Velho do teu Jardim _ miolo.indd 54
27-10-2014 21:10:05
LĂşcia de Jesus Canhoto
O Velho do teu Jardim Velho do teu Jardim _ miolo.indd 1
27-10-2014 21:10:01
FICHA TÉCNICA Edição: edições Vírgula ® (Chancela Sítio do Livro) Título: O Velho do teu Jardim Autor: Lúcia de Jesus Canhoto Capa: Patrícia Andrade Paginação: Nuno Almeida Revisão: Patrícia Espinha 1ª Edição Lisboa, outubro, 2014 ISBN: 978-989-8678-84-3 Depósito Legal: 380616/14 © Lúcia de Jesus Canhoto PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO:
Av. Roma nº11 1º Dtº 1000-261 Lisboa www.sitiodolivro.pt
Velho do teu Jardim _ miolo.indd 2
27-10-2014 21:10:02
O Vel ho do teu Jardim
O velho do teu jardim
N
a minha sala escura pela noite, sentado no sofá, de copo de whisky na mão, olho em frente para a minha enorme vidraça e vejo as gotas de água escorrendo por ela, derivado a uma enorme tempestade que se faz sentir desde o começo da tarde. O clarão dos trovões dão a luz necessária à minha casa para ver claramente o tamanho da escuridão, escuridão essa em que me encontro neste enorme cubículo de vida. Já me encontro assim há vários anos, os dias vão passando sem me dar conta, ou simplesmente faço por me distrair para tentar não me lembrar do que sou ou aquilo a que cheguei. Completei hoje 38 anos da minha inútil existência e só hoje me apercebi de que sou mesmo um fracasso. Fiz fortunas, esbanjei dinheiro aos montes, noitadas, bastava querer ter e comprava sem problema algum com a questão financeira, mas o mais precioso, sem valor calculado, deixei para traz, e agora que tenho tudo, olho em redor e não te tenho a ti, olho e volto a olhar para a solidão, mas preso ao passado vivendo o presente não consigo mais sobreviver. Quero-te ter, pois sem te ter por perto aumenta o meu sofrer. Desculpa por tudo o que te não dei, se não me desculpares sei que aos poucos morrerei. Levanto-me e saio dali, sem acender a luz passo pelo pequeno corredor que dá para a cozinha e saio pela porta traseira, que dá acesso a um pequeno bosque onde 3
Velho do teu Jardim _ miolo.indd 3
27-10-2014 21:10:02
L ú c ia d e Jesus Ca n h ot o tudo é maravilhoso. A tempestade acalmou e dá ordem aos primeiros raios de sol, esses, por seu turno, dão começo ao princípio de um novo dia. Já dentro da natureza sento-me num tronco ali caído, apodrecido pelos anos, e olhando uma flor bem pequenina tentando sobreviver à sombra de uma enorme árvore, admiro-a impressionado com o tempo que vivi assim, como ela, à sombra da minha vida. Levantei o rosto para olhar em frente, para o infinito e… viajei no tempo… Lembras-te quando entraste pela primeira vez pela porta da escola? Vieste transferida de outra escola no começo do segundo período, os teus pais mudaram-se para cá por causa das suas profissões. Entraste na escola com a mala a tiracolo, casaco de ganga, que tapava ou dava um ar mais tranquilo ao teu vestido estampado de flores miudinhas, calçavas umas botas de cabedal, cabelo solto quase pela cintura, verdadeiramente um look fora do que estava acostumado a ver entre as moças daquela idade, mas simplesmente deslumbrante. Quando passaste pelo meio da escola e te dirigiste para a cantina, fiquei maravilhado ao ver-te deslizar pelo teu caminho de cara virada para o chão, fingiste não ver que te estavam a observar como quem olha para uma pérola rara. Na sala de aula ficaste duas secretárias à minha frente e logo percebi que simpatizava demais contigo. Fomos ficando amigos mas foi difícil conquistar a tua amizade, eras requintada, talvez fosse da educação ou viesses de famílias mais distintas, não sei… Oh, como eu sempre 4
Velho do teu Jardim _ miolo.indd 4
27-10-2014 21:10:02
