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FICHA TÉCNICA
arranjo de capa: Ângela Espinha paginação: Alda Teixeira 1.ª Edição Lisboa, outubro 2023
© José Isidro
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isbn: 978-989-8986-76-4 depósito legal: 518930/23
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título: A Mitologia do Romance autor: José Isidro edição: edições Vírgula ® (Chancela Sítio do Livro)
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Todos os direitos de propriedade reservados, em conformidade com a legislação vigente. A reprodução, a digitalização ou a divulgação, por qualquer meio, não autorizadas, de partes do conteúdo desta obra ou do seu todo constituem delito penal e estão sujeitas às sanções previstas na Lei. Declinação de Responsabilidade: a titularidade plena dos Direitos Autorais desta obra pertence apenas ao(s) seu(s) autor(es), a quem incumbe exclusivamente toda a responsabilidade pelo seu conteúdo substantivo, textual ou gráfico, não podendo ser imputada, a qualquer título, ao Sítio do Livro, a sua autoria parcial ou total. Assim mesmo, quaisquer afirmações, declarações, conjeturas, relatos, eventuais inexatidões, conotações, interpretações, associações ou implicações constantes ou inerentes àquele conteúdo ou dele decorrentes são da exclusiva responsabilidade do(s) seu(s) autor(es).
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Esta é uma obra de ficção, pelo que, nomes, personagens, lugares ou situações constantes no seu conteúdo são ficcionados pelo seu/sua autor/a e qualquer eventual semelhança com, ou alusão a pessoas reais, vivas ou mortas, designações comerciais ou outras, bem como acontecimentos ou situações reais serão mera coincidência.
publicação e comercialização:
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CAPÍTULO I
O mistério do amor
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É uma Primavera de dias — ora soalheiros e amenos — num céu que resplandece como um vidrado translúcido de cor azul, em abóbada de vitral colorido por deuses artísticos de um “Olimpo” transcendental, consequentemente em parte incerta — o mesmo que faz a humanidade cair na adoração de fé em algo criador em transcendência — que quer crer existir em salvação da vicissitude que lhe é transversal, como preço a pagar pela existência atribuída… — ora, uma Primavera de dias mais cinzentos — como se a abóbada celeste de vidrado translúcido de cor azul, em vitral colorido por deuses artísticos de um “Olimpo” transcendental, tivesse sido bafejada pelo ar quente expelido pelas bocas dos mesmos deuses, caprichosos em alterarem as condições — consoante o apetite do seu desejo — sobre o vidrado frio, transformando-o num embaciado algo deprimente — como o amor indeciso — em contraste com o decidido e apaixonado! A noite foi dura, e o jovem homem, de cabelos castanho-claro, longos aos caracóis, tão naturais como tudo o que possui fisicamente em si, rosto magro e simétrico, barba cerrada sem5
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pre curta, olhos vivos de olhar esverdeado profundo — como a querer ir além do alcance limite… físico médio, seco, bem definido e robusto de pele clara: jovem decidido a sobreviver ao incidente existencial da vicissitude — como preço a pagar —, sabe-o bem por sentir na (pele) e todo o corpo, com maior incidência nas robustas entranhas, tudo mal comandado por uma mente amalgamada pela inexperiência de existir em (curto espaço de tempo), relativamente a toda a magnitude de exigência existencial, tão repleta de apelos aliciantes — se se pensar na única forma de experienciar vantajosamente uma vivência enriquecida e porventura enriquecedora — com avanços e recuos, sem outra referência senão evitar o fatalismo a todo o preço! — Preço que este desejoso jovem homem está a pagar pelo excesso da noite anterior e dos seus desejos corporais mais profundos, em busca de perfeição amorosa — qual peregrino do segredo espiritual — como em muitas outras noites anteriores — ainda que pontuais —, pois apesar de robusto, não teria estrutura para aguentar a sua própria transcendentalidade em sede de viver tudo o que nos sentidos possa satisfazer a sua vontade de existir, sem qualquer restrição de vulgaridade (…) A manhã já vai longa, pois a aurora do amanhecer dista umas horas… O cheiro a vício — que este jovem homem não regista — nem pode, por se encontrar nesse (epicentro) como resultado de estímulos por bebidas inebriantes e tabaco, em sintonia com o seu desejo de permuta carnal — em que a alma só pode surgir depois eventualmente — uma vez estar envolvida na carne; esse cheiro a vício, concentra-se naquele quarto onde um acordar 6
