Histórias da “Periferia”

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Por despacho ministerial de 23 de Junho de 1975, e sem prejuízo de diplomas legais previstos para promulgação posterior, designadamente sobre reestruturação das carreiras médicas, foi instituído o serviço médico na periferia para os médicos que, tendo terminado o internato de policlínica, desejassem prosseguir na carreira médica, o qual consiste na prestação obrigatória de um ano de serviço a nível concelhio ou local. A experiência do primeiro ano de serviço médico na periferia revelou-se extremamente positiva, na medida em que contribuiu para a resolução de algumas deficiências de cobertura sanitária que não têm podido ser supridas através de médicos residentes, atentas as carências que neste domínio se evidenciam. ……………………………………………………………………… Nestes termos: C

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Usando da faculdade conferida pelo artigo 3.º, n.º 1, alínea 3), da Lei Constitucional n.º 6/75, de 26 de Março, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte: Art. 1.º Os médicos que hajam obtido a sua licenciatura depois de 1 de Janeiro de 1973 e que desejem seguir a carreira médica devem prestar um ano de serviço na periferia, após terem concluído o respectivo internato de policlínica. Art. 2.º O exercício do ano de serviço médico na periferia faz parte integrante das carreiras médicas, constituindo condição necessária para a admissão ao internato de especialidades e a concursos para os quadros das instituições públicas de saúde, incluindo os serviços médico-sociais da Previdência.

O Serviço Nacional de Saúde é, sem dúvida, uma das mais importantes conquistas da revolução do 25 de Abril. Mas, o que em grande medida contribuiu para a sua implementação foi o Serviço Médico à Periferia (SMP), criado em 1975 e terminado em 1982. Esta medida, obrigatória para todos os médicos que, concluído o seu internato geral, pretendessem obter uma especialização, levou-os a sair dos centros urbanos e, durante cerca de um ano, trabalhar num hospital concelho, na “Periferia”. E foi assim que a saúde, até então quase inacessível a grande parte da população, se tornou próxima e gratuita para todos. Foi na realidade uma verdadeira Revolução. Este livro não é um estudo sociológico sobre o SMP, mas sim uma colectânea de memórias daqueles que, em 1978, partiram de Lisboa para diversos locais do continente e ilhas e que aqui recordam, para memória futura, as aventuras e desventuras desse tempo que a todos marcou e deixou saudades. Nas linhas e entrelinhas destas histórias, umas mais divertidas, outras mais trágicas, desenha-se o país real que encontraram nessa época e retratam-se as dificuldades, o convívio e a amizade que os aproximaram e os ligaram às pessoas que tão calorosamente os acolheram.

Art. 3.º O regulamento do serviço médico na periferia constará de normas a aprovar por despacho do Secretário de Estado da Saúde. Visto e aprovado em Conselho de Ministros. Vasco Fernando Leote de Almeida e Costa, Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete. Promulgado em 8 de Julho de 1976. Publique-se. O Presidente da República, FRANCISCO DA COSTA GOMES.

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HISTÓRIAS DA “PERIFERIA” Na origem do Serviço Nacional de Saúde

Decreto-Lei n.º 580/76 de 21 de Julho

HISTÓRIAS DA “PERIFERIA” Na origem do Serviço Nacional de Saúde

CO-AUTORES Alberto Mello e Silva Amélia Ferreira Armando Sena Cristina Catita Fernanda Torgal Garcia Fernando Guerra Fernando Nolasco Filomeno Paulo Gomes Hernani Pinheiranda Inês Nolasco Isabel Ribeiro Jaime Nina João Meira e Cruz João Paço João Sá José Ferro José Pimentel Maria Antónia Fonseca Maria da Graça Freitas Victor Ágoas

Coordenação de Isabel Silva Ribeiro Prefácio de Manuel Abecasis


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Histórias da “Periferia”

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Na origem do Serviço Nacional de Saúde


título:

Histórias da “Periferia” – Na Origem do Serviço Nacional de Saúde Mello e Silva, Amélia Ferreira, Armando Sena, Cristina Catita, Fernanda Torgal Garcia, Fernando Guerra, Fernando Nolasco, Filomeno Paulo Gomes, Hernani Pinheiranda, Inês Nolasco, Isabel Ribeiro, Jaime Nina, João Meira e Cruz, João Paço, João Sá, José Ferro, José Pimentel, Maria Antónia Fonseca, Maria da Graça Freitas, Victor Ágoas coordenação: Isabel Silva Ribeiro edição gráfica: Edições Párténon®

