Uma viagem pelos monstros

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Sérgio Mangas Da época clássica aos nossos dias

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Uma viagem pelos monstros Da ĂŠpoca clĂĄssica aos nossos dias


REVISÃO: Patrícia Espinha PAGINAÇÃO: Susana Soares CAPA: Ângela Espinha 1.ª EDIÇÃO, Lisboa janeiro, 2020

© Sérgio Mangas

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ISBN: 978-989-8867-77-3 DEPÓSITO LEGAL: 464497/19

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TÍTULO: Uma viagem pelos monstros - Da época clássica aos nossos dias AUTOR: Sérgio Mangas EDIÇÃO GRÁFICA: edições ex-Libris® (Chancela Sítio do Livro)

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Todos os direitos de propriedade reservados, em conformidade com a legislação vigente. A reprodução, a digitalização ou a divulgação, por qualquer meio, não autorizadas, de partes do conteúdo desta obra ou do seu todo constituem delito penal e estão sujeitas às sanções previstas na Lei.

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ÍNDICE

1 Introdução .................................................................................. 11 2 A exclusão do monstro durante a Época Clássica ................. 17

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3 O estatuto maldito da sexualidade feminina ou a caça às bruxas ..................................................................................... 25 4 O discurso sobre a loucura ou a razão normalizadora ......... 33

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5 Conclusão ................................................................................... 39


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1.INTRODUÇÃO


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Os monstros que serão aqui referidos e analisados não são os da teratologia. Enquanto a teratologia pretende fazer o inventário e a descrição das formas ditas monstruosas que a natureza oferece, o nosso estudo não esta interessado em classificar e descrever as aberrações e deformações que aquela ciência, de resto recente (ela só aparece com pretensões cientificas a partir do séc. XIX com Geoffrey Saint-Hilaire e o seu filho Isidore), procura encontrar tanto no reino animal como no reino vegetal. O nosso trabalho pretende, antes de mais, debruçar-se sobre monstros que a natureza nunca produziu, mas que povoam e ocupam a cabeça e os dias dos homens. Falar de monstros numa cadeira de Filosofia Moderna parece apresentar uma dupla dificuldade: primeiro, porque o tema parece destituído de valor filosófico, segundo, porque os monstros parecem desaparecer durante a Época Clássica. Veremos que não é bem assim. Na verdade, a partir do Renascimento até ao Século das Luzes os monstros vão estar rodeados por um clima de suspeita, de cuidados desmedidos e proibições que os irão definir e

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separar do homem, a saber: a exclusão dos monstros da arte, o estatuto maldito da sexualidade feminina ou a caça às bruxas e, finalmente, o discurso sobre a loucura ou a razão normalizadora.

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Antes de avançar tentaremos apresentar os traços mais característicos que poderão definir o monstro. Se nos dermos ao trabalho de consultar um dicionário depressa verificamos que as várias acepções do termo nos dizem tratar-se de um ser que apresenta configuração contrária às leis da natureza, de um ser disforme e aberrante, de um animal de grandeza extraordinária, de um ente fantástico da mitologia ou das lendas, ou ainda de uma pessoa muito feia, perversa ou desnaturada. Etimologicamente o termo parece remeter inicialmente para uma dimensão religiosa, indicando um prodígio ou um presságio que encarnado num ser sobrenatural anunciava a vontade dos deuses, mais tarde terá perdido este sentido oracular adquirindo um outro, o de um ser que se mostra e exibe a sua diferença. Com efeito, a figura do monstro faz-se acompanhar por uma certa ideia moral. O monstro é feio e disforme, mas igualmente mau e cruel, e nem o mito da Bela e o Monstro nos conseguiu convencer do contrário. Formas e imagens que trazem agarradas a si um conjunto de comportamentos que a cultura ocidental constituiu e cristalizou através de complexos meandros e mecanismos. Formas e imagens que ainda hoje permanecem e nos inquietam. Todavia, outras definições da figura do monstro se impõem. Para definir o monstro na arte tomaremos de empréstimo, se bem que a título provisório, a noção de forma m introduzida por Gilbert Lascault na sua obra intitulada Le Monstre dans 1’Art Occidental. Por forma m entende Lascault toda a forma que não é retirada dessa região constituída pelo conjunto das formas que pretendem imitar a natureza (mimesis), nem por essa outra 12


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região habitada por formas abstractas e, portanto, não figurativas. Com a forma m a obra de arte instaura a presença de um ser que parece ter o mesmo tipo de existência das formas que reproduzem o real, mas que na verdade dele se separam radicalmente, porque toda a forma m é um desvio e uma ruptura face à natureza1. Para Lascault o monstro na arte passa necessariamente por uma lógica da representação, fazendo da visão o órgão privilegiado de acesso ao reino dos monstros. O monstro exige um rosto e um corpo, a sua existência provém desse poder imagético que exibe e que simultaneamente é a sua condição de possibilidade.

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O que leva Lascault dizer:

“La forme m est un être montré, representé, figuré (dans les oeuvres plastiques), ou suggeré, figurable, representable (dans les oeuvres littéraires).”

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“Un être qui ne peut s’exprimer autrement que par des mots n’est pas une forme m.” (…)

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“Oeuvres non-figuratives, êtres verbeaux, être suggerés par une nomination en lanternois s’opposent aux formes m.” 2

Esta concepção retira toda a possibilidade de considerar a mónada uma forma m. Em suma, a forma m não é nem um ser puramente verbal e abstracto nem a reprodução fiel de monstros biológicos, já que destes se ocupa a teratologia. O monstro transforma-se,

1 LASCAULT, Gilbert, Le Monstre dans l’Art Occidental, Ed. Klincksieck, Paris,1973, pp.19-21. 2

Idem, pp.21-23

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então, num ser criado, produto de uma imaginação humana que mergulha as suas raízes no inconsciente. Tanto Lascault como Kappler, um outro especialista no que diz respeito a monstros, fizeram da psicanálise um precioso instrumento de trabalho e procuraram através dela os vínculos que existem entre uma imaginação produtora de formas monstruosas e um inconsciente atravessado pelo eterno conflito entre Eros e Thanatos.

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“S’il est vrai que le monstre exprime des pulsions fondamentales, it parait utile de déterminer celles-ci. Selon Freud, et bien d’autres après lui, nous sommes tout entiers livres a deux instincts contradictoires, Eros e Thanatos.”

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“Telle est bien la situation de 1’homme qui, en tirant de son imaginaire des monstres propres à devenir objects mythiques ou esthétiques, exprime Éros tout en le condamnant sous le sceau de la difformité le monstre est, dans une certaine mesure, une manifestation raisonnable (donc marquée par Thanatos) d’Eros.” 3

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Deste modo, a obra de arte dá lugar à epifania que torna como o lugar privilegiado onde o monstro se mostra, o mesmo é dizer, onde o inconsciente se manifesta e dá a ver o que de mais estranho e obscuro habita cada um de nós. Por isso, a criação de monstros pode não coincidir com as intenções do autor, ele é mais um produto involuntário que cumpre a sua função quando surpreende e perturba quem o olha.4

KAPPLER, Claude, Monstres, Demons et Merveilles a la Fin du Moyen Age, Ed. Pavot, Paris,1980, pp.259-260. 3

LASCAULT, Gilbert, Le Monstre dans l’Art Occidental, Ed. Klincksieck, Paris,1973, p.39

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2. A EXCLUSÃO DO MONSTRO DURANTE A ÉPOCA CLÁSSICA


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