesões ao nível da visão e da parte motora. Lutei sempre para conseguir o que queria, uma vez que possuo algumas limitações aos olhos da sociedade. Essas limitações não me impediram de fazer a escolaridade toda, tirar o Curso do Magistério Primário, o Curso Complementar de Formação, a Especialização e agora o Mestrado; fora alguns cursos que fui tirando pelo meio do meu percurso como o curso de Braille, o de Língua Gestual. Dificuldades, todos nós temos, e ainda me lembro como se fosse hoje, quando estava no meu estágio do Curso do Magistério Primário, que a minha orientadora me pediu à frente das crianças para escrever com a mão direita, como viu que eu não era capaz insistiu e pediu-me que usasse o apagador na mesma mão. Ora isso era completamente impossível de fazer. Senti-me verdadeiramente magoada por ver que uma orientadora não possuía sensibilidade para lidar com uma futura professora deficiente. 14
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
Tudo isto para dizer que ao longo da minha vida, obstáculos existiram sempre, contudo tentei ultrapassá-los da melhor forma, Mas também tive situações na minha prática muito gratificantes em que os alunos percebiam muito bem o meu problema e ajudavam-me. Tive um aluno, até, logo pela manhã, ia-me buscar à paragem do autocarro e ajudava-me a levar para a escola tudo quanto eu tinha para levar. Fui crescendo com todas as experiências que fui tendo, e nunca na minha vida me senti discriminada fosse por quem fosse. Até, que, e como já fiz referência, quando dei apoio à criança com Paralisia Cerebral há cerca de 2 anos. Nessa altura já eu estava na parte curricular do meu Mestrado. Propus que a minha tese fosse sobre a integração do professor com deficiência no seu local de trabalho, mas para que tal acontecesse eu teria de obter uma amostra de 8 professores. Consegui esses 8 professores e o tema foi aceite. Depois com o passar do tempo, consegui uma amostra de 14 professores, todos eles com deficiência motora, auditiva e visual. 15
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
No início deste ano letivo 2009/2010 foram distribuídos os orientadores. Eu fiquei com um Professor já conhecido. Já o tinha tido nas aulas de Metodologia de Investigação - métodos quantitativos -. Durante as suas aulas, deu-me para perceber que o Professor era uma pessoa muito calma e também muito humano, uma vez que depois de eu lhe dizer que só trabalhava com a letra tipo areal 16, tinha o cuidado de projectar tudo nessa letra. No primeiro encontro que tive em novembro, tive o cuidado de o pôr a par das minhas limitações em relação à letra, o que iria implicar que a tese tivesse um tamanho fora do normal. Não esperava outra coisa quando a sua resposta foi: “Não se preocupe com isso, Isabel. Não vai ser reprovada por isso. Se for preciso eu assino”. Fiquei aliviada e logo percebi que nos íamos entender muito bem. Ainda nesse encontro, dei ao Professor a minha Autobiografia que foi feita como trabalho final de meu Complemento de Formação. Os encontros a partir de novembro foram acontecendo de mês a mês, onde eu tinha que mostrar trabalho que me ia pedindo. 16
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
No meu segundo encontro o Professor devolveu-me a minha Autobiografia, sentido eu que da sua parte havia algum constrangimento em lidar comigo. Eu pus o meu orientador à vontade dizendo: “O passado já lá vai, não tenho problemas nenhuns em falar da minha deficiência. O Professor pode estar à vontade comigo”. Já em dezembro, o Professor pediu-me para fazer a entrevista piloto e mandá-la via email, bem como o 1º Capitulo referente à deficiência. Nesta altura eu pensei a quem poderia fazer essa entrevista, mas em conversa com o meu marido ele disse-me: “não és professora? Não és deficiente? Então posso-te fazer a entrevista”. Eu aceitei. Nela fui-me revelando como era. Após tudo feito enviei o que tinha ao meu orientador e esperei pelo encontro de janeiro. Nesse encontro o professor, em relação à Revisão da Literatura foi muito franco comigo e disse-me:” Eu vou aprender muito com a Isabel, pois esta área não é a minha”. Ao ouvir estas palavras senti-me um pouco sozinha, mas tentei não desanimar. Quando ele viu a entrevista piloto 17
