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A.M.
A água não sabe que sobe que lava que leva de volta ao mar quem na terra quer ficar É o mar É
Jorge Serra de Almeida
A água não sabe se há-de ir se há-de ficar na praia Dizem ser a maré É o mar É
DI(z)VERSOS
DI(z)VERSOS
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Estes textos (versos) de Jorge Serra de Almeida conseguem a leveza de uma simplicidade só aparente. Um quotidiano onde a presença do outro nos remete ora para o amor, ora para a urgência da denúncia do sofrimento que as injustiças provocam. Mas sempre com a presença do outro, sem o qual nada faria sentido. Tudo mediatizado pela presença da natureza - o berço onde o diálogo eu-tu se desenrola.
Jorge Serra de Almeida www.sitiodolivro.pt
Jorge Serra Almeida, nasceu em Lisboa em 1949. Professor nas Escolas Secundárias de D. Dinis (1972-1977), Dona Maria I (1977-1997), David Mourão-Ferreira (1997-2003), Passos Manuel (2003-2005) e Pedro Nunes (2005-2011). A par da atividade docente, desempenhou em algumas delas, funções de gestão pedagógica e direção, estando também, desde sempre, ligado ao movimento associativo docente (SPGL). Colaborou igualmente com autarquias, em atividades relativas à cultura, património e desporto. Na década de oitenta, participou em concursos literários, tendo obtido alguns prémios. Publicou alguns desses trabalhos em boletins escolares ou autárquicos e ainda em sessões comemorativas do Dia Internacional da Mulher e Dia Mundial da Poesia. Na escrita, a sua forma de estar no mundo, de coração aberto e olhar atento e crítico (por vezes irónico) às realidades. Para que serve a poesia? --M.O.
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DI(z)VERSOS
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Jorge Serra de Almeida
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DI(z)VERSOS
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título:
Di(z)versos Jorge Serra de Almeida edição gráfica: Edições Vírgula® (Chancela Sítio do Livro) autor:
Silva Palmeira Ângela Espinha paginação: Paulo S. Resende imagem de capa:
arranjo de capa:
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1.ª edição Lisboa, setembro 2019 isbn:
978‑989-8821-94-2 456280/19
depósito legal:
© Jorge Serra de Almeida
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Todos os direitos de propriedade reservados, em conformidade com a legislação vigente. A reprodução, a digitalização ou a divulgação, por qualquer meio, não autorizadas, de partes do conteúdo desta obra ou do seu todo constituem delito penal e estão sujeitas às sanções previstas na Lei. publicação e comercialização:
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Por opção do autor, este não utiliza o Novo Acordo Ortográfico.
Agradecimentos Teresa e Ana Maria, amigas, pela colaboração e disponibilidade manifestadas na análise e coordenação destes textos.
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Família do Doutor Alexandre Castanheira (falecido em Janeiro de 2018, que lecionou no Instituto Piaget em Almada, e que, durante muitos anos, em associações culturais, escolas, autarquias e outras instituições leu/ divulgou alguns destes poemas, tal como muitos de outros autores).
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Silva Palmeira, autor da pintura incluída no desenho de capa.
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“ O paraíso é muito longe “
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Henri Georges – Clouzot 1949
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Maria Triste
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Triste está o dia triste está Maria. Maria triste que entristeceu num dia triste em que choveu. Maria triste espreita à janela e olha a rua que não é sua. Rua molhada cheia de gente rua que um dia amou Maria. Maria triste Maria só Maria mulher Quem quer Maria?
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Destino
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Há muito que percorres a cidade em busca (incessante) da liberdade Rua a rua em cada esquina foges de quem te domina Não consegues mas percebes que não sabes quem persegues Quando eras pequenina já tua mãe te dizia o destino está marcado deves cumprir tua sina
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Mundo rural
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As velhas diziam que era loucura Ela também tinha fome de ternura
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Quando as crianças brincam nos baloiços do jardim quando os pássaros esvoaçam e gritam entre as árvores quando as jovens mães passeiam lentamente os seus filhos quando as gotas de água caem tranquilamente no lago e se projetam em infinitos círculos esquecemos então o centro da cidade e já nem sequer se tornam necessários armas nem poemas
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Tanta pedra tanto mato tanta erva tanto gado tanta rocha tanta fraga tanta neve tanta água tanta casa não caiada tanta terra abandonada tanta esperança para nada tanta família emigrada tanta estrada alcatroada tanta árvore incendiada tanta névoa tanta mágoa
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Segues a pé entre dois carris com alguns objetos na mão e uma criança ao colo
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Ninguém nesse caminho sabe o teu nome ou o teu número de refugiado (é assim que te chamam) preso na tua liberdade de fugir
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Poderás sempre passar sobre qualquer dos carris para um lado ou para o outro seguir noutra direção mas hesitas e acabas por continuar Entre dois carris com alguns objetos na mão e uma criança ao colo continuas a caminhar
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Entre dois carris a esperança ou o sonho de chegar a algum lugar e sair das estatísticas
# Cerca de 2000 pessoas morreram no Mediterrâneo (só nos primeiros dez meses de 2018), segundo a Agência das Nações Unidas para os Refugiados
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As crianças brincavam no leito do rio quase sempre seco e esta era a sua vida
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Nada mais tinham além de ruinas na casa de um beco por definição sem saída
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O sol do meio dia o som inaudível do tempo que corria
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Inverno
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Faz frio! No quarto pequeno vazio dorme uma criança nua que não se despiu. Sonha talvez com o pai que partiu. Cai neve! E a beleza da sua brancura faz-nos esquecer a tortura do inverno da nossa loucura. Cai neve na sepultura!
