A aventurosa, extravagante e desconcertante viagem do Sr. Três pelo Planeta Luzinha

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Esta é uma estória contada pelo gigante Antão, um dos muitos gigantes guardadores de histórias do UniVerso.

A aventurosa, extravagante e desconcertante viagem do Sr. Três pelo Planeta Luzinha

E é contada especialmente para Felícia, uma das também muitas achadoras de histórias que percorrem o Infinito na busca de um desses gigantes, para lhe pedir (amavelmente) que conte uma das estórias que tem à sua guarda. A estória contada é sobre uma viagem aventurosa, vivida no planeta Luzinha pelo senhor Três e os seus amigos. C

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Esta aventura desconcertante passa-se em lugares extraordinários, e de certa forma extravagantes: a Cidade dos Três (onde florescem as macieiras que dão flores em forma de três); o País dos Esterlimflins; o País dos Pirilampos; o Deserto dos Saltitões; a Floresta Tenebrosa; o Grande-Rio-das-Letras; a Cidade dos Uns.

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texto José M. Reis Correia ilustrações Sofia dos Reis



A aventurosa,

extravagante, e desconcertante viagem do Sr. Três pelo Planeta Luzinha

texto José M. Reis Correia ilustrações Sofia dos Reis


edição: Edições

Berbequim das Letras ® (Chancela Sítio do Livro) aventurosa, extravagante e desconcertante viagem do Sr. Três pelo Planeta Luzinha autores: José M. Reis Correia (texto) e Sofia dos Reis (ilustrações) título: A

Patrícia Espinha Ângela Espinha paginação: Paulo S. Resende revisão:

arranjo de capa:

1.ª edição Lisboa, junho 2018 isbn:

978­‑989-8711-27-4 439987/18

depósito legal:

© José M. Reis Correia e Sofia dos Reis publicação e comercialização:

www.sitiodolivro.pt


À Alice e à Sofia que guardam a luz interior do planeta Luzinha


A Via Láctea é um mar de Luz, Belo e Sereno. Muitos chamam-lhe o Caaminho: o Caminho de Santiago. Milhares de corpos celestes compõem este espectáculo de luz transcendente que nos remete para o sentido da eternidade. Nesse vaguear de pensamentos, em que ficamos absorvidos perante tão grandioso espectáculo, por vezes, há momentos em que o nosso pensamento vagueia desprendido nesse mar, nessas alturas um sentimento é desperto p’lo olhar atento, e consegue-se distinguir um sulco vagamente azulado, por entre a bruma luminescente, denunciando movimentos errantes e peculiares. A princípio (quem o Vê!) distingue um brilho ténue e tremeluzente, depois (quem o Fixa!) apercebe-se que esse brilho vago estende-se pela galáxia como um filamento ondulante e translúcido, parecendo dominado pelos caprichos dos ventos eternos da galáxia. - É Ele !.... Ele Existe! Esta convicção é, para quem tem a fortuna de ver, o rasto dos Guardiões de Histórias, e Grandes Ouvidores dos Silêncios existentes, nas vibrações mais diáfanas e subtis do UniVerso.

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Os Guardiões, são gigantes e incansáveis caminhantes do UniVerso. Cada passada que dão, atravessam um sistema solar; o seu corpo tem uma árvore por detrás da nuca, que lhe nasce da coluna vertebral, e que muda de configuração - ramos, folhagem, flores - a cada vez que dá uma passada.

A importantíssima função deles é guardar as estórias de todos os lugares que visitam. São como jardineiros preservando e tratando com carinho o grande jardim da Via Láctea.

Só há uma maneira de saber as estórias que os Guardiões guardam: Reinando ao Absurdo (nas palavras aqui da Terra significa: Brincar ao Absurdo).

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No UniVerso, existem também uns seres pequeninos, que viajam por todo o lado, no rasto dos Guardiões para Reinar ao Absurdo: São os Achadores ou Achadoras de Estórias. Estes seres são muito parecidos às crianças de sete anos que temos aqui na Terra. E percorrerem o grande absurdo, montados em Cosmetas.

