Língua de Sinais Portuguesa

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LÍNGUA DE SINAIS PORTUGUESA

Este livro reúne dois capítulos que pretendem ser um contributo para o estudo da Língua Gestual Portuguesa, como é estatutariamente designada, ou Língua de Sinais Portuguesa (LSP), como foi proposto em estudos recentes. De entre outros aspetos, destacamos como relevante o facto de, neste livro, se apresentarem duas breves abordagens em torno de uma língua viva, dinâmica e em constante mudança. O idioma em causa carece ainda de estudos sistemáticos, logo, é de inestimável utilidade apresentar propostas científicas que ilustrem o seu funcionamento e contribuam para a sua disseminação e estatuto nos estudos linguísticos. Este volume contém, pois, perspetivas sobre duas áreas fundamentais da língua: a morfologia e a decifração da escrita. Assim, no primeiro capítulo apresenta-se uma síntese dos marcadores temporais em LSP a partir da observação de produções linguísticas não licitadas de dois nativos. Para além disso, trazem-se à colação outros marcadores temporais em outras línguas de sinais com o intuito de poder compreender melhor os fenómenos morfológicos ou sintáticos patentes na marcação de tempo nas línguas de modalidade visual. O segundo capítulo versa sobre uma das áreas em que, pelo menos em território nacional, há menos investigação, a escrita das línguas de sinais, neste caso o sistema SignWriting (SW). Neste texto, os autores aliam a decifração leitora à escrita das línguas visuais procurando compreender quais os pressupostos que norteiam a descodificação dos carateres do SW quer por aprendizes ouvintes, quer por aprendizes surdos. Neste capítulo, parte-se também do terreno, apresentando leituras de signos gestuais sem licitação prévia. Estas duas breves descrições de fenómenos da língua e da sua decifração pretendem ser um alicerce para estudos futuros que contribuam para a cada vez maior difusão da língua primeira da comunidade surda portuguesa, tencionando, em primeiro lugar despertar o interesse para profícuas investigações.

LÍNGUA DE SINAIS PORTUGUESA Estudos linguísticos sobre morfologia e SignWriting Isabel Sofia Calvário Correia Pedro Balaus Custódio Rafaela Cota da Silva



ISABEL SOFIA CALVÁRIO CORREIA PEDRO BALAUS CUSTÓDIO

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RAFAELA COTA DA SILVA

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Estudos Linguísticos sobre Morfologia e SignWriting

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FICHA TÉCNICA

capa: Ângela Espinha paginação: Alda Teixeira

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1.a Edição Lisboa, fevereiro 2021

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título: Língua de Sinais Portuguesa Estudos linguísticos sobre morfologia e SignWriting autores: Isabel Sofia C. Correia; Pedro Balaus Custódio; Rafaela Cota da Silva edição: Edições Ex-Libris ® (Chancela Sítio do Livro)

isbn: 978-989-9028-13-5 depósito legal: 478704/21

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© Isabel Sofia Calvário Correia Pedro Balaus Custódio Rafaela Cota da Silva

Todos os direitos de propriedade reservados, em conformidade com a legislação vigente. A reprodução, a digitalização ou a divulgação, por qualquer meio, não autorizadas, de partes do conteúdo desta obra ou do seu todo constituem delito penal e estão sujeitas às sanções previstas na Lei.

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Declinação de Responsabilidade: a titularidade plena dos Direitos Autorais desta obra pertence apenas ao(s) seu(s) autor(es), a quem incumbe exclusivamente toda a responsabilidade pelo seu conteúdo substantivo, textual ou gráfico, não podendo ser imputada, a qualquer título, ao Sítio do Livro, a sua autoria parcial ou total. Assim mesmo, quaisquer afirmações, declarações, conjeturas, relatos, eventuais inexatidões, conotações, interpretações, associações ou implicações constantes ou inerentes àquele conteúdo ou dele decorrentes são da exclusiva responsabilidade do(s) seu(s) autor(es).

publicação e comercialização:

www.sitiodolivro.pt publicar@sitiodolivro.pt (+351) 211 932 500.

