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FICHA TÉCNICA edição: edições Ex-Libris ® (Chancela Sítio do Livro) título: Maçonaria – Apologia do Catolicismo autor: Miguel da Cruz Supico revisão: Sílvia Lobo paginação: Alda Teixeira capa: Patrícia Andrade 1.ª Edição Julho 2015 isbn: 978-989-8714-52-7 depósito legal: 395035/15 © Miguel da Cruz Supico
publicação e comercialização:
Rua da Assunção n.º 42, 5.º Piso, Sala 35 | 1100-044 Lisboa www.sitiodolivro.pt
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ÍNDICE
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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PRIMEIRA PARTE – Incompatibilidade com o Catolicismo . . .
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I – Um Pouco de História e Ritos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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II – Discussão Sobre os Princípios Maçónicos . . . . . . . . . . . . .
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III – Ocultismo e Racionalismo na Maçonaria . . . . . . . . . . . . .
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IV – Evolução e Questões Internas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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V – Obediência e Sistema de Poder na Maçonaria . . . . . . . . . .
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VI – A Cabala Judaica, Ocultismo e Racionalismo. . . . . . . . . . 145 VII – Tráfico de Influência e Solidariedade entre Irmãos . . . . . 173
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INTRODUÇÃO
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uando nos meus anos de escola secundária começávamos a estudar a Idade Média, a primeira coisa em que os professores mais insistiam é que era impossível compreender esse período da história sem incluir o papel primordial da Igreja. O capítulo da Idade Média começava com as palavras bombásticas; «Igreja: Poder Temporal e Espiritual.» E de facto assim era, foi longo o tempo da história em que o poder da Igreja foi exercido com vigor na ordem temporal na Europa e, depois, continuando na ordem espiritual quando a influência política já havia declinado o suficiente para que se completasse uma ampla independência política dos Estados da tutela papal, mas o espírito europeu, por uma larga margem, ainda era profundamente católico em vários países, mesmo após a Reforma, e o Catolicismo ainda era respeitado nos outros Estados que tinham mudado de religião oficial. O termo da viragem foi 1789, data da eclosão da Revolução Francesa, em que mudanças substanciais políticas e religiosas que já fermentavam em potencialidade e, de facto, tomaram um lugar definitivo na ordem europeia. 7
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Foi nessa data, então, que a Europa pôde afirmar a completa emancipação da tutela do primado espiritual de uma autoridade fora da esfera política das nações? A nossa resposta, ao contrário da maioria das versões sobre filosofia da história, é um categórico não. Na verdade, a história a partir de 1789 deveria, como na história da Idade Média, começar com um novo retumbante, ressonante, «Maçonaria: Poder Temporal e Espiritual». Para nós, é espantoso, escandaloso mesmo, como os historiadores subestimam o poder e a influência dos destinos da Europa, e de todo o planeta no final, do primado da Maçonaria na condução dos rumos da história da humanidade a partir de 1789. Foi a Maçonaria que fez a revolução de 1789, e após esta data não há acontecimento político ou revolucionário relevante na história da França, principalmente, e nos outros países europeus, que não tenha em maior ou menor grau a mão da Maçonaria, de forma ostensiva ou dissimulada. Parece-nos, até, que não se trata sequer de subestimar algo ou não, mas simplesmente de omitir uma realidade histórica que pode parecer irrelevante aos leigos, mas que para os especialistas é, inclusive, uma omissão deliberada e gritante, porque não há entre os verdadeiros estudiosos de história quem não conheça o poder que a Maçonaria exerce sobre as nações desde 1789, muito maior, mais opressivo e despótico, radical, do que qualquer coisa que a Igreja Católica tenha representado antes dessa data. E não é ocioso ressaltar que as sociedades secretas não 8
