Felicidade não é para quem pode, é para quem quer!

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FELICIDADE NÃO É PARA QUEM PODE, É PARA quem quer!

CRISITNA RODO

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CRISTINA RODO

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É possível que haja quem seja feliz naturalmente, sem dificuldade, sem esforço. Para a maior parte de nós a felicidade tem, no entanto, de ser trabalhada e precisamos de lutar constantemente por ela. A nossa vida está nas nossas mãos, a forma como nos sentimos depende essencialmente de nós próprios, de como a encaramos, de como pensamos, de como agimos. Para se ser feliz é preciso primeiro quere-lo e depois fazer constantemente por isso. A consciência, interiorização e aceitação de que problemas, dificuldades, tristezas, dor, enfim momentos maus no geral, fazem parte integrante da vida, e não há como lhes escapar, é fundamental. O facto de não conseguirmos às vezes sentir o calor da nossa felicidade não quer, no entanto, obrigatoriamente dizer que não sejamos felizes. Acima das nuvens o céu está azul e o sol brilha! Aqui fica um livrinho sobre a felicidade «na óptica do utilizador». ;)

FELICIDADE NÃO É PARA QUEM PODE É PARA QUEM QUER!

CRISITNA RODO

FELICIDADE NÃO É PARA QUEM PODE,

É PARA QUEM QUER!

Nasci em Lisboa, a 17 de Janeiro de 1965. Estudei no Liceu Francês de onde segui para o ARCO (fotografia) e depois para o IADE (desenho têxtil). Não desenvolvi uma carreira, a vida profissional tendo seguido ao sabor do vento, de forma diversificada, nos últimos tempos mais virada para as novas tecnologias. Sinto, curiosamente, tanta atracção pelo manual como pelo virtual, cosendo, tricotando, fazendo croché, bijutaria, bricolage e sei lá eu mais o quê. Vivo em permanente actividade criativa, uma canseira. ;) O «vício da casa» são os jogos, de sociedade, de tabuleiro, de cartas, etc. A grande paixão; os animais, de quem vivo rodeada e cuja companhia não dispenso. Há cerca de dez anos abandonei Lisboa para me refugiar em Sintra, provavelmente a melhor decisão da minha vida.

O meu blogue: sopadeideias-cr.blogspot.pt


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Cristina Rodo

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é para quem quer!

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Edição - Edições ExLibris Título - Felicidade não é para quem pode, é para quem quer! Autora - Cristina Rodo Revisão - Inês Guerreiro Capa e Paginação - Cláudia Rodo 1ª Edição Lisboa, Outubro 2016 ISBN - 978-989-8714-85-5 Depósito Legal - 413726/16 © Cristina Rodo

Publicação e comercialização

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Ao CV do meu coração, morro de saudades.

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Índice 9 Introdução 17 Felicidade 27  Está nas nossas mãos 37  O copo meio cheio 45  Ó Leonilde is love 53  Os outros 63  Gerir as emoções 69  Ai! Ai! Ai! 75  Carpe Diem 83 Fé 87 Abracadabra 95  Insiste, insiste, flecte, flecte 101 Agradecimentos

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Só há uma coisa mais rara do que uma primeira edição de certos autores: uma segunda edição. Franklin P. Adams

Introdução

Volta não volta alguém me pergunta: «Já pensaste em escrever um livro?». Não só pensei, como o fiz, há muitos anos. Escrevi um livro, plantei uma árvore, tive um filho, mas continuo a não conseguir fazer xixi de pé contra as árvores. Não entendo, por esta altura já devia ser um homem… Falando um bocadinho mais a sério, sempre gostei de escrever, ao ponto de, quando era miúda, afirmar que queria ser escritora. Rapidamente tomei no entanto consciência da minha fraca veia literária e me deixei de ideias. Como tira-teimas, ainda me aventurei no tal livro, que nunca cheguei sequer a tentar publicar, por eu própria o considerar medíocre. Sou no entanto, sem qualquer sombra de dúvida, uma grande escrevedora. Faço-o a torto e a direito, por tudo e por nada. É passando as ideias para o papel que as clarifico e organizo, o que

