Manual Condensado de Transportes Metropolitanos

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MANUAL CONDENSADO DE TRANSPORTES METROPOLITANOS Breve curso de transportes urbanos

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FICHA TÉCNICA edição: Edições Parténon título: Manual Condensado de Transportes Metropolitanos autor: Fernando Santos e Silva (santos.silva45@hotmail.com) arranjo de capa: Patrícia Andrade desenho de capa: Margarida Cardoso paginação: Alda Teixeira 1.ª Edição Lisboa, abril 2017 isbn: 978-989-8845-11-5 depósito legal: 420711/17 © Fernando Santos e Silva

publicação e comercialização:

www.sitiodolivro.pt

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DEDICATÓRIA

aos cidadãos e cidadãs, aos que são efetivamente passageiros e contribuintes, aos que apenas o são potencialmente, e aos que o não podem ser, por força dos poderes instituídos neste mundo, em nome do direito universal à mobilidade

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Escrevo na madrugada as últimas palavras deste livro: e tenho o coração tranquilo, sei que a alegria se reconstrói e continua. Acordam pouco a pouco os construtores terrenos, gente que desperta no rumor das casas, forças surgindo da terra inesgotável, crianças que passam ao ar livre gargalhando. Como um rio lento e irrevogável, a humanidade está na rua. E a harmonia, que se desprende dos seus olhos densos ao encontro da luz, parece de repente uma ave de fogo. CARLOS OLIVEIRA ,

Terra da Harmonia, 1950

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Saí do comboio, Disse adeus ao companheiro de viagem, Tínhamos estado dezoito horas juntos. A conversa agradável, A fraternidade da viagem, Tive pena de sair do comboio, de o deixar. Amigo casual cujo nome nunca soube. Meus olhos, senti-os, marejarem-se de lágrimas... Toda despedida é uma morte... Sim, toda despedida é uma morte. Nós, no comboio a que chamamos a vida Somos todos casuais uns para os outros, E temos todos pena quando por fim desembarcamos. Tudo que é humano me comove, porque sou homem. Tudo me comove, porque tenho, Não uma semelhança com ideias ou doutrinas, Mas a vasta fraternidade com a humanidade verdadeira. A criada que saiu com pena A chorar de saudade Da casa onde a não tratavam muito bem... Tudo isso é no meu coração a morte e a tristeza do mundo, Tudo isso vive, porque morre, dentro do meu coração. E o meu coração é um pouco maior que o universo inteiro. ÁLVARO DE CAMPOS ,

1934

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ÍNDICE

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1. A rede de transportes urbanos como componente do ordenamento do território – estratégia aplicável ao caso de Lisboa. . . . . . . . . . . . 2. Fundamentação de uma rede de metro pesado . . . . . . . . . . . . . . . . . 3. Comparação da eficiência energética de modos de transporte rodoviários e ferroviário. Cálculo da energia primária necessária para cada modo de transporte. Cálculo da economia possível com a transferência de 10% das deslocações em modo individual para o transporte coletivo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4. Seleção de traçados. Matriz origem-destino, problema geral de transportes. Fluxo de custo mínimo em redes de transporte, algoritmos de otimização (programação) linear, micro-simulação. Lei fundamental do trânsito, paradoxo de Braess. TOD – traffic oriented development (desenvolvimento orientado pelo trânsito). Organização do território. Caso de Lisboa. Caso da linha de Cascais. Caso do metro do Mondego . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5. Formas de financiamento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6. Cálculo da capacidade de transporte de um modo de transporte . . 7. Normativo de projeto para o transporte ferroviário . . . . . . . . . . . . . – Contexto europeu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . – Análise de riscos, norma 50126 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . – Software de sistemas de segurança, norma 50128 . . . . . . . . . . . . . – Eletrónica de sistemas de segurança, norma 50129 . . . . . . . . . . . . – Programa-base . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . – Manual do projetista. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . – Via férrea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . – Controle do movimento, ATP/ATO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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– Energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . – Equipamentos eletromecânicos e iluminação . . . . . . . . . . . . . . . . – Telecomunicações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . – Bilhética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . – Material circulante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . – Estrutura administrativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . – Controle de qualidade, norma ISO 9000. Indicadores. Manutenção RCM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . – Natureza societária . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8. Transporte de superfície, modos ligeiros e transporte “a pedido”. . . . 8.1. Metro ligeiro de superfície e elétricos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8.2. Trolei-bus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8.3. Autocarros em sítio próprio BRT . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8.4. Mini-autocarros elétricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8.5. Funiculares e teleféricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8.6. Transporte por cabo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8.7. Transporte de baixa capacidade “a pedido” em sítio próprio (PRT – Personal Rapid Transit). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8.8. Ttransporte de baixa capacidade “a pedido” rodoviário de condução autónoma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8.9. Bicicletas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Anexos – quadros Excel de comparação de modos de transporte ferroviário, automóvel e autocarro, comparação de modos ferroviário, automóvel elétrico e autocarro elétrico, e desperdício por não transferência de 10% do TI para o ferroviário. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189

