Plátano Editora; 1977; Lisboa – Portugal
Economia Política II
Plátano Editora; 1978; Lisboa Portugal
Um Sotaque Social
Arm@zém Digital; 2010; Rio Grande Do Sul – Brasil
Liberalismo (& Estado) Social
Arm@zém Digital; 2010; Rio Grande Do Sul – Brasil
Lord Keynes e o Factor C
Arm@azém Digital; 2011; Rio Grande do Sul – Brasil
Edições Quod; 2013; Lisboa - Portugal
O Dia em que Mataram Amílcar Cabral
Edições Quod; 2015; Lisboa - Portugal
A Entrevista, Contos e Reflexões
Edições Quod; 2016; Lisboa - Portugal
Dívida, Mercado e Soberania – Uma solução para Portugal; Edições Parténon; 2017; Lisboa – Portugal
Um Sonho Europeu – de Lisboa a Vladivostok; Edições Parténon; 2018;Lisboa – Portugal
Os 116 Degraus À procura de Antje Rogério Barros da Costa nasceu em Lisboa, onde estudou e se licenciou em Economia pelo Instituto Superior de Economia de Lisboa (ISEG). Ao longo da sua actividade profissional, colheu uma vasta experiência em diversos domínios de actividade, da banca à indústria, passando pelos serviços, tendo sempre exercido funções de relevo ao mais alto nível de direcção de empresas, dentro e fora de Portugal. É igualmente autor de dois livros sobre Economia Política destinados ao ensino, para além de outras obras onde economia e sociologia se conjugam. Através dos inúmeros contactos que manteve pelo mundo fora, proporcionados principalmente através de empresas multinacionais com que trabalhou em quatro continentes, ganhou das pessoas e das coisas o conhecimento e o distanciamento necessários para obter da realidade corrente uma visão alargada e globalizada dos factos que condicionam a vida de todos os dias, de que é observador atento.
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A Europa a 28 e a Reforma da Democracia
Rogério Barros Costa
Economia Política I
Numa prospecção de uma nova morada pelas terras do interior de Portugal, o Engenheiro Henrique Cardoso, que enviuvou recentemente, descobre em Ponte de Sôr um refúgio para escrever, longe do bulício de Lisboa, e para tentar sair de uma catarse que a perda de Luísa o persegue e deprime no dia a dia. Entre o Brasil e os Estados Unidos da América do Norte acompanha os seus filhos no desenho do futuro deles e desenvolve uma actividade intelectual totalmente nova para ele, longe das engenharias de uma grande empresa nacional. Entretanto, envolve-se, sem se dar conta disso, num caso do foro criminal em que cidadãos holandeses estão envolvidos e a morte de duas mulheres não o deixa tranquilo enquanto, em colaboração com a Polícia Judiciária portuguesa, não consegue deslindar uma trama em que as novas fronteiras abertas do espaço Schengen tornam difícil o apuramento das responsabilidades dos procurados pelas autoridades ibéricas e dos países baixos.
À procura de Antje
OBRAS PUBLICADAS
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Com um olhar crítico e realista do presente, procura entender as convulsões que anunciam as mudanças que urge realizar na renovação e reorganização da nossa sociedade civil no caminho para um futuro que não espera por nós.
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FICHA TÉCNICA TÍTULO:
Os 116 Degraus – À procura de Antje Rogério Barros Costa EDIÇÃO: edições Vírgula ® (Chancela Sítio do Livro) AUTOR:
IMAGEM DE CAPA:
José Costa Jr. Ângela Espinha PAGINAÇÃO: Alda Teixeira 1.a Edição Lisboa, maio 2020 ISBN:
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ARRANJO GRÁFICO DE CAPA:
978-989-8845-33-7 468891/20
DEPÓSITO LEGAL:
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© ROGÉRIO BARROS COSTA
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Esta é uma obra de ficção, pelo que, nomes, personagens, lugares ou situações constantes no seu conteúdo são ficcionados pelo seu/sua autor/a e qualquer eventual semelhança com, ou alusão a pessoas reais, vivas ou mortas, designações comerciais ou outras, bem como acontecimentos ou situações reais serão mera coincidência. Todos os direitos de propriedade reservados, em conformidade com a legislação vigente. A reprodução, a digitalização ou a divulgação, por qualquer meio, não autorizadas, de partes do conteúdo desta obra ou do seu todo constituem delito penal e estão sujeitas às sanções previstas na Lei.
PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO:
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Aos meus filhos Ricardo, Joana e Pedro
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ÍNDICE
A CASA DAS ESCADINHAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
MADRID . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . À PROCURA DE ANTJE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
PORTALEGRE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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O EREMITA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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À PROCURA DE ENGELS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Acordei completamente estremunhado com as batidas no vidro do carro do lado do condutor, onde me encontrava. Levei um par de segundos a entender o que eram aqueles olhos que me fitavam e de certo modo me assustavam também, o vidro fosco da minha respiração, uma imagem que se movia no exterior com um ar meio nervoso. Accionei o limpa-para-brisas. Em frente do carro estava um agente da GNR a escrevinhar qualquer coisa num bloco. Já bem acordado, abri o vidro do carro e deixei entrar o ar matinal das 6 horas o que me acordou de vez, com um leve arrepio. Ainda era noite, embora uma leve aurora parecesse querer desenhar-se no horizonte. – Bom dia, disse-me o GNR que estava junto à janela. Os seus documentos e os do carro, se fizer favor. Não quer vir até cá fora, por um instante, já agora? Um tipo bem-educado consegue sempre tudo o que quer. Abri a porta e saí. – Parecia estar a dormir bem ou passou mal? Quer que chame ajuda? 11
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– Não senhor agente. Estava mesmo com sono e decidi dormir um pouco. Obrigado por me acordar. Desculpe, deixe-me pegar o meu blusão que estou com frio. – Deixe que eu o apanho, retorquiu o GNR. Enquanto decorria este diálogo, reparei que o colega dava a volta ao carro espreitando para dentro, a toda a volta. – Importa-se de abrir a bagageira do carro? – Porquê? Algum problema? – Não, senhor condutor, mera rotina. Fomos chamados pelo empregado da bomba de gasolina ali atrás. Este não é o lugar mais seguro do mundo para estacionar. A bagageira, por favor. Foi nessa altura que vi que estava parado num pequeno estacionamento para dois ou três carros junto à saída de uma bomba de gasolina e fiz nessa altura o flash back das últimas horas. Os GNR tinham, entretanto, tirado de uma bolsa de plástico o equipamento para análise de alcoolemia no sangue, que me fizeram soprar. Para variar, o resultado deu zero. Estávamos na saída norte de Estremoz. Os GNR perguntaram para onde me dirigia e eu disse-lhes que queria chegar o mais rápido possível a Ponte de Sôr, onde era esperado para uma reunião. Na bagageira tinha alguns quadros que trouxera de Madrid e com que eles pegaram de imediato. Pediram-me 12
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os recibos e eu não os tinha. Fatal como o destino. Como alguém disse, se alguma coisa puder correr mal, irá seguramente correr mal. E eu cheio de frio. – Tem-nos um homem aqui de Estremoz. Se acharem bem acordá-lo a estas horas… – O senhor é que sabe, podemos ir para o posto e esperar que sejam horas convenientes para acordar o seu amigo, retorquiu um deles, cinicamente. Encolhi os ombros, respirei fundo e ajustei o blusão no pescoço e na cintura, já que fazia frio mesmo. Estremoz é assim mesmo, alternando o muito frio com o muito quente. Estávamos de resto no final de Fevereiro, altura ideal para essas temperaturas extremas se fazerem sentir. Peguei no telefone e liguei para o Francisco Mendes. Levou algum tempo a atender e tive que repetir a chamada, não fosse ele pensar que se tratasse de um engano de alguém e não respondesse à primeira. Quando atendeu, pedi-lhe mil desculpas por o estar a tirar do bem bom dos lençóis naquela manhã tão fria e pedi-lhe que explicasse sucintamente aos GNR que estavam comigo porque razão não tinha os recibos dos quadros comigo. Depois passei o telefone ao cabo que liderava a patrulha. A chamada foi rápida. O cabo virou-se furioso para mim e perguntou-me porque carga d’água não lhe havia dito que se tratava de um comerciante de Estremoz! Ele 13
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conhecia bem o sr. Francisco Mendes. Nem respondi. Estava a tentar não ter frio. Deu-me uma descasca por não ter os recibos do que comprara comigo e devolveu-me todos os documentos que lhe tinha facultado a seu pedido e mandou-me seguir com precaução. E pronto, é assim a vida. Foi o acordar mais bizarro da minha vida, lembrando o tempo da tropa, mas deu para sobreviver. Um bom pedaço de estrada mais adiante surgiu o Sobreiro, um restaurante de bom aspecto e que felizmente já estava aberto. Pus o carro no parque de estacionamento do lado direito da entrada do Sobreiro e dei uma pequena corrida, fugindo do frio e aproveitando para desenferrujar as pernas. A porta estava encostada e não vi ninguém no interior, até que uma jovem de meia idade apareceu apertando atrás das costas um avental, sugerindo que me sentasse numa mesa perto de uma janela e perguntou-me o que desejava tomar. Daí a um bocado estava-me deliciando com uma bem fornecida sandes de presunto e um galão a escaldar, como gosto. Ainda a enorme sandes não estava bem deglutida toca-me o telefone: o Mendes, claro. – Então, pá, não me digas que o cabo te deixa usar o telemóvel aí, disse a rir-se.
