O BATALHÃO ACADÉMICO DE 1645
título: O Batalhão Académico de 1645
autor: Augusto Mendes Simões de Castro (1845-1932)
edição: Edições Ex-Libris® (Chancela Sítio do Livro)
recolha de textos, introdução e notas: Mário Araújo Torres
imagem de capa: Retrato de D. Manuel de Saldanha, Reitor da Universidade (Sala do Exame Privado, Universidade de Coimbra).
grafismo de capa: Ângela Espinha
paginação: Paulo Resende
1.ª edição
Lisboa, abril 2023
isbn: 978‑989 9028 80 7
depósito legal: 512702/23
© Mário ArAújo Torres
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O BATALHÃO ACADÉMICO DE 1645
JORNADA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA A ELVAS EM 1645 por AUGUSTO MENDES SIMÕES DE CASTRO e documentos anexos
Recolha de textos, introdução e notas por Mário Araújo Torres
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1. Ao longo dos séculos, os estudantes da Universidade de Coimbra organizaram-se em Batalhões Académicos, quer para defesa da independência nacional, como foi o caso em 1644 e 1645, face à ameaça de invasão castelhana, no âmbito da Guerra da Restauração (1641-1668), e em 1808-1811, resistindo às três invasões francesas, no quadro da Guerra Peninsular (1807-1814), quer para a defesa da liberdade dos seus concidadãos contra ameaças de despotismo, como em 1826-1828 e 1830-1834, enfrentando o absolutismo miguelista, e em 1846-1847, reagindo ao cabralismo (Revolta do Minho ou da Maria da Fonte e Revolução da Patuleia).
A atividade dos Batalhões organizados em 1808-1811 e em 18461847 foi documentada nos já publicados volumes O Batalhão Académico de 1846-1847 (“Notícia Histórica do Batalhão Académico de 1846-1847”, por António dos Santos Pereira Jardim, publicada com os aditamentos de António João Flores) e O Corpo Militar Académico de 1808 a 1811 (Memórias de Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, Fernando José Saraiva Fragoso de Vasconcelos, José Inácio da Rocha Peniz, Alexandre Tomás de Morais Sarmento e José Bonifácio de Andrada e Silva), com textos de participantes desses Corpos. No presente volume, recolhem-se elementos relevantes para o enquadramento histórico do Batalhão de 1645, constituído em resposta a solicitação dirigida por D. João IV ao Reitor da Universidade de Coimbra, D. Manuel de Saldanha, que pessoalmente comandou os 630 estudantes, organizados em 6 companhias e enquadrados por alguns professores, que marcharam para o Alentejo, em defesa da praça de Elvas, ameaçada pelas tropas espanholas.
2. Devemos a Augusto Mendes Simões de Castro (Coimbra, 1845-1932) 1 a primeira recolha e divulgação dos mais importantes documentos sobre a organização e atividade deste Batalhão, que
1 Cf. António de Vasconcelos, Augusto Mendes Simões de Castro: esboço biográfico e notas bibliográficas (Coimbra, Imprensa da Universidade, 1934; separata de O Instituto, vol. 87.º, 1934, pp. 1-56).
publicou, precedida de um estudo intitulado “Jornada da Universidade a Elvas em 1645”, na revista O Instituto, vol. 16.º, 1875, pp. 91-96, que esteve na origem do seu Jornada da Universidade de Coimbra a Elvas em 1645 (Elvas, Tipografia Progresso, 1901).
Novos contributos foram aditados por Manuel Lopes de Almeida, Notícias da Aclamação e de outros sucessos (Coimbra, Tipografia Atlântida, 1940) e por Lígia Cruz, Alguns contributos para a história da Restauração em Coimbra ‒ Reinado de D. João IV (Coimbra, Biblioteca Municipal de Coimbra, 1982).
Partindo desses elementos e desenvolvendo-os através de novas pesquisas, no presente volume reúnem-se o estudo inaugural de Augusto Mendes Simões de Castro, os principais documentos coevos (com relevo para a correspondência entre D. João IV e o Reitor D. Manuel de Saldanha e para os relatos de participantes na jornada a Elvas), a organização e composição do Batalhão Académico e uma seleção da produção poética inspirada por esses acontecimentos.
