Lisboa a Oriente

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Membr of undadordo Rot ar yCl ubdeL i s boa –Par que dasNações , de que f oipr es i dent e no ano r ot ár i o de 201 2/201 3. Pr i mei r o pr es i dent e daJ unt adeFr egues i a doPar quedasNações , car goqueas s umi uem 22 de Out ubr o de 201 3. Deput ado Muni ci pal naAs s embl ei aMuni ci paldeL i s boa. TRABALHOS PUBLI CADOS:

Ahi s t ór i adaz onamai sor i ent aldeL i s boa,conheci dacomoPar que dasNações , apóst eracol hi doaEx po’ 98, at ent aas uapos i çãoes t r at égi ca,conf undes ecom ahi s t ór i adapr ópr i aci dade.Éumahi s t ór i a mi l enár i aer i quí s s i madeacont eci ment os ,nomeadament edebat al has ,nomeadament eat r av adaporD.Af ons oHenr i ques ,cont r aos mour os ,j unt oàPont eRomanadeSacav ém. Poraquipas s ar am f ení ci os ,gr egos ,car t agi nes es ,r omanos ,al anos , v i s i godoseár abes .Foi r et i r odeal f aci nhasboémi os , quenass uast aber nascant ar am of ado. Aquiocor r euopr i mei r oaci dent ef er r ov i ár i opor t uguês .Foif ar olde es per ança par a osque,acos s adospel a cr uelper s egui ção,numa guer r at enebr os a,ques angr av aaEur opanos éc.XX,apor t av am a L i s boapormarear . Aquis ei ns t al ou,napr i mei r amet adedos éc.XX,apr i mei r ar ef i nar i a por t ugues adehi dr ocar bonet os ,aSacor ,et odasasdemai sempr es asl i gadasaos ect or .Foit ambém acas adonos s opr i mei r oaer opor t o,oAer opor t oMar í t i modeCaboRui v o,per mi t i ndoal i gação,úni ca pel av i adoar ,com onov omundo.Si mul t aneament e,t ambém aqui s e i ns t al ouo pr i mei r o Mat adour o Fr i gor í f i co deL i s boa.Det odo es t e pas s adohámar casoumemór i as . É,j us t ament e,deal gumasdes s asmar casoumemór i asquev osf al a es t et r abal ho,cuj aúni capr et ens ãoét r az eraoconheci ment odos l ei t or esepi s ódi osei magensdes s epas s ado,at é1 998,des t aci dade quecat i v aear r ebat aosqueaf r equent am.

www. s i t i odol i v r o. pt

J OSÉMANUELMORENO

Fundadorev i cepr es i dent edaDel egação da Cr uz Ver mel ha de L our esdes de2007at é f i nalde201 2.

L I S B O AAO R I E N T EMEMÓRIASDO PASSADO

. . .CONT I NUAÇÃO

J OSÉMANUELMORENO

L I S B O A AO R I E N T E

MEMÓRI ASDO P ASSADO

J os é ManuelMor eno nas ceu no concel ho deMér t ol a,em J unho de1 947. T r abal houees t udou em L i s boa, onde r es i dedes de1 959.No ens i no s uper i or ,f r equent ou o I ns t i t ut o Super i ordeEconomi a eaFacul dadedeDi r ei t o,em ques el i cenci ou. Membr o f undador daAs s oci açãodeMor ador eseComer ci ant es do Par que das Nações des de 1 999, as s umi ua s ua pr es i dênci a em 2002, car go que ex er ceu at éAbr i lde201 3. L i der ou,i gual ment e, o mov i ment o que l ev ouàcr i açãodaPar óqui a de Nos s a Senhor adosNav egant es do Par que das Nações .

CONT I NUA. . .



Lisboa a Oriente


edição: Edições

Ex-Libris® (Chancela do sítio do Livro) título: Lisboa a Oriente – Memórias do Passado autor: José Manuel Moreno revisão: Alexandre

Costa Patrícia Andrade paginação: Paulo S. Resende capa:

1.ª edição Lisboa, fevereiro 2018 isbn:

978­‑989-8867-22-3 435954/17

depósito legal:

© José Manuel Moreno publicação e comercialização

www.sitiodolivro.pt


JosĂŠ Manuel Moreno

Lisboa a Oriente MemĂłrias do Passado



A todos os que amo… À cidade de Lisboa que, de menino, me enfeitiçou.



