Ela só queria ver o mar

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Esta obra respeita o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 16 de dezembro de 1990, assinado entre os países de língua oficial portuguesa: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

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ELA SÓ QUERIA VER O MAR

JACQUES MIRANDA

1a. Edição 2012 Dedicado aos Países Lusófonos

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(c) 2012 Jacques Miranda. Todos os direitos reservados ao autor, conforme registro no Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional Brasileira: 6.386.112. Depósito Legal na Biblioteca Nacional Portuguesa: 348871/12 Esta é uma obra de ficção. Os nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação do autor. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) _________________________________________________ O48e MIRANDA, Jacques. Ela só queria ver o mar / Jacques Miranda. São Paulo : Editora do Autor, 2012. 148p. ISBN: 978-989-8413-71-0 1. Romance. I. Título. CDD B869 __________________________________________________

Índices para catálogo sistêmico: Romance, literatura, ficção Assessoria Editorial: Sara Coito - Sítio do Livro - Portugal Projeto Gráfico/Diagramação: NeuxCom /ISOEditorial - Brasil (55 11) 2464.9103 – 2447.1740 Capa: Cibele Bastos - Fotografia: Gabriele Diola

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PR EFÁCIO

Surpreendentemente, ela viu muito além do mar... Ela só queria ver o mar. Parece pouco, mas essa frase capsula sonhos, desejos, angústias que vão sendo desveladas, numa deliciosa narrativa tecida pelo autor. Arrematando aqui e ali, nos enreda até que a trama se finalize, deixando espaço para que o leitor construa o romance junto: a quatro mãos, num artesanato literário belíssimo. Com o mar e o nordeste são elementos marcantes e recorrentes nessa bela obra literária, as fantásticas Jussaras e Elizetes são a síntese da mulher nordestina batalhadora, talhada na dura realidade, pelo determinismo geográfico, econômico e social. Mas que possibilidades forjaram elas? Que poder é esse que desafia destinos? Famílias aos pedaços ou inteiras saem dos seus nascedouros por medo, dor e muita esperança, comprovando que as escolhas acertadas podem desenhar futuros diferentes. É a narrativa emocionada cheia de experiências vividas por migrantes nordestinos, como tantos outros, que partem da cidade do

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interior para a cidade grande do sudeste. Ao descrever o amor de Francisco e Jussara, Elizete e Fábio o autor os transforma em casais especiais, aquele à moda antiga, esse à moda contemporânea. Cada qual no seu tempo, amaram e foram amados do seu jeito, porém ninguém é anônimo quando se é amado. Deixei-se levar pela narrativa quase ingênua de tão parecer verdadeira, sendo que qualquer pessoa sensível pode apreciar como experiência humana. Uma leitura agradável, na qual se pode encontrar contentamento no aqui agora, principalmente na forma delicada de se contar uma boa história. Esse livro é um louvor à esperança, prova que a vida pode ser melhor e dar certo. “Ela só queria ver o mar”. Porém viu muito além do mar... Surpreendenda-se!

Brasil, Guarulhos, 24 de abril de 2012

Antonia Conceição Vaz Duarte - Psicanalista, escritora, membro da Academia Guarulhense de Letras.

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Um livro é feito de palavras que podem ser escritas por várias mãos. Algumas mãos digitam respondendo a estímulos criativos, como é o caso do autor. Outras mãos, entretanto, usam os dedos não somente para virar as páginas, mas sobretudo para apontar eventuais desvios que não foram vistos pelo autor. A estas pessoas, rendo agradecimentos: Camila Oliveira, Cibele Bastos, Elaine Pinheiro, Gláucia Caroline, Izabel Barbosa, Luis Ricardo Andrade de Silva e Tatiana Soares de Almeida. Agradecimentos especiais à Antonia Conceição Vaz pelas palavras de incentivo e às minhas companheiras de viagem: Ana, Cibele e Gabriele, pela preciosidade da convivência.

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Dedico Ă minha mĂŁe. Sempre.