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INTRODUÇÃO

“Quando se trata de ligar dois pontos por uma via férrea, é necessário estudar cuidadosamente os pontos intermédios por onde a via deve seguir, – isto é, fixar o traçado, – estudo que tem tanta importância, que podemos dizer que o futuro de um paiz, como o das próprias vias férreas que n’elle se constroem, depende essencialmente do seu traçado.” …………………………………………………………………. “Para indicar ao machinista se há qualquer obstáculo na via ou se esta está desimbaraçada, faz-se uso de signaes que podem ser: – signaes fixos, signaes moveis, signaes pelo telegrapho electrico, ou signaes pela locomotiva. …………………………………………………………………. Dos signaes fixos o mais commummente usado nas nossas linhas consiste em um disco circular (vermelho n’uma face, e branco na outra), ligado à parte superior de uma columna de ferro que está colocada a algumas centenas de metros da estação. O disco pode receber movimento de rotação, quando manobrado por meio de alavancas de contrapezo que lhe transmitem de distancia o movimento por meio de um arame ou corrente.”

excertos de “Caminhos-de-ferro”, por Achilles Machado, alferes – alumno (futuro general de engenharia militar e professor da Faculdade de Ciências), coleção Bibliotheca do Povo e das Escolas, ed. David Corazzi, 1886, 63 págs.

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Este manual é dedicado aos cidadãos interessados na problemática dos transportes urbanos, especialmente na relação com o seu quotidiano de idas e vindas dos empregos, ou com as suas deslocações de lazer, ou, como contribuintes, preocupados com o peso da rede de transportes nos seus impostos ou simplesmente insatisfeitos com o seu funcionamento. Não prepara o leitor para a utilização de programas e modelos informáticos sofisticados, antes pretende fornecer-lhe conceitos e fórmulas matemáticas simples para a melhor compreensão dos fenómenos físicos associados à mobilidade de grandes quantidades de passageiros. Não aprofunda a análise dos fenómenos de modo a permitir o projeto de uma linha ou de uma rede de transportes, mas tenta dar algumas pistas para isso e valorizar algumas ideias base. Tem ainda a pretensão imodesta de disponibilizar aos profissionais de transportes de pessoas, apesar das limitações próprias impostas pela transversalidade dos temas tratados, elementos e conceitos úteis para o seu trabalho, e de servir de suporte à abordagem das questões da mobilidade pelos especialistas, nomeadamente de programas e modelos informáticos, numa tentativa de vencer um eventual distanciamento entre os informáticos e a realidade física. A engenharia de transportes, porque o consumo de energia primária em transportes tem no nosso país uma parte significativa no consumo total de energia primária ( cerca de 40% do volume de combustíveis fósseis importados por ano, cujo valor é da ordem de 8 mil milhões de euros), tem como um dos seus principais objetivos, além da segurança, rapidez e conforto nas deslocações, a economia e a eficiência na utilização dos combustíveis. Este objetivo é indissociável da perspetiva nacional de economia das importações, analogamente ao que se passa com a importação de alimentos, que aliás também é um domínio de transferência e conversão de energias. Nenhum país é sustentável, perdoe-se a redundancia, se não conseguir anular ou compensar o défice de energia primária e de alimentos, sendo que é imprudente confiar essa compensação à produção e