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ÍNDICE

Nota dos autores. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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CAPÍTULO I – Marcação de Tempo Verbal em Língua

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1. Língua de sinais vs. língua gestual: implicações terminológicas . . . . . . .

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2. Breve descrição da LSP: querologia, morfologia e sintaxe . . . . . . . . . . .

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3. Marcação de tempo em Línguas de Sinais: LSP; LIBRAS; ASL. . . . . . .

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3.1. Metodologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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de Sinais Portuguesa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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3.3. Marcação de Presente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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3.4. Marcação do Passado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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3.5. Marcação do Futuro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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4. Discussão dos resultados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Conclusão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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3.2. Análise descritiva das produções dos informantes. . . . . . . . . . . . . .

Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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CAPÍTULO II – A decifração em SignWriting: breve abordagem . . . . . . . .

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1. A decifração: a porta de entrada na leitura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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2. Decifração nas Línguas Visuais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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3. Caracterização do sistema SignWriting . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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4. Discussão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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5. Conclusões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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NOTA DOS AUTORES

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Este livro reúne dois capítulos que pretendem ser um contributo para o estudo da Língua Gestual Portuguesa, como é estatutariamente designada, ou Língua de Sinais Portuguesa (LSP), como foi proposto em estudos recentes. De entre outros aspetos, destacamos como relevante o facto de, neste livro, se apresentarem duas breves abordagens em torno de uma língua viva, dinâmica e em constante mudança. O idioma em causa carece ainda de estudos sistemáticos, logo, é de inestimável utilidade apresentar propostas científicas que ilustrem o seu funcionamento e contribuam para a sua disseminação e estatuto nos estudos linguísticos. Este volume contém, pois, perspetivas sobre duas áreas fundamentais da língua: a morfologia e a decifração da escrita. Assim, no primeiro capítulo apresenta-se uma síntese dos marcadores temporais em LSP a partir da observação de produções linguísticas não licitadas de dois nativos. Para além disso, trazem-se à colação outros marcadores temporais em outras línguas de sinais com o intuito de poder compreender melhor os fenómenos morfológicos ou sintáticos patentes na marcação de tempo nas línguas de modalidade visual. O segundo capítulo versa sobre uma das áreas em que, pelo menos em território nacional, há menos investigação, a escrita das 7

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línguas de sinais, neste caso o sistema SignWriting (SW). Neste texto, os autores aliam a decifração leitora à escrita das línguas visuais procurando compreender quais os pressupostos que norteiam a descodificação dos carateres do SW quer por aprendizes ouvintes, quer por aprendizes surdos. Neste capítulo, parte-se também do terreno, apresentando leituras de signos gestuais sem licitação prévia. Estas duas breves descrições de fenómenos da língua e da sua decifração pretendem ser um alicerce para estudos futuros que contribuam para a cada vez maior difusão da língua primeira da comunidade surda portuguesa, tencionando, em primeiro lugar despertar o interesse para profícuas investigações. A encerrar esta nota breve, um vivo agradecimento ainda a vários alunos e a jovens licenciados que deram o seu inestimável contributo, cedendo voluntariamente as fotos que ilustram ambos os capítulos. Expressamos, assim, a nossa gratidão a Bruno Almeida, Cedson Furtado, Emanuel Santos, Jéssica Ferreira, Joana Queirós, Inês Laia, Patrícia Meira e Sara Coelho.