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pesado e dissaboroso, por uma sensação de falha ao pretendido, em ausência de maturidade para uma melhor lógica de pensamento que pudesse ter fornecido bom resultado, para além de uma inebriada confusão de pensamentos diluídos pela substância alterante na emoção — autêntica demolidora de equilíbrio — tão desejável ao jovem tão pretendente a homem de saber criar e partilhar um amor, com raiz de experiência no licencioso e dissoluto, para si verdadeiramente excitante e autêntico — apesar de toda a excentricidade — sem o filtro do falso pudor que nada filtra, mas antes disfarça — como a ação do medicamento inerte apenas! (…) Naquele acordar desalvorado, arrependido — apesar de todo o crescimento de alma digno, poder advir paradoxalmente do arrependimento — não fatal, mas do que possa ser em legitimidade desejado, apenas por superação de níveis de dificuldade que só a mestria da existência no tempo pode permitir como prémio de vivência, em busca incessante e objetiva, ao invés da perda desse precioso tempo sempre controlado pela lenta mas ininterrupta cadenciada ampulheta dos “caprichosos deuses olímpicos”, tão adorados na sua transcendentalidade absoluta (…) Acordado, mas mal desperto por um atordoamento que já não lhe é alheio, tenta recuperar o seu próprio sentido de existir feliz sem noção contudo dessa busca — como o comandante que perdeu o rumo em pleno oceano! Vira-se sobre o abdómen mergulhando a cabeça dorida sob o travesseiro — como se martelos dispostos em sucessão a tivessem batido sequentemente durante algum tempo (…) e o mal7
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dito arrependimento sulca-lhe a mente como a alertá-lo para a sua «falta de cuidado em se manter numa boa linhagem!» — Ao que no seu esconderijo de avestruz que tanto alento lhe dá em momentos como este, responde ao arrependimento que lhe consome a ponta de paciência ainda restante: «Mas foi só mais uma derrapagem, e… que eu saiba em lógica, uma derrapagem não é um despiste?!» Contudo o sentido lógico vai ganhando consistência; aquela mesmo necessária, para que tudo entre na continuidade da «cabeça erguida», tão benéfica ao moralismo são e sóbrio que não faz qualquer movimento atrevido — preferindo manter-se rastejante no rasto da deslocação do tempo — para não dar qualquer motivo à razão de lhe voltar costas! (…) Revira-se de novo, agora para um olhar fixo no teto que o protege, em visão clara e meditativa — como o crente que espera por algo advindo do “Olimpo” transcendental da sua crença —, sem pressa de nada, pois crê piamente que o viver rápido traz do mesmo modo o fim comprometido com o princípio, sem qualquer possibilidade de recuperar ou travar o funcionamento ininterrupto e infalível da lenta ampulheta do tempo — mesmo imparável de todo o modo —, propriedade exclusiva das caprichosas divindades olímpicas de toda a crença! (…) Vai vendo tudo com mais clareza naquele olhar fixo de reflexão, apesar da dor na cabeça, das (marteladas dos martelos sucessivos) da noite anterior, tão aprazível no desbragamento festivo onde estivera, em busca do prazer que pudesse porventura surgir através de cada trago dado na bebida de efeito (mágico), que se foi acumulando na agora dorida cabeça que em toda a possibi8
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lidade de um encontro amoroso pensou — no contacto visual com beldades, por quem os seus olhos se passearam — mas por quem o seu coração não resistiu e o levou imaturamente à decadência inebriada dos excessivos goles naquela bebida com tanto de aprazível quanto enganador — como o ingénuo que tudo acredita ser bom —, e aqueles cigarros tão apetitosos!, como se em mistura fumegante com os vapores inebriantes da bebida, contivessem toda a panaceia que a alquimia pudesse ter achado! (…) Apesar de não ter tido vontade de sair daquela cama — transformada por um longo momento em muro de lamentação — o jovem homem em caminho difícil da sua maturidade encontra-se agora mais (presente) e com vontade de ir a um bom banho e tudo o mais que o anteceda e complete, para outro dia, quem sabe se de busca amorosa — talvez nem ele próprio —, pois não constituirá uma obsessão mas antes uma feliz casualidade, ao que deixa notar, e como é domingo será bom um café anterior ao almoço — dado o pequeno-almoço já ter ido na ampulheta imperdoável do tempo! Depois, um almoço em jeito de repasto como delícia e reparação da sequela do momento, que se desvanecerá como tudo em geral na vida. É um domingo ameno, e por ser Primavera, proporciona bem-estar no parque urbano neste momento, onde uma brisa fresca movimenta o arvoredo como num bailado, ao som do vento que refresca o corpo e a alma do jovem que já nem se lembrará — ou quererá lembrar mais, das horas anteriores —, o que nem faria sentido, uma vez parecer chegar à conclusão de «até ter sido agradável!», «porque não?», um pouco de lou9
