Geração dos anos 30 e sua Evolução

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José Aurélio

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Geração dos Anos 30 e sua Evolução Geração dos Anos 30 e sua Evolução

José Alexandrino Aurélio nasceu a 5 de fevereiro de 1934. Apenas com um ano de idade foi para as Lezírias, em Samora Correia, Ribatejo, e aos 15 anos rumou a Lisboa. Em Lisboa, fez a quarta classe na Promotora no Largo do Calvário, com 20 valores. Na velhinha Escola Ferreira Borges, na rua da Creche, hoje José Dias Coelho, completou o Curso Geral do Comércio. Depois de vir do serviço militar, fez as complementares no Instituto Comercial com a finalidade de tirar o Curso de Económicas, contudo, por vicissitudes da vida, isso nunca se concretizou. Ingressou no serviço militar e fez parte do segundo corpo expedicionário do então Estado Português da Índia, em outubro de 1955, onde esteve até maio de 1957. Em junho de 1957, regressou a Lisboa no navio Niassa. Casou, teve duas filhas e agora também já é avô de dois netos. Esteve cerca de 40 anos investido de autoridade pública, o que condicionou sempre os seus procedimentos aos bons costumes da sociedade, os quais manteve para além do serviço ativo. Depois, para se compensar, escolheu como hobby editar, sozinho ou em parceria, cinco livros técnicos de matéria da sua especialidade. Em 2013, editou um pequeno livro autobiográfico com o título “História de Uma Vida”. Em junho de 2016, um outro com o título de “A História Faz-se Vivendo – Crer É Poder”. E, agora, surge mais este. Um livro de pura ficção, mas que relata factos da sua vida real, ao qual deu o título de A Geração dos Anos 30, na qual se integra.

José Aurélio Esta obra está estruturada em XXII partes, cada uma está relacionada com a vida das várias personagens identificadas na obra, como as origens e os estilos de vida de cada uma delas, salientando-se: a de Joselito Amélio; os seus dias de viagem de Lisboa para a Índia-Velha Goa; a viagem de regresso, com todas as suas peripécias; e, depois, o que Joselito fez durante a sua vida ativa. Apesar de falar sobre a Geração de 30, o autor reflete sobre a geração de agora. É estabelecida uma comparação entre ambas que permite analisar as suas diferenças e semelhanças. Uma ponte entre o passado e o presente é criada para a memória de outros tempos não se desvanecer.


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1.ª EDIÇÃO, Lisboa junho, 2019

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PAGINAÇÃO: Susana Soares REVISÃO: Liliana Simões CAPA: Ângela Espinha

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TÍTULO: Geração dos Anos 30 e sua Evolução AUTOR: José Aurélio EDIÇÃO GRÁFICA: Edições Vírgula® (Chancela do Sítio do Livro)

ISBN: 978-989-8821-97-3 DEPÓSITO LEGAL: 456481/19

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© José Aurélio

Todos os direitos de propriedade reservados, em conformidade com a legislação vigente. A reprodução, a digitalização ou a divulgação, por qualquer meio, não autorizadas, de partes do conteúdo desta obra ou do seu todo constituem delito penal e estão sujeitas às sanções previstas na Lei.

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Esta é uma obra de ficção, pelo que, nomes, personagens, lugares ou situações constantes no seu conteúdo são ficcionados pelo seu/sua autor/a e qualquer eventual semelhança com, ou alusão a pessoas reais, vivas ou mortas, designações comerciais ou outras, bem como acontecimentos ou situações reais serão mera coincidência. PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO:

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Nota do Autor

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A obra está estruturada em XXII partes, cada uma está relacionada com a vida das várias personagens identificadas na obra, como as origens e estilos de vida de cada uma delas, salientando-se: a de Joselito Amélio; os seus dias de viagem de Lisboa para a Índia-Velha Goa; o regresso, com todas as suas peripécias; e, depois, o que fez durante a sua vida ativa. Integrado na Geração de 30, o seu percurso de vida foi como o de todas as outras pessoas desse tempo, ou seja, muito atribulado. Esse percurso é abreviadamente exposto a seguir. Com dez anos, sem os seus pais saberem, foi receber explicações de uma professora. Mais tarde, para continuar os estudos tinha de percorrer a pé cerca de 7 km em alguns dias da semana, ida e volta. O seu entretenimento constava em jogar ao berlinde, às escondidas, ao espicho, à cabra cega, entre outros. As gentes do campo trabalhavam de sol a sol, recebendo uma jorna que mal lhes dava para comer.

