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Edições ex-Libris ® (Chancela Sítio do Livro) Mosteirô, uma aldeia e muitas histórias AUTOR: Acácio Gomes

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EDIÇÃO:

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FICHA TÉCNICA

TÍTULO:

CAPA:

Ângela Espinha Alda Teixeira

PAGINAÇÃO:

1.a Edição Lisboa, Outubro 2018 ISBN:

978-989-8867-46-9 DEPÓSITO LEGAL: 445734/18

© ACÁCIO GOMES

PUBLICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO:

www.sitiodolivro.pt

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AGRADECIMENTOS

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Este livro é uma oferta do meu primo, Comendador Cândido Correia de Andrade, a quem agradeço todo o seu empenho na publicação desta obra que, espero, possa guardar na lembrança algumas das histórias das nossas gentes. Desde 2012, comecei a receber numerosos contributos valiosos de muitos dos nossos conterrâneos espalhados pelos quatro cantos do Mundo. Eram histórias de vida, fotografias, informações sobre pessoas já desaparecidas e elementos importantes para conhecer melhor a nossa freguesia e a sua evolução ao longo dos séculos. É da mais elementar justiça destacar os seguintes nomes: Augusto Familiar, que é um repositório de muita da informação colectiva esquecida nas nossas memórias e que tem contribuído particularmente para situar datas, nomes, lugares e outras informações preciosas. Maria Magdalena dos Santos, historiadora, com raízes em Mosteirô, que nos tem ajudado a encontrar os registos de muitos dos nossos conterrâneos que de algum modo contribuíram para a nossa história comum. Padre José Carlos, que nos colocou à disposição um grande número de fotografias da segunda metade dos anos 1950. Os nossos agradecimentos estendem-se a todos aqueles que enviaram fotografias antigas dos seus familiares, as quais contribuem para recordá-los e para percebermos os trajes de festa ou de trabalho bem como os usos e costumes, especialmente ao longo do século XX. Aqui ficam alguns dos seus nomes, como forma de agradecimento para todos: Aida Regina, Alice Resende, Ana Almeida, Ana Andreia de Bastos, Ana Resende, Anabela da Silva Andrade, Andreia Sousa Martins, António Correia dos Santos, Arnaldo Pereira dos Santos, Carla Brandão, Carla Freitas, Carlos Silva, Celina Santos, Cinira Silva, Donzília Almeida, Ernesto Santos, Elsa Santos, Félix Martins, Fernando Andrade, Fernando Assunção, Graça Andrade, Helen de Pinho, Império Santos, Irene Soares, Isaac Cruz, Isaías Isaac Soares, Joana de Sousa, Jorge de Andrade, Leon Santos, Lurdes Rodrigues, Manuel Ferreira, Maria Alice Assunção, Nathalie Dias, Sónia Brito, Tita Maria, Vânia Gomes, Vera de Carvalho. 5

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INTRODUÇÃO

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Este não é um livro de História. É antes de mais nada um livro de histórias que procura contar a vida das gentes de Mosteirô, ao longo dos tempos, baseado em factos reais ou episódios contados por pessoas que ainda andam entre nós. São desenvolvidas algumas histórias pessoais, especialmente de conterrâneos nossos que viveram entre o século XIX e o século XXI. De igual modo, são desenvolvidos temas que envolvem as condições e o modo de vida do nosso povo ao longo dos séculos tanto na actividade económica como nas tradições, festas e romarias. Também é dado um relevo especial ao nosso património para que não se percam alguns dos valores que caracterizam a nossa terra. Quanto à História de Mosteirô, procuramos recolher informação que se encontra dispersa ao longo dos séculos, desde há um milénio quando o nome original aparece como Proselha, graças ao mosteiro de monjas beneditinas que existia no lugar que daria de seguida o nome à paróquia de Santo André de Mosteirô. Esta designação já aparece nas Inquirições à Terra de Santa Maria que englobava os actuais concelhos de Vila da Feira, Arouca, Gaia, Ovar, S. João da Madeira e Oliveira de Azeméis. Mandadas efectuar pelo rei Afonso III foram publicadas em 1251 e aí se refere explicitamente: “Da paróquia de Prozelhe, em primeiro lugar de Mosteirô”

mostrando a existência de uma designação que já confundia os dois nomes pelos quais seria conhecida a freguesia nessa altura. A freguesia (paróquia) nesse momento teria uma importância relativa superior à de outras freguesias que têm menor relevo nas Inquirições. Tudo indica que o Mordomo de Mosteirô (Proselha), deveria ser um mordomo-mor, e era responsável pela cobrança dos impostos (réditos fiscais). Para além de os cobrar em Mosteirô também tinha a seu cargo a cobrança de impostos do rei em Fornos, relativos a um reguengo de daganha. Apesar de não se tratar de um livro de História, procuramos consultar fontes originais que nos deram uma ideia mais consentânea com a realidade de Mosteirô ao longo dos séculos. Essas fontes estão identificadas no fim do livro. 7

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A NOSSA GENTE Gente de Trabalho

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1956. São sete da manhã de um dia invernoso cheio de chuva, vento e frio. Pela estrada acima no alto de Agoncida, homens, mulheres e crianças dirigem-se na sua grande maioria a São João da Madeira para um dia de trabalho nas fábricas e estaleiros. Mal comeram ao pequeno almoço, uns um naco de broa, outros um caldo quente de couves, feijão e batatas, enquanto alguns talvez tenham podido tomar um café de cevada quente. Uns de bicicleta e outros a pé, caminham quase todos na mesma direcção, qual carreiro de formigas, enveredando pouco depois à esquerda junto à casa de Maria do Ratão por um caminho de floresta de árvores frondosas, pinheiros, eucaliptos, sobreiros, carvalhos e mimosas, com o tojo às vezes a roçar os mais distraídos, até chegarem a Santo Estêvão para, a partir daí, descansarem um pouco na longa descida até São João. Vão para as fábricas e obras, são sapateiros, chapeleiros, carpinteiros, metalúrgicos, gaspeadeiras, tecelãs, labristas, pedreiros ou trolhas à procura de conseguir o suficiente para o sustento da família. Malvestidos na sua grande maioria, descalços ou com umas soletas ou tamancos, as roupas remendadas, um saco velho de batatas a servir de protecção contra a chuva, continuam diariamente naquela procissão. Alguns param na Loja da Doutora para beber um copo de vinho ou de aguardente que lhes aqueça o corpo para a viagem. Em sentido contrário, um pouco mais cedo, já desceu Palmira do Alegria pela estrada de Ovar que irá até ao Furadouro buscar carapau do grande para vender ao longo do caminho e na freguesia. É um longo caminho, com mais de 25 quilómetros de ida e volta, a pé com a canasta à cabeça e uma rodilha para manter o equilíbrio. À mesma hora, mas na direcção de Oliveira de Azeméis, vão alguns também, em particular Rufina Padeira que se dirige a Ul, a uns bons 10 quilómetros, buscar as famosas padas (pão de Ul) para distribuir, na volta, por toda a freguesia. 9

