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FICHA TÉCNICA

arranjo capa: Ângela Espinha paginação: Alda Teixeira 1.a Edição Lisboa, janeiro 2020

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isbn: 978-989-8867-78-0 depósito legal: 464830/19

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título: As Ideologias e o Sentido da Existência autor: António Amaro Monteiro edição: Edições Ex-Libris ® (Chancela Sítio do Livro)

© António Amaro Monteiro

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Todos os direitos de propriedade reservados, em conformidade com a legislação vigente. A reprodução, a digitalização ou a divulgação, por qualquer meio, não autorizadas, de partes do conteúdo desta obra ou do seu todo constituem delito penal e estão sujeitas às sanções previstas na Lei.

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Desde já dois agradecimentos:

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– Ao Sr. D. Manuel Felício pela leitura deste texto e pelas palavras simpáticas que servem de prefácio. – E aos muitos alunos com os quais lidei ao longo da vida e que nas minhas aulas de Filosofia levantaram muitas das questões acerca da existência de Deus aqui abordadas.

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PREFÁCIO

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O conceito de ideologia está bem definido, fugindo à conotação mais comum à generalidade das pessoas que ligam ideologia a alinhamento partidário. Também é positiva a maneira como fica formulada a bipolarização entre monismo materialista e dualismo antropológico. Trata-se de matéria chave no processo educativo dos nossos jovens. O monismo espiritualista não teve consequências muito diferentes do monismo materialista, como se pode constatar pela influência de Hegel no marxismo, via Feuerbach. Todavia, à palavra dualismo eu preferiria a palavra dualidade antropológica porque, a alma, no ser humano nunca pode ser considerada parte separada do corpo, mas sim uma dimensão irrenunciável do ser humano. As provas da existência de Deus parecem-me bem enquadradas. Não são um absoluto, nunca podem ser provas apodíticas, diga-se que convençam toda a gente, mas interpelam as consciências sérias. Referência a autoridades como Eisntein ajudam. 7

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Chamar a atenção para a partícula de Deus, assunto de que a comunicação social muito tem falado, é positivo, assim como introduzir a grandeza da intersubjectividade, em clave Husserliana e também o caminho para Deus baseado no “bonum et verum” e poderemos acrescentar o estético. A questão do sentido é outro caminho que o texto desenvolve e tema para ser cada vez mais explorado quando se trata de promover a adultez de pensamento e acção nos nossos jovens. De facto, só a dimensão supra-material da realidade e a abertura para a dimensão transcendente ou de Deus esclarece a questão do sentido da existência. Mas aqui eu preferia que não se falasse em dicotomia corpo-alma, mas sim em dimensões complementares do ser humano. Também me parece muito oportuno que se introduza a questão da liberdade como factor humano que interpela para a dimensão transcendente e depois que se explore a diferença entre cérebro e mente para abrir a porta à outra dimensão do ser humano. É igualmente bom enfrentar a questão da hipótese científica do Big-bang e chamar à partícula inicial partícula de Deus. Parece-me um bom texto não tanto para o público em geral, mas sobretudo para levar pessoas e grupos, sobretudo jovens, a colocar a questão de Deus. De facto, a nossa cultura dominante distrai das questões decisivas da exis8

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tência humana em vez de orientar as pessoas para elas. É bom haver propostas que marquem a diferença, como esta. O segundo texto, que vem após o primeiro, em meu entender nada lhe acrescenta, mas pode ser utilizado como um resumo e forma diferente de conduzir as pessoas para o centro da questão de Deus, aquela que mais as devia preocupar, o que de facto não tem acontecido. Deixo aqui estes apontamentos que resultam da minha leitura interessada.