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se tenham limitado a intervir na ordem política e social, porque a Maçonaria não é somente um órgão de poder paralelo, uma filosofia de actuação ou de vida, é, sobretudo, e acima de qualquer outra prioridade, uma religião fundamentalista que não aceita quem não se lhe submeta e a rejeite. Desde 1789 muitos poderes combateram-na com mais ou menos sucesso, mas no final chegaram a alguma forma de contemporização, ou de submissão, ou, então, limitaram-se a desaparecer de cena, com excepção da Igreja Católica, que é o inimigo que a Maçonaria não conseguiu submeter, seduzir, ou subornar, que não faz concessões de convivência moral, e que não aceita vender a consciência em troca de um acordo ao estilo do «viva e deixe viver», porque também está no seu ADN a missão da conquista da fé pela fé. Entretanto, a Igreja pagou um preço alto por essa luta sem quartel em que, invariavelmente, luta com armas desiguais, porque não comanda no domínio do poder e do dinheiro. Hoje a Igreja Católica definha como um moribundo à beira da morte. Se o mundo medieval se caracterizou pelo choque das duas religiões, o Islamismo e o Cristianismo, o mundo após 1789 continua a ser a disputa de duas religiões, o Catolicismo, que já não possui o monopólio do Cristianismo, e a Maçonaria. A simples constatação dos historiadores omitirem com tanta leviandade este facto já é um farto testemunho do poder da Maçonaria, que também é responsável por outro fenómeno histórico verdadeiramente inusitado. 9
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Desde Heródoto e Tucídides a história era uma arte, mais que uma ciência, judiciosamente investigada, com poucos critérios, mas com uma escrupulosa busca pela verdade dos acontecimentos passados e fonte de luzes para compreender a realidade presente. Desde que a Maçonaria comanda o processo histórico, os escrúpulos pelo rigor deram lugar a versões oficiais mais convenientes dos factos, para uma compreensão que seja mais interessante para quem comanda o curso dos acontecimentos a seu favor. De facto, acusamos a Maçonaria de uma escandalosa falsificação dos factos, sempre que uma visão imparcial dos acontecimentos não observava os seus interesses. A propaganda de guerra e política não foi invenção da Maçonaria, é forçoso reconhecer, os governos de todos os tempos sempre tiveram em mente as vantagens da manipulação da opinião, mas a instituição maçónica levou os artifícios da fraude histórica a um grau de perfeição e arte como nunca se verificara antes, e de tal maneira que até hoje não se objectivou desmistificar opiniões correntes que estão na mente de todos, no mainstream das correntes de julgamento do público não especializado, mas com alguma cultura, sem que seja possível fazer um trabalho de esclarecimento. Nem sequer os currículos escolares fogem à regra das explicações oficiais que são autênticas lendas um tanto obtusas, que não encontram fundamentação nos factos que estão amplamente disponíveis em registos a qualquer um que os queira examinar, por vezes há mais de 500 anos. Isto é 10
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obra da instituição maçónica. Veremos, mais à frente, que a ciência histórica, que deveria ser tão rigorosa quanto a física nuclear ou qualquer outra disciplina científica, já não consegue atingir esse objectivo, e passou a ser, em grande parte, um exercício de marketing político usado magistralmente pelas sociedades secretas. Não gostaríamos que este trabalho fosse encarado apenas como um manual para católicos que não podem, em sã consciência, aderir ou participar das actividades maçónicas, sem incorrer em grave transgressão das normas e interdições aprovadas pela igreja, se forem realmente católicos. A nossa intenção é explorar um pouco a natureza da Maçonaria para lá das regras que foram publicadas contra esta pela Igreja. As condenações e admoestações para quem acredita que pode ser católico e adepto da Maçonaria são abundantes e repetidas insistentemente por gerações de papas que não pouparam esforços e argumentos – afinal é essa a sua missão – para demonstrar o quanto é perigoso para a salvação da alma, de quem é católico, fazer juramentos de fidelidade a sociedades secretas, cujos objectivos desconhece por inteiro ou em parte, e que se contenta com uma garantia superficial de que nada contra a sua consciência lhe será pedido (afinal em que consistem essas garantias?), mas cujos juramentos obrigam a uma pronta obediência sem contestações nem objecções. Aliás, será por coincidência que as lojas são conhecidas por obediências? 11