(os Cosmetas, para quem não saiba, são animais de duas cabeças, com o corpo em forma de fole. O Cosmeta move-se ao ritmo do fole que estica e encolhe, e da energia que sai alternadamente da boca das cabeças: a frente deita lume e detrás deita ar.)

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Reinar ao Absurdo, é um ritual que acontece quando um Achador encontra um Guardião. O ritual dá-se assim: Logo que um Achador encontra um Guardião sentado perto de algum planeta, acerca-se dele e pede o Palavró. Se for autorizado, faz uma solene apresentação. Depois o Guardião - se a presentação for bem-feita - inicia o Pavalerbo (ou seja, começa a contar uma estória daquele planeta).

Ora, foi assim que a Achadora Felícia procedeu quando encontrou o Guardião Antão sentado numa lua do planeta Luzinha. A Felícia tinha escolhido a dança para fazer a apresentação, e quando terminou, ouviu, com agrado, a voz profunda e doce do Gigante dizer:

- BELOOOoooooo! Liin-díí-ssimoooooo! Minha jovem, aceito e agradeço a tua generosa e Belíssima apresentação. - Exultou o Gigante Antão. Todo o seu corpo vibrava levemente. E, simultaneamente e instantaneamente a árvore que se prolongava das suas costas e ombros mudou de forma: agora era um lindo salgueiro.

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- Bom… Bom…Agora! Pois então, agora tomarei do Pavalerbo! Honrar-te-ei com uma das estórias mais belas do planeta Luzinha. - Hurmm! Hurmm! - Sons guturais e profundos saíram da garganta do Gigante Antão. Saiba o leitor que este som faz parte do seu modo de falar, principalmente quando o Gigante quer dar um ar solene àquilo que vai dizer. E continuou… - Hurmmm! - Essa belíssima estória é a descrição da aventurosa, (Hurmm!) extravagante… (Hurmmm!) e desconcertante viagem do Sr. Três, (Hurmmmm),… e dos seus Amigos, (Hrumm!)… no Caminho que leva à Virtuosa Cidade dos Uns. (Mais uma vez, todo o corpo do gigante vibrou e, como de todas as vezes que isso acontece, a árvore que prologava as suas costas e ombros transformou-se de salgueiro, para um frondoso castanheiro.). - Vou, (Hurmmm!) pois então, (Hurmmm!) contar a estória tal qual a memória a guardou:

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“A nossa estória inicia-se, no dia três da contagem-de-cabeça-para-baixo, do mês da colheita, no ano Grande do Festejo-da-Coroação. Estamos na Cidade dos Três, na Rua das Macieiras-que-dão-maçãs-em-forma-de-três, onde, na casa n.º 3,33 mora o Sr. Três, Grão Mestre-Luz Cozinheiro, Meritíssimo Pasteleiro-Mor da Ordem da Maça Dourada. Era um dia especial na Cidade do Ternário Imperial. Era o dia em que, pela tardinha, se faria o Grande Concurso de Provas de Tartes de Maçã em Forma de Três. Todos os habitantes estavam atarefados nas suas casas a preparar a sua melhor receita de tarte de maçã em forma de três. No meio desta grande, envolvente e cuidada azáfama algo de incomum aconteceu… Ao tocar das badaladas das três horas e trinta e três minutos, pela alameda principal, rua das Macieiras-que-dão-maçãs-em-forma-de-três, corria o carteiro com uma carta urgente na mão. Virou na terceira à direita, na Rua das Três Maçãs, e dirigiu-se já ofegante à última casa, onde morava o Grão-Mestre Pasteleiro: O Sr. Três. - Plim! Tlim! Plim! - Soou a campainha. - Tlim! Plim! Tlim! - Voltou a soar com insistência.