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Guarda, 20 de Junho de 2014

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INTRODUÇÃO

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Este trabalho resulta de uma reflexão de vários anos surgida do confronto de ideias proporcionado por alunos meus que, em circunstâncias explicadas no texto gostavam de debater a existência de Deus nas aulas de Filosofia. É um tema que interpela os jovens, bem como qualquer pessoa que tenha a ousadia de olhar mais além das ocupações e preocupações do quotidiano. Direi mesmo que este tema é a única questão verdadeiramente filosófica que interpela o ser humano. Pedi ao meu amigo e antigo colega de estudos na Universidade Católica de Lisboa, D. Manuel Felício, que me desse uma opinião sobre ele. Essa opinião aí está, integralmente plasmada no prefácio, e uma vez que D. Manuel Felício considera algumas ideias aqui expressas, nomeadamente a distinção entre monismo materialista e dualismo antropológico, “matéria chave no processo educativo dos nossos jovens”, resolvi tornar o texto acessível a quem estiver interessado em tomá-lo como ponto de partida para uma reflexão mais aprofundada sobre este assunto. 11

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Transcrevendo D. Manuel Felício, “As provas da existência de Deus parecem-me bem enquadradas. Não são um absoluto, nunca podem ser apodíticas, diga-se que convençam toda a gente, mas interpelam as consciências sérias”. Trata-se de “provas” não “construídas” mas descobertas pela Razão, ao alcance de quem queira refletir sobre o assunto, e não de “dogmas” impostos pela Fé. É esta a diferença que distingue o ”Deus dos filósofos” do “Deus dos teólogos”, para utilizar expressões de Pascal. Se daquelas provas se pode dizer que “nunca podem ser apodíticas”, o mesmo já não podemos dizer destes dogmas, pois no dia em que a dúvida sobre a existência de Deus se instale na Fé dos crentes, estes perderão toda a legitimidade para o ser. Se Deus não existe, e “Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa Fé” – já dizia S. Paulo. Se a existência de Deus não é apodítica, também não podem ser apodíticas tantas e tantas afirmações que os líderes religiosos, nomeadamente da Igreja Católica, fazem como tais. A título de exemplo, recordo a impressão que me deixou o Cardeal Ratzinger, futuro Papa Bento XVI, quando, imediatamente após a morte de João Paulo II, proclamou que este “já se encontra no seio do Pai”. Muitos dos jovens que participaram nos debates das minhas aulas ter-lhe-iam perguntado, se pudessem: “Como é que o Senhor sabe?”. Foi justamente nesses debates com os jovens que me apercebi de que eles são cada vez mais avessos a afirma12

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ções muito bonitas, mas que lhes parecem vagas e abstratas. A atitude científica apodera-se, a meu ver erradamente (uma vez que o chamado “analfabetismo científico” grassa cada vez mais...) dos seus espíritos e facilmente viram as costas a tudo o que lhes “cheire” a dogmas não demonstráveis. Por isso não é fácil discutir com eles o problema de Deus. Tanto mais que muitos deles não são capazes de separar e distinguir o problema de Deus das crenças religiosas “impostas” pela família durante a infância, frequentemente eivadas de preconceitos, e que muitas vezes funcionam como verdadeiros “obstáculos epistemológicos”. De tal modo que para eles falar de Deus é o mesmo que falar da Igreja Católica, uma vez que esta ainda é a organização religiosa maioritária em Portugal. E lamentavelmente esta nem sempre goza de muito boa imagem perante os jovens... Consciente desta realidade, escolhi propositadamente refletir apenas sobre os argumentos racionais acerca da existência de Deus. E penso até que esta deveria ser também a tarefa prioritária da Igreja nos tempos que correm, caraterizados por um ateísmo sociológico cada vez menos disposto a ouvir falar de Deus. Os jovens gostam de discutir a existência de Deus, mas se se lhes começa logo por falar da existência de Cristo, muitos deles pretendem antes de mais saber: “Se Cristo é Deus, ou o filho de Deus, mostra-me primeiro que Deus existe!”. E nesta ordem de ideias muitos contestam mesmo o facto de terem sido batizados 13