O Vel ho do teu Jardim tive um rio cheio de perguntas para te fazer, sempre foste um livro que nunca consegui ler por inteiro, minha amada, perguntas que nunca pensei que viessem a ser respondidas e depois, com uma lágrima tua, respondeste a todas. Meu amor, fomos crescendo juntos imaginariamente nos nossos sonhos, devíamos ter entre 13 a 14 anos quando tu, eu, a Sofia e o Paulo, chegando ao final do ano, planeando as nossas férias, decidimos vaguear por aí – nós os quatro quase praticamente inseparáveis. A Sofia, naquela sexta-feira, gritou pelo teu nome quando se lembrou da velha casa abandonada, supostamente assombrada. – Marta, queres ir a uma aventura na casa assombrada? Tu riste-te com sorriso desinteressado mas, depois da insistência dela, concordaste, e lá fomos os quatro. O Paulo, metendo o braço por cima do pescoço da Sofia, roubando-lhe beijos silenciosos na face, acariciando-a no rosto e ela sorrindo, confirmando o mesmo gosto em recebê-los. Atrás deles, íamos nós, em silêncio, só se ouviam os pastos das ervas secas num soar quebradiço debaixo do nosso andar, no pequeno caminho estreito que ia dar àquela casa escondida por detrás de um mato há muito por cuidar. Os ramos dos sobreiros batiam no chão, a estrada de terra batida mal se distinguia da densa pastagem seca pelo calor abrasador bem no centro do Alentejo. E foi nesse quebradiço debaixo dos meus sapatos que ouvi o Paulo dizer que tínhamos chegado. Desviei os ramos à minha frente e vejo um muro com mais de dois metros de altura, forrado de pedra de xisto 5
Velho do teu Jardim _ miolo.indd 5
27-10-2014 21:10:02
L ú c ia d e Jesus Ca n h ot o quase coberto na totalidade de ervas trepadeiras. Olhei por cima do muro e vi a casa que tanto esperava ver. Era linda a casa, grande tinha classe, por fora parecia ter mais de três andares, fazia o estilo de um pequeno palácio. Tinha o muro a cercá-la, e o portão semiaberto, parte dele corroído pela ferrugem, rangeu ao abrir. Entrámos e reparámos que por detrás do muro estava um magnífico jardim que embelezava a entrada da casa, cuidado a rigor, apostámos que nem uma planta de flor estava desalinhada ou nem alguma erva daninha tinha nascido entre elas. Cada flor tinha o seu espaço para poder florescer, sem nada as impedir, nuns retângulos feitos com educada paciência, estavam separadas por cores, feitios e até alturas. No meio delas, um passeio de pedra branca cuidadosamente alisada para chegar à porta da casa, e tu, Marta, parada em frente das roseiras amarelas, choravas, e as tuas lágrimas escorriam pelas pétalas concentrando-se todas no centro do botão da flor. Por que choravas meu amor? Pensei, mas, como sabes, não te perguntei com medo do meu inútil orgulho, já um pouco acentuado em mim. – Como pode o jardim estar assim? Está belo! Mas como? – Porque alguém cuida dele! Respondi-te por responder, sem pensar, mas quem cuidaria dele com aquela arte duvidosa, extremamente pura? Pois quem fora ali só para o embelezar amava o que fazia, sentia-se que o seu cuidado com as flores era arte divina, o amor em puro estado bruto ou até talvez obsessão. Mas a pergunta que andava às voltas na minha cabeça era outra, porquê não cuidava da casa, e por que razão o meu amor chorava. 6
Velho do teu Jardim _ miolo.indd 6
27-10-2014 21:10:02
O Vel ho do teu Jardim Vi que te comoveu e prometi-te que ta comprava quando casássemos para nós morarmos. Prometi-te que arranjaria cada espaço palmo a palmo só para ti, nem que para isso ferisse as minhas mãos e o meu orgulho para te presentear com algo que tu gostavas. Ficámos por ali até o anoitecer, debaixo de uma amendoeira, aproveitando a frescura que ela nos oferecia, protegendo-nos com seus ramos robustos do enorme calor que se fazia sentir, deitados no chão, olhando as suas folhas esculpidas pela natureza, fazendo planos para o amanhã. Era de loucos, agora depois de tanto tempo lembrar-me daqueles momentos, e pensar… o que sabíamos nós da vida. Sofia tirou um papel da mala e sugeriu que escrevêssemos os nossos nomes, um pacto feito entre nós de que, pelo menos uma vez por mês, voltaríamos ali, debaixo da amendoeira, para assinar a folha, para contemplar a nossa amizade rodeados de um paraíso feito pelo desconhecido, onde só os pássaros assobiavam pondo à prova o seu cantar. Concordaste logo, e fizeste deslizar a caneta pelo papel muito suavemente, olhaste para mim, o meu coração disparou, sentindo o seu bater por todo o corpo, as minhas pernas fraquejaram. Não sei bem porque fraquejei assim nesse momento, o teu olhar era demasiado expressivo e dinâmico e percebi que não era uma troca de olhares de namorados ou de algo parecido quando me apontaste a caneta e me a entregaste para assinar, percebi que quase me estavas a obrigar a assinar um papel que para mim nada valia, mas que para ti era indispensável passares sem ir ali, vivenciar algo, meditar sobre alguma 7