3. A figura central da jornada da Universidade de Coimbra a Elvas foi indubitavelmente a de D. Manuel de Saldanha.
Natural de Lisboa, filho de João de Saldanha (Comendador de Alcains e de Salvaterra de Magos na Ordem de Cristo) e de Leonor de Meneses, matriculou-se na Universidade de Coimbra em 14 de novembro de 1613, licenciando-se em Cânones em 24 de julho de 1620.
Sendo Inquisidor em Évora, Filipe III nomeou-o Reitor da Universidade de Coimbra em 8 de setembro de 1638, tomando posse a 3 de fevereiro do ano seguinte. Em 19 de maio de 1640 foi nomeado Reformador dos Estatutos da Universidade.
Recebida na Universidade a carta de 3 de dezembro de 1640 dos Governadores do Reino, os Arcebispos de Braga, D. Sebastião de Matos de Noronha, e de Lisboa, D. Rodrigo da Cunha, dando notícia da aclamação do Duque de Bragança como Rei de Portugal, D. Manuel de Saldanha convocou a 6 de dezembro o Claustro da Universidade, que, no subsequente dia 13, reconheceu e aclamou o novo Rei. A Relação do Sucesso que teve a Aclamação do Rei Nosso Senhor D. João IV na Universidade de Coimbra e das festas com
que a celebrou foi, juntamente com extensa produção poética comemorativa, mandada publicar por D. Manuel de Saldanha, a expensas da Universidade, por Diogo Gomes de Loureiro, em Coimbra, em 1641, com o título Aplausos da Universidade a El-Rei Nosso Senhor
D. João IV
D. João IV confirmou D. Manuel de Saldanha como Reitor em 24 de dezembro de 1640, reconduzindo-o por duas vezes, em 14 de novembro de 1641 e 17 de maio de 1642, com poderes de Reformador dos Estatutos vigentes, que eram os que haviam sido confirmados em 20 de julho de 1612. Após demorado processo, a revisão dos Estatutos foi finalmente aprovada em 15 de outubro de 1653, tendo
D. Manuel de Saldanha promovido a sua edição, no ano seguinte, na oficina de Tomé Carvalho, impressor da Universidade, ostentando no seu frontispício a insígnia da Universidade, desenhada por Josefa de Óbidos.
D. Manuel de Saldanha esteve representado por D. André de Almada, seu antecessor na Reitoria da Universidade, nas Cortes reunidas em janeiro de 1641, e participou pessoalmente nas Cortes de agosto de 1642.
Deputado da Inquisição de Évora e de Lisboa, foi designado por D. João IV como Bispo de Viseu (1642) e de Coimbra, dignidades que não foram reconhecidas pela Santa Sé.
Como Reitor da Universidade, promoveu, a repetidas instâncias de D. João IV, a aprovação do juramento da Conceição, que viria finalmente a ser decretado no Claustro Pleno de 20 de julho de 1646, e solenemente proclamado no seguinte dia 28, em cerimónia celebrada na Capela de S. Miguel. efeméride comemorada em lápide colocada junto ao altar de Nossa Senhora da Luz 2 . Devem-se à sua iniciativa diversas obras no Paço das Escolas, designadamente na Sala do Exame Privado, em cujas paredes mandou colocar os retratos dos Reitores seus antecessores, e na Sala
2 Cf. António de Vasconcelos, O Mistério da Imaculada Conceição e a Universidade de Coimbra, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1904; e Teófilo Braga, História da Universidade de Coimbra, tomo II, Lisboa, Academia Real das Ciências, 1895, pp. 687-689.
dos Capelos, onde determinou a construção de novo teto e a abertura de várias frestas ou janelas, no intervalo das quais se inseriram retratos dos Reis portugueses.
Em junho de 1649, colocou, em nome de D. João IV, a primeira pedra do novo Convento de Santa Clara, mandado edificar no cimo do Monte da Esperança.
Na Serra do Buçaco, fundou a Ermida de S. José, cuja construção se iniciou em 3 de setembro de 1643, e onde foi sepultado. Faleceu em 15 de agosto de 1659.