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Nesta época, até aos anos 60 do século XX, poucos são os que trabalham na sede do concelho. Entre eles estão Américo Ferreira, fiscal da Câmara, que diariamente, na sua motorizada, se dirige à Vila da Feira, e Cândido Andrade, o carteiro de Mosteirô, que irá dar uma volta diária de dezenas de quilómetros. Muitos outros, como Ti Ernesto Arinca, irão pela calçada da Murtosa até à Quinta de Sousa Brandão, continuando depois por um caminho lamacento, pela mesma floresta até Santo Estêvão e depois até São João. E havia as pedreiras. Era uma azáfama constante ao longo de séculos. Eram muitos os que vinham de outras terras trabalhar na extracção e no trabalho de esculpir o granito das várias pedreiras que existiam em Mosteirô, como era o caso de Albino Nicolau, o Labrista. Outros dedicavam-se ao transporte em carros de bois dos enormes blocos de pedra. Mesmo ali ao lado, Isaac Cruz, com a ajuda da Mariana da Louça dando ao fole, ia forjando e moldando os picões e outros instrumentos de aço, indispensáveis a perfurar o granito maciço. Trabalhando de sol a sol, ao longo de séculos, procurando na terra assegurar a subsistência ou, pelo menos, as condições mínimas para ir sobrevivendo, era a característica essencial das gentes de Mosteirô até à década de sessenta do século XX. Quem não vivia do trabalho no campo, tanto como dono da terra ou caseiro, ia trabalhar por conta de outrem nos diversos misteres ou para fora da terra nas freguesias vizinhas. Muitos, mesmo muitos, acabaram por escolher ir para longe, para as mais longínquas paragens, como emigrantes, e a grande maioria por lá foi ficando e criando raízes e família. Já no século XI, a estratificação social mostrava que, para além do clero local que possuía terras à volta do Mosteiro de Proselha, havia alguns habitantes com casas e terras de cultivo, outros que eram caseiros e, finalmente, aqueles que trabalhavam como assalariados, os chamados cabaneiros, sem terra e que viviam em cabanas nas zonas florestais, sobrevivendo do trabalho por conta dos outros. Tanto quanto se sabe, em toda a Terra de Santa Maria na época do feudalismo, incluindo a Paróquia de Proselha (Mosteirô), a estratificação social mostrava claramente as diferenças existentes entre ricos e pobres. Dos ricos faziam parte o Clero, os Senhores das terras e os Rendeiros. Dos pobres faziam parte os Cabaneiros. 10

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No topo da hierarquia social aparecia o Clero, os padres, os curas, aqueles que pertenciam ao mosteiro de Proselha. Logo a seguir, apareciam os populares que viviam da terra e que, por sua vez, se dividiam em duas classes: a dos possuidores de terras e a dos simples arrendatários. Os senhores das terras, chamados hereditatores (herdadores), ora exerciam a lavoura, ora arrendavam as terras a quem as cultivasse. Os Rendeiros, semelhantes aos caseiros actuais, eram os chamados populatores (povoadores) e diziam-se reguengueiros quando cultivavam terras do rei ou do fisco. Os casais e as terras que não tinham morador, classificavam-se como despovoados ou ermos, embora continuassem a ser cultivados. A capela da Murtosa, também conhecida como Nossa Senhora do Ermo, herda este nome justamente destas terras que eram cultivadas, mas não povoadas. No fim da hierarquia social, para além das duas classes anteriores, apareciam os Cabaneiros. Tratava-se dos chamados homens livres, sem terra, que moravam nas suas cabanas ou cabanárias, nas matas e florestas da freguesia, fora dos casais agrícolas, e viviam do trabalho rural como jornaleiros ou exerciam actividade artesanal como oficiais de algum mester.

Foto de 1899: Pedreiras de Agoncida, Mosteirô. Daqui seguiam os carros de bois carregados de enormes blocos de granito para toda região da Terra de Santa Maria e de Portucale desde o princípio da Idade Média.

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Sousa Brandão, o homem dos caminhos de ferro e defensor das classes operárias

A 11 de Maio de 2018 assinalou-se os 200 anos do nascimento de Francisco Maria de Sousa Brandão, general, deputado da Vila da Feira, ministro de Estado e engenheiro, destacado responsável pela construção e desenvolvimento de caminhos-de-ferro em Portugal, fundador do Partido republicado, defensor das “classes laboriosas” e promotor das primeiras associações profissionais. Francisco Maria de Sousa Brandão, contando apenas 15 anos de idade, corria o ano de 1833, entusiasmado pelas ideias liberais, saiu de casa e não se sabe como, conseguiu atravessar as Linhas do Porto e correu a apresentar-se no quartel-general constitucional no dia 26 de Fevereiro de 1834. Sousa Brandão pertencia a uma família de Mosteirô, Vila da Feira, de tradições liberais. Um irmão do seu pai, José Maria de Sousa foi fuzilado em Viseu, por pertencer à causa liberal. Mas foi o seu tio, Pantaleão de Sousa, cónego da Sé de Lamego, segundo crónicas da época, quem aconselhou, antes da sua morte, o sobrinho a seguir a carreira das armas e a juntar-se à defesa da causa da Liberdade. 12

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Francisco Maria de Sousa Brandão nasceu no dia 11 de Maio de 1818 no Lugar de Murtosa, freguesia de Mosteirô, concelho de Vila da Feira, filho de Manuel Ferreira de Sousa Brandão e de Maria José Custódio de Sousa Brandão, e viria a morrer em Lisboa a 26 de Maio de 1892, com 74 anos de idade. Realizou os seus primeiros estudos no seminário de Lamego, cursando Humanidades, e vivendo na casa do seu tio Pantaleão.

Participação em algumas batalhas

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Um mês depois de se ter apresentado no quartel-general constitucional, a 26 de Março de 1834, teve o seu baptismo de fogo, no combate de Santo Tirso, começando já então, apesar da sua jovem idade, a revelar grande valentia e heroicidade. Viria a distinguir-se depois no combate de Lixa, em 2 de Abril, ao lado dos soldados da Divisão onde se alistara, comandados pelo general conde de Vila Flor, mais tarde Duque de Terceira. Nesta fase, entrou em todos os combates até ao dia 16 de Maio, dia em que foi ferido na batalha de Asseiceira, fazendo parte do Exército Liberal que marchou até Estremoz, onde receberia a notícia da Convenção de Évora-Monte. No fim da campanha, resolveu prosseguir os seus estudos, matriculando-se na Academia Politécnica do Porto, depois passou posteriormente par a Escola do Exército, em Lisboa, seguindo o curso do Estado-Maior. Às campanhas da Liberdade, seguir-se-iam as lutas armadas dos partidos conhecidos como cartistas e cabralistas e, Sousa Brandão, fiel aos seus princípios liberais, acompanhou em Dezembro de 1846 José Estêvão, Passos César de Vasconcelos e outros liberais, a combater em Torres Vedras, onde o partido da rainha D. Maria II sairia vencedor. Promovido a tenente em 21-09-1843, foi demitido em Fevereiro de 1844 por estar implicado na tentativa de revolta de Torres Novas.

Forma-se em Paris como engenheiro de Pontes e Estradas

Vendo perdida a causa popular, Sousa Brandão emigrou para França, onde frequentou a École des Ponts et Chaussées, com elevado aproveitamento, ten13

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do-se formado como “um engenheiro-civil distintíssimo” (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Página Editora). Em Paris teria a oportunidade de aprofundar as suas ideias liberais. Com vinte anos de idade, assiste à revolução de 1848 que viria a derrubar Luís Filipe e a proclamar a República. Este facto viria a impressionar profundamente Sousa Brandão, concorrendo ainda mais para afirmar as suas ideias democráticas, que o acompanharam durante toda a sua vida. Em 1849 regressou a Portugal e, sendo conhecido como engenheiro distinto, foi de imediato nomeado director das Obras Públicas nos distritos de Viseu, Vila Real e Bragança. A sua carreira profissional viria a conhecer novos desenvolvimento relevantes. Com a regeneração em 1851, inicia-se uma nova época, procedendo-se a grandes melhoramentos materiais, tendo-se iniciado os primeiros estudos para a construção dos caminhos de ferro em Portugal. Sousa Brandão foi então chamado a tomar parte nos Estudos da Linha do Leste sendo, pouco depois, nomeado Presidente da Comissão encarregada de estudar o traçado da Linha do Norte, tendo a parte do projecto da linha de Coimbra ao Porto sido elaborado por ele próprio. A este trabalho seguir-se-iam outros, nos quais Sousa Brandão sempre se encontrava, fiscalizando os primeiros trabalhos da Linha do Alentejo, cujos estudos de Vendas Novas a Évora e a Beja foram por ele dirigidos. Elaborou igualmente os estudos das Linhas dos Caminhos de Ferro do Douro, do Minho, da Beira Alta, da Beira Baixa e também os de via reduzida do Norte. Foi ainda o engenheiro escolhido pelo Governo para proceder à inspecção definitiva da Linha da Beira Alta antes de esta ser aberta ao serviço público, “encargo de grande responsabilidade que desempenhou proficientemente”. Por diversas vezes foi designado inspector de obras públicas e foi vogal da Junta Consultiva. A carreira militar de Sousa Brandão atingiu o posto de General-de-Divisão, a que foi promovido em 5 de Março de 1890. Foi condecorado com a medalha das Campanhas da Liberdade, algarismo nº 1, tendo sido condecorado com a Comenda da Ordem de Cristo. Em 29-04-1851 era capitão, em 15-12-1868 foi promovido a major Efectivo do Corpo de Estado Maior, em 15-04-1874 a tenente-coronel, em 21-01-1876 a coronel e em 05-03-1890 foi promovido a general de divisão. 14