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Coimbra, janeiro de 2021

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CAPÍTULO I

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Marcação de Tempo Verbal em Língua de Sinais Portuguesa

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1. Língua de sinais vs. língua gestual: implicações terminológicas

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A primeira questão que abordamos é a nossa opção pelo uso de uma terminologia que não é corrente em português europeu. Os artigos científicos, os estudos didáticos ou académicos sobre este idioma usam a expressão Língua Gestual Portuguesa. Em artigo recente (Correia & Custódio, 2019), defendemos que esta designação deveria ser preterida. Assentámos a nossa argumentação em princípios que norteiam a história da língua portuguesa e, também, a própria natureza do idioma e consequentes interpretações que o uso de “gestual” ou de “sinal” pode significar. A língua de Sinais Portuguesa (LSP) terá existido desde tempos imemoriais, sendo impossível assinalar uma data para o início do seu uso. Esta imprecisão ainda é mais flagrante por se tratar de um idioma com um registo escrito ainda em construção, ou seja, se podemos aventar com maior ou menor discussão que o primeiro 9

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registo da língua portuguesa remonta a 1175, no conhecido Pacto dos Irmãos Gomes (Martins, 1999), não possuímos ferramentas que possibilitem aferir o mesmo para a LSP. Assim, toma-se como data a vinda do primeiro professor de surdos para Portugal, Per Aron Borg, 1823. A educação de Surdos terá começado num mosteiro espanhol no século XVI. O principal objetivo desta instrução era o ensino da decifração, isto é, os surdos, aqueles que herdavam terras, eram enviados para os mosteiros a fim de aprenderem a ler e a escrever. Para isso, foram criados alfabetos manuais, ou seja, configurações de mão que representam as letras. O primeiro de que há registo foi utilizado por Pablo Bonet. Até ao século XX, o ensino da língua per se, não era uma realidade. Este ensino tutorial era comum na Europa até à criação da primeira escola de surdos em Paris pelo Abade Charles Michéle de L’Épée. Este religioso, designado por muitos como “pai dos surdos”, foi o pioneiro no ensino público e em turma, usando o designado método gestualista, ou seja, a aprendizagem do francês era feita através da língua de sinais, aquela que os alunos já usavam no quotidiano, sinais criados em grupo, e os sinais metódicos, ou seja, criados para exprimir particularidades gramaticais da língua francesa. Semelhante metodologia foi seguida pelo professor sueco ao ensinar os discípulos portugueses, como se constata pelas fontes históricas: “O ignorar a Língua Portuguesa nenhum obstáculo causa, por-

quanto tenho uma gramática aplicável a todas as línguas (…) ademais tenho conhecimento além do método de sinais com o qual sei entender-me com os surdos mudos de todos os países (…)”. Manhem 1º de setembro de 1822, assinado Per Aron Borg (Contrato de Per Aron 10

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MARCAÇÃO DE TEMPO VERBAL EM LÍNGUA DE SINAIS PORTUGUESA

Borg, ANTT/MR/ Negócios Diversos/ “Negócios do Reino” mç 1922, 1823, sublinhado pelos autores)”1

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Este método, seguido pelos sucessores de Borg, também se servia do conhecimento linguístico prévio dos alunos que a partir daí poderiam criar novos sinais: “A aprendizagem dos signaes dispunha de mais duas horas. Todas as

4.ª feiras e sábados entre as 11h00 e as 12h00 para proceder à regula-

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rização de novos signaes. Tratava-se de signaes captados pelos discí-

pulos e faziam referência ao novo vocabulário ministrado pelos mestres durante a semana. (ANTT/MR/ Negócios Diversos/ “Negócios do Reino” mç. 1922 em Correia e Custódio, 2019)”

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Como se verifica pelos documentos acima citados, a designação que se documenta nos primeiros registos sobre esta língua é sinais e não gestos. Aliás, como também mostrámos em artigo anterior (Correia & Custódio 2019), o uso do termo “gesto” era usado pejorativamente para questionar a viabilidade desta língua. Para além disso, a designação de outras línguas românicas pauta-se igualmente pelo recurso ao termo que aqui vamos utilizar, bem como à variedade do português do Brasil (Correia & Custódio, 2019). Assim, considerando que esta terminologia se coaduna com a perspetiva que aqui abordaremos, a descrição breve da marcação de tempo verbal numa língua, usamos LSP e não LGP.