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– Cala-te lá, se não apanhar uma pneumonia à pala daqueles dois, é porque sou imortal. – Mas porque raio não ficaste cá em casa? – Porque tenho um encontro em Ponte de Sôr, como sabes e não me queria atrasar. Aquele café que tomei na bomba de gasolina, quando atestei o carro, não me fez nada e pelo contrário, relaxou-me e deu-me cá uma pancada que resolvi encostar-me ali mesmo um bocado. Só que acabou por ser um bocadão até que o idiota da bomba chamou a GNR. Com o sono com que estava, se tivesse continuado tinha-me estampado. – E agora? – Agora estou aqui num Restaurante chamado Sobreiro a lutar com uma sandes de presunto enorme. Mas um de nós vai ganhar ao outro, de certeza. – Sei onde é. Fazem por aí uns cabritos que quase dispensam acompanhamento. – Acredito, temos que combinar um almoço aqui. Desculpa ter-te acordado, obrigado pela tua ajuda e um abraço, que me vou fazer ao caminho. E obrigado por seres um tipo conhecido ou acho que me iam ficar com os quadros e acusar-me de qualquer coisa, pela forma desconfiada como olhavam para mim. – Isso não acredito. Os tipos querem tanto problemas quanto tu. Mas como houve uma chamada do fulano da 15
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bomba, eles teriam sempre que fazer um relatório, o que não deixa de ser uma chatice para eles. – Tá bom, mas mais uma vez obrigado e até breve, amigo. Antes de sair do Sobreiro liguei para o gerente imobiliário da Imosôr e dei-lhe uma perspectiva para a minha chegada. – Henrique Cardoso. Tive um pequeno contratempo mas estou a caminho daí. – Estarei à sua espera, senhor Engenheiro. O dia está frio, mas sem nuvens, ideal para a nossa visita, respondeu-me ele.
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Passei Portalegre sempre em velocidade reduzida. Apesar do que havia dormido no posto de combustível, sentia o corpo maçado e a pedir um intervalo de descanso que, sabia, não ia ter hoje com certeza. Ponte de Sôr estava na minha memória como um local de passagem que eu e uns amigos fazíamos anualmente, nas férias grandes, a caminho de Paris ou de Londres, de carro. Não existiam auto-estradas, mas a parte que tínhamos que enfrentar para atravessar o deserto espanhol era a mais aborrecida e cansativa. Enquanto não nos víamos em Burgos não descansávamos. Era lá que tomávamos um pequeno almoço e esticávamos as pernas antes de nos fazermos a S. Sebastian e à fronteira de Irún. Um dos companheiros de estudo e destas viagens era o Helder Passos, sempre pronto para as aventuras de Verão e com quem vim a trabalhar durante anos nas nossas engenharias civis. Eramos inseparáveis, à data. A sua família do lado materno era de Ponte de Sôr e quando por lá passávamos a horas decentes fazíamos sempre uma paragem com a qual ganhávamos umas belas san17
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des para o caminho. Mas em geral saiamos tarde de Lisboa para atravessar a Espanha de noite, já que o calor de Castilla era insuportável durante o dia, para nós e para o carro. Chegávamos a levar connosco um garrafão de 10 litros de água para dar de beber ao radiador do carro, não fosse ele ficar com sede e criar-nos problemas numa estrada que era, além do mais, conhecida como perigosa, não só pelo seu traçado como também por uma péssima frequência noturna. Mas a Ponte de Sôr que fui encontrar agora tinha-se transformado numa vila muito arrumada, notando-se que quem lá mandava devia ter uma estratégia bem delineada para a valorizar. Pensando bem, tratava-se de uma terra com, oficialmente, 17 séculos de vida, o que era notável. O Helder sabia isso tudo e dava-nos umas lições de História sempre que por lá passávamos. Penso que Ponte de Sôr merecia ter uma maior valorização histórica do seu passado, já que, datando do tempo ainda romano, tendo sido uma via importantíssima no coração do espaço lusitano de antanho, merecia mais publicidade nacional e maior ousadia histórica, tal como Idanha-a-Velha. Nos tempos modernos dos facebooks o que se cria mais em Portugal é uma ignorância endémica que desvaloriza o nosso património físico, mas, mais do que isso, não dá às novas gerações o carácter identitário que une os povos nos seus projectos comuns. 18