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cura — pois sem alguma, a vida decerto tornar-se-ia insípida —, por não existirem geralmente certezas absolutas; a não ser claro, para quem (nunca tem dúvidas ou se engana!...) Recosta-se um pouco contra o largo tronco da árvore em cuja base acaba de se sentar pensativo — sabe-se lá em quê?! (…) — Talvez nalgum projeto de vida — pois está em altura disso — embora não transpareça daí qualquer preocupação, fruto de muita afronta anterior, à sua preferência — de que não se pronuncia —, a uma certa altura da sua ainda curta vida, que eventualmente o levaria a um caminho estelar, por ter sentido em si um forte toque vocacional — só possível saber se os “caprichosos deuses olímpicos” em transcendência o quisessem revelar! (…) Adormece, talvez ainda ressentido no corpo e alma da “grande farra” da noite anterior, de que se sentiu sair derrotado, tendo-se em conta o seu objetivo primordial (…) Talvez, quem sabe, algum dia possa ter a honra de um privilégio conquistado, muito melhor do que adquirido — porque ao tratar-se de privilégio, nunca o adquirido tem a forma do conquistado — uma vez ser isento dos dissabores experimentais que constituem solidamente um conhecimento real para uma devida compreensão… Dorme o «sono dos justos» — ainda que talvez não profundamente apesar de tudo — ali, sob aquela alta e frondosa árvore recostado ao tronco largo, sentado com os braços cruzados e pernas esticadas de igual forma, cabeça direita de cabelos castanho-claro encaracolados sobre os ombros, boca suave e olhos angelicamente fechados — como em meditação —, sobre um robusto tapete natural de erva rasteira verdejante, (qual súbdito 10
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aos pés da sua majestosa monarca); ainda que não o devesse fazer em tal circunstância real! (…), que lhe proporciona uma pequena mas reconfortante sesta à sua sombra fresca, numa tarde de domingo de Primavera. O sol ainda vai alto, mas em descendência gradual, quando, já mais descansado o jovem se reabre à vida naquele espaço tão fresco e bem jardinado, onde a brisa temperada corrente mantém o arvoredo bailante ao seu som, trazendo ao mesmo tempo as fragrâncias naturais de uma variada vegetação, numa fusão indefinível — podendo-se por hipótese imaginar o “éden” — onde em sequência, talvez o jovem tanto gostasse que lhe surgisse algum desafio emocional que o levasse por um caminho tentador e confuso de “doce superstição de pecado”, tão feminil — ainda que não acredite em superstição —, por o seu lado imaterial não conseguir definir mais, do que uma crença transcende — pois só aos caprichos dos deuses olímpicos considera dizer respeito — uma vez estes poderem querer libertar, sabe-se lá, os que logicamente conseguirem encontrar o caminho da oportunidade e compreensão, que em consciência, e essa sim; seja a libertação da sua própria escravatura por subjugação ao inoportuno e incompreensível mítico — que tanto sofrimento pode causar — por não permitir qualquer experiência real com os dissabores, assim necessária à constituição sólida do conhecimento compreensivo do ato de existir para a descoberta, sem margem para a frustração demolidora num juízo final (…) É noite de novo: — O quarto —, com algum cheiro a vício, suavizado pelo cuidado higiénico do jovem, que deixou após ter saído para o dia de domingo uma fragrância do seu agradável 11