Introdução “O território hoje integrado na Freguesia do Parque das Nações é, muitas vezes, confundido com a zona de intervenção da Exposição Mundial, Expo’98. No entanto, esta é uma imagem redutora. A Expo’98 foi uma marca importante na alteração dos usos deste território, mas a sua história tem outras marcas como, por exemplo, a ponte romana sobre o rio Trancão. Nesse mesmo lugar fez história no séc. XII a batalha de Sacavém, aquando da conquista de Lisboa aos muçulmanos. A Quinta de Beirolas, transformada no quartel de Beirolas, foi área de defesa e cenário para a guerra civil portuguesa, ou guerra Miguelista. Ao longo dos séculos, o Parque das Nações foi território de chegadas por terra, rio e ar, de conexões, conflitos e reuniões. Foi também uma terra esquecida, de costas viradas para o rio, transformada em estaleiro industrial. A EXPO’98 resgatou uma parte do território, transformando a sua regeneração urbana económica e social num desígnio nacional. O tema dos Oceanos reacendeu a chama da universalidade e da abertura ao mundo.”* Como diz o ilustre Professor Fernando Carvalho Rodrigues, num belo registo sobre o Parque das Nações publicado no Notícias do Parque, edição de Fevereiro de 2013, “as Nações sempre fizeram daqui parque”: “Entre Cabo Ruivo e Beirolas, o Parque está destinado à grande História. Tudo o que existe no Universo deixa rastos. Mas o Parque com as Nações deixará uma Avenida de História. Entre Cabo Ruivo e Beirolas, no Parque, produziu-se energia, distribuíram-se proteínas, tratou-se do ambiente como os Humanos sabem tratá-lo: transformam lixo em lixo e levam-no para longe da vista. Sobretudo, houve um Mundo Novo * Fonte: Site Freguesia do Parque das Nações

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e uma Guerra Mundial, que passaram por Cabo Ruivo, e uma Revolução que aconteceu em Beirolas. Entre estes dois polos, fez-se um dia a Expo’98. Inesquecível para uma geração. Efémera, quando comparada com o que Cabo Ruivo nos anos quarenta, sessenta e oitenta, e Beirolas, nos anos setenta do séc. XX, abriu de sulco na nossa Humanidade. Por Cabo Ruivo, nos anos quarenta, passa, desfila, assustada a Humanidade perseguida. E o Parque, que tinha assistido há tanto tempo às estradas terrestres dos romanos, às do mar dos portugueses, vê chegar em 1939, a estrada da Via do Ar. Nessa altura, no Parque ia-se à praia. Cantada por Bocage, ensolarada a dourado pelas areias auríferas do Tejo. Ia-se a praias da Polinésia, de Sacavém até ao Paço da Rainha, em Xabregas. De Xabregas, trouxe as grilhetas que durante o séc. XX colocaram nos pés e nas mãos dos que querem e devem andar na Via da Água. Talvez as Nações do Parque libertem na segunda década do séc. XXI a Via da Água. Hoje, a Via da Água está aberta à contemplação. Tanta gente no paredão. Está vedada à ação. Não há, por enquanto, velas vermelhas no Tejo. Mas, em 1939, chegou pela estrada do ar, com carácter de transporte corrente, o primeiro voo. Tratava-se de um hidroavião Boeing, de matrícula B-314 NC 1863. Era conhecido por “Yankee Clipper”. Fora baptizado, pela Senhora F. D. Roosevelt, em 3 de Março de 1939. No dia 26 do mesmo mês, foi o Comandante H. E. Gray que o levou por Foynes, na Irlanda e, depois via Açores até Lisboa, para ir até Marselha e até Southampton. Regressaram aos E.U.A. pela mesma rota. No dia 20 de Maio desse ano, comandado por “La Porte”, traz o primeiro correio transatlântico, pela mesma rota até Marselha. Regressou da viagem a Port Washington, no dia 27 de Maio. A 17 de Junho de 1939, faz-se o voo experimental a bordo do avião da Pan American, com matrícula NC 18604, e de nome “Atlantic Clipper”. Chegou a 18 à Horta, partindo a 19, chegando a Lisboa no mesmo dia. 10