Velho do teu Jardim _ miolo.indd 7
27-10-2014 21:10:02
L ú c ia d e Jesus Ca n h ot o coisa… quem me dera que fosse pelo nosso amor. Saímos dali com o pacto feito por nós e, debaixo de uma pedra, deixámos uma folha do caderno com a data da primeira visita e as nossas assinaturas. Oh, foi de loucos, maravilhoso talvez, as assinaturas que fizemos naquela folha totalmente preenchida das vezes que fomos àquele belo jardim… Aos 18 anos nossos pais mandaram-nos para a Universidade, e num determinado espaço de tempo estávamos prontos para o mercado de trabalho. O Paulo e Sofia envolveram-se numa paixão avassaladora na festa do fim de curso, e a coisa dura até hoje. Casaram e tiveram filhos, só me encontro com eles por acaso. Como a vida muda as pessoas! Principalmente os filhos. E a eles fez-lhes bem essa responsabilidade, foram morar para uma pequena quinta perto de uma vila graciosa na zona do Algarve. Ela trabalhava pouco no seu curso de moda. Da última vez que a vi disse-me que não era bem o que imaginava, e que se aplicava agora no papel de dona de casa, e pela terra da pequena quinta, dizia-me que era terapia para ela depois de levar os três filhos à escola. O Paulo trabalhava há alguns anos na mesma empresa, era o responsável máximo e estava completamente satisfeito, estava a aguardar a sua viagem ao Japão em negociações com os novos candidatos a sócios. Pela descrição dela e pelo pouco tempo que falámos, percebi que estavam extremamente felizes. Lembro-me como se fosse hoje quando fomos receber o diploma, tu, trajada a rigor e com o cabelo solto para 8
Velho do teu Jardim _ miolo.indd 8
27-10-2014 21:10:02
O Vel ho do teu Jardim esconder o teu rosto, sorrias envergonhada. Que bela que tu estavas! A tua mãe do teu lado direito e o teu pai, todo orgulhoso, do outro. Parecendo guardar um tesouro valiosíssimo como um rubi, o teu pai enchia o peito de ar, ou melhor, tentava encher, pois estava em pura ansiedade. Quando cheguei ao pé de vocês estendi a mão ao teu pai e ele piscou-me o olho e saiu dali agarrando a tua mãe pela cintura, estavam tão felizes, numa felicidade contagiante, e deixaram-nos a sós. Respirei fundo imitando o teu pai e, concentrando-me no pedido que te queria fazer, fechei os olhos, para não ter que suportar a resposta no teu rosto se esta fosse negativa, e pedi-te para me acompanhares para toda a vida, num simples pedido de casamento. Fizeste tal silêncio que até me doeu a alma. Senti a brisa fresca na cara a refrescar-me das gotas de suor que pela testa escorriam, e continuei de olhos fechados até tu me segurares na mão e deslizando-a para o teu peito disseste: – Para toda a eternidade, eu amar-te-ei, aconteça o que acontecer. Só não prometo amar-te no dia que morrer. Abri os olhos e foi nesse cruzar de palavras tuas que chorei de felicidade. Fundidos num abraço de ternura, decidimos aproveitar a cerimónia preparada para nós e no final iríamos amar-nos no nosso jardim. Andavas de mão em mão no baile, escrevi-te vários bilhetes, estava em pleno romantismo, já não conseguia concentrar-me na festa, só em ti, escrevi-te nos guardanapos de papel. Enquanto tu dançavas, eu, sentado naquela 9
Velho do teu Jardim _ miolo.indd 9
27-10-2014 21:10:03