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exportação de bens ou serviços cujas condições de procura externa possam alterar-se imprevistamente. Eis porque foi escolhida a citação inicial, que se espera poder contrariar ativamente o desânimo de Blaise Pascal, quando deixou escrito que “todas as desgraças do homem vêm de uma unica coisa, que é a de não saber estar em repouso, num quarto”. Compreende-se que Pascal precisasse do sossego da sua casa para desenvolver a sua máquina de calcular, e a frase até poderia ser uma premonição do trabalho em casa com suporte da internet, remota descendente daquela máquina de calcular, mas à pergunta “porque saímos de casa para trabalhar, porque nos movemos?” responde-se com a necessidade de produzir e de trocar, de contribuir para o PIB e para o PNB, mas também de satisfazer o desejo de realização pessoal e profissional. É esse papel estrutural de um sistema de transporte coletivo no contexto da economia nacional e da sua maior área metropolitana, e como manter essa natureza estrutural, que justificam este livro. As políticas de transportes e as estratégias da engenharia de transportes devem orientar-se para a aplicação máxima, no seu domínio, de energia primária produzida no próprio país, para que se saia do ciclo anual de importação de combustíveis fósseis. Por extensão, para aproveitamento de economias de escala, deverão também apoiar a maximização de energia renovável e as garantias de colocação da exportação dos excedentes, mesmo que para isso tenham de contrariar-se os apetites rentistas. No caso de áreas metropolitanas, cuja própria justificação é a maior eficiência per capita da população e específica dos recursos concentrados e da maior economia de emissões de gases com efeito de estufa per capita e específica dos recursos, deverá a engenharia de transportes privilegiar o transporte ferroviário. A justificação para isto consiste no menor atrito do contacto roda-carril quando comparado com o contacto roda de borracha-asfalto e no maior rendimento do motor elétrico quando comparado com o motor térmico. Deverá contudo manter-se um estudo comparativo permanente da evolução dos rendimentos dos transportes modais, coletivos ou individuais, ferroviários ou rodoviários, automatizados ou não, e con-

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ter os custos de infraestrutura e de recursos intensivos do transporte ferroviário. Por isso neste manual se dá mais atenção ao transporte ferroviário e se insiste na transferência das deslocações em transporte individual para o transporte coletivo ferroviário, sem prejuízo do estudo de novas soluções como o transporte a pedido com condução autónoma em meio segregado ou na via pública aberta, guiado ou não, com rodas pneumáticas ou de aço. Toda a informação aqui registada pode ser utilizada e serão bem-vindas, através do email referido, sugestões de aperfeiçoamento ou correção, ou até de reformulação num âmbito mais alargado, com a intervenção de especialistas das diferentes especialidades. O autor deseja sublinhar que este não é um trabalho académico, pois não cumpre as regras específicas do meio académico, nomeadamente nos procedimentos de investigação e de referendo, mas apenas o resultado de uma experiência profissional e da observação, por isso sujeito a correções que os leitores queiram sugerir.

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1 – A rede de transportes urbanos como componente do ordenamento do território – estratégia aplicável ao caso de Lisboa

“Vivemos apavorados, com medo de sermos mortos nas cidades, de sermos atropelados. Depois de 5.000 anos de civilização, será que esse é o lugar aonde queremos chegar? .............................................. É preciso que a qualidade de vida seja igual para todos, passageiros de transporte individual ou público” ENRIQUE PEÑALOSA ,

ex prefeito de Bogotá

“Que mal fiz eu, para merecer este castigo?” Desabafo de uma passageira de um comboio na linha da cintura, entrevistada numa reportagem sobre transportes em Lisboa, moradora em Setúbal, com a creche do seu bébé em Alverca, e o trabalho na Avenida Almirante Reis

É comummente aceite que na organização do território de uma área metropolitana, como tal base para a habitação de uma população significativa, para instalações industriais e comerciais, para escritórios e serviços, e ainda para atividades agrícolas, silvícolas e piscatórias, deverão ser planeadas e construídas redes de alimentação elétrica, de gás e de água, de telecomunicações e de saneamento. Em contrapartida, relativamente ao escoamento e aproveitamento de resíduos urbanos e ao sistema de transportes, a postura dos cidadãos será um pouco difusa. Não se nota uma opinião pública exigente em termos de recolha dos resíduos que possibilite o seu aproveitamento para produção de energia e para utilização agrícola, embora já haja no país exemplos