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
perguntou-me: “Quem respondeu às perguntas da entrevista piloto foi a Isabel, não foi?” Senti-me mais vermelha do que a blusa que trazia vestida e respondi: “Para não estragar alguma da minha amostra teve que ser assim, professor.” O professor olha bem para mim e diz-me: “A Isabel tem mesmo muita força de vontade!” Tem que ser assim, pois sem força de vontade, eu não chegava onde cheguei. Ao longo deste tempo foram acontecendo situações bastante caricatas, como por exemplo noutro encontro que tive com o Professor ele disse-me: “Se continuar a trabalhar assim, não tarda muito que sou despedido”. “ Então já tem a tese feita?” Tudo isto me ia dando cada vez mais ânimo e força para continuar. Quando entrei na parte das entrevistas, o Professor deu-me mais ou menos um mês para as fazer e transcrever. Fazer era fácil, uma vez que a minha disponibilidade de horário também era boa. O pior era ter tempo para as transcrever, mas isso também deixou de ser problema a partir do dia em que comecei a levar o computador para a escola 18
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
e na hora do almoço comecei a fazê-lo. Consegui fazer tudo e cumpri o prazo que me tinha sido dado. Ao longo das entrevistas aprendi muita coisa com os meus entrevistados, que eram pessoas de uma força de vontade extrema capazes de mudar este mundo e o outro. Tive uma situação muito caricata de um entrevistado invisual que estava acompanhado de um cão-guia. No dia da entrevista fui buscá-lo à Estação de comboio e resolvi ir com ele até à Escola pois para além de ser um local mais perto, era também um local sossegado. Qual é o meu espanto em que logo à entrada o porteiro perguntou-me pelo cartão. O meu entrevistado tomou a liberdade e responder: “Todos temos cartão menos a cadela”. Já mesmo à entrada da escola a pessoa que está à porta depois de me cumprimentar e de ver o cão-guia «torceu o nariz». Eu só respondi: “É um cão-guia, por isso pode entrar”. Esta situação deu-me bastante que pensar. Como é possível que uma pessoa que está acompanhada de um cão-guia possa ser discriminada numa instituição destas! 19
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
Todas as entrevistas correram bem. Posso dizer que tive testemunhos de vida que me fizeram pensar que eu em relação a essas pessoas sou muito pequenina, não me podendo queixar de nada. Depois das entrevistas feitas e quase todas transcritas, voltei a encontrar-me com o meu orientador. Isto aconteceu numa tarde em que vinha de dar aulas e estava extremamente cansada. Ele notou e após eu ter entrado no seu gabinete e de ter visto o que trazia (o meu computador) disse-me: “Há pessoas a quem eu tenho que ligar para saber do trabalho delas. Quanto à Isabel, quando abro o meu email é quase todo seu!” Ora se eu quero entregar a tese até setembro de 2010 tem que ser assim. Não quero pagar mais e quero que o meu orientador tenha a minha tese pelo menos em junho/julho para que se houver alguma coisa a corrigir fazer-se antes de setembro. E lá está, quando mais cedo entregar, mais cedo a defendo. Nesse mesmo encontro, porque o meu orientador me disse:” Agora durante uns três dias, pode 20
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
ir pescar!” Eu argumentei: “Pescar como se não tenho cana de pesca?!” Voltou-me a dizer: “Quero dizer, vá ao cinema, distraia-se e descanse um pouco”. Toda esta conversa significava que eu precisava de parar para descansar um pouco. Contudo a expressão ficou-me e às vezes ainda me rio sozinha quando me lembro dela. No passado dia 11 de maio de 2010 fui ao Ministério da Educação para saber se conseguia alguns dados sobre a regra dos 5% para as pessoas com deficiência. Qual foi o meu espanto que quando lá cheguei, ninguém me sabia dar essa informação, todavia quem me recebeu não foi capaz de dizer que não sabia. Considero que perdi o meu tempo desnecessariamente, pois mandaram-me deixar uma carta dirigida ao Senhor Diretor para que me fosse possível ter essa informação. Nesse dia, e para terminar, nada melhor que uma boa aula de Yoga. Foi o que fiz, senti-me completamente relaxada. À noite, antes de começar a transcrever a última entrevista, resolvi ver os meus emails, tinha bastantes; um deles era de um entrevistado meu, 21