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Na política, foi eleito deputado pelo círculo da Vila da Feira em 1865 e 1868. Revelou-se um ardente propagandista dos princípios liberais, advogando as suas ideias com grande energia moral. Na história da organização democrática nacional, o seu nome surge sempre ao lado dos que, no seu tempo, enalteciam os ideais republicanos. Na Câmara de Deputados, viria a revelar-se um tribuno acérrimo defensor das classes operárias e opositor ao governo de Sá da Bandeira. Concorreu com a pena e a palavra para a fundação das primeiras associações operárias em Lisboa e Porto, tendo fundado com Vieira da Silva e Lopes de Mendonça, o “Eco Operário”, o primeiro jornal socialista que se imprimiu em Portugal, fazendo a propaganda entre as classes operárias das vantagens das Associações de Socorros Mútuos, de onde nasceria o Centro Promotor dos Melhoramentos das Classes Laboriosas, a Fraternidade Operária, a Cooperativa Indústria Social, a Caixa de Crédito Industrial e outras, fundadas e auxiliadas por Sousa Brandão, entre as quais se conta o Banco do Povo, instituição criada com o fim de proteger financeiramente os pequenos industriais.

Membro do Grande Oriente de Portugal e fundador do Centro Promotor dos Melhoramentos da Classes Laboriosas

Tal como os “iluminados” da época e defensores das classes mais pobres, Francisco Maria de Sousa Brandão pertencia ao Grande Oriente de Portugal, cujo Grão-Mestre seria António Rodrigues Sampaio (de 1852 a 1863). Em 1851, ambos fundaram o Centro Promotor dos Melhoramentos das Classes Laboriosas, por iniciativa da Confederação Maçónica Portuguesa. O título do Centro foi proposta de José e Silva e os seus estatutos [ver “Estatutos do Centro ...”, Impr. Nacional, 1853] foram aprovados por decreto de 16 de Junho de 1853. Foram “elaborados por Francisco Maria de Sousa Brandão”. Nesses estatutos, Sousa Brandão define todo um Programa muito avançado para época e que o Centro tinha como finalidade “criar associações, difundir o ensino elementar e técnico, organizar presépios e asilos para os inválidos, estabelecer depósitos e bazares, propagar por escrito os conhecimentos de economia industrial e doméstica, aperfeiçoar os métodos 15

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de trabalho, ...”” [ibidem]. Posteriormente os estatutos foram “reformados” em “sessão de 19 de Outubro de 1870”. Daí resultaria o aparecimento de comissões, “associações de classes” ou de “instrução””, porém os “novos estatutos” nunca foram aprovados pelo Governo. Com as suas preocupações sociais, contemporâneas de muitos ideólogos defensores dos trabalhadores, Sousa Brandão escreveu um livro a que deu o nome Economia Social (primeira parte: O Trabalho), no qual eram tratados largamente os princípios da economia socialista.

Casa onde nasceu, na Calçada General Sousa Brandão

Não se confinando a Lisboa, Sousa Brandão iria expressamente ao Porto, já um importante centro industrial à época, para promover o associativismo entre os operários do Norte e apoiar a fundação das associações de socorros mútuos. Sousa Brandão viria a apoiar directamente a classe tipográfica que, em 1850, não hesitava em qualificar, «sem contestação, uma de entre as mais instruídas da sociedade», pois foi certamente dos primeiros sectores do operariado, se não o primeiro, em que muitos adoptaram as «novas ideias sociais» que irradiavam de França e da Europa em geral. 16

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“Após várias tentativas, primeiramente voltadas para objectivos literários e de instrução e envolvendo também trabalhadores não tipógrafos, iniciaram-se enfim, em 1850, em Lisboa, os primeiros trabalhos tendentes à formação de uma associação tipográfica. Francisco de Sousa Brandão e os tipógrafos Francisco Vieira da Silva, Tomás Quintino Antunes, Brito Aranha, José Maurício Veloso, Olímpio Nicolau Fernandes, Miguel Cobellos e F. J. Ferreira de Matos foram alguns dos principais impulsionadores da iniciativa, publicitada e apoiada pelo Ecco dos Operários, de que foram redactores os dois primeiros. Sousa Brandão, que se formara em Engenharia em Paris, em 1848, onde participara activamente nas lutas revolucionárias, regressando a Portugal no ano seguinte, assumiu um papel muito especial na divulgação das ideias associativas (e socialistas) e acompanhou de muito perto o movimento associativo dos tipógrafos, vindo mesmo a ser o primeiro vice-presidente da Associação Tipográfica Lisbonense, quando definitivamente esta foi constituída, em 1852”. (13) (analisesocial.ics. ul.pt/documentos)

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Numa reunião levada a cabo durante a acção dos tipógrafos surgira, levantada por Sousa Brandão, Vieira da Silva, Tomás Quintino Antunes e outros, a ideia da criação de uma associação dos tipógrafos. Os trabalhos nesse sentido, iniciados em 1850, não deram resultado imediato, ao que se disse, por terem intervindo «discussões inúteis, susceptibilidades ridículas, amor próprio ofendido». Na verdade, essas discussões não foram propriamente inúteis, pois serviram para determinar os objectivos e a orientação da associação, questões sobre as quais se revelaram por vezes posições muito contraditórias. Antes de tudo, houve que decidir aquilo a que Sousa Brandão chamou «o pensamento dominante nos estatutos»: deveria a associação obedecer à ideia exclusiva de um montepio, uma sociedade de socorros, ou, pelo contrário, virar-se prioritariamente para a defesa dos interesses da classe operária tipográfica? Sousa Brandão defendia obviamente esta segunda hipótese: “A questão é de trabalho; assegurá-lo, prevenir as crises, sustentar uma certa altura no salário, eis as principais condições a que convém satisfazer por agora.” Esta sua frase desencadearia uma polémica nas páginas do Ecco dos Operários sobre a legitimidade da luta salarial. Sustentava um anónimo opositor de Sousa Brandão que a defesa da altura [aumento] do salário era contraproducente, prejudicial e ruinosa para o operariado tipográfico e para o público. 17

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Acácio Gomes Fundador do Partido Republicano