1 Agradecemos a Paulo Vaz de Carvalho a transcrição e a notícia deste documento.

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2. Breve descrição da LSP: querologia, morfologia e sintaxe

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A Língua de Sinais Portuguesa é a língua da comunidade surda de Portugal, que se pauta por caraterísticas comuns às línguas naturais, ou seja, surgiu espontaneamente no seio de uma comunidade, é arbitrária e convencional, possuindo, no entanto, e como explanaremos abaixo, sinais pseudo-icónicos (Correia, 2009). Como já referimos em alguns dos nossos trabalhos (Correia, 2009; 2013; 2014; 2016) e também outros autores que nos precederam e sucederam (Amaral e Coutinho, 1994; Santana 2012), a LSP é composta por unidades mínimas e indivisíveis, os queremas, que se combinam para formar unidades maiores, os morfemas. Assim, desde o pioneiro estudo de William Stokoe (2005 [1960]) até ao momento definem-se cinco parâmetros2, por nós designados de queremas e seguindo a terminologia de Stokoe3:

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2 Não consideramos neste trabalho os traços que definem cada parâmetro, como, por exemplo, seleção de dedos; maior ou menor abertura da palma da mão entre outros. Assim, consideramos querema como unidade mínima apesar de se verificar, como no caso dos fonemas e seguindo a perspetiva generativista (Chomsky e Halle, 1968 entre outros), que cada um destes queremas tem traços internos que os caraterizam e distinguem. 3 Alguns linguistas defendem o uso da mesma terminologia que se aplica às línguas orais, ou seja, “fonemas”. Porém, como já justificámos, seguimos a etimologia da palavra Kyros- mão, como Stokoe (2005 [1960]) já defendera. Há outras propostas terminológicas mais detalhadas, nomeadamente distinguindo pelo uso de radicais gregos os cinco parâmetros das Línguas de Sinais (Capovilla, 2011) porém, a nosso ver, não se torna produtivo o seu uso num estudo breve e não centrado na querologia, como o que aqui apresentamos (Correia, 2020, no prelo).

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MARCAÇÃO DE TEMPO VERBAL EM LÍNGUA DE SINAIS PORTUGUESA

Configuração de Mão; Movimento de Mão; Localização de Mão; Orientação de Mão; Expressão Não-Manual.

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a) b) c) d) e)

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a) Configuração de mão: tal como o nome indica, é a forma que a mão e os dedos assumem. Até ao momento foram elencadas 76 configurações de Mão (Carmo, 2010), mas há investigações em curso que podem aumentar este número.

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A título de exemplo veja-se o uso da configuração de mão “indicar” em dois sinais diferentes.4 Nos vários exemplos ao longo deste trabalho serão visíveis várias configurações de mão.

FIGURA 1: Doce e Mulher

b) Movimento de Mão: este parâmetro é muito produtivo nas línguas de sinais. Considera-se o movimento de dedos, uma subu-

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Vídeos disponíveis em www.spreadthesign.com 13

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LÍNGUA DE SINAIS PORTUGUESA

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nidade da Configuração de mão (Sandler & Lillo Martin, 2006), ou seja, o movimento que os dedos executam em determinados sinais e o Movimento enquanto morfema gramatical que pode marcar o plural e, como adiante veremos, o tempo verbal. Para além disso, o Movimento é também responsável pela definição do argumento dos verbos designados direcionais ou reflexos (Quadros, 2004). Indicamos, em nota, vídeos ilustrativos dos valores que acabámos de descrever, exceto o que diz respeito à marcação de tempo pois será objeto deste estudo (Correia, 2020). c) Localização de Mão: esta unidade sublexical prende-se com o ponto em que o sinal é articulado. A localização pode ser de contacto, ou seja, toca no corpo do emissor, ou pode ser articulado no espaço neutro. O ponto de contato pode ser também a mão não dominante, como nos exemplos abaixo. A localização é também uma unidade gramatical produtiva no argumento verbal, nomeadamente nos verbos transitivo-locativos, em que há uma amálgama entre o argumento do verbo, o complemento, e a forma verbal. Esta particularidade surge normalmente quando o verbo em causa é um verbo classificador. Adiante voltaremos a esta questão;

FIGURA 2: Sinal com ponto de contacto: Mãe; Sinal com ponto de contacto na mão não dominante: Couve; Sinal no espaço neutro: Chuva.