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Natal em Timor
(28 Dezembro 1993)
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NĂŁo faz mal nĂŁo ter dinheiro para comprar o Natal Afinal talvez nĂŁo seja um bem essencial
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Greve
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Greve de todos os soldados de todos os exércitos em guerra (com declaração ou não) Paz na Terra
Soldados infantis
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Aos 8 anos levam uma espingarda na mão em vez de um livro uma bola uma canção Um tiro no coração de cada escola!
# 900 – É o número de crianças-soldados que foram libertadas em 2018, de acordo com a UNICEF. Só numa semana foi libertado um grupo de 90 meninos e 38 meninas.
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Depois da guerra não sei se teremos mais tempo Depois da guerra haverá certamente menos água na terra mas muito muito mais mágoa Depois da guerra haverá sempre alguém à procura não se sabe bem de quem Depois da guerra haverá silêncios e regressos às vezes apenas memórias Depois da guerra haverá orações discursos e também reconstruções Depois da guerra ainda haverá tempo e terra para reconciliações?
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Lágrimas
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São lágrimas de homem que caem na terra. São restos de vida são água de guerra. São lágrimas puras numa terra vã. São vidas com guerras de manhã em manhã.
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São lágrimas da vida que o homem inventou. São terra sem pão que o homem lavrou.
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São lágrimas das suas mãos e dos seus abraços. São lágrimas do seu sangue e dos seus fracassos. São lágrimas de homem. E dos seus passos.
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Paisagem
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Vi a pele enrugada destas velhas vi a cor esbranquiçada destas telhas vi papoilas tão vermelhas. Tão vermelhas cor de sangue. Cor de esperança. Vi o mar e ouvi ondas a cantar uma canção. Precisamos de mudar.
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Gostar de ti
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Gostar de ti é deixar que a memória se perca no tempo à procura do lugar onde nos encontrámos pela primeira vez Gostar de ti é não saber quando te verei de novo mas ter a certeza que estás sempre comigo Gostar de ti é estar contigo sem saber quando me vou embora até que o tempo nos separe Gostar de ti é partir é estar longe de ti com a certeza que um dia hei-de voltar Gostar de ti é ver-te sempre assim Menina – Mulher Amante - Militante
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Ano Internacional da Paz
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Ouvi dizer que 1986 é o Ano Internacional da Paz. Quem sabe quantas mães dão à luz sem assistência? Quem sabe quantas crianças morrem no primeiro ano de vida? Quem sabe quantos quilómetros percorridos por dia para frequentar uma escola? Quem sabe quantas horas de trabalho infantil para não morrer de fome? Quem sabe quantos são quantos meses quantos anos sem trabalhar sem receber? Quem sabe quantos são quantas horas quantos dias a fabricar uma bomba nuclear? Quem sabe quando é o Ano Internacional da Paz outra vez?
# 2017 – 15636 (estimativa do número de vítimas de armas de fogo, segundo a Organização Guns Violence Archive, fora dos conflitos ditos regionais)
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Requiem pela Liberdade
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Acusam-te as crianças esfomeadas que brincam nos bairros de lata acusam-te os jovens presos nas cadeias do teu país acusam-te os analfabetos de quem te serves acusam-te os soldados que se batem sem motivo e que morrem sem saber porquê acusam-te os jornais diários que lês com avidez acusam-te todos os homens dignos desse nome! Olha em volta e verás que todos te acusam e tu nem sabes de quê. Mas não tens que temer tens tudo a teu favor tens homens como tu que velam por ti tens a tua profissão e com ela o teu pão tens a tua casa e nela o teu abrigo tens o teu dinheiro e com ele o teu amigo e tens acima de tudo a tua preciosa insensibilidade que faz de ti uma pessoa livre
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À Anabela (que me deu um poema de Pablo Neruda)
CHILE
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Pablo Neruda Um homem e a poesia na resistência à ditadura E a liberdade nasceu! As palavras os papéis as mensagens e a ternura E a liberdade viveu! Veio a noite e o terror muitos mortos sem sepultura E a liberdade morreu! E hoje por formas várias continuam a chegar-nos as notícias a coragem e as palavras necessárias
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Nascer em Portugal (ou noutro país qualquer) no ano de dois mil e tal (ser homem ou ser mulher) um cidadão virtual (um ser sem o ser sequer) será cena habitual (ser humano se puder)
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Ausência caminhar com indiferença e prudência à margem da existência
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“A minha memória são as memórias da minha imaginação“
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Marcello Duarte Mathias – 1988