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Os jovens, na altura só rapazes, ao atingirem os 20 anos iam para a tropa, nas décadas de 50, 60 e 70, para combaterem nas ex-colónias portuguesas, onde muitos deles lá morreram. A título de exemplo cita-se o que sucedeu ao autor. Quando assentou praça, era assim que se dizia quando os mancebos iam para a tropa, e após concluída a especialidade, logo foi mobilizado para prestar serviço no então Estado Português da Índia, onde esteve de outubro de 1955 a maio de 1957. A sua estadia na Índia podia muito bem ter-lhe sido fatal, pois, tal como se narra no texto no dia 21 de agosto de 1956, foi à mata de Valpoi, com mais quatro militares, buscar estacas de madeira para isolar postos em determinados pontos da fronteira com a União Indiana (zona onde se encontravam militares, zelando pela soberania portuguesa), quando a camioneta que conduzia, numa descida bastante acentuada, se virou, ficando numa valeta debaixo da sua cabine. A sua sorte foi ter ficado dentro da valeta, só sofrendo um golpe junto ao parietal esquerdo, cuja cicatriz guarda como recordação. Os demais membros da sua família seguiu cada um o seu destino, uns trabalhando no campo, outros na cidade. Esta seria a geração dos anos 30. A geração de agora não é assim, e ainda bem que assim é. Hoje, a maioria dos pais consegue dar cursos de elevados níveis aos seus filhos, uma grande parte com licenciatura em várias áreas. Em contrapartida, tem fenómenos muito desoladores, como seja o caso dos refugiados. Tantas pessoas que por 8


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motivos de guerra nos seus países têm de deixar as suas casas e fugir, na maioria dos casos, arriscando a própria vida, transportadas em embarcações sem o mínimo de segurança, angariadas por traficantes que lhes levam quantias exorbitantes das suas economias. E depois a integração? E quais os países que os querem? Estes são os senões do nosso tempo. Portugal, um pequeno país com apenas 92 mil km2, o que descobriu? Tantas nações, como: Angola, catorze vezes maior que Portugal; Moçambique, sete vezes e meia maior; e o Brasil! Hoje, estes e demais países, que não citamos, formam os PALOP – Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Os portugueses continentais também cedo começaram a emigrar. Inicialmente iam para o Brasil, e só no início da década de 60, do século XX, é que começaram a dispersarse por todo o mundo, com maior incidência para a França e Alemanha. Os açorianos iam para os EUA e os madeirenses para a Venezuela. No ano de 2015, segundo o INE, emigraram 40 377 permanentes e 60 826 temporários, no total de 101 203. No passado, as pessoas tinham um comportamento muito diferente do de agora. Algumas crianças, pobres, tomavam banho nos bebedouros públicos dos animais existentes na via pública, das vilas e cidades; viam-se os meninos a pedirem um tostãozinho para o Santo António; a jogarem ao bilas; o ardina a vender jornais; o engraxador às portas dos cafés a engraxar sapatos aos clientes; a vendedora de castanhas 9


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assadas aparecia com o respetivo carrinho a apregoar o seu produto; as varinas lisboetas a andarem pelas ruas com uma canastra de sardinhas à cabeça e outras com a canastra no chão; os calceteiros a fazer a calçada nas ruas de Lisboa; os padeiros com os cestos de pão às costas a andarem pela rua apregoando a venda. Hoje, a chamada terceira idade passa o seu tempo a deambular pela cidade onde vive e, ultimamente, nas universidades, a que deram o nome de Seniores, aprendendo o que nunca conseguiram aprender quando novos, por exemplo: línguas (inglês, francês, espanhol, chinês), canto, ginástica, etc.; Nas vilas e cidades, grande parte do pessoal passa o seu tempo nas coletividades lá existentes a ver televisão, a jogar ao bilhar, snooker, a ler e a jogar às cartas; Muitos, dos que vieram para os grandes centros governar a vida quando novos, regressam às suas terras de origem e por lá andam até atingirem o fim da sua existência. A maior parte vai para os lares que lá existem, na sua maioria melhores do que os das localidades onde governaram as suas vidas enquanto ativos. Embora sempre tenha existido, hoje, a VIOLÊNCIA DOMÉSTICA é a conversa do dia, lamentando-se que assim seja. Violência doméstica sempre houve! A diferença é que dantes as mulheres não se queixavam. A partir da sua emancipação, as coisas mudaram.

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Concluindo, gostaria que esta modesta obra viesse a ser lida por muitas pessoas da Geração dos Anos 30, pois, do que aqui se diz também se deve ter passado com elas.