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co-autores: Alberto

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1.ª edição Lisboa, dezembro 2019

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Patrícia Espinha Quadro “Horizontes” de autoria da Dr.ª Fernanda Torgal Garcia arranjo de capa: Ângela Espinha paginação: Paulo S. Resende revisão:

isbn:

978­‑989-8845-31-3 462731/19

depósito legal:

© Isabel Silva Ribeiro

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publicação:

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Histórias da “Periferia”

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Na origem do Serviço Nacional de Saúde


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Nota Introdutória

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Portugal, nas décadas anteriores à revolução de Abril de 1974, era um país com grandes assimetrias económicas e sociais e o acesso à saúde era muito deficitário, particularmente nas zonas rurais, onde os médicos “João Semana”, por vezes com enormes dificuldades e sacrifícios, tentavam a todos acudir. A assistência durante a gravidez e no parto, realizado geralmente no domicílio, era assegurada essencialmente por parteiras ou “curiosas” e a taxa de mortalidade perinatal era muito elevada. A saúde era para quem a podia pagar, não existindo uma rede organizada de cuidados primários. Os hospitais concelhios pertenciam à Misericórdia, que cumpria em larga medida o papel que caberia ao Estado, mas careciam, na maioria, de meios técnicos e humanos que lhes permitissem assegurar todos os cuidados de que a população necessitava. Após o 25 de Abril assistimos a uma verdadeira revolução nos conceitos e nas políticas de saúde. O Estado passou a assumir o dever de principal prestador dos cuidados de saúde e gradualmente foram-se nacionalizando os hospitais da Misericórdia, que passaram a integrar a rede hospitalar pública, criando igualmente Centros de Saúde em todas as freguesias do País, com a vocação de assegurar a Saúde Pública e Escolar assim como a Assistência Materno-Infantil. Na formação dos médicos também se assistiu a uma profunda mudança, motivada pelos novos conceitos, mas também pelo elevado número de médicos que se formaram naquela época. Durante o obrigatório período tutelado de dois anos de Internato de Policlínica, em que aprendíamos nos Serviços de Medicina Interna, Cirurgia Geral, Obstetrícia e Pediatria, foi introduzido um estágio de Saúde Pública. Durante cerca de três meses e, após uma curta formação na Escola Superior de Saúde Pública, fomos trabalhar para um Centro de Saúde fora dos grandes centros. Em Junho de 1975 foi criado, o Serviço Médico à Periferia (SMP). No Decreto-Lei que posteriormente o regulamentou, estabelecia-se a obrigatoriedade de prestação de serviço num hospital concelhio, da “periferia”, para todos os médicos que, após terminarem o Internato de Policlínica, pretendessem ingressar no Internato da Especialidade, num hospital central.


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Esta lei foi no geral bem aceite pelos jovens médicos, apesar dos sacrifícios que a muitos obrigava, particularmente a quem já tinha casado e tinha filhos e que assim teriam a sua família dividida, durante meses. Assim nos dispusemos a partir para esta grande aventura, organizando-nos em grupos de acordo com as amizades e afinidades, oferecendo-se uns para determinado local, outros “sorteados” para regiões mais distantes e menos apetecidas. Foi um período de inúmeras reuniões e tensões emocionais, pois as modificações nas nossas vidas eram importantes, particularmente para os que tiveram de ir para as ilhas. Na maioria dos concelhos encontrámos uma população geralmente pobre, sem instrução, vivendo muitas vezes em más condições e isolada, pois estradas havia poucas, o transporte público era escasso e o particular inexistente. Foi um período muito enriquecedor a todos os níveis, em que nos deparámos com situações que, pela primeira vez, teríamos de resolver sem o apoio de médicos mais experientes, ajudando-nos mutuamente, debatendo em conjunto os casos mais difíceis, ganhando experiência e confiança. As pessoas receberam-nos de braços abertos, apesar da possível desconfiança inicial, ao serem consultadas por médicos tão jovens. Valia-nos a ligação ao hospital central, nossa “casa-mãe”, onde buscávamos apoio e para onde transferíamos os doentes com situações mais complexas. Em 1976 partiu o primeiro grupo de médicos, verdadeiros pioneiros desta epopeia, que de Norte a Sul, do Continente até às Ilhas levou pela primeira vez a toda a população, cuidados médicos, gratuitos. Esta prática e os conceitos subjacentes foram definitivamente estabelecidos em 1979, por António Arnaut com a criação do Serviço Nacional de Saúde, universal e gratuito, que apesar de todas as dificuldades e contingências, continua a ser o nosso orgulho, conscientes do papel que nele tivemos. O Serviço Médico à Periferia foi extinto em 1982, com o estabelecimento da Carreira de Clínica Geral, que assegura os cuidados primários de proximidade. Ao longo dos anos, Portugal mudou muito, o desenvolvimento e as acessibilidades da “Província” são notórios, assim como a generalizada melhoria dos cuidados de saúde. Mas talvez aos médicos actuais, formados nos grandes centros lhes fosse útil este contacto com um país real… para nós foi-nos sem dúvida e a todos deixou marcadas recordações.