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perfume preferido ainda remanescente, acabando por dar uma fusão odorífera com alguma sensualidade — que no mínimo não o deixaria mal, se notada por alguma convidada àquele lugar — para onde acabou de recolher após um dia de domingo primaveril, e se encontra de novo — depois dos devidos cuidados pessoais — deitado na mesma cama que há horas lhe servira de muro de lamento ao acordar da “grande farra” em que estivera envolvido a noite anterior. Num escuro — que não é breu — mas antes um meio de reflexão profunda que ilumina a sua mente como um luar intenso — filtrante do resplendor de uma luz direta. Pensa prioritariamente no belo resto de dia que passou sem qualquer perturbação no jardim urbano, após um agradável almoço; na felicidade — apesar de só — não ter sido solidão, e no que possa constituir solidão — quando mesmo só — se pode sentir bem acompanhado por um ego centrado numa consciência tranquila, de não contrariar nem ser contrariado por qualquer laço — mesmo familiar — que constitua antagonismo por incompatibilidade, uma vez tal poder acontecer no (melhor meio), dado a existência ser constituída na sua violência suscetível, por um jogo de personalidades em muitos casos sem bom resultado! (…) Ocorre-lhe a infância — pouco natural —, sem qualquer ilusão própria — com todo o realismo — que, por seu lado, o fez chegar ao momento com gostos muito pessoais, sempre em desigualdade… talvez por se ter achado, e não necessitar dos enfados das exigências que confrontavam o seu ego em busca de autonomia própria, motivadas por perplexidade tutelar, própria 12
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de critérios em inconformidade com tal ser possível na imaturidade pueril, sem a convencional ajuda à introdução na vida real por conduta pré-definida, não tendo assim em conta a personalidade como fator natural incluído no corpo à nascença, por meio da alma integrada com característica própria; que, nesse sentido, confere à educação apenas base de observação e análise de comportamento como ajuda, ao invés da tentativa de modificação de algo tão nobre como o carácter próprio nato — autêntico diamante que não deve ser lapidado, mas apenas polido — sob pena de poder ser descaracterizado da sua natureza real e daí poder surgir uma falsidade ao seu valor como preciosidade! (…) A adolescência, ainda muito fresca pela influência da sua proximidade relativa e fator primário forte de vivência experimental, entra também neste rol de pensamento sequente — como se uma câmara de memórias tivesse sido colocada na sua mente — e de forma automática acionada… — Tudo tão fresco e claro!… O primeiro namoro adolescente; aquele… sim… que vem depois do ingénuo!…, tão ingénuo e primitivo quanto se possa ser na escola primária — normalmente aí encontrado — por como óbvio, não existir liberdade para mais. — A escola que ensina a ler, escrever, contar, desenhar e pintar a vida, do presente para diante… sim, que impede o embrutecimento básico, se se conseguir daí tirar a primeira ilação do que se possa vir a gostar de ser, para além do ego da personalidade — se houver algo intrínseco vocacional — como oferta extra, colocada na alma que integra o corpo de nascença e vivência até ao limite…, 13
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e o requisito da predefinição tutelar o puder entender racionalmente como tal! (…) — Então, em continuidade racional, o primeiro namoro adolescente; o que possa estar — ou esteja mesmo isento de amor — mas pleno de impulso, que impede o amor de eclodir — como a ave do seu ovo —, impulso da força ilusória que só permite ver o exterior, todavia sem mais, pela força da ingenuidade que não permite sequer entender minimamente a alma que possa estar envolvida nas linhas esbeltas do corpo que os olhos adolescentes veem tão superficialmente e perseguem em avanço de todas as barreiras que se possam encontrar nesse caminho de procura incessante do outro! O jovem homem lembra, naquela já madrugada — que disso não dá conta — por ter o condão de fazer (parar a ampulheta temporal) dos “caprichosos deuses olímpicos”, os que fazem fervilhar a vida e fizeram a sua, no rasto do primeiro namoro adolescente, percorrendo quilómetros — não muitos — mas para si naquele momento alguns, até ao encontro que supostamente seria de amor mas não; apenas um olhar direto sem mais… nem um toque físico que fosse, por medo de magoar, fazer mal, ou talvez poder ser indelicado sem saber, na sua ingenuidade… — Todo o processo foi vivido de uma forma, agora crítica, mas que o fez despertar para um entendimento gradual de coexistir com o outro lado: O feminino, tão secreto e com tanta subtileza no seu desejo intrigante e atraente! — Atração que o tem feito desassossegar por ser bem aceite por esse lado do mundo “esbelto caprichoso”, tal como as divindades que o criaram — talvez mais à sua imagem — numa 14