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Lisboa, 10 de maio de 2019

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Índice

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I Origens e percurso de vida .............................................. 19 ll Percurso de vida de Joselito Amélio................................ 25

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III Ida para a Índia em 29 de outubro 1955.......................... 31 IV Estadia na Índia-Velha Goa.............................................. 37

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V Despedida da Índia (Velha Goa), 23 de maio de 1957 às 4 horas da manhã......................................................... 41

VI Recordações de Goa, na hora da despedida..................... 43

VII Fim da vida ativa.............................................................. 57 13


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VIII A propósito da vida ativa e velhice – Dois sonetos......... 59 IX Percursos de outros rebentos............................................ 61

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X Historietas relacionadas com estas personagens.............. 67

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XI O sonho comanda a vida.................................................. 71

XII A geração de agora .......................................................... 73

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XIII Refugiados ...................................................................... 75

XIV Portugal, um país com 92 mil km2, o que descobriu ...... 81

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XV O clima do arquipélago dos Açores é diferente do da Madeira ........................................................................... 85 XVI Diáspora .......................................................................... 89

XVII Recordar o passado da juventude no tempo do autor...... 91 14


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XVIII Como se comportavam as pessoas no passado ............... 93 XIX Hoje, como é que a terceira idade passa o seu tempo? ... 97

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XX A violência doméstica engloba diferentes tipos de abuso, tais como: ............................................................. 99

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XXI Conclusão ...................................................................... 101

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XXII Veia de versejador ......................................................... 103

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A Geração de 30, considerada também a geração moderna, foi a responsável pelo lançamento da humanidade para novo desenvolvimento então fixados pela geração de 1922. O acima referido pode e deve-se entender relativamente às camadas sociais mais evoluídas, especialmente as dos grandes centros populacionais. As dos campos, e muitas eram, tinham uma vida muito dolorosa, como a que a seguir nos iremos referir.

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Situações concretas de gentes dos campos dessa época em Portugal

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Origens e percurso de vida

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Cita-se, como exemplo, um senhor que passaremos a tratar por Joanito Amélio, nascido no ano de 1900, na freguesia de Cabeção1 (modesta vila alentejana do concelho de Mora), que logo desde muito novo começou a trabalhar, não tendo sequer aprendido a ler. Tinha quatro irmãos e uma irmã, que também nunca foram à escola. O seu trabalho, logo desde muito jovem, foi no fabrico do tijolo e telha de canudo, conseguindo especializar-se nessa arte que, mais tarde, exerceu por sua conta. Quem passar pela estrada nacional que vai de Samora Correia a Alcochete, quando se entra na várzea, do lado esquerdo, vêse o Monte da Adema, na altura dos irmãos Gémeos Palhas e, do outro lado, um pouco a seguir, um outro monte de um primo destes, de nome António Palhas.

1 Foi vila e sede de concelho entre 1395 e 1836. Foi fundada, ao que parece, pelos cavaleiros da Ordem Militar de São Bento de Avis, em data incerta.

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Os Gémeos tinham manadas de gado bravo, cujos touros eram destinados às corridas, tanto em Portugal como noutros países, como Espanha e França. Mas mais em Espanha. Falávamos atrás do tio Joanito Amélio, o industrial de tijolos e telha de canudo. Mas, será correto dizer que este senhor, antes de dar início a esta atividade, foi agricultor na Companhia das Lezírias do Tejo e Sado, no Ribatejo, zona situada entre Samora Correia e Alcochete, uma localidade com o nome de Poceirão. No início da década de 40 muitos homens de Cabeção e de outras localidades alentejanas vieram para estas terras com as suas famílias, no caso do tio Joanito, já casado com Marianita Carrasco e pai três filhos; dois rapazes e uma rapariga, Jonas Amélio, Jakline Marta e Joselito Amélio, nascidos respetivamente em 1923, 1930 e 1934. Aqui, nasceulhe, em 1936, mais uma filha, de nome Lalita Carrasco dos Cantos. Infelizmente, destes quatro irmãos, só está vivo o Joselito Amélio. E que se mantenha por muitos e bons anos. O que veio o tio Joanito para aqui fazer? Como muitos outros de sua terra, e de outras localidades alentejanas, chegaram para fazer searas, arrendando terras àquela Companhia. Terras essas completamente incultas e com muito mato. Como se processava esse arrendamento: a) Cada candidato a seareiro arrendava os hectares de terra que pretendia cultivar; b) Contratavam os trabalhadores de que necessitavam para o cultivo das terras, normalmente, todos ou quase todos, de suas terras natal; 20


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c) A Companhia das Lezírias adiantava-lhes o dinheiro que julgavam necessário para adquirirem as sementes, desbravar e lavrar a terra, semear e, posteriormente, ceifar e debulhar o cereal; d) Depois da debulha, esta Companhia ficava com uma percentagem do cereal, normalmente, trigo, cevada, aveia e a colheita seguinte, milho; e) Do trigo e milho que lhes cabia, parte guardavamna para, sempre que necessário, levarem às azenhas, normalmente no vale de Santo Estêvão, Benavente, para obterem farinha para fabricar o pão que comiam até à próxima colheita. f) A parte sobrante vendiam-na.