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A nossa experiência como jovens médicos trabalhando pela primeira vez sem tutela, em hospitais concelhios, com poucos recursos, merece ficar registada para memória dos que nela participaram e para conhecimento dos que nunca a viveram. O Serviço Médico à Periferia – SMP – foi um marco importante na criação do Serviço Nacional de Saúde e seguramente na nossa formação clínica e humana. Este livro não pretende ser um estudo sobre o SMP, mas apenas uma recolha de histórias por nós vividas durante esse ano de 1978, sendo o nosso o terceiro curso a partir para a “periferia”. Partimos cheios de entusiamo e de ideais, mas também apreensivos pela nossa inexperiência e com a consciência de que estaríamos muitas vezes sós, perante situações graves e complexas. Vivemos um ano cheio de experiências a todos os níveis, boas e más, mas sempre diferentes da nossa vida citadina e “protegida”. Acertámos e errámos diagnósticos e tratamentos, criámos e inspirámos confiança em nós próprios, apoiámo-nos uns aos outros, sedimentaram-se amizades, fizeram-se… e desfizeram-se… casamentos, filhos nasceram e cresceram nesses meses. Alguns dos colegas, infelizmente, perderam a vida nesse ano, por doença ou em acidentes de viação. Voltámos mais ricos de vida e de humanismo e seguramente mais “Médicos”. Estas são algumas das memórias que queremos transmitir – nós, os médicos que se formaram em Lisboa no ano de 1975. Dos que começaram connosco esta longa viagem desde a faculdade, muitos já não estão entre nós… deles ficará para sempre a saudade e a recordação da sua amizade e companheirismo.

A Coordenadora, Isabel Ribeiro


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Agradecimentos A todos os colegas que colaboraram neste livro cuja venda reverterá para a Associação Portuguesa contra a Leucemia.

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Ao “Sítio do Livro” que acolheu o projecto de divulgação da experiência pessoal dos médicos no Serviço Médico à Periferia.

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Às pessoas deste País, que tão calorosamente nos acolheram e que em nós confiaram, fazendo-nos sentir verdadeiramente “Médicos”.


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Prefácio

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Será que alguém lê o prefácio de um livro? Confesso que durante muitos anos nunca o fiz e, posteriormente, passei a lê-lo depois de o ter terminado, sobretudo se tinha gostado da leitura porque era uma maneira de o recordar… A minha experiência como escritor de prefácios é limitada embora este seja já o segundo que tenho o gosto e a honra de fazer a pedido da Isabel, para um livro por ela coordenado. Neste “Histórias da Periferia” a Isabel conseguiu reunir um conjunto de textos, testemunhos de 17 colegas que nos fazem viver o que foi fazer a periferia. Digo 17 e não 20 colegas atendendo a que 2 relatam a sua passagem pelo serviço militar (que surpreendentemente se enquadra muito bem na narrativa) e um dos textos da periferia ter sido escrito pela Inês Nolasco, certamente com o contributo do Fernando. Cumpri esta missão de “prefaciador” num domingo à tarde (nada a ver com o romance homónimo do Fernando Namora, onde relata uma vivência no Instituto Português de Oncologia, por coincidência meu local de trabalho), obedecendo à Isabel que, na véspera à noite, me ligou dizendo:” tens de escrever até amanhã, é uma exigência do editor”. Recebi seguidamente, por via electrónica, as provas do livro e passei algumas horas a ler, confesso que com alguma emoção e saudosismo (fiz a periferia em 1977) os testemunhos de colegas, alguns dos quais meus amigos de longa data como é a Isabel. A Isabel tem-se revelado uma perita em conseguir dinamizar e reunir os escritos de colegas; foi assim no livro “Hematologia e outras especialidades” e no “África, médicos e memórias”, este ultimo acompanhado de uma exposição na Sociedade de Geografia de Lisboa que tive o gosto de visitar, em visita guiada pela coordenadora. Agora com “Histórias da Periferia” completa-se uma trilogia que enriquece a história da medicina portuguesa: da relação da sua especialidade (Hematologia) com outros saberes médicos, da experiência africana, quer no combate às doenças endémicas, na implementação de cuidados de saúde e