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Levantou voo do Mar da Palha, em Lisboa, às 7:04 horas do dia 20 e chegou a Marselha às 14:39. Levava, para além de 16 jornalistas, trezentos quilos de correio. Esteve no comando W. D. Culbutson. Levou o “Atlantic Clipper” de volta, a 22 de Junho, a partir de Marselha, às 08:57. Amarou em Port Washington dia 25 de Junho, às 15:43. Voltaram os mesmos passageiros e cento e setenta e cinco quiilos de correio.” O Parque das Nações, na zona mais oriental da cidade, desenvolve-se, ao longo da Mar da Palha, até à foz do Rio Trancão. No séc. X, os árabes, que dominavam a cidade desde o ano 711, então chamada de Al-Usbuna, comparavam as margens em frente ao Mar da Palha, ao vale do Nilo, apresentando ilhas constituídas por aluvião, que viriam a constituir as férteis lezirias que se estendem para norte, por todo o vale do Tejo. A este propósito, dizia Ar-Razi, citado por Dejanirah Couto, em História de Lisboa, Gótica, 2016, “Quando o Tejo transborda, inunda e cobre a planície; mas quando as águas baixam, os camponeses fazem sementeiras serôdias e a humidade do solo permite-lhes recolher os grãos antes das primeiras chuvas”. Pese embora não ser a única explicação apresentada para designação de Mar da Palha à grande bacia do estuário do Tejo, que no seu ponto mais largo atinge os 23 quilómetros, afigura-se-nos que a mais razoável se prenda com os resíduos vegetais, nomeadamente palhas, arrastados das lezírias ribatejanas e que, muitas vezes, vemos à tona de água, sobretudo em períodos de cheias. Dejanirah Couto, em História de Lisboa, Gótica, 2016, página 14, atribui esta denominação a uma lenda sobre a existência de areias auríferas no Tejo, de que fala o poeta Ovídeo em Metamorfoses. Pelo Parque passaria também o primeiro comboio em Portugal, através da linha Lisboa-Carregado, inaugurada em 28

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de Outubro de 1856, com a família real a bordo, encabeçada pelo Rei D. Pedro V. E as belezas desta zona não escaparam a Bocage, que lhe dedica este belo poema: “Praias de Sacavém, que Lemnoria Praias de Sacavém, que Lemnoria Orna c’os pés nevados e mimosos, Gotejantes penedos cavernosos Que do Tejo cobris a margem fria. De vós me desarreiga a tirania Dos ásperos Destinos poderosos; Que não querem que eu logre os amorosos Olhos, aonde jaz minha alegria. Ó funesto, ó penoso apartamento! Objeto encantador de meus sentidos, A sorte o manda assim, de ti me ausento. Mas inda lá de longe os meus gemidos Guiadas por Amor, cortando o vento, Virão, ninfa querida, a teus ouvidos.” Ora, é de algumas dessas belezas, mas sobretudo de algum desse passado, da zona mais a oriente da cidade, que vos falarei um pouco neste livro. Certamente que ao longo de milénios muitos outros acontecimentos aqui tiveram lugar. Mas desses, porque os ignoro, não vos falarei.

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A Ponte Romana de Sacavém

Representação da lendária Batalha de D. Afonso Henriques junto à Ponte Romana de Sacavém.

A história do Parque, atenta à sua proximidade e posição estratégica, confunde-se com a história da própria cidade de que faz parte. Podemos, por isso, afirmar que a história do Parque, tal como a de Lisboa, é milenária. Por aqui passaram fenícios, gregos, cartagineses, romanos, alanos, visigodos e árabes, até à expulsão destes últimos pelos lusitanos, já no séc. XII. Todos deixaram as suas pegadas. A mais falada desses milénios é, sem dúvida, a Ponte Romana de Sacavém, ainda hoje representada no Brasão da cidade. Terá sido construída por volta dos séculos II a.C e I a.C, com quinze arcos de volta perfeita, e por ela passava um troço comum da VIA XV, que ligava Olisipo (Lisboa) a Emerita Augusta (Mérida), e da VIA XVI, ligando Olisipo a Bracara Augusta (Braga), cidades importantes desta parte do Império. Por aqui passaram, seguramente, com destino a outros pontos do Império, muitas ânforas, com o muito apreciado e 13


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indispensável condimento da cozinha romana, o garum, um líquido obtido através da fermentação de peixe em salmoura. Este era produzido nas cetárias, situadas em vários pontos da cidade, onde ainda hoje existem vestígios arqueológicos. nomeadamente nas zonas da baixa pombalina e de Xabregas. Esta foi, de resto, a principal exportação e maior riqueza de Olisípo durante o Império Romano.

Fábrica de garum – Vestígios arqueológicos na Baixa pombalina, onde se encontram hoje instalações do Milenniun BCP.

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Em 1571, o humanista e pintor Francisco de Holanda, faria uma representação da referida ponte romana, ao mesmo tempo que apela ao Rei D. Sebastião para que tome providências para evitar a sua ruína.