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A proclamação da República em Espanha em 12 de Fevereiro de 1873 teve imediatas repercussões em Portugal e logo em 16 de Fevereiro um grupo de republicanos portugueses, constituído por Oliveira Marreca, Gilberto Rola, Bernardino Pinheiro, Francisco Sousa Brandão, Elias Garcia e José Fontana, promovia uma reunião em casa de Manuel Tomás, em Lisboa. Em 1875, começa-se a organizar em Lisboa o Partido Republicano, sendo Sousa Brandão um dos primeiros impulsionadores, desde logo considerado um dos seus membros mais queridos e respeitados, não só pelo seu passado liberal como pela firmeza das suas convicções. Desde então, foi sempre escolhido para os principais cargos de direcção do partido, sendo eleito para fazer parte do primeiro directório que se constituiu em Lisboa. Pertenceu com José Elias Garcia ao Grupo do Pátio do Salema, juntamente com Gilberto Rola e Saraiva Carvalho. Foi também um dos fundadores do Partido Republicano em 25 de Março de 1876, tendo participado no jantar realizado no palacete da Rua do Alecrim, juntamente com Mendes Monteiro. É nessa altura que Rodrigues de Freitas adere aos republicanos. O primeiro Centro Eleitoral Republicano Democrático será inaugurado no dia 20 de Julho seguinte. Entre os participantes, António de Oliveira Marreca, Latino Coelho, Bernardino Pinheiro, Francisco Maria de Sousa Brandão, Gilberto António Rola, João Bonança, José Carrilho Videira, José Elias Garcia, José Jacinto Nunes, Zófimo Consiglieri Pedroso. Em 3 de Fevereiro de 1879 é eleito novo directório, com Oliveira Marreca, Latino Coelho, Francisco Sousa Brandão, Bernardino Pinheiro e Eduardo Maia. De Abril de 1873 a Dezembro de 1879, Sousa Brandão pertenceu por três vezes ao Directório do Partido Republicano. A partir de Janeiro de 1891 passou a integrar a denominada Junta Consultiva do Partido. Dezoito anos depois da sua morte, a República viria a ser implantada. A morte de Sousa Brandão foi considerada uma grande perda para o País, em geral, e para o Partido Republicano, em especial, que “nele perdeu um dos seus membros mais valiosos e respeitáveis”. Sousa Brandão faleceu em Lisboa a 26 de Maio de 1892, com 74 anos de idade. “Sousa Brandão, de uma constituição robusta e cheia de vida, não fazia supor que a 18

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morte tão cedo se abeirasse dele. Pode dizer-se que morreu vítima do dever e do zelo que tinha nas comissões que lhe eram confiadas”. (Revista Ocidente, 11 de Junho de 1892)

Com efeito, meses antes partira para Huelva onde ia proceder a estudos nas minas da região quando, um desabamento da via térrea, o deteve no caminho, tendo de ficar numa pequena aldeia próxima do local. Adoeceu na sequência deste acidente e foi mandado um médico de Lisboa, Matos Chaves, para o tratar. Apesar de abatido pela doença, decidiu continuar a sua tarefa, não atendendo aos pedidos da própria família para que voltasse para Lisboa, onde se poderia restabelecer. Sousa Brandão dir-lhes-ia “o meu caminho é sempre para diante!” e seguiu viagem. Já em Huelva, seria acometido de uma febre palustre que o vitimaria, tendo regressado a Lisboa já quase sem vida. O funeral de Sousa Brandão seria um momento alto da vida nacional: “O seu funeral foi uma manifestação imponente, em que as classes operárias tomaram parte importante ao lado dos homens de mais elevada posição social, que todos eram amigos do venerando general, porque todos faziam justiça ao seu grande carácter.” (Revista Ocidente, 11 de Junho de 1892). 19

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Benjamim Correia, pedreiro e erudito

Ouve-se ao longe o bater dos tamancos de Benjamim, ao virar da estrada, mesmo junto às presas. Na igreja da terra já tinham dado as 12 badaladas do meio-dia. Ele hoje vem almoçar a casa, pois tem estado a trabalhar bem perto. Encontra um dos netos junto ao portão e, com o carinho que costuma usar para cada um em particular, dá-lhe os bons dias, mas com uma saudação peculiar que costuma empregar muitas vezes: – Então Mestre? O que é que andas a fazer? Homem culto, autodidacta, todos os domingos eram dedicados à leitura de diversos livros, incluindo a Bíblia. Trabalhou em França e emigrou para o Brasil em 1926, onde tomou o gosto pela literatura. A esposa, Deolinda dos Santos, criticava-o todos os domingos. Sempre pelo mesmo motivo. Ele não frequentava a Igreja, não ia à Missa e não tinha grande apreço pelo clérigo. A conversa terminava sempre com a ele a perguntar: 20

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– O padre hoje não falou sobre isto assim, assim? – Como é que tu sabes? Mesmo assim, era um dos homens mais respeitados da freguesia, incluindo por aqueles que frequentavam a igreja diariamente, como era o caso da vizinha Caridade dos Aidos que aparecia lá em casa sobretudo ao serão. Labrista de profissão, era proprietário de uma parte das pedreiras de Agoncida, trabalhando em vários estaleiros, nomeadamente em São João da Madeira. Era igualmente agente de seguros da companhia de seguros Bonança, fazendo as cobranças nos concelhos vizinhos aos fins-de-semana, montado na sua enorme pedaleira. Aos sábados, à noite, ia fazer a barba à Barbearia do filho, Manuel Correia, na Agoncida. Os serões tradicionais, na barbearia, incluíam o jogo da sueca, uma “receita” e um maço de Provisórios. Quando ele chegava a casa, todo barbeado e penteado a preceito, a esposa Deolinda, dizia-lhe quase sempre: – Pareces um doutor da mula russa… Morava no lugar das Presas e era dono de uma pequena presa, com uma pequena nascente, mesmo ao lado da principal, onde tem a Fonte das Presas. Hoje, essa presa é dedicada às crianças com baloiços e escorregas. Foi soldado de infantaria por ocasião da I Guerra Mundial e com o fim da guerra, durante a confusão reinante no País naquela época, com várias revoluções e golpes de Estado, o seu Regimento foi desfeito, ficaram sem quartel e os soldados foram mandados para casa. Sem ter onde ficar e sem dinheiro, foi a pé de Lisboa a Mosteirô, fardado, carregado com a mochila e a arma de dois canos e vivendo da ajuda das pessoas por onde passava. Nos serões de Inverno, à lareira, costumava contar contos baseados na tradição oral portuguesa, incluindo alguns baseados em superstições, desde histórias de lobisomens que se arrastavam com correntes de ferro perseguidos por matilhas de cães a outras sobre almas penadas, as quais deixavam atemorizados os netos. Benjamim Correia da Silva, pertencia a uma família das mais conhecidas de Mosteirô, os Correias, sendo natural de Murtosa, tendo nascido na casa de família, mesmo junto ao Outeiro. Nasceu a 18 de Outubro de 1896 e faleceu em 15 de Abril de 1961, filho de José Correia da Silva Serafina e de Rosa Correia. Tinha dois irmãos: Aurora 21

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Correia da Silva e Vitorino Correia da Silva. Era neto paterno de António Correia da Silva Serafina e de Rosa Correia. Neto materno de Manuel Correia e de Maria Rosa de Andrade. A primeira referência histórica aos Correias do Lugar da Murtosa, Mosteirô Feira, remonta ao século XVI, no reinado de D. João III, numa missiva a Carlos Correia de Sousa refere o seguinte relativamente aos Correias do Lugar de Murtosa: “Capitão de auxiliares da Vila da Feira, assistente e morador na sua Quinta da Murtosa do Termo da Vila da Feira, Terra de Santa Maria, o Brasão de armas dos Correias, por ser descendente de geração de linhagem dos Correias que destes reinos são fidalgos de linhagem e cota de armas e que de direito as ditas armas lhe pertencem”. Casou com Deolinda dos Santos, também baptizada com o nome de Violinda, do lugar de Agoncida, filha de António dos Santos e de Maria Joana da Silva Pereira, no dia 3 de Setembro de 1919. Tiveram cinco filhos, todos já falecidos, Manuel, Germano, Rufina, Aurora e Adelaide, 15 netos e várias dezenas de bisnetos.