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inteligência suprema, pois de outra forma, segundo o ponto de vista pensante do jovem nesta madrugada que chegou sem se anunciar, «qual seria a principal motivação acionadora de todo o fervilhar da vida?». E mais o pensamento decorre apesar de tudo… — «Porquê então, se o amor é um sentimento de pureza e sinceridade, poder ser também eventualmente tão antagónico, ao ponto de criar sofrimento múltiplo — tal como a si próprio — em casos que amou quando o amor se exerceu na sua alma, e tanto atraiu como o expulsou — quanto um elemento indesejável o possa ser?!, e mais; porque é que em alguns casos o que parecia estar encerrado, o amor que expulsava simulava uma reabertura em simultâneo a renovada atração?...». O seu pensamento cai subitamente no colapso da letargia do seu próprio esforço, e o jovem alheio à ação da ampulheta movimentadora do tempo entra num profundo sono do sossego “Olímpico…”
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CAPÍTULO II
Desalinho do amor
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Encontra-se bela a jovem de cabelos lisos médios, cor ouro escuro — tanto quanto o possa ser naturalmente —, rosto proporcional de tez clara, nariz elegante atraente, lábios finos cor carnal suave, humedecidos casual e delicadamente por uma língua rosácea felina, sorriso cúmplice de matreirice, revelador de dentes pérola, ligeira e elegantemente sobrepostos; olhar atraente sintonizado com o sorriso — apenas em necessidade estratégica — ainda que de forma espontânea, olhos luzidios castanho-claro, discretamente observadores, com pálpebras de pestanas normais, condizentes com a atração do olhar, encimados por sobrancelhas elegantemente arqueadas e finas, da cor do cabelo ouro escuro. Um corpo elegante coberto por uma blusa de cor clara, tão curta e justa como decotada, de margem nua entre calças jeans desbotadas e justas, botas de tacão cano curto e largo elegante, em couro castanho de aparência desgastada, todo um conjunto insinuante de linhas físicas esbeltas, denunciantes de um par de seios redondos e firmes de boa proeminência, ombros largos, costas hirtas de ar suave, cintura curvilínea, ventre protuberante 17
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a partir de reentrâncias laterais, exibindo um umbigo de soberba competência de corte de cordão umbilical por parte de quem o tenha executado! (…), tudo culminando numa cútis clara de aspeto acetinado, sugerindo uma tão bela delicadeza — como só “divinos artistas olímpicos” possam ter esculpido! (…) — O jovem homem que tem andado à deriva no tocante a desejo e conceito amoroso, observa aquela imagem viva tridimensional, ali, em frente ao seu olhar deslumbrado naquele espaço onde se tomam apreciáveis refeições, sentado a uma mesa de canto, de onde pode apreciar em ponto angular favorável todo o movimento naquela sala em que decorre o jantar de uma tranquila quarta-feira, dia médio de semana que antevê o aproximar lento do fim de semana. Encontra-se também em pensamentos acerca da sua certeza vocacional — por lhe ter perdido o rasto — e permanecer confuso entre o sonho e a realidade da vocação! Pois tanto quanto pense, não atingiu esse ponto certo; contudo ainda que a incerteza lhe tenha perturbado o estado emocional por não concluir o que possa fazer quanto à vocação — e isso causar-lhe óbvia dúvida —, a seu tempo sequente pensa que será a dúvida o único ponto produtor da certeza?!, «porque não?». Bom ponto de reflexão — se se atender a que o jovem se encontra totalmente absorto nesse sentido! E isso é um outro ponto de culminância na sua vida, entre a vertente amorosa e a vocacional profissional, tão importante, mas também vista de modos diferentes pela duplicidade de espírito que; tanto o preocupa, como relaxa quando algo se torna mais denso, não permitindo que isso se torne numa imposição que o faça vítima da ampulheta dos “caprichosos deuses olímpicos” — com quem já 18