A Ponte Romana de Sacavém, desenhada por Francisco de Holanda no terceiro quartel do século XVI, e incluída na sua Da Fábrica que Falece à Cidade de Lisboa, sob o título Lembrança Pera Redificar a Ponte de Sacauem, surge representada com um elevado número de arcos, denotando assim um rio muito mais caudaloso que hoje em dia.

Como estes apelos não foram ouvidos, a ponte acabaria por colapsar por volta de 1629, passando a travessia do Rio Trancão, ou Rio de Sacavem, como também chegou a ser chamado, a ser efectuada por barqueiros. O terramoto de 1755 acabaria por eliminar os últimos vestígios desta ponte milenar. Por outro lado, o próprio rio foi sofrendo modificações orográficas que o tornaram mais estreito, permitindo a construção, mais tarde, de uma nova ponte, mais estreita, a ligar as duas margens. Em 1842 foi construída uma nova ponte, com quarto pilares, em alvenaria e ferro, com dezoito metros de comprimento, que se manteve até ao meados do séc. XX. É dessa ponte uma magnífica litografia da autoria do Pintor Tomás José da Anunciação, datada de cerca de 1850, que nos mostra, também, como Sacavém era nessa altura muito diferente dos dias de hoje. 15


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Aguarela da Ponte de Sacavém, construída em 1842, da autoria do pintor Tomás José da Anunciação, datada de cerca de 1850. Aqui o Rio Trancão é chamado de Rio de Sacavem – Biblioteca Nacional de Portugal.

Esta ponte viria a ser incendiada pelos revoltosos republicanos em 5 de Outubro de 1910.

Painel de azulejos reproduzindo o incêncio da ponte de Sacavém em 5 de Outubro de 1910.

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Foi, então, construída, em sua substituição, uma nova ponte junto ao Sifão do Canal do Alviela, que viria a dar lugar à actual edificada em 2016.

Actual Ponte de Sacavém, concluída em Maio de 2016 – Fotografia do autor, 2018.

Reza a lenda que nestes campos, junto à ponte romana de Sacavém, D. Afonso Henriques terá travado a sua primeira batalha pela conquista de Lisboa aos mouros, em 1147. Todavia, até à presente data, não foi encontrado qualquer documento da época que o comprove. Pelo contrário, as fontes antigas da conquista de Lisboa, como a conhecida Carta do cruzado inglês Randulfo ao clérigo Osberto de Baldreseia, não fazem qualquer referência a esta batalha, que também o historiador Alexandre Herculano põe em causa na sua História de Portugal. O que não é lenda foi a passagem por aqui do navegador Cristóvão Colombo, em 8 de Março de 1493, no regresso da sua primeira viagem ao Novo Mundo, para se encontrar com D. João II, no dia seguinte, em Vale do Paraíso, nas proximidades de Aveiras de Baixo, tendo pernoitado em Sacavém, como 17


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anotou no seu diário. A pernoita terá sido em casa de Diogo Dias, almoxarife de Sacavém, irmão de Bartolomeu Dias, o navegador que dobrara o Cabo da Boa Esperança, em 1488 e comandou uma das naus da armada de Pedro Álvares Cabral que, partindo com destino à Índia, descobriria, ou redescobriria, como muitos historiadores defendem, pelo caminho, com um desvio de rota, o Brasil em 1500, ou no Castelo de Pirescoxe, de Nuno Vaz de Castelo Branco.

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As Quintas

Planta de 1907 onde aparecem assinaladas várias quintas: Quinta de Centieira, Quinta do Ché, Cerca do Convento, Casal das Rolas, Quinta dos Passos.

A notícia de quintas nesta zona perde-se no tempo. Em documentos dos séc. XIII e XIV, sobre a cidade e seus arredores, encontramos inúmeras referências. E, em 1924, no Guia de Portugal, Volume Lisboa e Arredores, ainda se lê que “Cabo Ruivo é o local com retiros frequentados pelos boémios alfacinhas.” Como refere o Professor Fernando Carvalho Rodrigues, em “As Nações fizeram daqui Parque”, Notícias do Parque, Fevereiro de 2013, “depois das hortas de Chelas, vinham as Quintas do Conde de Óbidos, do Souto, da Praia, dos Buracos, do Santo, do Ché, da Centieira, dos Paios, da Barroca, do Convento, das Rolas, a Quintinha e a Quinta de Cabo Ruivo, todas ao longo e na Riba do Tejo.” 19