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Embora os métodos empregados para atingir os objectivos propostos e a obediência requerida possam ser imbuídos de grande diversidade nas tácticas usadas para alcançá-los, conforme a época, o lugar onde as actividades da Maçonaria se processam, o rito seguido pela loja, o grau atingido pelo iniciado nos famosos mistérios, o maçom que não se quer incompatibilizar com a sua loja, no final dobra-se à sua vontade. Mencionámos os mistérios nos quais o iniciado se exercita até atingir a luz final nos graus mais elevados da Maçonaria. Na verdade, como veremos mais tarde, não há quaisquer indícios de existência dessas luzes, com excepção de princípios, sempre seguidos, de solidariedade incondicional dentro da Maçonaria universal, e outros igualmente bem prosaicos que procuraremos explorar neste trabalho, mas que não merecem o nome de mistérios buscados incansavelmente por uma ambição de aperfeiçoamento espiritual, a menos que se refiram aos antigos mistérios das diversas religiões pagãs. Também queremos deixar bem claro que não queremos julgar ninguém em particular, ninguém que a História (com H maiúsculo) não tenha já julgado por si mesma, e que nem tudo o que a Maçonaria fez ou faz é mau, ou que todos os maçons são maus. Na verdade preferimos demonstrar que esses maçons que têm uma noção parcial ou distorcida daquilo para que contribuem, senão uma ignorância completa da real contribuição que fazem, ou que crêem que constroem o que 12
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é bom para eles e para a sociedade em geral, estão de facto a comprometer o seu desenvolvimento espiritual ao invés de enriquecê-lo. Também não é demais lembrar que este trabalho é um ensaio que tem como finalidade mostrar que o Catolicismo não corresponde à ideia que a Maçonaria procura passar dela, como se passa uma nota falsa no comércio, e, portanto, não se deve esperar da sua leitura apenas um mero trabalho académico de tradução de factos e acontecimentos, mas mais uma interpretação dos perigos espirituais representados pelo trabalho clandestino ou público da Maçonaria para todos, cristãos e não cristãos, e quanto isso tem custado perdas para a mensagem construtiva da Igreja, e do seu trabalho missionário, porque, como veremos, a Maçonaria é muito boa em trabalho de demolição, mas muito pouco eficiente quando se trata de reconstruir alguma coisa em cima daquilo que ela tanto contribuiu para transformar em ruínas. Antecipadamente nos defendemos de eventuais acusações de sensacionalismo ao mencionar o “trabalho de sapa” da Maçonaria, mas temos esse direito a partir do momento em que a Maçonaria não nega que é uma sociedade secreta e, portanto, desenvolve projectos e actividades em segredo, dos quais não se pode defender abertamente quem a justo título se sentir por eles prejudicado, por serem, justamente, ocultos, do desconhecimento dos supostos interessados, sem a relativa legitimidade dos sistemas políticos ou ideológi13
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cos reconhecidos hoje que, pelo menos, são públicos. Ninguém se pode defender de ameaças que desconhece, não tem como criticar o que é urdido em surdina, nem se pode opor a ataques que não sabe de onde vêm; obviamente tudo fica subtraído ao julgamento de autoridades, e às consciências de pessoas e instituições atingidas. Se as maquinações não alcançam o sucesso esperado, sempre existe a possibilidade de negar tudo. O secretismo secular da Maçonaria tem todas essas vantagens. A Maçonaria não deixa, explicitamente, a sua assinatura em tudo o que faz, a não ser pelos indícios e as pistas que se levantam como numa investigação policial: impressões digitais, exames de ADN, provas circunstanciais, e muito mais, mas é praticamente impossível apanhar os actores do grande jogo com uma smoking gun na mão. Hoje pululam seitas secretas feitas de lenda e realidade, onde, diz-se a modos de teoria de conspiração, se reúnem os poderosos deste mundo, desde o Bohemian Grove ao Bilderberg, dos Skulls and Bones aos Illuminatis, o Opus Gay, o Politicamente Correto, e tantos, tantos outros, mas fala-se pouco sobre a agremiação secreta verdadeira, a única que lhes pode fornecer o fluido vital do poder sem aparecer. Essa proliferação de instituições secretas tem a dupla finalidade de desviar a atenção de quem está realmente por trás delas e, simultaneamente, dar um carácter de teoria de conspiração a todas elas, porque nem todas são para valer, nem sempre são mais que clubes onde cavalheiros 14