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de Faculdades de Medicina, quer durante a guerra, e, agora, neste livro, dos tempos da periferia. Estas 2 últimas pertencem ao passado e, em boa hora, foram convertidas em escritos antes de se perderem na memória dos tempos. A urgência do pedido que me foi feito não foi compatível com uma leitura atenta de todos os testemunhos que compõem estas memórias, optei antes por um rápido “scroll” dos diversos escritos, retendo pormenores que me despertaram a atenção. Há, no entanto, um fio condutor em todos eles: a insegurança por todos sentida no inicio, a progressiva adaptação às circunstâncias pontuada de histórias picarescas, o sentimento da mais valia que a sua presença trazia às populações, o acolhimento caloroso que encontraram e a memória de terem contribuído para o bem daqueles com quem conviveram e entre os quais exerceram a verdadeiramente a nobre função da medicina, despida de preconceitos e interesses, que a sua então “imberbe” situação isentava. A minha experiência na periferia, vivida como atrás referi, um ano antes desta agora aqui relatada, foi muito semelhante. Passada em 1977 na Madeira, exerci no grupo que “ficou” com a costa da ilha, em conjunto com colegas vindos do Porto, de Coimbra e, naturalmente, de Lisboa. Não conhecia a maioria e com alguns estabeleci laços de amizade que se mantêm vivos apesar das nossas vidas terem tomado rumos muito diferentes. Curiosamente, veio-me à memória um pequeno livro que comprei no Funchal em Maio de 1977, na “Camacho’s Maison Blanche” da autoria de um escritor russo Mikhail Bulgakov cujo titulo na altura me chamou a atenção: “A Country Doctor’s Notebook”. O livro impressionou-me na altura por alguma semelhança com a situação profissional que então vivíamos. O autor é um médico russo formado em Kiev destacado para a periferia, apanhado pelo turbilhão da revolução russa de 1917, e do prefácio (vejam bem!) destaco uma frase do seu autor Michael Glenny: “Nowadays it can only be in some of the remoter parts of the “third world” that total inexperienced young doctors find themselves entirely cut off from the outside world”. A nossa situação, como médicos à periferia não se revestia de tamanho dramatismo mas confesso que senti algum conforto com a leitura do livro… 14


Para terminar deixo aqui uma palavra de agradecimento à Isabel Ribeiro por mais este empreendimento, que calculo tenha envolvido muito trabalho e persistência, e a todos quantos colaboraram com as suas memórias para que este livro fosse possível.

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Manuel Abecasis

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Alberto Mello e Silva Alberto Manuel de Mello e Silva.

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Natural de Macau, é um exemplo vivo da diáspora portuguesa que percorreu um caminho inverso dos nossos antepassados “por mares já antes navegados”. Viveu e estudou em três continentes (Ásia, África, Europa).

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Nasceu em Macau, “Cidade do Santo Nome de Deus de Macau, Não Há Outra Mais Leal” (o único território de Portugal e além-mares que durante o domínio dos Filipes de Espanha, de 1580 a 1640, nunca hasteou outra bandeira que não a da monarquia portuguesa, até 1999, quando foi devolvido à China), onde viveu até aos 16 anos. Acompanhou os pais na mudança de residência para Luanda, dos 16 aos 23 anos, onde completou o ensino secundário e frequentou a Faculdade de Medicina de Luanda até finalizar o 5.º ano do curso em 1974. Desde então até à presente data, tornou-se alfacinha e “adoptou” Lisboa como a melhor cidade do mundo para viver. Em Lisboa completou o curso de Medicina no Hospital Santa Maria e aí permaneceu nos Internatos de Policlínica e das Especialidades de Medicina Interna e Cardiologia até 1989, ano em que pediu transferência para o Hospital de Egas Moniz em Lisboa onde exerceu funções até à sua aposentação da função pública a 31 de Outubro de 2018. É Assistente Graduado Sénior de Medicina (1999), foi Director do Serviço de Medicina do Hospital de Egas Moniz em Lisboa (2003-2018) e colaborou com a Faculdade de Medicina da NOVA Medical School de Lisboa (2012-2018) como Professor Auxiliar Convidado de Medicina.