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Escrever significa tecer um tecido que cobrirá um pensamento e, quiçá, acalantará uma alma.

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CA PĂ? T U LO 1

Nem toda carta chega onde se deseja, embora a maioria delas tenha destinatĂĄrio, ĂŠ bem verdade. Mas, nenhuma delas merece ficar no fundo de uma gaveta, ainda mais quando guardado por uma professora. Por anos...

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Querida professora, sei que todo início do ano você pede uma redação a respeito de minhas férias. Tudo bem, eu vou fazer, mas senti vontade de escrever algo sobre a minha vida e estou entregando esta carta para você porque não tenho com quem conversar a respeito. Desculpe o desabafo, mas enquanto todas as outras pessoas veem a situação pelo lado ruim, sempre me preocupei em ser alegre, mesmo naqueles momentos em que todo mundo chora. É estranho... Muita gente me chama de Poliana por conta daquela história de uma órfã de pai e mãe que vive muitas dificuldades e aprende com o pai o “jogo do contente”, que a fortalece no dia-a-dia (meu avô que me contou essa história). No meu caso, o meu pai... Deixa pra lá. Uma vez eu cortei o dedo em uma pedra e sangrava bastante. Doía? Claro que doía, mas eu ficava rindo e as pessoas ficavam me dizendo para eu explicar porque que eu não estava chorando. Eu respondia: porque está doendo! Ninguém compreendia. Não acho a dor uma coisa ruim, ela é, deixa eu ver, dor ué! É como um chicote que castiga quando a gente tá errado? Exagerei? Desculpe. Eu sempre exagero.

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Mas tenho algumas escolhas na vida. Dentre elas, acordo e escolho como eu quero ser naquele dia: tenho sempre duas opções, ser uma menina feliz ou triste. Será que tem algum dia que eu acordo triste? Claro que sim, mas é raro, dura pouco e logo já me alegro; eu gosto de tudo. Um dia, ao acordar, soube que o Bob, cachorro da minha vizinha tinha fugido. Naquele dia, ajudei a dona Elvira a procurá-lo e, infelizmente, ficamos sabendo que ele foi atropelado na estrada. Coitado do Bob, fiquei triste, de verdade. Pouco depois falei para ela “é o destino, dona Elvira”. Ela olhou para mim com uma cara bem feia e percebi que tinha feito algo errado. Não sei onde arrumei a palavra “destino” para usar muitas vezes na minha vida. Um dia, que cortei o dedo... já contei? Não? Mas, acho que não contei tudo... nesse dia, tava todo mundo com aquela aflição de ver meu dedo quase dependurado e eu rindo, com uma cara de dor, é claro. Quando cheguei ao hospital, o médico pediu para tirar a toalha que estava encharcada de sangue. Em seguida, ele me perguntou “o que aconteceu?” e eu respondi “cortei na pedra” e ele, “como?” eu disse “foi o destino”. Ele deu um sorrisinho de canto de boca e eu completei: “a pedra estava parada, eu que fui incomodá-la, fazer o que. É o destino”. Não sei bem o que significa essa coisa de destino. Pra mim é algo que alguém escreveu em algum lugar e vai acontecer. Ou é um caminho que você simplesmente segue e que era seu de verdade ou de outra pessoa e você pegou aquele caminho por acaso. Onde eu quero chegar, professora, é perguntar para a senhora algo que não pergunto para os meus pais, pois você sabe que minha mãe não mora com a gente. Bom, a pergunta é a seguinte: quando vamos saber se determinada pessoa é quem a gente acha que é. Quero dizer, como vamos saber se determinada pessoa será realmente nosso namorado? Nosso amor, como eles falam... Será que vai acontecer algo? Um clic, um sinal? Um barulho? Será que dói? Eu pergunto isso porque eu decidi ser feliz. Quero muito ser feliz e acredito no destino, mas tenho esta dúvida, e se aparecer alguém na minha vida, um menino, o que faço?