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se reúnem para espantar o tempo, se todas essas agremiações existem de facto. Essa sensação de números de circo que passa à opinião pública desmoraliza, aos olhos desta última, a sua actuação no exercício do poder, que, assim, fica escondida. Desta forma, circula à vontade por onde lhe convém, sem se dar ao incómodo de desmentir o que aos olhos do público não pode ser encarado seriamente. E se por conveniência alguma dessas seitas perder a sua utilidade, é só substituí-la por outra, ou, simplesmente, extingui-la. Por onde anda a Sociedade Teosófica hoje em dia? Já teve os seus dias de popularidade. No seu tempo era a nova religião do oculto. Ninguém se preocupa, actualmente, em esconder que a instituição, além de um centro de prática de ocultismo duvidoso, era uma loja de obediência maçónica. Da mesma forma a Golden Dawn, l’Ordo Templi Orientis, a Stella Matutina, a Hermetic Brotherhood of Luxor, o Antroposofismo, a Thelema, e sabe Deus mais o quê. Nenhuma delas era uma ficção, de uma forma ou outra tiveram existência real, e maior ou menor grau de sucesso. Uma delas, a Thelema, foi objecto de homenagem recente e um tanto tardia – anos 1960 – por parte do conjunto the Beatles. Não se fala mais dessas sociedades cheias de excentricidades, mas ligadas por cordão umbilical ao lado esotérico da Maçonaria e é por todo um conjunto de razões que não se compreende, e não se sustenta, que uma instituição, que busca o aperfeiçoamento espiritual e, alegadamente, só quer 15
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disseminar o bem, precise manter secretas as suas actividades, não eventualmente, mas de forma permanente e metodicamente como princípio. O secretismo como princípio não é aceitável, e provoca uma suspeita instintiva nas pessoas comuns. Também veremos que esse clima de suspeita não é infundado. Começaremos por um resumo das objecções que a Igreja faz às sociedades secretas, mas como a posição da Igreja a esse respeito já é tão conhecida, não nos parece ser muito original repetir o que já foi publicamente explicado em inúmeros documentos, em tantas e tão variadas ocasiões. O que a Igreja pensa das sociedades secretas toda a gente sabe, está à disposição de todos e ninguém, em consciência, pode alegar que não vê qualquer incompatibilidade em participar das duas. Como são muitas as pessoas que usam esse tipo de argumento, católicos que são maçons porque “não vêem mal nenhum nisso”, só se pode explicar essa desculpa pela ignorância ou má-fé, ou ambas, sobretudo quando se trata de pessoas com boa instrução e títulos e louvores académicos. Eu pessoalmente já pude observar situações deste tipo. Além de leigos que se dizem católicos, também é pública a adesão de inúmeros clérigos do Catolicismo à Maçonaria, fora os que são mantidos na sombra da clandestinidade. Como estes não podem alegar o desconhecimento dos documentos da Igreja (como diz o velho adágio, se não sabem tinham obrigação de saber), a sua atitude só pode ser explicada pela 16
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ambição de poder. Não nos cansaremos de insistir que este trabalho não é apenas um trabalho académico, é um pouco mais que isso: se você, meu leitor, crítico ou benevolente, não é católico, encare então esta leitura como um desafio para enriquecer a diversidade e o debate de ideias. A liberdade de expressão não se limita ao direito de atacar a religião, como parece entender o “politicamente correto”, a nova corrente da esquerda inventada pelas viúvas do marxismo, mas também se estende ao direito de defendê-la, e a quem acha que tem o dever de exercê-lo; e cansou-se de tantas mentiras oficiais.