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Interessou-se particularmente pela “prevenção cardiovascular”, foi Presidente da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose (2011-2018), e ainda é membro da Executive Committee for the Regional Federation for Europe of the International Atherosclerosis Society (2019-2021). Exerce prática clínica como Cardiologista nos Hospitais do Grupo Luz-Saúde (anteriormente Espírito Santo Saúde), nas Torres de Lisboa, Oeiras e Amadora. Espera ter mais tempo para ler para além dos “factores de risco cardiovascular”, viajar muito mais do que tem feito e, sobretudo, gozar a vida com os familiares e amigos.

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Azambuja é sede de município e, até 2004, o concelho da Azambuja fez parte da Área Metropolitana de Lisboa, passando então a integrar a Comunidade Urbana da Lezíria do Tejo. Apesar da proximidade de Lisboa (a distância em linha recta entre Lisboa e Azambuja é 45,34 km), em 1978, a partir da portagem da A1 de Sacavém era de facto “periferia do país”! A população da freguesia de Azambuja seria de cerca de 5000 a 6000 habitantes (segundo o Instituto Nacional de Estatística, 4520 em 1970 e 5860 em 1981), predominantemente idosa, que se animava no período das festas da cidade que incluíam uma largada de toiros e consequente trabalho suplementar para o Hospital de Azambuja (traumatismos por vezes graves, fracturas e sobretudo muita “bebedeira”…) O Hospital Concelhio da Azambuja integrava a lista dos hospitais para “casos especiais” aprovada em Reunião Geral de Alunos (RGA), para uma de duas situações: 1. Problemas de saúde dos próprios e/ou de familiares dependentes. 2. Os que iriam cumprir serviço militar obrigatório (SMO). Seria uma espécie de prémio de consolação para o duplo “castigo” – o serviço médico à periferia (SMP) acrescido do SMO.

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Eu cumpria os critérios do 2.º grupo – SMO na Força Aérea com incorporação prevista para Novembro de 1978, isto é, quase no término do SMP, acresceriam mais 12 ou 18 de SMO… Mas há eventos que só ocorrem uma vez na vida e mudam completamente os destinos. Dizem… Em meados de Setembro e já com mais de meio tempo decorrido do SMP, fui alertado por um dos colegas “azarados”, que também seria incorporado na Força Aérea (julgo que não ultrapassávamos uma dúzia), de que o meu nome não constava nos editais afixados! Lá fui ao malfadado Distrito de Recrutamento e Mobilização (DRM) de Lisboa na Avenida de Berna, onde tínhamos que nos deslocar para pedir uma licença militar para nos “ausentarmos para o estrangeiro”. Habitualmente éramos vistos com “maus olhos” pelos militares e alguns civis que trabalhavam 17


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no DRM de Lisboa. Fui, confesso com alguma apreensão, saber porque é que o meu nome não constava nos ditos editais. Fui atendido por um sargento cuja corpulência era maior do que a vitrina que me informou, “Passou à reserva territorial”. Estupefacto e ainda desconfiado, não fosse estar a decorrer um programa de “apanhados”, pedi para me esclarecer porque é que tinha passado à reserva territorial. Era um desaforo! Não cumprir o SMO e ainda por cima querer uma justificação?! O sargento já aos gritos comigo: “Vá-se embora e vá pagar a taxa militar”. Com esta resposta o diálogo terminou e fui aos pulos e a correr pelo DRM e só parei no dia seguinte numa secção do Ministério do Exército, perto da Estação de Santa Apolónia, para pagar a taxa militar no montante de 1.140$00 escudos (havia a possibilidade de fracionamento em várias prestações ou pagar numa só tranche). Era uma importância significativa de dinheiro para quem, à época, tinha um vencimento base de 11.700$00 escudos. A vantagem do pagamento único era nunca mais ter de voltar ao DRM na Avenida de Berna para novas licenças para me ausentar para o “estrangeiro”!