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parece ter estabelecido um pacto de respeito mútuo: “Não viver subjugado ao caprichoso movimento cadenciado do tempo”, e assim poder (eternizar) cada momento de vivência — para daí tirar um melhor proveito; “cedendo contudo obrigatoriamente à exigência caprichosa olímpica de subjugação ao fervilhar vital!” A jovem apresenta-se incluída em grupo amistoso de outras, que entram conversando animadamente e aguardam que o chefe de sala as coloque na respetiva mesa, ao mesmo tempo que é observada pelo jovem que parece — ainda que discretamente —, de olhar atento à postura desta em toda a sua atração de imediato apreendida. Pensa em simultâneo no passado, aquando o primeiro encontro adolescente — por ainda se encontrar relativamente próximo —, e no presente da sua vida — ainda em busca do modo adequado de lidar com o amor — por tudo ter uma nova necessidade de compreensão — dado a sensação sentimental ser mais profunda e exigente — uma vez o sentimento ser mais claro do que impulsivo, e não permitir de modo algum qualquer superficialidade em relação ao que possa ser considerado responsável, em termo de atenção, segurança e proteção, que uma mulher tanto aprecia num ato de cavalheirismo por parte de um homem — no caso ainda algo evadido num pensamento retrógrado da adolescência —, período que apenas contempla a necessidade de presença mútua em observação, repleta de timidez, como aconteceu na primeira abordagem adolescente, que o fez percorrer um caminho fervoroso, sem cálculo, como se tudo tivesse de ser resolvido desse modo! 19
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Ao sair do pensamento que o absorveu por um instante, verifica que o animado grupo se encontra já à mesa conferida pelo chefe de sala, e a jovem posicionada em ângulo favorável ao seu olhar observador solitário, desejoso de não se fazer regularmente acompanhar por ninguém, uma vez preferir estar só para os seus pensamentos, tão exigentes e sérios, por não gostar de deixar de aproveitar o pacto com os “caprichosos deuses olímpicos” em “um melhor proveito do tempo”, concedido por estes (…) Sabe no decorrer da refeição, que aquela beleza em convívio animado, nunca, em princípio, dará conta da apreciação de que está a ser alvo, por parecer descontraída demais; mas não sabe ele também — pela sua juventude — que uma mulher em fase jovem, tende a não se preocupar mais, do que sentir-se bem na sua (pele), pois esse será o motivo que a leva a uma autoconfiança de pensar apenas em divertir-se; pelo menos até poder ser confrontada com algum interesse emergente em si, ou os seus olhos notarem alguém que lhe seja interessante! O que o jovem também não consegue atingir é o facto de nem sempre o seu querer ser bem aceite — ao contrário do período adolescente — em que o amor primário é quase sempre certeiro pela irreflexão, motivada pela precipitação da imaturidade, em que tudo se resume mais à emoção da surpresa do primeiro amor, que este jovem homem parece nunca ter registado — talvez por não ter tido algo mais, do que emoção apenas! — E tudo se acaba naquele momento para o jovem, que por último observa a sua admirável donzela a encaminhar-se com o seu animado grupo para a saída, deixando apenas para trás 20
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o agradável rasto suave da fragrância agridoce do seu perfume altamente insinuante de «bom gosto!» É hora de regressar ao seu quarto, “câmara de segredos” dos seus pensamentos em desabafo com o seu ego confidente, após um breve momento para um café, na pequena mas agradável cafetaria, ali, mais ao cimo da rua, no fim do quarteirão do restaurante onde se deliciou com o seu prato favorito e bebeu — moderadamente — o seu vinho da cor do amor que ia sentindo pela visão da doce jovem, tanto quanto a sobremesa cremosa coberta com mel, que deixava diluir na língua e escorrer pela garganta — quase sem dar pelo mínimo movimento de deglutição — até ao estômago, onde se misturava com o vinho aí existente; como se alguma “divindade artística” lhe tivesse possuído todas as faculdades, ao expor tal beleza feminil por (si esculpida), para tentar o jovem desejoso de amor esbelto, até lhe sulcar as vísceras — como um progressivo submarino em fundo oceânico calmo!... O café vitalizante oferece ao jovem espaço para o saboreio de um charuto de sobra — de uma daquelas noites excêntricas e excessivas de deleite — em sentir-se inebriado pela bebida que avoluma o espírito e a carne corporal que o envolve, em presença do capricho feminino — aquele que faz intuir sempre numa boa esperança —, por existirem seres masculinos que terão nascido para o sacrifício a esse capricho (…) — tão complexo, mas que depois de eventualmente percebido na sua essência (…) poderá apresentar múltiplas entrelinhas que levarão através de pontos subtis ao prazer profundo — que o jovem ainda não conseguiu perceber —, apesar de notar algo que lhe indica a exigência 21
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