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
professor na Universidade a convidar-me para um Seminário sobre Comunicação. Fiquei radiante com o convite, estou seriamente a pensar em aceitar o convite, uma vez que já tive experiência nessa área e talvez seja o começo para ser lançada. Na próxima sexta-feira dia 19 de março irei falar sobre o assunto e com ele escolho alguns artigos para mandar ao meu orientador. Só nessa altura é que aproveito e digo ao meu professor da possibilidade que tenho em participar no Seminário, e claro que também quero a sua ajuda, uma vez que se isso por acaso se vier a concretizar, vai ser a minha primeira vez que falo em público. Hoje dia 13 de março de 2010, depois de muita insistência lá consegui acabar de transcrever as entrevistas todas. Levou o seu tempo, mas acabei. Vou agora começar a sua análise, que segundo o meu orientador não é muito difícil. Vamos lá ver como é, e se consigo ter a análise feita para o próximo dia 6 de abril, que é quando me vou encontrar com o meu orientador. 22
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
No dia 14 de março comecei a fazer a análise das entrevistas. Esta é tão fácil e tão boa de fazer, que durante esta tarde interrompi uma série de vezes, ora para regar as minhas plantas, ora para estender e apanhar roupa, etc., etc. Ao fim da tarde, e porque o meu marido estava cheio de dores numa perna, os meus pais vieram vê-lo. Era necessário ir ao hospital e à urgência para ver o que se passava. Claro que, e porque o meu pai conhecia alguém, guardou-se para o dia seguinte. No resto do dia resolvi colocar o computador no meu quarto, para assim trabalhar ao lado do meu marido, e caso ele precisasse de alguma coisa eu estava ali para o atender. No dia seguinte, 15 de março fui acompanhar o meu marido ao hospital. Foi-lhe diagnosticado uma Brucite. Esteve de baixa uma semana e eu também. Claro está que entre tratamentos, almoços e jantares algumas entrevistas foram sendo analisadas. Hoje, quando me surgiu uma dúvida à análise da 14 ou 12 entrevistas resolvi mandar um email 23
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
ao meu orientador. Estava a escrevê-lo e quando o assinei, deu-me uma vontade enorme de rir. Pairou no meu pensamento que quando o meu orientador o abrisse iria pensar: “Outra vez a Isabel!” Hoje, dia 16 de março de 2010, saí de casa de manhã para ir entregar os atestados médicos e dar outras voltas, que eram necessárias. Dentro dessas voltas uma delas era passar pelo gabinete de um professor para levantar um livro no qual, e segundo ele, tenho muita coisa que posso aproveitar para a minha tese. Irei também na próxima sexta-feira dia 19 de março pelas 15 horas escolher com ele alguns artigos interessantes para mandar ao meu orientador. Só nesse dia é que também irei abordar o tema da minha participação no Seminário. Até hoje o meu orientador não sabe de nada. Se por acaso o tema for aceite, espero bem que possa contar com a ajuda e contributo dele, pois para mim vai ser a primeira vez que faço algo deste género. E quem sabe se esta poderá ser também não só uma forma de me lançar, como 24
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