L ú c ia d e Jesus Ca n h ot o sala de baile a um canto, fazia prova do meu amor. Ainda guardo esses bilhetes, que me entregaste, depois de os teres lido, para eu os guardar até ao final da festa. De todos os que te escrevi durante esta vida, os meus favoritos estão escritos num guardanapo branco. Leio-tos hoje novamente para ti. «Se fosse vento iria soprando até perto da tua face, murmurar-te ao ouvido, dizer-te palavras bonitas loucas de sentimentos recheadas de carinho, iria soprar-te ao ouvido, até te fazer rir, iria fazer-te chegar palavras inspiradas da minha paixão para te saber alegrar. Só que não sou. Sou mera figura quase invisível que pousa numa pétala de flor ao sabor do vento, sou fraco por não dar valor à alma que grita dentro de mim, sou uma gota de oceano, sou tão pouco, mas sem ti ainda era menos… era nada.» Saímos a meio do baile e fomos. Entrámos de mãos dadas, levemente os teus dedos abriram-se para se soltarem dos meus e correste para o teu jardim cheirar as rosas. Nesse dia os teus olhos encheram-se de lágrimas mas nem uma rolou pela tua face, deixei-te sozinha no teu pensamento e dirigi-me à amendoeira, reparando que estava em flor e o seu cheiro perfumava o jardim. Esse odor suave e macio que se fazia sentir era uma total dádiva daquele espaço. Baixei-me e vi que a folha do nosso pacto tinha sido mexida, peguei nela e li um novo nome assinado: Bernardo Batista. Ele assinava nos dias que nós não íamos passar a tarde debaixo daquela árvore. Mas quem seria? Nunca o tínhamos visto por ali, mas para o jardim estar perfeito alguém tinha que o aperfeiçoar, 10
Velho do teu Jardim _ miolo.indd 10
27-10-2014 21:10:03
O Vel ho do teu Jardim e porque não arranjava a casa, quando fiz tantas perguntas, apenas um encolher de ombros obtive de ti. Passada uma semana combinaste comigo irmos tomar um café na esplanada de uma tasquinha, quando cheguei já lá estavas, sentada à frente de um sumo de limão, folheando um jornal diário. Que mágoa, Marta! Chamaste-me lá para me dizeres que tinhas sido colocada perto de tua casa, num lar de idosos, havia vagas para enfermagem e tu concorreste e no próprio dia soubeste que irias ficar por lá. E pensando eu que ias comigo para Madrid como tínhamos combinado nos nossos planos de toda a nossa convivência, a separação de ambos era algo que não constava no nosso amor. Mas como fui burro em fazer planos para nós sem te consultar ou pedir a tua opinião. Decidi por nós dois e sofri as consequências. No teu sorriso de felicidade anunciámos a separação, pois eu já tinha trabalho em Madrid, e não era um emprego que pudesse recusar, talvez por causa dos esforços dos meus pais para o conseguirem através de pedidos a amigos ou favores que jamais poderiam pagar, e eu não podia nem sequer levantar a dúvida de não partir para lá, embora isso me tenha passado pela cabeça. Loucuras, querida, que eu pensei por ti, tantas e mais tantas das quais nem uma resultou até hoje. O meu pai, mesmo sabendo da minha imaturidade, quis-me lançar no mercado de trabalho sem que eu precisasse de saber como era começar como estagiário. Tu estavas decidida a ficar por cá, e nem sequer te propus ires comigo, era desnecessário, não sonhavas alto só querias ficar como enfermeira, a cuidar de idosos num 11
Velho do teu Jardim _ miolo.indd 11
27-10-2014 21:10:03
L ú c ia d e Jesus Ca n h ot o lar. Admiro a tua coragem, pois eras muito mais corajosa do que eu e só me apercebi disso muito tempo depois. Eu sonhava alto, queria aprender tudo sobre as empresas para mais tarde construir a minha. Depois vi que não éramos tão parecidos como eu imaginava. Imaginava-te ao meu lado, vestida como uma princesa, de hotel em hotel, viajando pelo mundo, imaginava dar-te uma vida de luxo, de prazeres comprados com o dinheiro. Oh que parvo que eu fui! Não te conhecia mesmo nada. O tempo que passei contigo foi só para te contemplar em vez de te estudar para me sair bem no teste final. Nunca te imaginaria enfiada num lar a lavar idosos, a tratar de feridas tanto corporais como espirituais. Enfim, foi duro mas nenhum de nós cedeu. Acompanhaste-me ao carro, depois de termos passado o fim de semana juntos. Eu partia na próxima segunda-feira e esse dia tinha chegado, as malas estavam já na bagageira do carro previamente feitas para não me esquecer de nada. Beijámo-nos e parti rumo a uma nova etapa da vida, olhando até que consegui