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Esta história só termina depois de vos contar porque é que tão tardiamente passei à reserva territorial. Os mancebos nascidos e submetidos à inspecção militar nas ex-Colónias ou Ultramar (designação à escolha do leitor(a) para ser política e socialmente correcto nos tempos de hoje) e que, posteriormente com o processo de descolonização, vieram para a Metrópole (leia-se Portugal continental) deviam passar automaticamente para a reserva territorial em termos de SMO. Motivo: eram “retornados” (mas eu nunca vivi em Portugal continental..., só em Macau, onde nasci, e depois em Luanda. Como poderia ser “retornado” – o que retorna de onde nunca partiu? Só se “contassem” com a minha estadia em Lisboa, no 1.º ano do Liceu Camões, extensão do Areeiro, em 1962/63, em gozo de “licença graciosa” com os meus pais, espécie de bónus atribuído aos “funcionários das ex-Colónias/ultramarinos”, proporcionando oportunidade para conhecerem a Metrópole, visitar familiares, etc.). É preciso lembrar que o PREC e o “Verão Quente” ainda estavam presentes nas nossas memórias recentes. No meu caso parece que tudo se deveu a um ou mais funcionário(s) do Ministério do Exército, que (in)competentemente não me colocaram no quadro dos que deviam transitar logo para a reserva territorial pelas justificações referidas. Este “erro” habilitou-me a ser sorteado para um dos hospitais de “casos especiais”, e conhecer outros colegas com quem partilhei o SMP. E a história da minha vida não seria seguramente a que foi… O SMP decorreu de 1 de Março de 1978 a 31 de Janeiro de 1979. Nas fotografias que se seguem estão alguns médicos que cumpriram o SMP no Hospital da Azambuja: –– O José Guilherme Jordão, falecido em 2003. Que saudades! –– As “manas Parreira” como lhes chamava com estima – a Leonor Parreira e a Isabel Câmara Pestana. –– O José Manuel Barbosa Queirós que foi incorporado no Exército em Março e pouco tempo esteve na Azambuja, e por isso não está nas fotografias Esta é a verdade dos factos e a “sorte” que me calhou!

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Primeira fotografia, da esquerda para a direita: Isabel Câmara Pestana, José Jordão, Leonor Parreira, Alberto Mello e Silva e… Filipa com dois anos, filha da Isabel

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Um caso de morte

Em 1978, data do SMP, a A1 terminava em Vila Franca de Xira/Carregado e estavam em curso obras para o prolongamento Carregado-Aveiras de Cima, que só ficaria concluído em 1980. Estas obras são o motivo para a primeira história – um caso de morte. O Hospital Concelhio da Azambuja, pertença da Misericórdia, foi nacionalizado após o 25 de Abril e quando iniciámos o SMP era um albergue/dormitório de casos sociais (como a história se repete hoje com outros contornos). As nossas actividades clínicas distribuíam-se por: Internamento (excepcional e de curta duração), Consulta Externa e assegurar um Serviço de Urgência em presença física durante 24 horas. Como éramos em número inferior aos 20


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dias de semana, as sextas-feiras e os fins de semana ficavam “descobertos”. Felizmente para os jovens médicos e para a população do concelho da Azambuja, o Hospital de Vila Franca de Xira, dotado de um excelente corpo clínico e disponível na ajuda aos colegas do SMP, ficava a uns curtos 20 km, o que muito tranquilizou quem exercia clínica na Azambuja. Para facilitar esta interacção Hospital da Azambuja-Hospital de Vila Franca de Xira, o nosso colega do SMP, José Queirós, tinha cumprido o Internato Policlínico no Hospital Vila Franca de Xira e os colegas do Internato Policlínico do 2.º ano (P2) em estágio de Saúde Pública no Hospital de Azambuja, também eram oriundos do Hospital de Vila Franca de Xira. Em resumo, um SMP tranquilo, com deslocações casa/hospital, de ida/ volta de pouco mais de uma hora, dormidas nas nossas residências todos os dias à excepção do “tal” dia de Banco. Para memória futura, tenho que vos contar que no início do nosso SMP tivemos de enfrentar uma Comissão Integradora dos Serviços de Saúde Locais (CISSL) que englobava elementos da comunidade local fortemente politizada e que se preparava para gerir a nossa actividade clínica por todo o concelho da Azambuja… Ainda tivemos algumas reuniões “agitadas” com a CISSL local, onde pontuavam um professor que constituía a “ala moderada” e um autarca, a “ala dura”. Recordo-me da última reunião que se realizou à noite, no Hospital da Azambuja, onde, depois de vários “desencontros” de como implementar o SMP no concelho da Azambuja, o José Guilherme Jordão com a sua capacidade de diálogo e “charme” pessoal convenceu a CISSL a entregar a gestão da actividade clínica aos médicos! Uma homenagem ao José Guilherme Jordão. Um obrigado e até sempre. Agora que estão “contextualizados”, aqui vai finalmente a primeira história Estava eu de Banco (como na anedota da guerra do Raúl Solnado), almoçando na cozinha/copa do hospital com as “manas” Parreiras, o José Jordão, desfrutando dos sabores da cozinheira Cesaltina que para não variar e como acontece com todas boas cozinheiras de meios não citadinos à época, são de porte “1 m3” (1 m de altura/1 m de largura/1 m de profundidade), quando entra de rompante a Delegada de Saúde, em pânico, pedindo a nossa colaboração porque tinha acontecido um acidente trágico nas obras da auto-estrada 21