também de preparação para a defesa da minha tese. Antes de chegar a casa, e já tendo o livro na mão, fui tirar algumas fotocópias, uma vez que havia lá artigos interessantes para colocar na minha Revisão de Literatura. Após este trabalho regressei a casa e depois de ter tratado do almoço, peguei no telemóvel e liguei ao professor. a agradecer-lhe a atenção. Aproveitei a mesma ligação para confirmar tudo para a próxima sexta-feira dia 19 de março. Na linguagem popular posso dizer que estou «em pulgas» para que esse dia chegue, para assim contar tudo ao meu orientador via email. Para mim, e se tivesse tempo, até o fazia pessoalmente, pois adorava ver e sentir qual era a reação do meu orientador. Hoje, dia 18 de março de 2010, estava eu a fazer a análise das entrevistas, quando de repente recebi um telefonema da parte do professor Homero a cancelar o encontro de amanhã, dizendo-me para entrar em contacto com ele na próxima segunda-feira dia 22 de março. Lá vou 25
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
eu ter que esperar e aguentar a minha ansiedade! Depois de ter recebido o telefonema resolvi perguntar-lhe se o tema que eu tinha escolhido servia. Fico à espera da sua resposta via email. Vamos lá ver se por acaso esta resposta não vai demorar muito para que a minha ansiedade também não seja tão grande. Como eu gostava de ser de outra maneira, menos ansiosa e entregando-me menos às coisas! Poderia pensar de outra forma mais leve e menos ansiosa. Hoje, dia 19 de março, é o Dia do Pai e eu ainda nada comprei para dar ao meu pai. Estive a analisar as entrevistas que neste momento estão a dar-me um gozo enorme escrever. Hoje, dia 20 de março de 2010, continuei a fazer a análise, contudo, e a meio destas surgiu-me uma dúvida ao nível do ensino das pessoas cegas. Não hesitei e liguei ao Professor que entrevistei, e que também é cego. A dúvida foi tirada, mas não falei nada sobre a comunicação, consegui conter-me. Na próxima segunda-feira quando lhe voltar a ligar 26
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
pergunto-lhe. Apenas lhe disse que estou numa fase do meu trabalho que me está a interessar bastante e que estou a gostar muito de fazer. Hoje, dia 21 de março de 2010, é Domingo, amanhã segunda-feira vou ligar ao Professor Homero. Será que ele me vai dizer, ou melhor marcar, um dia para falarmos? Estou ansiosa se a nível do tema da conferência este é aceite e posso começar a pensar em como elaborá-lo. Entrei numa fase, em que ao nível da minha tese estou a gostar muito do que estou a fazer e a escrever. Sinto que não tenho orientação, por isso não sei se o que estou a escrever está bem. Talvez esteja, Deus queira que sim. Ainda não falei com o meu orientador sobre isto, só no próximo dia 6 de abril, contudo já lhe mandei um email a pedir que me esclarecesse a dúvida do que estou a fazer. Entretanto vou escrevendo, não fico parada à espera. Logo se vê. O meu orientador é considerado um bom professor, por isso dir-me-á se estou a fazer bem ou não. Não deixo de modo algum de confiar nele e no seu bom trabalho. 27
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
Hoje, dia 22 de março de 2010 estou com pouca inspiração para escrever e justificar as observações dos meus entrevistados. Já falei com o Professor Homero e o nosso encontro ficou para a próxima sexta-feira dia 26 de março. Vamos lá ver o que ele tem para me dizer. O meu orientador respondeu-me dizendo que posso ir fazendo as coisas “empiricamente”, ou seja mais tarde vou ter que as justificar com referências bibliográficas. Entretanto, e até ao dia 6 de abril penso estar no bom caminho. Hoje, dia 24 de março de 2010, depois de ter falado telefonicamente com uma amiga que trabalha no Ministério da Educação resolvi escrever um novo email para a DGRHE, a saber em que ponto se encontrava a situação da quota dos 5%, e se a declaração que deixei lá no passado dia 11 de março tinha sido recebida. Como amanhã essa amiga vai dizer-me a quem devo dirigir o email, resolvi já escrevê-lo e mandá-lo ao meu orientador. Ainda tentei ligar-lhe a explicar-lhe toda a situação, mas ele não 28
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