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PRIMEIRA PARTE
Incompatibilidade com o Catolicismo
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s condenações públicas têm uma longa história de documentos, bulas e encíclicas, em que são enumerados os erros doutrinários, incompatibilidades e perigos para a fé da obediência maçónica. A primeira proibição partiu do cardeal André Hercule de Fleury, primeiro ministro de Luís XV que em 1737 proibia todos os tipos de associações e reuniões secretas na França, a qualquer título ou pretexto, independentemente da denominação ou finalidade. Mas tratando-se de um ministro de Estado, a proibição tinha carácter político, mesmo partindo de um cardeal que, no entanto, intuiu o perigo prontamente, pensando na religião ou na segurança do Estado, não sabemos, provavelmente em ambas. Em todo o caso, esta proibição não tinha valor canónico. Logo em seguida viria a primeira condenação oficial, por meio do Papa Clemente XII, a 28 de Abril de 1738, que proibiu os católicos de se tornarem membros de lojas maçónicas, com a bula In Eminenti Apostolatus Specula. Após a primeira, seguir-se-iam mais de uma vintena de outras condenações e interdições que não dão lugar a qualquer possibilidade de interpretação de compatibilidade entre 21
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a Igreja e a Maçonaria. Entre os papas mais determinados a não permitir a menor dúvida sobre o assunto, sobressaiu-se o grande Leão XIII, que na sua encíclica de 1902 Annum Ingressi advertia todos os bispos do mundo para a necessidade urgente de se opor à Maçonaria, e outras sociedades secretas, sempre e em todas as circunstâncias, como um perigo para a existência da Igreja. Por último assinalamos a advertência feita pelo então cardeal Joseph Ratzinger, quando era prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, antes de se tornar o Papa Bento XVI, no documento conhecido como a Declaração sobre a Maçonaria. Apesar da insistência sobre a proibição, e a imutabilidade da posição da Igreja, houve uma pequena mudança. A sanção para quem se inscreve na Maçonaria deixa de ser a excomunhão, o que realmente não faz muito sentido para quem não é católico, o que é o caso mais comum nos dias de hoje, mas que a pessoa que entra para as seitas está em estado de pecado grave e não pode comungar e, por consequência, tão-pouco se confessar. Em duas palavras, está fora dos sacramentos, como estava no caso da excomunhão. Portanto, a mudança é mais nominal que outra coisa. O texto reafirma que “permanece imutável o parecer negativo da Igreja a respeito das associações maçónicas, pois os seus princípios foram sempre considerados inconciliáveis com a doutrina da Igreja e por isso permanece proibida a inscrição nelas. Os fiéis que pertencem às
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associações maçónicas estão em estado de pecado grave e não podem aproximar-se da Sagrada Comunhão”. Mais claro do que isto, impossível. Quem se diz católico e insiste no contrário, não está interessado na doutrina da Igreja, ou ignora-a por completo neste tempo de secularismo exasperado em que as pessoas dizem que são ou o que não são segundo a sua fantasia, sem muita preocupação com coerência nas suas escolhas. Ora, o hábito não faz o monge, e um papagaio pode aprender a cacarejar sem parar e mesmo assim nunca poderá pôr um ovo de galinha. Ser católico assim, é pior que não ser nada. Como vemos, não é muito difícil demonstrar o quanto a Igreja se opõe solenemente às sociedades secretas, porém o que é mais interessante e gostaríamos de poder provar é o quanto o verdadeiro espírito maçónico é anticatólico. Pode o verdadeiro maçom sentir-se católico, pelo menos em espírito? E a Maçonaria como igreja, religião ou anti-igreja, seja lá o que for, proíbe os seus membros de serem católicos? Como veremos a resposta não é simples, envolve muitas variáveis, desenvolve-se por patamares e depende do progressivo envolvimento com a Maçonaria, e esta aparentando tolerância permite e até se felicita pelos católicos que consegue aliciar, mas fá-lo por oportunismo. Em suma, invertemos a pergunta. Já não nos interessa tanto explorar o tema se a Igreja se opõe à Maçonaria, porque sendo a Igreja uma instituição que não é secreta, as 23