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me permite melhor compreender e analisar o que penso e sinto. Relativamente a terceiros, a linguagem escrita é traiçoeira. Por não ser acompanhada de tons de voz e expressões faciais, dá azo a mal-entendidos. Não temos, para além disso, geralmente acesso à reacção do outro enquanto nos lê, não sendo assim possível ir rectificando o discurso conforme avançamos. Permite-nos no entanto seguir uma linha de raciocínio sem interrupções. Dado que a maior parte das pessoas parece gostar bastante mais de falar do que de ouvir, muitas vezes em vez de tentarmos realmente compreender o que nos tentam transmitir, enquanto falam já estamos a elaborar mentalmente uma resposta. Apesar de, mais de uma vez, me ter saído o tiro pela culatra, continua no entanto a ser o meu meio de expressão e comunicação favorito. Assim, dantes escrevia cartas e diários, hoje escrevo e-mails e mantenho um blogue que, contra todas as expectativas, já dura há muitos anos. A escrita está-me no sangue, não há nada a fazer. Escrevo no entanto tal e qual como falo, sem qualquer pretensão artística, preocupação estética ou até, às vezes, respeito pelas regras. Ups… Empenho-me muito mais em tentar fazer-me compreender, em transmitir claramente as ideias, do que em florear o texto. As figuras de estilo não são decididamente o meu forte. Aliás, com alguma vergonha confesso que, como costumo dizer, sou totalmente imune a poesia. Até mesmo em prosa tenho de ler e reler as frases mais complexas para lhes conseguir apreender o significado. Devo ter um bug.

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INTRODUÇÃO

Recentemente, senti-me impelida a escrever o livro que agora têm à frente. Foi despontando na minha cabeça muito antes de passar para o papel. Durante cerca de um ano, dei por mim com uma frenética actividade de tricô, croché, bricolage e afins, pois era o que me permitia ir pensando, estruturando, alinhavando. Inconscientemente, pus a minha outra escrita, o meu blogue, em pausa, e em banho-maria a maior parte das minhas relações sociais, descurando família e amigos, não fazendo grande esforço em prol do convívio. Sentia que tinha de o por cá para fora, nem que fosse para o atirar de seguida para o fundo de uma gaveta. Digamos que fui acometida de uma espécie de terrível «bloqueio de escritor» mas ao contrário. Tentando compreender a sua origem, recuei até um jantar em que um amigo budista afirmou «se queres ser feliz, só há uma maneira…». Ora, sendo eu profundamente feliz e não sendo a minha «maneira» definitivamente a dele, suspeito que afinal haja, pelo menos, duas. A realidade é que acredito que talvez não todos mas garantidamente vários caminhos vão dar a Roma. É bem possível que haja quem seja feliz porque sim, porque é e pronto, sem dificuldade, sem esforço, sem fazer grande coisa por isso. Há pessoas a quem a vida sai com uma naturalidade estonteante. Pessoalmente,

tenho

uma

natureza

complicada

e,

contrariamente à escrita, ser feliz não me está no sangue, tenho de lutar diariamente por isso. Não abdico no entanto de o ser.

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A ideia de perder um dos meus pais sempre me apavorou até que, inevitavelmente, aconteceu. A morte do meu pai, com quem era unha com carne, foi a dor psicológica mais forte que alguma vez senti. Pouco depois dei-me conta de que era feliz. Bem sei que pode parecer estranho e até contraditório mas a realidade é que, de repente, relativizei tudo e acabei por me sentir muito bem. Esse vislumbre de paz fez-me querer mais. Nessa altura fez-se luz e compreendi que era possível ser-se feliz por oposição a está-lo pontualmente. Tendo uma enorme tendência autodidacta, gosto, relativamente a tudo, de adquirir princípios e conhecimentos básicos e de engenhar a partir daí. Acredito que a cabeça tenha sido feita para pensar e gosto de a usar. Comecei a analisar a minha vida, a olhar em volta, a somar dois e dois e a tentar destrinçar posturas e atitudes que aparentemente geram felicidade e outras que, pelo contrário, só parecem complicar-nos a vida. Não inventei a pólvora, nem nada que se pareça, antes pelo contrário, dou-me conta de que a maior parte das pessoas aparentemente felizes se cosem com as mesmas linhas. Entre o que vou observando e analisando, lendo e discutindo com os outros, vou tentando pôr em prática vários «truques» (e não segredos) que me facilitam a felicidade e o bem-estar. São eles coisas que saem naturalmente a uns e que têm de ser constantemente trabalhadas por outros. Fala-se da busca da felicidade como se do Santo Graal se