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E mais adiante, diz o mesmo ilustre Professor Fernando Carvalho-Rodrigues no citado artigo que: “No dia 28 de Outubro de 1420, na pousada de Mestre João, foi autenticado pelo tabelião Domingos Durão, o instrumento de aforamento de duas courelas de vinhas situadas em Beirolas (bem no Parque) feito por João das Leis e Estevão Anes e sua mulher Gracia Mendes. Gente de grande saber vivia no Parque. Por exemplo, Pêro Gonçalves, Mestre dos Tréus. Fazer Tréus pouca gente o sabia. É que os Tréus eram as velas para as grandes tempestades e, por esse tempo, os Portugueses andavam a dar destino ao Mundo. Era o tempo em que o futuro de Portugal era construído. Isso foi noutra altura do Parque. Na época em que, no dia 27 de Março de 1435, el-rei D. Duarte faz carta a confirmar Rodrigo Enes, caseiro de Pêro Gonçalves, Mestre dos Tréus, possuidor de quinta em Beirolas, o privilégio de ser dispensado de aposentadoria, outorgada por el-rei D. João I.” Mas a quinta de Beirolas, onde viriam ser instalados, a partir de 1669 os Armazéns da Pólvora – desiganado de Depósito Geral de Material de Guerra, a partir de 1868 e vulgarmente conhecido por Quartel de Beirolas - na sequência duma ordem de compra da mesma para esse fim, dada pelo Rei D. Pedro II, já existia, pelo menos desde o século XIV. De acordo com informação disponível, na página da internet da Câmara Municipal de Loures, já em 1382 a mesma “era referida no testamento

de Maria Gil, no qual esta dispôs vincular a quinta (que incluía marinhas), e outras propriedades, a uma capela que ergueu em homenagem ao seu defunto marido, na Igreja de S. Nicolau, em Lisboa”. No Séc. XVI, a agricultura era a actividade dominante, embora coexistindo com alguma vida piscatória e de extração do sal. Surgiram as primeiras casas de campo e quintas de veraneio, muito ao gosto da pequena nobreza da altura, algumas das quais, outrora, propriedade de religiosos. Com a Revolução Liberal de 1832-34, a aristocracia é substituída 20


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por uma ascendente burguesia, próspera no comércio e na indústria, extinguindo-se, igualmente, as ordens religiosas. Posteriormente, em 1863, o Estado aboliu os morgadios, as quintas foram sendo abandonadas pela aristocracia e tomadas por rendeiros ou adquiridas por industriais. Finalmente, a construção da linha do caminho de ferro Lisboa-Carregado, em 1856, viria a provocar uma alteração radical em toda esta zona. Mas por aqui se terá cantado o fado, ainda nos seus primórdios. Como afirma Dejanirah Couto, na sua História de Lisboa, sobre as possíveis origens do fado, que “Mais prosaicamente, é possível imaginar o nascimento do fado nas hortas onde os Lisboetas gostavam de ir aos domingos, a pé ou de caleche, vestidos com todo o esmero. Este ritual urbano cujas origens remontam às peregrinações outrora realizadas na região de Lisboa, é seguido desde o século XVIII, pois já havia o costume de ir comer berbigões e ameijoas a Xabregas. Os passeios começavam depois do Domingo de Pascoela e acabavam apenas no Outono, com os primeiros frios; durante estes passeios, os lisboetas gostavam de parar nos retiros, para comer e beber vinho. De paragem em paragem vão-se banqueteando com as várias especialidades dos retiros: salada de alface que, para estar na perfeição, tinha de ser temperada por um cego e mexida por um louco, o leitão assado, pastéis de bacalhau, sardinhas assadas e coelho no tacho – tudo bem regado, com vinhos de Bucelas ou de Colares. A seguir ao repasto, havia partidas de chinquilho e danças improvisadas, além do hábito de tocar ou ouvir guitarra (o modelo de doze cordas existia já no século XVIII) e de cantar o fado.” Inicia-se a era da indústria, em coexistência com as actividades manufatureiras, sobretudo, oficinas de oleiro e saboarias, e recrudesceu a atividade marítima e de extração de sal. Mas a grande transformação territorial de Cabo Ruivo e Beirolas, ocorre nas primeiras décadas do séc. XX, assente 21


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na política de Obras Públicas do Estado Novo e no Plano de Gröer - Plano Geral de Urbanização (1938-1948). Este consistiu num planeamento integral da cidade de Lisboa, executado pelo urbanista Étienne de Gröer, por incumbência do então Ministro das Obras Públicas, Duarte Pacheco. Ao rasgar a actual Avenida Marechal Gomes da Costa, “o assédio” da indústria petroquímica foi imediato. Começaram, a partir daí, a instalar-se indústrias relacionadas com o porto, armazéns, oficinas, parques automóveis e o matadouro industrial. Na margem do rio, edificou-se o “paredão” do Poço do Bispo, inicialmente até à Matinha, depois a Cabo Ruivo e Beirolas, com a posterior construção da Doca dos Olivais. De extrema importância foi, igualmente, a construção do Reservatório de Água dos Olivais.

