Filomena Leal C
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Será fácil entrar num veículo que não precisa de pedais nem de volante, nem de espelhos retrovisores? Em que o humano nada controla? Será que o «o carro autónomo de nível cinco», ou seja, aquele que tem «capacidade de decisão» em todas as situações, mesmo as mais problemáticas, poderá ter o sentido de responsabilidade ou qualquer sentimento de culpa, remorso ou medo? Será possível confiar a condução de um carro a um computador nele instalado, por mais que o programa informático seja da mais avançada e bem testada tecnologia? Como condutora sénior e enquanto capaz disso, digo NÃO A DECISÕES ROBÓTICAS.
Filomena Leal
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www.sitiodolivro.pt
A autora é beirã, natural da vila de Loriga (na Serra da Estrela). Aposentada do ensino, tem publicado obras de ficção como “A Casa dos Seniores” (2013) e outras, sendo a mais recente a “Fotobiografia de Pedro Vaz Leal” (2018).
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CRÓNICAS DUMA
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CONDUTORA SÉNIOR
duma Condutora Sénior Leal edição: Edições ex-Libris® (Chancela Sítio do Livro) autora: Filomena
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título: Crónicas
Patrícia Espinha Ângela Espinha paginação: Paulo S. Resende revisão:
arranjo de capa:
1.ª edição Lisboa, janeiro 2020 isbn:
978‑989-8867-80-3 464832/19
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depósito legal:
© Filomena Leal
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publicação e comercialização:
www.sitiodolivro.pt publicar@sitiodolivro.pt (+351) 211 932 500
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.
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FILOMENA LEAL
CRÓNICAS DUMA
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CONDUTORA SÉNIOR
2008-2019
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Notas
da autora
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Algumas destas crónicas foram escritas a pedido de uma Entidade ligada ao sector automóvel, no ano de 2008. Desde então, fui continuando a escrever sobre o tema até hoje. É um trabalho modesto, sem pretensões, mas que pode alentar algumas pessoas a não desistirem de conduzir – um contributo, talvez importante, para o seu bem-estar físico e psicológico. Pretende ser, além disso, o testemunho vivencial de uma condutora nada perita que se iniciou na década de 60 (evocada nas crónicas) até aos tempos actuais, sem nunca ter deixado de dar a devida importância, ao «banal» facto de, nas mais variadas circunstâncias, vencer o espaço, «correndo» sem se cansar.
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A Mulher Ao Volante
O tema em questão terá mesmo sentido? Conduzir, melhor ou pior, com mais ou menos responsabilidade, terá mesmo a ver com o género? Lembro-me, de imediato, do ambiente quase tenebroso, quando ontem circulava na auto-estrada. Era noite e as luzes encandeavam. Dezenas de condutores ultrapassavam-me como flechas. A marcha era veloz, a velocidade ia muito além dos limites. Com todo o ar de quem domina a estrada (e talvez o mundo – quem sabe?), eram homens na sua maioria, embrenhados na euforia duma sôfrega rapidez 9
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e dum erótico e altivo prazer (estranho é que na vida social e familiar, muitos deles são outros – discretos e atentos a todas as normas e perigos reais). O certo é que a magia de vencer o Espaço em tempo escasso não me toca, nem a muitas mulheres que conheço. Quando conduzimos, jamais nos desligamos da realidade vital – com destaque para a vida familiar (com os filhos à proa). E sei (sabemos) que o automóvel, ao tornar a nossa vida mais fácil, também pode destruí-la num ápice. Nunca (ou quase nunca) esquecemos isso. Mas outras perguntas pertinentes surgem: Virão de longe as diferenças comportamentais mulher/homem? As brincadeiras de menino/menina já as revelarão? Ou serão também, ou só, os condicionamentos culturais como Educação e Ambiente a influenciar uma conduta diferenciada? É que já vemos mulheres, mercê de condições duma vida «emancipada» e «liberta», reproduzirem algumas actuações tradicionalmente masculinas. E também muitos homens há que, conscientes do estado inebriante mas quase inconscientes do que deles se apodera ao volante, se tornaram responsáveis e praticam uma condução defensiva. Não é, porém, a maior parte. Por isso e como militante da paz desde sempre, fico perplexa face a esta absurda «guerra civil» rodoviária, tomada duma desiludida revolta contra os portugueses. É que, ao dar prioridade ao boçal condutor duma carrinha, ouvi (ou sonhei ouvir?) o famoso dito da «Idade das trevas»: – VAI P’RA CASA LAVAR TACHOS!
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Velocidade, O Quanto Inebrias!