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Por volta de 1944/1945, o tio Joanito Amélio, desiludido com a vida de seareiro, lembrando-se da sua atividade anterior (fazedor de tijolo e telha de canudo), por conhecimento não se sabe de quem, deslocou-se ao monte de um lavrador de Benavente, situado numa localidade do concelho, com o nome de Almada, e propôs-lhe o fabrico de tijolo e de telha. Acertaram o negócio, e logo começou a fabricar esse material destinado à construção. Aqui esteve cerca de três anos, rumando depois ao Monte da Adema, como acima se refere, a fim de exercer a mesma atividade. Como o conseguiu? Num outro Monte ali perto, numa herdade chamada de Paul da Vala, trabalhava um primo de sua mulher, de nome Aniceto Barbosa, que lhe indicou 21


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como se devia dirigir aos donos do Monte da Adema e oferecer os seus préstimos, como fazedor de tijolo e telha de canudo. Assim fez. Um dia, quando soube que estes senhores Gémeos Palhas estavam no Monte (estes moravam em Castanheira do Ribatejo), foi ter com eles e propôs-lhe o negócio de fazer os tijolos e telhas. Eles disseram-lhe: «Ó senhor Joaquim, mas onde é que o senhor vai buscar o barro para fazer os tijolos?». O tio Joanito respondeu: «Vamos lá acertar. Os senhores pagam-me 150$00 o milheiro e dãome a lenha para o forno». Chegaram a acordo, e o senhor Joanito Amélio numa das barreiras abriu um buraco e fez o forno, no qual cozeu milhares de tijolos e telhas, com que os senhores Palhas construíram todos os edifícios que se avistam da estrada que vai de Samora Correia para Alcochete. Para o efeito, mandou vir pessoal de Cabeção para trabalhar no telheiro. Este senhor era uma pessoa muito honesta. Senão vejase: alguns tijolos, quando saíam do forno, vinham partidos, contudo, o tio Joanito punha-os de parte e não os cobrava aos proprietários do terreno. A certa altura, disseram-lhe: «Ó tio Joanito, então faz as despesas e não quer receber?» Ele respondeu: «Os senhores pagam-me tijolos inteiros e não partidos». Mas, veja-se, estes bocados de tijolos eram levados para as obras e eram consumidos. Esta honestidade excessiva contribuiu para que nunca tivesse saído da cepa torta, muitas das vezes censurado pela sua companheira de toda a vida e mãe dos seus seis filhos. Na altura, estavam quatro vivos e dois mortos. 22


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Depois, acabando o fabrico de tijolo e da telha, o senhor Joanito Amélio dedicou-se à agricultura, nas terras destes lavradores, cultivando arroz à sociedade com um seu amigo de Marinhais. Viviam com ele, e com a tia Marianita, dois dos seus filhos: o Joselito Amélio e a Lalita dos Cantos. O rapaz era guardador de vacas bravas e de touros, e o seu maioral era o senhor António Barrocas, de Benavente. Na primavera faziam as tentas das novilhas (na praça eram picadas como fazem os toureios a cavalo em Espanha), isto para ver se eram de facto bravas e se podiam vir a ser reprodutoras. Se não fossem um certo número de vezes ao cavalo para serem picadas, eram abatidas. A Lalita trabalhava no prédio dos senhores com uma outra senhora, de nome Eufémia, que era a criada. Além das tentas, também faziam outros festejos, como, por exemplo, a caça às lebres com cavalos e cães galgos. O Joselito Amélio, convivendo com estas artes taurinas, meteu-se-lhe na cabeça que também havia de ser toureiro, pois, ali viu toureiros de renome, como o Diamantino Viseu e o Manuel dos Santos. Mas não foi. Depois de levar grandes sovas das garraias, chegou à conclusão que teria de arranjar outro ofício. E assim fez. Aos dezasseis anos, trazido pelo seu irmão Jonas Amélito, vem para Lisboa, para a fábrica Águia, distribuir rebuçados pela cidade. Como só tinha a terceira classe, fez a quarta na Promotora e foi para a Escola Ferreira Borges tirar o curso comercial.