4. Datam de 1644 os primeiros apelos de D. João IV a D. Manuel de Saldanha para que este organizasse e municiasse uma força militar, composta por estudantes da Universidade e também por outros habitantes da cidade, que socorresse a defesa das fronteiras do Alentejo, face à concentração de tropas castelhanas, numericamente muito superiores às portuguesas (3000 cavaleiros contra apenas 1500). Esse pedido foi suspenso no final de 1644, por retirada dos espanhóis para Badajoz.
Mas em 1645 nova ameaça ressurgiu e novo pedido de ajuda à Universidade de Coimbra. Feito o pedido por carta de 22 de outubro de 1645, rapidamente se organizou o Batalhão, no qual se alistaram 630 estudantes (num total de 906 alunos matriculados em 1645). Partiram de Coimbra a 12 de novembro de 1645. A viagem durou oito dias, chegando a Estremoz a 19 de novembro.
Nesta primeira fase, ficaram concentrados em Estremoz, com frequentes escaramuças fronteiriças. Com a retirada dos espanhóis para Badajoz, a 20 de novembro, parte das nossas tropas foram destacadas para defender Elvas, acompanhando-as os estudantes, a 23 de novembro. Chegados a Elvas em 26 de novembro, ficaram aboletados no castelo, em más condições.
Consultado D. João IV, que se deslocara de Lisboa para Montemor-o-Novo, sobre o futuro das tropas, face às deficientes condições de instalação e dificuldades de abastecimento de tão elevado número de soldados, e à diminuição da pressão castelhana, decidiu-se reduzir o número de efetivos, entre estes os estudantes de Coimbra, cujo comportamento foi merecedor de louvor régio.
A leitura das cartas publicadas como Documentos n.ºs 16 a 20 e 25 fornecem elucidativos detalhes das principais ocorrências da jornada da Universidade a Elvas.
Infelizmente, só existe registo completo da composição da 3.ª companhia e de uma parte de outra companhia. Aos elementos publicados por Lígia Cruz acrescentamos, sempre que possível, dados relativos à naturalidade e situação académica dos alistados.
5. A realização da jornada da Universidade de Coimbra às fronteiras do Alentejo foi motivo para a produção de numerosas composições poéticas, a maioria das quais inédita.
Dos poucos manuscritos publicados, selecionamos dois de natureza narrativa: Palas Armada ‒ 1.ª parte e Jornada de Elvas da Universidade, de autor anónimo, e Relação da Jornada que os estudantes fizeram à fronteira do Alentejo, em 6 de novembro de 1645, por ordem de Sua Majestade, sendo Reitor da Universidade Manuel de Saldanha, de gloriosa memória, da autoria de Simão Torresão Coelho.
Apesar de cerca de 2/3 dos estudantes matriculados em 1645 na Universidade de Coimbra se ter alistado no Batalhão Académico, alguns optaram por se recolher ao lar paterno, como foi o caso do futuro médico e afamado poeta João Sucarelo Claramonte 3 , o que originou uma troca de poemas jocosos entre ele e o Doutor Santos de Sousa, Lente de Cânones, soldado n.º 54 da 3.ª Companhia, que participou na jornada acompanhado do seu criado (António de Souto de Lima, soldado n.º 88 da mesma Companhia): Romance jocoso do
3 Cf. Sousa Viterbo, “Três médicos poetas: Domingos Pereira Bracamonte, Dr. João Sucarelo Claramonte, Dr. Fernando Cardoso”, em Arquivo Histórico Português, vol. VI, Lisboa, 1908, pp. 189-196; Hernâni Monteiro, O Doutor João Sucarelo Claramonte (Médico-poeta do século XVII), separata do Portugal Médico, n.º 8, de 1926, Porto, Tipografia da Enciclopédia Portuguesa, 1926; e Maria do Céu Pereira Duarte, Leitura historiobiográfica da poesia de João Sucarelo Claramonte, dissertação apresentada à Universidade de Aveiro, Departamento de Línguas e Culturas, Aveiro, 2012.