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suas posições são suficientemente claras para todos os que queiram informar-se correctamente, e a resposta certa é que ela opõe-se, sim, e de forma irredutível. A nossa pergunta, agora, é: a Maçonaria opõe-se e excomunga os maçons que queiram ser católicos? A sua oposição ao catolicismo é tão clara e condenatória como a da sua adversária? As perguntas, como se verá, não têm uma resposta rectilínea, mas temos em vista como finalidade comprovar o mais rigorosamente que pudermos tudo o que pode esclarecer esta questão, por meio de fontes que são raras e limitadas, porém existem, mesmo em pequeno número, e são idóneas; muitas eram facilmente acessíveis outrora, embora estejam agora esquecidas na poeira das estantes de livros que não são mais lidos nem editados. Alguns já não se encontram mais. Se conseguirmos provar a nossa tese, provaremos também que o conhecimento íntimo da natureza da Maçonaria é a verdadeira apologia do Catolicismo. A primeira parte do trabalho procura limitar-se ao debate político-ideológico sobre a filosofia religiosa da Maçonaria, e embora faça algumas menções inevitáveis às consequências históricas da sua actuação nos acontecimentos humanos, a parte da actividade político-revolucionária das sociedades secretas desde a mais importante data em que esta faz a sua apresentação pública como força intervencionista decisiva, a Revolução Francesa de 1789, deve ficar para uma segunda parte que esperamos poder apresentar numa ocasião tão 24
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breve quanto possível. À medida, porém, que avançarmos no desenvolvimento das ideias, seremos obrigados a abordar o carácter profundamente religioso da filosofia que fica jacente à própria razão de ser da Maçonaria. Não há nada de novo nesta afirmação, embora a maioria das pessoas ignore esta característica, sem a qual a Maçonaria não seria o que é, nem teria a capacidade de sobrevivência que mostra possuir. Não é um partido político, nem uma associação filosófica, é uma religião. Com direito a intervir nos acontecimentos espirituais e temporais como fez e ainda faz, na medida em que pode, a sua rival e inimiga tradicional, a Igreja Católica.
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ode-se afirmar com razoável certeza que a Maçonaria existe sob a actual forma desde 1717, quando as lojas inglesas se reuniram em Londres e fundaram a Grande Loja da Inglaterra, a primeira de que se tem conhecimento na sua concepção moderna. James Anderson ficou encarregado de redigir de forma definitiva as constituições maçónicas. O trabalho ficou concluído em 1723 e serviu de base a todas as constituições dos outros países. Originada em Inglaterra, não levou muito tempo para que se expandisse pelo continente europeu, e outros continentes onde lançou raízes e se fortaleceu na primeira metade do século XVIII. Existe muita especulação sobre as origens da instituição antes do trabalho de James Anderson. Enumeramos, segundo um dos trabalhos de Poncins1, algumas das teorias e/ou lendas mais populares (e supostamente menos fantasistas), sobre a origem remota da Maçonaria, ou em francês, no original, Franc-Maçonnerie:
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Origem do paganismo – A Maçonaria deriva dos antigos mistérios religiosos gregos e egípcios. Ordem dos templários – A ordem dos templários teria levado uma existência secreta e teria ressurgido na Maçonaria. Rosa-Cruz – A Maçonaria originou-se da seita ocultista Rosa-Cruz cujas bases haviam sido elaboradas pelo filósofo Francis Bacon. Corporações medievais – As confrarias de maçons teriam sobrevivido na forma actual que guardou a sua linguagem simbólica. Origem Stuart – O príncipe Charles Stuart criou a Maçonaria com fins políticos. Filosofia deísta – A escola inglesa deísta cujo principal representante foi John Toland deu origem à Maçonaria. Raízes protestantes – A Maçonaria formou-se da internacional protestante de tendência calvinista e puritana. Ocultismo – A origem da Maçonaria estaria nas diferentes seitas ocultistas, por sua vez inspiradas na Cabala judaica. Judaísmo ou activismo judaico – Os judeus teriam criado a Maçonaria com o fim de dominação mundial oculta. “A Franco-Maçonaria – afirma Gustave Bord 2 – não nasceu espontaneamente, nem tão-pouco é uma sociedade secreta antiga, tendo atravessado os tempos e dirigido os rumos da humanidade ao
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longo dos séculos, e que não se expôs publicamente senão quando o seu sucesso se manifestou de forma indiscutível. Ela nasceu lentamente, seguindo a cada passo finalidades diferentes. Duas Maçonarias sucederam-se: uma, a mais antiga, composta de profissionais, construtores, e que chamaremos de corporativa. A outra, que a substituiu, composta de amadores de filosofia e de ciências, que chamaremos de especulativa.”