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Ah, eu queria contar um sonho para a senhora. Sonhei que eu conhecia o mar. Nossa, foi muito lindo, muito mesmo. Mas, depois aconteceu alguma coisa que eu não lembro bem o que era. Quem sabe um dia eu conheça né? Com amor, de sua aluna, Jussara

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Um forte estrondo rompe o silêncio. Ao fundo se vê uma maca sendo carregada, a passos largos, por dois homens. Um atrás tratava de empurrá-la e o outro ia ao lado, mantendo em uma das mãos um tubo de soro por aproximadamente um palmo acima de sua própria cabeça. - O outro está chegando daqui a pouco. Este talvez seja o menos complicado – disse um dos socorristas. Em seguida, eles param ao lado de uma cama hospitalar e, com movimentos habilidosos, contam até três e pronto, transporta-o da maca para o leito. Penduram o soro e rapidamente desmontam a maca e voltam correndo para a ambulância, de onde mais surpresas o esperavam. O médico, que estava presente, se apressa em colocar o estetoscópio sobre os ombros e caminhar rapidamente para atender aquela ocorrência que quebrara a tranquilidade daquele fim de plantão. Dali a apenas duas horas e meia estaria retornando para sua casa depois de uma jornada de 24 horas. - Quem é o paciente? Qual a idade, sexo? – perguntou o jovem médico para a enfermeira, enquanto caminhava em direção à sala de

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atendimento. - Uns 30 e tantos, sexo masculino. Pressão alterada, um ferimento à bala. Um homem bem forte e aparentemente uma perfuração no pescoço, parecendo um tiro. Tem um bocado de sangue saindo pela boca mas parece estar consciente. Naquele instante, enquanto o doutor caminhava em direção ao atendimento, um casal vem em direção contrária e, de maneira desesperada e afoita suplica-lhe pela vida de uma outra pessoa: - Doutor, não deixe ela morrer doutor, não deixe, por favor, faça qualquer coisa... – Desespera-se a jovem que pegou no braço do médico e foi amparada pelo seu marido. A moça que havia suplicado, estava em prantos e o homem um pouco mais sério, continuavam acompanhando o médico que não entendia o que estava acontecendo. Em seguida a porta do saguão principal se abre com certa violência. Uma maca é empurrada por dois enfermeiros que avançam em direção ao médico que aguardava por este paciente. Uma mulher, com um ferimento no peito mostrava sinais de inconsciência pois seus olhos estavam entreabertos sem que fosse possível ver suas pupilas. Era jovem. A barriga protuberante demonstrava que ela esperava um bebê. Doutor Carlos não era o único médico, havia um pediatra em seu plantão. Sua equipe era composta de uma enfermeira chefe e quatro auxiliares de enfermagem. Era um hospital de emergência e não tinha muitos recursos como grandes hospitais que possuem médicos especialistas nas áreas de ortopedia e neurologia, equipamentos de diagnóstico sofisticados, a exemplo de tomografias computadorizadas, ressonância magnética etc. Ao contrário, era incomum receber atendimento de emergência daqueles que são prestados pelo Serviço Médico de urgência – SAMU, um serviço público e gratuito disponível na maior parte das regiões do Brasil. A cidade é Niterói, vizinha a uma das cidades turísticas mais frequentadas do Brasil, o Rio de Janeiro. Ele teria que tomar algumas atitudes rápidas para com aqueles dois pacientes visando preservar a vida de ambos. Era o momento de

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escolher qual dos dois ele iria ter de atender primeiro. Ao chegar para diagnosticar o primeiro paciente, que estava consciente mas com um provável ferimento à bala na altura do pescoço, ele depara com uma feição que lhe parecia familiar. Além do rosto conhecido, o homem tinha um detalhe que lhe chamou muito a atenção: um dente maior que os demais, saindo para fora da boca. Foi uma escolha difícil: priorizar o atendimento na mulher grávida ou em seu conhecido? Atuar sobre aquela que estava inconsciente ou estabilizar o consciente? Uma escolha baseada na intuição.

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