Doutor Sucarelo ao Doutor Santos de Sousa, indo para o Alentejo na ocasião em que lá foi a Universidade, murmurando de um que deixa a Dama, por João Sucarelo Claramonte; e Romance jocoso de Santos de Sousa partindo o dito Sucarelo na dita ocasião para Aveiro e o censura de medo e outras coisas, em resposta ao dito Sucarelo, por Santos de Sousa.
O BATALHÃO ACADÉMICO DE 1645 Preview
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AUGUSTO MENDES SIMÕES DE CASTRO JORNADA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA A ELVAS *
Por ocasião da porfiada e gloriosa luta da Restauração, travada com Castela depois do brilhante feito de 1640, careceu El-Rei D. João IV do auxílio e socorros da Universidade, e a primeira corporação científica do País, que com tanto brio e entusiasmo aclamara o monarca português, também na hora do perigo, trocando os livros pelas armas, e dominada dos mais cavaleirosos sentimentos, corre à fronteira, disposta a pugnar valorosamente em prol da independência da Pátria.
Por cartas de 3, 5 e 6 de dezembro de 1644, ordenou El-Rei ao Reitor Manuel de Saldanha que fizesse armar os estudantes, formasse algumas companhias e passasse com eles ao Alentejo, porque tivera aviso de que o inimigo se apresentaria a sitiar a cidade de Elvas.
Tratando o Reitor de executar as ordens que recebera do Monarca, este lhe escreveu em 9 do mesmo mês, ordenando-lhe que suspendesse a marcha, porque constava se tinha levantado o sítio; e, por cartas de 11 e 19 de janeiro de 1645, agradeceu ao Reitor e aos Lentes o ânimo com que estavam para o servir.
Em 22 e 25 de outubro, tornou o Monarca a escrever ao Reitor, a fim de que marchasse com os estudantes ao Alentejo, e desta vez realizou-se a expedição, marchando em número de 630.
Noticiando este facto, expressa-se da seguinte maneira o cronista dos cónegos regrantes, D. Nicolau de Santa Maria: «E querendo mostrar o ilustre Reitor que as letras lhe não embotavam a lança, e
* Publicado, com o título “Jornada da Universidade a Elvas em 1645”, em O Instituto ‒ Jornal Científico e Literário, vol. XVI, Coimbra, 1875, págs. 91 a 96. Novamente publicado, com alterações, com o título Jornada da Universidade de Coimbra a Elvas em 1645, «Coleção Correio Elvense», XIII, Elvas, Tipografia Progresso, 1901, 20 págs.
que era verdadeiro Saldanha, e que seus estudantes não eram menos diligentes em acudir ao tambor da guerra que ao sino das escolas, passou à fronteira de Évora com suas companhias de estudantes, que eram em número 630, todos mui lustrosos e animosos para defender um Rei natural e sua Pátria.» 1
Sendo mui escassos os esclarecimentos que se encontram nas nossas histórias impressas acerca deste importante sucesso, e tendo obtido por cópia, do Arquivo da Universidade de Coimbra e da Biblioteca de Évora, alguns documentos interessantes, que dão notícia de factos muito notáveis daquela época, honrosíssimos para a Universidade de Coimbra, e pela maior parte desconhecidos, achamos conveniente dar-lhe merecida publicidade.
AugusTo Mendes siMões de CAsTro.
1 Crónica dos Cónegos Regrantes, Parte 2.ª, p. 295.
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D. NICOLAU DE SANTA MARIA
D. MANUEL DE SALDANHA *
«11. O vigésimo Reitor da Universidade foi o Ilustríssimo Senhor Manuel de Saldanha, que, sendo Inquisidor de Évora, foi nomeado por Reitor por El-Rei D. Filipe de Castela, chamado o Grande, em 2 de setembro de 1638, e confirmado no mesmo cargo por El-Rei D. João IV, de gloriosa memória, em 24 de dezembro de 1640, e nomeado pelo mesmo Rei em 14 de novembro de 1641, em Reformador dos Estatutos da Universidade, que ele imprimiu novamente no ano de 1654. Dezoito anos governou a Universidade, com tal satisfação e aplauso de todos, que com razão lhe mandou Sua Majestade, que Deus tem, nova provisão no cargo de Reitor, sem limitação de tempo.