Esta transformação ter-se-ia feito progressivamente ao longo do século XVIII, e discretamente para não alarmar as autoridades. Sobre as origens da Maçonaria, escreve também Gaston Martin3: “Valeria mais uma certeza: a honestidade histórica obriga-nos a reconhecer que ela não existe e as chances são mínimas de que a verdade possa um dia ser estabelecida.”
Por outro lado, o professor Luc Nefontaine faz, no seu livro sobre a Maçonaria4, uma observação realmente interessante sobre o que poderia ser a verdadeira origem da Maçonaria na Inglaterra, de onde, como sabemos, se expandiu para o continente a uma velocidade desconcertante. Escreve ele: 3 4
GASTON MARTIN – Manuel d’Histoire de la F. M. Française. La Franc-Maçonnerie, Une Fraternité R«v«lée. 31
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“Na Europa, a partir do século XV, ao mesmo tempo em que se construíam cada vez menos edifícios religiosos, as lojas operativas desapareciam umas atrás das outras. Ignora-se, entretanto, por que as lojas de Inglaterra e Escócia subsistiram, e tenham atravessado, de uma forma ou outra, os decénios até à aurora do século XVI. Tanto assim que vários historiadores acreditam que não existe uma genealogia contínua entre os operativos e os especulativos: os maçons modernos não seriam os descendentes dos construtores e ter-se-iam contentado em tomar-lhes emprestados os utensílios, desviando-os dos seus fins iniciais. A questão remanesce em aberto. Nota-se, enfim, que se os maçons da época medieval eram católicos romanos, o mesmo não acontece a partir do século XVI sob a influência do anglicanismo elizabetano. Essa inversão religiosa anuncia outra, que as lojas vão conhecer por altura do período dito «de transição», que se situa no século XVII e que conduzirá ao advento da Franco-Maçonaria moderna ou especulativa, aquela que nós conhecemos hoje em dia.”