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- ENTRE! ENTRE!... A PORTA ESTÁ ABERTA. - Gritou o Sr. Três do fundo da sua casa onde ficava a grande cozinha. - MESTRE!... Perdão, Grão-Mestre! - Desculpou-se o carteiro, fazendo uma vénia, por aquela inusitada interrupção dos trabalhos meticulosos de culinária em que o Sr. Três estava envolvido. E sem dar oportunidade que o Sr. Três dissesse uma palavra, continuou quase sem tomar fôlego da corrida que tinha feito: -Trago-lheumacartaurgentíssimaquecabadechegar. (Hfu!Hfu!Hfu!) arfava o carteiro. - Foitrazidaporumaaveboreal… (Hfu!Hfu!) daCasaReal!… (Hfu!Hfu!) …etrazoselodaPrincesaUma! - Pelo Grande Ternário: acalme-se! Sente-se aqui! Deixe-me ver essa Carta. Completamente esgotado, o carteiro obedeceu sentando-se esgotado sobre um banco de tripé e estendendo a mão com a carta na direção do Sr. Três. Observando a carta, o Sr. Três pode constatar que de facto era da Casa Real dos Uns, e tinha o selo de Sua Alteza a Princesa Uma. Para grande espanto seu, o remetente era o seu amigo o Sr. Dois. Partiu o selo de lacre que fechava a carta e abriu-a…

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A carta estava escrita pelo seu amigo Sr. Dois e era um convite em nome da Princesa a convidá-lo para… - Plim! Tlim! Plim! Tocou de novo a campainha, interrompendo a leitura. - ESTÁ ALGUÉM NA CASA? (Plim! Tlim! Plim!) Ó DA CASA? (Plim! Tlim! Plim!) TENHO LICENÇA PARA ENTRAR? - O rosto do Sr. Três passou do espanto a uma alegria incontida, porque ele conhecia bem aquela voz onde quer que fosse. Correu para a porta, gritando: ENTRE MEU BOM AMIGO!... ENTRE! QUANTA HONRA!... VENHA DAÍ UM ABRAÇO! Junto à porta de entrada, os dois amigos abraçavam-se sob o olhar estupefacto do carteiro, que, entretanto, tinha acorrido na direcção da porta para ver quem se apresentava: ali estava em carne e osso, acabado de chegar, o Sr. Dois! - Como é possível? Acabo de receber uma carta sua! Como pode estar aqui? A cidade dos Uns é longíssima. Como pode fazer este milagre? - O Sr. Três estava tão contente e esfusiante que nem se apercebia da quantidade de perguntas que fazia sem que permitisse ao seu amigo, sequer, balbuciar uma palavra. Sorrindo e pondo uma mão no ombro do seu amigo, o Sr. Dois disse: - Calma meu amigo. Deixe que lhe explique. Mas antes, permite que nos sentemos?

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- Óh! Claro,… claro. Onde tenho a cabeça, ponha-se à vontade, esta casa está à sua disposição! - Entretanto, o Carteiro já se tinha, outra vez, sentado tal era a curiosidade. - E será que podemos beber o famoso chá-dourado-de-maçã a acompanhar a nossa conversa? - Pediu o Sr. Dois. - E se possível, acompanhado com umas bolachinhas de essência de maçã, que o mestre faz tão bem! - Acrescentou atrevidamente o Sr. Carteiro. - Claro que sim. - Respondeu o Sr. Três, lançando um olhar de repreensão ao atrevido Sr. Carteiro. Em poucos minutos, a mesa estava posta. Todos se puderam servir e saciar, especialmente o Sr. Carteiro que deglutia avidamente bolachinha atrás de bolachinha. Retemperados, os dois amigos retomaram a conversa: - Como é possível?... - Interrogou de novo o Sr. Três, mas antes que pudesse continuar o Sr. Dois esclareceu: - …Sabe meu bom amigo, eu estou encarregado de uma missão absurdamente delicada, que me foi confiada por sua Alteza, A Princesa Uma. Como sabe, neste tipo de missão as Leis da Impossibilidade-Impossível deixam de se aplicar e, só a Grande Lei do Absurdo é válida. - Ah! - Exclamou o Sr. Três. – Eu sei! Tudo é Um. Não há Passo-Tempo até que a missão se conclua.