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dessas atividades. A autarquia arranjará maneira de recolher o lixo e depois as sociedades intermunicipais ou grandes empresas privadas que se preocupem com isso. Não se exige habitualmente que nas novas urbanizações se prevejam infraestruturas para o aproveitamento dos resíduos e, muito menos produção local de energia, o que é grave em termos de desperdício de energia de aquecimento ou de refrigeração em ambiente de temperaturas extremas. De modo análogo, os transportes são maioritariamente considerados exteriores à organização do território em si. Os habitantes consideram normalmente o automóvel como solução para as suas deslocações casa-emprego, ou então há-de haver uma carreira de autocarros ou uma linha férrea tradicional e a pressão da opinião pública privilegiará a reivindicação de uma via rápida. A opinião pública não aceita que a utilização massiva do automóvel tem limites e tem impactos negativos para toda a comunidade. A ineficiência do transporte individual face ao transporte coletivo ferroviário gera assim prejuízos para a economia nacional que se adicionam aos custos de construção e manutenção das vias rápidas. Quando se comparam custos, esquecem-se facilmente os benefícios do transporte coletivo ferroviário e os custos de externalidades (prejuízos provocados por um sistema e sofridos por uma comunidade em que só alguns beneficiam do sistema) devidos ao transporte individual. Infelizmente, para o orgulho humano, as deslocações de pessoas obedecem às mesmas leis da dinâmica dos fluidos, guardadas as devidas distâncias e as diferenças de unidades. Isto é, tal como uma rede de saneamento subdimensionada satura e extravasa ao mais pequeno excesso de afluência, assim uma rede de transportes deficiente e sobrecarregada prejudica seriamente os passageiros, quer estes se concentrem no transporte individual, quer no transporte coletivo. As crises de saturação ocorrem mais rapidamente no transporte individual para valores inferiores do volume de passageiros transportados, e são mais penalizadoras no caso de transporte coletivo subdimensionado, fornecendo ampla matéria jornalística. A existência de áreas metropolitanas assenta nas vantagens da concentração para dinamização económica a nível nacional em todos os setores e, do ponto de vista energético, na maior eficiência energé-

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tica decorrente da concentração da população, sem prejuízo da necessidade de garantir uma ocupação produtiva no interior do país. É assim necessário, para responder aos problemas inerentes à concentração, planear uma rede de transportes quando se pensa em organizar o território, quer a construir-se uma nova urbanização, quer ao tentar corrigir a organização existente, nomeadamente com a reinstalação do setor secundário. No caso da área metropolitana de Lisboa o problema agrava-se com a desertificação da cidade intramuros (limites do município), a deslocação da habitação e de muitos serviços e atividades industriais para os subúrbios e a preferência pelo transporte individual. A população da área metropolitana de Lisboa, cerca de 2,3 milhões de pessoas, distribui-se pelo município de Lisboa, cerca de 500 mil habitantes (nos anos 90 do século passado eram cerca de 800 mil), e pelos municípios envolventes. A rede de comunicações é composta principalmente por rodovias rápidas radiais e secantes relativamente à capital. Não existe a prática sistemática de realização de inquéritos de tráfego. No entanto, estima-se que as deslocações diárias em transporte individual no sentido habitação-emprego são da ordem de 160 mil automóveis entrados em Lisboa e 240 mil no tráfego secante, de um município envolvente para outro. Um critério empírico, resultante de inquéritos de tráfego e de confirmação dependente da repetição desses inquéritos, admite que para uma população de 2,3 milhões de habitantes se espera um montante de 1,7 x 2,3 ~ 4 milhões de deslocações diárias motorizadas. O que daria uma carga na hora de ponta de um décimo (ou outro valor resultante de inquéritos de tráfego) ou 400.000 deslocações motorizadas na hora de ponta. Aparentemente, a estrutura da habitação e do emprego na área metropolitana está distorcida em termos de ordenamento territorial. O facto de 60% das deslocações ser em transporte individual é um sintoma de uma mobilidade degradada, consequência do crescimento urbanístico desordenado e da deslocalização extramuros de sedes de empresas (que poderia ser contrariada fiscalmente). Infelizmente, as próprias entidades públicas colaboram nesta tendência, ao fechar