me atendeu o telemóvel, tento ligar amanhã de manhã para a Escola Vamos lá ver se consigo saber aquilo que quero, e se o meu orientador vê o meu email a tempo. Hoje, dia 25 de março de 2010, fui ao Agrupamento tratar da minha avaliação e aproveitei para perguntar ao meu Diretor se valia a pena voltar a insistir, uma vez que do Ministério ainda não tinha tido qualquer resposta. Não me foi novidade nenhuma quando ele me disse que a pessoa que estava lá já tinha saído. Bem sei que com estas coisas eu nunca tive sorte. Vou mandar de novo o email, mas estou ciente que não vou ter qualquer tipo de resposta. Após ter saído do Agrupamento, e atendendo a que ainda era cedo, fui até ao Campo Grande onde no Alvalade XXI fiz algum tempo para me ir encontrar com o Professor Homero. Até que a hora chegasse, aproveitei para ir passando a limpo o meu diário. À medida que a hora ia ficando mais próxima o meu coração não só batia com uma intensidade muito forte como também o sentia cada vez mais 29
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
pequenino! Fui a pé até à Universidade onde era o nosso encontro para ver se espairecia e não ficava mais ansiosa do que já estava. Quando lá cheguei tive a informação que o Professor estava atrasado meia hora. Como não chovia vim para o sol e olhava para o azul do céu para me sentir mais calma. De repente toca-me o telemóvel. Era da Biblioteca onde o Professor trabalha. Pensei logo: “Já não vem”. Enganei-me, era para dizer que estava atrasado meia hora. Aqueles 30 minutos para mim foram uma eternidade. Que horror!!! Só via alunos a passar e nada do Professor Homero. “Porque sou assim tão ansiosa?” Pensei eu. Passado algum tempo lá apareceu o Professor acompanhado de mais quatro pessoas. Deixei-os subir, atrasando o meu passo. Quando me aproximei da porta do seu gabinete, já o Professor tinha entrado. Mandaram-me esperar, até que depois de ter esperado mais um pouco lá veio o Professor ter comigo. Pediu-me imensa desculpa pelo seu atraso e lá entrei eu para o seu gabinete. Sentei-me e 30
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
entreguei-lhe o resumo da sua tese de Doutoramento agradecendo-lhe toda a atenção. Após ter feito isto, começamos, então a escolha dos artigos que o Professor achava mais interessantes para eu mandar ao meu orientador. Depois de feita a escolha, o Professor recomendou-me alguns livros para no caso do meu orientador pedir-me ir para justificar o que eu escrevi. Para o fim da nossa conversa ficou o assunto do Seminário do qual o Professor é o autor. Ele quer que eu seja a sua convidada. Vai mandar-me alguns temas que serão abordados, e desses temas eu vou escolher um para participar. Fiquei radiante. Ainda mais radiante fiquei quando lhe falei que estava a escrever este diário, e a propósito o Professor ofereceu-se para fazer o prefácio ou o posfácio, dependendo do que o meu orientador fizesse. Contudo, se quero fazer surpresa ao meu orientador não lhe posso pedir nada. Saí deste encontro muito contente. Vinha pelo caminho e pensava: “Sou uma pessoa de sorte. A vida está-me a sorrir”. Agora só me resta contar a novidade do Seminário ao meu orientador, para tal vou ter que es31
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
perar pelo dia 7 de abril que é afinal quando vou estar com ele. Mal cheguei a casa contei a novidade ao meu marido e depois liguei aos meus pais e aos meus irmãos a contar tudo. Sinto-me tão feliz e tão leve! Hoje, dia 29 de março de 2010, após mais um fim de semana cheio de trabalho de análise de entrevista e relatórios finais de avaliação de período consegui acabar a análise. Ainda resolvi fazer um ficheiro à parte com os quadros, e hoje fico por aqui. Sinto que estou a puxar demasiado por mim e pela minha vista, Tenho que ter cuidado, porque se me faltar a vista falta-me tudo. Hoje uma das minhas entrevistadas deficiente auditiva, mandou-me um email a perguntar se já tinha a minha tese feita. Era bem bom, mas ainda falta um bom bocado para chegar ao fim. No próximo dia 7 de abril vou estar com o meu orientador. Estou ansiosa por estar com ele, para lhe contar a novidade que tenho sobre o convite que me foi feito. Espero poder vir a contar com a 32
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