Gil Andrade e Silva, empresário respeitado

Gil Andrade e Silva era seguramente uma das pessoas mais conceituadas e respeitadas de Mosteirô e um empresário de sucesso no sector das construções de obras públicas: pontes, barragens, estradas, instalações de alta tensão. 22

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Os seus homens e as suas máquinas trabalhavam em todo o País, sobretudo nas grandes obras que permitiram electrificar Portugal de Norte a Sul. Era um homem afável e generoso que procurava ajudar muitos dos que se lhe dirigiam, particularmente as pessoas de mais fracos recursos sempre que precisavam de madeira, sobretudo pinheiros e eucaliptos, para arranjo e construção das suas pobres casas. Relacionava-se com toda a gente e, ao Domingo, chamava o barbeiro em frente da sua casa, Manuel da Ti Linda, para lhe fazer a barba e cortar o cabelo. Empregava muita gente da terra e de toda a região, como Salviano Nogueira, oriundo do lugar das Presas, mas vivendo na antiga casa da Mãe Velha, em Agoncida, bem perto da casa de Gil Andrade. À segunda-feira de manhãzinha saíam os camiões para as obras. Havia sempre um ou mais do que um que levava os trabalhadores. Estes camiões eram cobertos com um toldo como as Berliets da tropa, com quatro fileiras de bancos corridos, onde os trabalhadores se sentavam e aconchegavam de algum modo. No Inverno, o toldo de lona protegia-os da chuva e as samarras do frio que se fazia sentir. Muitas vezes, davam boleia a quem precisasse, sobretudo conterrâneos, até à cidade do Porto. Sempre solícito, Gil Andrade e Silva, na década de 1940, 50 e 60 costumava ceder uma das suas garagens de camiões para servir de sala de cinema para o povo da freguesia. Habitualmente, as pessoas que iriam proporcionar tal espectáculo vinham do Porto com a máquina às costas e iam de terra em terra projectar os filmes mais antigos, mudos, como o Bucha e Estica e o Charlot, ou já falados, como o Zé do Telhado. As pessoas de Mosteirô e também do Couto de Cucujães sentavam-se em bancos corridos e os mais pequenos ficavam na frente sentados no chão. O filme era rebobinado no próprio local e conseguíamos vê-lo da frente para trás. Graças ao seu espírito empreendedor, construiu uma grande empresa de obras públicas cujos trabalhos se estendiam por todo o território nacional e que dava emprego a centenas de trabalhadores de todo o País. Tradicionalmente, por ocasião do Carnaval, Gil Andrade organizava nas suas garagens um grande almoço em que participavam todos os seus trabalhadores e familiares que vinham de todas as partes do País onde havia estaleiros e obras e se juntavam para este convívio. Os camiões vinham em desfile e 23

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depois ficavam espalhados pelos caminhos adjacentes às garagens e nas bermas da estrada nacional, enquanto durava o convívio. Gil Andrade nasceu em Mosteirô, no seio de uma família numerosa, no dia sete de Dezembro de 1906, e era filho de Josefino da Silva Bento, de profissão canteiro, natural de Mosteirô, e de Rosa Andrade de Jesus, governadeira de casa, natural da freguesia de Ovar, ambos residentes no Lugar de Agoncida. Era neto de Thereza Maria Viana, por parte do pai, e de João da Graça Afreixo e de Ana Maria de Jesus, por parte da mãe. Foram padrinhos do baptizado, Augusto Joaquim da Mota, canteiro, e Luciana Gomes da Silva, moradores no lugar de Agoncida. A cerimónia foi celebrada pelo padre Manuel Martins da Silva. Casou na Igreja de Mosteirô com Maria Rosa Leite da Rocha, da família do Morouço, no dia 25 de Julho de 1936. Mais tarde, em 22 de Julho de 1967, por efeito do seu casamento, adoptaria o nome completo de Maria Rosa Leite da Rocha Andrade e Silva. Gil Andrade e Silva tinha muitos irmãos, nomeadamente Esther, Emília, Porfírio, Antero e Florentino, sendo os dois últimos os mais conhecidos. Gil Andrade e Silva viria a falecer no dia seis de Março de 1972, aos sessenta e cinco anos de idade, na freguesia de Santo Ildefonso, na cidade do Porto. Tiveram vários filhos, mas nenhum conseguiu dar seguimento à obra construída pelo pai. Em Mosteirô existiam várias famílias Bento, especialmente nos lugares das Presas e de Agoncida. As terras da família Bento, do ramo de Gil Andrade e Silva, iam do alto de Santo Estêvão, às Presas e Agoncida e estendiam-se até ao Juncal, com campos de cultivo e matas de pinheiros, eucaliptos e sobreiros, por onde passava a Via Antiga de Mosteirô, que ligava o lugar da Murtosa a Santo Estêvão e Casaldelo, bem como o caminho do alto da Agoncida, por onde passavam diariamente centenas de pessoas que se dirigiam para o trabalho nas fábricas de calçado, de chapéus e de equipamentos domésticos de São João da Madeira.

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Marianada daLouça LouçaeeIsaac IsaacRodrigues RodriguesdadaCruz Cruz Mariana

São sete da manhã e Mariana da Louça já está a dar ao fole que alimenta a ferraria de Isaac Rodrigues da Cruz. Daqui a pouco começam a chegar as encomendas de picões, cinzéis e ponteiros. Vão servir para trabalhar a pedra, esculpir e abrir os buracos que irão permitir rebentar com enormes blocos de granito. Bater o ferro e o aço enquanto estão quentes, esse vai ser o trabalho de Isaac Cruz, ferreiro conhecido em toda a região e homem muito conceituado na freguesia. É trabalho árduo que exige grande esforço, mas também conhecimentos sobre a qualidade do aço, a forma como devem ficar os picões que irão servir para desbastar a pedra em bruto por parte dos canteiros, muito diferente da forma dos cinzéis que irão ser usados pelos labristas na tarefa de esculpir e dar forma final ao granito, bem como das grandes brocas que irão servir para furar os grandes blocos de pedra que constituem qualquer pedreira. Mariana da Louça continua a dar ao fole, enquanto à porta da ferraria, mesmo junto à grande Pedreira de Agoncida, já se encontram alguns dos 25

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Antigas histórias

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aprendizes cuja tarefa é auxiliar os mestres da profissão e que vêm buscar os instrumentos de aço deixados na véspera para serem forjados, moldados e trabalhados pelo mestre Isaac. A esta hora da manhã assiste-se a um corrupio pois ninguém quer chegar atrasado aos locais onde labristas e canteiros desenvolvem a sua actividade, tanto nos canteiros do Monte como, por vezes, bem longe da ferraria do Ti Isaac, lá para os lados de Fornos, Couto de Cucujães, Faria, Souto, São Vicente, Ovar, Oliveira de Azeméis, São João da Madeira, etc. Mais tarde, Mariana da Louça irá, de açafate à cabeça, carregada de picões, distribuir os que ficaram prontos pelos estaleiros espalhados pela terra e pelas aldeias vizinhas.