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escolas, tribunais e esquadras de polícia no centro da cidade. A crescente tendência de reconversão do parque habitacioinal da baixa de Lisboa em habitação temporária turística constitui uma perigosa ilusão que ameaça tornar-se dominante quando não deveria ultrapassar uma percentagem minoritária, obviamente importante, na atividade económica da cidade. Nestas condições, a utilização dos modelos normais para determinação das redes de comunicações ideais, nomeadamente as matrizes origem-destino ou habitação-emprego poderá ser irrelevante. Isto é, encontrando-se distorcida a estrutura urbanística, a estratégia para o planeamento das redes de transporte deverá associar-se fortemente ao planeamento urbanístico, neste caso essencialmente corretor do existente, embora haja ainda algumas zonas extensas urbanizáveis intramuros (Vale Formoso/Comendadeiras, Chelas, Alta de Lisboa) em cuja construção nova deverá ser dada prioridade ao setor secundário (fábricas e oficinas pouco poluentes) relativamente à habitação e aos setores terciário e quaternário . A correção urbanística deverá ocupar-se da reabilitação dos edifícios, integrando-os e emparcelando-os de modo a melhorar o conforto, com áreas suficientes, em cada fogo, além das zonas de quartos e salas, para instalações sanitárias, logradouro e garagem (onde existiam 3 prédios, passará a existir 1). Terão de ser urbanizadas áreas abandonadas e remodelados os bairros, com uma percentagem de áreas verdes, assegurando no conjunto dos edifícios uma distribuição por habitação, serviços, comércio e oficinas. Considerando a área restrita do município de Lisboa, para o planeamento da rede de transporte urbano ferroviário, o metropolitano, terá de se partir da situação atual em que as deslocações internas são menos significativas do que as deslocações pendulares de entrada e saída do centro da cidade nas horas de ponta. Isto é, a prioridade para novas obras parecerá ter de responder a duas tendências contraditórias. Por um lado, deverão melhorar-se os canais radiais de penetração na cidade, o que implica intervenções menores no centro da cidade, aumentando o conforto e a quota dos passageiros vindos do exterior

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da cidade e reduzindo em consequência o consumo de combustíveis fósseis associado ao transporte individual. Por outro lado, para redução dos movimentos pendulares, deverá favorecer-se a aproximação entre os locais de habitação e os de emprego, nomeadamente promovendo o repovoamento de Lisboa de acordo com os princípios de reabilitação urbanística referidos. Dado que não convém que do ponto de vista demográfico haja deslocações da população do interior do país para as áreas metropolitanas, parecerá que os municípios envolventes de Lisboa não deverão autorizar mais construção. Nestas condições, a força de produção das empresas de construção civil deverá ser reconvertida nas técnicas de reabilitação dos edifícios, compensando o aumento de preços de habitação nos subúrbios decorrente da diminuição da oferta com a diminuição do preço no interior da cidade por aumento da oferta (coisa alcançável igualmente com a manipulação dos IMIs e dos IMTs). Ao mesmo tempo, a deslocação de população para o centro de Lisboa será limitada pelo emparcelamento dos fogos disponíveis e pela contenção da componente habitacional nas novas urbanizações (para garantir a instalação dos setores secundário, terciário e quaternário), pelo que a população de Lisboa não deverá voltar a atingir o milhão de habitantes, impedindo-se na cidade a nova construção enquanto o parque habitacional se encontrar degradado ou utilizando a nova construção para substituir habitação degradada ou para instalar, por ordem de preferência, setores secundário, quaternário e terciário. É desejável que seja estudada a relação entre a disponibilização de mais percursos em transportes coletivos e a resposta da procura do transporte individual. Isto é, nas curvas de procura do TC e do TI, saber em que ponto ocorre a descompressão da oferta do TI (aumento da procura do TI por motivo de aumento da oferta do TC, e consequentes descongestionamento e maior atratividade do TI). Dada a deficiente condição financeira do país, não será demais destacar a importância, nesta estratégia, de recurso aos fundos comunitários (considerando a grave situação do desemprego, como previsto no tratado de funcionamento da União, o nível do rendimento per capita da área metropolitana não poderá ser obstáculo a esse recurso).

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A expansão da rede deverá fazer-se progressivamente de acordo com as possibilidades financeiras e estar integrada num plano global e coerente, de modo a evitar os desencontros sucessivos das estratégias anteriores de avanços por remendos dependentes de opções localizadas no tempo e decididas por políticos sem formação técnica para isso. À medida que: •

forem sendo disponibilizados fundos comunitários mediante a elaboração o mais cedo possível, desde já, de projetos de expansão, da rede de metro e das redes de modos complementares, suscetíveis de aprovação pela comissão europeia (no programa 2021-2027) atendendo às caraterísticas de sustentabilidade energética do modo de transporte ferroviário urbano, ou o tecido urbanístico da cidade for sendo recuperado e beneficiado, aumentando a densidade populacional intramuros,