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- Exactamente. - Concluiu o Sr. Dois, e continuou. - Como lhe disse, estou aqui em nome da Princesa Uma para reforçar o convite, que lhe foi endereçado na carta que acabou de chegar. Este é um convite, meu amigo, para ser o Pasteleiro-Mor das Grandes Festas da Coroação, e, portanto, para ser o responsável por fazer o bolo da coroação de sua Alteza, A Princesa Uma… -Ê… Ê… EU!? Mm… Mm… MAS COMO!? - Gaguejou o Sr. Três. - Meu amigo, não seja modesto. - Interrompeu o Sr. Dois. - A Princesa Uma está a par de todas as suas grandes criações culinárias. Você, como autor de grandes proezas gastronómicas, é especialmente acarinhado no país dos Uns. Por pedido expresso e interesse de sua Alteza Sereníssima, tive oportunidade de descrever, minuciosamente o seu extraordinário trabalho, que tantas e tantas vezes tive a honra, e o prazer de degustar. Exaltei e enalteci o delicado requinte e criatividade das suas receitas, dignas do seu título de Grão-Mestre Pasteleiro. E continuou… - Prepare-se! Temos de iniciar a nossa viagem para o País dos Uns o mais brevemente possível, e sob as Leis da Impossibilidade-Impossível. Infelizmente a minha missão absurdamente delicada terminou ao lhe comunicar de viva voz o convite Real, e com ela, terminou a validade da Grande Lei do Absurdo. Enfim, isso não será um obstáculo: VAMOS À AVENTURA!

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O Sr. Carteiro esbugalhou os olhos de espanto, enquanto o Sr. Três empalidecia, dizendo: - Mas, no nosso país, há séculos e séculos que nos deixámos de aventurar em grandes ou pequenas viagens. Escolhemos o conforto da nossa casa, e dedicámo-nos ao aperfeiçoamento da arte de cozinhar, que é a mais harmoniosa, honrosa e caseira das funções… Ai! Ai! Mas por outro lado… Ai! Ai! Pelo Grande Ternário… Como recusar tão atencioso convite… Ai! Ai!... - Nada de Aiais, nem de Uiuis, a Princesa Uma espera-nos. Note bem meu amigo, não há tempo a perder, de hoje a uma semana é a Cerimónia da Coroação. - Retorquiu o Sr. Dois. A cabeça do Sr. Três parecia a massa de um bolo a ser mexida e remexida, tudo se misturava no seu pensamento a uma velocidade estonteante: era óbvio que não poderia recusar tão gracioso e distinto convite. Mas como fazer tamanha viagem em direção ao desconhecido? Que bagagem levar?

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Sem dúvida que teria de levar Esterlimflins… (e seu pensamento percorria freneticamente possibilidade após possibilidade). Sabia que o seu amigo era um viajante experimentado: tanto viajou sob a proteção da Grande Lei do Absurdo, como ao sabor das Leis da Impossibilidade-Impossível e, nesse sentido tenha a segurança de uma experimentada e excelente companhia. Por outro lado, sabia também que ninguém desde há séculos - nem o Sr. Dois - se tinha aventurado a fazer a viagem entre a Cidade do Ternário Imperial e a Cidade dos Uns, sobre as Leis da Impossibilidade-Impossível. Todos dizem ser uma viagem cheia de perigos e monstros aterradores. Por outro lado, ainda, o povo dos Três, foi há muitos séculos atrás, um povo de grandes viajantes: dessa época ficou muito conhecimento na mapoteca do Palácio do Ternário Imperial à guarda de sua Excelência, o nosso Imperador Cartógrafo D. Tríplice XXXIII (Trigésimo Terceiro). - Precisamos de pedir uma audiência ao Nosso Sereníssimo Imperador Cartógrafo D. Tríplice XXXIII. - Proclamou solenemente o Sr. Três, pondo-se de pé num rompante, para espanto dos seus companheiros. - Precisamos de orientações para a viagem! - Puxando de uma folha e de uma caneta-pluma, sentou-se a escrever…

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