ajuda do meu orientador para a minha participação na conferência. A propósito deste diário que estou a escrever, estive a pensar e vou aproveitar o facto de um Professor amigo se ter oferecido para fazer o Prefácio ou o Posfácio (sendo preferível o Posfácio, porque o Prefácio terá mais dignidade e justeza ser feito pelo meu orientador) e dedico-o ao meu orientador. Ele merece bem a surpresa que lhe estou a preparar! Hoje, dia 31 de março de 2010, finalmente, e após um grande esforço da minha parte, consegui acabar a análise das entrevistas com as conclusões. Foram nada mais, nada menos que 77 folhas. Será que o trabalho que fiz está correto? Só o vou saber no próximo dia 7 de abril. Estou cansada, muito cansada mas feliz. Sinto que o que estou a fazer me está a dar um gozo enorme e agora com tanto que vou escrevendo, descobri o gosto pela escrita. Hoje, dia 1 de abril de 2010, o meu sobrinho mais velho faz 6 anos. Estou feliz por ele, mas 33
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
também ando muito feliz e satisfeita com a minha tese. Já a dei a ler a uma colega, para me fazer o favor de corrigir os erros ortográficos e ver o português. Ela já me disse que está a gostar muito de a ler. De hoje e até à próxima quarta-feira não vou pegar na tese. Vou descansar, e segundo o meu orientador vou “pescar”. Dedicar-me à minha família, estar com eles estes dias. Até porque no Domingo de Páscoa a reunião é feita em casa da minha mãe. Nesse dia, para além do dia de Páscoa, a minha mãe vai juntar os anos do meu sobrinho e os dela que são amanhã Sexta-feira Santa. Após o almoço fiz alguns telefonemas a desejar uma boa Páscoa. Um deles foi ao meu orientador, aproveitei também o telefonema para lhe dizer que ia mandar as coisas hoje, mas em dois emails, um seria com os artigos que tinha selecionado com um professor meu amigo e outro com o meu trabalho. Tinha algumas coisas a fazer na rua. Fui tratar do que tinha a fazer e quando cheguei a casa resolvi enviar tudo ao meu orientador. Quando acabei de mandar o email com o meu trabalho pensei 34
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
para comigo: “ Será que o meu orientador vai ver tudo? Desta vez exagerei no trabalho!” Mas isso não implica que me sinta bem comigo própria e que esteja a gostar de que estou a fazer. Ainda hoje de manhã à saída do Yoga uma colega da minha mãe disse-me: “Tu não levas nada na brincadeira. Levas tudo muito a sério. És uma mulher de armas!” Eu sei que sou, mas também sei que tenho que ter cuidado com a minha visão, pois só tenho uma, e se dou cabo dela não tenho outra. Hoje, dia 2 de abril de 2010, logo pela manhã liguei à minha mãe a dar-lhe os parabéns. Depois fui até à minha sogra, que mora em Setúbal, almoçar. O dia estava lindo, o azul do céu acalmava-me bastante, nem parecia que era Sexta-feira Santa. Hoje, e segundo o meu orientador, era o meu primeiro dia de pesca. Pesquei alguma tranquilidade e através do azul do céu enchi a minha alma de uma paz infinita. Será que era a isto que o meu orientador se referia quando no passado dia 9 de março me disse para eu ir pescar? Se era conseguiu-o. 35
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
Quando cheguei a casa ao final do dia era assim que me sentia, leve como um passarinho respirando tranquilidade e calma. Neste momento é disto que eu preciso para poder continuar a minha árdua caminhada. Sei que ainda tenho muito pela frente. Caminho esse que não vai ser fácil, por isso tenho que usufruir destes momentos, para como se diz na linguagem popular «recarregar baterias». Hoje, dia 3 de abril de 2010, Sábado de Aleluia. Depois de uma boa e repousante noite de sono, fui de manhã para o Gradil. O Gradil é uma aldeia que pertence ao Concelho de Mafra. Fica a 30 quilómetros de Lisboa. É a aldeia de onde o meu pai é natural. Cheguei bastante cedo, pois ainda fui ajudar a minha mãe nos preparativos para o almoço de Domingo. Por volta das 17 horas chegou o meu irmão do meio, a minha cunhada e os meus dois sobrinhos. A casa ficou cheia, só faltava o meu irmão mais novo que só podia vir no Domingo. Os preparativos foram todos feitos neste dia, 36