será desejável a ampliação da rede de metro interna da cidade. Propõe-se assim como expressão da estratégia para o metropolitano de Lisboa, de acordo com o cumprimento progressivo de um plano integrado de prazo alargado e como exemplos de aplicação de fundos comunitários: •

a adaptação dos cais a 6 carruagens, acesso a pessoas de mobilidade reduzida (elevadores e instalações sanitárias adaptadas) e remodelação da ventilação principal nas estações de Areeiro e Arroios, acesso de pessoas com mobilidade reduzida e instalações sanitárias adaptadas nas principais estações que dele ainda não dispõem, nomeadamente nas estações de correspondência (Campo Grande, Colégio Militar, Baixa Chiado, Jardim Zoológico, Entrecampos), estudo de aproveitamento das águas nascentes no subsolo de Lisboa adjacente às galerias e estações do metropolitano e plano de reabertura das instalações sanitárias abertas ao público, reforço dos níveis de segurança da circulação com sistemas de proteção automáticos do tipo ATP/ATO (Automatic Train Protection/Automatic Train Operation) e CBTC (communications

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based train control) para redução da probabilidade de ocorrência de acidentes, completamento do esquema básico da rede: 0 prolongamento da linha vermelha de São Sebastião até à linha suburbana de Cascais, com correspondência em Alvito (ligação por elevadores a Alcântara), Belém e Algés e com correspondência com parque de estacionamento em Campolide para o transporte individual da A5, 0 prolongamento da estação Aeroporto a Campo Grande em viaduto a partir da zona do terminal T2, 0 prolongamento de Telheiras a Pontinha com viaduto entre o Eixo Norte-Sul e a estação Pontinha passando pela nova feira popular, 0 prolongamento Rato – Santos com correspondência por ligação hectométrica (tapete rolante) com Cais do Sodré e com desenvolvimento circular para reduzir a pendente, servindo Alcântara e o Museu Nacional de Arte Antiga, com futura extensão a Cacilhas, 0 prolongamento de Santa Apolónia às Comendadeiras e Poço do Bispo com futura ligação por metro ligeiro a Chelas e Sacavém, estudo de uma linha circular externa de metro de superfície, preferencialmente em viaduto, em sítio próprio, com correspondência com as estações de metro e das linhas suburbanas, de Algés, por Miraflores, Hospital Amadora-Sintra, Odivelas, Loures, Sacavém, Gare do Oriente, estudo de novo material circulante para satisfação do previsível aumento da procura a médio prazo (por um lado é expetável que a economia venha a crescer com consistência, e por outro lado é provável que o preço do petróleo suba, desincentivando o transporte individual) e sua compatibilização com um plano de introdução faseada na rede de catenária rígida, estudo da cobertura de bairros de menor carga de deslocações por meio de linhas de modos ligeiros de transporte, guiados ou não, de condução integralmente automatizada (driverless, condução autónoma),

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colocação de paineis fotovoltaicos e torres eólicas nas instalações oficinais e painéis fotovoltaicos na cobertura das estações à superfície, colaboração com as estruturas institucionais responsáveis pela gestão e organização do território de modo a integrar-se o planeamento dos transportes no planeamento organizacional do território, implicando assim desde a participação nos estudos de reurbanização, de implantação de atividades económicas e de estruturas viárias da área metropolitana até à participação nos estudos da problemática dos transportes urbanos como a gestão do estacionamento e das portagens de acesso ao centro da cidade.

O tema da expansão da rede será pormenorizado no capítulo 4 sob a forma de mapas de novos traçados.

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2 – fundamentação de uma rede de metro pesado

“pais civilizado não é aquele em que pobre anda de carro; é aquele em que rico usa transportes públicos” num cartaz numa manifestação no Brasil em Agosto de 2013 por educação, saúde e transportes públicos

“querer resolver os congestionamentos do trânsito com mais vias rápidas é como querer apagar um fogo com gasolina ............................ uma cidade que é boa para crianças, idosos, pessoas com mobilidade reduzida, pobres, também é boa para todas as outras pessoas” ENRIQUE PEÑALOSA ,

ex prefeito de Bogotá

“Anos atrás pensávamos que era possível reconstruir as cidades para homens e automóveis. Agora nós estabelecemos com precisão a incompatibildade do que é bom para o automóvel e do que é bom para o homem ............ a presença de automóveis deve ser reduzida” D . GARBRECHT ,

“A plea for life in town”, 1981

O menor consumo específico de energia (energia por unidade de percurso ou energia por massa transportada) dos veículos de roda de aço em contacto com carril quando comparados com os veículos de rodas de borracha em contacto com o asfalto conduz a economia no consumo da energia de transporte. Isso é devido ao menor atrito do ferro com ferro relativamente ao conjunto borracha-asfalto.