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Rodeada de água por três importantes barragens maiores, com várias pequenas vilas onde se vê trabalho agrícola, uma área de pessegueiros notável, creio que Ponte de Sôr merecia ser um núcleo mais importante nas famosas definições de apoio, desenvolvimento e povoamento do interior que desde D. Sancho I, o Povoador, preocupam os responsáveis honestos do país. Jurei a mim próprio falar muito em breve ao Helder para lhe dizer que lamentava não ter aceite os convites que me havia feito anteriormente para aqui vir e aproveitar para conversar um pouco mais sobre esta terra de que queria saber mais do que me tinha conscientemente apercebido até agora. Ponte de Sôr fez-me pensar em todos os concelhos que existem por esse país e onde se gastaram de forma tão improdutiva os milhões que a Europa, de forma tão negligente, despejou no nosso país sem fiscalizar as suas aplicações, facilitando as malandrices do costume. Enfim, são coisas que nos fazem sempre imaginar outras coisas que não são para aqui chamadas. Fiquei na dúvida se não estaria a fazer um erro ao comprar uma casa. Alugar uma aqui, amanhã outra acolá, seria possivelmente mais interessante para melhor conhecer este país maravilhoso, antes que acabem de dar conta dele, como está acontecendo. Mas agora, bom, agora a ques19
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tão era comprar algo que tivesse um bom valor líquido na revenda, quando me desse na telha. Um escritor precisa sempre de arejar as ideias para criar os temas que lhe permitam escrever mais e melhor. E o melhor tema são sempre as pessoas, que variam de terra em terra, de culturas e tradições em culturas e tradições.
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Duas horas depois estava a parar lentamente o carro à porta da agência imobiliária, donde saltou, como se tivesse uma mola no assento, um sujeito com pouco menos de 50 anos, cabelo já rareando, tez batida pelo sol que apanhava a visitar casas para compra e venda, uns jeans impecáveis e um blazer por cima de uma camisa branca sem gravata e um enorme relógio que rivalizava com o Big Ben. Fazia-se acompanhar de uma pequena pasta de prospectos, que incluiria certamente a casa que eu vinha ver. Veio directo ao carro e saudou-me como se fosse um velho amigo que não via desde a escola. Na verdade, só tinha falado com ele ao telefone duas vezes e marcado este encontro. – Bom dia, Sr. Engenheiro, Orlando de Sousa. – Bom dia, Sr. Sousa, desculpe-me o atraso, mas tive uma viagem desde Madrid um pouco complicada. – Nada de grave, espero! – Não, nada de grave, apenas cansativa. As feiras começam a pesar-me nas pernas. 21
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– Não quer entrar na agência e descansar um pouco? – Olhe, honestamente, agradeço imenso, mas prefiro ver já de seguida a casa de que me falou e depois tenho tempo para procurar um cantinho para descansar. – Quanto a isso não se preocupe, sr. Engenheiro, reservei-lhe um quarto no nosso melhor Hotel aqui de Sôr. Os turistas enchem tudo, mas se não lhe agradar, pode sempre mudar. – Está bem, agradeço-lhe imenso a sua gentileza, mas vamos então ver essa casa. Se não se importa, vamos no seu carro que já tenho quilómetros que cheguem para hoje. Seguimos então no carro do agente imobiliário, tomando as indicações da barragem de Montargil. A paisagem era deslumbrante e tranquila e o caminho estava bem cuidado. A certa altura, Sousa virou à direita, entrando numa estrada alcatroada mais estreita e começou a subir um morro. Não consegui ver nenhuma casa, tal era a vegetação, até que, uns 100 metros depois de sairmos da estrada, a casa apareceu por milagre. Não sei se foi do dia, da vontade de chegar ao fim da jornada ou por outra qualquer razão, adorei-a à primeira vista. Do meu lado esquerdo via trechos da estrada por onde viéramos e ao longe o azul das águas da barragem. O dia já abrira e o céu, azul e frio, iluminava copiosamente a paisagem e contrastava bem com um renque de pinhei22