Conduzir devagar? É anti-moderno e não dá prazer. É preciso conduzir com stresse e sentimento de poder. Depressa... sempre. Acelerar… O carro é potente e atinge velocidades emocionantes. E o condutor veloz olha com ar supra-terreno o «totó» que não corre, o pobre mísero da monótona terra onde assentou. Se este for mulher, como frequentemente acontece, a arrogância empertigada aumenta e as hormonas masculinas saltam ufanas. Eu, uma «totó» experiente, sempre me senti perplexa quando assistia à conversa infantil de homens maduros 11
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disputando o lugar cimeiro na condução mais rápida de Lisboa a Coimbra. E, ao volante, guiando devagar, mas precisando de chegar depressa, também eu acelero, num desejo súbito… Mas não é por muito tempo. Vem-me de imediato à mente um violinista profissional atropelado e projectado a mais de 15 metros, por um carro a alta velocidade. Imagino/sentindo, um pouco da sua angústia em não poder tocar – por quanto tempo? E em catadupa, vários casos trágicos me surgem, ocorridos nos últimos tempos. E pior ainda que os mortos, são os feridos (jovens, na sua maior parte) limitados na força potenciadora duma vida normal, devido à corrida eufórica e alucinatória na estrada! Rapidez e velocidade não compensam. Gosto de existir como sou e continuar a Conduzir… devagar, como os «Totós». Deste modo também venço o espaço. E olho com gratidão e deslumbre para o utilitário carro que tal me permite.
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Um Buzinar Furibundo, Irracional… A impaciência absurda grassa na estrada. E eu que o diga… quando ouço buzinas irritadas e irritantes a vociferar indevidamente. E porquê? Talvez a protestar, contra a velocidade moderada e cautelosa de condutores não velozes. E não falo de cor… Ia eu há dias ao volante, numa zona de obras na A1, onde o limite de velocidade era 80. Sentia-me energicamente serena. Revia com algum deleite, ideias e frases ouvidas num encontro, sobre a Intervenção Cívica da Escrita. 13
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Mas… eis que se abate sobre mim a realidade apressada de um condutor, a buzinar estrondosamente. Sobressaltada, sem perceber a razão de tal alarido, afrouxo e, pelo retrovisor, vejo-o a preparar-se simplesmente para me ultrapassar. E fá-lo, prosseguindo a chinfrineira. E perguntava-me perplexa qual seria o motivo deste buzinar inútil e malcriado? Eu ia na faixa direita, sem o impedir de andar mais depressa ultrapassando-me. Pensei um pouco… Não era um daqueles «carrões» que por vezes se julgam «donos da estrada». E embora memorize pouco e mal o tipo e tamanho de carros, não me pareceu particularmente grande. Mas… lembro-me de um pormenor notório e fácil de registar: era um vistoso carro amarelo. Fugazmente, vejo uma mulher no assento ao lado quase em cima do condutor… Ah! Agora percebo tudo melhor… A adrenalina resultante da situação fazia-o esquecer de que há limites de velocidade em determinadas zonas. E é perigoso deixar-se comandar por emoções demasiado eufóricas!!! (as que tornam o homem um ser «virilmente» frágil e capaz de chinfrinices bem irracionais). Entendi tudo... (o ser humano precisa de entender). Mas não aceito buzinadelas irresponsáveis, inchadas duma volúpia agressiva e perturbadora! Volta-me de novo, ó Serenidade, e estende o teu manto por todos aqueles que conduzem na estrada!
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Crer? Recuar Sem Ver?
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Odeio recuos. E sei (porque ainda sinto a «temível» roda dum carro a tentar esmagar-me o pé) que há condutores a recuar sem cuidado. Eu conto: numa melancólica manhã de Outono, após uma «empolgante» visita à Companhia de Seguros Fidelidade, parei a meio da rua onde havia carros estacionados, à espera de poder atravessar para o outro lado. E, um pouco absorta, pensava como era possível ter uma casa no seguro, e o muro que a suportava não ser por ele abrangido.
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Sentia todo o peso do preço alto de tão alto muro… (que caíra estrondosamente num dia de tempestade). Mas… eis que, num ápice, me vejo lançada ao chão por um carro estacionado que começa a recuar sem me ver. Por mais que eu clamasse «Ai, ai, o meu pé!», o condutor não ouvia. E a roda a rodar sempre, cada vez mais pesada… e o meu pânico a aumentar… e um sentir-me impotente face a uma roda que não me largava o pé. Até que o carro parou (a velocidade era mínima e daí eu ficar com o pé inteiro). Foi um senhor meio «assarapantado» que vi à minha frente (entretanto, eu já estava de pé) intrigado e a perguntar-me o porquê de não conseguir recuar (logo a mim, o obstáculo e a vítima! Ou antes o meu pé, o resistente, pisado com insistência por uma roda bruta, capaz de triturar, se acaso o recuo prosseguisse.) Qual fantasma cheio de espanto, o condutor que me lançou ao chão mal podia acreditar que quando recuou estava a ser travado pelo pé de uma pessoa que não viu! (Como é que alguns condutores nem nas suas distracções acreditam! E assumi-las, então? Considerarão tal uma falta de «esperteza»?) Desde então, acontece-me frequentemente sonhar com carros a recuar, e rodas facínoras, a tentarem vorazmente apanhar-me os pés.
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Acidentes
na
Estrada… Culpa
ou
Azar?
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Leio atentamente o livro Salvador, prefaciado por João Lobo Antunes. É um livro que nos coloca perante uma situação dificilmente imaginável, quando conduzimos na estrada. Um rapaz na força da juventude que fica tetraplégico após um acidente é trágico, é absurdo, é demasiado insuportável. E é ele próprio, o Salvador, a falar das suas limitações, quando conversa com um amigo e tenta exorcizar o contido sofrimento. E evoca o dia do desastre: «os meus braços continuavam pregados ao chão», «tinha pedido para me esticarem as pernas… e eu já tinha as pernas totalmente 17