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na infância, ainda bebés, quando ninguém lhes perguntou se o queriam ser ou não. Voltando, por tudo isto, às palavras de D. Manuel Felício, a quem agradeço mais uma vez o testemunho da leitura do meu texto, se as provas da existência de Deus não são apodíticas, no sentido de não serem aceites por toda a gente, isso não impede que não deixem de interpelar qualquer ser humano “de boa vontade” e espírito aberto. Vistas cada uma por si, nenhuma poderá ser apodítica, mas todas em conjunto dificilmente são refutáveis. Direi mesmo que funcionam como peças de um puzzle que resultam num conjunto harmonioso que só não “vê” quem não quer. A culminar a chave desse puzzle encontra-se justamente a crença ou a Fé. Paradoxalmente a Fé, que parece uma coisa tão frágil, surge como corolário daquilo que foi “expurgado” de toda a mistificação pseudo-científica, à semelhança de um grão de mostarda que se transforma numa gigantesca árvore que resiste contra ventos e marés. Ela assenta na crença em coisas extraordinárias realizadas por seres ou homens extraordinários. Se tudo aquilo que se diz de algo considerado divino ou sagrado não ultrapassa o que é considerado “normal”, vulgar ou comum, que razões haveria para o distinguirmos com aquelas categorias? Nenhum santo sobe aos altares se não tiver realizado alguns milagres que resistam ao crivo da razão mais exigente. 14

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Desaparece deste modo o mito da separação entre Razão e Fé. Esta não é mais do que admitir que existe “algo” que a racionalidade científica pura e simplesmente não pode construir ou mesmo destruir. De igual modo, e voltando à Ressurreição de Cristo, se compreende assim a afirmação de S. Paulo atrás referida. Só um Deus pode ressuscitar dos mortos ou devolver a vida a outros mortos. Se alguém conseguir demonstrar que Cristo não ressuscitou, ou que nem existiu sequer, o Cristianismo transforma-se, sem mais, naquilo que Nietzsche designou por uma “piedosa mentira” (piedosa porque bem intencionada, mentira por ser uma ficção) que fala de coisas muito bonitas mas que não passam de ilusões. Os argumentos racionais que eu invoco para demonstrar a existência de Deus não são uma invenção minha. Outros falaram deles. Os elementos que eu saliento referentes às posições atuais de Neurociência, que Patrícia Churchland, prefere, e com razão, designar de Neurofilosofia, tais como a distinção entre cérebro e mente e respetivas implicações na questão da liberdade humana e outras questões filosóficas, vêm acrescentar algo de novo ou reforçar tais argumentos. Admitir a existência de Deus já não se trata, assim, de uma mera “crença” mas de uma questão científica. E vale a pena ver se tais argumentos são ou não consistentes, pois a interpelação de Jesus Cristo a todos nos diz respeito: “Que adianta a um homem ganhar o mundo 15

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inteiro, se vier a perder a sua alma?” (Mt. 16, 26). Se deixarmos para o momento da morte, e mesmo para depois da morte, o “tira teimas” sobre a existência de Deus, não será demasiado tarde? Apesar das referência a Jesus Cristo e à própria Bíblia no seu todo, quero deixar bem claro que esta minha reflexão incide sobre a existência de Deus como um Ser sem o qual se torna incompreensível a existência do Universo. A Bíblia foi escrita pelos homens mas os homens não “criaram” Deus. O contrário é que é verdade. Quando os homens escreveram a Bíblia a Humanidade já existia há milhares de anos e a existência dos homens dificilmente se compreende sem a existência de Deus dado o facto de eles não se terem colocado a si próprios na existência. Quando autores como Nietzsche e Sartre afirmam que “Deus morreu” e “Deus não existe” trata-se de afirmações retóricas sem qualquer fundamentação científica ou outra. É difícil “provar” que Deus existe. Mas é impossível provar que não existe. E quando Saramago dizia arrogantemente que “Deus não é flor que se cheire” e se referia a Ele com outros epítetos bem mais grosseiros, não saía do âmbito das interpretações que os homens fazem de Deus desde que a Bíblia existe. Isto porque a Bíblia é de facto uma “fonte” que justifica tudo conforme as interpretações que dela se façam. Nela 16