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ros mansos por ali espalhados. Sousa deu a volta à casa e parou num espaço amplo nas traseiras da casa, com espaço para estacionamento de pelo menos uns quatro carros, se necessário. Saí calmamente e vi que toda a área exterior das traseiras tinha estado cheia de flores e percebi que estas tinham sido muito cuidadas, apesar de estarem a precisar de novos e mais intensivos cuidados. Sousa ia falando o trivial do vendedor e eu mal o ouvia, enquanto fazia a minha prospeção individual à volta da casa. Construída maioritariamente com fortes vigas de madeira, até onde podia ver, tinha um aspecto sólido, saudável e sustentável, digamos assim, naquele ambiente de montanha. Um amplo telheiro de madeira rodeava toda a habitação, como que a protegendo das intempéries e da humidade. Não deixei de reparar num painel solar metido numa reentrância do telhado, virada a sul, e que me dava uma definição dos anteriores proprietários, bem como numa bem dissimulada estrutura de betão num canto do estacionamento sob a qual se escondia, enterrado, um depósito de 70.000 litros de água, como o Sousa me disse, acionável por uma bomba para dentro de casa ou para a rega exterior, ou ambas as finalidades, conforme se quisesse. Junto da bomba de água, uma outra caixa guardava um bom gerador para dias complicados. Quando o agente imobiliário abriu a porta fiquei admirado por ver a casa toda mobilada. Ele 23
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informou-me que supunha que os anteriores proprietários achavam que teria ficado mais caro embalar e transportar os móveis para a Holanda, de onde eram naturais, do que aumentar um pouco o preço da venda, pensava ele. Mais uma vez fiquei extasiado. Tudo estava feito com um bom gosto tremendo e não me admirei nada quando soube que o holandês era arquitecto, segundo supunha o Orlando Sousa. Aproveitando o desnível do terreno, o holandês tinha feito um 1º andar onde ficava uma área mais privada de quarto, closet, casa de banho, pequena sala de estar com televisão e uma agradável varanda onde a vista passava por cima do arvoredo e se tornava ainda mais magnífica. A construção em madeira tornava o ambiente interior bastante confortável, mantendo uma temperatura equilibrada que dispensava aquecimentos artificiais e caros. O agente imobiliário continuava a debitar informações e a chamar a atenção para detalhes de que me ia apercebendo aos poucos. Mas era muita informação, como é habitual numa primeira visita, e percebi que só com o tempo poderia assimilar tudo o que estava ao meu redor. Decidi sentar-me num dos cadeirões de couro claro da sala que enfrentavam uma ampla lareira e fiz sinal ao Sousa para se sentar também. Depois perguntei-lhe pelos números e aí é que ele se engasgou. Não entendi a hesitação dele até que me disparou com uma verba altíssima. Contrapus 24
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no acto 90% desse valor com metade a liquidar em dois dias. O Sousa olhou para mim com uma cara de quem vai dizer “impossível” e antes que ele o dissesse eu acrescentei: ofereço mais 3% para a agência, fora da escritura. Foi o sinal de que o negócio estava fechado. Eu percebera que o homem tinha a comissão reduzida no preço que eu lhe oferecera, mas com os 3% até se lambuzava. Fechado o negócio, nos seus elementos financeiros mais importantes, resolvi dar mais uma volta à casa. No andar superior inspecionei a casa de banho e reparei que, numa casa onde tinha ficado praticamente todo o mobiliário, não constava nem um rolo de papel higiénico, uma caixa de aspirinas ou algo que mostrasse que tinham passado seres humanos por ali. O duche, como seria normal, não tinha protecção de plástico ou algo assim. Olhando de novo para o quarto, só então notei que a cama não tinha lençóis ou cobertores, nem sequer almofadas. Tudo muito estranho. Desci então para a sala do piso térreo e sentei-me de novo na cadeira de couro que, aparentemente, já adoptara para mim. O Orlando Sousa, ao ver a minha cara meio-introspectiva pareceu ficar meio preocupado e eu descansei-o, dizendo-lhe que estava tudo bem e o negócio estava fechado. A única questão era que havia ali uma série de coisas que não batiam certo. Ele nada retorquiu e depois levantamo-nos dando por terminada a visita. 25
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