ver-te no espelho retrovisor do carro, e tu ali à espera que me deixasses de avistar. Não sabia para o que ia, dentro de mim levava a convicção de que iria ser feliz e conseguir cumprir os objetivos traçados na minha mente. Prometi-te vir quinzenalmente, tendo o pensamento firme de que nalguma das próximas visitas tu já estarias cansada da tua escolha, mas por motivos de trabalho nem sempre cumpri a minha promessa, e depois de algumas visitas o desesperado era eu para ficar e não voltar mais para Madrid. Lá tinha trabalho, uma boa receção mas não tinha o calor humano da família ou teu, quando partia da nossa terra o meu coração ficava cá. 12
Velho do teu Jardim _ miolo.indd 12
27-10-2014 21:10:03
O Vel ho do teu Jardim O trabalho por lá era simplesmente fantástico, uma equipa maravilhosa, colegas ao mais alto nível em termos de resposta ao trabalho. Era fácil fazer negócios, acho que aprendi a arte com o meu pai. Quatro anos mais tarde, e depois desse vai e vem, faço uma pausa no tempo para organizar minhas ideias, saio do escritório mais cedo e vou dar uma volta pelas ruas, pego num cigarro ao sair do edifício e na companhia deste vagueei pelas ruas, estava a dar em louco. Era final de verão, fazia muito frio, estava a ser difícil, devido às alterações climáticas, e era insuportável andar nas ruas à noite, o frio cortava a respiração. A noite caiu e dirigi-me para o hotel onde estava, pedi uma sopa na receção e subi. Entrei no quarto e sentei-me numa poltrona virada para a janela, ali sentia-me um pouco melhor, mais confortável, embora a minha alma atribulada dentro de mim continuasse revolta. Os meus objetivos traçados estavam quase cumpridos e a minha batalha com a felicidade estava longe de estar concluída. O vazio era enorme dentro de mim, sentia-me sozinho, os meus pensamentos estavam a entrar em obsessão por ti, acredita que cheguei ao ponto de te ver a vaguear pelas ruas, qualquer mulher bonita da tua estatura me recordava de ti, e o sentimento piorava pois não eras tu. Embora viesse ver-te, não estava satisfeito. Éramos praticamente só amigos e eu já não conseguia controlar a insegurança de te perder, nem de controlar esta paixão que me ardia no peito, que me tirava o sono e até a arte dos negócios. 13
Velho do teu Jardim _ miolo.indd 13
27-10-2014 21:10:03
L ú c ia d e Jesus Ca n h ot o Quando nos encontrávamos a tua felicidade estampada no rosto saltava à vista, eras feliz com o teu trabalho, depois de essa comparação breve sobre nós, o erro, meu amor, era eu. Nunca me pediste para ficar, respeitando assim sempre os meus desejos e o meu bem-estar. Olhei para cima de uma pequena mesa, e sem precisar de me levantar peguei na carteira e no telefone, dentro da carteira estava um cartão de um senhor que me tinha proposto emprego num trabalho um pouco diferente, mas não custava tentar. Liguei sem hesitar, aceitando mudar mais uma vez a minha vida… por ti. Ser revendedor de empresas falidas ou, por outro motivo qualquer, ser sócio de alguém, ter o meu próprio negócio, nada mau para um jovem de 29 anos, mas não era isso que mais me agradava, mas sim o facto de ir para minha terra, para o teu lado. Rapidamente tratei de tudo, despedi-me logo. Passei por uma ourivesaria, parti rumo aos teus braços. Pelo caminho fui deixando a dor da separação para trás a cada quilómetro que me aproximava, e fui ganhando nervosismo por te pedir em casamento outra vez. Ao lado no banco estava pousado o anel que te comprei, abri a caixa para o ver pela oitava vez no espaço de 10 minutos, treinando ao espelho retrovisor do carro como haveria de fazer. Cheguei à entrada da pequena vila onde morávamos, parei o carro ao pé dos bancos que se encontravam na calçada e no terceiro banco mais à frente estavas tu sentada com um senhor de respeitável idade. Roubavas-lhe sorrisos, ele de bengala na mão e de casaco comprido preto, acariciava-te a mão educadamente, fazia-te festas com a mão dele tremendo sobre a tua. Como tu sorrias, 14
Velho do teu Jardim _ miolo.indd 14
27-10-2014 21:10:03