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INTRODUÇÃO

tratasse, quando é na realidade tão simples e acessível. Como dizem os franceses, «pourquoi faire simple quand on peu faire compliqué»1. Acho que é o que a maior parte de nós tende a fazer, complicar sempre tudo. Descreveram-me uma vez como sendo «uma boa apanhadora de amêijoa», no sentido de não escavar muito fundo à procura de respostas. É verdade que assim sou, pois cada vez mais me convenço de que a vida é uma cadeira prática e, na minha opinião, demasiado curta para não ser vivida em pleno, a todo o momento. Assim, não procuro grandes respostas porque também não sinto necessidade de fazer muitas perguntas. A questão do «quem sou eu para…» assomou-me evidentemente mais do que uma vez… Que autoridade tenho para botar sentença?! Contrariamente às criaturas de quem li uma que outra coisa, não sou «catedrática» de nada, nem sequer tenho qualquer canudo ou experiência profissional relacionados com o tema. Sou uma pessoa «normal», como qualquer outra, o que me parece no fundo relevante; a noção de que qualquer um lá pode chegar se quiser, de que é efectivamente uma coisa simples. Digamos que quis falar sobre a felicidade «na óptica do utilizador». Que autoridade tenho?! Nenhuma… toda… será necessário ser um chef para escrever sobre cozinha?! Antes de meter mãos à obra, ainda pensei em pesquisar sobre

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Porquê fazer simples, quando se pode fazer complicado?

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o assunto, em documentar a minha argumentação. Rapidamente me dei no entanto conta de que era a insegurança a falar e de que seria na realidade uma forma de eludir a questão, de protelar a coisa. Este livro não tem pretensões a ser uma obra científica. Não irei tentar provar nada a ninguém, nem tão-pouco me considero detentora da verdade absoluta, quis simplesmente partilhar ideias, opiniões que valem o que valem. Para além disso, «quanto mais sei, mais sei que nada sei»… Quanto mais vivo, mais me vou dando conta que conhecimento e sabedoria não têm limites, são sacos sem fundo. Aquilo que sabemos será sempre uma gotinha de água no oceano. A idade tem-me trazido bastantes mais dúvidas do que certezas. Tenho no entanto indubitavelmente alma de professora, o que não quer dizer que saiba mais que os outros, mas simplesmente que tenho apetência, facilidade e jeito para explicar coisas. Acredito que todos temos obrigação de fazer a nossa parte, de dar o nosso contributo, para tentar melhorar o mundo em que vivemos. Não percebo rigorosamente nada de política ou de economia, não faço a mais pequena ideia de como se pode lutar contra o terrorismo ou a fome, mas não tenho a mínima dúvida de que tudo correria muito melhor se as pessoas fossem felizes. A ideia aqui é simplesmente partilhar, não teorias mas práticas, que potencialmente geram felicidade, coisas que podemos ir moldando, trabalhando em nós, para nos facilitar o caminho. Pôr-vos a pensar, para eventualmente irem também desenvolvendo

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e testando os vossos próprios «truques». Em tempos, um Senhor Doutor de Coimbra, que entrevistei para um trabalho, disse-me: «Ó filha, tu dizes disparates com muita naturalidade…». Pelo sim pelo não, caro leitor, não vinque a lombada deste livro, assim, se a si não lhe disser nada, pode sempre embrulha-lo e oferecer à sogra no Natal… ;)

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Não existe caminho para a felicidade, a felicidade é o caminho. Mahatma Gandhi