Bem interessante esta tese porque admite que a Reforma Anglicana pode ter dado, e provavelmente deu, uma sobrevida ao ramo esotérico e especulativo das pequenas lojas que se formavam então e que certamente seriam mal vistas por uma autoridade católica. Não concebemos sequer a possibilidade, ou pelo menos não a vemos ainda, de que as lojas iniciais tenham servido de apoio político ou material ao anglicanismo, ou que tenham trabalhado com influência decisiva nas lutas religiosas dos séculos XVI e XVII, antes ainda das 32
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constituições de Anderson, e das demonstrações de poder exibidas a partir das revoluções americana e francesa, mas que simplesmente o poder na Inglaterra tinha uma visão muito diferente das ameaças políticas, representadas pelas incipientes lojas, substancialmente diferente da que teria sido se o governo fosse católico, poderoso e centralizado. De facto, nesse período turbulento de alternância entre governantes católicos e protestantes, a menor preocupação de todos teriam sido as reuniões de carácter excêntrico de cavalheiros, aparentemente sem finalidade específica, mas cujas simpatias definitivamente se inclinavam para o campo anticatólico. Independentemente das opiniões aqui manifestadas, a maioria das teorias mais populares sobre a origem da Maçonaria ainda têm um certo sabor de fantasia, embora possam também apontar para algumas das características que fazem parte da sua essência. Acho que pode ficar um pouco cansativa a enumeração dos 33 graus aplicados pelo Antigo Rito Escocês, mas sobressai, para quem tem interesse em conhecê-los, mais que o esoterismo dos nomes dados a cada um dos 33 graus, talvez a preocupação com o exótico e um pouco de predilecção com o oculto que estão em aparente incompatibilidade com o racionalismo, mas na Maçonaria, o ocultismo e o racionalismo convivem em harmonia, sem conflitos aparentes, porque os fins e as consequências são os mesmos, e todos dentro da Maçonaria têm consciência disso, e são os resulta33
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MAÇONARIA – APOLOGIA DO CATOLICISMO
dos que lhes interessam. Não nos compete explicar por que existe uma aliança bizarra entre dois pólos tão inconciliáveis aparentemente, mas apenas constatar os factos como eles são. Na primeira classe figuram os três primeiros graus, Aprendiz, Companheiro e Mestre. É praticamente indisfarçável a influência da Maçonaria dos antigos construtores nesta classe também conhecida como Maçonaria Azul da qual ainda se pode desistir sem muitos problemas. Na segunda classe vêm os graus 4º a 8º, que são os de Mestre Secreto, Mestre Perfeito, Secretário Íntimo, Preposto e Juiz Intendente dos Edifícios. A terceira classe engloba os graus 9º a 11º: Mestre Eleito dos Nove, Mestre Eleito dos Quinze, Sublime Cavaleiro Eleito. E assim por diante, a quarta classe com mais três graus: Grande Mestre Arquiteto, Arca Real, Grande Escocês da Abóbada Sagrada de Jacques VI. Quinta classe, quatro graus: Cavaleiro do Oriente, Príncipe de Jerusalém, Cavaleiro do Oriente e do Ocidente, Soberano Príncipe Rosa-Cruz, e aqui terminam os graus simbólicos, no 18º grau. Os graus filosóficos começam a partir do 19º, na sexta classe, com o Grande Pontífice ou Escocês Sublime, e o Venerável Grande Mestre de todas as Lojas, Cavaleiro Prussiano, Arca Real ou Príncipe do Líbano, Chefe do Tabernáculo, Príncipe do Tabernáculo, Cavaleiro da Serpente de Bronze, Príncipe de Mise-
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ricórdia, Soberano Comendador do Templo. Assim se encerra a sexta classe com o 27º grau. A sétima classe compreende ainda os últimos três graus filosóficos: o Cavaleiro do Sol, Grande Escocês de Santo André de Escócia, Grande Eleito Cavaleiro Kadosch. Por fim passamos para os graus administrativos, a oitava e última classe: Grande Inspetor Inquisidor Comendador, Príncipe Sublime do Segredo Real, e o 33º e último grau, Soberano Grande Inspetor Geral. Esta lista dos 33 graus da Maçonaria é tirada do antigo Rito Escocês, e é possível que já tenha sofrido algumas modificações com o passar dos anos, além do surgimento de outros ritos que se desenvolveram ao longo do tempo e noutros lugares. A história dos ritos não nos parece tão importante como se costuma julgar e, provavelmente, ocuparia por si mesma um livro inteiro, mas não aglutinaria mais elementos para compreender a natureza íntima da Maçonaria senão de uma forma superficial. A descrição dos nomes dos 33 graus da Maçonaria foi extraída da Franco-Maçonaria Escocesa em França da autoria de Albert Lantoine, Paris, E. Nourry, 1930, um dos cronistas maçons mais respeitados dentro de sua própria instituição. O nosso interesse pelos nomes atribuídos aos graus da hierarquia maçónica decorre mais da curiosidade despertada pelos títulos de fábula dentro de uma seita que se pretende a vanguarda do racionalismo humanístico.
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