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encontramos justificação para o imenso bem que os seres humanos possam fazer uns aos outros como os terríveis males que também são capazes de infringir uns aos outros. Utilizando uma metáfora do Prof. Alexandre Morujão (séculos XX-XXI) relativamente à Fenomenologia, a Bíblia é também uma espécie de pedreira onde cada escultor vai arrancar a pedra que melhor se adapte à escultura que pretende esculpir. E para mim há três coisas no Cristianismo e particularmente no Catolicismo que ultrapassam a minha capacidade de compreensão: — Um Deus que entrega o seu Filho (Jesus Cristo) para o sujeitar a uma morte horrível e ignominiosa. Mesmo do ponto de vista humano qual é o pai, que verdadeiramente ame um filho, que não faça tudo para o livrar de quem o quer matar? Será possível ter mais amor aos assassinos do que ao próprio filho? — O brado lancinante de Cristo na cruz já em agonia de morte “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste? (Mt, 27, 46)”. Onde está afinal a divindade de Cristo, tão proclamada nos Evangelhos e no Credo que a Igreja coloca na boca dos seus fiéis? Se Cristo é Deus, fará algum sentido este brado em forma de queixa? — Finalmente, qual é o Deus que se compraz com o sofrimento das suas criaturas? Se a morte de Cristo foi suficiente para a redenção de humanidade, o que justifica então 17

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as dolorosas caminhadas a pé aos centros de peregrinações, o “joelhódromo” de Fátima, o uso do cilício, as auto-flagelações e as crucificações reais nas Filipinas? Não bastam já os sacrifícios e sofrimentos inerentes à nossa condição humana, e que a vida se encarrega de nos trazer, para nos “penitenciarmos” dos nossos “pecados”? São possíveis duas perspetivas sobre as penitências e o sofrimento que os seres humanos se auto infligem por motivações religiosas: do ponto de vista dos crentes acham que tal sofrimento se justifica como cumprimento de promessas ou como penitência, ou expiação, de pecados cometidos; mas se nos colocarmos no ponto de vista de Deus, que prazer ou felicidade poderá ter um criador com o sofrimento das suas criaturas? Se isso o torna feliz, como sinal de domínio, não será verdadeiramente um deus sádico? Teremos aqui uma relação sado-masoquista: sádica por parte de quem (Deus) se compraz com o sofrimento dos outros e masoquista por parte de quem (crentes) gosta de infligir sofrimento a si próprio. Há ainda dois outros fatores que constituem verdadeiramente um “calcanhar de Aquiles” para o Cristianismo e particularmente para a Igreja Católica: a doutrina sobre a sexualidade e o relacionamento com o dinheiro e a riqueza. São sobejamente conhecidos e criticados os escândalos provocados por membros da Hierarquia e há um enorme contraste entre a riqueza e o fausto do Vaticano e a vida 18

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real de Jesus Cristo que não tinha sequer “uma pedra onde reclinar a cabeça”. Como estes factos já foram e são tão profusamente comentados e reprovados, qualquer coisa mais que eu dissesse seria apenas “chover no molhado”. Por tudo isto prefiro não aprofundar mais as referências ao Cristianismo ou a qualquer outra forma organizada das crenças. Os líderes e os clérigos de qualquer organização religiosa consideram-se autênticos “administradores de Deus” e da sua vontade. Têm tendência a considerar “blasfémias” as opiniões divergentes e esquecem-se de que Deus é anterior e está acima de qualquer organização humana. É a esse Deus que dedico as páginas deste livro e cuja existência procuro destacar com os diversos argumentos que no seu todo funcionam como as peças de um puzzle no qual se configura a imagem desse Ser que tanta polémica gera entre os seres humanos.

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Coimbra, Agosto de 2019.

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Há alguns anos atrás, tive um aluno na Escola Secundária José Falcão, em Coimbra, que era sobrinho do então Arcebispo Primaz de Braga, D. Eurico Dias Nogueira. Por sinal esse aluno também se chamava Eurico Nogueira. Num determinado contexto da matéria falou-se de ideologias e ocorreu-me então pedir ao meu aluno que perguntasse ao seu tio se o Cristianismo é ou não uma ideologia. D. Eurico Nogueira teve a gentileza de me escrever um bilhete onde, em resumo, recusava ao Cristianismo o estatuto de ideologia.