Parte ainda existente do muro do Casal das Rolas - Fotografia do autor, 2016.

As quintas e olivais cederam, então, lugar à maior zona industrial da cidade. Desse período temos ainda visíveis algumas pegadas de que aqui vertemos registo. 22


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Fábrica de Estamparia Viúva Coelho & Filhos, Lda

Chaminé da antiga Fábrica de Estamparia Viúva Coelho & Filhos, Lda – Fotografia de José Boldt, 2016.

Esta estamparia ou fábrica de chitas, como também era chamada, foi instalada na Quinta do Feijão, no início dos anos de 1800, havendo referências a 1819. Dessa estamparia resta hoje a altiva chaminé de tijolo vermelho, que vemos na imagem, e que importa preservar como pegada do passado. À esquerda da imagem pode ver-se a chaminé da fábrica de estamparia “Viúva Coelho & Filhos, Ld.ª” e ao fundo, também à esquerda, depósitos das Refinarias. Trata-se de fotografia da obra de construção da Av. Infante D. Henrique, vendo-se, também, à esquerda uma afloração à superfície do Aqueduto do Alviela, junto ao actual Bairro do Oriente, um bairro construído clandestinamente, no final da década de 1970, por pessoas retornadas das ex-colónias portuguesas, e legalizado uns anos depois pelo Presidente da Câmara Municiplal de Lisboa, Nuno Abecassis. 23


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Fábrica de Estamparia Viúva Coelho & Filhos, Lda, em meados dos anos 40 do séc. XX, à esquerda na imagem, vendo-se, também, a construção dum troço da Avenida Infante D. Henrique.

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UTIC – União de Transportes para Importação e Comércio, Lda.

Edifício da UTIC – Fotografia do autor, 2016.

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A UTIC, foi uma das empresas ligadas à comercialização de veículos da marca Renault, instalada na década de 1950, na Av. Infante D. Henrique e empregava alguns milhares de pessoas, muitas das quais viviam em Olivais e Moscavide. A escritura de venda de 4,757,25 m2 de terreno na Rua da Centieira, à União de Transportes, para Importação e Comércio Lda (UTIC), foi celebrada em 24 de Maio de 1953, conforme consta do Arquivo Municipal de Lisboa. Em 1994, todas estas indústrias foram desmanteladas para permitir a realização deste grande projecto de reabilitação urbana e da Expo’98. Entre o limite norte do Quartel de Beirolas e o rio Trancão, ainda existia uma enorme mancha de olival, onde pastavam ovelhas. Nos anos de 1960, aqui se caçavam pombos, rolas e coelhos.

Edifício da UTIC, perspectiva mais ampla – Fotografia do autor, 2016.

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O Apeadeiro de Cabo Ruivo

Apeadeiro de Cabo Ruivo – Fotografia de Eduardo Portugal, 1940, Arquivo Municipal de Lisboa.

A origem do nome Cabo Ruivo parece estar relacionada com a cor da colina que domina a área, de tons avermelhados, no qual se situava, no séc. XVIII, a Cerca das Rolas, e onde hoje está implantado um lindo jardim da autoria do Arq. Ribeiro Telles, designado de Cabeço das Rolas.

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Anúncio de 1902 da Companhia Real, com a Tarifa Especial n.º 1, para bilhetes a preços reduzidos entre o Rossio e Vila Franca de Xira, incluindo o apeadeiro de Cabo Ruivo.

Aguarela da chegada do comboio ao Carregado, na viagem inaugural, com a família real a bordo – Arquivo do Museu Ferroviário.

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O troço da linha de caminho ferro entre Lisboa e Carregado, onde este apeadeiro se encontrava, foi inaugurado em 28 de Outubro de 1856, com a família real a bordo, encabeçada pelo Rei D. Pedro V.

Primeiro bilhete do caminho de ferro do troço de Lisboa ao Carregado, inaugurado em 1856 – Arquivo do Museu Ferroviário.

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Locomotiva da época – Arquivo do Museu Ferroviário.