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Como consequência, para a mesma massa transportada e do veículo, a energia específica necessária para o arranque e para a manutenção da velocidade é inferior no veículo ferroviário. A resistência ao movimento de um veículo depende: – da massa total deslocada e de um fator fixo relacionado com o atrito de contacto da roda com o plano de rolamento, – da massa e de um fator variável com a velocidade, ligado ao atrito nas engrenagens da transmissão e nas caixas de rolamentos, e – da superfície perpendicular ao deslocamento, do quadrado da velocidade e de um fator de resistência aerodinâmica Ao comparar veículos de dimensões semelhantes ferroviários e rodoviários, verifica-se que é o coeficiente de resistência ao rolamento independente da velocidade, ou coeficiente de aderência, que mais os distingue, podendo ser cerca de 3 vezes superior no caso do contacto roda borracha-asfalto. Na fase de travagem, é possível ainda obter mais energia de regeneração (motores elétricos a funcionar como geradores) num veículo ferroviário de tração elétrica do que num veículo rodoviário também de tração elétrica (em que atinge mais rapidamente o valor mínimo útil de regeneração devido ao maior atrito de rolamento). A economia do veículo elétrico ferroviário, quando comparado com um veículo de tração por motor térmico é ainda devida ao maior rendimento do motor elétrico quando comparado com o motor térmico, que poderá compensar um eventual peso superior do veículo ferroviário para a mesma massa transportada. No entanto, considerando que o transporte ferroviário exige material circulante mais pesado, devido à componente de ferro nos transformadores e motores/geradores elétricos e a um peso mínimo por razões de estabilidade, a economia só se torna sensível a partir de um valor significativo de massa de passageiros a transportar. A economia de energia traduz-se em menores emissões poluentes, com vantagem adicional para o veículo elétrico nos casos em que recebe alimentação a partir de fontes de energia renovável, isto é, não

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fóssil (considerar no entanto o impacto ambiental devido à construção, operação, manutenção e abate dos equipamentos geradores). Esta condição traduz-se numa grande vantagem comparativa para os veículos elétricos. No caso de alimentação por catenária, os veículos estão a consumir energia cuja origem pode ser renovável. No caso de Portugal, país sem extração de petróleo, pode estimar-se em 300g de CO2 a emissão por kWh produzido (misto de energia com origem renovável e fóssil). Este valor tende a baixar, considerando as orientações comunitárias, a redução dos custos de construção, instalação e produção das centrais solares (fotovoltaicas e de sais fundidos) e eólicas e a inevitabilidade de redução das atuais rendas das energéticas nacionais. Mesmo no caso de um veículo elétrico autónomo, quer de baterias, quer de hidrogénio/células de combustível, a vantagem de menor poluição mantem-se, considerando que a carga de baterias e a produção de hidrogénio por eletrólise tem origem em fontes renováveis. A grande vantagem dos veículos com motor térmico consiste na elevada densidade energética dos combustíveis fósseis: 1l de gasolina/ gasóleo ou 1 m3 de gás natural contêm cerca de 10 kWh de energia, convertível com um rendimento de 33% em cerca de 2/3 de calor e 1/3 de energia mecânica útil. Isto é, um automóvel equivale a uma fábrica de produção principalmente de calor e cujo produto menor é a energia cinética do movimento. Comparativamente, um veículo elétrico com baterias apenas dispõe, dependendo da tecnologia das baterias, de 1kg de baterias por 0,1 a 0,2 kWh de energia (convertível com um rendimento de 70% em energia mecânica útil). No caso do motor elétrico alimentado por hidrogénio e célula de combustível, a densidade energética é de cerca de 1 kg de hidrogénio por 10 kWh (no entanto, o consumo de energia para a produção de 1 kg de hidrogénio por eletrólise é de cerca de 60 kWh). Esta vantagem do motor térmico fundamenta a sua utilização em percursos de transporte coletivo de baixa procura ou de transporte a pedido de pequena capacidade. Para o cálculo comparativo ferrovia-rodovia do consumo de energia primária, deverá ainda considerar-se o impacto energético da construção, operação, manutenção e abate das infraestruturas e mate-