Felicidade

Mas, afinal, o que é a felicidade?! Muita tinta tem feito correr ao longo da história da humanidade, com poetas, filósofos e cientistas a tentarem defini-la, explicá-la, dissecá-la... Diz que até já conseguiram medi-la, colocando 256 sensores ligados ao cérebro de um senhor, que declararam ser o «homem mais feliz do mundo». Para efeitos deste livro, vamos considerar que seja simplesmente a resposta «sim», à pergunta «és feliz?». Discutir o sexo dos anjos pode ser um exercício interessante, mas parece-me que definitivamente «ser ou não ser, é a questão». Também se fala muito sobre o amor, muito se canta, muito se disserta sobre o tema, mas todos sabemos do que se trata, certo?! Se perguntarem a uma pessoa se gosta de outra e ela se engasgar, se puser com rodeios, disser que sim mas que também,

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sem afirmar de caretas se sim ou sopas, o que concluem?! Ou se perguntarem a alguém se já teve um orgasmo e vos pedirem para explicar o que querem dizer com isso… I rest my case2. ;) Curiosamente, é um tema relativamente ao qual muita gente parece sentir algum pudor. Se afirmarmos peremptoriamente ser felizes, olham-nos frequentemente como se disséssemos que temos uma doença venérea. Suspeito que o estado do mundo em que vivemos possa ter alguma coisa a ver com isso. Quase como se fosse uma vergonha reconhecermos e assumirmos a nossa felicidade com o planeta feito num oito e tanto sofrimento por aí à solta. Felicidade não rouba no entanto bocado, antes pelo contrário, tende a ser contagiosa. As pessoas felizes gostam de partilhar a sua felicidade e de contribuir para a dos outros. Mais facilmente os puxam para cima do que os empurram para baixo. São tendencialmente optimistas, pelo que acreditam nas mudanças, nas melhorias, e fazem activamente por elas. O mesmo acontece com o oposto. Como dizem os nossos amigos bifes; «misery loves company»3. Quem não se sente bem na sua pele não vive em paz consigo e com os outros, e parece fazer questão de espalhar negridão por onde passa. Um mundo cheio de gente feliz seria garantidamente um mundo melhor. O conceito de felicidade é-nos geralmente apresentado, de

2  Está tudo dito. 3  A infelicidade gosta de companhia

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forma estereotipada, como uma espécie de «nirvana» a atingir. O comum dos mortais tem ideia de que ser feliz é viver num permanente estado de graça. Como disseram em tempos num comentário a um post que escrevi, «limpar a cagadela do cão ou pagar o IRS de sorriso nos lábios». Ora, a não ser que tenhamos consumido alguma substância suspeita ou sejamos terceiro Dan de espiritualidade, há determinadas coisas que é naturalíssimo que nos afectem. Faz-me lembrar aquelas pessoas que pedem que no seu funeral não haja gente triste ou a chorar. Há situações em que simplesmente não é expectável que estejamos a transbordar de alegria, o que é perfeitamente ok. Soa-me portanto fundamental fazer a distinção entre o «estar» e o «ser». Sendo difícil falar de alguma coisa sem lhe atribuir algum sentido que seja, se tivesse mesmo de tentar definir a felicidade, diria que é um profundo amor pela vida. E quem não se zanga ou desilude de vez em quando com os seres amados? Os momentos menos bons, farão com que deixemos de gostar deles? Por muito que ame os seus filhos, qualquer progenitor reconhece que pontualmente o desesperam, o tiram do sério, o põem a pensar em que raio lhe terá passado pela cabeça para os ter tido. Qualquer amante, em momentos mais complicados, teve de se relembrar vezes sem conta do quanto gosta do outro para não partir a loiça toda. Nem sempre nos sentimos contentes ou satisfeitos com o objecto do nosso amor. Da mesma forma, o facto de sermos felizes não quer dizer