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Conta-se uma história antiga de um dos auxiliares aprendizes que foi encarregado de levar uns picões e cinzéis ao Lugar de Faria em Cucujães mas que, pelo caminho, se esqueceu da lugar onde iria fazer a entrega. Tendo esquecido o nome da terra, lá do alto das pedreiras de Agoncida perguntou qual a localidade. O Ti Isaac ter-lhe-á dito: – É Faria, burro! O rapaz foi repetindo pelo caminho “Faria Burro, Faria Burro” até que chegou à loja da Doutora e perguntou onde ficava “Faria Burro”. Os homens que ali se encontravam a beber o “mata-bicho” desataram à gargalhada e, depois, lá lhe explicaram qual o caminho que deveria seguir. Claro que, pouco tempo depois, já toda a gente na aldeia sabia da história de “Faria Burro”. Além de Mariana da Louça, o Ti Isaac costumava ter igualmente alguns aprendizes do ofício de ferreiro, o qual, naqueles tempos em que as pedreiras laboravam a tempo inteiro, o granito era extraído em grandes quantidades, especialmente na pedreira de Agoncida, e era transportado em carros de bois para toda a região, especialmente para Vila da Feira e para o Porto, seguindo pela Via Antiga de Mosteirô, passando a Ribeira da Laje e subindo até ao Castelo da Feira, sempre a parte mais difícil para os bois que puxavam o carro pela calçada acima, nessa parte do trajecto. 26

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Lucinda dodoRatão, conterrânea Lucinda Ratão,intrépida intrépida conterrânea

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Lucinda do Ratão, Lucinda Gomes de Pinho, intrépida conterrânea, foi a primeira mulher em Mosteirô e nas redondezas a tirar carta de condução de automóvel e de tractor. Já nos anos 1960, aos 36 anos de idade, por influência do marido, Francisco Teixeira, decide ir tirar a carta, pois necessitava para o trabalho agrícola de conduzir veículos motorizados. Francisco avisou-a logo que tinha de ter a quarta classe. Mas nada que a intimidasse, apesar de só ter a terceira classe. “Eu disse logo, então vou fazer a quarta classe e fui estudar à noite, depois do trabalho nos campos”, diz-nos Lucinda. “Tirei a carta de ligeiros e a de tractor, tendo sido a primeira mulher da região a conduzir um tractor”, conta-nos numa visita à quinta do Ratão. Lucinda e Francisco eram caseiros da Quinta do Ratão, cujas terras agrícolas se estendem da Murtosa até às Presas e por aí abaixo. “A uma dada altura, os antigos donos perguntaram-nos se não queríamos comprar a quinta e as terras do Ratão”, diz-nos Lucinda. “Mas nós não tínhamos dinheiro para comprar tanta coisa e dissemos-lhes isso”. Um procurador dos antigos proprietários fez-lhes então uma proposta que parecia interessante, uma vez que adiantava que o pagamento poderia ser efectuado em quatro vezes. “Depois de muito falarmos entre nós, acabámos por aceitar a proposta do procurador.” “Eu e o Francisco discutimos o assunto e chegámos à conclusão que a trabalhar as terras e com o dinheiro da aguardente não iríamos conseguir pagar a tempo e horas”, conta Lucinda. “Vai daí, loteámos alguns terrenos por detrás do cemitério, naquela altura era fácil lotear, vendemos a emigrantes, e com esse dinheiro começámos a pagar 27

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uma parte ao procurador”. E acrescenta sorridente, “como se costuma dizer pagámos com o pelo do próprio cão”. A casa da Quinta do Ratão foi construída em 1677 e pertencia a um capitão da guarnição da Vila da Feira. A Fonte do Ratão data de dois anos mais tarde, tendo a inscrição de 1679. “A fonte vem de uma nascente que se encontra na Pedreira da Etiópia, nos pinheirais que pertenceram às quintas do Ratão e de Gil Andrade e Silva, quem vai para Santo Estêvão e Casaldelo”, diz-nos Lucinda. “Quando comprámos a quinta, o Francisco resolveu substituir a mina, que é muito comprida, por manilhas, desde a nascente até à fonte”, conta a “mulher de armas” do Ratão.

A capela da Murtosa fazia parte da Casa do Ratão, mas foi desanexada pelo procurador das terras

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Quando lhe perguntámos se a capela da Murtosa teria pertencido à casa do Ratão, Lucinda disparou de imediato: “Ah isso é outra história! O procurador que tratou da venda resolveu desanexar a capela, que fazia parte das propriedades dos donos da Quinta da Murtosa, e depois vendeu-a”. E acrescenta: “já reparaste que a Capela está virada para nós e de costas para o antigo Outeiro?” A história da Capela de Nossa Senhora do Ermo é anterior à da própria Igreja Matriz, ou Igreja nova, uma vez que já em 1755 se encontrava na posse do capitão Marques Ferreira e de Salvador de Carvalho, moradores no Lugar da Murtosa. As terras do Ratão estendiam-se desde as Presas à Murtosa e os matos estendiam-se pela antiga calçada que ligava o lugar ao de Proselha e à Igreja Nova, passavam por detrás da Igreja e do cemitério e daí quase até Fornos. Aos 90 anos, Lucinda Gomes de Leite, tem uma memória, um discurso e uma clarividência espectaculares que muitos, bem mais novos, não conseguem apresentar. “Sabes uma coisa? Na Junta de Freguesia, o Manuel da Alexandrina pedia-me sempre para ser eu a falar quando era preciso expor certas coisas ao Presidente da Câmara da Vila”, diz-nos orgulhosa Lucinda. Uma das vezes diria ao Presidente da Câmara: “Oh senhor Presidente, as minhas habilitações literárias podem não ser por aí além, mas sempre lhe queria dizer o seguinte sobre Mosteirô”, tendo na altura apresentado uma série de reclamações relativas à nossa Freguesia. Lucinda e Francisco tiveram quatro filhos: António, Américo, Clarinda e Carlos. 28

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Os familiares Leite de Pinho já viviam no Lugar da Murtosa no início do século XVIII, uma vez que em 1721 foi baptizado Manuel Leite de Pinho, filho de Manuel António de Pinho e de Maria Leite, nascido a 7 de Novembro de 1921. O padrinho do baptismo foi o alferes Estêvão Gomes Correia, um dos diversos militares que viviam nas casas e quintas existentes no Lugar da Murtosa, freguesia de Santo André de Mosteirô.

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Germano Correia, o humor refinado e a leitura

Personagem de humor refinado, não perdia pitada de nada nem a ocasião para soltar uma piada. Carpinteiro de moldes, altamente qualificado, trabalhou na Oliva, em São João da Madeira, durante várias décadas. Aprendeu o métier com o Mestre Luís, do Porto, que lhe passou todos os conhecimentos da arte. No meio profissional, tornou-se conhecido pela inovação no fabrico de moldes para produção de artigos metálicos, desde banheiras com pegas, motores e peças para os primeiros elevadores que foram construídos na região pela empresa. Mesmo depois de reformado, continuava a receber encomendas de toda região, dada a qualidade dos moldes que fabricava. Ele e o irmão Manuel Correia costumavam pregar partidas tanto quando eram crianças e adolescentes como, mais tarde, quando trabalhavam como 29

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barbeiros, em Agoncida. Ficou famoso um episódio em que foram, numa noite de grande ventania, “roubar” pêssegos ao campo do vizinho, nas Presas, e a árvore caiu enquanto o irmão Manuel se encontrava pendurado. Encheram à pressa um bornal que o pai tinha trazido da tropa com os pêssegos e “fugiram” com medo de serem apanhados. No dia seguinte o vizinho veio perguntar aos pais se eles teriam ouvido alguma coisa durante a noite. O mais curioso foi que, nessa noite, uma prima do Porto tinha dormido lá em casa e, no dia seguinte, viu tantos pêssegos com tão bom aspecto em cima da mesa da sala que não se conteve e perguntou: – Foram roubados, foram? Mas as partidas mais célebres eram as que pregavam na barbearia de Manuel Correia. Uma noite, nos anos 1940, prepararam uma ao Ti Zé, da Murtosa, pondo-o a falar para um aparelho de rádio já velho, que chiava o tempo todo, junto a uma janela que dava para as traseiras da barbearia, julgando que estava a falar com o irmão que se encontrava no Brasil. Do outro lado da janela respondia-lhe alguém que se tinha ido lá esconder, fazendo-se passar pelo irmão e com um sotaque abrasileirado. Comentário do Ti Zé: – Não parece nada ele. Já acha que é brasileiro! Era um apaixonado pelos “Cantares ao desafio”, deslocando-se aos fins-de-semana na sua pedaleira a locais onde havia sessões com cantadores, nas redondezas, sendo um especial admirador de Albino do Nicolau, tendo sido um dos promotores mais entusiastas da sua homenagem em Souto, Vila da Feira.