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NOÇÃO DE IDEOLOGIA

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Impõe-se então clarificar a noção de ideologia, bem como os critérios que permitem identificá-la na prática. É uma tarefa que não é fácil dado o facto de o termo “ideologia” ter várias conotações, a mais frequente das quais associada a ideários ou partidos políticos. Assim se fala, por exemplo, de “ideologia nazi”, de “ideologia fascista”, de “ideologia comunista”, de “ideologia socialista”, etc... Se tivermos em conta exclusivamente esta conotação política, não há dúvida de que é verdadeira a afirmação, muito em voga, que proclama o fim das ideologias. Efetivamente as grandes ideologias que no Século XX mobilizaram os povos europeus e, por arrastamento, outros povos do resto do mundo, hoje em dia não têm uma representatividade significativa, se é que não desapareceram mesmo enquanto ideologias. A única das grandes ideologias que assolaram o séc. XX que ainda subsiste praticamente incólume nalguns países (China, Coreia do Norte, Cuba e Venezuela, para só mencionar os mais conhecidos) é sem dúvida a ideologia comunista. Isto porque tem como único objetivo a con23

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quista e a manutenção do Poder sem olhar a meios para atingir os fins. Isto faz do comunismo uma verdadeira religião com a diferença apenas de que o seu fundamento não é a existência de Deus mas o medo e a ordem impostos pelo líder. Nenhum dos chamados “direitos humanos” está verdadeiramente garantido numa sociedade comunista. A partir do momento em que o marxismo-leninismo, visceralmente ateu, proclamou que a “A propriedade privada é um roubo”, o indivíduo ficou completamente à mercê de um Estado arbitrário e totalitário que utiliza os indivíduos a seu bel-prazer. Mas se no plano político as coisas são assim, não significa isto que as ideologias, no genuíno sentido do termo, tenham desaparecido completamente ou venham alguma vez a desaparecer. E uma ideologia é, em meu entender, uma determinada conceção do Homem, da Natureza e do Universo, com implicações de ordem prática no modo de organizar toda uma sociedade humana de acordo com essa conceção. Sendo assim, há apenas duas grandes conceções do Homem: uma que o reduz a um conjunto de células corruptíveis que desaparecem completamente com a morte, e outra que faz dele um ser simultaneamente material e espiritual, ou seja, dotado de corpo e alma ou matéria e espírito. Qualquer destas conceções radica em doutrinas que remontam aos antigos gregos, sendo Leucipo (séc.s VI-V a. 24

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C.) e os seus seguidores Demócrito (séc. V a. C.) e Epicuro (séc. IV a. C.), os defensores de uma conceção que reduz o ser humano, tal como os restantes seres do Universo, a um conjunto de átomos e nada mais, para utilizar uma terminologia vigente na época. Por sua vez a conceção dualista do ser humano, a meu ver tão antiga como a própria Humanidade, encontra a sua expressão na ancestral religião órfica grega e nas doutrinas de, entre outros, Pitágoras (séc. VI a. C.), de Sócrates (séc. V a. C.) e Platão (séc.s V-IV a. C.) e ganhou consistência com o aparecimento do fenómeno religioso, nomeadamente das grandes religiões monoteístas, como, por exemplo, o Judaísmo, o Cristianismo e o Islão. Em termos mais estritamente filosóficos, temos a considerar duas grandes conceções monistas da Natureza, e, no fim de contas, de toda a realidade: uma designada de monismo materialista, que reduz toda a realidade unicamente à matéria, e que, como disse, encontra os seus primeiros defensores a nível filosófico nos autores atrás referidos e que serviram de modelo ao materialismo de Karl Marx (1818-1883) o qual escreveu a sua tese de Licenciatura em Filosofia sobre a Diferença entre a filosofia da natureza de Demócrito e Epicuro; e outra, designada por monismo espiritualista, que nega praticamente a existência da matéria e que encontra o seu principal representante em Jorge Berkeley, Bispo irlandês dos séc.s XVII-XVIII. 25

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