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rial circulante e de apoio do sistema de transporte, incluindo os consumos energéticos dos edifícios e das deslocações dos empregados, para ambos os modos de transporte. Dispondo os metropolitanos de razoáveis áreas nos seus parques de manutenção que possibilitam a instalação de fontes de energia renovável, tal poderá contribuir para a redução do consumo específico de energia por passageiro.km . Consequentemente, isso inclui a contabilização, do lado dos veículos rodoviários, dos custos energéticos do transporte e refinação do combustível do poço à roda (a energia primária necessária para pôr uma unidade no veículo é cerca de 1,2 a 1,3 superior) e da quota de utilização das vias de comunicação em que circulam os veículos rodoviários, proporcional aos custos de construção e manutenção (teoricamente o imposto rodoviário e sobre os produtos petrolíferos destina-se a compensar essa utilização). No caso português, em que se privilegiou a construção de infraestruturas rodoviárias do tipo autoestrada ou via rápida para compensar a carência de vias de comunicação rodoviária pré-existentes, em detrimento da ferrovia, e em que o imposto sobre os veículos rodoviários é uma das principais componentes da receita fiscal, o investimento na ferrovia e em metropolitanos está em clara desvantagem, o que permite recear que a dependência dos combustíveis fósseis e a consequente sangria de importações continue. Nestas condições, considerando que em países de melhor organização territorial a percentagem de deslocações em transporte individual em áreas metropolitanas é da ordem de 10 a 30% do total de deslocações motorizadas, enquanto em Lisboa e Porto essa quota sobe para cerca de 60%, constituirá um objetivo válido a transferência de pelo menos 10% de deslocações para o modo ferroviário. Tal objetivo só poderá ser atingido, sem prejudicar a dinâmica do centro das cidades e a sua economia, através do aumento da oferta do transporte coletivo ferroviário ao mesmo tempo que se dificultará o transporte individual mediante subida do custo das deslocações individuais (custo do combustível, imposto sobre os combustíveis, fiscalização do estacionamento, portagens de acesso aos centros, limitação e fiscalização rigorosa da velocidade nas artérias residenciais das cidades).

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No capítulo 3 apresentam-se cálculos demonstrativos das afirmações anteriores, comparando a eficiência energética de 3 veículos distintos, um ferroviário urbano, designado por tram, um automóvel, designado por auto, e um autocarro, designado por bus. Numa ótica de melhoria da eficiência energética nos transportes e de redução de emissões de CO2, é possível obter o apoio comunitário para os financiamentos necessários (na condição de apresentação de projetos bem desenvolvidos e fundamentados), e desejável considerar, para além do anteriormente referido cumprimento progressivo de um plano plurianual de expansão integrado, o recurso a linhas de metro ligeiro de superfície em sítio próprio e em viaduto, cujos indicadores de rendimento são próximos dos metros pesados, beneficiando de menores custos de construção relativamente à construção subterrânea, e a menores custos de material circulante. E por maioria de razão, estudar o complemento da rede de metropolitano com percursos, guiados ou não, de modos ligeiros de transporte de condução integralmente automática, a pedido. Verificando-se um aperfeiçoamento permanente das tecnologias de tração dos veículos de transporte individual e da consequente melhoria da sua eficiência energética, bem como o aumento da atratividade dos modos de condução autónoma ou partilhados (aluguer expedito versus posse), convirá recordar que não é só a eficiência energética e a redução das emissões que são vantajosas para o transporte coletivo. De notar ainda que na própria tecnologia ferroviária têm sido observados progressos no sentido de maior eficiência: no tipo de tração elétrica, com motores assíncronos de baixa manutenção comandados por eletrónica de potência com transistores IGBT (insulated gate bipolar transistor) ou tiristores GTO (gate turn-off: um tiristor conduz apenas num sentido, iniciando a condução numa alternancia por impulso num instante controlável, e deixando de conduzir com a passagem da tensão por zero ou por impulso no terminal turn-off, podendo assim variar-se o valor eficaz da tensão de alimentação), com adaptação da força de tração ao binário resistente e regeneração nas travagens, no controle da aderência (anti-skid ou anti-patinhamento, e anti-slip ou anti-deslisamento) e na diminuição da resistência ao rola-

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