O seu “hobby” era a agricultura

O seu outro “hobby”, fora do horário de trabalho e aos fins-de-semana, era a agricultura, cuidando do campo que tinha em Mosteirô, frente à Quinta do Bicho, herança da Mãe Velha, onde semeava e plantava cereais e legumes e onde cuidava da ramada que lhe proporcionava uma colheita anual de vinho americano com a qual produzia, o que ele próprio apelidava, “uma das melhores pingas do Mundo”.

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Mosteirô, uma aldeia e muitas histórias Germano dedicava uma parte do seu tempo de descanso à leitura dos grandes escritores portugueses do século XIX. “As Pupilas do senhor reitor”, “A Morgadinha dos Canaviais”, “Amor de Perdição”, “O Primo Basílio”, estavam entre os seus preferidos e encontravam-se sempre à cabeceira da cama.

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Sócio antigo da Sanjoanense

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Montado na sua bicicleta, deslocava-se desde Casaldelo para tudo quanto era sítio. Era um adepto incondicional da Associação Desportiva Sanjoanense, clube que chegou a militar na Primeira Divisão Nacional mas neste momento se encontra na Segunda Divisão, sendo um dos seus sócios mais antigos, e acompanhava-o sempre nos jogos em casa. Era igualmente benfiquista, mas não dava “confiança” aos filhos portistas para falarem de futebol com ele. Nunca largava o seu chapéu característico, ao qual toda vida foi muito apegado. Casou com Nair Augusta da Silva, tendo ido viver para Casaldelo, São João da Madeira, mesmo em frente à Capela daquele lugar, hoje freguesia. Tiveram quatro filhos: Benjamim, António, Maria de Lurdes e Maria Aldina. Germano Correia dos Santos, nasceu no Lugar das Presas, em Mosteirô, Vila da Feira, no dia 22 de Novembro de 1921, e faleceu, com 89 anos de idade, a 19 de Maio de 2011. Era filho de Benjamim Correia da Silva, do qual herdou o gosto pela literatura portuguesa, e de Deolinda dos Santos, e neto de José Correia da Silva Serafina e de Rosa Correia, por parte do pai, e de António dos Santos e de Maria Joana da Silva Pereira (a Mãe Velha), por parte da mãe.

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Albino do Nicolau, pedreiro em Mosteirô e famoso poeta popular

Diariamente, durante a semana, Albino Nicolau dirigia-se para as pedreiras de Agoncida em Mosteirô, de onde saiu a maior parte do granito destinado à construção das obras monumentais do Porto, para aí exercer a sua arte de canteiro. A sua arte de esculpir a pedra valer-lhe-ia a alcunha de labrista. Foi considerado no seu tempo um dos maiores poetas populares do Norte e Centro de Portugal. Baseado na tradição oral portuguesa, a sua obra perdeu-se em grande parte no esquecimento. Cantador ao desafio, Albino Nicolau era um homem instruído, estudioso e autodidacta, sendo considerado pela geração mais nova como “o rei dos cantadores” e, provavelmente, o maior representante do género ramaldeira, um género de canto compassado, cujo nome deriva de Ramalde, no Porto, e seria o género de disputa cantada entre 32

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as lavadeiras daquela freguesia. A recolha da sua obra mereceu uma especial atenção por parte do historiador Levy Moreira da Costa, autor do livro “Memórias dos Tempos Idos”. Albino Gomes dos Santos, de seu nome, herdou do seu pai o apelido de Nicolau, tendo nascido em Souto em 1883. A sua fama ia do Minho ao Centro do País, e do litoral ao interior, com especial incidência no Douro Litoral e nas Beiras. Albino Nicolau viria a falecer em 3 de Julho de 1954, com 71 anos de idade, deixando seis filhos e numerosos netos. A sua descendência ultrapassa hoje largamente a centena de elementos, muitos dos quais residentes em Mosteirô, onde casou um filho e nasceram vários netos, Souto, Rio de Janeiro e Paris.

Nicolau fabricava a sua própria viola braguesa

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Além de cantador e poeta, Albino Nicolau tinha também como hobby o fabrico de instrumentos de cordas, nas horas livres. Tocava viola braguesa do seu próprio fabrico, ou viola de Braga, acompanhando-se nos renhidos descantes que mantinha com os seus adversários, e onde eram debatidos temas como “a vida e a morte”, “o amor e o dinheiro”, “a guerra e a paz”, “o artista e o lavrador”, “a água e o fogo”, “a verdade e a mentira”, “a letra e a ideia”, “a pressa e o vagar”, “a saúde e a doença”, etc., etc. Como poeta popular de rima espontânea foi considerado no seu tempo o mais temido, e também o mais respeitado de todos os cantadores ao desafio. Os seus improvisos de horas a fio sobre um mesmo tema encantavam quem o ouvia. Homem respeitado e respeitador, leal para com os seus adversários a cantar, nunca necessitou de recorrer à cantiga fácil, à graçola ou ao enxovalho para se bater com outros cantadores e cantadeiras do seu tempo. Teve como adversários ao longo de décadas grandes cantadores e cantadeiras do Norte e Centro de Portugal, tais como Deolinda do Couto, Margarida Reis, António Gadanho, António Teixeira de Ovar ou Maria Rocha, de Vila do Conde, (nas fotos) entre muitos outros. Numa ocasião, em Avanca, conta Levy Moreira da Costa, desafiado por Deolinda do Couto que lhe perguntou se ele sabia educar os filhos “como deve ser”, Albino Nicolau respondeu-lhe de improviso: 33

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Tenho em casa cinco filhos Quatro já sabem rezar O mais novo tem sete meses Ind’ó não pude ensinar

Homenagem: uma rua com o seu nome em Souto

Em 1 de Julho de 1995 foi justamente homenageado pelo presidente da Câmara Municipal da Feira, numa cerimónia que contou com a presença de cerca de 600 pessoas e em que foi inaugurada uma rua que perpetua o nome do poeta, justamente o local onde morava em Badoucos, Souto. Da homenagem constou ainda um Festival de cantares ao desafio que contou com a parti34

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cipação de nomes bastante conhecidos dessa época tais como Valdemar Silva, Manuel Abraão, João Magalhães, Américo Ferreira, Basílio Costa e Augusto Caseiro, acompanhados à viola braguesa por António Barbosa, ao violão Por Dionísio e à concertina por Florindo. Esta homenagem teve repercussão nos meios de comunicação social de Norte a Sul do País, nomeadamente no Correio da Manhã, Jornal de Notícias, Primeiro de Janeiro, Diário de Aveiro, Diário de Viseu, Terras da Feira, entre outros. Numa outra ocasião, Albino Nicolau confrontou-se com Maria Rocha, de Vila do Conde, abordando um tema delicado sobre a “Guerra e a Paz”, tendo-lhe cabido ser o defensor da guerra. A um dado momento, Maria Rocha dir-lhe-ia:

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Oh Albino se queres a guerra Manda para lá os teus filhos Pois no campo de batalha O sangue mede-se aos quartilhos

Albino Gomes dos Santos, do Nicolau, nasceu a 5 de Março de 1883, filho de Jacinto Gomes dos Santos e de Joana Gomes dos Santos, tendo falecido com 71 anos a 5 de Julho de 1954. Era casado com Maria da Silva Marques. Tiveram seis filhos: Manuel, Francisco, Maria, Palmira, Rosa e Laurinda. Foi emigrante em França por duas ocasiões, tendo sempre regressado à terra. Os dois filhos, Manuel e Francisco Nicolau, emigraram para o Brasil onde vieram a falecer.