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Estação dos Olivais

Estação dos Caminhos de Ferro dos Olivais – João Goulart, 1967, Arquivo Municipal de Lisboa.

Estação dos Caminhos de Ferro dos Olivais – Artur Goulart, 1962, Arquivo Municipal de Lisboa.

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Datando da mesma altura do Apeadeiro de Cabo Ruivo, a Estação dos Caminhos de Ferro dos Olivais foi, igualmente, desactivada, demolida e substituída pela Gare Intermodal de Lisboa, comumente designada de Estação ou Gare do Oriente. Da mesma, restam-nos, apenas imagens como as que reproduzimos. O primeiro acidente ferroviário de que há registo em Portugal, ocorreu junto desta estação. Tratou-se duma colisão, em 12 de Agosto de 1858, da qual resultou a morte dum funcionário da companhia e oito passageiros ligeiramente feridos.

Estação dos Olivais

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O Apeadeiro de Moscavide

Apeadeiro de Moscavide – Arquivo da Freguesia de Moscavide e Portela.

Apeadeiro de Moscavide – José Pinheiro, 1991, Arquvo da Freguesia de Moscavide e Portela.

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É interessante ver como este apeadeiro estava, então, inserido ainda numa zona essencialmente de olival. Moscavide era, ainda, um pequeno núcleo de casas em ambiente rural. Dessa época restam ainda algumas casas que nos dão uma ideia de quão pequena era esta povoação, seguramente já muitos anos depois da inauguração do apeadeiro, atenta a imagem da carruagem que aparece na fotografia.

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A Estação de Sacavém

Estação de Sacavém

“Chegáramos a uma estação que chamam de Sacavém — e tudo o que os meus olhos arregalados viram do meu país, através dos vidros húmidos do vagão, foi uma densa treva, donde mortiçamente surgiam aqui e além luzinhas remotas e vagas. Eram lanternas de faluas dormindo no rio […]” Eça de Queiroz: A Correspondência de Fradique Mendes

A Estação Ferroviária de Sacavém, Sacavem, na grafia originária que ainda hoje se encontra inscrita na fachada prinicipal do edifício, situa-se na margem direita da foz do Trancão, no troço da linha de caminho de ferro entre Lisboa e o Carregado da Linha do Norte, inaugurado no dia 28 de Outubro de 1856. A traça actual já não corresponde à inicial de estilo manuelino. Dessa traça antiga resta o painel de azulejos azul e branco, com grafia oitocentista, que recorda o nome original: Sacavem. 35


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Anúncio de 1874 da Companhia Real, com comboios a preços reduzidos entre Santa Apolónia e Sacavém, para a feira anual. Diário Ilustrado 610, 1874.

Dos muitos relatos sobre a viagem inaugural deste troço de caminho de ferro, referimos esta excelente recolha: “O COMÉRCIO DO PORTO N.º 251 Sexta Feira – 31 de Outubro LISBOA 28 DE OUTUBRO (correspondência part. do Comércio do Porto)

Quando a dor abate a alma, quando uma grande agonia entorpece o espírito, e quebrando as forças vitais arroja o invólucro material ao leito do sofrimento, como há aí temperamento tão rijo que se possa erguer para ir contemplar e tomar parte numa grande festa, magnífica pelo seu esplendor e maravilhosa pelos seus resultados, de certo que é preciso uma grande tenacidade, e uma vontade de ferro para tal fazer; pois é o que nós 36


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fizemos, porque em fim há deveres que se não podem quebrar, e é preciso ma-terializar o pensamento, porque o público nem deixa ao jornalista tempo para o sentimento das suas paixões. Fomos, pois, ao caminho de ferro, à sua festa inaugural, e do que vimos vamos dar minuciosa conta, ficando para outras correspondências as circunstâncias especiais que se nos foram transmitindo, que não era possível estar em toda a parte ao mesmo tempo. Desde muito cedo que a população começou a correr para as proximidades da gare provisória de Santa Apolónia. O Tejo estava coberto de botes e faluas, que desde este último local até muito para deante de Xabregas, formavam um quadro imponente. Dois vapores da Companhia do Tejo e Sado cheios de espectadores, tinham também partido do Terreiro do Paço, e estavam ali colocados, como a dominar aquela flotilha. Por terra, o concurso não podia ser maior: omnibus, seges, carruagens; e todos os veículos imagináveis lançavam o povo nas proximidades do caminho. Junto à estação levantava-se um sumptuoso arco triunfal, todo embandeirado com muito gosto e aparato. Aqui estava colocada a guarda de honra, que era feita pelo regimento 10 de infanteria; em cima do arco levantou-se um bonito tablado onde estacionava a música do batalhão de Caçadores 2. À entrada da estação os directores da companhia esperavam conjuntamente com o ministério SS.MM., estando tanto esta, como a escada brilhantemente ornada. A entrada para os convidados, que ha-de ser a principal do público, nos dias seguintes da exploração, tinha-se como por encanto transformado num bonito jardim, todo engrinaldado de flores, formado de bucho, e assoberbado por todos os lados de um gracioso embandeiramento, que era de uma ilusão magnífica pelo variegado das cores. Na fachada do arco, de ambos os lados do mesmo, via-se esta inscrição – 28 de Outubro de 1856 – e na porta principal 37