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que nos sintamos em êxtase o tempo todo. Todos enfrentamos pontualmente problemas e dificuldades, uns mais graves do que os outros. Shit happens! A vida não é um mar de rosas para ninguém, o que difere é a forma como cada um a enfrenta e como lida com ela. Felicidade não é invencibilidade, não é imunidade, não quer dizer que não passemos pelas mesmas provações que os outros. Talvez tenhamos é mais hipóteses de lhes sobreviver, de as ultrapassar de forma positiva e continuar caminho. Podemos estar profundamente tristes, continuando no entanto a ter noção de que somos extremamente felizes. No entanto, por muito que o sejamos, por muito que isso atenue as agruras da vida, não é expectável percorrermos um caminho no qual não demos de caras com uma que outra pedra. Quer seja a nós próprios ou àqueles que amamos, coisas «más» irão garantidamente acontecer, umas terríveis, outras simplesmente chatas, apontem-me uma vida sem elas… Os seres humanos temem terrivelmente a dor, tanto física como emocional, fogem dela como da peste. Como se costuma dizer, ninguém gosta de sofrer. Quer dizer… quase ninguém… ;) Esta cumpre no entanto um propósito. Em termos físicos, alerta-nos para o facto de que algo não está bem. Há pessoas que não sentem dor, o que é uma condição gravíssima. Não aprendem a evitar perigos como o fogo, por exemplo, partem ossos e não dão por isso, sofrem de doenças que não tratam porque não sabem que as têm. Em nenhum dos

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relatos que li alguém se declarava feliz por ser assim, antes pelo contrário, parece ser um verdadeiro pesadelo. O sofrimento emocional é também potencialmente útil, é aquilo a que chamamos «sentir na pele», que nos ensina mais sobre a vida do que qualquer teoria. Basta olhar para as crianças para nos darmos conta de como aprendem mais com a experiência do que com o que lhes dizemos. Há quem viva num sofrimento (de um tipo e/ou do outro) atroz, às vezes toda a sua vida, o que é uma ideia sem dúvida absolutamente aterrorizadora e que não se deseja a ninguém. O oposto, uma vida passada sem qualquer tipo de sofrimento, não me parece no entanto de forma alguma desejável, quanto mais não seja porque é por oposição que damos valor às coisas. Pergunto-me se, sendo tudo bom e agradável, poderia ser devidamente apreciada. Para além do mais, como se costuma dizer, «não há bela sem senão», não sendo possível descartar só o lado «mau» das coisas. Quando alguém não quer voltar a ter animais por ter sofrido horrores com a morte de um que adorava, por exemplo, está simultaneamente a privar-se de todo o prazer que o mesmo lhe proporcionou. Fixa-se na dor, e será ela a fazer-lhe companhia em vez de um novo amigo de quatro patas. Somos nós que decidimos aquilo a que atribuímos mais importância, aquilo a que damos ênfase. Podemos fazer um luto saudável das situações e partir para outra com entusiasmo, procurando reencontrar o mesmo tipo de prazer. Ou podemos

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resumir a experiência à parte negativa e abdicar de tudo o resto para não ter de voltar a sofrer. Todos conhecemos exemplos de indivíduos que, contra todas as expectativas, parecem ser genuinamente felizes. Quem não viu já fotos de crianças com um ar absolutamente miserável e, no entanto, de sorriso rasgado na cara e olhinhos a brilhar? Quem não conhece histórias de gente que sofreu perdas incalculáveis, cujo mundo foi abalado de forma aparentemente irrecuperável e que no entanto consegue refazer a sua vida? Quem não sabe de pessoas que, por questões genéticas, acidentes ou doença, têm enormíssimas limitações físicas, transformando-se, apesar disso, numa inspiração para qualquer um de nós? Pensamos «não conseguia ultrapassar isso» ou «era incapaz de viver assim», e no entanto há quem, não só o faça, como aparentemente com motivação e alegria de viver. Perante as mesmas adversidades, uns dão a volta e outros quebram, desistem. Claro que há casos e casos, claro que as circunstâncias envolventes têm muito peso, claro que somos influenciados por factores externos, A diferença fundamental acaba no entanto sempre por ser a nossa vontade, a nossa postura. Quando não estamos na disposição de fazer por sair do buraco, nada nem ninguém nos consegue de lá tirar. Todos passamos por períodos negros, temos as nossas travessias do deserto, carregamos as nossas cruzes. Como toda a gente sabe, «a vida é como os interruptores, umas vezes para