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Percurso de Vida de Joselito Amélio

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Na altura, com cerca de dez/onze anos, Joselito Amélio tinha muita vontade de aprender a ler. Quando esteve no Monte de Almada, sem os seus pais saberem, procurou uma senhora que, embora não fosse professora, ensinava crianças a ler. Pediu-lhe se também podia ir para lá. A senhora disselhe que sim, e ele passou a assistir às aulas. Foi aqui que aprendeu as primeiras letras e ganhou o primeiro dinheiro a guardar carneiros, 2$50 (dois escudos e cinquenta centavos) por dia. No Monte da Adema, o seu pai, no verão, governava a vida a fazer tijolo e telha de canudo, contratando, para o efeito, homens de Cabeção. No inverno, ocupava-se no cultivo de searas de arroz e, quando necessitavam dos seus serviços, trabalhava para os «Meninos Palhas». Era assim que eram tratados. Foi daqui que os seus filhos Joselito Amélio e Lalita dos Cantos passaram a ir à escola. No primeiro ano, foram para Catapereiro, a cerca de 7 km e, no ano seguinte, para Samora Correia, sensivelmente à mesma distância. 25


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Quer chovesse quer fizesse vento, os dois manos lá faziam estes percursos de ida e volta. O Joselito fez o exame da terceira classe, e a Lalita passou para a segunda classe. Aqui o Joselito guardou manadas de vacas e touros bravos e conviveu com os maiores toureiros da época, que lá iam às tentas das novilhas bravas. Esta seleção era feita pelos lavradores todos os anos, na primavera, normalmente, em abril ou maio. Joselito meteu na cabeça de que havia de ser toureiro. Daí, nas citadas tentas, quando largavam uma vaca para os praticantes de toureio se treinarem, logo ele saltava para a arena com uma capa nas mãos, e, sem o bicho, começava a delinear passes de diversos tipos, como chicuelinas e doble, ouvindo muitos aplausos dos espetadores que normalmente assistiam. Quando o «bicho» saía para a arena e encarava o aprendiz de toureiro é que era o fim dos trabalhos! Ou desenrascava-se com a capa ou levava um «arraial de porrada», o que aconteceu por várias vezes. Como ajudante do maioral das vacas dos lavradores Carlos e Francisco Palha Blanco (Gémeos), esteve, pelo menos duas vezes, durante três meses na Escola de Tiro, a guardar a manada que para lá ia pastar. De quinze em quinze dias, vinha ao Monte da Adema, montado no cavalo do maioral, buscar o avio semanal para cada um. Uma dessas vezes, montado no cavalo, viu um bezerrinho das vacas da Companhia das Lezírias deitado atrás de uma mouta, e, o que lhe havia de dar na cabeça: apeou-se, pegou no bezerro e rachou-lhe as orelhas, como se fazia ao gado bravo dos Palhas. Vai lá vai! Quando se apercebeu, vinha a 26


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mãe do bezerrinho a berrar e a correr direita ao filho, dando pouco tempo ao Joselito para se montar no cavalo e pôr-se na alheta em grande velocidade. Mais uma do aficionado de encomenda! Uma outra vez, quando à noite vinha com a manada para a cerca de arame farpado onde pernoitava, um bezerrinho, que estava deitado atrás de uma mouta, começa a berrar direito à manada, eis senão quando, a sua mãe, ao ouvir os berros do filho, sai direta a ele, passando junto ao Joselito que, em ato contínuo, a vê e atira-lhe com uma machadita, que costumava trazer para se ir entretendo a limpar sobreiritos que encontrava no terreno. O machado deu-lhe nos cornos, e a vaca lá foi direitinha ao seu filho, passando o perigo. Durante o tempo que esteve no Monte da Adema, nas valas das várzeas da Herdade dos Gémeos Palhas, o Joselito, para passar o seu tempo, dedicava-se à pesca de enguias, usando para o efeito o remolhão. E o que é o remolhão? O remolhão é composto por um elevado número de minhocas apanhadas nas terras húmidas dos vales e enfiadas numa linha, daquelas usadas pelas mulheres para coserem a roupa. Ata-se com cordel a uma cana e lança-se à água, aguardando-se que as enguias piquem. Assim que se sinta a picada, puxa-se, de repente, para terra. Por vezes, a enguia fica presa pelos dentes na linha do remolhão, e a pesca é consumada. Por vezes, o Joselito fazia boas pescarias. 27


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