Manuel do Lizura, repórter e encenador

Manuel do Lizura, de seu nome Manuel Leite de Azevedo, era sem dúvida o mais conhecido da família, sobretudo porque escrevia regularmente no jornal do concelho, o “Correio da Feira”, e era um grande promotor de actividades culturais na freguesia. No “Correio da Feira” dava conta semanalmente de tudo o que passava, dos acontecimentos que marcavam a actualidade naquela época, com especial 35

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relevo para os nascimentos, as mortes de conterrâneos, os casamentos, os baptizados, e outras festividades tradicionais, bem como iniciativas culturais como os entremeses ou os filmes que vinham a Mosteirô e eram exibidos na garagem de Gil Andrade e Silva. Além das festas, os cortejos de oferendas e as procissões faziam naturalmente parte das suas crónicas semanais. Os entremeses, que eram representados em Mosteirô, tinham todos o dedo de Manuel do Lizura. Com efeito, era ele quem encenava a peça, preparava o décor, instruía os actores e fazia de ponto durante a representação, actividade que desenvolveu até ao final da década de 1950. Os actores eram todos masculinos, incluindo os que personificavam personagens femininas.

Na foto: a irmã Rosa Leite de Azevedo e o sobrinho António Leite Soares

O entremez é uma peça de apenas um acto, protagonizada por personagens das classes populares, que costumavam ser representados durante o século de ouro espanhol, isto é, no final do século XVI até o século XVIII. 36

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Acabou sendo proibida em 1780, em Espanha. O Entremez era uma composição dramática, burlesca ou jocosa, que servia de entreacto. (Do provençal entremetz, «entre um prato e outro», do castelhano entremés, «peça em um acto”), Porto Editora, 2003-2013. Ficaram gravadas na memória em Mosteirô algumas representações. O Ti Alfredo Leiloeiro era sempre um dos principais protagonistas dos entremeses e as suas actuações eram muito apreciadas. No entremês “O Rico Avarento”, com a sua voz de barítono, tornou famosa naquelas paragens uma frase que dizia: “O grande peso dos anos/Já lhe tiraram o tino/ Está cada vez pior/E pensa que está mais fino”

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O Rico Avarento é uma peça curta do escritor brasileiro Ariano Suassuna, publicada em 1954, baseada na obra do escritor francês Molière, “O Avarento”. Ambientada no sertão nordestino, conta a história de um coronel rico, avarento, e o Tirateima, um rapaz humilde seu criado e autor da frase proferida. O Ti Alfredo Leiloeiro não sabia ler nem escrever. Para poder decorar, pedia ao filho Adriano para lhe ler os textos que, de seguida, repetia e recitava até os fixar em definitivo. O texto nem sempre correspondia totalmente ao original, uma vez que o Ti Alfredo acabava sempre por improvisar qualquer coisa. Mas lá estava Manuel do Lizura para lhe emendar a mão. Às vezes tinha de pôr na ordem a própria assistência. Numa dessas ocasiões, em Mosteirô foi muito badalado um entremês em que uma vendedeira do Couto de Cucujães passou o tempo a comentar a peça e foi mandada calar por Manuel do Lizura. Incomodada, ela respondeu: – Olhó Lizura. Calai o Lizura! Manuel do Lizura ainda guardava tempo para ensinar muitos dos rapazes e raparigas de Mosteirô a ler e a escrever. Na casa dos Lizuras no Lugar do Monte funcionava a “mestra”, que neste caso era um mestre, onde eram ensinadas as primeiras letras a essa rapaziada e outros ensinamentos próprios para a idade. Muitos foram os que por ali passaram, chegando depois à escola primária já com alguma preparação. 37

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Acácio Gomes Família Leite de Azevedo

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A família Azevedo, conhecida em Mosteirô como os Lizuras, desenvolveu-se nos Lugares do Monte e de Proselha ao longo de várias gerações. No final do século XIX e princípio do século XX nasceram vários filhos de um mesmo tronco familiar que aí continuaram a viver e a desenvolver a sua actividade de canastreiros e cesteiros. Rosa Leite de Azevedo (do Lizura) era a mais velha dos irmãos Azevedo, uma vez que nasceu ainda no final do século XIX. Com efeito, Rosa nasceria a 23 de Setembro de 1892, vindo a casar aos 31 anos de idade com Francisco Soares, a 3 de Setembro de 1923. Rosa ficaria viúva muito cedo, uma vez que o marido morreu em 10 de Outubro de 1941, deixando-a com seis filhos para criar. Por sua vez, Américo Azevedo (do Lizura) nasceu no dia 30 de Março de 1901 e faleceu a 23 de Dezembro de 1983, enquanto o irmão mais novo, Manuel de Azevedo, nasceu a 7 de Maio de 1905 e faleceu a 8 de Janeiro de 1984. Os três eram filhos de José António de Azevedo, canastreiro, e de Rosa Leite de Oliveira, governadora de casa, moradores no lugar de Proselha. Eram netos paternos de Sebastião José de Azevedo, igualmente canastreiro, e de Rosa Pereira de Jesus, do lugar de Proselha, e netos maternos de Manuel José de Sousa e de Ana Maria Leite de Oliveira, do lugar de Sernada. Rosa, Américo e Manuel do Lizura tinham um primo, de nome Silvério Azevedo, que nasceu a 12 de Janeiro de 1905 e faleceu a 23 de Abril de 1957. Era filho de Agostinho Soares de Azevedo, canastreiro, natural de Mosteirô, e de Maria Rosa da Silva, governadeira de casa, natural de Fornos, e moradores em Proselha. Era neto paterno de Sebastião José de Azevedo e de Rosa Maria de Jesus, e neto materno de Joaquim da Silva Santos e de Rosa Maria. Desconhece-se a origem da alcunha como é conhecida a família. No entanto, em sentido figurado, lisura pode ser sinónimo de lhaneza, sinceridade ou franqueza. Também descreve o comportamento de uma pessoa que age em boa fé, com integridade, honestidade e rectidão. Ex: “Todos os seus colegas gostam dele, porque se comporta sempre com lisura”.

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Mosteirô, uma aldeia e muitas histórias A actividade de canastreiro vinha de longe

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A principal actividade da família Azevedo, de canastreiros, vem de muito longe no tempo. Com efeito, foi o avô Sebastião José de Azevedo quem trouxe para Mosteirô esta actividade, uma vez que ele era natural de S. Martinho de Cucujães onde já a desenvolvia. Sebastião era filho de outro canastreiro de nome João José de Azevedo e de Josefa Maria de Jesus, naturais de Cucujães. O vime é uma das fibras mais usadas na cestaria, sendo as canastras de verga muito procuradas devido à sua grande resistência. Cestos, arcas e baús, caixas, canastras, chapéus e garrafas empalhadas eram alguns dos trabalhos que se faziam no estabelecimento dos Lizuras, no Lugar do Monte. Havia diversos tipos de canastra, sendo a canastra de varina uma das mais comuns, um cesto comprido e baixo em que as vendedoras de peixe das zonas de Ovar e da Nazaré transportavam o peixe, à cabeça, assente numa rodilha. As canastras eram igualmente muito utilizadas nas salinas de Aveiro para o transporte do sal, à cabeça. O vime é uma fibra vegetal resistente, flexível e de grande durabilidade, muito utilizado na cestaria desde há muito tempo. Pode ser usado inteiro para o fabrico de peças maiores (canastras, cestos, baús) ou rachado em varas mais finas (verga) para o artesanato de pequena dimensão que não necessite de grande resistência ou que não esteja sujeito a grande esforço. Antes de ser trabalhado, o vime deve permanecer mergulhado em água durante tempo suficiente para que se torne maleável sem se partir, seja para moldá-lo ou lascá-lo em verga. São precisas várias horas até que absorva bastante água. Actualmente existem ainda alguns seguidores desta arte, espalhados pelo País, nomeadamente no Algarve. Em Mosteirô, porém, a tradição esfumou-se nos tempos. José Inácio Rosa (na foto), 67 anos, alentejano, vivendo no Algarve, ainda produz alguns trabalhos para venda ou por encomenda tais como cestos, arcas e baús, caixas, canastras, chapéus e garrafas empalhadas.

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