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cima outras vezes para baixo». ;) A nós cabe no entanto tentar minimizar as coisas negativas e enfatizar as positivas. Fazer o melhor que podemos, o melhor que conseguimos, pelo melhor resultado possível, com o que temos pela frente. «Não podemos controlar as cartas que nos saem, só como jogamos a mão»4. A felicidade não é condicional. Muitos têm a ilusão de que serão felizes «quando»… Quando acabarem o curso, quando os pais deixarem de mandar na sua vida, quando encontrarem o amor verdadeiro, a casa dos seus sonhos, o emprego ideal, etc… Se e quando lá conseguimos chegar, damo-nos conta de que «se» e «quando», são prazeres efémeros, não nos enchem as medidas. Quando atingimos um objectivo, partimos para outro, nunca nos sentimos saciados; sonhar, querer, aspirar, fazem parte da natureza humana. Olhem para as crianças… querem, com todo o seu ser, um brinquedo ou uma mascote para acarinhar, mas, uma vez que as têm, rapidamente partem para querer outra coisa qualquer. Há sempre algo que desejam acima de tudo, raramente se sentem completamente satisfeitas. É comum a experiência de atingir um objectivo, de concretizar um sonho e de, passado o período de euforia inicial, sentir um vazio, a sensação de que falta algo. Uma vez que chegamos onde

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Randy Pausch

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queremos, criamos novas metas. A felicidade não provém de factores externos, tem a ver com o nosso âmago, com a forma como encaramos e vivemos a vida. Se fosse um objectivo, olhem lá o perigo de o atingirmos… o que iríamos querer a seguir? Felicidade não é destino, é forma de viajar. Mais facilmente encontraremos o amor/emprego/casa dos nossos sonhos se formos felizes do que seremos felizes se os encontrarmos. A experiência, a vivência, mostram-nos como a vida é frágil. Vamos perdendo gente pelo caminho, de velhice, de acidente, de doença. Tomamos consciência de como tudo é efémero, de que tudo pode acontecer. Compreendemos que hoje pode, de facto, ser o último dia de qualquer um de nós. Não viver a vida em pleno é, sem sombra de dúvida, um desperdício. A vida não dá direito a ensaios, temos de aproveitar ao máximo seja o que for que tenhamos à frente. Não sermos felizes não quer obrigatoriamente dizer que sejamos infelizes, as coisas não são a preto e branco. Acredito mesmo que grande parte das pessoas vive numa espécie de limbo. Que, tal como frequentemente oiço dizer, não acredita que se possa ser feliz, mas sim que se vivam momentos de felicidade. Julgo que se prende à tal noção de felicidade absoluta, em que tudo é perfeito, tudo é cor-de-rosa. Ora, dificilmente tudo estará completamente bem na nossa vida. São aliás extremamente raros os períodos em que não há rigorosamente nada a moer-nos o juízo. Entre família, amor,

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amizades, finanças, carreira, saúde, etc… há-de sempre haver um que outro campo em que as coisas correm menos bem, um qualquer grãozinho de areia (quando não mesmo um gigantesco pedregulho) na engrenagem. A ideia é sermos felizes apesar disso. Claro que há coisas importantes, sem as quais o caminho se torna mais penoso. Por exemplo, dizem que o dinheiro não traz felicidade e acredito que assim seja, senão seriam os bilionários os seres mais felizes do mundo, em vez do senhor dos 256 sensores. A sua falta pode no entanto ser um considerável entrave. Nesta óptica, dizer que o dinheiro não traz felicidade é tão válido como dizer que as pernas ou os olhos não trazem felicidade. Há quem viva sem eles, mas é sem dúvida mais difícil. Será eventualmente à partida mais fácil ser feliz num país rico e evoluído do que no meio da fome, da guerra ou das injustiças sociais, e a luta das pessoas saudáveis não se compara certamente com as das que se debatem com doenças ou deficiências. Já diz o povo que «mais vale ser rico e ter saúde do que ser pobre e doente». Ter a vida facilitada em termos de saúde, educação, dinheiro evidentemente que ajuda, louco seria quem dissesse o contrário. Não são no entanto de forma alguma garantias, e a história está cheia de exemplos que no-lo provam, de pessoas que, enfrentando as maiores dificuldades, as maiores provações, se declaram felizes, enquanto outras, que têm aparentemente tudo, se entregam ao desespero e afogam em depressão.

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