LISBOA A O R IE NT E

da estação – Caminho de Ferro do Leste. A ponte de Xabregas estava igualmente muito vistosa, tendo ao lado festões de bandeiras, que lhe davam um realce extremo. As locomotivas Coimbra, Lisboa e Santarém percorriam de espaço a espaço, uma parte da linha, levando com o seu sylpho agudo, e vôo, que outra coisa se lhe não pode chamar o entusiasmo, que se expressava em todos os rostos. As estações estavam por toda a linha também graciosamente embandeiradas. Era de um efeito surpreendente ver como as populações suburbanas, vestidas com os seus trajos de festas, se aglomeravam pelas alturas que dominavam o caminho, se estendiam pelas planícies que a via férrea avista, e manifestavam a sua admiração e o prazer que sentiam por tal obra se levar a cabo. Havia sítios onde era pitoresco, quanto possível, a vista que as populações assim apresentavam. Perto do meio dia chegaram SS.MM. em pequeno estado, e tendo-se procedido às bençãos das locomotivas, que foram feitas pelo cardeal patriarcha, e a todo o mais cerimonial, como se determinava no programa, e de que já aí haverá conhecimento, partiu para o Carregado o comboyo real puxado pelas locomotivas Coimbra e Santarém, subindo aos ares estrepitosas girândolas de foguetes e salvando o Castelo de S. Jorge, e as embarcações de guerra nacionais surtas no Tejo. Nas estações igualmente subiam aos ares girândolas de foguetes que se juntavam aos vivas dados pelos espectadores, porque apezar de o povo portuguez ser um povo sério, é comtudo enthusiasta, quando actos de tal magnitude se apresentam aos seus olhos. Meia hora depois partiu o comboyo que conduziu os convidados pela direcção. O lunch foi magnífico e provou a delicadeza e bom gosto dos directores da companhia. Tanto as locomotivas, como o material completo da linha estavam no maior asseio possível, e tudo correu com a maior presteza e pontualidade. Na secção entre o Carregado e as 38


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Virtudes trabalhava-se com grande affinco, e havia todas as probabilidades de se abrir à exploração pública até ao fim de Fevereiro próximo. A companhia tinha carruagens para conduzir um número de passageiros passante de 1:000. No caminho de ferro do Barreiro às Vendas Novas os trabalhos também seguiam com muito calor. Em toda a linha trabalhavam mais de 1:600 operários, divididos em diversos partidos. O lanço entre o barreiro e a Mouta estava a terminar. Resolveu-se que em vez da ponte, que se tencionava fazer no barreiro, se construisse um canal, onde podessem entrar os vapores que navegassem entre Lisboa e o barreiro, indo já muito adiantadas as obras deste canal. A caza que tem de servir de estação no barreiro, e que é toda feita de ferro, estava prompta em Inglaterra, e prestes a embarcar-se. Sábado – 01 de Novembro LISBOA 29 DE OUTUBRO (correspondência part. do Comércio do Porto)”

A viagem inaugural do caminho de ferro do leste não foi tão feliz na sua volta, como fora para desejar, e como o havia sido na partida cuja narração já mandámos para essa cidade. Daremos pois conta deste pequeno accidente, e dos demais pormenores, que não podemos mencionar na nossa última carta. No comboy em que hia a carruagem real hiam S.M. El-rei D. Pedro V, El-Rei D. Fernando, os infantes D. Luiz e D. João, SS.AA as infantas D. Maria Anna, e D. Antónia, e as infantas D. Anna de Jesus Maria, e D. Izabel Maria, quasi todo o corpo diplomático, as personagens que formam a côrte, e um luzido concurso de convidados. No pavilhão havia quatro compartimentos os quaes estavam ricamente armados e tinham sido destinados: um para a família 39


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