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MARCAÇÃO DE TEMPO VERBAL EM LÍNGUA DE SINAIS PORTUGUESA

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d) Orientação de Mão. William Stokoe (1960) não identificou este parâmetro nas línguas de sinais, apenas mais tarde Battison (1978) considerou este parâmetro produtivo e distintivo. Veja-se o par mínimo abaixo:

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FIGURA 3: Escola; Prova

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Todavia, pela observação intuitiva e implícita que temos vindo a fazer enquanto utilizadoras da língua de sinais portuguesa, este parâmetro é menos produtivo do que os que acima mencionámos o que vai ao encontro da proposta de Sandler & Lillo Martin (2006, p. 156): “In fact, there is independent phonological motivation for the idea that orientation is a phonological subcategory of hand configuration

and not as Battison suggested, an independent category (…) The evidence consists of the behavior of orientation under assimilation. In ASL compounds, orientation alone may assimilate without the fingers and their position, but if the fingers and their position assimilate, then orientation is not independent-it must assimilate as well.” 15

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LÍNGUA DE SINAIS PORTUGUESA

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e) Expressão Não-Manual. Como a designação indica, este parâmetro não envolve a mão, mas sim o rosto, mais concretamente as bochechas, língua e dentes. Este querema é muito produtivo nas línguas de sinais pois pode possuir significado gramatical em alguns casos. ENM pode ser apenas um componente do sinal que se instituiu por devir histórico, porém, em muitos contextos é marcação de duração de tempo (aspecto), negação, “achievement”, intensidade (marcação de plural), entre outros que abaixo descreveremos na secção dedicada à marcação de tempo verbal;

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FIGURA 4: Não consigo. A bochecha inflada marca a negação.

Como se infere pelos exemplos acima, a língua de sinais portuguesa possui sinais arbitrários, compostos por um significante visual e um significado. Como é notório para o leitor, quem não domine este código linguístico não decifra os sinais representados nas imagens acima, por isso, os signos são arbitrários e convencionais. Todavia, como já mencionámos, existe também no léxico puro das línguas de sinais (ou frozen) signos pseudo-icónicos (Correia, 2009). 16

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MARCAÇÃO DE TEMPO VERBAL EM LÍNGUA DE SINAIS PORTUGUESA

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O prefixo pseudo é nossa opção para vincar que os sinais icónicos não são universais, ou seja, um sinal icónico numa língua pode não o ser noutra5 e, ainda que o seja, a sua representação pode ser outra, ou seja, pode variar o significante. Na realidade, os sinais foram codificados pelas comunidades e espelham as suas vivências e culturas podendo, aliás, um sinal ter sido icónico numa determinada época, pois teve essa motivação, mas o devir sociocultural faz com que sincronicamente seja arbitrário. Tomemos como exemplo o sinal mulher6:

Figura 5: Mulher

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Para um utilizador da LSP este sinal nada terá de icónico, porém, segundo informantes surdos, ele foi criado com base no lenço que as mulheres portuguesas usavam antigamente7, ou seja, seguindo

5 A título de exemplo consulte-se os vários sinais para BOLA em www. spreathesign.com 6 Vídeo disponível em https://signtyp.uconn.edu/signpuddle/searchword. php?ui=1&sgn=608&sid=26&sTrm=WOMAN&type=any&sTxt=&sSrc=& , consultado em 20-06-2019. 7 Agradecemos a José Bettencourt, Helder Duarte, Amílcar Furtado e Amílcar Morais esta informação. Existe também a possibilidade de este sinal ter tido uma

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