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
e ainda tive oportunidade de ir à Vigília Pascal na companhia do meu marido e dos meus pais. Durante a Vigília foi acesa uma vela através do Círio Pascal. À saída a minha mãe disse-me: “Guarda bem esta vela, pois numa aflição podes acendê-la”. Eu respondi-lhe:” A vela será acesa no dia em que souber quando vou defender a minha tese, e claro no dia da sua defesa”. Quando cheguei a casa e antes de me deitar, aproveitei o quentinho da lareira para me aquecer, pois saí da igreja completamente gelada. Hoje, dia 4 de abril de 2010, é Domingo de Páscoa. Acordei com o cantar dos passarinhos e com o repicar do sino da igreja. Como é bom acordar assim! Estava um dia lindo, um céu azul um sol radiante e quentinho, tão quente que me aquecia a alma. O meu irmão mais novo chegou perto da hora do almoço, ficando assim completa a família. Depois do almoço ainda fiquei mais um pouco a gozar o quentinho do sol e o ar repousante da 37
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
aldeia. Fiquei divertida a ver da varanda os meus sobrinhos a brincarem no quintal. Parecendo que não duas crianças enchem uma casa! Sabe tão bem vê-las brincar e a fazer as suas graças! A meio da tarde vim de regresso para Lisboa. Bateu-me uma nostalgia em deixar a família e todo aquele ambiente envolvente. Estava na altura de voltar à normalidade da vida. Na próxima quarta-feira vou estar com o meu orientador e contar-lhe as novidades todas. Só espero que todo o trabalho que fiz de análise esteja bem feito. Ah, em relação à “pesca,” esta tem sido muito produtiva. Só neste fim de semana foi muito lucrativa. Com as crianças aprendem-se coisas incríveis. Elas são muito naturais e com a sua naturalidade fazem-nos esquecer algumas e reavivam as nossas memórias de outras que já estavam esquecidas. Hoje, dia 6 de abril de 2010, comecei o meu dia com uma sessão de Yoga, que bem precisava, pois andei todo o dia um pouco ansiosa. 38
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
A razão é simples, amanhã vou estar com o meu orientador e não sei como está o meu trabalho. É a primeira vez que lhe mando algo completo, mas sem ter tido orientação. Durante o dia andei, sabe Deus como, cada vez que pensava no encontro de amanhã. Durante a tarde fui à Universidade buscar uma pauta de Braille para mostrar ao meu orientador, o que é uma pauta. Não me encontrei com o Professor Homero, mas agradeci-lhe telefonicamente. Ao fazê-lo, do outro lado o Professor mostrou bastante pena pelo facto de não ter podido ficar à minha espera na faculdade. Quando eu for entregar a pauta, vou tentar estar com ele e aproveitar para lhe dizer que se quiser pode fazer-me o Posfácio do meu diário para oferecer ao meu orientador. À noite ao arrumar as coisas para levar amanhã para a Escola, vi que tinha perdido as referências bibliográficas que o meu orientador me tinha dado. Resolvi, por isso, mandar-lhe um email a pedir as novas referências bibliográficas. Só espero que ele não se aborreça com o facto.
39
O Diário de Marisa Isabel Ferreira
Hoje, dia 7 de abril de 2010, tive o encontro com o meu orientador . Ele ficou muito admirado com todo o trabalho que lhe apresentei. Fez algumas correções no computador a azul para que eu soubesse o que estava mal e para ser retirado. Claro que aproveitei essas correções e pedi-lhe para me as gravar na minha pen. Dentro ainda do nosso encontro, o meu orientador elogiou muito a escrita do Professor Homero Como já me falta pouco para terminar a minha tese, o meu orientador perguntou-me se por acaso eu poderia apresentar em 15 dias o resto do trabalho que me falta. Vou ter que hibernar durante esses dias para conseguir fazer o que o meu orientador me pediu, caso contrário não consigo. Já no final do nosso encontro, contei-lhe do Seminário para o qual fui convidada. Ele deu-me os parabéns e disse-me que me ajudava se eu precisasse. Quando saí da Escola, saí toda animada. Liguei ao Professor Homero a contar o que se tinha passado e para combinar a entrega da pauta que me emprestou. 40