12. No 1.º de dezembro do ano de 1640, sucedeu em Lisboa a feliz aclamação d’El-Rei D. João IV, que Deus tem, e chegando tão alegre nova a Coimbra em 6 do dito mês, o aclamou também o ilustre Reitor com toda a Universidade, e instituiu de novo um préstito, que da Capela da mesma Universidade saísse ao Real Mosteiro de Santa Cruz todos os anos no sobredito dia 1 de dezembro, em ação de graças a Deus Nosso Senhor por nos dar Rei português. E querendo mostrar o ilustre Reitor que as letras lhe não embotavam a lança, e que era verdadeiro Saldanha, e que seus estudantes não eram menos diligentes em acudir ao tambor da guerra que ao sino das escolas, passou à fronteira de Évora com seis companhias de estudantes, que eram em número 630, todos mui lustrosos e animosos para defender seu Rei natural e sua Pátria.
13. Depois, por ordem e carta do mesmo Rei, se tornou o ilustre Reitor com suas companhias à Universidade em 22 de outubro de 1645, e no ano seguinte de 1646, no sábado de 28 de julho fez o juramento solene da Conceição com toda a Universidade, na Capela dela, nas mãos do Cancelário da mesma Universidade, Prior de Santa Cruz e Geral dos Cónegos Agostinhos deste Reino, o Doutor D. Leonardo de S. Agostinho, que nesse dia fez um solene Pontifical; e em
memória deste solene juramento se levantou a pedra escrita, que está na Capela, junto ao altar de Nossa Senhora.
14. Lançou também o ilustre Reitor a primeira pedra no Mosteiro novo de S. Clara de Coimbra, em nome d’El-Rei D. João IV, por Carta sua de 19 de junho de 1649, sendo já Bispo eleito de Viseu; o que fez com préstito de Capelos e procissão solene, que saiu do Real Mosteiro de Santa Cruz, no dia da Rainha Santa Isabel, 4 de julho do dito ano de 1649. Tem finalmente ilustrado a Universidade com muitas obras, com que a enobreceu grandemente, assim na Capela, como nas Casas dos Paços, e Aula dos Exames Privados, onde mandou retratar todos os Senhores Reitores seus antecessores, com que está ornada; e porque a Sala principal em que se fazem os Atos Grandes e os Doutoramentos estava mui danificada e ameaçava o teto ruína, o mandou reparar com grandes custos, e o mandou todo dourar com grandes laçarias, abrindo de uma parte e outra da Sala formosas frestas, com vidraças em tal proporção que entre uma e outra cabe um retrato dos nossos Reis portugueses, que para se porem na dita Sala mandou retratar muito pelo natural, e mandou ornar toda a Sala de azulejos mui finos, e fazer todos os assentos e escadas para eles, que dantes eram de pau, de mui boa pedra de Ançã, que é mui alva e polida. De maneira que podemos dizer que fez esta Sala Real de novo, e ao parecer a melhor e mais formosa que pode haver em outra alguma Universidade.
15. Em novembro de 1655, nomeou Sua Majestade, El-Rei Dom João IV, ao ilustre Manuel de Saldanha por Bispo de Coimbra e Conde de Arganil; eleição que foi geralmente festejada por toda a Universidade e por toda a Cidade, por ser o mais benquisto Reitor que entrou na dita Cidade e Universidade. e o mais desejado para Bispo-Conde de todo o clero e povo de Coimbra, e assim lhe fizeram grandes demonstrações de alegria, com notável aplauso de toda a sorte de gente. Fizemos toda esta digressão por nos mostrarmos em parte agradecidos à particular afeição que este ilustríssimo Senhor tinha aos nossos Cónegos de Santa Cruz, e a toda a nossa Ordem Canónica Augustiniana, de que era Irmão por Carta que se lhe deu em Capítulo Geral.
(Crónica da Ordem dos Cónegos Regrantes do Patriarca S. Agostinho, Segunda Parte. Lisboa, Oficina de João da Costa, 1668, pp. 295-296.)