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Carregado-Aveiras (Nota: a A1 Lisboa-Porto só foi concluída numa sexta-feira, 13 de Setembro de 1991, com a abertura do último troço do nó em Condeixa, ao quilómetro 180, uma via que tinha começado a ser construída em 1961!). A Delegada de Saúde estava na pré-reforma e era proprietária de um vasto património familiar no concelho da Azambuja, e por isso mais preocupada em preservar os bens familiares e muito desfasada da prática clínica. Antes que tivesse um colapso, todos os olhares dos comensais convergiram para o Médico que estava nesse dia de serviço – o Alberto, que entre garfadas de arroz (a cozinheira Cesaltina já se inteirara dos gostos e preferências dos “senhores doutores” e no dia de Banco os cuidados eram redobrados para o Médico escalado, o que no meu caso era muito fácil – sempre arroz a acompanhar o prato principal para satisfazer as minhas origens orientais made in Macau). Foi nessa altura que me ocorreu que só tinha verificado óbitos em doentes internados no Hospital Santa Maria, quase sempre durante uma Urgência Interna e após escrutínio das Enfermeiras, muitas vezes com mais curricula de certificação de óbitos do que eu, e/ou a mando do Chefe, que raramente deveria ser incomodado com uma tarefa minor como supervisionar um óbito intra-hospitalar! Entre a angústia de “o que irei fazer?” e os últimos bagos de arroz deglutidos à pressa, fui tranquilizado por um dos presentes (julgo que foi o José Jordão): “Alberto, só tens de dizer: pode remover o cadáver”. Lá segui mais aliviado no jipe da GNR, de bata, até ao local do trágico acidente. À chegada, o cenário com que me deparei: uma enorme máquina de terraplanagem, motoniveladora (o pneu era quase da minha altura), imobilizada no que viria a ser uma das futuras faixas de rodagem da A1 mas ainda em terra batida; os “mirones” a alguma distância de um corpo coberto por um lençol branco com o agente de autoridade da GNR na proximidade; e um homem só, sentado à sombra de uma árvore, que chorava copiosamente. Dirigi-me com convicção ao agente da autoridade e pedi para destapar o corpo de forma a confirmar o óbito. O agente da autoridade, depois de uma avaliação sumária do clínico que tinha pela frente, deve ter concluído que tinha muito mais curriculum do que eu nas funções ao que ia… Ainda tentou convencer-me a dispensar aquela tarefa incómoda, dizendo em surdina para 22


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que a “plateia” não percebesse qualquer hesitação ou menos competência do clínico: “Sr. Dr., está mesmo morto”, ao que respondi, “Sr. Guarda, tenho de confirmar o óbito” (Nota: não tinha cumprido o SMO e por isso não conhecia a graduação dos agentes de autoridade). Na verdade, o campo de visão era um lençol a cobrir uns membros inferiores com um par de calças desde os joelhos e um par de botas calçadas. “O Sr. Dr. manda!” e só faltou acrescentar, “E depois não diga que não avisei…”. Ao destapar o corpo, deparei-me com um cadáver com o tórax completamente esmagado, prensado, poupando a cabeça e abdómen (felizmente, apesar da morte ter ocorrido à mesma), dando a impressão de que a cabeça se tinha “desarticulado” do resto do corpo. O cadáver era do fiscal da obra que se tinha deslocado à hora de almoço para Aveiras para supervisionar o andamento dos trabalhos e tinha sido atropelado acidentalmente, numa manobra de marcha-atrás, pelo condutor que chorava solitariamente. Foi nessa altura que proferi, sem gaguejar: “Sr. Guarda, pode remover o cadáver”. Palavras mágicas proferidas e logo cumpridas. Dirigi-me de seguida ao desditoso condutor com algumas palavras de conforto e lá regressei no jipe da GNR ao Hospital da Azambuja, ainda a tempo de partilhar a minha experiência com os meus colegas antes de eles regressarem aos seus domicílios.

Um caso de vida

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Estava eu de Banco, a jantar (ainda se há-de investigar porque é que estes episódios acontecem com tanta frequência no período prandial…), sozinho, quando toca a campainha da porta do Hospital (o Hospital encerrava as portas após o pôr-do-sol não fosse algum incauto pensar que havia assistência médica 24h/dia, 365 dias/ano…). Ainda tive uma leve esperança de que fosse alguma visita familiar ou de amigos do pessoal em serviço no Hospital. Poucos minutos depois veio a “auxiliar” com ar um pouco preocupado: “Sr. Dr., os bombeiros de Aveiras trouxeram uma grávida que está deitada numa maca à entrada do hospital”, ao que respondi: “Porque é estão à porta do Hospital e não seguiram para o Hospital de Vila Franca de Xira?”. E lá segui caminho para a entrada, tentando adivinhar porque é que os bombeiros não 23


HI STÓ R I A S D A “ PE R IFER IA”

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tinham procedido de acordo com o que era habitual – as grávidas seguiam para o Hospital Vila Franca de Xira que distava apenas 20 km da Azambuja, e que oferecia condições de assistência clínica e de segurança para as grávidas, e sobretudo para os recém-nascidos, em caso de necessidade, que não se comparavam com as do Hospital de Azambuja, excepto… se já estivessem em trabalho de parto! Aí estalou um “clic” no meu espírito quase em simultâneo com o avistar do cenário com que me deparei à entrada do Hospital: uma maca no chão com uma grávida bastante “inquieta”, um pai que exalava um hálito a “oxidrilos” a cada tentativa de resposta às perguntas que lhe fazia. “Sr. Dr., estivemos o dia todo à espera dos bombeiros…”, ao que os bombeiros, também com o mesmo hálito ainda que menos intenso, ripostavam: “Sr. Dr., tivemos muito serviço e as estradas até Aveiras são más… e não fomos logo para Vila Franca de Xira porque se calhar vai nascer já!”. Acto seguinte, levanto o lençol que cobria grávida e só tive tempo de pedir e calçar umas luvas que por milagre a Enfermeira trouxe atempadamente e de “aparar” a criança que saiu em jacto para a maca plantada à entrada do Hospital, evitando assim um traumatismo craniano ao recém-nascido!!! Felizmente era um parto com apresentação cefálica e o recém-nascido chorou logo e com muita vitalidade. Uf! Como nos filmes e telenovelas! O resto do parto com expulsão da placenta e o corte do cordão umbilical foram concluídos num dos gabinetes de consulta do Hospital. Confesso que o transporte da puérpera e do recém-nascido desde a entrada do Hospital até ao gabinete de consulta foi épico! A puérpera com o recém-nascido encaixados na maca, eu com Enfermeira e a Auxiliar a conduzir a maca, o cortejo que incluía o pai e os bombeiros aos “S” pelo corredor, num esforço final para entrarem todos (escrevo todos, porque não havia mais ninguém no Hospital…), de uma só vez no gabinete de consulta! Concluído o parto, telefonei para o Hospital de Vila Franca de Xira que aceitou receber a puérpera e o recém-nascido e lá seguiram, com a promessa da família de fazer uma visita ao Hospital da Azambuja, após alta hospitalar, para eu me certificar de que tudo tinha “corrido bem”. Cumpriram a promessa.

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AL B E RTO ME L L O E S I LVA

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Notas adicionais à história: –– O parto ocorreu em Janeiro de 1979, num dos meus últimos Bancos do SMP. –– Não me lembro se o recém-nascido era do sexo masculino ou feminino… –– Tinha pânico de “fazer” um parto no SMP e para me precaver optei por fazer o estágio de Obstetrícia na Maternidade Alfredo da Costa, onde adquiri uma razoável confiança para os partos eutócicos. Mas dispensava a confirmação das credenciais durante o SMP… para bem das grávidas e dos recém-nascidos. –– Com a nacionalização do Hospital da Azambuja após o 25 de Abril, cessaram os “nascimentos” no hospital do concelho passando a ser realizados no Hospital de Vila Franca de Xira. Por isso não havia assentos de nascimentos no concelho da Azambuja, exceptuando os eventuais e raros partos no domicílio. Por esse facto contribuí para a não extinção dos “born in Azambuja”! –– No dia seguinte ao Banco, deliciei-me a contar aos meus colegas, “tim-tim por tim-tim”, o evento da véspera com a minha moral em alta.

Notas Finais

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Há outras histórias e relatos que ficam para mim. Após o SMP, pensava que a “vida” pouco mais podia ensinar… Enganei-me! Mas sinto que o SMP foi um importante contributo para a construção do caminho que palmilhei como Médico e como pessoa, e que já vai sendo longo… Termino citando H. Jackson Brown Jr.: “Sucesso é conseguirmos tudo aquilo que desejamos. Felicidade é gostarmos daquilo que conseguimos.” Esforço-me por ser feliz…

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